Série Mar Português: Sentinela de luz na ilha das gaivotas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.4
DATA: 2012-09-28
SUMÁRIO: Na era do GPS e das comunicações móveis, os faróis ainda servem para alguma coisa? Tudo indica que sim, na mesma medida em que as calculadoras não devem substituir o conhecimento da tabuada. E há mais: o património, a história, a magia. Todos os faróis são sítios muito especiais. Mas o da Berlenga é um caso à parte.
TEXTO: A torre cravada a meio do maciço granítico, no seu ponto mais alto, destaca-se mesmo à distância. É um pormenor incontornável na paisagem e vai ganhando detalhe à medida que o sobe e desce das ondas nos aproxima da ilha. Sim, a silhueta é inconfundível, mas bastam alguns minutos em terra - e pouco menos de um quilómetro de subida puxada pelo único caminho pavimentado da ilha - para descobrirmos que a Berlenga não tem um farol. Tem dois. O primeiro existe desde 1841 e a torre, edificada a 121m de altitude, mede 29 metros, projectando o feixe de luz até uma distância de 16 milhas náuticas (cerca de 30km). O segundo farol da ilha não ambiciona números tão pomposos, mas, em contrapartida, o seu nome merece maiúscula: o Farol é o cão. . . do farol. Simpático depois de ser apresentado, o pequeno rafeiro está na ilha em substituição de outro, também chamado Farol, que se reformou há algum tempo. Se o farol da Berlenga faz jus à fama de ter a envolvência mais dramática de todos os 48 existentes em território português, o Farol do farol também se ufana de ser especial: ele é o único cão autorizado a viver na ilha. Passa os dias deitado em cima do muro caiado de branco a olhar o mar e as curvas suaves da paisagem que o rodeia. E é nessa paisagem que reside o motivo para a sua solidão: não pode haver cães porque seriam uma ameaça para as gaivotas e restantes aves marinhas que nidificam por todo o lado. Nos meses de Verão, as Berlengas são um destino turístico popular (embora de acesso restrito, para evitar sobrecarga humana sobre a Reserva Natural). No resto do ano, só os vigilantes do serviço de parques (quase sempre) e os faroleiros (sem falta) disputam a paisagem às ruidosas aves marinhas e às rápidas, mas curiosas, lagartixas. O mar, aqui, tanto pode acariciar as rochas, formando grutas e enseadas no seu labor milimétrico, como esmagar-se sobre elas em iras assassinas. Quando assim é - e no Inverno acontece com alguma frequência - de nada serve o pequeno ancoradouro edificado junto ao chamado Bairro dos Pescadores e bordejando a única praia facilmente acessível da ilha. O mar toma posse de tudo, como se protegesse de estranhos a sua rocha de estimação. E, quando o mar não quer, não há maneira de se render a dupla de faroleiros que ali presta serviço - em tempos, registou-se mesmo um episódio inédito, quando a rendição teve de ser feita de helicóptero. É por isso que eles vão sempre prevenidos para uma estadia um pouco mais prolongada do que os sete dias da escala. Hora de ponta no caisUm amador até poderá ser levado a pensar que estas ondas que nos assaltam pela proa são grandinhas. Mas é melhor não tecer grandes considerações quando se fala do mar ao largo do cabo Carvoeiro. O Berlenga avança durante uns bons 40 minutos contra a vaga, que nos meses de bom tempo costuma chegar de norte ou noroeste. De vez em quando, sempre que a água cava com mais força, bate e projecta espuma sobre o convés. Durante alguns minutos, o faroleiro subchefe José Conceição, que comanda o farol do cabo Carvoeiro e, por inerência, também o das Berlengas, fornece informação histórica e técnica. Mas o mar é local de encantamento e haverá tempo, mais tarde, para voltar a estes assuntos. Por agora, os olhos só conseguem soltar-se da atracção magnética daquele pedregulho enorme que vai crescendo à nossa frente quando traçam meia volta confirmando a progressiva perda de imponência das falésias de Peniche.
REFERÊNCIAS: