As mulheres ciganas estão a fazer a sua pequena revolução
As ciganas portuguesas estão a levantar-se contra as várias formas de discriminação de que são alvo dentro e fora das suas comunidades. Que movimento é esse, que junta mulheres do país inteiro? Como começou? Quais são as suas prioridades? (...)

As mulheres ciganas estão a fazer a sua pequena revolução
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 5 Mulheres Pontuação: 21 Animais Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 21 | Sentimento -0.18
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: As ciganas portuguesas estão a levantar-se contra as várias formas de discriminação de que são alvo dentro e fora das suas comunidades. Que movimento é esse, que junta mulheres do país inteiro? Como começou? Quais são as suas prioridades?
TEXTO: Guiomar Sousa é mediadora sociocultural. Está habituada a fazer a ponte entre pessoas ciganas e pessoas não ciganas. Invoca o dia em que, contra o concurso Miss América, 400 feministas se dispuseram a queimar soutiens, cintas e outros “instrumentos de tortura”. “Estamos atrasados 50 anos”, comenta aquela activista, de 36 anos. “O movimento feminista é uma novidade nas comunidades ciganas, mas a nossa ideia não é chocar. Estamos a adaptar o feminismo à nossa realidade. ”Serão perto de duas dezenas as mulheres que fazem parte deste movimento. Nos últimos cinco anos, foram-se cruzando em encontros e acções de formação, percebendo pontos em comum, trocando contactos, forjando amizades. Neste último ano, têm-se desdobrado pelo país a dizer que são “mulheres e ciganas” e que “existem e resistem”. Maria Gil – que já foi feirante e empregada de balcão e faz teatro comunitário e teatro do oprimido – assume a autoria da frase que identifica o movimento. Em Maio de 2017, estava ela no Porto, na manifestação “Mexeu com uma, mexeu com todas”, olhou em redor e reparou que ela e a filha eram as únicas ciganas. “Faziam poemas nos quais incluíam mulheres negras, mas nem uma palavra sobre mulheres ciganas. De uma forma muito espontânea, peguei num bocado de cartão e escrevi: “Mulheres e ciganas, existem e resistem. ” Partilhou a imagem nas redes sociais. “A frase começou a ser usada. ”“A história das mulheres ciganas é uma história de resistência”, sublinha aquela activista, de 46 anos. Há uma discriminação externa que dificulta o acesso à educação de qualidade, ao emprego, à participação na vida pública. E uma discriminação interna que faz com que rapazes e raparigas, homens e mulheres não sejam tratados da mesma forma dentro das suas famílias e das suas comunidades. “Estamos a viver um tempo muito bom”, considera o alto-comissário das Migrações, Pedro Calado. “Tínhamos apenas a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas, no Seixal, agora temos a Ribaltambição, na Figueira da Foz. E há outras mulheres muito activas, como a Cátia Marisa, de São Brás de Alportel, a Guiomar Sousa, de Espinho, a Maria Gil, do Porto, a Toya Prudêncio, de Gondomar, a Vanessa Matos, de Braga”, prossegue. “Como diz um provérbio cigano, ‘A fogueira começa com pequenos ramos’. Esse é o momento em que estamos. Estamos a começar a fogueira. ”Já têm uma agenda concorrida. Algumas estiveram no passado fim-de-semana no Festival Política, organizado pela Produtores Associados e pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, em Lisboa. Muitas estão este fim-de-semana na Academia Política das Comunidades Ciganas, em Torres Vedras, iniciativa do Conselho da Europa, que está apostado em promover a participação. Guiomar Sousa foge agora de todos os holofotes. Morreu-lhe o pai há pouco tempo. E o luto, nas comunidades ciganas, é um assunto muito sério. Um lenço esconde-lhe o cabelo e roupas largas, longas, negras, escondem as formas do seu corpo. Não usa maquilhagem, nem jóias. Não ouve música, nem se deixa fotografar. Quem não deixa de estar em todo o lado apesar do luto integral é Olga Mariano. O seu marido já morreu há mais de 20 anos. E a história da luta pela emancipação das mulheres ciganas confunde-se com a história desta mulher, de 68 anos. Há 50 anos, Olga Mariano fez algo que cigana alguma havia feito: tirou a carta de condução. Não foi um ímpeto feminista. “Às vezes, a necessidade obriga. ” O pai, que era vendedor ambulante, vendera um grande lote de tecido a um alfaiate que lhe pagara com um Fiat 1100 cinzento-claro. Ele nunca fora à escola. “O meu irmão mais velho sabia ler e escrever, mas não tinha a 4. ª classe. As minhas duas irmãs estavam casadas. A única solteira era eu. O meu pai emancipou-me para tirar a carta. ”Viviam no Fogueteiro, na freguesia da Amora, no concelho do Seixal. Olga conduzia os pais às feiras de Sesimbra e de Cascais e às festas da família em Évora. Houve críticas. “Como é possível uma mulher cigana conduzir? Como é que o pai a deixou tirar a carta? Amanhã ela casa-se e ele vai ficar desprevenido. ”A família de Olga era uma excepção. O pai, fervoroso adepto de futebol, lamentava não conseguir ler o jornal A Bola. E queria que o filho e as filhas aprendessem a ler, a escrever e a contar. Eram os únicos ciganos daquela escola. Quase não havia ciganos nas escolas portuguesas. A esmagadora maioria não podia permanecer mais do que 24 horas num sítio, andava de terra em terra a ler a sina, a vender tapetes, cobertores, atoalhados, peças de tecido e outros produtos, a fazer pequenos trabalhos. A carta de condução não foi apenas útil para a família de origem. Foi também útil para a família que Olga formou aos 22 anos. Conduzia o marido à feira e com ele trabalhava de segunda a sábado. Ao longo de mais de 20 anos, tiveram banca em Almada. De repente, ele adoeceu. Ela enviuvou volvidos três anos. Olga fez tudo como manda a tradição. Cortou o cabelo bem curtinho. No primeiro ano, ia ao cemitério todos os dias. Nos primeiros cinco, tinha de usar dois lenços – um mais pequeno, interior, que cobre o cabelo, e outro maior, exterior, que vem da cabeça até à cintura. Só depois podia usar apenas um, atado de trás para a frente. A indumentária era o que menos a preocupava. Pior era aquela dor, pior era reorganizar a vida. “A coisa descambou”, recorda. Os filhos eram muito novos. “Ainda precisavam do braço forte do pai. Eu própria não tinha cabeça para nada. Foi uma fase muito ruim. ”Recorreu ao rendimento mínimo garantido, o actual rendimento social de inserção. Era nova aquela medida destinada a aliviar a pobreza extrema e a ajudar a encontrar forma de sair dela. Num instante, Olga, a filha, Noel Gouveia e outras três ciganas, Alzinda Carmelo, Anabela Carvalho e Sónia Matos, foram seleccionadas para frequentar uma acção de formação. Como dizer não? Em vez de 150 euros de prestação social, receberiam uma bolsa equivalente ao salário mínimo nacional, que rondava os 350 euros. A mediação sociocultural despontava em Portugal por recomendação de Bruxelas. Em 2000, os mediadores começaram a entrar em diversas escolas de territórios considerados críticos. Olga, por exemplo, assumiu de imediato o lugar de mediadora no Bairro Padre Cruz, em Lisboa, e lá se manteve até 2005. Não foram só as portas de uma nova profissão que se abriram. Por sugestão de um formador, logo em 2000, aquelas cinco mulheres fundaram a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas. Os ciganos, em particular as mulheres, continuavam a deixar a escola muito cedo. E elas queriam reduzir o absentismo escolar, reverter o abandono escolar, ajudar as mulheres a conciliar a vida familiar e profissional. No virar do século, Olga, a mais velha e mais experiente das cinco, tornava-se a primeira mulher cigana a liderar a primeira associação do género em Portugal. Durante 14 anos, a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas foi a única. Porquê? “Muita relutância dos homens e falta de coragem das mulheres”, resume Bruno Gonçalves, mediador sociocultural que partilha com Olga Mariano o lugar de mais influente activista cigano. Além do domínio masculino colocar grandes entraves ao desenvolvimento pessoal e profissional das mulheres, não há tradição associativa na população cigana. As poucas organizações que tinham aparecido no pós-25 de Abril quase que se resumiam à figura de algum homem respeitado num determinado meio e ao seu círculo. Nos últimos 20 anos, pouco a pouco, alguns homens e algumas mulheres foram-se capacitando através de acções promovidas por entidades públicas, como o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), que já teve outros nomes, e privadas, como a Rede Europeia Antipobreza – EAPN Portugal. Se lhe perguntarem o que serviu de trampolim às mulheres, Bruno Gonçalves apontará, sem hesitar, duas iniciativas. Primeiro, o Escolhas, um programa de inclusão social de crianças e jovens de contextos socioeconómicos vulneráveis criado pelo Governo em 2001. Segundo, o Programa Europeu de Formação para Mediadores Ciganos – Romed, lançado pelo Conselho da Europa em 2011. Foi no seio do Romed que em 2013 nasceu a Letras Nómadas, liderada por Olga Mariano e Bruno Gonçalves, que já fora presidente da Associação de Ciganos de Coimbra e vice-presidente do Centro de Estudos Ciganos. A liderança da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas passou para Noel Gouveia, que está com 43 anos e casada com um não-cigano. De repente, tudo convergia. Mulheres ciganas de toda a Europa juntavam-se em Helsínquia para definir a Estratégia para o Progresso das Mulheres e Raparigas Ciganas. Portugal aprovava a sua primeira Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (e que está a rever neste momento). Finalmente, ia haver dinheiro para apoiar o associativismo cigano e alguns pequenos projectos. Em Novembro de 2013, em parceria com a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, a Letras Nómadas organizou o I Encontro de Mulheres Ciganas, em Lisboa. “Feliz o dia em que decidimos fazer isso”, comenta Bruno Gonçalves, que levou a mulher, a sogra e a cunhada. Há um antes e um depois daqueles dois dias a pensar o presente e a procurar formas de construir um futuro de emancipação. “Em 20 anos de activismo cigano, nunca andámos tanto. As mulheres são a mudança. ”A cunhada, uma mediadora de 37 anos chamada Tânia Oliveira, resume o encontro em três frases: “Conhecemos várias mulheres com as quais temos objectivos em comum. Isso veio dar mais força às que pensavam que estavam sozinhas. Até hoje lutamos pelo empoderamento das outras mulheres ciganas. ”Na tentativa de fomentar a participação, da segunda edição do Romed formaram-se grupos de acção comunitária em sete municípios. O da Figueira da Foz, coordenado por Tânia, deu origem à Associação Ribalta Ambição – Igualdade de Género nas Comunidades Ciganas. Ela é a presidente e a irmã, Marisa Oliveira, dois anos mais velha, é a vice-presidente. No Verão do ano passado, organizaram o II Encontro de mulheres ciganas. Sob o lema “Siñando Kali [Ser Cigana] no século XXI”, quiseram abrir espaços de diálogo entre ciganas de todo o país, mostrar bons exemplos, semear confiança. Tânia Oliveira gosta de dizer que “é solteira e boa rapariga”. Foge à conversa sobre a pressão social para encontrar um marido e ter filhos, algo que afecta ciganas e não ciganas que já ultrapassaram a barreira dos 30 anos. Prefere pôr a tónica na flexibilidade para trabalhar, estudar e lutar pela igualdade de género. Deixou a escola findo o 4. º ano, apesar de no seu tempo a escolaridade obrigatória ir até ao 9. º ano. “Eu e a minha irmã queríamos estudar, mas a escola era longe e não tínhamos quem nos levasse”, relata, numa mesa de café. “Eu andava nas feiras, não tinha condições de as levar”, acrescenta a mãe, Maria de Fátima, sentada ao lado. A escola não fazia parte das prioridades. A venda ambulante garantia o presente dos pais e haveria de garantir o futuro dos filhos. O abandono escolar precoce era “normal”. “Bem lá no fundo, acreditava que o meu futuro não passava pelas feiras e mercados, nem pelo papel formatado de mulher que cuida dos filhos e da casa”, afirma. “Sabia que podia alcançar muito mais sem comprometer a minha identidade cigana. ”Aos 18 anos, fez um curso profissional que lhe deu equivalência ao 6. º ano. Tornou-se mediadora sociocultural nas escolas da Figueira da Foz. “Foi um enorme prazer ajudar a minimizar o absentismo e o insucesso escolar”, assegura. Esteve lá seis anos. Teve outros trabalhos temporários de mediação. Esteve um ano no serviço de habitação social e outro no transporte de alunos com necessidades especiais. Através do Sistema Nacional de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, obteve o 9. º ano. Entretanto, despertou nela o desejo de se licenciar. “Para me concretizar enquanto mulher e para dar o exemplo”, justifica. Candidatou-se ao ensino superior, via programa +23. E está a fazer o curso de Animação Socioeducativa na Escola Superior de Educação de Coimbra. Entrar agora até parece fácil, difícil mesmo é ter bons resultados. Está a ser o cabo dos trabalhos. “Passei um bocadinho…. Tenho de acompanhar jovens que tiveram um percurso escolar regular. Não tenho explicações. Estava a trabalhar até às 19h na Figueira da Foz e as aulas começavam às 18h30 em Coimbra. ” O contrato de trabalho acabou. “Vou ter de ir mais às aulas, vou ter de me esforçar mais. . . ”Tem uma bolsa e um tutor. Faz parte do Opre, que começou por ser um projecto-piloto e se tornou uma política pública de acesso ao ensino superior gerida pelo ACM, em parceria com a Letras Nómadas e a Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens. No ano lectivo 2015-2016, eram oito os estudantes apoiados. Agora, são 29. “Cada ano, vamos multiplicando”, orgulha-se. A educação parece-lhe fundamental para a mudança de ideias feitas acerca do seu povo. “Temos um objectivo? Temos. Vamos ter obstáculos? Vamos. Vamos ser apoiadas por alguns? Vamos. Vamos ser criticadas por outros? Vamos. Mas isto faz parte do percurso. É isto que faz a mudança. ” Há uma mensagem que vai repetindo: “Trabalho e estudo, mas nunca deixei de ser cigana. Continuo a respeitar a minha comunidade e a ter o respeito da minha comunidade e isto para nós, enquanto mulheres e ciganas, é fundamental. ”As pioneiras assumiram a escolarização como prioridade. “A minha bandeira é a educação. É o instrumento que nos dá a partilha”, enfatiza Olga Mariano. E é essa também a bandeira das novas activistas ciganas. “É a melhor que podemos ter”, corrobora Guiomar Sousa. “Permite reconhecer e lutar pelo que é nosso por direito. ”A escolaridade da população cigana é muito baixa. “Atinge proporções mais preocupantes entre as mulheres, que na sua maioria não ultrapassam a barreira do 1. º ciclo do ensino básico”, segundo o Estudo Nacional das Comunidades Ciganas, feito por Manuela Mendes, Olga Magano e Pedro Candeias em 2014, a pedido do ACM. E interfere em tudo – no acesso à formação profissional e ao emprego, na capacidade de perceber o funcionamento das instituições, na possibilidade de participar na política. A presença de crianças e jovens ciganos nas escolas portuguesas mais do que duplicou em 20 anos. Poucos, porém, terminam o 3. º ciclo e ainda menos o secundário, segundo o Perfil Escolar da Comunidade Cigana, que caracteriza os alunos matriculados nas escolas públicas do continente no ano lectivo 2016/2017. Na tentativa de fazer com que todos cumpram a escolaridade obrigatória, que agora vai até ao 12. º ano, o Ministério da Educação criou outras ofertas educativas, como os Percursos Curriculares Alternativos, os Programas Integrados de Educação e Formação ou os Cursos Profissionais, onde está grande parte dos alunos ciganos. E o ensino doméstico, o ensino em itinerância e o ensino à distância. A questão é complexa, até porque a escola é uma realidade recente na vida dos ciganos portugueses e a mentalidades não mudam do dia para a noite. Se dúvidas houvesse, bastaria ver que uma das netas de Olga frequenta o ensino doméstico. E essa não é uma escolha da avó. “O melhor é fazer tudo direitinho até ao 12. º ano, mas se vão tirar as meninas da escola. . . eu costumo dizer: quem não caça com cão caça com gato. ” Como tem equivalência ao 12. º ano, assumiu o papel de tutora. “Eu mantenho-a ali certinha. Ela não falha. ”Olga associa a escolha do filho e da nora à “censura social”. Moram a quatro ou cinco quilómetros da escola. O horário dos transportes públicos nem sempre coincide com o horário escolar da menina de 12 anos. Os pais trabalham, não podem aparecer à hora certa para a transportar entre cá e lá e não querem que ela seja objecto de comentários. Quando isso acontece, há processos de marginalização dentro da comunidade. O argumento étnico é conhecido. A honra é importantíssima no seio das comunidades ciganas. A honra das famílias tradicionais assenta no comportamento das mulheres, que se devem manter castas até ao dia do casamento. A opinião dos outros membros da comunidade é muito pertinente. Para garantir que uma rapariga não é alvo de falatório, a partir da puberdade limitam-se os contactos com rapazes. “Nós ainda vivemos na aldeia, mesmo estando nos meios urbanos”, explica aquela dirigente associativa. “As nossas aldeias são os bairros sociais. Toda a gente sabe a vida de toda a gente. Há aquela censura. Continuamos a ter um grande controlo social, porque vivemos à margem – não porque queremos, mas porque as câmaras nos põem em bairros sociais e os não-ciganos não nos querem ao pé deles. ”O rendimento social de inserção tem tido um papel fulcral. Para não arriscar perder aquela prestação social, muitas famílias mantêm as crianças e jovens na escola e algumas mulheres têm iniciado ou retomado a trajectória escolar através de programas de educação alternativos, como a alfabetização de adultos, o Sistema Nacional de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências ou a Iniciativa Novas Oportunidades. A sensação de que a venda ambulante é uma carreira em vias de extinção também é algo motivador. Pode ser uma revolução, apesar de todas as limitações. “Fui beneficiária do RSI durante três meses”, sublinha Noel Gouveia. “Há 17 anos que sou contribuinte. ” É mediadora sociocultural, professora de dança cigana, dirigente associativa. Também saiu da escola com o 4. º ano. Foi fazendo formações. “A escola é a base de tudo. ”Já fez mediação em escolas. Agora mesmo é mediadora Opre. “Eu namoro a família para que ela permita o casamento entre a filha e o curso e namoro a universidade, como se fosse a sogra, para ela receber bem a nora”, brinca. “Tem sido uma experiência única e de verdadeira mudança dentro das comunidades ciganas e fora delas. Daqui a uns anos, vamos ter muitos licenciados. Nada como ter exemplos vivos. ”Por ser considerada um exemplo para outras mulheres, Toya Prudêncio, 30 anos, recebeu o galardão de Cigana do Ano em 2016. “É sinal que estou a percorrer o caminho certo”, orgulha-se. Foi a segunda vez que tal distinção foi atribuída pela Letras Nómadas. Guiomar Sousa recebera-a em 2015. Também saiu da escola finda a 4. ª classe. Tinha de limpar, cozinhar, lavar roupa e criar a irmã, de três anos. “Eu tinha o sonho que acho que toda menina tem: casar-se, ter filhos, ter um lar. ” Conheceu o marido, Bruno Prudêncio, numa festa de noivado, contava 16 anos. Começaram a falar às escondidas. Volvido meio ano, uniram-se. Não fizeram um casamento tradicional cigano, com três dias de festa, porco no espeto, sucessivas mudas de roupa. Fizeram um “fugimento”, isto é, desapareceram durante três dias. Andaram a passear pela região centro. No regresso, foram recebidos pelas famílias em festa. Como a prioridade é manter a honra da família, se um rapaz e uma rapariga têm sexo, as famílias consideram que estão casados. Toya deixou a casa da família, na Maia. Estiveram um mês em casa dos sogros, em Gondomar. E arrendaram uma casinha que era “metade” da sala do apartamento que hoje ocupam. “Nos primeiros anos, as feiras ainda davam. Depois, começamos a ver que não era vida”, conta ela. Ele queria voltar a estudar. Abandonara a escola no 6. º ano. Fez um curso de educação e formação de adultos que lhe deu equivalência ao 9. º. Toya está a contar esta história sentada à volta da mesa da sala. O marido está sentado no sofá, a estudar, e diz: “Tinha o 9. º ano, não consegui emprego. Toca a voltar à escola. Três anos e meio. Tinha de apanhar três autocarros. Tirei o 12. º ano – um curso profissional de técnico multimédia. Agora vai surgir qualquer coisa. Incrível. Só mesmo filmando as caras que as pessoas fazem. As pessoas não têm noção – a cara que fazem, o ar de riso, o ar de quem está enojado por estar na nossa presença. ”Não foi perda de tempo. Entrou como cantoneiro na Junta de Freguesia de Baguim do Monte. O presidente olhou para o currículo e mudou-o para a secretaria. Durante cinco anos, trabalhou lá. “Sempre através de medidas de emprego, sem direito a subsídio de férias, subsídio de Natal, subsídio de desemprego. ”Toya começou a pensar na possibilidade de voltar a estudar. “A vida estava estabilizada. ” A câmara atribuira-lhes um apartamento. Todos os dias, o marido ia para o trabalho, as filhas iam para as aulas e ela ficava em casa. “Eu sempre gostei de saber mais. O meu cérebro nunca andou muito quietinho. ”Pensava começar por uma certificação de 6. º ano. Bruno Gonçalves, “esse grande desestabilizador”, desafiou o casal a tentar entrar no ensino superior, através do +23. Tinham de se inscrever em duas cadeiras isoladas, para ver como se adaptavam. “Apliquei-me 100%. Às vezes, estávamos os quatro aqui a estudar. ”Bruno entrou logo no curso de Educação Social na Escola Superior de Educação do Porto. Toya não conseguiu entrar à primeira. Virou-se para outro lado. Começou este mês o curso de Educação da Universidade Aberta. Os sonhos de Toya alteraram-se. “O meu sonho é acabar o meu curso e arranjar um emprego, dar uma vida melhor às minhas filhas. O que me imagino a fazer? Tanta coisa! Jesus! O que mais quero fazer com este curso é empoderar jovens, incentivá-los, mostrar que há outros caminhos. Quero trabalhar com jovens de etnia cigana e não só. Nem só os de etnia cigana precisam de incentivo. Moro num bairro social e vejo isso. ”O entusiasmo não abafa a necessidade de medir as palavras. Assumindo-se como feminista, isto é, como defensora da igualdade de género, Guiomar Sousa explica o cuidado: “O feminismo é um terreno minado. Temos de saber onde pisamos para que os nossos tenham a plena noção do que nós defendemos. ”As activistas estão mobilizadas para lutar pelo direito à educação, pelo conhecimento da história e da cultura da população cigana, contra a discriminação étnico-racial, contra os estereótipos de género, pelo “empoderamento” das mulheres. Isso é evidente nos projectos que têm desenvolvido com o Fundo de Apoio da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas. Não discursam sobre práticas culturais nefastas. O grande tabu é o teste de virgindade. Há quem se limite a afirmar que o assunto é privado (inúmeras mulheres sentem-se honradas e sentem que honram as suas famílias com tal prática). Há quem se limite a dizer que é raro (a maior parte dos casais, hoje, opta pelo “fugimento”). E há quem veja nesta prática um atentado aos direitos humanos, mas tema as reacções dos defensores das tradições (afinal, a ideia é provar que uma mulher pode estudar, trabalhar, ser activista sem deixar de respeitar as tradições). Há reacções defensivas quando se puxa pelo assunto casamentos arranjados. “Ninguém é obrigado a casar-se”, frisa, por exemplo, Olga Mariano. Os pais podem combinar tudo quando os filhos são crianças, mas não os podem forçar. A rapariga pode “dar cabaças”, isto é, pode romper o compromisso. A mesma reacção defensiva ocorre quando o assunto é o casamentos precoce. “Nenhum pai quer que uma filha se case antes dos 18 anos”, afirma a activista. Só que muitos, como já se disse, optam pelo “fugimento”. Basta-lhes desaparecer umas horas. “Culturalmente, não há namoro. Quando um rapaz toca numa rapariga, é para ficar. ”Para Maria Gil, o maior desafio de qualquer feminista cigana “é criticar as estruturas patriarcais internas sem reforçar os estereótipos negativos sobre a sua comunidade”. A população cigana não é homogénea. As comunidades são muito diversas. E o machismo não é um exclusivo destas comunidades. “Estamos a começar a fazer alguma coisa. A partilha de preocupações parece pouco, mas já é alguma coisa”, realça. A escolaridade não é só uma via para o emprego. “A escolarização vai abrandar o ritmo dos casamentos precoces. E criar massa crítica de práticas que vão contra a dignidade da mulher. ”Diz coisas que nenhuma outra activista se atreve a dizer. Como esta: “A violência doméstica é silenciada. Uma mulher cigana não pode denunciar um homem cigano à polícia. Conheço mulheres ciganas que fizeram isso e estão fora do país. Os filhos não falam com elas. O facto de terem fugido de uma história de violência faz delas umas putas. ” As separações, como as uniões, são assunto de toda a família. “Às vezes, não podemos fazer esta exposição”, esclarece Maria Gil. “Eu posso, porque já não tenho tanto medo, tenho algum. Há mulheres activistas que não podem dizer tudo o que pensam. Têm de ter o aval do marido. Vivem com aquele medo de, a qualquer momento, ver a sua caminhada interrompida…. ”Já foi ameaçada por se assumir como feminista, por falar do que não se fala, por contestar homens mais velhos. “Já recebi telefonemas: ‘Vê lá como é que falas da próxima vez que fores à televisão. ’ Já apanhei alguns sustos. ” Não é só o sexo masculino. “O machismo é tão perverso que gera nas mulheres um sentimento de protecção. ” Muitas “são umas patetas alegres, têm um homem que toma conta delas e defendem que há as mulheres sérias, que são firmes, castradoras, e as outras, que ousam fazer as suas opções”. Às vezes, cansa-se, mas não se cala. “Compreendi que era importante ser voz. E a verdade é que o faço de uma forma, se calhar, diferente da que outras fazem, porque elas têm um suporte que eu nunca tive”, diz. “Tenho de fazer valer o meu direito à liberdade. Desde cedo me vi privada de liberdade. ”Maria Gil tinha sete anos quando o pai morreu. A mãe tirou-a da escola. Deixou-a voltar aos oito, de luto carregado. Voltou a tirá-la quando ela concluiu o 4. º ano. “Resisti. Percebi que era tratada de forma diferente por ser menina. Por ser menina, não podia usar calças. Por ser menina, não podia sair sozinha. ”Havia regras que não lhe faziam confusão. Não sentia falta de saídas noturnas, para bares ou discotecas, por exemplo (“Havia tanta festa em casa”). Mas outras faziam-lhe e rebelava-se contra elas. Devorava os livros dos primos, que continuavam a ir à escola. Estudava sozinha. Fez o 6. º ano autopropondo-se a exame. Foi fazendo as suas escolhas – e pagando o preço. Casou-se com um não-cigano com quem teve três filhos. “Era uma história de amor que eu queria viver. ” Separou-se. Esteve uns anos sozinha. Juntou-se a outro não-cigano. Teve uma filha. E sentiu-se muitas vezes posta de lado por isso. As relações com não-ciganos não são bem vistas. Nota uma espécie de medo. “Isso revelou-se mais quando decidi não voltar para casa da minha mãe com os meus quatro filhos, ficar a morar com eles no centro da cidade, sem o controlo directo de familiares. ” Que exemplo está ela a dar a outras meninas e mulheres? “Mostro que é possível uma mulheres estar sozinha e isso provoca receio numa população que está estruturada em torno da família. ”Alerta várias vezes para a necessidade de não se generalizar. “Esta é a minha experiência. Há mulheres ciganas que não se identificam comigo. Há mulheres que por causa disso me dirigem insultos. E há mulheres com as quais não me identifico de todo. Eu não me identifico com mulheres que silenciam a opressão. ”Cada uma das mulheres que dão forma ao movimento tem uma história única. “Este movimento pode levar a alguma coisa”, acredita. “Não é um movimento registado. É uma sucessão de palavras e de acções. Cada mulher vai dando o seu contributo. No Norte não temos uma associação. A ideia é criar uma e fazer um trabalho mais consistente. ”A Estratégia Nacional para a Igualdade e Não-Discriminação 2018-2030, aprovada em Janeiro, assume como objectivo central a eliminação dos estereótipos de género. Reconhecendo que estes se cruzam com outros, reconhece necessidades específicas de mulheres ciganas, afrodescendentes, idosas, com deficiência, migrantes, refugiadas. Do Plano de Ação para a Igualdade entre Mulheres e Homens consta o “envolvimento de crianças ciganas, particularmente meninas, em actividades de promoção do ensino e de combate ao abandono escolar”. E o Plano de Combate à Violência contra Mulheres e Violência Doméstica refere “programas específicos para a intervenção junto de vítimas em situação de especial vulnerabilidade em virtude da intersecção de vários factores de discriminação”, incluindo mulheres ciganas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Já fizemos muito trabalho”, suspira Noel Gouveia. No início deste ano, a sua associação passou a partilhar a sede com o Centro Romi, um espaço comunitário projectado por oito mulheres ciganas. “Já passámos esta luta para outras mulheres. Isso é muito bom, mas no fundo estamos a vender sonhos sem segurança. ” Sonhos sem segurança? “Estamos a incentivá-las a sair do rendimento social de inserção, a estudar, a arranjar emprego, mas ninguém nos dá emprego, temos de ser nós a criar emprego para nós. Aquelas mais clarinhas não dizem que são ciganas e arranjam um trabalhinho. As mais escurinhas, como eu, não. ”Conta 17 anos de sucessivos trabalhos temporários. “Estou tão precária e insegura como se estivesse na praça. Na praça, tínhamos de comprar à noite para vender de manhã. Aqui é igual. Não sei se amanhã vou ter projecto. ” Olha para a filha, que tem nove anos e está no 3. º ano. Não pode desistir. “Gostava que a minha filha não fosse identificada pela etnia. Ela é mulher, é portuguesa, faz parte da raça humana. Para os não-ciganos é a ciganita, para os ciganos já não é cigana, porque o pai dela não é cigano. Ela costuma dizer que não é só uma sandes de queijo, nem só uma sandes de fiambre, é uma sandes mista. ”
REFERÊNCIAS:
Mulheres na política? O número conta, mas não é tudo
As mulheres representam menos de um terço das pessoas que se sentam nos parlamentos nacionais da União Europeia. O que as impede de participar? O Instituto Europeu para a Igualdade de Género acaba de lançar uma ferramenta que desafia cada parlamento a perceber até que ponto tem em consideração as diferenças entre mulheres e homens. (...)

Mulheres na política? O número conta, mas não é tudo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: As mulheres representam menos de um terço das pessoas que se sentam nos parlamentos nacionais da União Europeia. O que as impede de participar? O Instituto Europeu para a Igualdade de Género acaba de lançar uma ferramenta que desafia cada parlamento a perceber até que ponto tem em consideração as diferenças entre mulheres e homens.
TEXTO: Qual a proporção de mulheres que se sentam no parlamento? Há sistema de quotas? Os interesses e as preocupações das mulheres têm espaço na agenda? O parlamento produz legislação que tem em conta as desigualdades de género? Enquanto local de trabalho, prevê algum apoio à conciliação entre vida profissional e vida familiar? Tem um código de conduta? E formas de combater o assédio?Não são perguntas de algibeira. São parte de um instrumento que o Instituto Europeu para a Igualdade de Género, a agência da União Europeia que promove a igualdade entre homens e mulheres, criou para verificar até que ponto as assembleias municipais, regionais ou nacionais têm sensibilidade para as questões de género. Barbara Limanowska, coordenadora da área de Incorporação da Perspectiva de Género naquela agência, apresentou a ferramenta no dia 7 de Junho num fórum organizado pela fundação Women Political Leaders, com o patrocínio da Presidente da República da Lituânia, Dalia Grybauskaite. Naqueles dias, em Vílnius, 400 mulheres de mais de uma centena de países sentaram-se a trocar experiências e a estabelecer contactos. De Portugal, a deputada Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda, e uma assessora parlamentar. Na véspera, Sandra Cunha e deputadas de outros países tinham sido desafiadas a testar a ferramenta, o que implica responder a mais de 80 perguntas. “Há muita informação que não temos, pelo menos acessível”, constatou. Um exemplo? “Sabemos quantas deputadas e quantos deputados há, mas não temos essa informação trabalhada em termos de funcionários, forças de segurança, assessores. ”Para fazer este autodiagnóstico, cada Estado-membro terá ainda de reunir uma série de dados. Virginija Langbakk, que dirige a agência sediada em Vílnius desde que ela foi criada em 2010 e está de saída, não precisa de esperar pelos resultados para exprimir uma certeza: “Há muita margem para melhorar. ”Mulheres são menos de um terçoNas palavras de Virginija Langbakk o ponto de partida é este: “A sociedade é formada mais ou menos pela mesma proporção de homens e mulheres, há até um pouco mais de mulheres. Os homens não conseguem representar toda a gente em tudo. Neste momento, homens e mulheres têm diferentes experiências, diferentes necessidades. Para que não haja défice democrático, tem de haver pelo menos massa crítica. ”Os cálculos estão feitos. Um certo nível de participação é necessário para que o género subrepresentado tenha algum impacto no processo de tomada de decisão. Um mínimo de 30% garantirá massa crítica. Uma proporção de 40/60 corresponderá a um equilíbrio e uma de 50/50 à paridade. Qual é a realidade hoje? As mulheres representam menos de um terço dos eleitos nos parlamentos nacionais da União Europeia. No final do ano passado, só a Suécia, a Finlândia e a Espanha tinham 40% ou mais mulheres. Grécia, Croácia, Chipre, Letónia, Malta e Hungria nem chegavam aos 20%. Portugal contava 35, 2%. A proporção de mulheres nos conselhos de ministros era ainda inferior. Só Suécia, França, Eslovénia e Alemanha tinham governos equilibrados. Em seis países, as mulheres representavam menos de 20%. Portugal era um deles, com 16, 7%. Pior só Malta, República Checa, Chipre e Hungria. A Hungria nem uma mulher tinha. Na corrida ao Parlamento Europeu, houve mais cuidado. As mulheres representavam 36, 8%. Nove países mostravam grupos equilibrados. A Finlândia tinha uma desproporção de mulheres (61%). E todos os outros Estados-membros uma desproporção de homens. “Muitas vezes, quem está em minoria não se sente confiante o suficiente para tomar a palavra”, explica Langbakk. “Quanto maior for a massa crítica, quanto mais próxima a representação estiver da paridade, mais segurança sentirá o grupo subrepresentado para apresentar as suas ideias e para defendê-las. ”Na Europa do século XXI, o que impede as mulheres de participar de forma mais activa na política? Não é suficiente garantir-lhes, como aos homens, o direito de eleger e de ser eleitas, de estudar e de trabalhar fora de casa? Há até mais mulheres a concluir o ensino superior. “Nos somos diferentes, mas devemos ter oportunidades iguais e a verdade é que não temos”, responde Vilija Blinkeviciute, a eurodeputada do Partido Social Democrata da Lituânia que preside ao Comité de Direitos das Mulheres e Igualdade de Género no Parlamento Europeu. Há factores complexos e profundos que se interligam. O peso da vida familiarA desigualdade começa em casa. As mulheres fazem a maior parte do trabalho. “As coisas estão até a andar para trás em relação ao trabalho não remunerado”, lamenta Virginija Langbakk. “Dentro da União Europeia, dois em cada três homens nem sequer dedicam uma hora por dia aos filhos e à casa. ”A sobrecarga tira tempo às mulheres para a causa pública. Pode nem ser assim, mas assume-se que por terem filhos se dedicam menos ao trabalho. E isso, diz Jolanta Reingarde, coordenadora do programa de investigação e estatística do Instituto Europeu para a Igualdade de Género, faz com que sejam menos desafiadas. Um estudo sobre carreira política feminina – promovido pela Women Political Leaders e feito em 2014 por investigadores de Yale, California-Berkeley e London School of Economics, com base no depoimento 457 deputados de 84 países – traça um retrato previsível: elas tendem a iniciar a carreira política mais tarde, a ter menos filhos, a passar mais tempo a cuidar da família e a organizar-se para encurtar deslocações; tudo indica que só as que têm retaguarda familiar avançam com uma candidatura; os homens tendem a fazê-lo mesmo que a família os desencoraje. “É difícil uma mulher ter um companheiro ou uma companheira que queira ficar na retaguarda”, concorda Virginija Langbakk. Há excepções, como a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que teve uma menina nesta quinta-feira. Deverá usufruir de seis semanas de licença. Depois, o namorado, Clarke Gayford, apresentador televisivo, ficará em casa com o bebé. A polémica instalou-se mal se soube que ela estava grávida. Como iria conciliar a maternidade com um cargo tão exigente? “Não sou a primeira mulher a trabalhar e a ter um bebé”, reagiu, citada por diversos órgãos de comunicação social. “Sei que estas são circunstâncias especiais, mas irão existir muitas mais mulheres a fazê-lo e muitas já o fizeram antes de mim. ”Em Vílnius, mais do que uma vez se ouviu o nome de Vigdís Finnbogadóttir. Antes de se tornar Presidente da República da Islândia, em Agosto de 1980, esta questão também se colocou. Houve até um opositor que lhe chamou “meia-mulher”. Era mãe solteira e sobrevivera a um cancro que a deixara sem um peito. "Eu não vou amamentar a nação, eu vou liderá-la!”, disse. Há oito anos, quando Licia Ronzulli, membro do Povo da Liberdade, o partido de Silvio Berlusconi, levou pela primeira vez a filha, então um bebé de meia dúzia de semanas, para o Parlamento Europeu, jornalistas de todo o mundo quiseram falar com ela. Nas entrevistas, repetiu que, antes de ser um gesto político, aquele era um gesto materno. Estava a amamentar. E quis “lembrar que há mulheres que não têm esta oportunidade [de trazer os filhos para o trabalho]". Ganhou apoio político para que outras crianças estejam no plenário desde que não interrompam os trabalhos. E, até 2014, de vez em quando lá estava ela com a filha, Vittoria Cerioli, ora sorridente, ora séria. As imagens, que foram permitindo ver a criança crescer, faziam uns sorrir e outros franzir a testa. Um “mundo de homens”Na política, elas ainda se vêem e são vistas como o “outro”. “Há a ideia de que este é um mundo de homens”, nota Virginija Langbakk. E isso não serve apenas para alguns reagirem mal a mulheres candidatas, também para muitas nem pensarem nisso. “Elas olham para os parlamentos e questionam-se: será que me sentiria bem naquele meio? Será que conseguira expressar bem as minhas ideias? Será que me conseguiria fazer ouvir?”O já referido estudo sobre carreira política explica de que modo as representações sociais sobre “o lugar das mulheres” interferem. Qualquer potencial candidato se preocupa com as artimanhas políticas, mas elas preocupam-se mais do que eles com “discriminação de género, dificuldade de angariação de fundos, publicidade negativa, perda de privacidade, possibilidade de não serem levadas a sério”. As pessoas habituaram-se a ver homens nos lugares de topo e tendem a associar características tidas como masculinas a liderança, diz Jolanta Reingarde. As mulheres que assumem este estilo podem ser criticadas por estarem a agir como homens. E as que não o fazem podem ser criticadas por não estarem a agir como verdadeiras líderes. A sua aparência, sublinha Virginija Langbakk, ainda é assunto. São julgadas pela roupa que vestem, por serem demasiado novas ou demasiado velhas, por estarem demasiado magras ou demasiado gordas. “Quando analisamos a participação política dos jovens e as suas aspirações usando instrumentos online, percebemos que as raparigas têm mais reservas em divulgar opiniões”, exemplifica. “São mais atacadas. Não é só dizer: ‘É estúpida!’ Também é: ‘Ó gorda!’ Falam muito do aspecto físico. ”A presente falta de envolvimento de raparigas suscita inquietação com o futuro. Por isso vão tendo destaque projectos como o “De mulher para mulher”, que a Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens desenvolveu em 2008/2010. O objectivo era atrair e preparar uma nova geração de mulheres, recorrendo à mentoria e a um programa de desenvolvimento de competências para a política. Ligações entre homensNaqueles dias, em Vílnius, eram recorrentes as referências a dois fenómenos: o “tecto de vidro” (as mulheres por norma só conseguem progredir na carreira até um certo ponto) e a “montanha de vidro” (às mulheres oferecem-se mais lugares incertos ou com elevada probabilidade de falhar). O “tecto de vidro” é um coberto de homens, entende Silvana Koch-Mehrin, fundadora e presidente da Women Political Leaders. “Criam ligações fortes entre eles. ” Muitas vezes, solidificadas fora de horas, em ambientes informais, excluindo as mulheres. “Na política, as ligações são incrivelmente importantes. ”A competição, dentro dos partidos, é feroz. As ligações políticas não são só determinantes para entrar nas listas ou para alcançar posições de topo, também para manter o apoio, para conseguir provocar mudança. E as quotas, aponta Silvana Koch-Mehrin, são um modo de quebrar essas interligações. As quotas na UE“Temos provas de que a introdução de quotas é um instrumento poderoso para aumentar a participação das mulheres na vida política”, afiança Jolanta Reingarde. Nos países com quotas, a presença feminina cresceu uma média de 10% entre 2003 e 2014. “São uma solução intermédia”, achega Virginija Langbakk. “Nos países escandinavos nem sequer se fala nisso, porque é natural haver homens e mulheres a participar. ”Apesar de controversa, é uma medida comum. Há três anos, o Instituto Europeu para a Igualdade de Género analisou o quadro legal de 28 Estados-membros e encontrou apenas cinco sem quotas de género para o parlamento nacional: a Bulgária, a Dinamarca, a Estónia, a Letónia e a Finlândia. A Dinamarca tem um dos mais elevados níveis de participação de mulheres no parlamento nacional (37, 4%) sem nunca ter introduzido quotas. E a Finlândia só tem quotas ao nível local, o que funciona como uma porta de entrada para mulheres na política, tanto que o país tem o segundo parlamento mais próximo da paridade (42%). Naquela altura, encontraram quotas voluntárias em 14 países: República Checa, Alemanha, Itália, Chipre, Lituânia, Luxemburgo, Hungria, Malta, Holanda, Áustria, Roménia, Eslováquia, Suécia, Reino Unido. Virginija Langbakk gosta de dar o exemplo da Suécia. “Foi a sociedade, através dos media, que lançou o assunto. Os homens perceberam que não podiam tomar sempre decisões adequadas ou justas, que precisavam de ter as mulheres a discutir e a procurar soluções com eles. ” Os cinco maiores partidos adaptaram um sistema “zipper”, isto é, homem/mulher. E isso chega para ter o mais paritário dos parlamentos da União Europeia (46, 1%). O estudo dá conta de quotas obrigatórias em nove países: a Bélgica, a Irlanda, a Grécia, a Espanha, a França, a Croácia, a Polónia, a Eslovénia e Portugal. O grau de eficácia depende do modo como a lei está feita. A Croácia é um exemplo do que não funciona. Uma quota de 40% foi aprovada em 2008, mas a representação feminina no parlamento ainda está nos 18%. Os partidos tendem a relegar as mulheres para os lugares impossíveis nas listas de candidatura. E a introdução de sanções para incumpridores tem sido adiada. Para lutar contra isto, a organização feminista CESI desenvolve há uma década uma estratégia ousada. Nos períodos de campanha eleitoral, ergue nas ruas “pilares da vergonha” a chamar a atenção para os partidos que não cumprem a quota. O caso de Espanha, que adoptou uma quota de 40% em 2008, é o exemplo do que funciona mais. As quotas aplicam-se às listas como um todo e a cada grupo de cinco candidatos (o que evita que as mulheres sejam relegadas para lugares pouco ou nada elegíveis) e quem não as cumpre fica fora da eleição. No parlamento nacional actual a proporção de mulheres é de 40, 6%. Dir-se-á que há uma mudança em curso naquele país, tanto que o Governo que tomou posse em Junho último inverteu a lógica habitual. O chefe do Governo Pedro Sánchez prometera um “governo socialista, paritário e europeísta”. E acabou por formar uma equipa de onze mulheres e sete homens, contando com ele. O caso portuguêsPortugal também é considerado um bom exemplo, embora registe uma subida discreta. Em 2006, aprovou uma quota de 33, 3% em todas as listas. Um balanço já feito este ano – pelas investigadoras Maria Helena Santos, Ana Luísa Teixeira e Ana Espírito-Santo a pedido da secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro – mostra que "a lei tem sido implementada com particular sucesso nas eleições europeias e tem sido cumprida pelos seus critérios mínimos nas eleições legislativas e autárquicas, embora nestas últimas haja vários casos de incumprimento mesmo entre os principais partidos. " Muitas vezes, os próprios líderes partidários nem sabem. Será mais "fácil" fazer uma lista para as europeias do que 22 para as legislativas. E não é simples controlar as listas para as autárquicas, que envolvem quase quatro mil pessoas. "Para além dos factores que condicionam a participação das mulheres na vida político-partidária em geral, nas autarquias colocam-se questões específicas", referem. Não é só o “domínio masculino” da base de recrutamento (os partidos, os sindicatos e as associações locais). É também a organização do trabalho, que amiúde se faz nos tempos livres. Diversos estudos dão conta da dificuldade, “apontada por alguns políticos ao nível local, em encontrar potenciais candidatas/os”. As investigadoras remetem tais discursos para a resistência à mudança. Tudo se agrava nas freguesias mais pequenas, mais rurais e menos povoadas. Essas “são mais conservadoras e mais resistentes à incorporação de novos valores e atitudes". O Parlamento está agora a trabalhar uma proposta de alteração saída do Governo. A ideia é subir a quota para 40%, obrigar a que os dois primeiros candidatos de cada lista sejam de sexo diferente e que depois disso não possam ser colocados mais do que dois candidatos do mesmo sexo seguidos. E rejeitar as listas que não cumprirem. Lá para Setembro, haverá debate no plenário. A estratégia está longe de ser consensual. A propósito da diversidade no Parlamento, contara Idália Serrão, eleita nas listas do PS, que “até há muitos poucos anos, no Dia Internacional da Mulher, os jornalistas faziam uma peça que consistia em ver quantos requerimentos e quantas perguntas tinham feito as deputadas”. “Entretinham-se a fazer uma espécie de ranking". “Não faziam isso aos homens. Esses não estavam em avaliação. Ainda há pouco, quando a proposta foi discutida na generalidade, só sobre mulheres Idália Serrão ouvia o discurso do mérito. “Se fosse só uma questão de mérito! Mulheres e homens têm mérito. A quota de género permite às mulheres ocuparem lugares que de outra forma os homens nunca deixariam!” Ali, em Vílnius, Sandra Cunha recordava a mesma sessão: “É um argumento machista. É um argumento que pretende passar a ideia de que só os homens têm mérito e que as mulheres vão parar aos lugares de liderança por causa das quotas”. Mulheres têm de provarJolanta Reingarde tem visto o mesmo acontecer em muitos países da União Europeia: “Os homens não precisam de justificar a sua presença. Parte-se do princípio que têm habilitações e experiência para o cargo. As mulheres, sim, têm de provar que têm capacidade para que a sua presença se justifique. ”Num lado, há quem diga que as quotas são um modo de discriminação do género masculino; que só não há mais mulheres porque elas não querem; que só não há mais mulheres porque elas não têm competência; que as mulheres eleitas através de quotas são menos respeitadas; que as quotas distorcem a ideia de representação; que os sistemas de quotas tiram liberdade de escolha. No outro, há quem diga que os homens não têm experiência nem motivação para legislar sobre todas as áreas; que, por terem fraca participação, as mulheres recebem um sinal de que valem menos do que os homens; que há mulheres com talento para a política que não têm oportunidade de entrar e homens sem talento para a política que se vão mantendo agarrados aos seus lugares. Em Vílnius, havia uma expressão que se ia repetindo nas comunicações feitas ao vivo ou através de depoimentos em vídeo: “É tempo”. E este “é tempo” tinha muito que ver com vontade de “quebrar as ligações que sustêm os homens no poder” e “fazer a sociedade perceber que as mulheres são igualmente competentes”. Não se pense que este é um exclusivo europeu. Há quotas nas mais diversas partes do mundo. “É por alguns países terem tomado iniciativas dessas que vemos um progresso, ainda que lento”, comenta Silvana Koch-Mehrin. “De acordo com o mais recente relatório do Fórum Económico Mundial, se não tomarmos medidas levaremos mais 99 anos a chegar à paridade. ”Ocorre-lhe o exemplo do Ruanda. Introduziu uma quota de 30% em 2003 e agora tem 63% de mulheres na câmara baixa e 40% no senado. Nenhum país tem tantas mulheres. “A quota ajudou a mudar a percepção do que é uma mulher enquanto líder”, sublinha aquela polémica política alemã. Na sequência do genocídio de 1994, as mulheres tiveram de aprender a pensar nelas de outra forma. Um estudo feito pelo Fórum Económico Mundial refere que o Ruanda foi um dos países que mais progrediram em matéria de direitos das mulheres. “Acho que a participação das mulheres é muito importante para realmente mudarmos o mundo para melhor, para criarmos uma sociedade mais ajustada a homens e mulheres nas diferentes áreas da vida”, resumia Vilija Blinkeviciute. “Há muitas áreas que precisam de ser melhoradas e as mulheres podem dar um contributo. ”Envolver os homensSilvana Koch-Mehrin não acredita que, sozinhas, as mulheres consigam provocar a mudança. “Ainda há poucas mulheres que conseguem ultrapassar o ambiente difícil e muito competitivo da política, alcançar a primeira liga e, servindo de exemplo, encorajar outras mulheres. Precisámos de ter homens como aliados. ”Um pouco por toda a Europa se podem encontrar iniciativas para envolver os homens e os rapazes na luta pela igualdade de género, sensibilizar os partidos para incluírem mais mulheres, atrair raparigas e mulheres para o mundo da política, apoiar redes de trabalho e mentoria, promover capacitação. Um dos exemplos mais antigos é o Power Handbook, uma iniciativa da Federação Nacional de Mulheres Sociais Democratas. Num pequeno texto, reconhecem que há “armadilhas” e procuram ajudar a identificá-las e a removê-las ou a contorná-las. Nesse afã, tratam de desmontar “cinco técnicas de dominação masculinas” percebidas pelo professor norueguês Berit: tornar invisível (falar na vez daquela pessoa, não prestar atenção quando ela fala) ridicularizar (troçar do que a pessoa disse ou fazer comentários sobre a sua aparência), sonegar informação (partilhar informação com um grupo fechado), penalizar duplamente, atribuir culpa e vergonha (embaraçá-las). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mesmo quando há uma proporção equilibrada, como na Suécia, homens e mulheres podem não ter o mesmo poder ou influência. Há muitos indicadores para lá do número. E os parlamentos, lembra Barbara Limanowska, não são só sítios onde se fazem leis. São também espaços de trabalho. A ferramenta, agora lançada, arruma as perguntas em cinco grupos: igualdade de oportunidades de entrar no parlamento, igualdade de oportunidade de influenciar o parlamento; espaço para as preocupações das mulheres na agenda parlamentar; produção de legislação com sensibilidade de género; função simbólica do parlamento. “Podemos perceber, pelo tipo de perguntas que é feito, aquilo que nos faz falta”, adianta Sandra Cunha. Um exemplo? "Não temos um plano de igualdade para o Parlamento, não temos regras sobre linguagem, não temos regras sobre conduta. ” Saiu de Vílnius a pensar nisto. E pode vir a propor um plano de igualdade para o parlamento.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
Marrocos: se és homem, cobre as tuas mulheres na praia e fora dela
Campanha está a agitar as redes sociais. Foi lançada no início de Julho para impedir as marroquinas de usarem biquíni ou fatos de banho. Já deu direito a uma petição enviada ao Governo pelos activistas dos direitos das mulheres. (...)

Marrocos: se és homem, cobre as tuas mulheres na praia e fora dela
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Campanha está a agitar as redes sociais. Foi lançada no início de Julho para impedir as marroquinas de usarem biquíni ou fatos de banho. Já deu direito a uma petição enviada ao Governo pelos activistas dos direitos das mulheres.
TEXTO: Começou no Facebook a 9 de Julho com um post dirigido aos homens em que se escrevia: “És responsável pelo que usa a tua mulher e a tua filha… Por isso, não sejas um dayooth [palavra árabe que se refere ao homem que permite que as mulheres da família tenham relações consideradas ilícitas]. ” A campanha online com a hashtag árabe #kunrajel, lançada para impedir, em época estival, que nas praias de Marrocos haja mulheres muçulmanas em biquíni ou fato de banho, está a agitar as redes sociais e já chegou aos jornais. Os que a criticam criaram já uma hashtag contrária — #Soisunefemmelibre (“Sê uma mulher livre”) — e lançaram uma petição destinada a levar o Governo a proibir o que definem como uma campanha “misógina” que tem vindo a gerar “indignação” no país e fora dele. E entre mulheres e homens. Segundo o jornal digital Morocco World News, que opera a partir da capital marroquina, Rabat, mas tem sede em Nova Iorque, os signatários da petição pretendem abolir a hashtag #kunrajel (que se pode traduzir por “Sê um homem”, mas que na realidade tem um tom vernacular, que em português ficaria mais próximo de um “Ganha tomates”, a confiar na tradução para castelhano feita pelo diário El País). “O corpo das mulheres no espaço público parece estar a perturbar cada vez mais homens marroquinos, alguns dos quais se permitem, impunemente, ‘desempenhar com exagero’ um inaceitável papel policial no nosso país”, diz a petição, da autoria de Fathia Bennis, fundadora e presidente da Associação Tribuna das Mulheres. Este texto, que lembra ainda o raide que no ano passado levou uma verdadeira “milícia” a percorrer uma praia em Agadir forçando as mulheres em fato de banho a cobrirem o corpo, quer ainda chamar a atenção para o aumento da violência contra as mulheres em Marrocos. Em 2016, escreve o Morocco World News, dados de um observatório nacional davam conta de que 73% das marroquinas diziam ter sido vítimas de assédio em locais públicos. No ano seguinte, uma investigação levada a cabo na sequência de um ataque chocante num autocarro em Casablanca chegava à conclusão de que a violência doméstica afecta 14, 2% das mulheres. Apesar de ter sido aprovada uma lei que condena a violência contra as mulheres, protegendo-as até de formas de abuso por parte do marido e de outros familiares que até aqui não eram reconhecidas pelos tribunais, muitos activistas dizem que há ainda um longo caminho a percorrer. De acordo com a petição lançada na passada quinta-feira e que já tem mais de 1500 assinaturas, a Constituição marroquina concede a homens e mulheres igualdade de direitos cívicos, políticos, sociais, culturais e ambientais, algo que a campanha #kunrajel (também com as hashtags #kunrajulan e #soisunhomme) não está disposta a reconhecer. Segundo o diário espanhol El País, que esta segunda-feira publica uma reportagem numa praia de Marrocos em que fala com várias mulheres, umas contra a campanha #kunrajel e outras a favor, a situação das mulheres naquele país do Norte de África melhorou consideravelmente com a lei de 2004 (um novo código de família). A idade mínima para o casamento passou dos 15 para os 18 anos, o que permitiu à mulher pedir o divórcio, e deu-lhes acesso a parte dos bens do casal, em caso de separação. Apesar das melhorias, nota o El País, há ainda cerca de 45 mil casamentos por ano entre homens adultos e mulheres com menos de 18 anos e o Código Penal continua a punir as relações sexuais fora do casamento (um ano de prisão), a homossexualidade (três anos) e o adultério (dois anos, quando denunciado pelo cônjuge, seja homem ou mulher). As mães solteiras também continuam a ser marginalizadas e quanto às heranças, as mulheres continuam a ser prejudicadas: quando os pais morrem, por exemplo, as filhas marroquinas só podem receber metade dos bens que recebem os seus irmãos. Ibtissame Betty Lachgar, porta-voz do Movimento Alternativo para as Liberdades Individuais (MALI), que em Marrocos, e na observância dos princípios da desobediência civil, luta pelos direitos humanos, sejam eles os das mulheres ou os das minorias, está entre os que acreditam que há ainda muito a fazer para garantir a igualdade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para Lachgar, uma psicóloga clínica de 43 anos que de acordo com o jornal online El Faro de Melilla recebe com frequência ameaças de morte e de violação por causa do seu activismo na defesa da igualdade de liberdades para as mulheres ou os homossexuais, a situação no espaço público tem vindo a piorar. Foi dela que partiu a iniciativa de criação da hashtag #Soisunefemmelibre. Lachgar compreende os argumentos de todos aqueles que nas redes sociais e nas páginas dos jornais têm defendido que o melhor é “ignorar os provocadores” que desencadearam a campanha que classificam como “machista”, mas prefere falar porque o silêncio pode ser lido como cumplicidade. Tanto lhe faz que as mulheres usem fato de banho na praia ou um niqab (o véu que deixa apenas os olhos à vista), desde que possam fazer o que quiserem. Incluindo não ir à praia. “O importante é que as mulheres actuem em liberdade e não sob o domínio do patriarcado”, disse ao El País. “Não se trata da roupa, mas do corpo. Queremos que os homens deixem de controlar os nossos corpos. Os mesmos que não respeitam o nosso corpo são os que dizem, quando uma mulher é violada: ‘Bem o mereceu pela maneira como ia vestida’. São os mesmos que me assediam e insultam. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Por que estão os EUA entre os mais perigosos do mundo para as mulheres?
A Fundação Thomson Reuters entrevistou 500 especialistas para determinar quais os países onde as mulheres correm mais risco. (...)

Por que estão os EUA entre os mais perigosos do mundo para as mulheres?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 Africanos Pontuação: 7 Refugiados Pontuação: 5 | Sentimento -0.04
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Fundação Thomson Reuters entrevistou 500 especialistas para determinar quais os países onde as mulheres correm mais risco.
TEXTO: Índia, Afeganistão, Síria. . . Na lista dos dez países mais perigosos para as mulheres estão sobretudo estados em conflito ou onde os direitos das mulheres não são assegurados; mas o ranking definido por 500 especialistas a convite da Fundação Thomson Reuters fecha com os EUA. Trata-se do único país ocidental na lista, equiparado àqueles que dão as piores condições em termos de direitos e segurança às mulheres. A fundação entrevistou 500 especialistas para determinar em que países as mulheres correm mais risco de vida a partir de critérios como os cuidados de saúde, violência sexual, violência não sexual, práticas culturais, discriminação e tráfico de seres humanos. Nove dos dez principais países estão na Ásia, no Oriente Médio e em África. A lista abre com a Índia, Afeganistão, Síria; segue-se a Somália, Arábia Saudita, Paquistão, República Democrática do Congo, Iémen e a Nigéria; e termina com os EUA. Este último está na lista sobretudo por causa das acusações de assédio e violação sexual que surgiram em 2017 e deram origem ao movimento #MeToo, refere a fundação. Por isso, os EUA estão ao lado da Síria, em terceira posição, no que diz respeito à violência sexual, incluindo a violação, assédio, coerção e à falta de acesso à justiça em casos de violação sexual. O país que fica no topo desta lista é a República Democrática do Congo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quanto à violência não sexual, mas que inclui a doméstica, os EUA ficam na sexta posição. O país não aparece nas listas dos dez mais cujos parâmetros observados foram os cuidados de saúde, tráfico humano, discriminação ou perigos associados a tradições culturais. O topo da lista global, que abrange todos os critérios avaliados, ou seja, o país considerado mais perigoso para as mulheres é a Índia, que tem o pior desempenho em três categorias: o risco de violência e assédio sexual, o perigo associado a práticas culturais tradicionais e a ameaça de se tornar vítima de tráfico humano, escravidão sexual e servidão doméstica. O relatório dá como exemplos dos perigos enfrentados pelas indianas os ataques com ácido, mutilação genital feminina, casamento infantil e o abuso físico. Não é a primeira vez que esta listagem é feita. A primeira foi em 2011 e alguns destes países – como a Índia, o Afeganistão, a Somália, o Paquistão ou a República Democrática do Congo – são agora repetentes. “Há três anos, os líderes mundiais prometeram eliminar todas as formas de violência e discriminação contra mulheres e meninas até 2030”, recorda a fundação, citada pela Newsweek. “Apesar dessa promessa, estima-se que uma em cada três mulheres sofram de violência física ou sexual durante a sua vida”, informa.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Merdas que dizem às mulheres que trabalham em cinema e televisão – o blogue
Propostas sexuais, beijos indesejados, desautorizações e desigualdade salarial. O blogue Shit People Say to Women Directors junta-se às estatísticas e às denúncias recentes com histórias e gifs. E linguagem forte. (...)

Merdas que dizem às mulheres que trabalham em cinema e televisão – o blogue
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 | Sentimento -0.2
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Propostas sexuais, beijos indesejados, desautorizações e desigualdade salarial. O blogue Shit People Say to Women Directors junta-se às estatísticas e às denúncias recentes com histórias e gifs. E linguagem forte.
TEXTO: A estatística mostra os números confrangedores de mulheres atrás das câmaras e de filmes protagonizados por actrizes em Hollywood e na Europa. E agora elas (e eles) revelam o que se passa nos bastidores. Um produtor entra numa sala cheia de mulheres designers de produção e diz: “É preciso um varão aqui”. Um assistente de produção diz à mulher que se aproxima: “Não podes entrar na carrinha, querida. Estou à espera do realizador”. Ela era a realizadora. “Elas deviam ficar-se pelas casas de bonecas”, disse o director de produção de um programa televisivo a um operador de câmara sobre a realizadora com quem trabalhavam. “Como está a sua vida sexual? Tem feito muito sexo?”, perguntou um investidor a meio de uma conversa de angariação de financiamento à realizadora que lhe falava sobre o seu projecto de documentário sobre os direitos das mulheres no Médio Oriente. “Pedi-lhes que me mandassem um homem. Bom, agora não há tempo para resolver isso”, queixou-se um produtor a uma técnica de som à sua chegada. “Não posso trabalhar com alguém que quero foder. Dá-me cabo da cabeça”, disse um realizador (casado) a uma das muitas mulheres e homens que trabalham no sector audiovisual e que começaram a usar o tumblr Shit People Say to Women Directors para revelar experiências pessoais ou situações mediáticas que revelam o sexismo na indústria. “Sorri mais!” Diferenças salariais. Práticas discriminatórias na contratação. “Ela é boa mas eu só quero contratar pessoas com quem possa beber uma cerveja ao fim do dia”, justificou um produtor ao agente de uma realizadora que não seria contratada. Propostas directas quando, como descreve uma trabalhadora do sector, bebe um copo com o produtor e ela pergunta qual é o próximo projecto: “Acho que devíamos foder”. Lançado há poucos dias, o blogue alojado no Tumblr foi criado para partilhar histórias, permitindo o anonimato de quem envia relatos que “expõem alguns dos obstáculos absurdos que as mulheres enfrentam na indústria do entretenimento”, como escrevem os seus criadores no blogue. Anonimato porque há medo de retaliação – de serem ainda mais afastadas do sector, rotuladas como “delatoras” ou “difíceis”, explica o grupo que criou o blogue em comunicado. A ideia era ser “uma espécie de intervenção de crise”, como explicam os mesmos criadores ao site Mashable, cujo título sugere que ler o blogue “vai fazê-lo dar um murro numa parede”. Uma intervenção numa altura que Meryl Streep se levanta em apoio pela igualdade salarial de género em plenos Óscares e financia mulheres argumentistas com mais de 40 anos. Este é o mesmo tempo dos anos 1940, na verdade. “Havia mais oportunidades para as mulheres no tempo do cinema mudo do que existem em 2015”, diz o grupo criador do blogue. Há mais de 60 anos que os números se mantêm quase inalterados: as mulheres são uma minoria a realizar em Hollywood, com apenas 7% dos filmes mais rentáveis nos EUA dirigidos por uma mulher em 2014. No ano passado só 12% desses mesmos filmes rentáveis foram protagonizados por mulheres, revelam estudos do Center for the Study of Women in Television and Film. Na Europa, em 2012, apenas 17, 5% das pessoas que trabalham em cinema eram do sexo feminino, como revelou Sanja Ravlic, presidente do Grupo de Estudo sobre Igualdade de Género (GEIG) do Eurimages, num encontro do grupo em Março na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa. E em Portugal, no mesmo encontro, soube-se que entre 2011 e 2013 dos filmes com apoios públicos só 27, 3% foram dirigidos por mulheres. Sob anonimato ou com rostos públicos, partilham-se então bocas, perdas de oportunidades de trabalho, sugestões sobre como se chegou sexualmente à posição rara de trabalhar em cinema ou TV sendo mulher. Ou como se pode misturar uma oferta de trabalho com uma proposta sexual. Como o que aconteceu há dias à actriz sueca Josefin Ljungman, partilhada pela própria na Internet e noticiada no seu país: um realizador envia-lhe um e-mail com uma proposta de trabalho para um novo filme. “Oi Josefine! É assim, estou a fazer uma sequela do meu filme [censurado]. Sobre uma pessoa que passa pela mesma ‘inspecção’ que a personagem principal de Laranja Mecânica. Preciso de mulheres bonitas. Que NÃO mostrem a cara. Só corpos”, explica, detalhando o pagamento e perguntando-lhe, no final “Estás interessada? (Sempre te quis lamber. De preferência por trás. 69. )”. Beijos indesejados que “são algo a que tens de te habituar”, disseram a uma jovem assistente de televisão. Jennifer Garner ou Cate Blanchett lembram que os jornalistas lhes fazem perguntas sobre o equilíbrio entre a vida familiar e o trabalho ou lhes escrutinam cada centímetro do vestido, mas que não fazem o mesmo aos seus maridos ou aos homens em geral. Piadas sobre violação ou epítetos como “Barbie” ou “babe”. Colegas ou subordinados homens que mudam planos, ângulos ou enquadramentos das realizadoras.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA OI
Mulheres em Hollywood: elas falam, falam, falam, mas os números não mudam nada
Novo estudo sobre as oportunidades de trabalho dadas às mulheres no cinema mostra novo recuo do número de realizadoras ou produtoras nos filmes mais rentáveis de 2016. (...)

Mulheres em Hollywood: elas falam, falam, falam, mas os números não mudam nada
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170602172045/https://www.publico.pt/1758448
SUMÁRIO: Novo estudo sobre as oportunidades de trabalho dadas às mulheres no cinema mostra novo recuo do número de realizadoras ou produtoras nos filmes mais rentáveis de 2016.
TEXTO: Elas falam, falam, falam, mas os números afinal não mudam nada. Depois de, em 2015, o panorama de empregabilidade das realizadoras e de outras profissionais atrás das câmaras em Hollywood ter dado sinais de ligeiras melhoras, em 2016, e apesar das intervenções públicas de actores e realizadores e do início de uma investigação à discriminação de género no sector, os números voltaram a cair. Só 7% dos 250 filmes mais rentáveis do ano foram dirigidos por uma mulher. O estudo Celluloid Ceiling do Center for the Study of Women in Television and Film (CSWTF) da Universidade de San Diego volta a fazer as contas às mulheres que trabalham nos principais filmes da maior indústria do sector no mundo e desta vez deixou a sua coordenadora “perplexa”. Porque apesar de tudo o que foi dito sobre a situação das mulheres em Hollywood nos últimos anos, de cartas abertas sobre ordenados a declarações inflamadas nos Óscares passando pela criação de “campos de treino” para realizadoras, os números caíram. “As panaceias actuais claramente não estão a resultar”, disse Martha Lauzen à Variety. Sendo esta a 19. ª edição do estudo, amplamente citado todos os anos, as suas conclusões fazem a revista especializada Hollywood Reporter decretar que “as oportunidades para as mulheres que trabalham nos principais postos atrás das câmaras não melhoraram nos últimos 20 anos”. Quanto a outros trabalhos, o cenário mantém-se minoritário, com apenas 24% de produtoras (outra quebra de 2% em relação a 2015 a juntar-se ao número de realizadoras), só 4% dos filmes tiveram uma mulher no cargo de directora de fotografia e houve menos 5% de mulheres nas mesas de edição e montagem (de um total de 17%). “Durante 25 anos fui a única mulher nas filmagens”, disse no sábado a actriz Reese Witherspoon, numa apresentação da sua nova série, Big Little Lies (que se estreia a 19 de Fevereiro no TVSéries), da qual é produtora executiva com Nicole Kidman. “Temos de começar a ver as mulheres no cinema como são verdadeiramente”, disse Witherspoon, citada pela Hollywood Reporter – está “farta” de ver constantemente o talento de grandes actrizes empregue apenas a “interpretar esposas e namoradas”. Este é o campo das actrizes, que com a dimensão de estrela de Witherspoon ou Kidman se dedicam também à produção (neste caso na TV) e que confirmam uma de várias tendências desde que se estuda a presença de mulheres no sector do cinema em várias partes do mundo: quanto mais mulheres no cargo de realizador ou produtor, chefias portanto, mais as histórias tendem a reflectir a diversidade e os projectos a empregar mais trabalhadoras em várias áreas. Outras tendências são confirmadas pelo estudo do CSWTF, como a de que há mais emprego feminino nos documentários e menos nos filmes de acção, por exemplo. Nos 250 filmes estreados nos EUA e que mais dinheiro fizeram em 2016, 13% tiveram argumentistas mulheres (mais 2% do que em 2015), número que nunca ultrapassa o ano em que o estudo começou e tudo era ligeiramente melhor – 1998. No estudo Celluloid Ceiling indica-se ainda que as realizadoras Jodie Foster e Patricia Riggen fizeram os filmes mais rentáveis feitos por mulheres, Money Monster e O Nosso Milagre, respectivamente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “As mulheres a trabalhar em papéis-chave atrás das câmaras ainda não estão a beneficiar do diálogo actual sobre a diversidade e a inclusão na indústria do cinema”, diz Lauzen, referindo-se não só às intervenções públicas sobre o tema mas também à investigação em curso da Equal Employment Opportunity Commission dos EUA sobre o sector. Em 2017, estão previstos mais filmes realizados por mulheres, nomeadamente os novos projectos de Sofia Coppola, Kathryn Bigelow ou Patty Jenkins. No mesmo dia em que foi apresentado o estudo, era lançada uma nova série de TV, Feud, para o canal FX, em que Susan Sarandon e Jessica Lange interpretam Joan Crawford e Bette Davis, mas sobretudo reflectem sobre “o que Hollywood faz às mulheres à medida que envelhecem”, como disse Lange – mais um sinal de que também nos temas do entretenimento americano se foi imiscuindo a questão da igualdade de género. Metade dos realizadores de Feud são mulheres e 15 dos papéis são para actrizes com mais de 40 anos, “uma das grandes alegrias” do seu criador, Ryan Murphy. Na televisão, as produções de Murphy são citadas frequentemente como exemplos de paridade, contrariando os dados também do CSWTF que mostram que apenas 26% dos criadores, realizadores, argumentistas, produtores ou montadores são mulheres na indústria televisiva de 2016.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
As mulheres que fazem parte de Miguel Bonneville
O criador português leva ao Palácio do Bolhão, em mais um capítulo do 41.º FITEI, MB#6 2008-2018, duas performances entre o passado e o presente criadas com várias mulheres artistas. Uma autobiografia feita em partilha. (...)

As mulheres que fazem parte de Miguel Bonneville
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: O criador português leva ao Palácio do Bolhão, em mais um capítulo do 41.º FITEI, MB#6 2008-2018, duas performances entre o passado e o presente criadas com várias mulheres artistas. Uma autobiografia feita em partilha.
TEXTO: Dez anos e muitas performances depois, Miguel Bonneville volta a MB#6, o “ponto de viragem” do seu trabalho – e, por arrasto, da sua vida, já que para o criador os dois dificilmente sobrevivem um sem o outro. É um regresso ao passado (a 2008, para sermos mais precisos), mas a um passado que se vai fazer presente no Palácio do Bolhão, no Porto, em mais um capítulo do 41. º Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI). MB#6 2008 apresenta-se na quinta-feira, seguindo-se, na sexta, MB#6 2018, uma nova versão dessa mesma performance, em jeito de actualização e reavaliação. Ambas integram uma série homónima de criações que Bonneville lançou em 2006, altura em que decidiu assumir o seu trabalho como autobiográfico. Dois anos depois, MB#6 viria a tornar-se no tal “ponto de viragem”. “As cinco performances anteriores tinham um universo de fábula. Eram um pouco encriptadas e andavam à volta das minhas relações amorosas. Achei que tinha de mudar o meu olhar e tentar perceber quais eram as relações mais importantes e duradouras na minha vida”, diz o criador ao PÚBLICO. Foi então que surgiu a ideia de fazer MB#6 em co-criação com seis mulheres artistas – Cláudia Varejão, Joana Craveiro, Joana Linda, Sara Vaz, Sofia Arriscado e Rita Só –, cúmplices de Miguel Bonneville fora e dentro da profissão. Não estão em palco, mas são elas as protagonistas, através das histórias pessoais que contam em vídeo-retratos, dobradas ao vivo por Bonneville. “A minha relação com as mulheres sempre foi mais forte, sempre houve uma proximidade e uma compreensão muito maiores de parte a parte”, refere o performer. A reflexão sobre “este outro tipo de amor e intimidade” coincidiu com a descoberta dos textos da escritora e filósofa feminista Simone de Beauvoir (1908-1986), encontro que Bonneville andou a adiar por demasiado tempo. “A Beauvoir era a arqui-inimiga da Marguerite Duras e eu era completamente apanhado pela Duras. Andei um bocado às turras com ela, mas depois lá deixei essas tricas de parte e quando comecei a lê-la foi mesmo inacreditável”, conta o criador, que em 2015 se debruçou sobre o universo da autora francesa no espectáculo A Importância de Ser Simone de Beauvoir. “Senti que estava defendido. Todas as minhas inquietações se materializavam na vida e na obra dela. ”Também Beauvoir levou Bonneville a MB#6. Por causa do feminismo, do existencialismo, da autobiografia como motor artístico vital. Finalmente, e sem medos, Bonneville percebeu que o seu trabalho encaixava totalmente na máxima feminista “o pessoal é político”. “Sempre fui muito atacado por ter um trabalho autobiográfico. Aquela coisa do narcisista, por que é que não vais fazer terapia… Diziam tudo e mais alguma coisa sobre aquilo que eu fazia. A obra da Beauvoir sempre partiu da vida dela para falar sobre política, filosofia e sobre morte, uma coisa que também está muito presente no meu trabalho. ”Nas duas versões de MB#6, a de 2008 e a de 2018, a autobiografia de Bonneville é algo que se constrói e desconstrói em partilha. É através das histórias destas mulheres, e com elas, que o criador encontra um lugar e uma identidade – uma identidade plural e fluida, nunca cristalizada. “Somos todos um bocadinho uns dos outros. O que eu faço não é apropriar-me das vozes destas mulheres, mas sim ser atravessado por elas. É sempre a questão da pluralidade de vozes, de existências e de possibilidades que estão dentro de nós, concorde ou não com o que elas dizem. ” Nestas performances, Miguel Bonneville conseguiu fazer aquilo que procurava há muito tempo: esvaziar-se, escapar ao ego. O formato escolhido vai nesse sentido, explica. “Quando tenho a função de dobrar ao milímetro cada palavra que estou a ouvir, não posso intervir de maneira nenhuma. É um exercício de não julgar e de deixar que aquelas palavras possam ser ditas. ” Aqui, Bonneville é um veículo. “O foco é o que tentamos fazer em conjunto: chegar a uma identidade que seja múltipla. ”Para MB#6 2018, Bonneville pegou no guião de perguntas que usou há dez anos para orientar as conversas com as intervenientes e co-criadoras. Entretanto actualizou-o, e estendeu a convocatória: além de cinco das seis mulheres que integravam a performance de 2008, esta nova versão conta com mais algumas, entre elas a escritora Isabela Figueiredo, a figurinista Mariana Sá Nogueira e actriz e encenadora Maria Gil. Se no primeiro round as questões ligadas à autobiografia e à infância estavam em destaque, nesta segunda volta dá-se mais espaço a temas como o amor, a morte, a identidade e o feminismo. “Há dez anos o feminismo estava muito menos mediatizado e quis perceber o que isso mudou para cada uma delas”, assinala o performer. “Também falámos muito sobre os medos. Percebi, por exemplo, como o medo de serem violadas está tão interiorizado e normalizado, e o quão violento e assustador é isso. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A ideia de regressar a MB#6 “surgiu quase como uma brincadeira”, conta Miguel Bonneville. Mas a verdade é que tem tudo a ver com aquilo que pauta o seu trabalho. “Percebermos e questionarmo-nos onde estamos agora é um exercício de que estou sempre à procura; é quase um ritual. Perceber o que mudou em mim e, ao mudar em mim, o que mudou na sociedade politicamente, no mundo, no país. Irmos de uma microescala a uma macroescala, e vice-versa, para perceber o presente. ” Além de cúmplices, e tal como as autoras e os autores, vivos ou mortos, que Bonneville inscreve nas suas criações, todas as mulheres de MB#6 são uma espécie de âncora. “Cumprem muito este lado do ‘tu não estás sozinho’”, diz. Afinal, o que é pessoal é político. “Estes trabalhos também têm o lado político da reparação de algo que não deveria estar ou ser assim. Há uma reparação da ideia de que temos de cumprir determinados papéis dentro da sociedade e de como ela não nos permite desviarmo-nos deles sem sermos punidos. ” E é isso que move o trabalho (e a vida) de Miguel Bonneville: “A vontade de abrir mais caminhos, mais possibilidades, para não estarmos sempre presos aos mesmos papéis. ”Notícia corrigida às 13h de 14 de Junho na referência a Maria Gil
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte medo espécie mulheres feminista feminismo
Quase 80% dos inquéritos de violência doméstica foram arquivados entre 2012 e 2018
O Relatório Anual de Monitorização de 2018 revela que a PSP e a GNR receberam uma média de 2.203 participações por mês, 72 por dia e três por hora. No total foram registadas, no ano passado, pelas forças de segurança 26.432 participações de violência doméstica, correspondendo a uma diminuição de 1,2% face a 2017. (...)

Quase 80% dos inquéritos de violência doméstica foram arquivados entre 2012 e 2018
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 | Sentimento -0.05
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Relatório Anual de Monitorização de 2018 revela que a PSP e a GNR receberam uma média de 2.203 participações por mês, 72 por dia e três por hora. No total foram registadas, no ano passado, pelas forças de segurança 26.432 participações de violência doméstica, correspondendo a uma diminuição de 1,2% face a 2017.
TEXTO: Quase 80% dos inquéritos de violência doméstica entre 2012 e 2018 foram arquivados e perto de 17% resultaram em acusação, indica o Relatório Anual de Monitorização de 2018 sobre este crime. “De um total de 71. 752 resultados de inquéritos relativos aos anos de 2012 a 2018 cerca de 78, 5% resultou em arquivamento, 16, 7% em acusação e 4, 8% em suspensão provisória do processo (SPP)”, refere o relatório feito pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna e que faz uma caracterização detalhada das ocorrências de violência doméstica reportadas à PSP e GNR. O documento adianta que, em 2018, a taxa de arquivamento situou-se nos 79, 4%, a de acusação nos 16, 4% e a de SPP próxima dos 4, 2%, num total de 13. 588. De acordo com o relatório, entre os inquéritos arquivados em 2018, à semelhança do verificado em anos anteriores, a maioria decorreu da falta de provas. O mesmo documento indica também que, de um total de 9. 479 sentenças transitadas em julgado entre 2012 e 2018, mais de metade (58, 2%) resultou em condenação e 41, 8% em absolvição, referindo que no ano passado a taxa de condenação foi 57, 5%. Em 62% das decisões proferidas em 2018 as penas de prisão aplicadas foram entre dois a três anos, apesar da sua esmagadora maioria (90%) ter sido suspensas, geralmente por igual período de tempo. “Na maioria das situações onde se encontra assinalado que a pena é suspensa, consta a indicação da sujeição a regime de prova e/ou a indicação da existência de penas acessórias”, indica o documento. Nos casos de regime de prova, surge a indicação de que o agressor tem de pagar indemnização à vítima ou entregar quantia a instituição de apoio a vítimas, submissão a tratamento psiquiátrico, obrigação de frequentar programa de tratamento de alcoolismo ou toxicodependência, ou por exemplo em “comparecer no programa de combate à violência doméstica”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Também nas penas acessórias são mencionadas a proibição de contactos com a vítima, afastamento do local de residência e de trabalho da mesma, proibição de uso e porte de arma, sujeição a programa de tratamento de alcoolismo, frequência de um programa de prevenção de violência doméstica, inibição do poder paternal e inibição de condução. O Relatório Anual de Monitorização de 2018 revela que a PSP e a GNR receberam uma média de 2. 203 participações por mês, 72 por dia e três por hora. No total foram registadas, no ano passado, pelas forças de segurança 26. 432 participações de violência doméstica, 11. 913 das quais pela GNR e 14. 519 pela PSP, correspondendo a uma diminuição de 1, 2% face a 2017. Lisboa (5981), Porto (4614), Setúbal (2458), Aveiro (1804) e Braga (1801) foram os distritos onde se registaram mais queixas.
REFERÊNCIAS:
Entidades GNR PSP
E uma alta autoridade contra a violência doméstica?
Caros deputados e deputadas de todos os partidos: aproveitem o fim da legislatura para dar passos mais significativos no combate à violência doméstica e de género. (...)

E uma alta autoridade contra a violência doméstica?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 | Sentimento 0.08
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Caros deputados e deputadas de todos os partidos: aproveitem o fim da legislatura para dar passos mais significativos no combate à violência doméstica e de género.
TEXTO: É bom ou mau a política ir atrás do tema do momento? Depende de como o fizer. Por isso vale a pena, quando o tema do momento começa a deixar de ser o tema do momento, fazer uma pausa para avaliar como nos comportámos. Um exercício incomum, mas necessário. Durante uma semana falou-se de pouco mais do que de futebol, por causa de um presidente de clube em colapso moral e um grupo de adeptos que se organizou para agredir e ameaçar os atletas profissionais do mesmo. Falaram os jornais, falaram as televisões (não que estas falassem pouco de futebol antes disso), falaram os clientes habituais à mesa dos cafés. E falaram os políticos. No meio do despertar generalizado dos políticos para o que tinha acontecido apareceu a ideia - apresentada pelo primeiro-ministro - de criar uma Alta Autoridade Contra a Violência no Desporto. À primeira vista, parece que faz sentido. Mas a questão de saber se é mesmo boa ideia divide-se em duas partes. A primeira é da eficácia: saber se resolve o problema. A segunda é da proporcionalidade: saber se problemas equivalentes ou maiores não mereceriam equivalente ou maior atenção. Tratemos rapidamente da primeira parte: uma autoridade para a violência no desporto pode limitar-se a tratar da febre - quando adeptos agridem atletas - mas não das causas da febre: a corrupção no futebol, o discurso de ódio, a hipersaturação de comentário sobre futebol no espaço público. Para isso já há muitas instituições públicas, estatais ou desportivas, que não fazem o que seria necessário. Será preciso fazer a prova de se uma nova instituição não se limitará a juntar ineficácia à ineficácia. Mas é o problema da proporcionalidade que, para mim, é particularmente chocante. Sem menorizar o problema da violência no desporto - já houve adeptos mortos em pelo menos duas ocasiões nos últimos anos - o país tem um outro problema de violência que é estrutural, que é recorrente, e que provoca dezenas de vítimas todos os anos. Estou a falar, é claro, da violência doméstica. E esse problema ocupa muito menos espaço no debate público. Estamos a fazer qualquer coisa mal. Há quatro anos, quando foi eleito líder do maior partido da oposição, o atual primeiro-ministro chamou a atriz Maria do Céu Guerra ao palco para ler os nomes de mulheres assassinadas no país. Passados quatro anos há mais salas de atendimento nas esquadras, há mais abrigos para as vítimas, mas a situação não mudou estruturalmente. Entre 2004 e 2015 foram assassinadas 428 mulheres. No ano passado terão sido assassinadas cerca de vinte mulheres; a tendência é de descida, mas não chega. E o fenómeno da violência doméstica atinge ainda idosos, crianças e, sob um preocupante manto de silêncio e vergonha, homens também. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Era só o que faltava que a centralidade que o futebol ocupa nas televisões e em todo o lado nos fizesse agir com muito mais rapidez para criar para a violência no desporto a alta autoridade que não existe para a violência doméstica. Bem sei que é a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género que tem um papel central nas estratégias contra a violência doméstica, mas não faria muito mais sentido que o fizesse liderando uma alta autoridade interdisciplinar e com amplos poderes e recursos para garantir a erradicação da violência doméstica e de género como fenómeno estrutural em Portugal?Daqui a momentos, o tema do momento será - já é - a eutanásia. O debate no Parlamento será dominado pela questão de como deve a lei enquadrar a morte voluntariamente requerida, e todos os partidos proclamarão, por dever e convicção, o apego que têm ao valor constitucional da defesa da vida. É um tema importante, e a ele voltarei para explicar porque sou a favor da cuidadosa legalização da eutanásia que agora se propõe. Mas antes que esse tema domine todos os nossos momentos, vale lembrar uma coisa: onde não há dúvidas para a interpretação do direito à vida é quando há uma cidadã ou cidadã vulnerável na casa onde deveria estar segura, e muitas vezes após procurar o auxílio das autoridades do estado de direito. Por isso, caros deputados e deputadas de todos os partidos: aproveitem o fim da legislatura para dar passos mais significativos no combate à violência doméstica e de género, eventualmente através da criação de uma alta autoridade. Não esperem pelo momento para falar no assunto. Façam deste um combate de todos os momentos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens guerra lei violência igualdade género mulheres doméstica vergonha eutanásia
Da educação ao trabalho, a desigualdade de género atravessa gerações
Num estudo publicado esta segunda-feira, olha-se para a igualdade de género de dois pontos de vista: geracional e territorial – comparando diferentes idades e países da União Europeia. (...)

Da educação ao trabalho, a desigualdade de género atravessa gerações
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Num estudo publicado esta segunda-feira, olha-se para a igualdade de género de dois pontos de vista: geracional e territorial – comparando diferentes idades e países da União Europeia.
TEXTO: No trabalho sobre o tema Igualdade de Género ao longo da Vida: Portugal no Contexto Europeu, a socióloga Anália Torres (coordenadora) e outros seis investigadores avaliam as desigualdades de género a partir de uma óptica geracional e territorial. O estudo, apresentado hoje no ISCSP — Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, feito para a Fundação Francisco Manuel dos Santos atravessa temas como a educação, o trabalho, a criminalidade, as tarefas domésticas e a saúde. Estas são algumas das conclusões. Para grupos etários diferentes, o nível de escolaridade também é distinto. Mais de dois terços (72, 5%) dos homens portugueses com idades entre os 50 e os 64 anos só completaram o básico. Para as mulheres na fase tardia da vida esse número é ainda menor (70, 1%). Valores que correspondem a mais do dobro da média europeia. No caso dos jovem, a tendência é para uma maior escolarização e já há mais mulheres portuguesas entre os 20 e os 24 anos (23, 5%) com cursos superiores do que homens da mesma idade (13, 9%). A participação feminina em cursos tradicionalmente masculinizados situa as jovens portuguesas muito acima da média das europeias. O sucesso académico das mulheres portuguesas não lhes garante melhores condições no mercado de trabalho — nem em termos de salários, nem nas tipologias de contratos, nem no que diz respeito a uma taxa de desemprego menor. Ainda assim, a disparidade na taxa de emprego entre homens e mulheres diminui com o aumento da escolaridade. Nos últimos anos, a disparidade nos números do desemprego — a desfavor das mulheres — tem vindo a diminuir. Mas não porque há mais oportunidades para as trabalhadoras. Deve-se antes a uma perda de emprego mais acentuada entre os homens. Só na fase tardia da vida é que as mulheres sofrem menos com o desemprego. Quanto à precariedade laboral, são as mulheres e os homens jovens que são mais afectados — a faixa etária dos 15 aos 29 regista mais de 60% de contratações não permanentes. As mulheres são mais afectadas do que os homens. Seja qual for a categoria profissional, os homens ganham sempre mais do que as mulheres. As diferenças chegam a ultrapassar os 900 euros, quando se fala nos salários dos representantes de órgãos legislativos, executivos, dirigentes e directores. Para os trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices a diferença ultrapassa os 200 euros. “Estas diferenças exprimem fortes assimetrias de género que de forma transversal penalizam as mulheres em todas as categorias profissionais”, lê-se no estudo. A morte revela um efeito de género. Aos 25 anos, num cenário em que nascem mais rapazes, a população feminina ultrapassa a masculina. Isto porque eles “matam-se mais”, por via do suicídio, mas sobretudo da exposição a comportamentos de risco que levam a acidentes, quedas, agressões, afogamentos. Tudo somado, as causas externas pesam 60% para eles e apenas 40% para elas. É “uma exposição ao risco e à violência que está fortemente associada a uma visão da masculinidade como forma de afirmação de poder e dominação”, conclui o estudo. Entre os 30 e os 49 anos, os acidentes, nomeadamente rodoviários, matam mais homens, a par dos suicídios. Eles resistem mais a tratar-se em situação de doença mental e, por outro lado, recorrem a métodos mais mortais e agressivos. Na fase tardia, elas, mais familiarizadas com a esfera do cuidar, recorrem mais ao médico, mas têm mais doenças crónicas e psiquiátricas, perturbações de sono e sentimentos depressivos, nomeadamente porque, depois de uma vida dedicada aos filhos, têm de se adaptar ao “ninho vazio”. Os homens, “obedecendo a um modelo de masculinidade que lhes dificulta a revelação de fragilidades”, cuidam menos de si. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A geração entre os 15 e os 29 anos é “mais materialista do que as anteriores”, ou seja, valoriza “relativamente mais o poder e o dinheiro”, segundo o estudo. “Foi uma surpresa”, sublinha Anália Torres. Os contextos em que os jovens vivem, de “maior instabilidade económica e no trabalho e de escassez de bens”, podem explicar esta tendência para que, comparativamente com os mais velhos, os jovens se apresentem menos universalistas, isto é, menos propensos a defender valores como a importância da igualdade de tratamento e oportunidades, da necessidade de apoiar e cuidar do bem-estar das pessoas. No escalão etário seguinte, a família surge como a principal prioridade e homens e mulheres unem-se na defesa de iguais responsabilidades nos cuidados às crianças e na vida doméstica, numa reivindicação, que, dada a assimetria verificada no trabalho não pago, parece não sair do plano discursivo. Na fase tardia da vida activa, ganha terreno a ideia de que devem ser elas quem deve assegurar em primeiro lugar as responsabilidades familiares, mesmo que tal implique sacrificar o trabalho pago. Na juventude, as raparigas portuguesas autonomizam-se e saem de casa dos pais mais cedo do que eles. Mas, no cômputo dos países, os jovens portugueses deixam-se ficar em casa dos pais até mais tarde, num adiamento que os autores do estudo relacionam com os salários baixos que não lhes permitem custear uma casa. “Há a ideia de que os nórdicos saem mais cedo da casa dos pais porque não são familiaristas e de que no Sul são muito agarrados à família, mas a correlação mais importante que encontrámos é que os jovens portugueses, mesmo quando trabalham, ganham salários tão baixos que não se conseguem autonomizar. E nisso aproximamo-nos dos países do Leste”, contextualiza Anália Torres. Adianta duas explicações para o facto de as jovens portuguesas tenderem a sair mais cedo do que eles de casa dos pais: “São mais autónomas do ponto de vista de gerir uma casa e também é verdade que entram em conjugalidade mais cedo. ”
REFERÊNCIAS:
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