Orbán acusa UE de condenar a Hungria por não querer ser um país de migrantes
Primeiro-ministro húngaro esteve no Parlamento Europeu na véspera da votação de relatório que pede abertura de processo contra Budapest por violar de forma sistemática os valores fundamentais europeus. Recusou-se a inverter o caminho. (...)

Orbán acusa UE de condenar a Hungria por não querer ser um país de migrantes
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Primeiro-ministro húngaro esteve no Parlamento Europeu na véspera da votação de relatório que pede abertura de processo contra Budapest por violar de forma sistemática os valores fundamentais europeus. Recusou-se a inverter o caminho.
TEXTO: Com um discurso breve mas inflamado no Parlamento Europeu, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, admitiu a possibilidade de ser iniciado o processo para activar o artigo 7º do tratado europeu contra a Hungria, acusada de desvio das normas democráticas. Mas colocou-se no papel de vítima, ele e todo o seu país, classificando a acção como uma “vingança contra o povo húngaro”, congeminada pelas forças de esquerda que não souberam digerir a derrota nas urnas. “Não vão condenar um Governo mas sim um país que faz parte da História dos países cristãos europeus há séculos”, declarou, assumindo a sua posição clássica de defensor da civilização cristã - face aos imigrantes muçulmanos. “A Hungria vai ser punida por ter decidido que não vai ser um país de migrantes. Mas não deixarei de proteger a fronteira e de defender o povo húngaro. Todos os países têm o direito de organizar a vida no seu território”, acrescentou. Segundo a eurodeputada dos Verdes, Judith Sargentini, relatora de um relatório sobre a Hungria aprovado pelo Comité de Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu, a governação de Orbán constitui “uma ameaça sistémica à democracia, ao respeito pela letra da lei e pelos direitos fundamentais”, e impede que a Hungria possa ser considerada um Estado de Direito. A lista de acusações contra o regime é extensa: censura dos media e da academia; nepotismo e corrupção no uso de fundos comunitários; perseguição de minorias (ciganos, judeus, LGBT) e de refugiados, negação de direitos económicos e sociais e vários problemas no funcionamento do sistema constitucional. O relatório Sargentini foi publicado dias depois de Orbán ter conquistado um terceiro mandato consecutivo, com uma expressiva maioria de 50% nas eleições legislativas de Abril. O Governo de Budapeste atacou o documento, que descreveu como uma “colecção de mentiras inqualificáveis”, e uma “inaceitável interferência nos assuntos internos de um Estado-membro”. Para activar o artigo 7º, é precisa uma maioria de dois terços no plenário do PE, o queé uma fasquia difícil de ultrapasar. Por isso não é fácil estimar qual será o resultado da votação PE do relatório SargentiniA votação representa a mais significativa escalada no braço-de-ferro entre Bruxelas e Budapeste: há muito que as instituições europeias vêm dando conta da sua “preocupação” com a deriva autoritária e nacionalista do primeiro-ministro, Viktor Orbán, e esta iniciativa é a mais clara censura à sua governação iliberal. “Usaremos todos os mecanismos à nossa disposição, e seremos implacáveis”, declarou o vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, que tem a pasta dos direitos fundamentais e Estado de Direito. Depois de Orbán chegar ao poder, em 2010, a Comissão Europeia abriu dezenas de processos de infracção contra a Hungria, por incumprimento das regras europeias nos mais variados domínios (segundo o Politico, uma lista preparada pela Comissão com a totalidade dos procedimentos abertos ultrapassa as 30 páginas). Na maioria das vezes, Budapeste acabou por recuar e emendar a sua legislação. Mas os casos recentes da lei do ensino superior e da regulamentação da actividade das organizações não-governamentais (ambos em avaliação no Tribunal Europeu) provam, pelo menos para o Parlamento Europeu, que o Governo húngaro continua a esticar a corda — e que chegou a altura de dizer basta. Se os legisladores europeus decidirem iniciar o procedimento do artigo 7º, o Governo de Budapeste poderá perder o seu direito de voto nas cimeiras europeias. Essa é a penalização máxima para a violação grave dos valores europeus. Mas mesmo que o processo chegue até aí, a suspensão do direito de voto dificilmente será aplicada, por causa da prerrogativa de veto dos Estados membros do Conselho. Num jogo de alianças regionais e ideológicas, Viktor Orbán prometeu ao Governo da Polónia travar a aprovação de sanções num procedimento semelhante lançado em Dezembro, quando Varsóvia recusou fazer marcha atrás numa controversa reforma judicial que Bruxelas diz põe em causa a independência dos tribunais. A garantia de solidariedade dos seus parceiros deixará Viktor Orbán “sossegado” quanto à possibilidade de perder a votação desta quarta-feira. Mas a eventual abertura de um processo contra a Hungria não deixará de ter consequências políticas profundas para a política europeia, num momento pré-eleitoral delicado. O líder húngaro sente claramente que o “momentum” populista lhe dá força: “Somos o partido de maior sucesso no Parlamento Europeu e estamos prontos para restabelecer a democracia na Europa nas próximas eleições de Maio”, avisou. O recado era dirigido ao Partido Popular Europeu, que tem uma escolha difícil: há muito que o Fidesz de Orbán se tornou um constrangimento para a maior bancada no Parlamento Europeu, que espera manter o seu domínio na próxima legislatura. Se aceitar a abertura do processo, o PPE estará para todos os efeitos práticos a abrir mão do Fidesz e dos seus actuais 12 eurodeputados (num total de 21 parlamentares húngaros). Vários membros garantiram que o procedimento contra a Hungria levará imediatamente à suspensão do Fidesz do grupo. O contexto actual, com as sondagens a apontar o encolhimento das maiorias dos partidos conservadores noutros países europeus, pode não ser o mais propício para “irritar” Orbán. Mas por outro lado, se a bancada continuar a cerrar fileiras em defesa do (cada vez mais) homem forte da Hungria, corre o risco de ser ainda mais penalizado pelo eleitorado dos maiores países europeus, que já não estão dispostos a dar uma terceira oportunidade ao regime húngaro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Manfred Weber, o presidente do PPE e primeiro candidato interno à liderança da Comissão Europeia após as eleições de Maio de 2019, conseguiu, até agora, conter uma rebelião e confrontação interna que levasse à expulsão do Fidesz, argumentando que esse passo levaria a uma radicalização ainda maior do partido húngaro. Mas o desconforto na bancada do PPE é indisfarçável. Os partidos da Escandinávia e Norte da Europa entendem que o Fidesz ultrapassou as “linhas vermelhas” dos valores democráticos com o seu discurso xenófobo e nacionalista e defendem abertamente a sua expulsão. “O PSD está muito à vontade, pois sempre manifestou a sua censura, e cada vez mais forte, à política do senhor Orbán. Essa é uma posição documentada nos votos”, disse ao PÚBLICO o eurodeputado Paulo Rangel. Esta quarta-feira, os eleitos do PSD aprovam o relatório Sargentini. Durante o debate, Manfred Weber lamentou que Orbán permanecesse determinado a manter o mesmo rumo e indisponível para chegar a compromisso.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD Partido Popular Europeu
Façam como a Austrália, diz Abbott, não deixem entrar ninguém
Política de Camberra é criticada pelas organizações de defesa dos direitos humanos e pela ONU. (...)

Façam como a Austrália, diz Abbott, não deixem entrar ninguém
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Política de Camberra é criticada pelas organizações de defesa dos direitos humanos e pela ONU.
TEXTO: O primeiro-ministro australiano Tony Abbott aconselhou a União Europeia a seguir o exemplo do seu país e repelir todos os migrantes chegados por mar, de modo a impedir os naufrágios mortais no Mediterrâneo. “Centenas, talvez milhares de pessoas, afogaram-se a tentar chegar à Europa desde África. O único meio de impedir estas tragédias é pôr fim à chegada dos barcos”, disse Abbott aos jornalistas. “É urgente que os europeus adoptem uma política muito firme que possa pôr fim ao tráfico de seres humanos no Mediterrâneo”, insistiu o primeiro-ministro australiano. Pouco depois de chegar ao poder, em Setembro de 2013, o Governo conservador de Tony Abbott lançou, com a ajuda do exército, a operação Fronteiras Soberanas para desencorajar os refugiados de chegarem à Austrália por via marítima. Antes de Abbott – e quando o país era governado por um executivo trabalhista –, as chegadas de migrantes eram quase diárias e pelo menos 1200 pessoas morreram no mar. Diz o actual Governo que, com a esta política, nenhum imigrante morreu no mar nos últimos 18 meses. A estratégia da operação Fronteiras Soberanas joga-se em duas frentes: imigrantes ilegais e requerentes de asilo. No caso dos ilegais, os barcos da marinha interceptam os barcos clandestinos e reencaminham-nos para o ponto de trânsito de onde eles partiram, que é quase sempre na Indonésia. No caso dos requerentes de asilo que chegam por barco à Austrália, estes são colocados em centros de retenção na ilha de Manus, na Papua-Nova Guiné, ou na ilha de Nauru, no oceano Pacífico. Aí ficam a aguardar a conclusão dos procedimentos administrativos de avaliação do seu pedido. Quando um pedido de asilo é considerado legítimo, o Governo de Camberra não autoriza o exilado a instalar-se na Austrália. As opções que lhe são oferecidas são três: voltar para o país de origem, ficar a viver num dos campos de retenção nas ilhas ou aceitar viver no Camboja, um dos países mais pobres do Sudeste asiático, com quem a Austrália assinou um acordo para este efeito. Os defensores dos direitos humanos denunciam esta política, considerando que a Austrália pura e simplesmente descarregou noutros países as suas responsabilidades. As Nações Unidas também acusam Camberra de fugir às suas obrigações enquanto país signatário da Convenção sobre os Refugiados de 1951, que estipula que os migrantes têm o direito de pedir asilo.
REFERÊNCIAS:
Étnia Asiático
1933, 2018 – Descubra as diferenças. Ou as semelhanças
Na América, a Grande Depressão conduziu ao New Deal. Na Europa, à guerra. Onde nos leva a Grande Recessão? A História pode ensinar-nos alguma coisa. (...)

1933, 2018 – Descubra as diferenças. Ou as semelhanças
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na América, a Grande Depressão conduziu ao New Deal. Na Europa, à guerra. Onde nos leva a Grande Recessão? A História pode ensinar-nos alguma coisa.
TEXTO: O que anda a ler Angela Merkel? O Mundo de Ontem, de Stefan Zweig, revela a imprensa alemã. Por que razão a palavra “Weimar” regressou ao debate político europeu durante os piores anos da crise do euro? Dois factos, aparentemente pouco relevantes e sem relação directa entre si, mas cuja resposta ajuda a compreender a inevitável tentação de comparar a Europa dos anos que mediaram entre as duas “guerras civis” que a devastaram na primeira metade do século XX e os tempos que vivemos hoje, depois de uma crise violenta que se abateu sobre o continente há quase dez anos. Dez anos separam o crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, do início da II Guerra Mundial. Dez anos nos separam hoje da queda do Lehman Brothers, o acontecimento que inesperadamente desencadeou a implosão do sistema financeiro norte-americano e a Grande Recessão à escala global. Vale a pena olhar para a realidade com as lentes da trágica metade do século XX europeu? Há algum paralelismo histórico que nos ajude a interpretar a ascensão dos movimentos populistas e nacionalistas em demasiados países da União Europeia e que levou Donald Trump até à Casa Branca? Há estudos académicos para sustentar teses diferentes, como sempre acontece. As semelhanças merecem atenção, as diferenças são evidentes. O Mundo de Ontem – Recordações de um europeu, escrito por Stefan Zweig entre 1940 e 1942 no seu exílio brasileiro, depois de ter abandonado a Alemanha nazi em 1934, nunca deixou de ser livro de cabeceira das elites europeias. As tiragens sobem e descem conforme as circunstâncias. Não foi apenas a chanceler alemã que resolveu relê-lo. “Só em França, este livro de Zweig vendeu 3, 2 milhões de cópias desde 2007”, lembrava o diário alemão Handelsblatt em Junho de 2017. O que faz desta obra autobiográfica de um judeu austríaco, nascido em Viena em 1881, um vício? É uma descrição poderosa, ainda que profundamente amargurada, de como ele viu o seu mundo desmoronar-se por duas vezes no tempo da sua vida breve, deixando-o sem pátria, sem raízes, sem cultura, desterrado num país longínquo onde morreu antes de saber da derrota do nazismo. Por que razão a vida dos seus pais e dos seus avós foi, do nascimento à morte, igual, segura, previsível, confortável, num certo sentido banal, durante um século de paz e de prosperidade europeia, e a sua uma constante descida aos infernos, a partir dos píncaros da mais sofisticada cultura? A lição que o livro de Zweig nos transmite é que os povos podem cair no abismo do nacionalismo e da guerra quase sem se darem conta. Zweig não é o único a reflectir sobre esta tragédia humana. Ensaístas, historiadores, escritores deixaram um fascinante legado que ainda hoje nos serve de guião para perceber a Europa desses anos — agora que, de repente, a História voltou a fazer a sua entrada em cena, depois do longo milagre de paz, de democracia, de prosperidade que os europeus ocidentais viveram desde os primeiros anos do pós-guerra, ao ponto de se esquecerem dele. Durante a primeira década após a unificação alemã e da reunificação do continente, a União Europeia mostrou-se capaz de resistir ao regresso dos velhos fantasmas, integrando os países que ficaram do lado errado da História depois da guerra, criando um modelo de partilha de soberania que foi a inveja do mundo e um Estado social como nenhum outro. A viragem do século mudou tudo. Primeiro com a queda das Torres Gémeas de Nova Iorque, depois com a queda do Lehman Brothers, o maior banco de investimento americano, que George W. Bush não quis resgatar com o dinheiro dos contribuintes, para se arrepender alguns dias depois. Como sempre, o destino da Europa estava estreitamente ligado ao do seu grande parceiro transatlântico. Em 2004 e 2005, dois grandes atentados terroristas em Madrid e em Londres puseram a nu o fracasso dos seus modelos de integração da imigração, sobretudo islâmica, lançando um intenso debate em torno do multiculturalismo britânico ou do modelo “republicano” francês. Em 2009 e 2010, o impacte brutal da queda de Wall Street atingiu em cheio a Europa, desencadeando uma profunda recessão, seguida de uma crise do euro que chegou a ameaçar directamente a existência da União Europeia. Foi nessa altura que a República de Weimar fez a sua entrada em cena. Um outro pequeno livro escrito em 1975 por Peter Gay, Weimar Culture, descreve o nascimento e a morte da República de Weimar, criada para cortar com o Império, que escolheu para capital uma pequena cidade da Turíngia, abandonando Berlim, monumental e prussiana . “A estonteante lista dos seus exilados – Albert Einstein, Thomas Mann, Bertolt Brecht, Walter Gropius, George Groz, Wassily Kandinsky (…. ) – faz-nos cair na tentação de idealizar Weimar, terra de Goethe, como única, centro de uma cultura sem limites, uma verdadeira idade do ouro”, escreve Gay. “Mas reconstruir este ideal sem mácula é trivializar as realizações da Renascença de Weimar. Parte dela resultava da ansiedade, do medo, de um sentimento crescente de condenação. Uma glória precária, uma dança à beira do vulcão. Uma cultura de outsiders, num breve, estonteante e frágil momento. ” Uma jovem república, minada desde o nascimento pelas guerras fratricidas entre comunistas e sociais-democratas, que não ouviu a marcha do nacional-socialismo. Ainda hoje, 80 anos depois, os alemães têm horror a um qualquer sinal de inflação, que associam à rápida escalada de Hitler, quando os efeitos do crash de 1929 na Bolsa de Nova Iorque se alastraram à Europa, acelerando a subida desenfreada dos preços e a queda abrupta da actividade económica. No final de 1923, durante o catastrófico período de hiperinflação na República de Weimar, o marco alemão, cujo câmbio com o dólar era de 4, 2 para um em 1914, passou para 4, 2 biliões de marcos em troca a unidade monetária americana. Em 1932, no ano em que Hitler subiu ao poder por via eleitoral, seis milhões de alemães, um terço da população activa, estavam desempregados. “Antes de 1929, o Partido Nacional-Socialista era uma força política marginal”, com 2, 6% dos votos em 1928, recorda o académico Antonis Kiapsis. Em 1930, obtém 18, 25% e, em Julho de 1932, 37, 2%, vencendo as eleições. Em Janeiro de 1933, Hitler toma posse como chanceler da Alemanha. Seis anos depois teve início a II Guerra. A Itália tinha um regime fascista desde 1922, mas é ao longo dos anos 1930 que partidos extremistas começam a ganhar terreno na Europa, da Roménia à Áustria, passando pela então Checoslováquia ou pela Bélgica, incluindo a Espanha. A Alemanha tornou-se austera desde aí. No início da última década, pela primeira vez desde a fundação, o cenário da desintegração da União Europeia chegou a estar em cima da mesa. A chanceler referiu essa possibilidade muitas vezes, para justificar à sua cedência a uma opinião pública que não queria saber da sorte dos países “gastadores” e “indisciplinados” do Sul, com o medo de contribuir para a ascensão de um partido de extrema-direita no seu país. Hoje a Alternativa para a Alemanha (AfD) é a terceira força política no Bundestag – liderando a oposição à “grande coligação”. Obteve 13% dos votos. Volta a colocar-se agora a questão a que Raymond Aron chamava “síndroma de Weimar”: até que ponto se deve condescender com os partidos nacionalistas? As comparações históricas não são fáceis, mesmo que possam ser úteis. O anti-semitismo existia na República de Weimar? Paul Bookbinder (Universidade de Massachusetts, Boston) pergunta, na sua obra Why Study Weimar Germany?: “Como podem as forças democráticas de uma sociedade combater os preconceitos e os estereótipos que levam ao ódio?” A questão é eterna. Regressemos ao tempo actual. “Talvez o maior custo da crise não seja económico mas político”, escrevem na Foreign Affairs Manuel Funk (Instituto da Economia Mundial de Kiel), Moritz Schularich (Universidade de Bona) e Christoph Trebesch (também do Instituto de Kiel). Talvez seja “a vaga de populismo que avassalou o mundo na última década, transformando sistemas políticos, fortalecendo extremistas e tornando a governação mais difícil”. “As crises financeiras conduzem habitualmente ao populismo e à polarização, mas a recente vaga populista está a durar mais do que as que se seguiram a anteriores crises – e a provocar mais estragos. ” Alguns exemplos a que os autores recorrem. “Os velhos sistemas de dois partidos em França e em Espanha foram varridos. As forças populistas de extrema-direita emergiram das margens, nalguns casos conseguindo grandes vitórias eleitorais. ” Estão no governo (ou apoiam o governo) na Áustria, na Itália ou na Finlândia. Já estiveram na Holanda e na Dinamarca. Mas também em Varsóvia, Budapeste ou Bratislava. Em 2015, estes três autores publicaram informação relativa a 100 crises financeiras e mais de 800 eleições nacionais em 20 democracias, desde 1870. Descobriram que os partidos de extrema-direita são sempre os principais beneficiários dos crashes financeiros. Os votos desviados para esses partidos aumentam em média 30%, as maiorias de governo tendem a estreitar-se e governar torna-se mais difícil, à medida que mais partidos anti-sistema entram nas legislaturas. Estes efeitos verificam-se na sequência de crises financeiras profundas, mas não dos ciclos económicos normais. As razões também são comuns. As pessoas revoltam-se contra as elites. O estudo indica que esta revolta não beneficia a extrema-esquerda. “Nos anos 1930, por exemplo, foi a pequena-burguesia alemã que permitiu a ascensão de Hitler ao poder. Da mesma maneira, a eleição de Donald Trump foi decidida pelas classes médias e as classes trabalhadoras. ”Assim, os populistas de direita “estão mais disponíveis para explorar as clivagens culturais e acusar os estrangeiros pelos problemas económicos ou apontar o dedo àqueles que supostamente põem os interesses de uma elite global acima dos dos seus compatriotas”. E porque é que este fenómeno está agora a prolongar-se por demasiado tempo, como defendem autores, em comparação com outras crises? Não apenas porque o choque foi tremendo, mas também porque foi apenas um “de uma série de disrupções ao longo dos últimos dez anos”. Os ataques terroristas e a vaga de refugiados são os dois acontecimentos que se juntam aos efeitos económicos da crise que, por sua vez, veio acentuar nas sociedades desenvolvidas a estagnação dos rendimentos da classe média, a precariedade do emprego jovem, o aumento das desigualdades, provocados pelo efeito da globalização económica. Tudo isto nos parece familiar. A incógnita é o que se vai passar daqui para a frente. São também evidentes as diferenças entre o mundo em que vivemos e aquele que existia na Europa e nos EUA quando rebentou a crise de 1929. Contrariando o destino europeu, três anos depois do crash, os EUA elegeram um líder que foi capaz de responder à destruição provocada pela Grande Depressão na sociedade americana. Franklin Roosevelt prometeu um New Deal e cumpriu, lançando as bases do Estado social, que ainda hoje perduram, aliviando progressivamente as tremendas feridas sociais. O seu programa de grandes investimentos para estimular a economia foi de tal ordem que ainda hoje são icónicas as obras construídas (também com o apoio do sector privado) para estimular a economia — do Empire State Building à Ponte de São Francisco. Hoje, o modelo social europeu continua a garantir um nível de protecção que impediria o drama vivido pelas massas de trabalhadores nos EUA durante a Grande Depressão. “Comparar os anos 1930 com os anos 2000 é uma missão arriscada. Nos 80 anos que passaram entre a Grande Depressão e a Grande Recessão, o mundo mudou. Foram constituídos grandes Estados sociais. A relação entre os mercados financeiros e a economia real mudou e voltou a mudar. Os EUA transformaram-se na suprema potência económica e militar. Na Europa Ocidental, a democracia representativa, ao contrário da situação dessa altura, estava institucionalizada e consolidada”, escreve Johannes Lindvall, da Universidade de Lund (Suécia). Mesmo assim, ele defende que a comparação entre as duas crises mostra um padrão comum. As primeiras eleições pós-crise 1929-33 e 2008-2011 nas 20 democracias que existiam em 1929 (Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Costa Rica, Checoslováquia, Dinamarca, Estónia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Letónia, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Suécia, Suíça, Reino Unido e EUA) revelam que as repercussões políticas foram muito semelhantes. “Os partidos da direita começaram por ser mais bem sucedidos do que os de esquerda, nas eleições realizadas a seguir ao crash, mas, depois de alguns anos, os partidos de esquerda começaram a recuperar. ”Harold James, historiador britânico de Princeton (EUA), tira conclusões semelhantes sobre os efeitos da crise na esquerda e na direita europeias: “A Economist lembrava que, nas eleições para o Parlamento Europeu de 2009, a esquerda moderada não conseguiu capitalizar uma crise económica criada à medida dos críticos do mercado livre. ” Prossegue: “Tony Judt considerava surpreendente que, ‘numa série de eleições europeias que se seguiram ao desmoronar financeiro, os partidos sociais-democratas obtiveram consistentemente maus resultados; apesar do colapso dos mercados, provaram ser incapazes de se erguer à altura das circunstâncias. ” Voltando a Lindvall, “a mais importante consequência política da Grande Depressão foi, evidentemente, a ascensão do autoritarismo de direita na Alemanha, Áustria, Europa Central e América Latina”. Carlos Gaspar (investigador do Instituto Português de Relações Internacionais) lembra, no entanto, que não há hoje à disposição dos movimentos anti-sistema duas ideologias totalitárias, prontas a ser usadas, como havia nos anos 1930 na Europa: o comunismo e o fascismo. O fascismo morreu no final da II Guerra com a vitória dos Aliados. O comunismo implodiu em 1989, com o fim da União Soviética. O Ocidente ganhou a Guerra Fria. Duas outras diferenças significativas entre as duas crises estão no nível de articulação entre as grandes economias que as instituições internacionais permitiram e também na disposição dos governos para intervir em grande escala nas economias. “A crescente densidade das instituições económicas internacionais permitiu aos governos, na Grande Recessão, ultrapassar alguns obstáculos à acção colectiva, associados à coordenação das políticas económicas”, escreve o académico de Lund. Ao mesmo tempo, os governos da França, Alemanha e Reino Unido “intervieram ainda em maior escala [do que os EUA]”. A Europa, no entanto, não conseguiu compreender imediatamente a dimensão da crise de 2008, encolhendo os ombros a um problema que era “dos americanos”. Sucederam-se as proclamações. “Le laisser-faire c’est fini”, disse Nicolas Sarkozy. Peer Steinbrück, ministro alemão da Economia, anunciou com um certo gosto que se tratava de “um problema americano” que levaria a que os EUA “perdessem o seu estatuto de superpotência do sistema financeiro mundial”. Menos exuberante, o vice-primeiro-ministro chinês lembrou com alguma ironia que “os professores estão com um problema”. A crise “acelerou o movimento lento mas inexorável do fim de um mundo centrado nos EUA, que começou com a queda do Muro de Berlim”, escreve Roger C. Altman na Foreign Affairs logo em Janeiro de 2009, definindo o crash de 2008 como “um recuo geopolítico do Ocidente”. A aceleração da ascensão da China foi o resultado mais visível. Richard Haass previu um mundo “não polar” – anárquico. Muitos autores anunciaram a morte do chamado “consenso de Washington” que inspirava o modelo de desenvolvimento de uma grande maioria de países, substituído pelo “modelo de Pequim”. Algumas destas previsões confirmaram-se, outras foram manifestamente exageradas. A realidade internacional era também muito diferente. Nos anos 1930, não havia mais do que duas dezenas de países que dominavam a economia mundial. Em 2008, com a globalização económica, as potências emergentes, apesar de severamente atingidas, conseguiram recuperar mais depressa e puxar pela economia mundial, quando o Ocidente caía em recessão profunda. Ao contrário da maioria das previsões, que apontavam para a grande oportunidade chinesa de “estrangular” a economia americana, vendendo dólares e títulos do Tesouro ao desbarato, isso não aconteceu. “Estrangular” os EUA implicava suicídio. Dez anos depois, algumas dessas previsões mais catastrofistas falharam. A repartição do poder mundial é hoje mais equilibrada, graças sobretudo à emergência da China como a principal candidata a superpotência, desafiando a hegemonia da América. Talvez a questão mais relevante tenha sido a cooperação entre as grandes e médias potências económicas, somando ao G7 (os países desenvolvidos) 13 países emergentes do resto do mundo e travando a tentação do proteccionismo que, nos anos 30, apenas serviu para acentuar a depressão e fomentar o nacionalismo. A primeira reunião do novo G20, que incluía China, Índia, Brasil, África do Sul, Indonésia, Turquia, Arábia Saudita, reuniu-se pela primeira vez em Washington em 2008, por iniciativa de Nicolas Sarkozy e de Gordon Brown. A segunda, em Abril de 2009, já com Barack Obama, foi um marco no consenso entre as maiores economias para travar os efeitos da crise financeira. Houve uma profunda recessão económica, mas não uma Grande Depressão. Citando de novo Carlos Gaspar, há um outro traço comum, acentuado pela Administração Trump. Tal como nos anos 1930, a potência hegemónica “está a abdicar do seu papel de garante da ordem internacional”, como a França e o Reino Unido abdicaram dele nessa altura — permitindo a invasão da China pelo Japão e a Guerra Civil de Espanha, a antecâmara da II Guerra. A China alarga a sua influência, depois de ter consolidado a economia. A Europa está mais dividida do que nunca. É o seu destino enquanto projecto de integração único no mundo e o mais eficaz antídoto contra o nacionalismo que também está em causa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Muita gente previu a sua morte depois da unificação alemã. É célebre a frase do historiador e académico britânico Tony Judt, escrita em 1997: “A Europa será alemã ou não será. ” O jornalista francês François Lenglet, na sua obra de 2008 La Crise des années 30 est devant nous, defende que “a bela ideia europeia é uma fénix que reaparece depois de cada crise internacional e morre imediatamente antes da seguinte”. Cita Paul Valéry para descrever a profunda depressão europeia depois da I Grande Guerra: “Nós, as civilizações, sabemos hoje que somos mortais. ” Mas a fénix europeia reaparece em meados dos anos 1920, “quando a economia do continente começa a estabilizar-se e a França e a Alemanha se aproximam, apesar das incessantes chicanas sobre as reparações de guerra”. Reactiva-se a ideia dos “Estados Unidos da Europa”. A França, pela mão de Aristide Briand (chefe do Governo) toma conta dela. A Alemanha aceita-a. “Como sempre, os povos estão preparados para a abertura, quando não têm medo do futuro”, escreve Lenglet. A euforia não durou muito. “Da mesma forma que a euforia económica tinha permitido aos europeus dar início à reconciliação, a entrada em cena da crise e do desemprego restabelecerá as fronteiras nacionais nos espíritos e nos factos. ” A França abandona pouco a pouco o seu desejo de Europa. Briand morre alguns meses antes da chegada de Hitler à chancelaria. O governo da Frente Popular liderado por Léon Blum, onde dominam os comunistas, começa bem, mas as greves e a redução do tempo de trabalho de 48 para 40 horas travam a economia. A Europa voltará a renascer como uma fénix depois da II Guerra. Para integrar a Alemanha, garantir a presença dos EUA e enfrentar a ameaça soviética. Foi construída por duas grandes famílias políticas: a social-democracia e a democracia-cristã. Hoje, a social-democracia atravessa uma profunda crise na maioria dos países europeus. Quase desapareceu em França ou na Grécia. Não criou raízes no Leste. Os seus redutos do Norte, incluindo o SPD alemão, vivem um declínio eleitoral que parece irreversível. O seu derradeiro sobressalto, que a levou ao poder numa maioria de países da UE na década de 1990 — a “terceira via” —, perdeu-se, incluindo no seu país de origem, onde o New Labour de Tony Blair deu lugar ao velho Labour de Jeremy Corbyn. Boa parte dos votos que perdeu foram para os partidos populistas e nacionalistas, animados pelos deserdados da globalização. No centro-direita, a crise é menos visível, mas a hora da verdade aproxima-se: o que fazer perante a ascensão dos partidos xenófobos e antieuropeus, saídos de um facelift que lhes deu uma aparência mais tolerável? Correm o risco de se partir. Ou de se render. Voltando a Zweig, o que não sabemos é se, de repente, a lenta evolução dos acontecimentos, a que não prestamos demasiada atenção, nos leva inadvertidamente até ao precipício.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Dos Açores à Rússia, a volta ao mundo nas ficções do real
Uma competição de primeira água no Porto/Post/Doc. (...)

Dos Açores à Rússia, a volta ao mundo nas ficções do real
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma competição de primeira água no Porto/Post/Doc.
TEXTO: E, chegados a Novembro, na sequência da presença cada vez mais significativa dos “cinemas do real” nos festivais de categoria A como Berlim, Cannes ou Locarno, depois do panorama exaustivo do Doclisboa, como é possível que a competição internacional do Porto/Post/Doc ainda nos traga surpresas e grandes filmes? Não estamos apenas a ser retóricos; se é verdade que o documentário é hoje um dos territórios mais fervilhantes do cinema moderno, a equipa de programação do ainda jovem festival portuense continua a encontrar pérolas a cada canto, mesmo que isso implique entrar pelos terrenos esquivos das “ficções do real”. A Family Tour, de Ying Liang (Trindade, dia 26, 18h45; e Rivoli, dia 28, 18h), é um exemplo disso: é uma narrativa que ficciona a experiência do seu realizador, exilado em Hong Kong depois da perseguição de que foi alvo por parte das autoridades chinesas, e o reencontro possível com a família que ficou para trás. É um dos 14 filmes escalados para a maior competição do festival até agora — o que se deve, segundo a organização, pela vontade de ter duas longas portuguesas a concurso. Que são dois filmes frágeis, delicados. Um já o conhecemos de Locarno: Sobre Tudo, Sobre Nada, diário de uma década na vida de Dídio Pestana, engenheiro de som, músico, viajante (Trindade, dia 28, 21h45; e Rivoli, dia 30, 16h). O outro é uma estreia — Hálito Azul, a mais recente aventura de Rodrigo Areias, aqui explorando a povoação açoriana de Ribeira Quente inspirado por Raul Brandão (Trindade, dia 25, 21h45; e Rivoli, dia 29, 16h). A fragilidade do filme de Pestana vem do olhar a nu sobre uma década da sua vida; a de Hálito Azul vem da indefinição do projecto, na sua essência um documentário sobre a Ribeira Quente com “interferências” narrativas, mais conseguido na vertente documental do quotidiano insular, menos convincente nas incrustações encenadas. É também isso que o americano Robert Greene atinge num dos melhores títulos da competição e, diríamos mesmo, do ano cinematográfico. Depois de Kate Plays Christine, premiado pelo IndieLisboa em 2016, Bisbee ‘17 (Trindade, dia 25, 18h45, e Rivoli, dia 27, 18h) prolonga o interesse de Greene pelas fronteiras esquivas entre o real e o fabricado. Em 1917, a cidade mineira de Bisbee, no Arizona, foi local da deportação de um milhar de mineiros, em greve pela melhoria das suas condições de vida e de trabalho. Cem anos depois, com a mina já fechada, uma comissão de residentes decide marcar o centenário do evento. Acompanhando a preparação das comemorações e registando as reconstituições históricas, Bisbee ‘17 concebe-se como uma meditação à volta da noção de comunidade por relação com o seu contexto social — a família que descobre que teve os dois irmãos patriarcas de lados opostos da barricada, os registos que revelam como a maioria dos mineiros deportados era imigrante, uma América que não nasceu com Trump mas já existia em 1917. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. São vários os filmes da competição que tocam nas questões da imigração e da comunidade. O brasileiro Karim Ainouz trata-a em Central Airport (Trindade, dia 27, 21h45; e Rivoli, dia 29, 18h): o aeroporto berlinense de Tempelhof, por onde passaram Hitler e a ponte aérea de Berlim, é hoje um centro de acolhimento para refugiados, comunidade à parte dentro de uma comunidade. Em Obscuro Barroco (Trindade, dia 25, 17h; e Rivoli, dia 29, 14h30), a grega Evangelia Kranioti percorre o Rio de Janeiro através dos olhos da artista e activista transgénero Luana Muniz (falecida após a rodagem do filme) e das palavras de Clarice Lispector, numa exploração das comunidades marginais através da capacidade de reinvenção e luta dos cariocas. E o galego Eloy Domínguez Serén foi a um campo de refugiados no deserto do Saara filmar Hamada (Trindade, dia 25, 15h; e Rivoli, dia 1, 16h): o quotidiano de três jovens sarauis presos no meio de nada. Filmar a vida num campo de refugiados pode rapidamente cair num retrato bem-intencionado mas miserabilista ou no panfleto activista; Serén não cai em nenhuma dessas armadilhas, mesmo que não escamoteie a pobreza a que os sarauis foram condenados pelo seu estatuto quase apátrida. Hamada constrói-se à volta de uma coisa tão quotidiana como um carro, símbolo de uma liberdade que os jovens teimam em procurar, aprendendo a guiar, arranjando carros, procurando emprego ou tentando emigrar. Numa competição tão inesgotável, ter-se-á que falar de Putin’s Witnesses (Rivoli, dia 26, 18h; e Trindade, dia 30, 21h45). , Vitaly Mansky, exilado na Letónia desde 2014, mergulha nos seus arquivos para redescobrir imagens do ano 2000 — ano I da era Putin. E que imagens: filmadas durante um período em que Mansky fez perfis televisivos de Yeltsin, Gorbachev e Putin, só agora mostradas revelam o momento em que a Rússia mudou sem que o notássemos, com algo de profético do que aconteceria nos 20 anos entretanto decorridos. Putin’s Witnesses é também um mea culpa de Mansky através de uma voz off que questiona a sua convicção daqueles tempos, testemunha cujo estatuto neutral de observador se transformou em cúmplice da ascensão do presidente russo. Se Vitaly Mansky fala de 2000, Sergei Loznitsa fala de 2018 e das consequências da ascensão de Putin em Donbass (Rivoli, dia 26, 21h30; e Trindade, dia 29, 18h45), filme-gémeo da via sacra Uma Mulher Doce mas também da sua obra-prima documental Austerlitz. Inspirado pelas “repúblicas populares” pró-russas da Crimeia e pela manipulação mediática russa, é uma sucessão progressivamente mais desconfortável de episódios aparentemente desligados entre si, de um absurdo desesperado tornado em humor escarninho e negríssimo, entre Roy Andersson e Franz Kafka. É um retrato de uma realidade desintegrada, onde tudo é verdadeiro e falso e se torna impossível fazer a distinção, com o virtuosismo formal e a lucidez alucinada que reconhecemos ao ucraniano. É coisa para deixar o espectador sem fé na humanidade, mas é também o filme ideal para falar de “ficções do real” num tempo em que o real parece, ele próprio, uma ficção.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave imigração campo mulher comunidade social pobreza perseguição imigrante deportação
Wolfgang Schussel: “A Europa é o que resta do Ocidente”
O antigo chanceler austríaco diz que é preciso ter paciência com Orbán. A China é o verdadeiro desafio. O maior problema de Trump é ter abdicado da liderança mundial. A Europa é o que resta do Ocidente mas não consegue preencher totalmente o vazio. (...)

Wolfgang Schussel: “A Europa é o que resta do Ocidente”
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: O antigo chanceler austríaco diz que é preciso ter paciência com Orbán. A China é o verdadeiro desafio. O maior problema de Trump é ter abdicado da liderança mundial. A Europa é o que resta do Ocidente mas não consegue preencher totalmente o vazio.
TEXTO: O antigo chanceler austríaco (entre 2000 e 2007), de centro-direita, tem hoje uma intensa actividade de conferencista e participa em várias instituições dedicadas à reflexão sobre o mundo, incluindo a China. Foi durante o seu tempo que, pela primeira vez, a União Europeia aplicou sanções a um Estado-membro por incluir no governo um partido de extrema-direita. Que regressou outra vez. Wolfgang Schussel esteve em Lisboa a convite da Sociedade Francisco Manuel dos Santos para participar num encontro do grupo. Veio a Lisboa falar sobre a Europa. Quando foi pela primeira vez chanceler, em 2000, a Europa só tinha 15 países. Teve uma série de problemas quando fez uma coligação com um partido de extrema-direita. Hoje há partidos nacionalistas e populistas em quase todos os países europeus, sendo que alguns estão em coligações governamentais ou apoiam os governos nos parlamentos. Como é que explica este ressurgimento? É só por causa da imigração?O populismo é um velho fenómeno político na América e na Europa. Já Cícero aconselhava o seu irmão sobre o que é uma boa campanha eleitoral: promete tudo e não faças nada. É esta a característica do populismo, que é de esquerda e de direita, convém não esquecer. O Syriza, o Podemos são partidos populistas de esquerda. E mesmo em partidos centristas temos tendências populistas e nacionalistas. Mas como explica este surto actual?Há três elementos. O primeiro é a insatisfação com a actual situação política. Um exemplo. Na Alemanha, seja qual for o partido em que os alemães votem, o resultado é sempre o mesmo: uma “grande coligação”. E isso implica o reforço dos extremos – o Die Linke e, agora, a AfD [Alternativa para a Alemanha, extrema-direita]. Na Áustria era a mesma coisa. Sim. Nós costumamos dizer que somos peritos em transformar uma “grande coligação” numa “pequena coligação”. Se o resultado das eleições conduz sempre ao mesmo governo, se é impossível derrotar quem governa, se não há alternativa – a célebre TINA –, as pessoas começam a ficar insatisfeitas e, ou abstêm-se, ou votam nas franjas ou nos extremos. O segundo ponto tem a ver com a crise financeira, que desempenhou um papel importante. Não se esqueça que Ben Bernanke [anterior Presidente da FED] lhe chamou a primeira crise financeira global, incluindo a Grande Depressão nos anos 1930. Houve uma queda de 90% nos mercados financeiros globais; em dos ou três meses, uma queda de 20% no comércio mundial. Durante a Grande Depressão foram precisos dois anos para chegar ao mesmo resultado. A crise financeira foi uma enorme ameaça à confiança nas economias e nas democracias ocidentais. E, evidentemente, a crise migratória também mudou muitas coisas. Há alguns números impressionantes. Creio que, na América, o número de hispânicos cresceu de 5% para 18% em 30 anos. Na Suécia, nos últimos 30 anos, os imigrantes passaram de quase zero para 19%. Na Alemanha são 20%. Na Suíça, 25%. Na Áustria, 55% das crianças de Viena que começam a escola primária não falam alemão correntemente. Cinquenta e cinco por cento?Cinquenta e cinco por cento não falam alemão em casa. Isto é um enorme desafio. Na Europa de Leste há ainda mais um elemento a tomar em consideração: a perda de população. Letónia e Lituânia perderam pelo menos 30% da sua população desde a entrada na União Europeia. Na Polónia, cerca de um milhão de pessoas deixou o país e vive hoje sobretudo no Reino Unido. Acabo de vir da Bulgária, que perdeu mais de 20% da população. Emigração para o Ocidente?Sim, para a Europa Ocidental. A Roménia perdeu três milhões de pessoas. A Hungria, um milhão. Tudo isto significa alguma coisa e tem contribuído para uma viragem em direcção à procura da sua própria identidade. Eles têm medo de se verem alienados perante a vaga de imigrantes, na sua maioria de origem islâmica, mesmo que essa vaga se tenha dirigido sobretudo para a Suécia, Alemanha e Áustria e não para a Bulgária, Polónia ou Roménia. Mas eles têm medo. Devíamos ter um pouco mais de paciência com eles. Mesmo com Viktor Orbán?Sem dúvida. O verdadeiro problema da Hungria, que de resto vai bastante bem, é que tem três partidos sociais-democratas que se digladiam mais entre si do que contra Orbán. Devo dizer-lhe que não estou nada preocupado com a Hungria, porque a sociedade civil está viva e capaz de criticar. O mesmo se passa na Polónia. Nenhum jornalista está na prisão, como sabe. Não estamos a falar da Turquia ou da Rússia. É uma realidade completamente diferente. Claro que temos de criticar alguns aspectos que infringem as nossas leis. Mas temos de fazê-lo através do diálogo com eles e não acerca deles. Portanto, não concorda com a decisão do Parlamento Europeu de abrir um processo de infracção contra a Hungria…Não, não concordo. Claro que é preferível ter um processo que abra as portas para um diálogo. Creio que a Comissão tem feito o que deve: confrontar o governo húngaro e o polaco com as críticas à violação de certos princípios. Têm de ser criticados. Mas temos de evitar a tentação de lhes dar lições. Devemos ter mais paciência, porque eles tiveram cinquenta anos de opressão comunista e precisam de tempo para aprender como é que se vive em conjunto. Em 2000, durante uma presidência portuguesa da União Europeia, foram aplicadas sanções diplomáticas ao seu país, ainda que meramente informais, quando o senhor formou um governo com a extrema-direita de Joerg Haider. Qual foi a sensação?Magoou. Magoou. Em primeiro lugar, magoou-me a mim, pessoalmente, que fui sempre um pró-europeu. As pessoas conheciam-me e podiam confiar em mim. E a verdade é que, seis ou sete meses depois, as sanções acabaram. Não se podem fazer estas coisas por antecipação. É preciso esperar que alguma coisa de negativo aconteça. Nós nunca violámos os valores europeus…Mas as sanções foram apenas diplomáticas e nem sequer estavam nos tratados. Também visavam os cidadãos, houve cancelamentos de programas europeus, os austríacos não puderam candidatar-se a postos internacionais. Não eram assim tão informais, tinham substância. Foi depois disso que desenvolvemos com os italianos os procedimentos que estão no Artigo 7. º do Tratado, no qual se prevê que é preciso ouvir e conversar [antes de aplicar sanções]. Dois anos depois, em novas eleições, o seu partido obteve uma vitória (tinha sido o terceiro nas eleições anteriores) e o partido de Haider, que tinha sido o segundo, caiu para 10%. Isso quer dizer que a responsabilidade de governo pode moderar esses partidos? Hoje, pode acontecer a mesma coisa?O Partido da Liberdade não é a AfD. É um dos mais velhos partidos da Áustria e vai mudando conforme a conjuntura. Têm três alas: uma nacionalista, uma liberal e outra populista. Cada uma luta contra as outras pelo controlo do partido, o que explica, de algum modo, a implosão de 2002, quando passou de 27% para 10% e nós passámos de 27 para 42%. Foi uma enorme vitória. Isso significa que, se os incluímos, eles perdem imediatamente o seu sector populista, o voto de protesto. Não perdem os votos nacionalistas moderados nem os votos liberais. O mesmo acontece, de resto, na Dinamarca, na Suécia ou na Finlândia. Como lidar com estes partido?Se estão dispostos a aceitar um programa moderado, podemos lidar com eles, caso contrário, não é possível. Foi o que fizemos: desde o primeiro momento dissemos que a Europa estava fora de qualquer negociação. No meu tempo, durante os primeiros dois anos, votámos por unanimidade o tratado constitucional europeu e votámos unanimemente o alargamento a Leste – houve um voto contra –, e isso acabou por ser positivo. Mas, para eles, custou-lhes votos, naturalmente. A Europa foi construída contra os nacionalismos, que tinham levado às guerras totais da primeira metade do século. Em que medida o poder crescente destes partidos pode erodir a integração europeia?Permita-me que a corrija. Creio que a Europa não foi construída contra o nacionalismo, foi construída contra o fascismo e, depois, contra o comunismo – contra ideologias totalitárias. A ideia de integração não aboliu o Estado-nação, pelo contrário, reforçou-o. As nações europeias são demasiado pequenas para resolver os grandes problemas: alterações climáticas, moeda, política externa, defesa, protecção das fronteiras externas, etc. . . Mesmo assim, apesar de todas essas questões terem de ser tratada ao nível europeu, mantemos uma enorme margem para gerirmos os nossos países – saúde, educação, segurança social. Temos de nos habituar a respeitar o princípio da subsidiariedade. Disse hoje que a Europa não pode salvar-se pela rigidez e pela centralização, mas pela flexibilidade e pela subsidiariedade. O que precisamos de fazer, até para combater o populismo de direita e de esquerda, é tentar encontrar o equilíbrio entre as áreas que temos de fortalecer a nível europeu e o que podemos fazer a nível nacional ou até regional. Quando olha para o futuro da Europa, quais são os maiores desafios a vencer para que as coisas corram bem?Olhe, a próxima grande questão é o "Brexit". Não posso lamentar mais a saída do Reino Unido e creio que Portugal pensa o mesmo. Os britânicos sempre acrescentaram alguma coisa que nós, na Europa Central ou na Itália ou na Grécia, não temos nos nossos genes: a visão geopolítica, a abertura, os mercados livres, a globalização. Também a ideia de que cada país deve manter o controlo em algumas áreas, a ideia de subsidiariedade de que já falei. O Reino Unido é o país mais eficaz em matéria de defesa mas também na qualidade da sua diplomacia. Este espírito e estas capacidades vão fazer-nos falta. Mas tem de haver um acordo. Não haver acordo será uma situação terrível para ambos os lados. Depois do Brexit, o que falta fazer?A coisa mais importante para o próximo ano é encontrar as pessoas melhores, mais brilhantes, mais competentes, mais enérgicas para os postos relevantes da União Europeia – presidente da Comissão, chefe da diplomacia, presidente do Conselho Europeu, presidente do BCE. Os melhores e os mais brilhantes. O terceiro desafio é, claro, ao nível da geopolítica: a ascensão da China, a alienação da Rússia, a ausência da liderança americana. A Europa é o resto do Ocidente e, por isso, temos de assumir a nossa responsabilidade global no domínio da política externa, da política de defesa, apoiando o sistema multilateral e as suas instituições. Se não o fizermos, ninguém o fará. E acredita que a Europa é suficientemente forte, mesmo sem o Reino Unido, para substituir os EUA na defesa da ordem liberal?Em certa medida, será com o Reino Unido, por isso é tão importante conseguir um bom acordo com eles, o que exige alguma flexibilidade e compromisso de ambas as partes. Mas, com todos os nossos problemas, não subvalorize o facto de sermos sociedades prósperas e pacíficas, termos instituições resistentes e boas democracias. Quem a não ser nós?Mas precisamos de uma liderança forte. A chanceler Angela Merkel não está num dos seus melhores momentos e não se sabe se ainda vai recuperar…Não a risque já da paisagem. Não me parece que vá desaparecer, mesmo que seja tempo de começar a discutir a sua sucessão. Macron está lá e esperamos que sobreviva a este mau momento. Precisamos dele, com a sua energia e a sua determinação. E não se trata apenas da França e da Alemanha - é preciso que os países de média dimensão, como a Áustria, Portugal, Holanda, Bélgica, Republica Checa, Grécia, Hungria, façam a sua parte. Pela primeira vez desde a II Guerra, há um Presidente americano que não gosta da integração europeia nem da relação transatlântica. É só um fenómeno temporário? É uma tendência mais profunda?É uma boa questão mas, às vezes, as boas questões nem sempre encontram uma boa resposta. Penso que as coisas começaram muito antes de Trump, com a legislação extraterritorial, por exemplo… E nem tudo aquilo que Trump começou é necessariamente negativo. Ele tem razão quando critica a China e é interessante observar como a China está hoje mais disposta a fazer cedências do que estava antes. Por causa do gigantesco mercado americano. Claro. A questão da Coreia do Norte ainda não está resolvida, mas creio que as perspectivas são melhores agora. Creio também que as críticas aos aliados europeus sobre as suas despesas com a defesa são correctas. Creio que nem tudo é assim tão negativo. Mas sua visão e os seus métodos…São completamente diferentes dos nossos. Ele é um deal-maker e deals versus rules é exactamente o que nos divide. Ele quer deals, nós defendemos regras, queremos uma ordem internacional assente em regras comuns. Mas, mais uma vez, a retórica é uma coisa e a realidade é outras. Jean-Claude Juncker negociou com ele e o resultado foi positivo. Vi agora as notícias sobre o acordo com o Canadá, que já tinha conseguido com o México, para o NAFTA com outro nome…E com um resultado muito mais favorável aos EUA, que têm poder para impor o que querem. Sim. Mas não foi uma “guerra comercial”. Foi melhor para os interesses americanos, com certeza, mas não deixa de ser um acordo. Eu não diria que é tudo 100% negativo, como muita gente diz. Mas isso não quer dizer que não devamos estar verdadeiramente preocupados. Sobretudo porque a América se ausentou do seu papel de líder do Ocidente. E isso é um problema. Precisamos de aliados e a América era o nosso principal aliado. Se abandonar o seu papel fundamental, abrir-se-á um vazio, o que nunca é bom. E a Europa não pode preenchê-lo sozinha, isso nós sabemos. Pensa que os europeus estão dispostos a ter menos Estado social e mais carros de combate?Não creio que seja sobre carros de combate. Do que precisamos é de mais cooperação digital, mais logística, muito mais cooperação nos serviços de informações. Não é tanto sobre tanques e dinheiro, é sobre cooperação, o que até há pouco tempo era um tabu. Não estou assim tão pessimista. O que sabemos é a jornada fascinante de um continente que viveu 300 anos de conflito, com mais de 120 guerras, e que vive há 70 anos em paz. Multiplicámos a nossa riqueza por 50. Para manter-se assim, a União Europeia precisa de se apresentar no mundo com uma estratégia comum. Ainda não estamos lá e a China e a Rússia continuam a apostar na divisão da Europa. Concordo. Mas, ao mesmo tempo, devíamos evitar empurrar a Rússia para os braços da China, enquanto parceiro menor. A Rússia só tem duas opções: ou se vira para o Ocidente, para a Europa, ou se vira para Leste, para a China. Mas, para a China, a Rússia representa apenas 10% da sua população, cerca de 5% da sua economia. Sem negligenciar os problemas que temos com a Rússia, devíamos pensar como é que podemos vencer esta ameaça. Embora seja difícil, depois da Ucrânia. Claro que é difícil. Mas se conseguimos ultrapassar as ameaças da Guerra Fria e integrar antigos países comunistas, se a América está a negociar com a Coreia do Norte, por que razão não havemos de conseguir encontrar formas de compromisso com a Rússia, criando uma espiral positiva a partir desta crise ucraniana?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E como olha para a China, a principal candidata a nova superpotência?Já é uma superpotência, pelo menos na Ásia. Está a investir imenso nas capacidades militares, na digitalização – representa hoje 20% do investimento global no sector, cerca de 230 mil milhões de dólares –, têm companhias gigantescas como a Ali Baba e outras. O Partido Comunista Chinês está a reforçar a centralização do poder e utiliza algumas virtudes da nossa democracia, como o combate à corrupção, a meritocracia, escolhendo os melhores para as funções do partido. É uma experiência interessante e devemos ter consciência de que eles nos desafiam através de uma competição entre sistemas: autocracia mais elementos da economia de mercado versus democracias liberais mais economias de mercado. Nasceu num país que, até ao fim da Guerra Fria, estava no fim de uma rua sem saída. Agora está no centro da Europa. Crê que continua a ser útil conhecer a história europeia da primeira metade do século XX para evitar cometer os mesmos erros fatais?É importante lembrar a História porque compreendê-la ajuda a compreender o presente e o futuro. Mas creio que é muito mais importante concentrarmo-nos no futuro. Nós tivemos duas oportunidades extraordinárias em 1989: a perspectiva de adesão à União Europeia, quando a Cortina de Ferro caiu. Cinquenta por cento das nossas fronteiras estavam cercadas pela Cortina de Ferro. O meu primeiro circulo eleitoral como deputado foi no Nordeste, exactamente por onde passava a divisão e ninguém sabe que, ao longo da fronteira austríaca, tivemos mais vítimas – refugiados à procura de asilo, que foram assassinados ou feridos –, do que na muito mais longa fronteira entre as duas Alemanhas. Foi um dos pontos mais sangrentos. Desde 1989, mais do que duplicámos a riqueza produzida, quadruplicámos as exportações, multiplicámos por dez o investimento interno e estrangeiro – foram tempos extraordinários para nós. As pessoas sabem isso. A adesão foi aprovada em referendo por mais de dois terços dos votos. Hoje, quando se pergunta aos austríacos se querem sair, 90% respondem que não e 10% dizem que sim. Não estamos a olhar para o passado, não somos nostálgicos, não olhamos para a monarquia ou para os bons velhos tempos, que nunca são tão bons como os pintamos. Em qualquer dos nossos países, não só no meu. Por isso, digo que nos devemos concentrar no futuro.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Um ano de crises nos três pilares que sustentam a Europa – não se prevêem melhorias
Macron está em queda, mesmo que não seja fatal. É sempre difícil substituir a actriz principal. O Brexit e Trump são duas faces da mesma moeda. 2018 foi também (ou principalmente) a crise dos três grandes pilares da União Europeia. Não se prevêem melhorias. (...)

Um ano de crises nos três pilares que sustentam a Europa – não se prevêem melhorias
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Animais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Macron está em queda, mesmo que não seja fatal. É sempre difícil substituir a actriz principal. O Brexit e Trump são duas faces da mesma moeda. 2018 foi também (ou principalmente) a crise dos três grandes pilares da União Europeia. Não se prevêem melhorias.
TEXTO: Talvez tenha sido esta a marca mais relevante do ano europeu que agora chega ao fim: a instabilidade, para dizer o mínimo, que vivem os países da União Europeia habitualmente designados por “três grandes”, aqueles que, por força da sua dimensão, da sua economia ou da sua influência política, têm um peso quase sempre determinante no destino da Europa. É quase desnecessário designá-los: Alemanha, França e Reino Unido. Os dois últimos são duas velhas nações que já foram impérios, habituados a exercer no mundo uma influência que vêem como indo além do seu peso relativo, que ocupam dois dos cinco lugares permanentes no Conselho de Segurança e que possuem uma capacidade militar ainda hoje relevante. A Alemanha ainda é um caso à parte. O seu poder vem-lhe dos 83 milhões de habitantes, mas sobretudo do peso da sua economia, a quarta do mundo, atrás dos EUA, da China e do Japão, e o pilar fundamental da moeda única europeia. A crise financeira, que rapidamente se transformou numa crise do euro, aumentou ainda mais esse poder, permitindo-lhe ditar as condições da sua resolução e as regras do seu funcionamento futuro. Continua, no entanto, a ser uma potência relutante graças à sua história recente. É uma nação mais jovem, imperial na Europa mas não fora dela. Ocupa o centro da integração europeia, no sentido em que nada se pode fazer contra a sua vontade, mesmo que alguma coisa se possa fazer sem ela. Quer liderar a Europa mas (ainda) não quer pagar os custos inerentes a quem lidera. Não é uma potência clássica, como os seus dois grandes parceiros europeus, mas evoluiu durante a crise e, sobretudo, quando se viu confrontada com a chegada à Casa Branca de um Presidente nacionalista que rasgou a política que os EUA definiram para a sua relação com a Europa desde a II Guerra e que fez precisamente da Alemanha o seu “principal inimigo”. Esta evolução é recente. Basta lembrar que, quando Paris decidiu intervir no Mali (2014), Berlim comentou, ainda que em voz baixa, que não tencionava pagar as guerras da França. Hoje dá apoio às forças francesas no Sahel para conter a expansão do fundamentalismo islâmico. A grande viragem da política externa alemã deu-se, no entanto, em 2014 quando a Rússia invadiu o Leste da Ucrânia e anexou a Crimeia. O reforço da capacidade militar europeia, a começar pela própria, passou a figurar no topo da sua agenda política, acentuado pelas inúmeras declarações do Presidente americano sobre a irrelevância da NATO. “Os Estados Unidos pagam pela protecção da Europa e perdem biliões no comércio. [Os aliados] têm de gastar imediatamente 2% do PIB na defesa e não em 2025” – o “grito de guerra” de Trump na primeira cimeira da NATO, dirigido em primeiro lugar a Berlim. “Quando ele fala dos aliados, quer dizer Alemanha. Quando fala da União Europeia, quer dizer Alemanha”, diz o antigo embaixador americano na NATO, Ivo Daalder, citado pela New Yorker. A Alemanha deixou de poder não ouvir. Uma forte aliança com os Estados Unidos e uma sólida relação com a França foram os dois pilares da política externa alemã desde a fundação da República Federal. O primeiro pilar está posto em causa pela actual Administração americana. A adaptação não é fácil. “É como se os nossos pais nos dissessem, depois de muitos anos, que afinal nunca gostaram de nós”, diz um diplomata alemão citado pela New Yorker (How Trump Made War on Merkel and Europe, de Susan B. Glasser). Internamente, a Alemanha também está em profunda mudança, o que acaba por ter um forte impacte na União. Estabilidade era o nome do sistema político alemão. Deixou de ser. O velho sistema de três partidos, com os liberais a fazerem de charneira deu lugar a um sistema de seis, incluindo dois que defendem soluções extremistas – sobretudo à direita, com a AfD, mas também à esquerda, com o Die Linke. Ao mesmo tempo, o declínio dos dois grandes partidos centrais, a CDU e o SPD, foi pondo em causa a anterior estabilidade política, forçando Angela Merkel em três dos seus quatro mandatos a ter de governar com uma “grande coligação”. A chave para explicar o que aconteceu é, em primeiro lugar, a unificação alemã no início dos anos 1990 do século passado. A crise do euro, a crise da imigração, a própria crise europeia concluíram a fragmentação política, afectando também, de uma forma ou de outra, a própria natureza dos partidos. O desenlace mais negativo deu-se nas últimas eleições, em Setembro de 2017, quando a AfD conseguiu eleger 94 deputados para o Bundestag, adquirindo o estatuto de líder da oposição. A abertura aos refugiados da guerra na Síria em 2015 abriu feridas antigas, num país que só recentemente alterou a lei da nacionalidade no sentido de atribui-la a quem não tenha sangue alemão. A extrema-direita cavalgou os efeitos da imigração, que substituiu o euro como o tema central da política alemã. As duas crises somadas – do euro e dos refugiados – acabaram por criar novas tensões na relação entre a Alemanha e a União Europeia, acentuando uma tendência “unilateralista” que alimentou velhos e novos anticorpos nos seus parceiros europeus. A construção do Nord Stream 2, para trazer directamente o gás russo para a Alemanha (está prevista a sua conclusão em 2019), contornando a Ucrânia, a Polónia e os Bálticos, continua a incomodar muitos parceiros europeus e a própria Comissão. Berlim sente o incómodo mas lembra que a Rússia depende muito mais das divisas estrangeiras do que a Alemanha depende do seu gás. A confiança e a admiração que a chanceler conseguir conquistar atenuam alguns receios. Mas Merkel, caminha rapidamente para o seu ocaso, fazendo temer um vazio de liderança, mesmo que transitório, no coração da Europa. A chanceler abandonou em Dezembro a liderança da CDU, fazendo-se substituir por Annegret Kramp-Karrenbauer, a herdeira que ela própria escolheu, e tencionando cumprir até ao fim o seu mandato, que termina no Outono de 2021. Mas quando se ocupa o centro do palco durante tantos anos, nunca é fácil substituir a actriz principal. Do outro lado do Reno, a eleição de Emmanuel Macron em Junho de 2017 foi olhada simultaneamente como um alívio e uma lufada de ar fresco. As credenciais europeístas e reformistas do Presidente francês pareciam ser um bom sinal para o reforço do eixo Paris-Berlim mas também para uma nova ambição da Europa, num mundo que lhe é cada vez mais adverso e que, por isso, lhe exige cada vez mais. Macron operou uma revolução no sistema partidário francês, criando do zero um grande partido de centro radical, a República em Marcha, destruindo pelo caminho o velho sistema partidário assente no Partido Socialista e nos Republicanos, e contendo a progressão constante da Frente Nacional (hoje União Nacional) de Marine Le Pen. Queria “refundar” a Europa a partir do reforço político do núcleo central dos países do euro e de uma geometria variável em que os restantes avançariam ao seu próprio ritmo. Durante um ano, esperou por uma resposta consistente de Berlim às suas ideias. Merkel deu algumas entrevistas respondendo com demasiada prudência ao desafio de Macron, mas a sua resposta à questão central da reforma da zona euro ficou muito aquém das propostas do Presidente francês. Não saindo da sua posição inicial, Berlim quer partilhar regras e responsabilidades, mas não os riscos inerentes. A explosão social dos “gillets jaunes” foi um golpe duro no poder e no prestígio de Macron e pode vir afectar o seu ambicioso programa de reformas, revelando um mal-estar social profundo de um país que perdeu competitividade com a globalização mas que se mantém fiel a uma cultura de igualdade, sustentada por um modelo social que, também ele, está em forte tensão. Macron desceu à Terra a uma velocidade meteórica, o que não quer dizer que não possa ainda recuperar. As sondagens indicam que nenhum partido está a colher os frutos da sua queda, a não ser Marine Le Pen. Nem a extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon, que se colou aos protestos, nem o centro-direita, cada vez mais de direita, de Laurent Wauquiez, nem os socialistas em vias de extinção de Olivier Faure. As eleições europeias serão um teste à volatilidade da paisagem política francesa. A ideia de um grande partido europeu constituído em torno do programa do Em Marcha deixou de parecer realista. O eventual sucesso de Le Pen nas europeias, que não é difícil em eleições em que o Governo não está em causa, será mais um aviso aos parceiros europeus. Tal como a Alemanha, ainda que por razões diferentes, a França está no centro da integração europeia e funciona como o país charneira entre o Norte e o Sul. Em Maio de 2017, a elite politica alemã, depois de um momento de pânico com a possibilidade da eleição de Le Pen, saudou um Presidente reformista. No dia seguinte, regressou tranquilamente ao “business as usual”. Macron fez as reformas que prometeu mas que vão levar tempo a produzir efeitos. O risco de paralisação da França devia voltar a preocupar Berlim. Resta a outra “potência” europeia que, como a França, já foi o centro de um império. Está de partida e, o que é pior, ainda não se sabe como. Em Junho de 2016, o primeiro-ministro conservador David Cameron lembrou-se de sujeitar a referendo a permanência do seu país na União Europeia, convencido que o resultado só poderia ser um. Convocou-o para resolver as eternas divisões que minavam (e minam) os conservadores em torno da questão europeia. Jogou o destino do seu país com o desfecho conhecido. Desde então, o “Brexit” transformou-se num factor de profunda divisão no Reino Unido, abrindo feridas antigas e dilacerando os dois grandes partidos em que assenta o sistema politico – o Labour e os Conservadores. As promessas dos defensores da saída revelaram-se espúrias. As negociações foram penosas. O resultado obtido pelo Governo de Theresa May parece não agradar a ninguém. A sua aprovação em Westminster está longe de estar garantida, abrindo as portas à possibilidade de um saída sem acordo que seria catastrófica para a economia britânica e provocaria um enorme choque na economia europeia. O futuro das ilhas britânicas, cuja história está intimamente ligada à do velho continente, não podia ser mais incerto. O efeito de uma saída, seja ela ordenada ou caótica, sobre o xadrez político europeu é inquestionável. Dois pilares não são o mesmo que três. Durante décadas, um entendimento entre os “três grandes” foi condição essencial para que os outros se pudessem reconhecer nas decisões europeias mais importantes. Em matéria de economia ou em matéria de segurança e defesa ou de política externa. O Reino Unido (com o apoio alemão) foi o país que mais se bateu pelo alargamento a Leste, abdicando desde o primeiro dia do período de transição estipulado nos tratados de adesão para a livre circulação dos novos cidadãos europeus (só a Irlanda e a Suécia seguiram o mesmo caminho). Hoje, fechar as portas à imigração, incluindo a europeia, parece ser a primeira das motivações para a saída. Tal como em Berlim, também em Londres ninguém previu a chegada à Casa Branca de um Presidente disposto a destruir a ordem liberal construída pelos EUA depois da II Guerra. A “relação especial” com os EUA está posta em causa, precisamente quando o Reino Unido mais precisa dela. “O Presidente americano está a ajudar a criar um mundo onde as velhas regras não se aplicam e aquilo que era dado como adquirido, como a reivindicação britânica da ‘relação especial’ com Washington passou a ser um anacronismo embaraçoso”, escreve Simon Tisdall no The Guardian. “Fora da UE o Reino Unido enfrenta um futuro sombrio no mundo de Trump. ”Um Labour cuja liderança, ao contrário das anteriores, não rejeita a saída da Europa, para dizer o mínimo, é outra inesperada coincidência. Em Bruxelas, traçam-se planos de contingência para uma saída desordenada. Como se fosse um pequeno percalço. Em Londres, ninguém parece dar-se conta (à excepção talvez de Theresa May) de que se está a caminhar para o abismo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Apesar da salvação in extremis do euro e da recuperação económica, os sinais de desunião e de fragmentação da Europa são evidentes. Os nacionalismos crescem. Na Itália, que durante décadas desempenhou o papel de bom europeu, o sistema partidário implodiu há muito, dando origem a um governo assente em dois partidos, um populista e outro de extrema-direita, cujo amor pela União Europeia é muito relativo. Os países mais ricos do Norte tiraram apenas uma conclusão da crise: não pagar nem um cêntimo para ajudar à convergência económica dos seus parceiros do Sul e do Leste. Justamente uma condição indispensável para a sustentabilidade do euro e para a coesão política da própria União. Órfã da América, com a crescente pressão militar da Rússia junto à sua fronteira Leste e a capacidade de desestabilização de Moscovo em demasiados países, sem uma liderança forte e uma visão estratégica, a Europa continuará no próximo ano vulnerável aos ventos internacionais e às debilidades das suas democracias.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Sete mil quilómetros com um cão na bagageira
De Bruxelas a Lisboa, ida e volta, com escalas em Itália, França e Espanha. Um casal, o seu filho de 15 anos e Luna, um cão de água português que só este Verão descobriu o prazer do mar. Foram várias as limitações e muitos os trabalhos, houve momentos hilariantes e duas visitas ao veterinário, mas a coisa fez-se sem grandes sobressaltos. (...)

Sete mil quilómetros com um cão na bagageira
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Animais Pontuação: 17 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: De Bruxelas a Lisboa, ida e volta, com escalas em Itália, França e Espanha. Um casal, o seu filho de 15 anos e Luna, um cão de água português que só este Verão descobriu o prazer do mar. Foram várias as limitações e muitos os trabalhos, houve momentos hilariantes e duas visitas ao veterinário, mas a coisa fez-se sem grandes sobressaltos.
TEXTO: Luna, um ilustre mas trapalhão exemplar de cão de água português com medo da água até chegar a este Verão, entrou muda e quase saiu calada de uma viagem de automóvel de sete mil quilómetros. No entanto, a sua presença foi um divertimento constante e foi graças ao seu encontro em Pula, Sul da Sardenha, com Lina, uma pachorrenta setter inglesa, que soube que a melhor sardinha da linha de Cascais se come na Rebelva. Soube depois, à chegada a Lisboa, que Portugal não é lá muito amigo dos animais. “C’est la cátá”, (é uma catástrofe), disse-me uma francesa no Jardim da Estrela, em Lisboa, ao comentar as dificuldades levantadas para encontrar alojamento e restaurantes que aceitem cães. Bélgica, França, Itália e Espanha são mais amigas dos animais, mas, valha a verdade, nós, fiéis aos nossos brandos costumes, fechamos os olhos a legislação mais restritiva, embora tenhamos muita dificuldade em alterar mentalidades. A viagem, que começou e irá acabar em Bruxelas, teve pernoitas em Estrasburgo, Cagliari, Barcelona, Ávila, Palencia, Bayonne e Orléans e estadias na Sardenha, Batalha, Casa Branca (Alentejo) e Lisboa. “So far, so good”. Até agora, calcorreados 6600kms, tudo bem, salvo duas idas a diferentes veterinários e alguns outros contratempos próprios de uma viagem tão longa. É necessária paciência e jurisprudência numa matéria tão delicada como é a relação entre o homem e o seu melhor amigo e como é a relação deste com a sociedade humana em que vive. Para quem nunca teve um cão e sempre resistiu a tê-lo, andar estrada fora com um bicho que permanentemente nos interpela com o seu olhar é uma experiência de vida gratificante, surpreendente e hilariante. Gratificante porque nos consola a sua presença, surpreendente porque traz o rebuliço à rotina, hilariante porque origina situações muito divertidas, como aquela em que quase levou consigo a mesa da esplanada onde estava atada, quando resolveu ir atrás de um cão todo bem-parecido. Também deitou ao chão o fotógrafo deste jornal quando ele, de cócoras, lhe acenava com o seu frisbee numa mão e, com a outra, procurava tirar um bom boneco. A Luna não resistiu e saltou para cima dele. Outro dia, resolveu sacudir-se a meio da noite e bateu com a cauda com tanta força na porta do quarto que eu acordei assustado a pensar que me estavam a assaltar a casa. Fiquei a saber que os cães também sentem as costas quentes. Em Agodim, norte de Leiria, observava a cautelosa distância um gato a comer a sua refeição. Quando me aproximei, levantou-se e foi reivindicar as suas massas. Luna, que fez dois anos no passado dia 31, é o primeiro cão da família e estas foram as primeiras férias em conjunto. Foram várias as limitações e as alegrias e muitos os trabalhos, nomeadamente os de cozinha, tanto mais que a cachorra tem a mania que é gente e deixa para amanhã a ração de hoje sempre à espera da “comida normal” — massa, arroz ou batata com peixe, carne e verdura de linha branca congelados e fruta, que vai comendo depois de alguma insistência. Como anda sempre com fome, come tudo o que lhe vem à boca dos passeios por onde anda, mas essa é uma ingestão que já deixou de nos preocupar porque quem come algas e ossos roídos por outros cães não deve ser lá muito boa da cabeça e há que aceitá-la como tal. Até comeu uma bola de algas secas, não sei que carga de sabor possa ter uma bola cheia de areia. E foi por causa disso, da areia às voltas no estômago, que teve de ir ao segundo veterinário para estancar uma diarreia. Curou-a num dia com a recomendação de lhe darmos “polenta” (farinha de milho) para “agarrar” a areia e de que nunca nos devemos esquecer que um cão é um animal carnívoro e por isso é natural que não goste das rações granuladas. Foi o que ela quis ouvir, pareceu-nos. Já antes tinha desistido da ração matinal e só jantava comida de gente, que ela pede ladrando em seco ou mordiscando as mãos de quem lhe parece estar a preparar a sua refeição. A decisão de ir de carro ficou a dever-se à impraticabilidade de uma viagem de avião, por implicar escalas. Já o voo em si é muito complicado para um cão que tem de ir no porão, quanto mais com escalas onde tudo pode acontecer, nomeadamente a perda. No ano passado, num voo de Lisboa para Bruxelas, a Luna ficou perdida durante duas horas no aeroporto de chegada e foi uma aflição. Noutra viagem, foi muito triste vê-la cambalear sob o efeito de um soporífero administrado antes de se saber que o voo tinha um atraso de mais de uma hora. Para uma viagem de automóvel, um cão tem de levar a sua “mala” com passaporte europeu, comida, brinquedos, saquinhos higiénicos, medicamentos, especialmente gotas para as suas conjuntivites e contra as carraças, água, etc. Tem de parar de duas em duas ou de três em três horas para esticar as pernas, comer qualquer coisa e aliviar-se. É bom viajar de carro sem destinos ou pernoitas certas, mas a presença de um cão obriga a uma logística mais cuidada, muito embora a maioria dos hotéis de estrada, à excepção de Portugal, aceitem animais de estimação. O primeiro estirão de 1200kms levou-nos de Bruxelas, com pernoita em Estrasburgo, a uma chegada de afogadilho a Livorno, Noroeste de Itália. Daqui, um ferry (que transportava naquela travessia de sete horas cerca de 700 veículos e à volta de 2000 passageiros) zarpou pouco depois da meia-noite para Olbia, a nordeste da Sardenha, ilha onde desembarcámos rumo a uma praia selvagem, perto da beleza de Chia, que no ano passado foi considerada a melhor praia de Itália, talvez também por causa da laguna adjacente povoada por flamingos vermelhos. As melgas não contaram para a classificação. Foi uma viagem de menos de 300kms pelo interior da ilha que incluiu uma passagem por Cagliari, a capital, a sudoeste. A cachorra viajou na bagageira de uma carrinha, numa cabine de um ferry e, clandestina, noutra cabine, noutro ferry. O mundo dos ferries mediterrânicos é um microcosmo navegante de pressas, vagares e vaidades próprias da natureza humana em férias. Pressas nos trajectos nocturnos quando os passageiros mais conhecedores ocupam rapidamente os corredores, estendem os seus colchões insufláveis e se deixam dormir durante as sete horas que dura a travessia entre os rumores passageiros dos embarcados. Vagares, nas travessias de dia (Porto Torres-Barcelona, 12 horas) onde o ambiente é de cruzeiro de luxo de trazer por casa. Os cães terão de ir no canil em jaulas individuais, uma regra que não é cumprida à risca. Na viagem nocturna, a Moby Lines dispõe de cabines onde os cães podem dormir junto dos donos. Como oferta do barco ao cliente de estimação, um pequeno lençol absorvente, uns biscoitos e um recipiente de plástico para a água. Na ida para Barcelona com a Grimaldi, a Luna viajou clandestina numa cabine porque nenhum de nós, especialmente o seu dono, o meu filho Tomás, de 15 anos, quis vê-la presa numa jaula. Lá estavam um belíssimo braque húngaro, um ternurento golden retriever e um jovem pastor alemão acachapados, tristes, de olhar suplicante e choramingando. Montada a vigilância nos dois extremos do corredor de acesso às cabines, lá foi ela meio escondida em direcção à nossa cabine. No último deck, o do canil, onde os cães podem ser passeados à brisa marítima, alguns caniches faziam companhia às suas donas refasteladas nas espreguiçadeiras à volta da piscina, ladrando a quem da sua espécie passava. Foi na ida para os carros antes do desembarque que vimos outros cães fora-de-lei, vindos de outras cabines, entre eles um belíssimo galgo de uma tímida altivez e coleira que devia ser o último grito da moda canina italiana. Vou escrevendo este texto às vezes com a Luna quase a pôr as patas em cima do teclado e a esfregar-me nas mãos a sua bola de feltro, outras vezes a empurrar-me com o focinho os cotovelos para cima (sinal de que quer comer ou ir à rua), outras, ainda, deitada sobre os meus pés sem que necessitem de serem aquecidos. Estamos em pleno Verão, em férias, mas os animais, como as pessoas, necessitam de estar perto de alguém que compreenda a sua fragilidade e dependência. E eu compreendo-a muito bem, agora que a vi nadar atabalhoadamente. Um cão de água português, como ela é, deve, por definição, saber nadar e não ter medo da água. Mas a Luna foi até agora a vergonha da espécie e da raça, pois fugia da água como gato escaldado. Foi o rebentar das ondas na praia da Caparica, perto de Lisboa, que a traumatizou desde a infância, penso eu. Aquelas sucessivas massas de água vociferando espumas e estrondos devem ter-lhe parecido monstros ameaçadores de fazer meter o rabo entre as pernas, o que ela, aliás, fazia muito à-vontade e sem qualquer espécie de cerimónia. Um ano depois, na mansidão marítima de uma praia selvagem, em Perdalonga, no Sul da Sardenha, vê-la entrar imediata e determinadamente na água deixou-me feliz, por ela e por mim. Para nos alojarmos aqui, um local com vista para a praia de Tuerreda, a mais fotografada da Sardenha, tive de passar por cego! Excluída a hipótese do voo, tratámos da logística terrestre mas esquecemo-nos de um pormenor: perguntar ao nosso amigo Aldo, que nos tinha reservado a casa, se era permitida a presença de um cão. Perante a negativa e a perspectiva de férias estragadas, o Aldo disse que ia encontrar uma alternativa. No dia seguinte, numa solução alla italiana, disse que o Miguel (eu) teria de passar por cego porque assim poderia justificar ao proprietário a presença de um cão em sua casa. Dada a irrequietude e desatenção congénitas, a Luna nunca passaria por um cão-guia, mas isso o proprietário da casa não precisava de saber. Os caprichos marinhos do Inverno passado fizeram desaparecer a pequena e rochosa praia de Sa Pinnetta que serve o aldeamento, pelo que tínhamos de percorrer durante vinte minutos um trilho de cabras para chegar a um recanto arenoso e desértico. A cachorra farejava sempre o ar num desassossego próprio de quem não está habituada aos inconfundíveis cheiros da macchia mediterrânica (vegetação baixa arbustiva), apimentados pelas marcas de território de javalis, raposas, cabras, coelhos, sapos, lagartixas e, quem sabe, um ou outro veado que resolvesse descer das montanhas um pouco mais a norte. Entrou na água com o afoito e a inconsciência dos jovens que reagem instintivamente. Estava surpreendida com um meio que lhe está no sangue mas que desconhecia, principalmente quando ficava sem pé, aliás, sem patas. Comparada com outros pequenitotes que mais tarde nadaram a seu lado cumprindo as boas regras da natação canídea, a Luna parecia uma trolha prestes a afogar-se — as patas dianteiras fora de água num chapinhar desesperado à procura de fundo que a sustentasse, o pescoço tão esticado quanto possível, a respiração resfolegante. Aos poucos, de cada vez que lhe atirávamos a sua bola de estimação ou um pau, lá ia, insegura, sem nunca se afastar muito. Se a bola era atirada para mais longe, hesitava um bom minuto antes de se lançar à água e depressa aprendeu que podia apoiar-se nas rochas com as patas dianteiras e pensar duas ou três vezes se havia de regressar ao conforto do areal ou ir buscar a bola, apesar de todo o seu desconforto. De regresso à Caparica durante a recente onda de calor, entrou resolutamente na água, demorou a adaptar-se às ondinhas da maré baixa, não se atrevia a perder pé durante muito tempo, ficando com evidente pena de não recuperar o seu frisbee. Não sei se as suas correrias desenfreadas pela faixa de areia, se o modo como afocinhava, fazia covas, se sacudia ou se espojava era a expressão da sua alegria ou a necessidade de sentir na pele a terra que antes lhe tinha faltado. Sei que, por vezes, se ajoelhava, empertigava as patas traseiras o máximo possível, abanava a cauda alegremente e saltava em direcção ao seu dono. “Não, Luna, não!”. Qual quê!, lá estão os dois embrulhados às voltas na areia e ele a atirar-lhe a bola para longe, para ganhar tempo e ver-se livre dela. Foi assim que ele perdeu uma havaiana que ela queria apanhar. Num desses dias, uma farpa de um centímetro entrou-lhe na pata direita dianteira durante o trajecto pelo trilho que conduz à praia. Andou coxa e murcha durante dois dias e eu dei comigo a falar com ela como quem fala com um bebé — “tadinha da cachorra, tá ‘noente’”. Lambia a ferida incessantemente, alargando-a, ingerindo a contragosto a solução de Betadine que lhe era aplicada regularmente. Uma observação mais atenta não permitiu ver o pico, mas apenas constatar que a ferida se localizava na membrana interdigital que distingue o cão de água português das outras raças. É esta membrana que permite à raça uma natação ágil, mesmo debaixo de água. Dava muita pena vê-la coxear e quase não poder andar e dar os seus passeios higiénicos. Toda a gente a mimou muito porque tinha perdido a sua proverbial alegria, mas não a curiosidade, outra característica da raça. Esta é uma característica que por vezes causa embaraços. Vê-la olhar fixamente para quem vem atrás de nós ou estar atentíssima e quieta a olhar para um homem na praia em posição de ioga é muito divertido, mas temos sempre de apresentar um “desculpe, ela é assim, muito curiosa”. É muito divertido vê-la ladrar para uma boca de incêndio vermelha numa paisagem verde ou olhar pasmada para algo, nem que seja uma folha que mexe numa tarde de calmaria. Tem especial curiosidade por sacos de plástico a voarem. Dois dias depois parecia que estava a adivinhar ao que ia, o que é uma extraordinária prova da sua intuição. Contrariamente ao que é seu hábito, o de uma maria-vai-com-todos e a todo-o-lado sem nunca perder a sua timidez, não quis entrar num edifício, muito menos no consultório. Finalmente, ao fim de umas rosnadelas de protesto, tentativas de mordidelas, um açaime e uns ganidos suplicantes, o veterinário conseguiu injectar-lhe uma anestesia local, fazer-lhe uma incisão, extrair o pico, sugar com uma cânula o pus acumulado, dar-lhe uma injecção com um anti-inflamatório e receitar-lhe um antibiótico de 12 em 12 horas, que tomou sem grande convicção durante sete dias. Nada de mar durante três dias e teve de andar de meia para não arranjar mais complicações. Dormitou e lambeu a ferida nas cinco horas seguintes e depois, com vontade, mas ainda sem forças, foi buscar a corda entrelaçada para alguém brincar com ela. No dia seguinte, com a meia atada na pata ferida com um elástico de cabelo, voltou à praia e aos folguedos. Como dizem todos os donos de cães, aos seus animais só lhes falta falar de tão inteligentes que são. A Luna é muito inteligente, disso não restam dúvidas, mas sofre de défice de atenção. No fundo, é uma despassarada, uma assustadiça mariquinhas-pé-de-salsa e uma metediça a quem nem sequer falta o seu dengoso andar (outra característica da raça) e também dengoso abanar de cauda quando reencontra os seus donos no dia seguinte ou após uma ausência. É uma alegria enorme, uma efusão de companheirismo traduzida pelo brinquedo abocanhado com a evidente intenção de dar ao dono aquilo que ela quer — um bom tempo de brincadeira que a retire da sua pachorrenta rotina de andar a dormitar pela casa à espera que alguém seu conhecido lhe preste atenção, brinque com ela, dê mimos e alimente. Dizem os veterinários que devemos ignorar os cães quando chegamos a casa para eles não ficarem ansiosos durante as nossas ausências, mas quem é que é que lhes consegue negar uma alegria tão grande? Investigações de universidades americanas concluem que os cães apresentam até seis expressões faciais conforme os estímulos, mas eu só consigo identificar o seu olhar pingão de cada vez que saio de casa e não a levo. Quando a vejo a abanar a cauda, lembro-me da história ancestral do cão de água português, que esteve à beira da extinção, foi animal de trabalho dos pescadores algarvios nos finais do século XIX, princípios do século XX, e chegou a estrela global quando o ex-presidente Obama ofereceu um às suas filhas. Lembro-me do geneticista russo Dmitri Belyaev, refugiado na Sibéria, que se dedicou à produção de peles de raposa e que provou o milenar processo de domesticação da espécie. Após cerca de 60 gerações de criação, algumas das suas raposas, as mais sociáveis que foram sendo cruzadas entre si, começavam a evidenciar diversas características dos cães, nomeadamente abanar a cauda, levar brinquedos na boca e ladrar. Então como estás? Cheira-me e logo verás! Quando a Luna chegou à fala, aliás, ao cheiro, com a Lina, uma pachorrenta setter inglesa, os donos, ouvindo-nos a falar português, também meteram conversa connosco num português italianizado. Rosa Carlucci e Marco Possanzi estavam a afogar mágoas no Cuccina Macri, o único restaurante gastronómico de Pula, chorando o regresso há dois dias à Sardenha depois de três anos em Lisboa, onde ele trabalhou como médico radiologista oncologista na Fundação Champalimaud. Foi graças a eles que ficámos a saber que é na Casa do Mar, Rebelva, arredores de Lisboa, que se comem as melhores sardinhas da linha de Cascais. “É duro. Temos muitas saudades”, disse-me a Rosa ao telefone há poucos dias. A presença de um cão facilita muito o convívio humano. Os cães necessitam de brincar e socializar como de osso para a boca e os donos aproveitam a oportunidade para falarem uns com os outros, o que não aconteceria se não houvesse um cão como intermediário de estimação. No dia em que a Luna foi esterilizada, aos oito meses, ao chegar a casa tinha pendurado na porta da nossa casa em Bruxelas um saquinho com biscoitos caninos home made oferecidos pelo seu vizinho Charlie, um dachshund (vulgo salsicha) que tem por dono um jovem casal de bailarinos, ela de Singapura, ele de um país báltico. Num destes dias, no Jardim da Estrela, em Lisboa, estive meia hora à conversa com uma jovem estudante brasileira de Belas Artes, uma senhora americana, outra australiana e outra portuguesa. Na manhã em que quatro cães de água se juntaram, a dona de dois deles, proprietária de uma editora, convidou-me para escrevermos um livro sobre o cão de água português. Como o meu filho já teve de apresentar um trabalho escolar sobre a evolução do cão, estou a pensar em roubar-lho. Trocámos mails. Em Bayonne, perto da fronteira franco-espanhola, foi graças a ela que conheci um engenheiro inglês, nascido em Alexandria, Egipto, onde estive em reportagem há vários anos, e a viver em Knowle, centro de Inglaterra. Ambos conhecíamos o restaurante onde eu jantei com uma família conservadora na véspera das eleições que levaram Tony Blair ao poder, também em reportagem, ambas para o jornal Expresso. Trocámos telefones depois de uma boa hora de conversa. Foi graças à Luna que, em Orléans, 130kms a sul de Paris (e de onde envio este texto), fiquei a saber que um casal inglês na casa dos sessenta, que ia fazer uma semana de bicicleta pelo Vale do Loire, tinha vivido em Bruxelas, não muito longe de mim. Passámos o jantar a falar sobre o “Brexit”. Nunca nos teríamos conhecido se não fosse a brincadeira dos nossos cães. Há uma solidariedade e cumplicidade especiais entre os respectivos donos, que eventualmente se vão tornando amigos com o tempo. Já demos connosco, na família, a chamar de tudo à Luna sem ela se importar, por isso é que é nossa amiga. Sua porca badalhoca, sua doida, sua louca varrida, passando mais docemente por sua doida felpuda, sua farfalhuda, sua coisa mais fofa e outros nomes carinhosos. Pessoalmente gosto de a tratar por Cachorra Luna, enquanto lhe faço festas na barriga. Todos nós, num momento ou noutro do dia, nos sentamos no chão, a aconchegamos entre as nossas pernas, a viramos de patas para o ar e lhe coçamos suavemente a barriga. Não há melhor ansiolítico, tanto para nós como para ela, especialmente quando adormece refastelada e consolada com a sua vida de cão. Não me venhas cá com coisas que não levas nada! Quando se arma em esperta, se porta mal ou não obedece a ordens básicas leva uns bons raspanetes, mas faz de conta que não é nada com ela. Vira para o lado o focinho quando vê um dedo indicador em riste, evita o olhar e os donos têm de se render à evidência de que ela levará a melhor na maior parte dos casos. A sua esperteza advém das suas necessidades afectivas e alimentares. Gosta de festas e festinhas, quem é que não gosta? Gosta de sopas e petiscos, quem é que não gosta? Um exemplo: ela sabe que não se pode aproximar da mesa enquanto duram as refeições e tem de ficar a razoável distância. Deita-se, mas, mal nos apanha distraídos, vai rastejando pata ante pata em direcção à mesa. Para trás, já te disse! Levanta-se, dá meia-volta, recua uns passos, deita-se e volta a rastejar pata ante pata. O cão é o melhor amigo do homem e foi num desses silêncios contemplativos que as praias desertas facilitam que compreendi porquê. Claro, um cão não é uma pessoa, mas é um grande amigo que ouve tudo, não diz nada e tem a grande vantagem de ser um crucial elemento pacificador quando as tensões domésticas sobem. Sabemos por experiência humana feita que o nosso melhor amigo é o nosso melhor ouvinte porque não interrompe o nosso desabafo. Por isso é natural que o cão seja o melhor amigo do homem porque passa a vida a ouvir o que os seus donos lhe dizem e não diz nada. Em vez de dizer que sim com a cabeça, abana a cauda, o que é uma compreensiva diferença gestual que desempenha a mesma função, a do interlocutor silencioso. Álvaro de Campos escrevia que todas as cartas de amor são ridículas e eu sinto-me um pouco ridículo a falar de um cão com uma pieguice da qual não me julguei capaz. No entanto, devo confessar que, após uma noite mal dormida, um dia mal passado, um problema por resolver, um imposto por pagar, chegar a casa e ver um bicho aos pulos de contente, deixo as preocupações para trás e não tenho outro remédio senão o de o abraçar e fazer-lhe festas porque é ele que me cura das maleitas quotidianas. Nem quero pensar no aperto de coração que sentimos quando ela desapareceu em Bruxelas durante três horas. Reencontrei-a no Parc du Cinquantenaire, onde costuma passear, mais aflita do que eu. Durante três ou quatro dias não queria sair de casa, tal o susto. Felizmente, o seu dono estava na escola. A última etapa da viagem (Lisboa-Bruxelas, 2000kms) será feita apenas com a Luna na mala da carrinha. O meu filho regressou mais cedo de avião a Bruxelas na companhia da mãe, o que me deixou mais espaço no carro para levar os bons recuerdos portugueses — azeite, vinhos, sal marinho, conservas, açorianas e da Murtosa, de preferência, e o que mais for na boa e velha tradição do emigrante português, que nunca julguei ser. No fundo, não passo de um emigrante, mas talvez por ser jornalista consideram-me um expat, um expatriado. É uma diferença de estatuto social. No entanto, fiquei reduzido à minha real condição ao fazer a A10 francesa com o carro cheio de embrulhos e caixas e a olhar para os milhares de emigrantes do Norte de África, de Portugal e Espanha que regressam de férias no último dia de Agosto, também com os carros atafulhados. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Viajar com um cão implica logísticas e precauções redobradas. Os emigrantes tradicionais fazem esta viagem sem parar para dormir ou dormitam uma ou duas horas nos carros em estações de serviço. Uma senhora francesa no Jardim da Estrela disse-me que o hotel Europa, em Vitoria-Gasteiz, perto da fronteira franco-espanhola, aceita cães, mas penso que, mesmo assim, não irei tão longe. Fiz Lisboa-Palencia no primeiro dia, não sei, tenho de ir com calma e parar várias vezes. Aí, encontrei-me numa bomba de gasolina com “um grupo excursionista” da família da minha companheira que vai ao casamento da filha. A segunda pernoita foi passada em Bayonne num Formule 1, os mais baratos de todos os hotéis de estrada com casas-de-banho comuns. Como temos de pagar a toalha porque o hotel não a disponibiliza, eu, por uma questão de princípio, tive de me limpar à toalha de praia porque me esqueci de trazer uma e também do pijama, devo confessar. A terceira paragem foi em Orléans, 130kms a sul de Paris, e depois é um pulo de 400kms até Bruxelas, com a complicação que Paris sempre apresenta aos automobilistas. Já tenho as refeições da Luna no congelador para as levar nas mochilas isotérmicas em embalagens de alumínio, não me posso esquecer da água, muita água, e esperar que não haja os engarrafamentos monstruosos que o regresso maciço de férias muitas vezes origina. No dois dias finais a Luna quase não comeu, ou porque as refeições tinha azedado ou porque as enjoou. Nem sequer tocou na ração, que vinha como reserva alimentar. Comeu uns restos de baguete que ia roubando ao pequeno-almoço. Terei que ter cuidado nas estações de serviço por causa dos roubos, não poderei usar o comando das portas porque pode haver alguém a gravar as ondas hertzianas e a abrir o carro sem outros danos, terei de ser rápido a ir à casa-de-banho e tenho de passear a Luna sempre com o carro à vista, mas estas são precauções habituais de quem anda na estrada. Não me sentirei sozinho. Afinal de contas, viajarei com a minha melhor amiga e vou falar pelos cotovelos para não adormecer ao volante. Já viste aquele doido! Olha, aqui passa o meridiano de Greenwich, os Pirenéus, são tão bonitos, não são? Bolas, parece-me que já fui apanhado em excesso de velocidade. Estamos a chegar. Estás cansada, Luna? Também eu, ficamos aqui. Comeremos juntos e já sei que gostamos das mesmas músicas. Há uns quatro anos, quando fiz esta viagem sozinho, tive também um animal por companhia, um tubarão-martelo de peluche azul-bebé. O meu filho tinha-se esquecido dele em Lisboa e eu levei-lho atado com cinto de segurança no lugar do morto. Desta vez levo três animais — duas baleias (mãe e filha) de peluche, que um miúdo se esqueceu em Lisboa, e a Luna. Do mesmo modo que os outros viajantes têm vindo a sorrir para a Luna nesta viagem, também se riam quando viam um tubarão sentado ao meu lado. Os animais são sempre uma boa e convivial companhia.
REFERÊNCIAS:
Afinal quem ganhou o Mundial, França ou África?
Os dois, responde Trevor Noah. Humorista celebrou a vitória de "África" e foi criticado pelo embaixador francês nos Estados Unidos. O filósofo Achille Mbembe também entrou na polémica. (...)

Afinal quem ganhou o Mundial, França ou África?
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os dois, responde Trevor Noah. Humorista celebrou a vitória de "África" e foi criticado pelo embaixador francês nos Estados Unidos. O filósofo Achille Mbembe também entrou na polémica.
TEXTO: A polémica começou no dia em que a França ganhou o Mundial. Nas redes sociais discutia-se quem tinha dado a vitória a França, já que a equipa era maioritariamente composta por jogadores negros. Das respostas, vinham comentários como "quem diz que os jogadores são africanos é racista", "quem nega a africanidade dos jogadores é racista". O influente humorista sul-africano Trevor Noah publicou no Twitter um cartoon em que se vê um barco com refugiados a erguer a taça para a França. Um dia depois da vitória, fez uma piada no popular programa de televisão americano The Daily Show, que apresenta: “Yesssss! Estou tão contente! África ganhou o Mundial, África ganhou o Mundial, África ganhou o Mundial! Percebo que têm que dizer que é a equipa francesa, mas olhem lá: não se ganha aquele bronzeado no Sul de França. A França é a equipa de África na reserva, uma vez que Nigéria ou Senegal perdem, começamos a torcer por ela. ”A piada incendiou os ânimos e levou o embaixador francês nos Estados Unidos, Gerard Araud, a emitir um comunicado divulgado na quarta-feira, onde acusava Trevor Noah de “negar o ‘francesismo’ dos jogadores”: “Ouvi as suas palavras sobre a ‘vitória africana’ e nada podia ser menos verdade”, afirmou. “Legitima a ideologia racista que defende que a branquitude é a única definição de se ser francês. ”Na sua resposta, Gerard Araud diz que 21 dos 23 jogadores nasceram em França, embora alguns sejam filhos de pais “que podem ter vindo de outro país”. “Foram educados em França, aprenderam a jogar em França e são cidadãos franceses. Têm orgulho no seu país, França. " Mas o embaixador não se ficou por aqui, aproveitou para criticar os Estados Unidos dizendo que França “não se refere aos cidadãos com base na origem racial, étnica ou religiosa”. E acrescentou: "Para nós não há identidades hifenizadas, as origens são uma realidade individual. ”A resposta do comediante, galardoado com um Emmy, foi rápida — e bem mais longa do que a piada. Lendo parte da carta com um sotaque afrancesado, Trevor Noah comenta a passagem em que o embaixador refere que a origem dos jogadores é um reflexo da diversidade francesa: “Não quero ser um idiota mas acho que é mais um reflexo do colonialismo francês. ” Gargalhada. Afirma que percebe que em França "muitos nazis usam as origens dos jogadores" para dizer que não são franceses e mandá-los para “a sua terra”. “Vindo de África, sei que os negros em todo o mundo estavam a celebrar a africanidade dos jogadores franceses num sentido positivo. ” E que houve críticas a quem os chamou de africanos: “Mas por que é que não podem ser as duas coisas?”, interroga o comediante. “O que se quer dizer é que, para se ser francês, tem que se eliminar tudo o que é africano?”No seu estilo incisivo, criticou os políticos, “principalmente em França”, quando falam de imigrantes que estão desempregados ou que cometeram um crime dizem “imigrantes africanos”; mas quando esses mesmos imigrantes dão a vitória no Mundial à França “já nos devemos referir a eles como franceses”. “Lembram-se do homem africano que foi subir a um prédio e resgatar uma criança e lhe deram a cidadania francesa? Quando estava no chão era africano, assim que resgatou a criança era francês. E se deixasse cair a criança era africano. ”Trevor Noah deixa um recado para quem o acusa de racismo: “O contexto é tudo. Há coisas que algumas pessoas podem dizer. Há uma grande diferença entre eu dizer ‘então, preto?’ e um branco dizer ‘então, preto?’ Quando digo que eles são africanos não o estou a fazer para excluir mas para os incluir na minha africanidade. Digo: ‘estou a ver-te, meu irmão, como alguém de ascendência africana'. Por isso vou continuar a celebrá-los como africanos porque acredito que os pais são de África e podem ser franceses ao mesmo tempo. Se os franceses dizem que eles não podem ser as duas coisas, então eles têm um problema, não eu. ”Com a polémica, até o filósofo camaronês Achille Mbembe escreveu sobre o assunto num texto intitulado Tributo negro à França. Partilhou-o no Facebook, num post que introduziu dizendo que "os africanos ou África não ganharam o Mundial", mas sim a França. "As vitórias não se partilham", afirmou. "Na equipa há jogadores franceses de origem ou ascendência africana (. . . ). É preciso reafirmar: estes jogadores de ascendência africana são franceses de corpo inteiro. " Mbembe citou também Barack Obama que, em Joanesburgo, congratulou a vitória celebrando a diversidade da equipa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No texto, Mbembe explicava: não vou fingir que "a nossa" presença na selecção não significa nada ou que não tem impacto nas grandes lutas simbólicas e políticas actuais. "Franceses de nascimento ou de aquisição, a maioria está consciente do facto de ser a manifestação viva de uma contradição da sociedade de consumo, que anseia o seu enriquecimento repentino mas não hesita em estigmatizá-los. " E acrescenta: "Sabem que, de cada vez que vestem a camisola da selecção, por muito que cantem a Marseillaise até ficarem roucos, uma boa fatia da opinião — não necessariamente francesa — fará sempre a pergunta sobre de onde vêm e o que fazem ali; perguntará como é que uma nação tão civilizada pode fazer-se representar no mundo por tantos vagabundos disfarçados. "Entre os vários comentários feitos no Facebook, o sociólogo moçambicano Elísio Macamo, professor na Universidade de Basileia (Suíça), enunciava "três equívocos e meio sobre a França" nos quais incluía o de dizer que "é racista reclamar a vitória da selecção francesa para a África": "Não, não é. Racismo é valorizar uma pessoa quando ela é útil para você. Para cada Pogba que joga pela França, há milhares de 'Moussas' indesejados, há dezenas de políticas viradas não só contra esses grupos como também contra quem acredita na ideia da Europa e procura refúgio lá. Racismo é continuar a tirar proveito do colonialismo ao mesmo tempo que, através de uma estrutura económica mundial desigual, continuam a comprometer as possibilidades de desenvolvimento dos outros. Porque não permitir a livre circulação de pessoas, sobretudo de todas as pessoas oriundas de países que foram colónias? Porque não? Não estaria mais de acordo com os ideais universais que eles apregoam o tempo todo? Não seria essa uma manifestação clara de que a cor da pele não conta?"
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Retórica anti-muçulmana de Trump reforça Daesh, dizem analistas
Presidente dos EUA apresentou medida contra terroristas, mas diplomatas frisam que iraquianos que trabalharam para as tropas americanas são dos principais afectados por medida contraproducente. (...)

Retórica anti-muçulmana de Trump reforça Daesh, dizem analistas
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Presidente dos EUA apresentou medida contra terroristas, mas diplomatas frisam que iraquianos que trabalharam para as tropas americanas são dos principais afectados por medida contraproducente.
TEXTO: Malala Yousafzai, a activista paquistanesa Nobel da Paz 2014, foi uma das primeiras a reagir à assinatura do decreto pelo Presidente Donald Trump que proíbe todos os cidadãos de sete países muçulmanos de entrarem nos Estados Unidos, nos próximos três meses. O anúncio da medida transitória, que também suspende, durante 120 dias, as entradas de todos os refugiados no país, deitou por terra as esperanças de iraquianos que colaboraram com Washington durante a permanência das tropas americanas e que se vêem em risco de viver no Iraque. “O Presidente Trump matou os nossos sonhos. Não tenho nenhuma esperança de algum dia ir para os Estados Unidos”, disse à Reuters a partir de Bagdad, um iraquiano que pediu para manter o anonimato por motivos de segurança, e cuja mulher trabalhou para a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O casal é um dos muitos exemplos de cidadãos com medo de serem perseguidos no Iraque ou noutros países muçulmanos por terem trabalhado para a Administração norte-americana e que beneficiaram, nos últimos anos, de um programa de acesso facilitado a vistos. A perspectiva é partilhada por um capitão da Marinha dos Estados Unidos, na reforma, que esteve no Iraque em 2003. E que também à Reuters, que contratou vários iraquianos como tradutores e intérpretes, sublinha que muitos milhares de iraquianos, que trabalharam para os Estados Unidos, "são vistos como colaboradores" e o risco que correm é grande. "Muitos tradutores estavam a tentar deixar o país porque estavam marcados por terem trabalhado com as forças norte-americanas. "A assinatura do decreto que proíbe todas as pessoas do Iraque, Síria, Irão, Sudão, Líbia, Somália e Iémen, de entrarem nos Estados Unidos motivou análises muito pessimistas de diplomatas e especialistas em relações internacionais, para quem a retórica de Trump alimenta a cruzada dos extremistas do Daesh contra os Estados Unidos. Numa declaração divulgada logo após o anúncio de Trump, Malala evocou as crianças de alguns desses países, crianças que, como disse, “não têm culpa de sere apanhadas” por anos de guerra. E deu o exemplo de uma amiga, Zaynab, que fugiu de três países – Somália, Iémen e Egipto – "antes dos 17 anos e a quem os Estados Unidos concederam um visto, permitindo-lhe aprender a língua e estudar para se tornar uma advogada de direitos humanos. ”E depois de se dizer “destroçada” ao ver que “a América vira as costas à tradição de acolher refugiados e imigrantes – as pessoas que ajudaram a construir o país, prontas a um árduo trabalho em troca de uma oportunidade justa para uma vida nova”, a activista deixou um pedido: “Nestes tempos de incerteza e instabilidade no mundo, peço ao Presidente Trump que não vire as costas às crianças e famílias mais indefesas do mundo. ”Apesar de, durante a campanha e já depois de tomar posse, se referir aos muçulmanos como alvo preferencial de algumas das suas políticas, Donald Trump apresentou a medida, nesta sexta-feira, não contra os muçulmanos mas contra os terroristas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A percepção porém, segundo o jornal New York Times, é que o decreto assinala uma provocação porque tem nele subjacente a ideia de atingir os muçulmanos. Donald Trump disse que assim que os Estados Unidos voltarem a aceitar refugiados, os cristãos terão prioridade. O jornal cita um professor de relações internacionais na Turquia, Ilter Turan, para quem esta retórica pode até ser usada “pelos terroristas que passarão a dizer: ‘Estão a ver. O alvo não é o terrorismo, são os muçulmanos. ”Essa distinção estará agora em risco, de acordo com diplomatas conhecedores dos países árabes, como Ryan C. Crocker, que foi embaixador dos Estados Unidos em cinco países muçulmanos, incluindo o Afeganistão, o Iraque e o Líbano, entre 1990 e 2012, e que diz que este tipo de discurso dá força ao argumento do Daesh de que está em guerra contra os Estados Unidos. Os analistas, citados pelo New York Times, também notam que embora a proibição de Trump seja ostensivamente baseada em receios relativos à segurança, deixa de fora países como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Paquistão, onde foram engendradas algumas das mais graves acções terroristas contra os Estados Unidos desde os atentados de 2001.
REFERÊNCIAS:
Étnia Árabes
Vírus da poliomielite já ameaça Europa
Organização Mundial de Saúde considera que propagação do “vírus da paralisia infantil” já se tornou num risco de saúde pública. (...)

Vírus da poliomielite já ameaça Europa
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-05-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: Organização Mundial de Saúde considera que propagação do “vírus da paralisia infantil” já se tornou num risco de saúde pública.
TEXTO: Preocupada com o aumento dos contágios de poliomielite nos últimos seis meses, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou esta segunda-feira o estado de emergência mundial, pedindo aos diferentes países uma "acção coordenada" no combate à disseminação do vírus. A detecção de vários casos da doença em mais de uma dezena de países levou a OMS a considerar que estes contágios podem representar uma ameaça à escala mundial, conforme sublinhou o director-geral adjunto da organização, Bruce Aylward, a propósito de uma decisão que foi tomada após várias reuniões do Comité de Emergência da OMS. “Uma resposta coordenada é essencial para parar a transmissão internacional do vírus”, enfatiza aquela organização, que procura, assim, fazer frente aos meses de maior transmissão do vírus, Maio e Junho. Causada por um vírus de fácil propagação, a poliomielite é uma doença do sistema nervoso que pode provocar paralisia permanente ou mesmo a morte, nos casos em que os músculos envolvidos no processo respiratório são também afectados. No final do ano passado, a OMS já tinha confirmado a existência de 223 casos de poliomielite. Cerca de 60% destes casos é resultado de uma propagação internacional, para a qual contribuíram em muito os viajantes adultos, nomeadamente porque a transmissão ocorre rapidamente por via das más condições de higiene, nomeadamente através da ingestão de líquidos ou de comidas contaminadas com fezes. Então, dois especialistas alemães em doenças infecciosas alertavam, num artigo publicado na revista médica The Lancet, para o risco de o vírus da paralisia infantil voltar a fazer vítimas, nomeadamente na Europa, que acolhe um grande número de refugiados sírios. Por isso é que, no final de Janeiro passado, a Direcção-Geral da Saúde determinou que todos os grupos de imigrantes, refugiados ou asilados que chegassem a Portugal oriundos de países de risco em relação à poliomielite fossem imediatamente imunizados com uma dose suplementar da vacina contra a doença que ataca sobretudo as crianças. Os especialistas alemães consideram, porém, que vacinar apenas os refugiados, conforme recomendado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, é insuficiente. As preocupações quanto aos riscos crescentes de um regresso da poliomielite são tanto mais agudas quanto se sabe que países como a Bósnia, a Ucrânia e a Áustria têm uma taxa de cobertura muito fraca em termos de vacinação contra aquela doença. Às notícias do surto de poliomielite na Síria, onde a guerra civil agravou os problemas sociais com a consequente descida das coberturas das vacinas, seguiram-se outras dando conta da transmissão daquele vírus selvagem em Israel e na Palestina, enquanto o Afeganistão, a Nigéria e o Paquistão continuavam identificados como países com poliomielite endémica. Só este ano, precisa a OMS, o vírus propagou-se de três para dez países: do Paquistão para o Afeganistão, da Síria para o Iraque e dos Camarões para a Guiné Equatorial.
REFERÊNCIAS:
Entidades OMS