Rússia e China vetam na ONU resolução contra Síria, Turquia vai aplicar sanções
A Turquia anunciou esta quarta-feira que vai impôr unilateralmente sanções à Síria, apesar de a Rússia e a China terem chumbado uma resolução no Conselho de Segurança da ONU nesse sentido. (...)

Rússia e China vetam na ONU resolução contra Síria, Turquia vai aplicar sanções
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-10-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Turquia anunciou esta quarta-feira que vai impôr unilateralmente sanções à Síria, apesar de a Rússia e a China terem chumbado uma resolução no Conselho de Segurança da ONU nesse sentido.
TEXTO: “O veto não pode impedir sanções”, disse o primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, durante uma visita à África do Sul. “Vamos implementá-las”, disse Erdogan citado pela Reuetrs, avançando que serão anunciadas nos próximos dias, quando visitar um dos campos de refugiados sírios na Turquia. A recomendação que esteve em votação no Conselho de Segurança na terça-feira à noite foi uma iniciativa da União Europeia. O texto foi bastante suavizado em relação à sua versão inicial, de forma a cativar os votos da Rússia e da China. Condenava o Presidente sírio, Bashar al-Assad, e pedia o fim do seu regime de 11 anos. Deixava em aberta a questã das sanções, mas sublinhava que estas seriam aplicadas caso Assad não mudasse de atitude. A França considerou esta versão do texto “insuficiente”. Mas, diz a AFP, aceitou-o em nome do consenso e depois de recusar a inclusão de uma frase, a pedido da Rússia, atribuindo a ambas as partes, Governo e manifestantes, a culpa pela violência síria. Porém, os dois países vetaram a resolução, oferecendo uma vitória diplomática a Assad e alentando-o, pelo menos a curto prazo, a prosseguir a sua estratégia de repressão dos protestos. O embaixador russo, Vitaly Churkin, disse que Moscovo se opôs à resolução porque a consequência da sua aprovação poderia ser uma intervenção militar ocidental idêntica à que ainda decorre na Líbia. Já o enviado da China, Li Baodong, explicou que o seu país é contra a “interferência nos assuntos internos” sírios. Em Paris, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé, disse que terça-feira foi um “dia triste” para povo sírio e para o Conselho de Segurança. E deixou no ar a ideia de que o Ocidente poderá aplicar as suas prórpias sanções enquanto continuará a bater-se por um embargo chancelado pelas Nações Unidas. “Este veto não nos vai parar. Um veto não pode dar carta branca às autoridades sírias”, disse também o embaixador francês na ONU, Gerard Araud. Do lado americano, surgiram também indicações de que a orientação do Conselho de Segurança poderá ser contornada com iniciativas nacionais. A embaixadora dos Estados Unidos da América, Susan Rice, disse que o seu país está "escandalizado" pelo que se passa na Síria e que chegou o momento de serem adoptadas "sanções duras" contra Damasco. Assad conseguiu no passado manobrar de forma a manter o seu país apetecível para o Ocidente enquanto mantinha uma aliança estratégica com o Irão. A repressão das manifestações, com os militares e a artilharia pesada nas ruas a dispararem contra os cidadãos, mudou o paradigma sírio e Presidente ficou isolado. A Rússia e a China são os países que detém uma maior cota de concessões de exploração do petróleo sírio e, por isso e para travar a possível crescente influência do Ocidente no Médio Oriente, vetaram a recomendação e vetarão sanções. O embaixador russo, Vitaly Churkin, disse que Moscovo se opôs "firmemente" à resolução porque a consequência da aprovação poderia abrir caminho a uma intervenção militar idêntica à que ainda decorre na Líbia. Do lado chinês veio a explicação de que Pequim não aceita "interferências nos assuntos internos" sírios. A economia da Síria depende de existirem ou não sanções dirigidas ao seu pequeno mas vital sector petrolífero, controlado pela família Assad e pela pequena elite de governantes. No mês passado, a Síria proibiu as importações de forma a não delapidar a sua reserva de divisas. Mas na terça-feira essa proibição foi anulada devido a um aumento nos preços e à pressão dos empresários mais influentes, todos próximos de Bashar al-Assad.
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Entidades ONU
Televisão norte-coreana mostra o corpo de Kim Jong-il
A televisão estatal norte-coreana mostrou hoje pela primeira vez o corpo do antigo líder da Coreia do Norte, que morreu no passado sábado mas cuja morte só ontem foi conhecida. (...)

Televisão norte-coreana mostra o corpo de Kim Jong-il
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-12-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: A televisão estatal norte-coreana mostrou hoje pela primeira vez o corpo do antigo líder da Coreia do Norte, que morreu no passado sábado mas cuja morte só ontem foi conhecida.
TEXTO: Nas imagens divulgadas pela televisão estatal podem ver-se diversos dirigentes do partido no poder e o seu filho e sucessor, Kim Jong-un, a prestarem homenagem ao cadáver no Palácio de Kumsusan, em Pyongyang. Jong-il, que dirigia com mão de ferro a Coreia do Norte há 17 anos, repousa num caixão com uma tampa transparente e está vestido com o habitual uniforme em caqui e rodeado de flores brancas e vermelhas. “O camarada Kim Jong-un (. . . ) visitou o corpo do camarada Kim Jong-il com representantes do seu partido, do governo e do Exército para exprimir as suas condolências e a sua mágoa”, avançou a agência oficial norte-coreana KCNA. O país entrou num período oficial de 11 dias de luto, com as bandeiras nacionais a meia haste em todas bases militares, fábricas e edifícios públicos. Entretanto, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, declarou estar “profundamente inquieta pelo bem-estar do povo norte-coreano”. “Os nossos pensamentos e as nossas preces estão com eles nestes tempos difíceis”, acrescentou Clinton. Paralelamente, o governo da Coreia do Sul apresentou hoje as suas “condolências” ao povo da Coreia do Norte, acrescentando, porém, que não irá enviar qualquer representante oficial às cerimónias fúnebres do dirigente comunista, marcadas para o dia 28 de Dezembro. “O governo apresenta as suas condolências ao povo da Coreia do Norte”, declarou o ministro sul-coreano para a Reunificação, Yu Woo-Ik. “Não iremos enviar nenhuma delegação governamental, mas as famílias do antigo presidente Kim Dae-Jung e do antigo presidente do grupo Hyundai Chung Mong-Hun serão autorizadas a deslocar-se até ao Norte” para as exéquias fúnebres, acrescentou o mesmo governante. Entretanto o Presidente chinês Hu Jintao visitou a embaixada norte-coreana em Pequim para prestar as suas condolências. A China é o aliado mais próximo da Coreia do Norte e o seu maior parceiro de negócios. A China manteve igualmente conversas telefónicas com os EUA e com a Coreia do Sul sobre a importância de manter a segurança na península da Coreia. É considerado fundamental evitar uma luta pelo poder que possa trazer ainda mais instabilidade à região e que force milhares de refugiados a cruzar a fronteira para o sul. Notícia actualizada às 11h50
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Entidades EUA
Reino Unido junta-se aos EUA no aviso à Síria sobre recurso a armas químicas
O Reino Unido juntou-se aos Estados Unidos no aviso a Damasco de que um eventual uso de armas químicas por parte do regime de Bashar al-Assad contra a rebelião na Síria irá forçar Londres a “reavaliar a abordagem” ao conflito que assola o país há ano e meio. (...)

Reino Unido junta-se aos EUA no aviso à Síria sobre recurso a armas químicas
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-08-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Reino Unido juntou-se aos Estados Unidos no aviso a Damasco de que um eventual uso de armas químicas por parte do regime de Bashar al-Assad contra a rebelião na Síria irá forçar Londres a “reavaliar a abordagem” ao conflito que assola o país há ano e meio.
TEXTO: Este aviso surgiu após o primeiro-ministro britânico, David Cameron, ter conversado ao telefone com o Presidente norte-americano, Barack Obama, ainda ontem à noite – tendo ambos concordado que “o uso ou a ameaça de recurso a armas químicas é completamente inaceitável e obrigará” a essa reavaliação, segundo um porta-voz de Downing Street. Já no início desta semana Obama alertara que a posição dos Estados Unidos em relação à crise na Síria – de não intervenção militar no terreno – mudaria se Damasco ultrapassasse “a linha vermelha” do uso de armas químicas no combate à rebelião. Um relatório recente, que agrega informações dos serviços secretos turcos, de países árabes e ocidentais, estima que o arsenal de armas químicas da Síria ronda as mil toneladas, incluindo gás mostarda e gás sarin, armazenadas em 50 cidades do país. A CIA crê que o programa químico sírio está a ser desenvolvido há vários anos e que este armamento pode ser lançado por aviões, mísseis balísticos e rockets de artilharia. Para a China – que se tem mantido contra todas as possibilidades de uma intervenção militar internacional na Síria – o argumento das armas químicas está a ser usado pelas potências ocidentais como uma “desculpa” para justificar essa mesma intervenção. A agência noticiosa estatal chinesa Xinhua avaliou mesmo que os comentários de Obama foram “perigosamente irresponsáveis”, que vão agravar o conflito e reduzir as hipóteses de uma resolução política para a crise na Síria. Cameron e Obama mantiveram conversações ontem à noite também como o Presidente francês, François Hollande, em que debateram “a forma de reforçar o apoio que já está a ser dado à oposição” ao regime de Damasco e como “ajudar um potencial governo sírio de transição após a inevitável queda de Assad, segundo o porta-voz de Downing Street. Os três líderes debateram ainda a situação dos milhares de refugiados sírios. “O primeiro-ministro [britânico] sublinhou a necessidade de trabalhar com as Nações Unidas e frisou que tem que ser feito mais pela comunidade internacional para canalizar a ajuda humanitária através das nações Unidas”, precisou aquela fonte.
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Étnia Árabes
Junta Militar da Birmânia declara vitória nas legislativas, com combates em pano de fundo
A Junta Militar que governa a Birmânia há mais de duas décadas sem eleições, declarou esta manhã ter vencido o sufrágio legislativo de domingo, com uns esmagadores 80 por cento dos votos, enquanto os combates no Este do país já forçaram mais de 20 mil pessoas a procurar refúgio na vizinha Tailândia. (...)

Junta Militar da Birmânia declara vitória nas legislativas, com combates em pano de fundo
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2010-11-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Junta Militar que governa a Birmânia há mais de duas décadas sem eleições, declarou esta manhã ter vencido o sufrágio legislativo de domingo, com uns esmagadores 80 por cento dos votos, enquanto os combates no Este do país já forçaram mais de 20 mil pessoas a procurar refúgio na vizinha Tailândia.
TEXTO: Registando uma participação em volta dos 70 por cento do eleitorado, um responsável do Partido da Solidariedade e do Desenvolvimento de União (USDP), criado há alguns meses pela junta para o sufrágio, afirmou terem ganho “cerca de 80 por cento dos votos, nas assembleias nacionais e regionais”. Desvalorizadas pela grande parte do mundo – se não mesmo criticas como umas eleições “fantoche” em algumas capitais ocidentais” – estas eleições foram porém elogiadas pela China, talvez o último aliado do regime militar da Birmânia na cena internacional. “[As eleições] constituíram um passo crucial na aplicação na Birmânia do seu mapa de marcha de sete pontos em direcção a um Governo saído das urnas. E assim são bem-vindas”, declarou o porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros esta manhã. Na mesma comunicação foi ainda sublinhando que o escrutínio de domingo, tido como uma “etapa da democracia disciplinada”, se desenrolou “sem incidentes”. Por seu lado, o jornal estatal chinês, em editorial, elogiava o “avanço” que as eleições na Birmânia representaram e instava o Ocidente a encorajar esta “mudança” no regime. Entretanto, os combates que opõem os rebeldes da etnia karen e os militares forçaram mais de 15 mil aldeões a procurar refúgio cidade tailandesa de Mae Sot – já sobre populada há vários anos de refugiados birmaneses (mais de 100 mil pessoas) –, ao mesmo tempo que outros cinco mil atravessaram igualmente a fronteira mas mais 150 quilómetros para Sul. Testemunhas ouvidas pelas agências noticiosas reportam que os combates prosseguem na floresta em volta de Myawaddy, onde eclodiram na segunda-feira, um dia depois das eleições – desmentindo as declarações oficiais da junta militar de que hoje não era já registada qualquer violência na zona este do país, fronteiriça à Tailândia.
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Palavras-chave violência chinês
Confrontos no Tibete terão provocado vários mortos
Várias pessoas morreram e dezenas ficaram feridas nos confrontos registados hoje no centro da capital tibetana, durante manifestações contra a administração chinesa. O Dalai Lama, líder espiritual do Tibete, diz estar muito preocupado com a violência em Lhasa e apela à China para se abster do recurso à força. “Sim, há vários mortos”, declarou um funcionário do centro de emergência médica de Lhasa, em declarações telefónicas à AFP. “Estamos muito ocupados com os feridos, pois temos aqui muitos”, acrescentou o mesmo funcionário que pediu para não ser identificado. A rádio Ásia Livre (RFA), citando testemunhas em Lh... (etc.)

Confrontos no Tibete terão provocado vários mortos
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2008-03-14 | Jornal Público
TEXTO: Várias pessoas morreram e dezenas ficaram feridas nos confrontos registados hoje no centro da capital tibetana, durante manifestações contra a administração chinesa. O Dalai Lama, líder espiritual do Tibete, diz estar muito preocupado com a violência em Lhasa e apela à China para se abster do recurso à força. “Sim, há vários mortos”, declarou um funcionário do centro de emergência médica de Lhasa, em declarações telefónicas à AFP. “Estamos muito ocupados com os feridos, pois temos aqui muitos”, acrescentou o mesmo funcionário que pediu para não ser identificado. A rádio Ásia Livre (RFA), citando testemunhas em Lhasa, confirma pelo menos dois mortos durante os confrontos no centro histórico da cidade, onde começaram os primeiros incidentes, adiantando que a polícia abriu fogo sobre a multidão. Os manifestantes “saquearam lojas chinesas e a polícia disparou balas reais contra a multidão. Ninguém neste momento tem direito de se dirigir para a cidade”, adiantou uma fonte tibetana àquela rádio, sediada nos EUA. De acordo com a mesma fonte, os participantes nas manifestações, inicialmente pacíficas, atacaram edifícios associados à presença chinesa no Tibete, incendiando também carros e lojas. Estas são as maiores manifestações das últimas duas décadas contra a administração chinesa no Tibete, tendo vindo a sunbir de intensidade desde segunda-feira, tendo levado já levou dois monges a tentar o suicídio e as autoridades chinesas a cercar e encerrar mosteiros. Dalai Lama pede contençãoEsta manhã, numa declaração pública em Dharamsala, cidade indiana onde está há vários anos refugiado, o Dalai Lama manifestou-se “profundamente preocupado com a situação no Tibete”, depois de “manifestações pacíficas dos últimos dias em várias cidades” da região, sob administração chinesa. Os protestos de hoje “são a manifestação de um profundo ressentimento do povo tibetano em relação ao actual regime”, acrescentou o líder espiritual budista, Prémio Nobel da Paz em1989 pela sua dedicação não-violenta pela causa tibetana. O líder espiritual tibetano – acusado por Pequim de ser um dirigente separatista, apesar de este garantir que abdicou das exigências iniciais de independência – pediu aos responsáveis chineses “para renunciarem ao uso da força” para reprimir as manifestações e a “porem fim ao ressentimento persistente através do diálogo com o povo tibetano”. O mesmo apelo foi feito pelos líderes da União Europeia, reunidos hoje em Bruxelas. Num texto proposto pela presidência eslovena da UE e aprovado por unanimidade, os 27 “apelam à contenção” das forças chinesas e pede “a libertação de todas as pessoas detidas durante as manifestações”. Os protestos começaram na segunda-feira, o aniversário da entrada das tropas chinesas no Tibete em 1959, para esmagar uma revolta falhada contra a presença da China na região e na sequência a qual o Dalai Lama, líder religioso tibetano, partiu para o exílio na Índia. Desde então, dezenas de pessoas terão sido detidas, entre elas vários monges budistas.
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Partidos LIVRE
Queda de Gbagbo "está iminente" na Costa do Marfim
O regime de Laurent Gbagbo está a viver as suas últimas horas, segundo o governo francês. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé, disse ao início da tarde que “está iminente” a rendição do Presidente cessante e que estão em curso negociações com vista à sua deposição. (...)

Queda de Gbagbo "está iminente" na Costa do Marfim
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-04-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: O regime de Laurent Gbagbo está a viver as suas últimas horas, segundo o governo francês. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé, disse ao início da tarde que “está iminente” a rendição do Presidente cessante e que estão em curso negociações com vista à sua deposição.
TEXTO: O primeiro-ministro francês, François Fillon, declarou que “dois generais próximos de Gbagbo “estão neste momento a negociar as condições da sua rendição”. A França está “a dois dedos” de convencer o antigo Presidente a ceder o poder ao seu legítimo sucessor Alassane Ouattara, acrescentou Juppé. Horas antes, o chefe de Estado Maior do Exército leal ao Presidente cessante da Costa do Marfim já tinha anunicidado à AFP que as suas tropas "pararam os combates" e pediram um cessar-fogo às forças das Nações Unidas. "Após o bombardeamento pelas forças francesas de algumas das nossas posições e de certos pontos estratégicos da cidade de Abidjan, parámos os combates e pedimos um cessar-fogo ao comandante geral da ONUCI, [Missão da ONU na Costa do Marfim] ", disse à AFP o general Philippe Mangou. O cessar-fogo deve permitir "proteger as populações, os militares, a Guarda Republicana encarregue da segurança do Presidente da República, do Presidente da República e da sua família, e dos membros do Governo" do seu primeiro-ministro, Gilbert Aké N’gbo. "Pedimos à ONUCI para evitar que haja pilhagens e caça às bruxas", concluiu. O ministro dos Negócios Estrangeiros do Presidente cessante da Costa do Marfim tinha-se anteriormente refugiado na casa do embaixador da França, devido ao avanço das forças do Presidente eleito, Alassane Ouattara. A informação foi dada à AFP pelo próprio ministro Alcide Djédjéà, segundo o qual, ao contrário de informações anteriores, e apesar dos ataques dos seus opositores, o Presidente cessante, Laurent Gbagbo estaria ainda na sua residência. Notícias não confirmadas mais recentes dizem que Gbagbo poderá já estar refugiado num "bunker" depois da sua casa ter sido atacada. Com a ajuda dos ataques aéreos dos helicópteros da ONU e franceses (o Presidente francês Sarkozy autorizou ontem os seus militares presentes na Costa do Marfim a disparar contra as posições dos leais a Gbagbo), os apoiantes de Ouattara deram nas últimas 24 horas tudo por tudo para afastar Gbagbo. Durante a noite, atacaram quer o palácio quer a residência privada do Presidente cessante. Ouviram-se tiros e explosões de armamento pesado nas imediações do palácio de Abidjan, a capital económica do país. De acordo com a Reuters, estes foram os mais fortes confrontos registados na cidade desde que as forças de Ouattara entraram na cidade, há cinco dias. Testemunhos citados pela Reuters informam igualmente que houve nas últimas horas intensos combates perto do edifício da televisão pública e ardeu uma importante base das tropas de elite de Gbagbo, perto das duas principais pontes que ligam a cidade ao aeroporto. Paralelamente, Barack Obama reiterou o apelo já lançado pelos Estados Unidos a Gbagbo, durante uma conversação telefónica que teve com o seu homólogo do Gabão, Ali Bongo Ondimba. Os dois homens exprimiram as suas preocupações quanto à violência em curso na Costa do Marfim e falaram da necessidade de pôr fim à crise “o mais depressa possível”, sublinhou a Casa Branca em comunicado. “O Presidente Obama reiterou a sua convicção em como o antigo Presidente Gbagbo deverá respeitar a vontade do povo marfinense e cessar de reivindicar a presidência”, explicou ainda a presidência norte-americana. Barack Obama agradeceu igualmente a Ali Bongo Ondimba “pelo importante papel que o Gabão joga no seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, sublinhou ainda a Casa Branca. Mais de quatro meses após o início de uma crise pós-eleitoral que degenerou em clima de guerra civil, as forças da ONU e da França atacaram segunda-feira em Abidjan os últimos bastiões de Laurent Gbagbo, nomeadamente o seu palácio e a sua residência, justificando a acção com o mandato do Conselho de Segurança que autoriza a inutilização das armas pesadas contra civis pelas forças do Presidente cessante.
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Entidades ONU
Campeão das alterações ao Orçamento: PCP viu aprovadas 44 medidas, BE 39
O PSD só conseguiu 13 aprovações (as mesmas do que o PEV) e o CDS 11 (tal como o PAN) (...)

Campeão das alterações ao Orçamento: PCP viu aprovadas 44 medidas, BE 39
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O PSD só conseguiu 13 aprovações (as mesmas do que o PEV) e o CDS 11 (tal como o PAN)
TEXTO: Excluindo o PS da contagem, quem lidera a lista das propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2019 (OE2019), que foram aprovadas, é o PCP. Os comunistas conseguiram incluir 44 medidas, segue-se o BE, com 39. As propostas de alteração apresentadas pela esquerda ao OE2019 ultrapassam, claro, largamente as da direita: o PSD só conseguiu 13 aprovações (as mesmas do que o PEV) e o CDS 11 (tal como o PAN). As conquistas alcançadas dizem respeito, em diferentes temas, a propostas que, embora sobre o mesmo assunto, foram apresentadas por vários partidos. O PCP, por exemplo, numa longa lista, salienta as seguintes medidas: a não actualização das subvenções parlamentares aos partidos; o reforço do apoio do Estado Português à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no valor de 100 mil euros; ou a criação de novo escalão no Adicional do IMI. O Bloco de Esquerda, por exemplo, salienta ainda a actualização das bolsas de investigação; a realização de um concurso extraordinário para ingresso no internato médico; e a contratação de oficiais de justiça. O PSD também conseguiu inscrever a realização de uma auditoria às Parceiras Público-Privadas municipais; a eliminação do aumento da taxa dos de sacos plásticos leves; ou a eliminação da proibição do tiro às aves. O CDS, por exemplo, também destaca esta eliminação, bem como a actualização das bolsas de investigação. Mas referem também a melhoria das condições do empréstimo do Programa de Assistência Económica e Financeira à Região Autónoma da Madeira. Entre outras medidas, o PEV viu aprovado o apoio à esterilização de animais; mais salas para a educação pré-escolar; e a necessidade de se tomar medidas em relação à eliminação de barreiras arquitectónicas que afectam os cidadãos com mobilidade reduzida. O PAN bateu-se pela contratação de intérpretes de Língua Gestual Portuguesa para o Serviço Nacional de Saúde; por uma campanha nacional de esterilização de animais; e por um Programa de Apoio e Acompanhamento ao Estudante com Necessidades Especiais. Mas não só. Veja aqui a lista completa dos tópicos respeitantes a propostas de alteração que foram aprovadas, por partido. Propostas de alteração ao OE2019 aprovadasPCP – 44BE – 39PSD e PEV – 13PAN e CDS – 11PCP1. Alargamento do regime de aposentação antecipada aos trabalhadores das minas, das lavarias do minério e da extracção e transformação da pedra2. Regime de aposentação para todos os trabalhadores dos matadouros da Região Autónoma dos Açores3. Criação de novo escalão no Adicional do IMI4. Não actualização das subvenções parlamentares aos partidos5. Actualização automática, por efeito da sentença, das prestações de alimentos devidos a menores a cargo do Fundo de Garantia6. Reforço do apoio do Estado Português à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no valor de 100 mil euros. Uma contribuição solidária para a acção desta agência no apoio aos refugiados palestinos7. O pagamento a tempo inteiro aos presidentes de Junta passa a ser pago pela Direcção-Geral das Autarquias Locais a pagar8. Subsídio à pequena pesca artesanal e costeira e à pequena aquicultura9. Majoração dos subsídios relativos à utilização de gasóleo colorido e marcado10. Criação da Rede Nacional de Monitorização de Pragas na Floresta Portuguesa11. Eliminação do aumento de tributação autónoma sobre viaturas de empresários em nome individual12. Eliminação do agravamento de tributação autónoma sobre viaturas de micro, pequenas e médias empresas13. Fim do Pagamento Especial por Conta com dispensa de declaração14. Alargamento do prazo de entrega do modelo 10 em sede de IRS para 10 de Fevereiro15. Redução dos custos dos transportes públicos16. Fim da isenção do IMT a fundos imobiliários17. Reforço do Plano Nacional de Vacinação18. Equipas Comunitárias de Cuidados Paliativos19. Aumento para 30% da quota dos medicamentos genéricos em valor20 – Redução do número de alunos por turma21. Manutenção do referente do valor da propina cobrada no ano lectivo 2018/2019 para efeito de cálculo de atribuição das bolsas de estudo a estudantes do Ensino Superior22. Aumento do Complemento de Alojamento23. Redução do IVA da Cultura para 6%24. Carta de Risco e intervenções de salvaguarda e valorização do Património Cultural25. Plano de revitalização da Cinemateca, I. P. e do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento26. Reactivação do Programa de Apoio a Museus da Rede Portuguesa de Museus – ProMuseus27. Alargamento do apoio à criação literária28. Suspensão do valor das custas processuais29. Maior abrangência da celebração de acordos de regularização de dívidas às empresas intermunicipais e no sector dos resíduos urbanos30. Redução do IVA de mel de cana tradicional para 6%31. Regime de tributação mais favorável para a produção de sidra32. Prosseguir o processo de negociação previsto na lei quanto à definição do prazo e do modo relativos à valorização remuneratória resultante da contagem integral do tempo de serviço das carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, tal como estabelecido pelo artigo 19. º da Orçamento do Estado para 201833. A eliminação do factor de sustentabilidade nas longas carreiras contributivas é alargada aos beneficiários da Caixa Geral de Aposentações34. Reforço do apoio aos Cuidadores Informais35. Alargamento da Prestação Social para a Inclusão36. Alargamento do abono de família pré-natal37. Apoio aos desempregados de longa duração38. Alargamento dos critérios para a atribuição do complemento por dependência39. Elaboração pelo Governo de um programa no sentido de dar concretização ao objectivo de substituir a subcontratação de empresas pela contratação de profissionais de saúde para o Serviço Nacional de Saúde40. Combater a situação financeira insustentável do Museu Nacional Ferroviário, considerando a respectiva fundação nos mesmos termos em que são tratadas outras fundações cujo interesse público é reconhecido41. Abertura de procedimentos concursais para acesso às categorias de adjunto e de admissão para ingresso dos oficiais de justiça que se revelem indispensáveis ao funcionamento dos tribunais42. Na Administração Local, o despacho de autorização relativo à determinação do posicionamento remuneratório em procedimento concursal é da responsabilidade do respectivo órgão executivo43. O Governo assegura apoio financeiro à construção, fiscalização da empreitada e aquisição de equipamento médico e hospitalar do futuro Hospital Central da Madeira, de acordo com a programação financeira e a já aprovada candidatura PIC (Projeto de Interesse Comum) em cooperação com os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira. 44. Eliminação de restrições à autonomia regional relativos ao Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) da Região Autónoma da MadeiraBE1. Contratação de 25 vigilantes para a natureza2. Actualização das bolsas de investigação da responsabilidade da Fundação para a Ciência e Tecnologia com base no i´ndice de preços ao consumidor que se vier a verificar em 20183. Carreira contributiva da Caixa Geral de Aposentações: No regime de flexibilização da idade de acesso à pensão foi acrescentado que “o novo regime é aplicável aos beneficiários que tenham iniciado a sua carreira contributiva no Regime Geral de Segurança Social ou na Caixa Geral de Aposentações, sendo avaliada a sua compatibilização com regimes específicos de acesso às pensões"4. O Museu Nacional Ferroviário foi acrescentado para financiamento. 5. Subsídio de insularidade para funcionários do ensino superior da Madeira e Açores. 6. Novo Regime de Segurança Social, Reinserção Profissional e Seguro de Acidentes de trabalho para os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado. 7. Contratados mais trabalhadores não policiais para o Serviços de Estrangeiros e Fronteiras. 8. Abertura de um concurso de contratação para inspectores da Polícia Judiciária. 9. Concurso extraordinário para ingresso no internato médico10. Aprovado o levantamento dos recursos e necessidades de equipamento da rede consular. 11. Plano de Revitalização Económica da Ilha Terceira: A responsabilidade pela contaminação da Ilha Terceira através da Base das Lajes deve ser imputada também aos EUA12. Reforço de vagas para fixação de médicos em zonas carenciadas de trabalhadores médicos13. Contratação de oficiais de justiça14. Contratação profissionais para o INEM15. A construção e aquisição de equipamento para o Hospital Central da Madeira será comparticipada em 50% do seu valor16. Reforço da verba para o Tribunal Constitucional: Aprovada a verba necessária para a entidade das contas fazer o seu trabalho de fiscalização dos partidos políticos17. As despesas com pessoal no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais são liquidadas, a partir de 2019, por transferência bancária directa para os bombeiros beneficiários18. Agravamento do IRS sobre mais-valias imobiliárias de offshores: agravamento de 28% para 35% das mais-valias imobiliárias obtidas por sociedades registadas em offshores18. A administração do Hospital de São João fica autorizada a iniciar o processo de construção, utilizando as verbas já transferidas19. Em 2019 arrancam os procedimentos para a construção dos novos hospitais de Barcelos, Póvoa de Varzim e Algarve, bem como a ampliação do hospital José Joaquim Fernandes, em Beja. Será também concretizada a actual fase do novo edifício do Centro Hospitalar de Gaia e Espinho e lançada a fase seguinte20. Convergência dos valores pagos a atletas olímpicos e paralímpicos21. Programa de renovação ferroviária e investimento na Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário22. Redução do número de alunos por turma23. Apoio à utilização de bicicletas eléctricas24. Reactivação do programa ProMuseus25. Criação de projectos-piloto de saúde mental na comunidade26. Alargamento do programa nacional de vacinação27. Combate à toxicodependência: Financiamento a 100 por cento dos projectos de redução de riscos e minimização de danos e possibilidade de duração dos projectos superior a 24 meses. 28. Abertura de concursos para o preenchimento de vagas de técnicos de reinserção social e reeducação no sistema prisional e no sistema tutelar educativo, no âmbito da estratégia plurianual de requalificação e modernização do sistema de execução de penas e medidas tutelares educativas29. Redução do IVA para a cultura já em Janeiro30. Redução do IVA do mel de cana para 6%31. Obrigatoriedade de o Banco de Portugal enviar informação passada sobre transferências para offshores para a Autoridade Tributária32. A informação sobre os RERT (Regimes Excepcionais de Regularização Tributaria) será entregue ao fisco33. Eliminação da Taxa de Protecção Civil34. Alteração ao sistema de atribuição de apoios a pessoas com deficiência e incapacidade temporária35. Medidas de apoio às vítimas dos incêndios florestais36. Aplicar o mesmo regime de reforma aos trabalhadores das pedreiras que é aplicado aos da indústria de extracção das minas;37. Programa especial de apoio a Ilha Terceira cessa apenas a 1 de Janeiro de 202038. Aplicar o mesmo regime de reforma aos trabalhadores que fazem a transformação da pedra ao que é aplicado aos da extracção39. Os trabalhadores das câmaras municipais, uma vez integrados nas empresas municipais (quando existem fusões, extinções e estes são transferidos), mantêm os direitos de antiguidade e posições remuneratóriasPSD1. Realização de uma auditoria às PPP municipais?2. Eliminação do aumento da taxa dos de sacos plásticos leves?3. Fundo de Financiamento da Descentralização: obrigar a que os reforços do fundo sejam efectuados por proposta de lei4. Correcção de omissão no regime de segurança social dos trabalhadores das pedreiras5. IVA reduzido dos espectáculos culturais, incluindo tauromaquia, espectáculos ao ar livre, cinema6. IVA dos artistas tauromáquicos: manutenção da isenção7. Manutenção da isenção de IVA na venda de bilhetes de espectáculos tauromáquicos8. Obrigação de envio trimestral à Assembleia da República de listagem dos projectos beneficiários de garantias concedidas pelo Estado9. Não actualização do valor das custas processuais10. Eliminação da autorização legislativa para criação da contribuição municipal de protecção civil11. Programa de Assistência Económica e Financeira à Madeira: eliminação da norma que dispunha que a redução dos encargos com juros ficasse afecta à amortização do capital em dívida do empréstimo12. Eliminação da proibição do tiro às aves13. Tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias: contagem do tempo de serviço dos professoresPEV1. Remuneração da mobilidade: Na Administração autónoma e local, através da emissão de despacho favorável do seu dirigente ou órgão máximo de serviço e desde que garanta as condições financeiras favoráveis e fundamente o interesse público, o trabalhador é remunerado pela posição imediatamente seguinte à que se encontra posicionado2. Apoio à esterilização de animais3. Reforço de meios humanos para a conservação da natureza e da biodiversidade: mais 25 vigilantes da natureza4. Salas de educação pré-escolar: pelo menos mais 100 salas a partir dos 3 anos5. Redução do número de alunos por turma6. Em 2019, o Governo, em função das conclusões do relatório da situação das acessibilidades a nível nacional, toma medidas para que seja cumprida a legislação sobre acessibilidades, para que sejam progressivamente eliminadas as barreiras arquitectónicas e efectuadas as adaptações necessárias para garantir o acesso aos cidadãos com mobilidade reduzida7. Disponibilização do medicamento para a Atrofia Muscular Espinhal em todas as unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde8. Estudo de viabilidade para o Ramal na Linha do Leste9. Electrificação da linha ferroviária entre Casa Branca e Beja10. Incentivo à introdução no consumo de veículos de baixas emissões (bicicletas): o incentivo é ainda extensível, em 2019, às bicicletas eléctricas11. Livros, jornais, revistas de informação geral e outras publicações periódicas que se ocupem predominantemente de matérias de carácter científico, educativo, literário, artístico, cultural, recreativo ou desportivo, em todos os suportes físicos ou por via electrónica são taxados a 6% no IVA12. Alterações no acesso às pensões de invalidez e de velhice dos trabalhadores do interior das minas e dos trabalhadores da indústria de extracção13. Reforço da verba da DGArtes para apoio às artesCDS1. Eliminação da contribuição municipal de protecção civil2. Reforço dos apoios ao Cuidador Informal3. Transferência de verbas para a Fundação Museu Nacional Ferroviário4. Mecanismo electrónico que evite, na mesma penhora, penhoras simultâneas de várias contas bancárias do executado5. Maior protecção do contribuinte, com prazos mais alargados para reclamar, no âmbito do IMI6. Actualização do valor das bolsas de investigação7. Eliminação da proibição do tiro ao voo8. Reabertura das negociações para contagem do tempo congelado das carreiras especiais da função pública9. Melhoria das condições do empréstimo, no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira à Região Autónoma da Madeira10. Travão ao agravamento de impostos sobre as viaturas ligeiras compradas pelas empresas11. Alteração ao Código do IVAPAN1. Mais meios para o combate ao tráfico de seres humanos2. Contratação de intérpretes de Língua Gestual Portuguesa para o Serviço Nacional de Saúde3. Apoio aos municípios para a construção e modernização dos Centros Recolha Oficial de Animais4. Campanha nacional de esterilização de animais5. Actualização automática da unidade de conta6. Programa de Apoio e Acompanhamento ao Estudante com Necessidades Especiais7. Equiparação entre atletas olímpicos e paralímpicos8. Reforço de meios humanos nos Centros de Procriação Medicamente AssistidaSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. 9. Relatório anual relativo à evolução da admissão de pessoas com deficiência na Administração Pública10. Disposições transitórias em matéria de imposto sobre veículos: Inclusão das Organizações Não Governamentais de Ambiente na Comissão de Acompanhamento do Imposto sobre Veículos11. Abolição de taxa paga por advogados no serviço de estrangeiros e fronteiras no aeroporto
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PAN PSD LIVRE PCP BE PEV
“As pessoas têm de se convencer de que a carne é para dias de festa. O planeta não aguenta”
Obrigou a demolir mais de duas mil casas clandestinas, foi decisivo para o chumbo duplo do projecto nuclear em Portugal e durante anos foi o relator do clima do Parlamento Europeu, tudo isto nos anos de 1980 e 90. “A luta pelo ambiente é uma das formas mais nobres de luta pela cidadania”, diz o antigo secretário de Estado do Ambiente. (...)

“As pessoas têm de se convencer de que a carne é para dias de festa. O planeta não aguenta”
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Obrigou a demolir mais de duas mil casas clandestinas, foi decisivo para o chumbo duplo do projecto nuclear em Portugal e durante anos foi o relator do clima do Parlamento Europeu, tudo isto nos anos de 1980 e 90. “A luta pelo ambiente é uma das formas mais nobres de luta pela cidadania”, diz o antigo secretário de Estado do Ambiente.
TEXTO: As reportagens e imagens de bulldozers a demolirem casas clandestinas no Portinho da Arrábida, na ria Formosa, na lagoa de Albufeira e na Fonte da Telha, entre Outubro de 1986 e a Páscoa de 1987, anunciaram o fim da apatia do Estado sobre o domínio público marítimo e as áreas protegidas. O rosto de uma nova “ideia de natureza e de património paisagístico” até então estranha a um país “onde faltavam esgotos, lixeiras de tratamento de resíduos e saneamento básico, casas também”, é Carlos Pimenta, o secretário de Estado do Ambiente que ocupava a pasta pela segunda vez. Tinha montada a operação de “limpeza”, como lhe chamou, para erradicar das zonas ambientalmente sensíveis e do domínio público mais de duas mil casas ilegais, quase todas de segunda habitação. Eram de autarcas, embaixadores, altas patentes militares, empresários, mas também de classes baixas. “Havia de tudo”. Mandara fazer levantamentos da situação do domínio público marítimo e das áreas protegidas na sua primeira passagem pelo Governo, ao qual chegou com apenas 28 anos. Como o tempo de instabilidade política ditava executivos de curta duração — esteve na pasta entre Junho de 83 e Junho de 84 — não chegou a concluir toda a identificação. As demolições tiveram de esperar até Outubro de 1986. As medidas exemplares visavam sobretudo quem tinha responsabilidades políticas: na ria Formosa as primeiras casas a irem abaixo foram de autarcas. “Foram ao meu gabinete enquanto comissão de moradores, um era presidente da Câmara de Tavira, os outros eram presidentes de junta de freguesia e de uma assembleia municipal”, conta Carlos Pimenta. A primeira a ser mesmo demolida foi a do autarca de Tavira, a quem acusou de “roubo”, porque “os terrenos pertenciam a 10 milhões de pessoas e aos seus sucessores”. Nesses anos 80, o poder do Estado era desafiado às claras. Para controlar o processo das demolições, recorria a levantamentos fotográficos. “No ano de 1986, entre Maio e Setembro, foram construídas 300 casas novas e isto já com todos os media a dizer que as casas iam abaixo. As pessoas não acreditavam. ” Lembra-se especialmente de ver “um engarrafamento de carrinhas de caixa aberta cheias de tijolos e andaimes”, à saída de uma reunião de trabalho com responsáveis da Marinha no Forte de Santa Maria da Arrábida. “O pessoal ia continuar a construir, apesar de estarem lá as autoridades. ”Contra o que seria expectável, os responsáveis das câmaras abrangidas pela limpeza apoiaram a operação, à excepção do Algarve, de onde diz que vieram as únicas pressões. “Havia muita gente local. Como eram habitantes locais, achavam que tinham o direito a ter uma casa de férias nas ilhas-barreira da ria Formosa”. Gonçalo Ribeiro Telles tinha sido o inspirador, no início dessa década, da criação do Ministério da Qualidade de Vida (embora não fosse o seu primeiro ocupante) e da Secretaria de Estado do Ambiente. Foi assim que a porta da política teve de se abrir ao ambiente. Carlos Pimenta não chegou a cruzar-se no Governo com Ribeiro Telles, mas diz ter “um grande respeito” pelo trabalho deste arquitecto paisagista pioneiro desde as cheias de 67. Levava a sua tese à prática. “A luta pelo ambiente é uma das formas mais nobres de luta pela cidadania. Não concebo o ser humano desligado do equilíbrio e harmonia com a natureza e o planeta em que vive”, declara, com a certeza de que “o ambiente urbano é o que dá mais trabalho, mais guerras, porque é a matriz da vida e é insustentável na forma como está organizado”. Em miúdo, Carlos Pimenta sorvera os filmes de La Fuente e os episódios de Há Só Uma Terra de Correia da Cunha; o estudante de liceu fora diariamente do Barreiro para Setúbal de lenço no nariz porque ou o nevoeiro trazia os gases do ácido sulfúrico dos adubos da Quimigal ou o vento, se soprasse de leste, trazia o que a siderurgia no Seixal largava; o mesmo estudante descobrira com as cheias de 67 o outro país que o Estado Novo escondia e a força da denúncia de Ribeiro Telles de um desastre anunciado — “foi um herói para mim e continua a ser hoje, pôs o dedo na ferida”; o universitário que, entretanto, ganhou a direcção da Associação de Estudantes do Técnico criara com João Caninas a primeira secção Património e Ambiente de uma associação académica de uma escola de engenheiros ligados ao betão e à obra pública. O primeiro lugar político e público para o qual foi eleito representou a passagem do ambiente de luta política do final dos anos 60 e do 25 de Abril que o levara a filiar-se no PSD de Sá Carneiro em Junho de 1974, com 19 anos, para a luta política pelo ambiente. Os tempos estavam-lhe também de feição: a adesão à Comunidade Económica Europeia obrigava a uma revolução nas leis do ambiente e a austeridade do segundo resgate do FMI, estava Mário Soares à frente do Governo, induzia um clima de rigor. Já jovem licenciado e sindicalista, ajudava a organizar sessões de educação ambiental destinadas às populações, país fora, com o apoio de um projector instalado na parte traseira de um carro e bobinas de filmes da Comissão Nacional do Ambiente. “Explicavam-se coisas básicas” num tempo em que “as pessoas atiravam uma garrafa fora, fosse de plástico ou vidro, não tinham saneamento básico em casa ou tinham, mas o esgoto ia direito para a ribeira, as fábricas e fabriquetas atiravam tudo para os rios, fossem metais pesados como o crómio, nos sapatos e no couro, fossem as tinturarias no rio Ave, no Cávado, que tingiam de azul, a água saía a ferver, em circuito aberto. . . A situação era mesmo muito má nas zonas industriais têxteis e do agro-industrial”. Entretanto, criou o GEOTA (Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente) e “era sócio do que havia para ser sócio” na defesa do ambiente. Com duas passagens pela Secretaria de Estado do Ambiente (83/84 e 85/87) e uma mais fugaz pela das Pescas (Fevereiro a Novembro de 85), Carlos Pimenta tornou-se também um dos principais rostos da derrota do nuclear em Portugal. “A guerra maior foi em 83/84 com o nuclear, foi a que deu mais impacto público, mais nervos, mais problemas, foi preciso geri-la com muito cuidado. ” É uma indústria que, para Pimenta, “de certa forma, simboliza o mal levado ao extremo da sociedade industrial”, vive “sob o segredo e a mentira” e usa “muitas vezes o nuclear civil como capa do nuclear militar”. Em 1983, quando chegou à Rua do Século, em Lisboa, a comissão técnica do Plano Energético Nacional (PEN) propunha a construção de três centrais nucleares, eventualmente uma quarta, capazes de alimentar um determinado crescimento da procura de electricidade das décadas seguintes, calculado com base em modelos matemáticos. Foi dos primeiros despachos que teve para assinar e para o qual foi aconselhado a não criar obstáculos. Antes da discussão do assunto em Conselho de Ministros, o pequeno grupo de pessoas de que se rodeou e o conselho do ex-secretário-geral da agência francesa de energia ajudaram a identificar os principais erros da proposta: a assunção de que a procura de electricidade ia crescer sempre mais do que a economia e que as alternativas ao nuclear não existiriam ou seriam caras. Segundo as previsões dos “nuclearistas”, estaríamos hoje a consumir mais 50% de electricidade, o carvão estaria significativamente mais caro, não teríamos gás natural e as renováveis teriam um peso residual. Para um documento de mil páginas, Carlos Pimenta preparou cinco notas de uma página para o seu ministro, António Capucho, que acompanhara a “descodificação” dos cálculos. A “intuição política” do então primeiro-ministro Mário Soares e a “sensibilidade ao risco financeiro” do ministro das Finanças Ernâni Lopes reagiram à argumentação de Capucho e o nuclear caiu. Cerca de um ano depois, com Francisco Sousa Tavares já como ministro do Ambiente e com Pimenta fora do elenco, o dossier voltou de surpresa a Conselho de Ministros. “Era o mesmo projecto. Estavam convencidos que passava”. Uma das pessoas a quem Sousa Tavares telefonou a pedir conselho foi Pimenta. Havia muito menos tempo desta vez, “foram três horas” em que um falava e o outro tomava nota — “escrevia páginas”. Soube do resultado do Conselho de Ministros por um ministro que lhe disse que “o ‘Tareco’ [como era conhecido Sousa Tavares nos meios próximos] falou hora e meia e destruiu aquilo”. “Foi assim que escapámos, por duas vezes”, sublinha. Carlos Pimenta orgulha-se da dupla vitória contra o nuclear como também dos anos seguintes como eurodeputado, em que deu a cara por várias lutas ambientais, mas especialmente pela do clima, como relator do Parlamento Europeu à Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC) e para o Protocolo de Quioto, assinado em 1997. Antes disso, cruzou-se com os dossiers de saúde humana, no caso da qualidade da carne. A investigação a muitos matadouros e quintas, e da qual foi relator por influência de Simone Weil, tornou-o quase vegetariano até hoje. “As pessoas têm de se convencer de que a carne é para dias de festa, até porque se pode viver muito bem sem ela. O planeta não aguenta. . . não há recursos, não há água, não há capacidade de gerir tanto desperdício. Para fazer um quilo de bife o que se deita fora de água, nutrientes, de bife estragado ao longo da cadeia para depois ter um bife no prato, não dá. E o que vi assusta: hormonas, cortisonas, antibióticos, outros tipos de drogas. . . ”O relatório aprovado no PE quase por unanimidade, em 1988, proibia a utilização de antibióticos sem atestado médico. “Se se tivesse cumprido, não teria havido a crise das vacas loucas”, anos mais tarde. Guardou como memória desse tempo o quarto de milhão de animais que tiveram de ser abatidos no Reino Unido quando “não houve uma única vaca de agricultura biológica ou de raças autóctones criadas em liberdade que tivesse tido a BSE [vulgarmente conhecida como doença das vacas loucas]”. Esteve, entretanto, ligado à preparação da conferência do Rio-92 e logo após é nomeado relator do PE para o clima, “por muitos anos”, e que o leva a “dar a volta ao mundo muitas vezes”. Considera que a luta do clima é “a grande luta e a mais complicada”. “Quioto (em 1997) é uma vitória, um marco muito importante, não salva o planeta mas era o acordo possível para trazer para a mesa da negociação países como a China, Índia, Brasil, onde reside o maior número de habitantes do mundo e que estavam fora disto. Nunca teria havido a cimeira de Paris e o acordo de Paris em 2015 se não tivesse havido Quioto quase 20 anos antes. ”Na contracorrente dos nacionalismos de hoje, o então senador dos EUA Al Gore cria a Globe, uma organização internacional com membros de vários parlamentos (as duas câmaras dos EUA, o europeu, o russo, entre outros). Carlos Pimenta foi “vice” da organização, mais tarde presidente. “Foi muito importante para haver Quioto, era uma rede de cumplicidade que organizava seminários, colóquios concretos sobre o que estava em cima da mesa que os legisladores podiam ajudar a fazer passar”, sem divisões entre direita e esquerda. “Havia gente pró-ambiente em todos os grupos parlamentares”. Na causa pelo ambiente, olha para a construção da Ponte Vasco da Gama como a sua maior derrota. “É a ponte errada no sítio errado porque ela foi fazer mais um subúrbio em cima de terreno agrícola bom, que temos muito pouco, criou uma nova oferta de habitação e de pessoas a fazerem movimento pendular e, além disso, não resolveu o problema que vem desde Fontes Pereira de Melo que é a falta de uma ligação ferroviária entre o Sul e o Norte do país. Faltava uma ponte ferroviária, vá lá rodoferroviária, e ainda continua a faltar, não se resolveu o transporte de mercadorias pesado e a ligação dos portos do Sul do país com a zona industrial do país. São tiros no pé da competitividade. ”Marcelista convicto, de quem foi seu “vice” no PSD — foram também contemporâneos a chamar a atenção para os problemas do Tejo, um dando mergulhos famosos, o outro subindo e descendo o rio a defender a urgência de um sistema nacional de tratamento de resíduos perigosos —, foi Durão Barroso quem lhe cortou a continuidade como eurodeputado. E ao contrário do que previra, também não regressou ao Estado. “Intervencionista” para a ala liberal do PSD, incómodo para outros, outsider na política, insider no ambiente, mudou-se para o sector privado, no início dos anos 2000, especificamente para as energias renováveis, com a Generg e a criação do fundo Novenergia, que haveriam de contribuir para o crescimento da energia eólica em Portugal. “Tirando a grande hídrica, não havia praticamente nada. Antes de entrar na política em 1983, fui um jovem engenheiro à frente de uma pequena reparação naval, na altura pública, e uma das primeiras coisas que fiz foi montar painéis solares de água quente para os duches no estaleiro. Isto em 79/81. Já tinha essa ‘pancada’”. No início deste Agosto, viu no site da NASA que a concentração de CO2 na atmosfera atingiu o recorde do último milhão de anos de 403ppm em volume e Quioto já foi há mais de duas décadas. Confessa-se mais angustiado hoje do que antes. “Já não são os problemas do ambiente de proximidade — que se resolvem com estações de tratamento, com filtros, e outros. O problema do clima é o problema da maneira como vivemos. Deriva da forma como usamos a energia e também como usamos a terra e produzimos alimentos, e que são as principais fontes de emissão de GEE. O clima é estrutural, não pego no clima sem mexer nas cidades, na maneira como as pessoas vivem, comem, se vestem, habitam. ”Preocupa-o que se esqueça a mudança climática assim que a temperatura desce; que na última década o Alentejo tenha perdido um terço da água da chuva, mas esteja a ser povoado com culturas superintensivas; que a água do mar tenha subido sete centímetros nos últimos 25 anos; que metade da humanidade viva à beira-mar, que as infra-estruturas estejam impreparadas para resistir a fenómenos meteorológicos extremos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Estamos a viver a sexta extinção planetária desde que a Terra é Terra, em mais de quatro mil milhões de anos esta é a sexta grande extinção, com a diferença de que as outras foram causadas por fenómenos naturais e esta é causada pelo Homem. O clima tem efeitos de grande sofrimento humano, está a provocar refugiados aos milhões, vai provocar a não-habitabilidade de zonas que hoje são grandes cidades, à beira de água, Nova Iorque, Xangai, Hong Kong, Miami e também Lisboa, Aveiro, Faro, Viana do Castelo, todo o litoral. ”Continua a ver “uma enorme resistência à penetração das renováveis”, quando se projecta que, dentro de 20 anos, um quarto da electricidade possa ser produzida na casa das pessoas e transaccionada entre vizinhos ou entre comunidades de energia sem passar pelos sistemas centrais. “Será uma grande mudança do sistema económico, quando uma parte da mobilidade deixará de andar a petróleo e passará para a electricidade, parte desta feita em casa das pessoas e outra centralizada de fontes renováveis. ”Carlos Pimenta está certo de que o que vem aí “é outro mundo, outra economia”. E para o país, “essa economia interessa”. “Porque nós fazemos os equipamentos em Portugal e o petróleo e o carvão e o gás importamo-los para queimar com muita ineficiência”, explica. O que determina essa mudança é que não muda: “Tudo volta à questão de cidadania. As pessoas, nas suas múltiplas vertentes, têm de ser confrontadas com a sua responsabilidade, com o seu padrão de consumo, sejam consumidores, patrões de uma indústria ou autarcas”.
REFERÊNCIAS:
Noudar não é o fim nem o princípio do mundo: é qualquer coisa de intermédio
Num canto de Portugal, a um salto de rio de Espanha, o Parque de Natureza de Noudar desenha-se como uma espécie de museu vivo do pré-Alqueva. Entre montados e azinhais, cultiva-se a tradição e alimenta-se o bravio à espera do lince-ibérico. Enquanto este não chega, assista-se à brama dos veados, observe-se o céu nocturno, suba-se ao castelo ou não se faça nada — de preferência, junto à piscina. (...)

Noudar não é o fim nem o princípio do mundo: é qualquer coisa de intermédio
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Num canto de Portugal, a um salto de rio de Espanha, o Parque de Natureza de Noudar desenha-se como uma espécie de museu vivo do pré-Alqueva. Entre montados e azinhais, cultiva-se a tradição e alimenta-se o bravio à espera do lince-ibérico. Enquanto este não chega, assista-se à brama dos veados, observe-se o céu nocturno, suba-se ao castelo ou não se faça nada — de preferência, junto à piscina.
TEXTO: O cepticismo só dura até o dia se consumir em caldeirão alaranjado, por detrás do castelo de Noudar: os bramidos dos veados começam a encher a paisagem à medida que se instalam os contornos fantasmagóricos destas noites de lua brilhante e teimosa perante a escuridão. Não só os veados já estão em plena brama (cio) nesta segunda metade de Setembro, como os ouvimos bem perto do Monte da Coitadinha, em pleno Parque de Natureza de Noudar (PNN), a poucos quilómetros de Barrancos. São companhia omnipresente, estes sons guturais, nestas noites cálidas, estejamos nós sentados na esplanada ou percorrendo os caminhos do parque, a tentar cristalizar os animais num dos feixes de luzes dos faróis. Duas fêmeas atravessam-se-nos bem perto do rio Ardila, o macho vem logo a seguir. Uma aparição breve, seguida do grande nada, ainda que dêmos a volta ao parque. Apenas o som, sempre o som, claro — e o rasto de javalis, já bem afastados, em caminho de azinheiras como abóbadas quase translúcidas. Nada que nos desanime, ou com que já não contássemos: a natureza não tem hora marcada. E prova-nos isso no dia seguinte, ao final da tarde, quando, sem procurarmos, somos surpreendidos por nova perseguição. Um macho e uma fêmea a correrem ao lado da estrada que atravessa o PNN — várias centenas de metros, até nos despistarem com uma incursão perpendicular para os montados. Pelo meio, avistamos coelhos esquivos e o que nos dizem ser uma fuinha; perdemos a conta às aves, mas não esquecemos os abutres negros a planar, impávidos e senhoriais, sobre o Castelo de Noudar. Entretanto, no monte, a unidade de alojamento do PNN, as osgas e os morcegos tornam-se os nossos melhores amigos no terraço nocturno embalado pela banda sonora cortesia da brama dos veados, visceral, das cigarras, ininterruptas, dos badalos das vacas, quase etéreos. Se Noudar não fica no fim do mundo, fica no fim de Portugal, pelo menos: Espanha ao lado é tão literal como atravessar o rio Ardila, limite norte do PNN, limite norte deste pedaço caprichoso de Portugal do lado esquerdo Guadiana desenhado em forma de península. De um lado, o rio-fronteira Ardila, que corre escurecido pela tempestade recente; do outro, a ribeira da Múrtega, limpidez hesitante — no extremo ocidental da propriedade unem-se e é o Ardila que prossegue. Esta é região de fronteira, sim, e lá está, quase no extremo da “península”, o castelo devido, uma solidão recta de que a paisagem passiva parece troçar. Longe vão os tempos de lutas, em que Noudar se movia na dança de fronteiras; longe vão os tempos em que Noudar tinha gente. Raul é agora o habitante mais constante do castelo, o guarda de cara tisnada e sorriso acanhado e cansado que entretém a solidão com a pesca de achigãs, bogas e tudo o que vier à rede (“no Múrtega, porque o Ardila está poluído”) — os cigarros esporádicos e muitos pensamentos que convergem para uma cisma: “Todos os que trabalharam aqui já morreram. ”Já voltaremos ao castelo, incontornável no PNN. Mas o PNN não existiria não fora tudo o que rodeia a fortaleza, as colinas e vales que o final de Verão pinta de amarelo e verde pardo: é aí que se sucedem os domesticados montados de azinho, pastagens e campos de cultivo, os espontâneos azinhais e estevais (a intervenção humana de mão dada com a sua impossibilidade topográfica), a fauna e a flora (dócil e selvagem) que deram o passaporte de entrada na Rede Natura 2000. Um parque de natureza, portanto, instalado numa antiga herdade — da Coitadinha, mas sem lamentos: significa pequena coutada de caça — que renasceu porque algo morreu. Se hoje há o PNN é porque a albufeira do Alqueva engoliu milhares de hectares de montado. A aquisição da herdade pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva (EDIA) foi a contrapartida pelo desmembramento dos ecossistemas de montado, matagais mediterrânicos e galerias ripícolas resultantes da construção e exploração do Alqueva, explica o director de património da EDIA, Diogo Nascimento. Se a Aldeia da Luz se viu replicada e com direito a museu, a natureza submersa tem também uma espécie de museu, vivo, na Herdade da Coitadinha, mil hectares de biodiversidade (devidamente inventariada, catalogada e publicada em cinco guias: aves nidificantes, mamíferos, flora herbácea, árvores e cogumelos) que se alimenta da espontaneidade da natureza e da disciplina da intervenção humana. Entre as práticas agrícolas tradicionais e a conservação da natureza, segue seguro (e formoso) o PNN. Um pequeno mundo onde o presente aproveita o passado e desvela o futuro; um presente onde o turismo é a porta de entrada. A entrada literal no parque de Noudar faz-se de forma lenta, pela estrada de terra batida onde a ponte, estreita, sobre a ribeira da Múrtega, nos deixa. Estradão fora entre os montados de azinho (intromissões de oliveiras e sobrados), troços de vegetação densa e os primeiros animais — sem caprichos da natureza: de um lado o “hotel”, como José Carlos, engenheiro agrícola há dois anos no PNN, chama ao cercado onde estão os novilhos de raça garvonesa; do outro lado, em 20 hectares, deambulam os adultos. Provavelmente alguns cavalos já fizeram a sua aparição, em altura de montanheira, também porcos pretos em busca de bolotas. Com muita sorte, veados, corças, javalis e até raposas dão-se a ver. Porém, se a ideia é um “safari”, o melhor é dar mais espaço à fortuna: deixar o estradão e vaguear no mato ou permanecer nos pontos de observação, pacientes, silenciosos e inodoros. À maneira dos caçadores, que de vez em quando se reúnem aqui para jornadas de “esperas ao javali” e, mais raramente, montarias. Já avistamos o monte, oásis branco com risca amarela, mas antes uma paragem na história da Guerra Civil de Espanha (e da solidariedade barranquenha). Em Setembro de 1936, 700 republicanos atravessaram o Ardila fugindo da morte às mãos dos franquistas, determinados em acabar com a II República. Junto ao Poço da Ferragadura, aqui na Herdade da Coitadinha, encontraram abrigo, no que ficou conhecido como “campo de refugiados”, onde permaneceram, com o apoio da população, até serem repatriados para o reduto republicano de Tarragona. O Monte da Coitadinha é o coração do PNN, para quem trabalha e quem visita. E quem pernoita, como nós: não temos tempo de ir à piscina, mas a sopa de cação no restaurante Pançona não nos escapa, assim como o pôr e o nascer do sol visto dos terraços — a observação do céu nocturno é que foi sugada pelo clarão da lua, mas, ainda assim, descortinamos Marte e Saturno e vislumbramos Cassiopeia, graças à paciência de Nuno Santos, uma espécie de caseiro do monte (e chef do restaurante) que teve formação da Reserva Dark Sky do Alqueva, que o PNN integra. Pelo meio, fazemos amizades canídeas: a Fiúza, a pastora belga que “pertence” à herdade, a Andorinha e o Dior, que são da Débora (que veio fazer um estágio em ecoturismo em 2006 e não mais saiu) e a acompanham para o trabalho. Da recepção saem visitas guiadas (é necessário reservar) e alugam-se bicicletas e carros eléctricos, os Noucar. Quem preferir andar sozinho, pode optar por um guia digital (que dá informação variada em função da localização) ou não passar sequer por esta casa de partida: o castelo fica no fim da estrada, fora desta há uma série de percursos sinalizados. O nosso passeio é abrangente, indisciplinado e multidisciplinar. Se nas visitas guiadas pode haver especialistas em história, botânica, ornitologia, etnografia ou geologia, a verdade é que aqui tudo está interligado e é com essa noção que deixaremos Noudar. Embrenhamo-nos de igual maneira pelas zonas de montado, mais limpas, para pasto e produção de cereais, e pelas zonas de azinhais e estevais, onde a vegetação é mais imponente e a biodiversidade maior. Não vemos calêndulas, nem crisântemos, tão-pouco a raríssima “trepadeira de Noudar”. Contudo, asseguram-nos, estão por aqui. Apontam-nos sementeiras, para a fauna silvestre, por estes dias sem cultivo. Quando o há, instalam-se fios eléctricos em redor para se ter a certeza de que apenas os animais selvagens aí comem: as aves descem, os veados saltam e os coelhos escavam. Passamos choças e malhadas, casa de pastores e dos seus animais, respectivamente, algumas recuperadas, e nas margens da ribeira da Múrtega, onda há lontras, visitamos um moinho de água que José Perdigão, o técnico de arqueologia do parque, pôs a trabalhar. Ainda há farinha nas mós (que vieram da região de Alqueva), apesar de aqui já só se moer trigo para visitante ver, apesar de por estes dias não funcionarem porque lhes falta a força: a ribeira corre aos solavancos, engasgando-se nos pegos (alguns de fonte natural) sem saltar os açudes. Uma seca aparente: este é um ribeiro torrencial e rapidamente tudo o que vimos, moinho incluído, pode ficar submerso. Na Horta da Senhora, assistimos à rega, por alagamento, de canteiros de alho francês, cebolas, pimentos, beringelas (a lista continua e inclui aromáticas plantadas por hóspedes) e, mais tarde, acompanhamos a colocação de ninhos, sempre virados a sul, tamanhos diferentes para aves de vários portes. Dos carriços e pintassilgos até aos mochos e pica-paus, sem esquecer, por exemplo, os chapins e picanços-reais, todos têm em comum o facto de serem insectívoros e, portanto, comerem os insectos que vivem nas cascas das árvores associados às doenças de sobreiros e azinheiras. Descobrimos, aliás, muitas azinheiras a morrer, grandes manchas de árvores quase brancas, e conhecemos os dois estagiários andaluzes, Alejandro e Ismael, que querem estudar o fenómeno para o relatório final deste que é o segundo estágio deles no PNN. Percebemos que a preocupação com estas mortes é compensada pelos sinais de regeneração do montado, com árvores grandes (algumas com 200 anos) e pequenas, quase arbustos, lado a lado, por vezes em zona vedada ou com protecções nos troncos delgados. “Intervimos na poda, escolhemos as melhores e damos forma”, assegura Diogo Nascimento, engenheiro florestal de formação. Na Fonte da Figueira, antigo espaço de lazer dos proprietários da herdade ao estilo do setecentista agora votado ao abandono, fazemos um piquenique: valem os cestos, de onde saem enchidos, mini-rojões, punheta de bacalhau, pão, geleias, bolos, fruta, patés, vinhos e água, e vale a vista, para a “pançona” do Ardila, a zona do rio onde este faz uma curva de 180 graus que parece ter sido desenhada pelo capricho de um demiurgo folgazão e onde os barranquenhos ainda hoje fazem uma romaria a cavalo. E já estamos à sombra do castelo. Diz-se que a qualidade da água na Fonte da Figueira foi um dos motivos para a construção da fortificação aqui — a par das suas óbvias qualidades defensivas naturais, no cimo de um monte, quase na ponta da tal península, com vista solta para os cumes que se desdobram como um oceano em dia de ventos desencontrados. Barrancos, alvíssima, aninha-se num desses montes já a fechar o horizonte e é o único vestígio de gente visto daqui. É também uma espécie de némesis de Noudar, crescendo à medida que esta se apagava até ao seu abandono definitivo no século XIX, provavelmente devido aos frequentes surtos de malária. Parque de Natureza de Noudar 7230-057 Barrancos Tel. : 285950000 E-mail SiteO assentamento humano neste morro já vem do período Calcolítico; a “fortaleza de bons muros” que chegou até nós é da responsabilidade de D. Dinis, que encarregou a Ordem de Avis da sua construção, sobre um antigo baluarte islâmico (que terá sucedido a um visigótico, que terá sucedido a um romano. . . ). “Uma parte desta muralha ainda existe, mas não está à vista”, diz a responsável do Museu de Arqueologia e Etnografia de Barrancos, Lídia Segão. É, aliás, no museu que peças recolhidas em várias campanhas arqueológicas desvendam um pouco do quotidiano de Noudar ao longo de muitos séculos. Porque o castelo é actualmente apenas uma casca: a alcáçova, com a torre de menagem e as cisternas, e a igreja de Nossa Senhora de Entre Ambas as Águas (que foi também do Desterro e da Encarnação), esventrada, tutelam a antiga vila, ruínas (a mais composta a da casa do governador) alinhadas nas duas ruas principais, paralelas. Uma casa foi reconstruída, usando as técnicas tradicionais, para servir de recepção e é à sombra da sua latada que encontramos Raul. Trabalhou nas escavações, passou pelo museu e regressou ao castelo que, desde a sua conquista, em 1167, e até ao Tratado de Utrecht, em 1715, passou de mãos em mãos, ora Portugal, ora Espanha (uma “indecisão” histórica que valeu aos barranquenhos o epíteto de “os traidores de Sevilha”). Em 1774, Noudar divide com Barrancos a sede de concelho, mas em 1836 o de Noudar é extinto — algumas décadas depois, já abandonado, é vendido em hasta pública. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Agora é uma vila-fantasma, mas fez parte da política de povoamento (e de defesa) do país: foi o primeiro Couto de Homiziados português, ou seja, local onde os condenados (por crimes “leves”) podiam viver “em liberdade” — condicional: não podiam sair daqui e tinham de defender a fronteira da cobiça vizinha. Lugar de desterros, portanto, uma mini-Austrália, onde agora o único desterrado parece ser Raul. Que continua à espera de Primaveras que pintam a paisagem e trazem mais visitantes. Não é o fim nem o princípio do mundo. É o PNN; é qualquer coisa de intermédio. Ainda se espera o regresso do lince ibérico no PNN e ninguém parece disposto a desistir, pelo menos se a quantidade de parques de coelhos montados servir de indicador. “Há registos de 1950, 1960, de captura de linces aqui”, conta Diogo Nascimento, justificando o envolvimento do PNN com o projecto Life+IberLince, que desenvolve o trabalho de preparar os territórios ibéricos para voltar a receber esta espécie que foi considerada extinta em Portugal no ano 2000. É aqui que entram os coelhos bravos, que constituem 80% da dieta do lince: a ideia é aumentar a densidade populacional dos primeiros, para poder sustentar a cadeia alimentar dos segundos. A criação do PNN foi uma obrigação, assume o presidente da EDIA, José Pedro Salema, que se tenta levar a sério, como modelo de uma gestão integrada e sustentada do território do interior, em que as preocupações ambientais e a conservação da natureza têm o palco principal. Entre a aquisição da herdade, em 1997, e a data da abertura ao público do PNN, em 2006, fez-se a recuperação integral da propriedade, desde a paisagem e fauna ao monte. O resto da sua vida tem sido uma busca pelo equilíbrio entre as práticas agrícolas (exploração agro-florestal e pecuária, sobretudo) e a conservação do lugar na sua dimensão natural e cultural — afinal, tudo está ligado. É neste sentido que entra a tentativa de recuperar o lince e também o gado autóctone. A raça mertolenga faz parte da tradição da herdade (e até teve uma das suas pelagens aqui apurada) mas, recentemente, introduziu-se também a garvonesa, que é a espécie bovina mais ameaçada em Portugal. Dos 400-450 exemplares existentes, 31 fazem parte deste novo núcleo do PNN: não vemos nenhum macho, dizem-nos que são imensos como búfalos; as fêmeas já impressionam com o seu “casaco” castanho-avermelhado. Ao todo, são 140 cabeças de gado no parque, “para não haver pressão na flora, na superfície” — estão em regime extensivo e estritamente biológico. “Se o nosso objectivo fosse apenas a rentabilidade económica teríamos muitas mais”, reconhece Diogo Nascimento. Nesta procura de harmonia, o PNN assume-se também como uma espécie de laboratório. Para, por exemplo, o estudo do efeito das alterações climáticas nos montados e a adaptação destes a elas. Em 200 hectares, desenvolve-se, então, o projecto Life Montado-Adapt. Em 200 hectares preconiza-se, então, o futuro.
REFERÊNCIAS:
Como é envelhecer bem? A arte e os truques de Maria Cavaco Silva, Maria João e Nayma Mingas
Nenhuma tem uma fórmula do tipo "comer uma taça de mirtilos por dia". É sobretudo uma questão de atitude: não sofrer por antecipação, trabalhar para ser feliz, querer ser, não ter medo de rir nem de chorar. Três mulheres de três gerações falam sobre envelhecer, pintar o cabelo, o amor e a morte (...)

Como é envelhecer bem? A arte e os truques de Maria Cavaco Silva, Maria João e Nayma Mingas
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 5 Africanos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nenhuma tem uma fórmula do tipo "comer uma taça de mirtilos por dia". É sobretudo uma questão de atitude: não sofrer por antecipação, trabalhar para ser feliz, querer ser, não ter medo de rir nem de chorar. Três mulheres de três gerações falam sobre envelhecer, pintar o cabelo, o amor e a morte
TEXTO: Esta é uma conversa em que se pergunta a idade às senhoras e por isso aqui vai: a manequim Nayma Mingas tem 44 anos, a cantora de jazz Maria João tem 62 e a antiga primeira-dama Maria Cavaco Silva tem 80. O tema é o envelhecimento e a escolha é simples: são três mulheres que, por causa da sua vida pública, estão a envelhecer à frente de todos nós. No fim, depois de falarem sobre viver bem e morrer bem; pintar o cabelo e ir para um “asilo”; máscaras do Congo e eutanásia; fazer trail e ler Séneca; imortalidade e respeito pela Terra; rir e chorar; ter fé e ser ateu; mais os medos e as alegrias que aparecem com os anos e a solidão da viuvez, alguém disse: “Seria impossível ter esta conversa com três homens. ”Igual não seria, isso é certo. Maria Cavaco Silva conta que tem “uma relação amistosa” com a idade e que durante anos se achou parecida com a actriz Audrey Hepburn. Quando o marido, Aníbal Cavaco Silva, foi eleito Presidente, em 2006, sentiu que era olhada como a “imagem-padrão da mulher portuguesa” e preocupou-se um pouco com isso. Mas foi com a avó materna que aprendeu a envelhecer. Maria João diz que nunca pensa no envelhecimento (“juro!”) e que “querer ser” o que é agora é o que a ajuda a não pensar na idade. “Como quero, sou”. Já que tem de morrer, pelo menos que não seja no Verão. Não gosta de falar sobre isso, mas já fez um pedido improvável a um grande amigo. “As pessoas têm de ter o direito de escolha. ”Nayma Mingas tem os pais vivos e por isso ainda é “a filha de”. No caso, de Ruy Mingas, músico (autor do hino nacional angolano), ex-ministro do Desporto de Angola e embaixador em Portugal, e Julieta Mingas, antiga professora de Biologia Celular na Universidade Agostinho Neto, em Luanda. É ela, mas não só, quem leva a conversa para África, onde os velhos morrem em casa e “cota” é uma palavra bonita. Diz que quando o seu cabelo começar a ficar branco, não o vai pintar. Os truques destas mulheres não são servidos em forma de receitas do tipo “x” comprimidos de vitamina B12 ou uma taça de mirtilos por dia. É mais uma questão de atitude: não sofrer por antecipação, trabalhar para ser o mais feliz possível, não ter medo de rir nem de chorar. P: Começo pela Nayma, a mais nova das três. Tem 44 anos e está rodeada por mulheres com metade da sua idade. Sente-se velha?Nayma Mingas (N. M. ): Não, de todo. O peso do envelhecimento tem muito a ver com o ambiente em que estamos. No meu caso, embora as pessoas com quem trabalho sejam muito mais novas do que eu, sei que faço parte da geração que quebrou esse tabu, da geração das mulheres que conseguiu provar que pode continuar a trabalhar como manequim independentemente da idade que tem. P: Como é que se quebrou esse tabu?N. M. : Tem a ver com a surpresa das pessoas quando digo a minha idade. As pessoas acham que eu tenho 30 anos. Ainda hoje o Paulo Macedo [ex-director criativo da Vogue Portugal] me disse: “Miúda, tu não envelheces!” Continuam todos a tratar-me por “miúda”. Perguntam-me se estou conservada em formol… fazem muitas piadas à volta da minha aparência. Mas uma das coisas mais importantes para a longevidade da minha carreira, independentemente da minha aparência, tem a ver com as campanhas internacionais feitas contra a discriminação, a favor da diversidade e a aceitação dos vários tipos de beleza. Isso é muito importante. A própria publicidade mudou. Há 20 anos, lembro-me de ver jovens com 25 anos a venderem cremes anti-rugas e não fazia sentido. Até era desrespeitoso em relação ao cliente. Maria João (M. J. ): Continua. Continua a haver anúncios desses…N. M. : Já não tanto. Até há o resgatar de manequins mais velhas para fazerem essas publicidades. M. J. : É verdade. N. M. : O público já é mais inteligente, já não vai atrás da miragem da beleza perfeita. As pessoas querem ser aceites tal qual elas são. Maria Cavaco Silva (M. C. S. ): Eu já vejo manequins da minha idade, senhoras fantásticas, com a sua idade marcada. . . Acho isso uma grande conquista. P: Hoje há sobretudo o culto do corpo estilizado e asséptico? Esse é o novo preconceito?N. M. : Sim. Vivemos no mundo das redes sociais, muito digital, onde podemos acordar com má cara, mas há uma aplicação que nos tira as olheiras, que nos suaviza a pele e até podemos mudar o cabelo, podemos estar completamente despenteadas e pôr um cabelo perfeito…M. C. S. : …Disto eu não sei nada…N. M. : … E isto cria uma forma de estar na sociedade que é errada. As pessoas estão a habituar-se à perfeição, à vida editável, e isso é mau porque no dia-a-dia as pessoas escondem-se, escondem-se atrás de maquiagens e de muitas formas de estar naturais que devem ser aceites naturalmente. P: Já não há a pressão da juventude eterna?N. M. : Ainda continua a haver, porque as pessoas cada vez mais a procuram. P: Na música há essa pressão?M. J. : Não. Não sinto isso, não senti até agora. Não senti, aliás, nenhum tipo de discriminação neste tempo todo. Sinto-me uma privilegiada. Tive muita sorte, estive sempre rodeada de pessoas incríveis, músicos absolutamente inspirados e que me ajudaram a ser a cantora que eu sou, a música que eu sou. Até agora não sinto, mas não sei se quando ficar mais velha se vou sentir. P: Diz que o seu instrumento “é” o seu corpo e “está dentro” de si. Não tem medo que o corpo envelheça mais depressa do que a cabeça?M. J. : Que os nossos corpos envelhecem mais depressa do que nós, do que nós pensamos e do que nós somos enquanto pensamento e pessoas, isso eu reparo. E reparo nas minhas amigas e nas pessoas à minha volta. Infelizmente é assim. Mas até agora tenho tido essa sorte. P: Como é que trata do seu corpo-instrumento, que truques usa para enfrentar a parte física do envelhecimento?M. J. : Sempre fiz desporto. Desde miúda que faço natação, agora comecei a correr, comecei a sonhar com triatlo, corro trail. Fiz aikido durante 40 anos (agora só parei porque me lesionei)… O desporto é uma coisa maravilhosa para nos mantermos bem. É essa a minha opinião e a minha experiência. Fiz isso com o meu filho: insisti desde sempre que ele fizesse desporto. P: Ele é atleta. . . M. J. : Sim, faz natação de competição e passou ao lado da droga, álcool, fumo. Sou muito fã de desporto e continuo a fazer, custe o que custar. Às vezes levanto-me e penso: “O que é que vou fazer? Vou correr, tenho que ir correr!” Tem de ser, todos os dias, e isso ajuda-nos e dá-nos muitas ferramentas em termos de disciplina, de sacrifício, de esforço, e mantém-nos bem, saudáveis e fortes. E mantém o sangue a correr. P: As cordas vocais envelhecem?M. J. : Até agora, não senti e continuo com esta “vozinha”!… Eventualmente, elas tenderão a envelhecer connosco, estão dentro do corpo…P: O que é que acontece às cordas, já estudou?M. J. : Não, não estudei, nem quero pensar nisso! Até agora, está bem, portanto não quero pensar nisso. Falar de envelhecimento, e debruçar-me muito sobre esse assunto, vai acabar por acabrunhar-me, vou ficar mais perdida. Continuo a fazer tudo o que sempre fiz e sinto-me bem e por isso prefiro não falar nisso, acho uma perda de tempo. P: Acaba de fazer 80 anos. Se pensar nas coisas importantes que aprendeu, o que é que não sabia quando tinha a idade da Nayma Mingas?M. C. S. : Quando tinha a idade da Nayma, estava dar uma grande reviravolta à minha vida. Quase sem sentir e quase sem saber, caiu-me em cima, de pára-quedas. Sei muito mais coisas hoje, mas provavelmente muitas das coisas que sabia quando tinha a idade da Nayma, já esqueci. Há um equilíbrio entre o que se vai limpando, porque é necessário, e o que vamos aprendendo. Continuo a sentir-me como professora, apesar de já estar reformada, mas isso é válido para todas as pessoas: todos os dias aprendemos qualquer coisa e o dia em que não aprendemos há qualquer coisa que falhou. Não creio que seja de ignorar que é importante aprender, mas também será importante desaprender. E é esse equilíbrio entre o aprender e o desaprender que vai continuando e, como a Maria João dizia, talvez haja determinadas coisas que, quando elas aparecerem, logo as enfrentamos. A Maria João disse: “Eu não vou estar já preocupada com isso. ” Lembro-me de uma coisa que o D. Manuel Clemente [cardeal patriarca de Lisboa] me contou há muitos anos, que havia uma senhora que lhe dizia, na parte final da vida, era ele apenas padre: “Ai, padre Manuel, tantas coisas com que eu me preocupei ao longo da minha vida e que não vieram nunca a acontecer!…”. Nunca me esqueci disto, porque isto é muito importante. P: Não sofrer por antecipação…M. C. S. : Não vale a pena estar a sofrer por antecipação. Acabei de fazer 80 anos, mas os meus amigos ainda dizem: “Continuas a ter uma voz de menina. ” [Envelhecer] não quer dizer que a Maria João não vá continuar a ter a sua voz e aquilo que tem feito ao longo dos anos. Ainda há bem pouco tempo a Celeste Rodrigues…P :… que tem 90 e tal anos…M. C. S. : Sim. Eu levei-a a Belém, para uma noite de poesia, e ela foi acompanhada pelo bisneto. O bisneto tocava e ela cantava. E ela dizia: “Tenho de sair de casa, tenho que cantar todos os dias, senão não sou eu, não me sinto bem. ”P: A sua opinião, a sua forma de pensar, mudou com a idade?M. C. S. : Sim, em relação a muitas coisas. Vi aquele filme, achei o filme extraordinário na altura. Agora vou ver outra vez: “Ai não, afinal não é assim tão extraordinário. . . ” Não quer dizer que seja uma questão de exigência… é uma questão…M. J. : … de ponto de vista…M. C. S. : … Não. É estar diferente, encarar as coisas de uma maneira diferente. No meu caso, mais madura. Mas a Maria João dizia — e é verdade — que a cabeça envelhece mais devagarinho. E é uma sorte quando isso acontece, porque depois há todas as doenças com o envelhecimento, as senis, os Alzheimers. Mas quando o envelhecimento é normal e natural, a cabeça vai mais devagar do que o corpo. Às vezes olho para um escadote e digo: “Vou subir. ” E depois digo: “Não, vamos lá tentar…”M. J. : … é melhor não!…M. C. S. : E digo: “Vamos lá tentar… É melhor não. ” E depois começo e concluo: afinal não é tão fácil como parecia. E o meu marido dá-me gritos: “Tu não penses sequer em subir o escadote!” É um risco que se corre com uma certa idade: a pessoa está em casa sozinha, tenho tido muitos exemplos disso, acha que vai, sobe, as coisas correm mal e uma fractura no colo do fémur muitas vezes é mesmo fatal. Portanto, temos de manter o equilíbrio entre a cabeça e o corpo. P: Diz-se que com a idade ficamos mais conservadores e mais de direita — e que isso acontece até às pessoas de esquerda. Como tem sido no seu caso?M. C. S. : Não, não acho. Eu era muito rebelde, mas as minhas colegas aqui [na entrevista] já me disseram: “É tal e qual como eu a conheço. ” Continuo bastante rebelde. P: É rebelde em quê?M. C. S. : Rebelde até nas reacções imediatas, coisas simples do dia-a-dia. Elas estão a dizer que sim [com a cabeça] porque foi nessa linha que elas disseram…M. J. : Foi sempre assim que a conheci, sempre, sempre…M. C. S. : Portanto, não mudei e os meus amigos dizem: “Tu estás sempre na mesma”, nesse aspecto de reagir de imediato, nariz arrebitado, linguinha afiada. . . P: Não é uma mulher ponderada, hoje que tem 80 anos?M. C. S. : Ai, não! Vê, como eu rio?! É que… “Di” jeito nenhum! As duas disseram-me isso. [Nos bastidores], a Nayma disse-me: “Ah, isto é de professoras, porque a minha mãe também é assim. ” Não tem de ser: há professoras muito calmas, muito cordatas, mas eu nunca fui. Não é agora que vou mudar. Mas não sei o que está para me acontecer. P: Quando era pequenina, a Nayma imaginava que ser velha era o quê?N. M. : Para mim, alguém com 40 anos já era muito velha. Tenho uma irmã que é oito anos mais velha do que eu e lembro-me de, a certa altura, olhar para ela, já era uma mulher e eu era ainda uma criança, e de ter jurado a mim mesma que nunca seria igual a ela. Tal era a minha ignorância sobre o crescimento e o desenvolvimento do corpo de uma mulher. Mas para mim ser-se velha nunca foi um termo depreciativo. O mais velho em África é sempre muito respeitado, tanto é que a forma como a palavra “cota” — palavras que vêm de Angola e que foram adoptadas em Portugal — são vistas em Portugal de uma forma… Em Portugal “cota” é ofensivo, para nós é respeito. Hoje já sou tratada por “mãe-grande”, “cota”, por miúdos que têm 18, 20 anos, que conhecem a minha carreira, e por respeito, já me tratam desta forma. Para nós, a pessoa mais velha é a pessoa com mais conhecimento, é a que nos educa, a que nos põe no caminho correcto. Em África, é assim. . . M. J. : É muito verdade, em Moçambique também é assim. M. C. S. : A Europa está um bocado virada. N. M. : A primeira vez que estive num asilo fiquei… não digo em estado de choque… mas em estado de choro. P: Foi em Portugal?N. M. : Sim. Nunca tinha visto os idosos serem tratados assim. P: O que é que viu?N. M. : Vi pessoas abandonadas, o que para nós não existe. Os nossos “cotas” morrem em casa, nós fazemos questão de os ter connosco. P: Em Luanda ainda é assim?N. M. : Sim. Ainda agora estive em Luanda e tive uma situação muito engraçada. Toda a gente ouve falar do trânsito, que é caótico. E eu estava a chegar a casa com a minha irmã, estávamos a entrar na rua da casa dos meus pais, de repente vimos uma senhora a atravessar a rua e eu reparei que estava com muletas. Disse “pára” e saí do carro para a auxiliar. O carro de trás começou a buzinar. No momento em que eles perceberam que eu estava a auxiliar uma senhora mais velha, pararam e começaram logo a pedir desculpa. “Ai, desculpa, desculpa. . . ” É assim que nós reagimos em relação às pessoas mais velhas. P: Não há lares de terceira idade em Luanda?N. M. : Neste momento, não posso dizer que não existam, porque temos muitos refugiados em Luanda, mas quando vim para Portugal, nunca tinha visto um asilo, não sabia o que isso era. M. C. S. : A Nayma chama “asilo” e nós chamamos “lar de terceira idade”. Aqui está a diferença do “cota” em África e do “cota” na Europa e em Portugal. O asilo é uma coisa muito mais negativa. Esta história da língua, para mim que sou professora, é muitíssimo interessante. P: Essa é a principal diferença entre envelhecer em Luanda e em Lisboa: os velhos não estarem sozinhos nos anos finais da vida?N. M. : Talvez. Não quero fazer uma acusação e dizer que todos os idosos são abandonados em Portugal. Talvez se deva ao facto de em Angola termos uma população muito jovem, e por isso cuidamos tão bem dos nossos idosos. A população em Luanda acima dos 65 anos é de 2%. P: É verdade que a pele negra envelhece melhor do que a pele clara?N. M. : Parece que sim. Parece que a melanina tem um peso muito grande na elasticidade da pele. A minha mãe é bióloga, poderia explicar melhor. Estou em crer que sim. Quando me deparo com colegas minhas da minha idade, a pele delas tem uma aparência completamente diferente da minha. Penso que já está provado: quanto mais melanina se tem, mais elástica é a nossa pele e menos tendência tem para envelhecer. P: A Maria João está no meio: se lhe pedisse uma palavra para definir que mulher era aos 20, aos 40 e agora aos 60 anos, qual seria?M. J. : Acho que diria a mesma. Eu sempre achei uma festa fazer anos. Fiz 20, hey! Fiz 30, oh! oh! Fiz 40, ah! Fiz 50, fiz 60, eh! eh! Sempre foi uma felicidade, nunca foi um peso para mim. Sinto-me sempre surpresa quando falamos disto e é a primeira vez que participo numa entrevista em que se fala sobre a idade. Porque eu, realmente — juro! — não penso nisso. Não é que não queira pensar porque tenho medo. Não costumo pensar. Como tudo funciona ainda bem… Olho para trás e vejo que a João dos 20 anos era a mesma coisa dos 30. OK, nos 30 tive o meu filho, portanto, talvez tenha ficado com mais essa responsabilidade, de tomar conta, ajudar a crescer e criar uma outra pessoa, e depois com 50… Julgo que sou a mesma pessoa. Mas se calhar há uma diferença entre aquilo que julgamos e aquilo que somos de facto — e aquilo que queremos. Eu gostaria de manter-me a mesma pessoa, de achar que continuo a ser a mesma João, com os mesmos defeitos e as mesmas qualidades. P: Hoje quer as mesmas coisas que queria há 30 anos?M. J. : Quero ser feliz, quero ser saudável, quero que me deixem fazer as coisas que eu quero, quero ser livre, quero não ter problemas, quero poder amar, não ter problemas para que possa fazer tudo, inclusive amar, porque quando temos problemas, financeiros, por exemplo, não conseguimos nem amar. É isso que eu ambiciono, mas julgo que sempre ambicionei. Quero um dia de sol, quero poder correr, quero que o meu filho esteja saudável, os bichos que eu tenho, os meus amigos…P: Quando vai em digressão — com os concertos, as noites e o peso físico que isso implica — faz coisas diferentes do que fazia há uns anos?M. J. : Não, eu continuo a fazer directas. Uma pessoa chega toda rota ao destino final, mas sempre cheguei toda rota aos destinos finais, porque directas não se fazem, nem agora nem em altura nenhuma. Mas continuo a fazer, tem de ser…P: Não canta a seguir a uma directa…M. J. : Então não!? Tem de ser! Se hoje tenho um concerto em São Paulo e a seguir um em Buenos Aires e se eu não fizer directa já não posso fazer… Não posso fazer o quê?! Claro que vou! Sou viciada em música, eu amo música, e por isso faço estas coisas. P: Quando é que fez a sua última directa em palco?M. J. : Em palco… cantar logo a seguir? Bom, eu arranjo sempre um bocadinho à tarde para desinchar! Para desinchar e para dormir um pouco. Não, não pode ser chegar e fazer o concerto. Isso nem se consegue, porque a voz não sai. Há uma diferença entre aquilo que nós queremos ser e aquilo que somos de facto. Mas o querer ser ajuda. E eu quero ser esta mesma pessoa. Quero as mesmas coisas. Eu quero e, como quero — e isto tem muita força. . . M. C. S. : Querer é poder…M. J. : Como quero, sou. P: No seu caso, faço a pergunta ao contrário: quando tinha 20 anos, como é que imaginou a mulher que seria se chegasse aos 80?M. C. S. : Nunca imaginei. Tenho uma relação bastante amistosa com o passar dos anos…M. J. : . . . “Relação amistosa. ” Não me vou esquecer. M. C. S. : Tenho boas razões para isso. Tenho uma mãe que morreu com 24 anos, com a praga da tuberculose — aliás, a minha avó materna perdeu os dois filhos que tinha. A minha mãe eu não conheci, mas o meu tio, que conheci, morreu dez anos depois com a mesma doença. A vida para mim é um dom, um dom que eu tenho de apreciar, dar muitas graças a Deus, permanentemente. Com 20 anos, eu estava debaixo daquela marca, porque fui criada de uma maneira um bocado calamitosa. Não fui criada com a minha avó. Fui criada com uma mulher da idade da minha mãe, irmã do meu pai, minha tia, em Lisboa, enquanto a minha avó permaneceu no Algarve. A minha avó — e percebe-se: quando eu tinha dez anos, morre-lhe o outro filho — eu espirrava e ela levava-me a Fátima. Costumo dizer: as avós levam os netos ao médico, a minha levava-me a Fátima. Isso fez de mim uma criança um bocadinho frágil, uma criança muito magrinha, assim como a Nayma — agora já sou mais anafadinha —, [uma criança com] um problema que só a Audrey Hepburn, com quem durante uns tempos me achei parecida, é que me salvou, porque a minha avó dizia, quando ela apareceu, muito magrinha. . . P: Uma revelação, Audrey Hepburn…?M. C. S. : Do meu marido eu digo que é parecido com o Cary Grant e ele diz: “A minha mulher era parecida com a Audrey Hepburn. ” Portanto, com 20 anos, tinha essa espada em cima da cabeça. Depois passou-me. Quando cheguei aos 30, já tinha dois bebés e isso saiu-me completamente da cabeça. E depois aos 40 continuei a fazer anos. Continua a ser um presente, portanto eu celebro. Tenho todas as razões para celebrar a vida. Há pouco perguntava à Nayma como é que se envelhece: eu lembro-me que quando a minha avó foi ao meu casamento, não tinha 70 anos ainda, as fotografias mostram uma velhinha, uma velhinha carcomida. P: É a alimentação, o tipo de vida?M. C. S. : Não sei. A minha avó, apesar de ser essa velhinha antes dos 70, viveu até aos 90 e, com esses desgostos grandes, todos os dias a vi dar uma gargalhada e a chorar ao lembrar-se dos filhos que tinha perdido. P: Todos os dias chorava e ria?M. C. S. : Todos os dias chorava e ria. São as faces fundamentais da vida. Uma mulher que chega aos 90 anos, sozinha (o meu avô também já tinha morrido) e que consegue todos os dias dar uma gargalhada, mas uma gargalhada franca, com alguma coisa que alguém dizia, e todos os dias tinha a memória daquilo que tinha perdido. O que tinha perdido nunca a impediu de dar uma gargalhada à vida. Foi ela que me ensinou a envelhecer. P: O seu marido foi primeiro-ministro a primeira vez em 1985 — estamos a falar de 33 anos à frente das câmaras de televisão e sob escrutínio público…M. C. S. : … Pior para ele. P: Isso impôs-lhe uma disciplina particular?M. C. S. : Não. Não me impus nenhuma disciplina. Aliás, falava-se muito nas “gaffes da Maria Cavaco Silva” porque eu continuava a ser a tal criatura…M. J. : … Isso fazia parte do seu charme. M. C. S. : Não pensar, dizer. Não me impus nenhuma disciplina porque isso não tinha a ver com a minha maneira de ser. P: Disciplina no sentido de ter de cuidar de si. . . M. C. S. : Não, não cuidava muito de mim. Tentava apresentar-me arrumadinha, gosto de ser uma velhota arrumadinha. Não me “produzia”, porque não é a minha profissão, a minha é ser professora. Talvez tenha tido mais cuidado quando o meu marido foi Presidente. Enquanto o meu marido era primeiro-ministro, eu trabalhava muito. Mas quando o meu marido foi eleito Presidente, achei que podia ser considerada uma certa imagem da mulher portuguesa e aí já tinha cuidado. Também já era mais velha. P: O que é essa “certa imagem da mulher portuguesa”?M. C. S. : Eu não sabia qual era a imagem da mulher portuguesa. Não há propriamente uma imagem da mulher portuguesa, da mulher inglesa… Eu achava é que as outras pessoas, quando eu viajava — e viajávamos muito — quando olhassem para mim, iam dizer: “Esta é uma imagem-padrão da mulher portuguesa”; “a mulher portuguesa é assim”. Achava eu que eles podiam pensar isso e portanto eu tinha de dar. . . eu dava, no fundo, a imagem daquilo que eu era. . . P: Concordam? Maria Cavaco Silva é a imagem-padrão da mulher portuguesa?M. J. : Acho que sim. N. M. : Também acho que sim. M. J. : E durante muito tempo representou-nos e eu senti sempre orgulho quando olhava para si. M. C. S. : Ai, esta é bonita!. . . M. J. : Sentia-me bem representada. Como mulher portuguesa — enfim, sou meio-meio — sentia-me bem representada por si. P: Para Nayma, o que é “a mulher portuguesa”?N. M. : É uma mulher altiva, por norma fala…M. J. : … pelos cotovelos!N. M. : E é uma mulher muito forte. Nesse aspecto, a mulher portuguesa e a mulher angolana são muito parecidas. São mulheres muito batalhadoras, bastante trabalhadoras, e acima de tudo altivas. O português, de um modo geral, tem esta coisa de falar assim um pouco… de cima. E eu gosto muito desta característica. M. C. S. : A propósito de a Nayma dizer que a mulher portuguesa é altiva, lembro-me de que, na Bulgária, não havia primeira-dama, porque ela não queria, era muito nova, com filhos… e o gabinete [do Presidente] tinha só mulheres, talvez para compensar. Uma delas veio ter comigo — ainda hoje mantemos contacto por e-mail — para dizer: “Sabe o que dizem aqui de si? She walks like a queen. ” Não é que seja mais importante ser rainha… É claro que eu caminhava melhor do que a rainha de Inglaterra caminha actualmente, mas ela continua a caminhar!P: A Maria João está quase a ter descontos nos comboios, nos teatros…M. J. : … Ai, que horror!. . . P: … nos cinemas, nos museus…M. J. : … Ai, que horror!. . . M. C. S. : Recuse os descontos!P: Justamente, é essa a pergunta: vai pedir “bilhete de terceira idade” ou vai fazer de conta?M. J. : Acha?! Nunca!M. C. S. : Tenho uma amiga que fez isso durante muitos anos! Recusou bilhetes mais baratos para não dizer que tinha mais de 65 anos. N. M. : Mas porquê…?!M. J. : Porque estas pequenas coisas acabam por nos influenciar. Uma vez, quando o Mário Laginha partiu um pé, eu andava a empurrá-lo nos carrinhos dos aeroportos, ele sentava-se e eu empurrava. Depois ele precisava de ir à casa de banho e eu dizia: ‘Mário, vai à casa de banho dos deficientes. ’ E ele dizia: ‘Não vou nada. ’ Eu dizia isto para o picar, mas eu compreendo, uma pessoa não quer. . . Nunca hei-de ter esses descontos. Quero lá saber!M. C. S. : Afinal essa minha amiga não está sozinha…N. M. : Eu vou usar os descontos. M. J. : O que é que é isso?!N. M. : Vou, vou. Fiquei tristíssima quando perdi todos os meus privilégios de ter menos de 25 anos. Portanto, quando chegar aos 65, vou aproveitar todos. M. J. : Isso vai influenciar-te…N. M. : Não influencia nada. M. J. : Vais ver. Vais para a fila e ao teu lado estão as pessoas… “nha, nha, nha”…P: A Maria João não sente pressa, não sente que o tempo está a passar e que tem que fazer coisas?M. J. : Ai, não! Não sinto nada disso. Sinto os dias normalmente. Acho que isto acaba por nos influenciar. Se formos para uma fila dos 60, ao nosso lado só estão essas pessoas. Prefiro não. P: Não há filas separadas, é só dizer “tenho mais de 65” e mostrar o B. I. …M. J. : Era só o que faltava, não, não, não! Não, porque eu não me sinto assim e espero que não me façam sentir assim. Tudo o que está relacionado com mais idade e ter mais idade, nunca partiu de mim. Nunca pensei: “Ah, estou mais velha, portanto, oh…!” Já aconteceu, mas vem de fora, alguém que menciona. Apanha-me sempre de surpresa. P: Se calhar a expressão “terceira idade” já não se adequa e está na altura de inventar a “quarta idade”…M. C. S. : Ou quinta e sexta…! O professor Adriano Moreira é da terceira idade?M. J. : A única diferença que sinto dos 20 para agora é que, antes, eu era filha de alguém e depois passei a ser mãe de alguém. Depois de os meus pais faleceram, fiquei “a mãe”, a mãe de alguém. Isso eu senti. Isso foi duro. Deixei de poder dizer: “Oh mãe, eu…” Isso desapareceu. P: Há pouco utilizou a expressão “velhota”. Velhota, velha, idosa, pessoa da terceira idade… Qual é a melhor palavra?M. C. S. : Cada pessoa usa a sua. Eu acho graça à palavra velhota. Terceira idade já não faz grande sentido, como estávamos a dizer. Pessoas como o Adriano Moreira, o Eduardo Lourenço…M. J. : … “Cotinha”… gosto de “cotinha”…M. C. S. : … pessoas com mais de 90 mas que não atiraram a toalha ao chão. Quando digo isso, é por graça. Mas [os anos] estão todos cá. É a tal história do escadote: posso querer subir o escadote, mas se subir pode correr mal e vai doer aqui, vai doer ali, e posso “despencar-me”, como dizem os brasileiros, do escadote abaixo. P: Nas três fases diferentes em que estão, que truques usam para enfrentar o envelhecimento? É a taça de mirtilos diária, é a vitamina B12, é fazer sudoku, desporto, rir e chorar?…M. J. : Comer bem e compreendermos o nosso corpo. Isso é muito importante. Como cantora, preciso de compreender o meu corpo. Como é que ele funciona, o que é que me faz estar cansada, o que posso fazer para melhorar, para colocar a voz bem, o que posso fazer pelo meu corpo. Essa compreensão que eu ganhei, muito por ser cantora e por praticar desporto desde sempre, é muito importante. Se nos compreendermos bem, sabemos ajudar o corpo e a cabeça a caminhar todos os dias. P: Isso exige alguma autocontemplação…M. J. : Não. P: Como é que se faz?M. J. : É viver. Ouvir, ouvir o meu corpo, ver como ele funciona. Dói, não dói, o que falta. P: Estuda os alimentos?M. J. : Agora, sim, tenho cuidados, sou vegetariana. Não é por estar mais velha, é porque tomei consciência da forma como os humanos tratam os animais, que é inadmissível, e causa-me uma dor, uma revolta que é insuportável para mim. A maneira que eu tenho de protestar é não comer carne, não comer peixe, comer coisas saudáveis. Tenho um filho e tenho cães e, portanto, tenho que ir ao talho, porque eles comem carne. Mas se é frango, compro frango do campo, se é ovos, compro biológicos, se é queijo, é biológico. Tento que a minha passagem nesta vida esteja sempre ligada a boas coisas e não à tortura e ao sofrimento. P: Há um estudo que dá como explicação para a extrema longevidade dos japoneses — que têm o recorde mundial de centenários, mais de 65 mil — o facto de terem começado a comer carne. . . M. J. : Eles, se calhar, tratam melhor os seus animais; se calhar, não fazem as barbaridades que nós fazemos. . . P: Os seus truques, Nayma?N. M. : Vou dar uma resposta um bocado cliché, mas acho que tem mesmo a ver com a felicidade. Não troco a mulher que sou hoje pela mulher que era quando tinha 20 anos. Aprendi a estar comigo, a entender-me melhor, aprendi a dizer “não”. Antes, dizia “sim” com muito facilidade, mesmo quando pretendia dizer “não”. E isso deu-me uma serenidade e uma forma de estar, comigo e com os outros, que faz com que me sinta muito mais feliz. Esse é o primeiro passo. Depois, tal como a Maria João, pelo pai que tenho, fui obrigada a praticar desporto. O bem-estar físico é essencial, uma boa alimentação é essencial. Mas a nossa longevidade passa muito por sermos um pouco rebeldes, por termos a capacidade de dizer “não” e gostarmos muito, primeiro, de nós, tratarmo-nos bem. Só assim conseguimos estar bem na sociedade. Eventualmente, ganhar alguns cabelos brancos, que acho bonitos, ganhar algumas rugas. P: Os cabelos brancos serão bonitos, mas noto que todas pintam o cabelo…N. M. : Eu não pinto o cabelo. Já tenho alguns cabelos brancos, mas o meu cabelo é muito escuro. P: Não vai pintar daqui a uns anos?N. M. : Não. Quando a minha mãe pintou o cabelo [para tapar os brancos], eu e os meus irmãos tivemos uma atitude… não agressiva… mas ficámos revoltados, porque achámos que ela tinha de envelhecer naturalmente, com os seus lindos cabelos brancos, que mantém até hoje. Acho que é a melhor forma, aceitarmos o que vem com a idade. Não tenho nada contra os sinais do envelhecimento. P: E a Maria João?M. J. : Acho que fico muito feia com cabelos brancos. Tenho muito pouquinhos, como a minha mãe, mas não gosto de me ver, acho que fico baça, ficamos sem brilho. P: Identifica-se?. . . M. C. S. : Não, não foi tanto isso. A Nayma não vai cumprir, quase de certeza. M. J. : Não vai quê?P: Cumprir…M. J. : Também acho que não. M. C. S. : Vai ficar escrito e gravado e daqui a uns anos vemos!… Começaram a aparecer muitos cabelos brancos quando eu era bastante nova. Tinha uns 30. Quando fiz os 40, disse: “Acabou. ” Comecei por fazer riscas…. Agora, é capaz de ser mais difícil, porque me habituei a não ser baça. M. J. : Castanho é mais bonito do que cinzento. O cinzento é uma cor mortiça. M. C. S. : Há pessoas que ficam muito bem todas brancas. A Barbara Bush, que morreu agora, começou muito cedo, porque teve um problema na vida que fez com que ela, um pouco como a Maria Antonieta — um desastre dos pais e uma filha que morreu com uma leucemia muito bebé e [tudo] isso foi muito próximo — assumisse. Eu achava que ficava bem, não a imaginava de outra maneira. Não era por ter o cabelo branco que parecia mais velha. Mas há uma coisa que eu queria dizer, porque elas não têm experiência: o que nos envelhece, francamente, é a falta de saúde. Agora tive essa experiência: fiz a festa para celebrar os meus 80 anos e, das minhas amigas, quase ninguém pôde estar. Umas tinham morrido, outras estavam doentes ou em lares — os “asilos” — por causa de problemas de saúde graves. O que nos envelhece a sério é quando temos um problema de saúde grave. A saúde é um bem a que eu tenho de agradecer todos os dias. As pessoas dizem: “Mas todos os dias?” Agradeço todos os dias. Quando olho para o espelho de manhã, agradeço. P: Reza todos os dias?M. C. S. : Sim, sim, rezo todos os dias. P: Agradece especificamente o facto de ter saúde?M. C. S. : Agradeço a Deus tudo, mas sabendo que essa é uma das graças. Ter saúde, e o meu marido também, estarmos os dois bem, estarmos os dois um com o outro, porque quando desaparece um… é complicado. P: Fala sobre a viuvez com o seu marido?M. C. S. : Não, não falamos sobre a viuvez, mas falamos muito sobre a doença. E dizemos… O meu marido tem uma coisa que é dizer: ‘Hum. ’ E eu digo: ‘Um, não: dois. ’ E rimos. E dizemos sempre: “Dois é muito melhor do que um. ”P: Isso é uma forma de não falar da morte. . . M. C. S. : Não. É uma forma de agradecer o facto de estarmos os dois ainda. Também não somos assim tão velhos, [mas] sabemos de muitos dos nossos amigos em que já está só um. . . P: Estatisticamente, são sobretudo as mulheres que ficam viúvas. M. C. S. : Porque são mais valentes, lá está, como nós dizemos. M. J. : Sim, somos mais valentes. P: É difícil falar da morte?M. C. S. : É, é difícil falar da morte. Para a minha avó, e para a sua geração, não era. A minha avó nasceu no fim do século XIX e morreu em 1984 — a morte era uma grande naturalidade. As pessoas morriam em casa, na aldeia, fazia-se o velório em casa, era uma grande naturalidade. A nossa contemporaneidade chuta a morte para debaixo do tapete. Mas temos que nos habituar a saber que é para todos. Mas como a Maria João dizia, enquanto estamos bem, temos de aproveitar. Porque sabemos que tudo vai acabar. Para mim, não acaba tudo, porque tenho fé, há um outro lado. Mas não, não é uma coisa que as pessoas… à Maria João é melhor nem lhe perguntar!P: A sua avó não terá lido o Séneca…M. C. S. : Não leu o Séneca!…P: É talvez o filósofo que mais escreveu sobre a morte e que falava, justamente, sobre a naturalidade da morte. . . M. C. S. : A minha avó não considerou natural perder uma filha com 24 anos e um filho com 26. Isso não era natural. Os filhos morrerem à frente dos pais não é natural. E ela, coitada, foi confrontada com isso e passou décadas da sua vida sem filhos. Quando eu nasci, a minha avó tinha 44 anos. P: Outra coisa que o Séneca diz aos amigos é: “Estuda a morte”, “ensaia a morte”. Faz sentido esta ideia de estudar a morte para a recebermos de forma natural — a ideia de saber “viver bem” e saber “morrer bem”?M. C. S. : Depende do que nos acontecer em termos do tipo de doença. . . Eu não gostava nada de morrer num acidente de carro. Era uma morte brusca de mais. Outro dia estava num sítio onde havia vários médicos e um disse: “Eu já decidi: quero morrer com Alzheimer, com um cancro, não. ” E porquê? “Porque com Alzheimer chateio os outros, com o cancro chateio-me a mim próprio. ” Este médico tem esta teoria. Eu não sei. Ninguém sabe. M. J. : Eu espero… já dei por mim a falar com o meu melhor amigo e a dizer: “Um dia que eu fique mesmo toda doente e se vires que eu não tenho safa, tu acaba comigo, ouviste? Porque o João, que é o meu filho, não vai ser capaz. Por isso, tu acaba comigo, que eu não quero isto para nada, por favor. ” Às vezes, nos meus momentos mais lamechas, penso: “Ah, aquelas pessoas que protestaram tanto a meu respeito vão sentir a minha falta e vão estar todas no meu funeral!” Que disparate…M. C. S. : Uma vez estive num debate onde estava o João Lobo Antunes, a Bárbara estava a apresentar aquele livro…P: Na FLAD, sobre imortalidade, da bioeticista Maria do Céu Patrão Neves…M. C. S. : E o João, que morreu novo e que teve um papel muito importante sobre o envelhecimento activo, disse: “Nós não sabemos o que vai acontecer. ” Acho sempre difícil dizer, como a Maria João diz: “Ai acaba comigo”. Sei lá!. . . M. J. : Mas eu estou a torcer [para que haja vida para além da morte]! Seria uma surpresa maravilhosa. Não sabemos. Pelo sim, pelo não, vou tirar o maior partido possível, agora que estou aqui. Não sei se há. Se aparecer, se acontecer outra vida, se continuarmos de alguma forma, será uma bela surpresa. Estou disponível para isso, mas não tenho a certeza. M. C. S. : Certezas não há. Há pessoas que dizem: “Ter fé é uma grande sorte”, mas não. A fé é a interrogação permanente. Estou a ler agora o [padre-poeta José] Tolentino [Mendonça], o retiro que ele preparou para o Papa Francisco [O Elogio da Sede, Quetzal, 2018]. E ele diz isso várias vezes: a crença é uma interrogação permanente, é um grande salto no vazio. Ajuda? Não ajuda? A um amigo que era franciscano, e estava gravemente doente, eu perguntava-lhe isso e ele dizia: “Dá-me impressão que não, que não ajuda, que complica muito, porque nós pomos, talvez, mais questões permanentes do que os ateus. ” Eu acredito e tenho muita fé nessa surpresa. M. J. : Em África é diferente. A vida e a morte estão muito próximas e os mortos coabitam connosco e estão presentes e influenciam-nos e nós sentimos a sua presença. N. M. : Posso falar só por mim? Eu lido muito mal com a morte. Além de gostar muito de estar viva, gosto muito de ter as pessoas que amo à minha volta. Lido muito mal quando perco alguma destas pessoas. Os meus pais, como já passaram dos 70, às vezes gostam de mandar aquelas bocas: “Nós não vamos durar para sempre. ” Nem esse tipo de frases gosto de ouvir. Agora falando de Angola, nós lidamos com os mortos de forma muito respeitadora, são feitas muitas celebrações relacionadas com a evocação do poder de quem já foi, porque acreditamos que eles estão sempre connosco. Recentemente, ofereceram-me uma máscara [de etnia] cuba, do Norte do reino do Congo, lindíssima, que me foi oferecida porque sou coleccionadora de máscaras. Quando fui estudá-la, descobri que é uma máscara de celebração de nascimento e de morte. Até a nossa própria arte liga o nascimento à morte. M. J. : Para nós, europeus — estou sempre a dizer “nós, europeus”, “nós, africanos”, é sempre uma mais-valia, isto de ser moçambicana e portuguesa — mas este peso na Europa, quando morre alguém, será que vem da religião católica? A culpa com que nós ficamos… Um peso, uma coisa horrível. Preferia encarar com uma maior leveza, como os africanos. M. C. S. : Não acho que seja da religião católica. M. J. : É uma pergunta que eu faço. . . M. C. S. : Uma das coisas más de envelhecer é que perdemos muitos amigos e muitos familiares. Acabamos por estar sozinhos. P: Sente essa solidão?M. C. S. : Talvez não sinta tanto porque somos dois, mas isso é difícil. Noto que a própria Igreja Católica e os padres jovens puxam-nos para cima, os funerais têm música, estamos mudando isso. P: Há pouco falou do livro sobre a bioética, que é muito interessante e assustador: sobre como a ciência se prepara para nos dar a imortalidade. Os olhos biónicos, os exo-esqueletos, as impressoras 3D que imprimem órgãos…M. J. : Pensem nesse sonho: uma pessoa está doente e tem um cancro e substitui o órgão, isso é uma boa notícia!M. C. S. : E a cabeça, e o miolo, e o que está cá dentro?M. J. : A nossa alma… é isso?. . . M. C. S. : Não só a nossa alma, mas o cérebro. M. J. : Onde é que fica a nossa individualidade? Aquilo que somos, eu, a D. Maria, a Nayma… se começarmos a substituir tudo?P: Imaginam-se a ter 500 anos?M. J. : Não, mas imagino-me a ter um problema num órgão e substituí-lo. Vou morrer se não o substituir. M. C. S. : Isso já se faz. M. J. : Mas não será para toda a gente. Mais uma vez, a saúde e a imortalidade será para as pessoas que têm posses. M. C. S. : As imortalidades que estão a construir não me interessam. A criogenia, essas partes, esses sobresselentes todos… Se isso fosse possível, já não era uma pessoa. Daqui a 500 anos, era um robô. M. J. : Mas se tiver, de hoje para amanhã – Deus queira que não –, um problema num pulmão, não substitui?M. C. S. : Sim. M. J. : É saber até onde é que vamos substituir as coisas. . . Até à capacidade do nosso bolso!M. C. S. : Já tenho amigos a viver com um coração novo. O seu colega da música, o Salvador Sobral, foi uma alegria. Para um jovem, é uma coisa fantástica. Para uma pessoa de 90 e tal anos, já não sei se será, não sei. M. J. : Será que, quando formos mais velhos, não nos vamos agarrar ferozmente a isto? E todos os dias levantamo-nos e dizemos: “Está um belo dia de sol!”? Eu, quando morrer, espero bem não morrer no Verão. Sentir-me-ia tão triste. Morrer no Outono, ainda vá. Agora no Verão…M. C. S. : A minha mãe morreu na Primavera. N. M. : Não acho nada interessante a ideia de imortalidade. Se o ser humano se torna imortal, o planeta não evolui, vamos ficar com um planeta repleto de pessoas com as mesmas ideias. O interessante da humanidade é a evolução, a diversidade. Podemos, como o Salvador, trabalhar a ciência para salvar os jovens…M. J. : E os outros menos jovens?N. M. : Calma, deixa-me terminar. Eu sempre disse que queria morrer cedo. Acho que o interessante é deixarmos uma história escrita, deixarmos algo. P: É isso que o Séneca diz: “A vida é como as histórias: o importante é como é feita, não se é comprida. Não importa em que momento a acabamos. Pára-a quando quiseres. Mas dá-lhe um bom fim. ”N. M. : Concordo. M. J. : Se pudermos decidir, porque a maior parte das mortes são péssimos fins: doentes, em dor, em sofrimento. A maior parte das mortes que eu vejo são assim. Isso não é nada desejável. Poder aceder à sua morte, poder planear e morrer em beleza, morrer saudável. Eu digo sempre: “Eu vou morrer, mas vou morrer saudável. ” A minha amiga, que fuma, fuma, fuma, diz: “Eu hei-de morrer toda podre. ”P: É a favor da eutanásia?M. J. : Acho que sim. As pessoas têm de ter o direito de escolha. E de decidir. Mais uma vez: nós sabemos de nós. Eu amo a vida, penso que nunca me irá acontecer, a não ser que esteja profundamente doente e em pleno sofrimento. E se eu estiver em pleno sofrimento e se não tiver um caminho para ir, se não tiver… no purpose… nenhum propósito, e se eu escolher, espero que me respeitem. Agora estarem em cima de mim, a proibirem-me, “não, não, não pode porque, porque, porque. . . ” Deixem-me escolher. Mas este é um tema muito profundo. P: E no seu caso?M. C. S. : Sou contra esta visão da eutanásia à escolha, porque muitas pessoas acham que vai ser óptimo, mas o resultado não tem sido tão bom, aquela rampa deslizante tem sido tremenda. Já temos muitos meios, e teremos mais com certeza, para dar uma morte tranquila. Mas também acho que não é neste tipo de conversa que vamos pôr em jogo todas essas…M. J. : …É muito profundo, não há certezas absolutas, não é? É um assunto demasiado delicado, demasiado forte…P: A socióloga Maria Filomena Mónica diz que durante muito tempo se opôs à eutanásia e que o que a fez mudar de opinião foi ver a morte de dois amigos e da sua mãe. M. J. : Há essa pequena coisa. Imaginem-se lá: completamente em pleno sofrimento, não vamos sair dali, temos um cancro terminal, não há um caminho e é só sofrimento a nossa vida, e se eu escolher, se eu escolher em plena lucidez, eu quero terminar isto…M. C. S. : … Se está assim tão mal, a lucidez já não deve estar muito boa. M. J. : E se eu estiver lúcida? Se eu escolher isso, espero que não me venham dizer: “Não vais porque eu acho. . . ”P: Se o corpo está em sofrimento e já nem há lucidez, somos o quê?M. C. S. : Somos uma criação divina que encontrará o seu caminho. A falta de lucidez não nos deixa tomar decisões. Há a decisão, de que os meus filhos estão informados, que é dizer: “Nada de encarniçamentos terapêuticos. ” Mas ainda há muita coisa a fazer para a calma da morte. Tive vários casos a que assisti e percebi que isso foi bom, em que foi possível dar uma morte tranquila. P: Para acabar, se tivessem que escolher um único conselho sobre envelhecer bem, qual seria?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. N. M. : Para mim, é a felicidade. Começa de dentro para fora. M. J. : Para mim, também. Sermos o mais felizes que conseguirmos. Compreendermo-nos, respeitarmos os outros, respeitarmos a Terra em que vivemos, as outras formas de vida. É a felicidade, realmente. M. C. S. : Talvez recordasse o exemplo da minha avó: conseguir todos os dias ter uma gargalhada e lágrimas, que também fazem parte da felicidade.
REFERÊNCIAS: