Na República Centro-Africana, a limpeza étnica está a ser feita às claras
Perseguições e assassínio de muçulmanos sucedem-se desde o início do ano. Milícias cristãs vingam-se de meses de abusos. Amnistia Internacional critica falta de "vigor" das forças internacionais. (...)

Na República Centro-Africana, a limpeza étnica está a ser feita às claras
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Perseguições e assassínio de muçulmanos sucedem-se desde o início do ano. Milícias cristãs vingam-se de meses de abusos. Amnistia Internacional critica falta de "vigor" das forças internacionais.
TEXTO: Soba Tibati mal podia andar por causa do reumatismo e não conseguiu fugir quando milícias anti-balaka atacaram em Boyali, aldeia a cerca de 130 quilómetros a noroeste de Bangui. “Decapitaram-no à minha frente, sentado numa esteira de palha, debaixo de uma árvore, fora da nossa cabana”, contou o filho, Dairu, que perdeu também outros 12 familiares, entre eles sete primos, incluindo uma bebé de seis meses. No ataque foram mortos 30 muçulmanos. Foi a 8 de Janeiro, logo depois de as forças Séléka, coligação de antigos rebeldes muçulmanos, que governou e impôs o terror no país entre Março e Dezembro de 2013, ter abandonado Boyali. O caso da família de Dairu, que ferido numa coxa conseguiu fugir, é um dos muitos documentados num relatório divulgado esta quarta-feira pela Amnistia Internacional sobre “limpeza étnica” de muçulmanos na parte ocidental da República Centro-Africana. Centenas de civis muçulmanos foram mortos e largos milhares têm sido forçados a fugir das perseguições das milícias anti-balaka, predominantemente formadas por cristãos que serão movidas por sentimentos de vingança pelos anteriores massacres da coligação Séléka. Organizações como a Human Rights Watch também já alertaram para o cenário de toda a população muçulmana, calculada em 15% do total, ter de deixar o país. A Amnistia documentou repetidos ataques e actos de terror contra muçulmanos civis ocorridos em Janeiro em Bouali, Boyali, Bossembélé, Bossemptélé, Baoro e Bawi, e também na capital, Bangui. E recolheu informações que considera credíveis sobre ataques em Yaloke, Boda e Bocaranga. “Para além de causarem morte e destruição, os ataques contra muçulmanos foram cometidos com a intenção declarada de forçar uma saída do país”, indica a Amnistia. Muitos anti-balaka consideram que os muçulmanos são “estrangeiros” que deveriam ser mortos ou abandonar o país. Os seus actos de violência levaram já à partida forçada de um elevado número – dezenas de milhares, segundo os investigadores no terreno. “Muitas localidades estão agora esvaziadas dos antigos habitantes muçulmanos”, denuncia a organização de direitos humanos, que classifica a situação como uma “tragédia de proporções históricas” que causa “danos tremendos” ao país e é um “precedente terrível” para a região. “Chacinadas à nossa frente”Exemplos da fúria sectária em nome de religião, em que à violência se responde com violência, não faltam. Em Baoro, cidade do noroeste, Oure, uma mulher muçulmana viu os quatro filhos e três sobrinhos, todos rapazes com idades entre oito e 17 anos, serem mortos pelos anti-balaka. “Mataram os meus filhos sem piedade”, contou. Oure, as duas irmãs, a mãe de 75 anos e sete dos mais novos da família tinham saído de casa para irem à mesquita, quando foram interceptados por uma milícia. “As crianças foram chacinadas à nossa frente”, disse, a soluçar. Foi a 26 de Janeiro. Um dos ataques mais mortíferos aconteceu em Bossemptélé, onde, a 18 de Janeiro, um dia após os Séléka terem partido, depois de vencida a resistência dos poucos homens armados que ficaram, pelo menos cem muçulmanos, quase todos civis, foram mortos, entre eles mulheres e idosos. “Em muitos casos os ferimentos mostram que as vítimas foram alvejadas a curta distância”, disse um médico que assistiu feridos e observou cadáveres. Um líder religioso local, imã Mahajir, 76 anos, contou à Amnistia que um filho se escondera debaixo da cama porque os anti-balaka estavam a matar todos os homens, mas foi encontrado e levado para um mercado onde o assassinaram a tiro. Ao genro mataram-no com uma catanada na cabeça. Mahajir agachou-se contra a parede “para lhes mostrar que não era ameaça para ninguém” mas um dos membros da milícia alvejou-o três vezes, duas no abdómen e uma num braço. Outro dos filhos levou-o para a mata e depois para junto da estrada, de onde, disse, “cristãos de bom coração o levaram para o hospital”. Dois dias depois, em Bossemptélé, foram mortas quatro muçulmanas que tinham sido escondidas em casa de uma família cristã. “Invariavelmente, são civis que têm suportado o peso da espiral de violência intercomunitária”, destaca a Amnistia. Nos ataques documentados pela organização pelo menos 200 muçulmanos foram mortos, centenas feridos. Numerosos cristãos perderam também a vida em represálias. O caso de Bayali confirma o carácter revanchista da violência. No mesmo dia em que Soba Tibati e os familiares foram mortos, os Séléka e civis muçulmanos armados voltaram, mataram cristãos e incendiaram casas. Seis dias depois, os anti-balaka regressaram e assassinaram seis membros de uma família muçulmana, todos mulheres e crianças. “Não se escondem”Donatella Rovera, conselheira sobre situações de crise da Amnistia Internacional, duas décadas de experiência no acompanhamento de conflitos, encontrou na República Centro-Africana uma situação diferente, que a impressionou. Ali, os defensores da limpeza étnica “não se escondem, dizem abertamente: nós queremos expulsá-los do país”, afirmou, numa entrevista telefónica ao PÚBLICO, a partir de Bangui. Os muçulmanos deste país encravado entre o Chade, o Sudão, o Sudão do Sul, a República Democrática do Congo, o Congo e os Camarões, são a minoria de uma população que as Nações Unidas estimavam em 2012 em 4, 6 milhões de pessoas. Os cristãos serão 50% e os seguidores de credos indígenas rondam os 35%. As preocupações com a violência sectária levaram o Conselho de Segurança das Nações Unidas a autorizar o envio de forças de paz. Estão no país, em Bangui e noutras cidades, 5400 efectivos de uma missão da União Africana e 1600 soldados franceses chegados em Dezembro. Para o início de Março está previsto o envio pela União Europeia de 500 militares. A sucessão impune de assassínios, violações e pilhagens levou inúmeros muçulmanos a partirem para os Camarões e o Chade, o que agravou os problemas de abastecimento alimentar porque – explicou um correspondente da BBC – eram eles a base da economia local, com expressão relevante em sectores como a pecuária. As organizações Oxfam e Action Against Hunger indicam que em Bangui permanecem menos de uma dezena de grossistas e que a maior parte admite partir, o que agravaria a escassez de alimentos básicos, tornando ainda mais penosa a situação de uma população que, segundo as Nações Unidas, come uma única vez por dia. O Programa Alimentar Mundial iniciou esta quarta-feira uma ponte aérea entre Doula, Camarões, e Bangui para transportar 1800 toneladas de víveres, o necessário para alimentar 150 mil pessoas durante um mês. Trata-se, explicou à AFP o porta-voz Alexis Masciarelli, de uma das mais importantes operações aéreas de emergência dos últimos tempos. Não é, apesar disso, mais do que um “balão de oxigénio”, admitiu. Dados das Nações Unidas indicam que 1, 3 milhões de pessoas precisam de ajuda alimentar imediata, principalmente as mais de 800 mil que estão em campos de deslocados, para cima de metade em Bangui. Quando Michel Djotodia, que presidiu à República Centro-Africana na fase Séléka, deixou o poder, a 10 de Janeiro passado, o número de deslocados e refugiados era já quantificado em mais de 900 mil. "Bandidos por toda a parte"A limpeza étnica é o capítulo mais recente da tragédia em que está mergulhada a tradicionalmente instável ex-colónia francesa, um dos países menos desenvolvidos do mundo. À tomada de poder pela coligação Séléka sucederam-se perseguições que custaram a vida a milhares de cristãos. “A falta de lei e natureza abusiva do seu governo deu origem a violência sectária e a ódio sem precedentes, com muitos cristãos a atribuírem a responsabilidade dos abusos da Séléka à minoria muçulmana no seu todo”, considera a Amnistia. O medo, a raiva e o desejo de vingança estimularam o aparecimento das milícias anti-balaka, que surgiram como grupos de auto-defesa contra os Séléka e das quais farão parte membros das Forças Armadas fiéis a François Bozizé, o Presidente afastado em Março de 2013. Quando os Séléka foram acantonados pelas forças francesas, encontraram campo livre para perseguirem muçulmanos. Os anti-balaka são reconhecíveis, segundo a AFP, por colares “anti-balas AK”, que os protegeriam das espingardas de assalto AK47. A expressão anti-balaka significa também em língua sango “anti-catanas” ou “anti-machados”. Estas milícias “não são algo de estruturado, são grupos de bandidos que actuam a nível local, espalhados um pouco por toda a parte, que fazem lei”, explica Donatella Rovera. O comandante da força francesa no terreno, general Francisco Soriano, referiu-se na segunda-feira aos anti-balaka como “os principais inimigos da paz” e disse que serão tratados como “bandidos”. Uma atitude mais activa para com as milícias é o que reclama a Amnistia Internacional, que acusa os militares estrangeiros de terem sido lentos a ocupar o vazio criado pela retirada dos Séléka. “Cidade após cidade, à medida que os Séléka partiram, os anti-balaka avançaram e lançaram violentos ataques à minoria muçulmana”, denuncia o relatório. A investigadora da Amnistia considera que a chave para travar a limpeza étnica está nas mãos das forças internacionais. “Mais forças são sempre necessárias”, disse, mas, importante mesmo, é que as que já estão no terreno sejam usadas “de maneira mais eficaz”. “Houve uma falha na avaliação da gravidade da situação. A avaliação que fizeram não acompanhou a evolução da situação no terreno. Não estavam onde eram necessárias e não agiram com o vigor necessário”, critica, pedindo vigilância, quer para evitar novos massacres e perseguições nas zonas onde já ocorreram, quer para impedir que comecem, designadamente na zona oriental, onde até agora os muçulmanos foram poupados a actos de vingança.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Violência inter-religiosa está de volta à República Centro-Africana
Ataques e pilhagens dos últimos dias são os mais sangrentos em muitos meses. O grande receio é de um regresso aos dias de terror de 2013-2014. (...)

Violência inter-religiosa está de volta à República Centro-Africana
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ataques e pilhagens dos últimos dias são os mais sangrentos em muitos meses. O grande receio é de um regresso aos dias de terror de 2013-2014.
TEXTO: Os relatos dos últimos dias variaram pouco: tiros noite e dia, ataques, pilhagens que não poupam casas particulares, mesquitas ou organizações humanitárias. Os mortos contam-se por dezenas em Bangui. O grande receio é que o pior possa estar para vir, que a violência sectária se propague ao resto da República Centro-Africana e regressem os dias de terror de 2013 e início de 2014, quando milhares de pessoas — calcula-se que cinco mil — foram mortas e dezenas de milhares fugiram das suas casas. É também essa a grande preocupação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, como disse o porta-voz Leo Dobbs, num encontro com a imprensa em que fez um balanço da nova vaga de violência que começou no sábado e é a mais sangrenta desde há mais de um ano: pelo menos 36 mortos, mais de cem feridos, 27. 400 deslocados. Destes, 10 mil acorreram ao campo existente junto ao aeroporto M’ Poko, na capital, onde havia já cerca de 11 mil pessoas. A Presidente, Catherine Samba Panza, encurtou a permanência em Nova Iorque, onde se deslocou para participar na Assembleia Geral das Nações Unidas. À chegada, na tarde desta terça-feira, ficou, segundo a Reuters, retida no aeroporto, devido a confrontos entre combatentes anti-balaka, predominantemente cristãos, que bloqueavam o caminho para a sua residência, e forças das Nações Unidas. Uma testemunha disse que dois helicópteros da missão miltar francesa voavam na área disparando contra a milícia predominantemente formada por cristãos. Na madrugada de terça-feira, ouviram-se tiros, que se prolongaram para além da hora de levantamento do recolher obrigatório, as 6h (mesma hora em Portugal Continental). Fonte militar disse à AFP que foram disparados por forças de segurança para dispersar grupos que faziam pilhagens e vandalizaram instalações de organizações não-governamentais, das quais havia sido retirado o pessoal por questões de segurança. Entre os alvos estiveram a Première Urgence, a Cordaid e o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas. Um sinal da dificuldade das forças internacionais em controlar a situação no país onde as granadas são mais baratas do que a Coca Cola, foi o apedrejamento de carros da Missão das Nações Unidas na República Centro-Africana (Minusca). Instalações de forças de segurança, do ministério da Defesa e da rádio estatal foram também alvo de actos de violência, segundo o diário francês Le Monde. A maior parte dos funcionários da ONU tiveram de sair das suas casas por razões de segurança. Esta terça-feira, pelo terceiro dia consecutivo, a capital esteve, segundo a AFP, paralisada por barricadas levantadas por manifestantes que reclamam a demissão de Samba Panza, devido à vaga de violência. Muitos residentes fecharam-se em casa. Na noite anterior cerca de 500 reclusos fugiram das prisões, segundo a representação das Nações Unidas. Serão, na sua maior parte, membros das milícias anti-balaka que em 2013-2014 desencadearam uma campanha de vingança por anteriores massacres da coligação de antigos rebeldes muçulmanos Séléka, liderada por Michel Djotodia, que, em Março de 2013, derrubou o Presidente François Bozizé e tomou o poder que manteve até Janeiro de 2014. No auge da perseguição a muçulmanos, organizações como a Amnistia Internacional chegaram a denunciar uma “limpeza étnica” às claras na parte ocidental do país. Ao contingente da ONU juntaram-se no auge das perseguições forças francesas. A morte de um jovem muçulmano condutor de moto-táxi, degolado no bairro PK-5, maioritariamente islâmico, foi, segundo habitantes ouvidos pela AFP, o detonador da violência que se propagou a bairros limítrofes. Um dado que fez aumentar as preocupações: há informações sobre a chegada à capital de novos grupos anti-balaka. Antes de chegar a Bangui, a Presidente multiplicou-se em declarações. À BBC adiantou que as eleições previstas para Outubro serão adiadas – antes da vaga de violência estava marcado um referendo à nova Constituição, no dia 4, e a primeira volta das presidenciais, no dia 18. À rádio francesa RFI apontou, numa clara alusão a Bozizé e Djotodia, apontou o dedo a “antigos dirigentes que querem voltar ao poder “ e que sabem que não o conseguem por via eleitoral.
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Entidades ONU
Ataque da Al-Shabab mata quatro funcionários da UNICEF na Somália
Morreram sete pessoas e quatro ficaram gravemente feridas numa explosão à bomba contra uma carrinha das Nações Unidas. A região de Puntland, no nordeste do país está assolada com fugitivos da Al-Shabab. (...)

Ataque da Al-Shabab mata quatro funcionários da UNICEF na Somália
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Morreram sete pessoas e quatro ficaram gravemente feridas numa explosão à bomba contra uma carrinha das Nações Unidas. A região de Puntland, no nordeste do país está assolada com fugitivos da Al-Shabab.
TEXTO: Quatro funcionários da UNICEF morreram e outros quatro ficaram gravemente feridos numa explosão que atingiu o autocarro em que viajavam, na região de Puntland, no nordeste da Somália. O ataque matou sete pessoas e foi reivindicado pela Al-Shabab, o grupo islamista somali com ligações à Al-Qaeda e que no mês passado matou 148 pessoas numa universidade no Quénia. De acordo com informações governamentais à Al-Jazira, o ataque matou também dois seguranças somalis e uma sétima vítima que ainda não foi identificada. Todos seguiam a bordo de uma carrinha das Nações Unidas que fazia a viagem entre a residência dos funcionários e a sede da agência. Não existe ainda nenhum relato oficial sobre a maneira de como foi conduzido o ataque. A Al-Jazira afirma que a Al-Shabab detonou uma bomba no interior da carrinha por controlo remoto. Já o diário norte-americano New York Times diz que a bomba estaria na margem da estrada. Em comunicado, a UNICEF condenou o ataque e diz que este foi dirigido, como se lê, contra funcionários “dedicados a melhorar a vida de outros”. A Al-Shabab já conduziu vários ataques contra funcionários das Nações Unidas na Somália. Mas estes ataques acontecem sobretudo na região sul do país, onde a presença dos islamistas é mais forte, e em especial na capital da Somália, Mogadíscio. “O ataque em Garowe foi da nossa autoria”, disse à Al-Jazira um responsável da Al-Shabab. “Tivemos como alvo o nosso inimigo, as Nações Unidas”, acrescentou. As Nações Unidas colaboram com o Governo da Somália e com a missão da União Africana que combate a Al-Shabab. Os ataques dos islamistas na capital do país causaram um êxodo de centenas de milhares de somalis que fugiram – muitos deles para o norte do país – de maneira a evitar o bastião dos rebeldess. Só nos últimos cinco meses, afirma a Al-Jazira, terão fugido da capital da Somália cerca de 400 mil pessoas. Um dos destinos comuns é a região semi-autónoma de Puntland, onde nesta segunda-feira se deu o ataque contra o veículo das Nações Unidas e onde ataques da Al-Shabab são raros. O Governo da região diz que é incapaz de lidar com as vagas de refugiados da zona sul do país. “Estamos muito preocupados com o grande número de deslocados que entram nas nossas cidades”, afirmou Abdi Aware, ministro do Governo de Puntland, à Al-Jazira. Um número que pode vir a aumentar num curto espaço de tempo. Como resposta aos ataques da Al-Shabab à Universidade de Garissa, o Governo queniano ordenou às Nações Unidos que deslocassem o campo de Dadaab para a Somália num espaço de três meses. O campo de Dadaab é o maior campo de refugiados do mundo e alberga cerca de 600 mil somalis no Quénia.
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Palavras-chave campo ataque
Médicos Sem Fronteiras anunciam saída da Somália ao fim de 22 anos no terreno
Organização não governamental estava neste país desde 1991, mas considera que não há condições para continuar a trabalhar (...)

Médicos Sem Fronteiras anunciam saída da Somália ao fim de 22 anos no terreno
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Organização não governamental estava neste país desde 1991, mas considera que não há condições para continuar a trabalhar
TEXTO: A organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou que vai encerrar todos os seus programas na Somália, após 22 anos a trabalhar naquele país africano, por causa dos “ataques brutais contra o seu pessoal. ”O anúncio foi feito esta quarta-feira pelo presidente internacional dos MSF, Unni Karunakara. “Em alguns casos, os actores com quem a MSF tem de negociar as garantias mínimas para que as suas missões médicas e humanitárias sejam respeitadas, têm tido um papel importante nos abusos contra o pessoal da MSF, seja através do envolvimento directo ou da aprovação tácita dessas acções”, acusou num comunicado divulgado esta terça-feira. Isto tem acontecido no Sul e no Centro da Somália – áreas sob o controlo da milícia islâmica Al-Shabab, com ligações à Al-Qaeda – mas também noutras zonas, diz o presidente internacional dos Médicos Sem Fronteiras, organização que estava a trabalhar na Somália sem interrupções desde 1991, quando se iniciou a guerra civil. “Os MSF têm mais de 1500 pessoas a trabalhar na Somália, onde grande parte da população sempre viveu numa situação de guerra e fome”, explicou Unni Karunakara. Já morreram 16 trabalhadores dos Médicos Sem Fronteiras na Somália e houve dezenas de ataques contra o seu pessoal, ambulâncias e instalações médicas. Os mais recentes incidentes foram o homicídio de dois membros dos MSF em Mogadíscio, em Dezembro de 2011, e “a libertação do seu assassino, mais cedo do que a pena a que tinha sido condenado”, sublinha Karunakara. Dois outros elementos desta organização não governamental foram raptados no campo de refugiados somalis em Dadaa, no Quénia e levados para a Somália, num cativeiro de 21 meses, que só terminou no mês passado, conta no comunicado divulgado esta terça-feira. A saída de campo dos Médicos Sem Fronteiras, analisa a BBC, será um duro golpe para o Governo do Presidente Hassan Sheikh Mohamud, que controla apenas a capital e mesmo assim com esforço. Uma força de 18 mil tropas da União Africana está no país para reforçar a sua administração – que é a primeira a ser reconhecida pelos Estados Unidos e pelo Fundo Monetário Internacional em mais de duas décadas.
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Étnia Africano
Somália está a sofrer surto explosivo de poliomielite
Médicos Sem Fronteiras retiraram-se por não haver segurança no país, em grande parte controlado por milícia islâmica Al-Shabab. (...)

Somália está a sofrer surto explosivo de poliomielite
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: Médicos Sem Fronteiras retiraram-se por não haver segurança no país, em grande parte controlado por milícia islâmica Al-Shabab.
TEXTO: A Somália está a sofrer um “surto explosivo” de poliomielite e agora este país do corno de África tem mais casos do qualquer outra nação do mundo, alertou um responsável da Organização Mundial de Saúde. A situação é especialmente grave porque esta semana os Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciaram que se retiravam do país, por causa dos “ataques brutais contra o seu pessoal”. Nas áreas controladas pelas milícias islâmicas Al-Shabab, sete em cada dez crianças não estão vacinadas contra a poliomielite – uma doença que está quase erradicada da face da terra através da imunização. Actualmente é considerada endémica apenas em três países: Afeganistão, Nigéria e Paquistão. A Índia foi riscada da lista de países ainda martirizados pela doença também conhecida como paralisia infantil em Fevereiro de 2012. Na Somália foram registados 105 casos até sexta-feira, e dez outros num campo de refugiados somalis no Quénia, diz a Associated Press. Em todo o mundo, foram registados 191 casos de poliomielite este ano, incluindo estes na Somália e no Quénia. O vírus que está na origem desta doença espalha-se quando há falta de esgotos e água limpa. Invade o sistema nervoso e pode causar paralisia. A campanha de vacinação iniciada em Maio chegou a quatro milhões de pessoas na Somália, mas há 600 mil crianças que vivem em áreas do Sul e Centro do país controladas pelas milícias islâmicas às quais as vacinas dificilmente chegarão. Durante a seca e fome de 2011, a Al-Shabab – relacionada com a Al-Qaeda – proibiu o acesso da maior parte das agências e organizações não governamentais às áreas do país que controlava. Os MSF tinham mais de 1500 pessoas a trabalhar na Somália, explicou Unni Karunakara, presidente internacional da organização. Mas resolveram retirar-se do país, após 22 anos lá, porque o seu trabalho se tornou cada vez mais impossível. Nestes anos morreram 16 trabalhadores desta organização, que foi alvo de dezenas de ataques contra o seu pessoal, ambulâncias e instalações médicas. Recentemente, os ataques tornaram-se mais constantes e violentos. “É muito perturbante, porque este surto é explosivo”, comentou à agência noticiosa norte-americana Oliver Rosenbauer, porta-voz da Iniciativa para a Erradicação da Poliomielite da Organização Mundial de Saúde. A poliomielite é uma doença em desparecimento. Em 2012 foram registados apenas 223 casos, quando em 1988 eram 350 mil em todo o mundo. Há seis anos a doença não existia na Somália.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave campo fome doença infantil
Militares franceses suspeitos de abuso sexual de crianças na República Centro-Africana
Um responsável do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos foi suspenso por ter transmitido relatório sobre o caso às autoridades francesas. (...)

Militares franceses suspeitos de abuso sexual de crianças na República Centro-Africana
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.125
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501195450/http://www.publico.pt/1694079
SUMÁRIO: Um responsável do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos foi suspenso por ter transmitido relatório sobre o caso às autoridades francesas.
TEXTO: Militares franceses enviados para a República Centro-Africana estão a ser investigados por suspeita de violação de crianças. A procuradoria de Paris abriu um inquérito preliminar em Julho de 2014, depois de o ministério da Defesa lhe ter remetido um relatório das Nações Unidas sobre o caso, disse à agência AFP fonte judicial. “O inquérito está em curso, não temos comentários a fazer”, limitou-se a declarar à Reuters um porta-voz do ministério francês da Justiça. O ministério da Defesa disse, segundo o diário Le Monde, que o exército tomou as “medidas necessárias para o apuramento da verdade”. A investigação diz respeito a suspeitas de abusos que terão sido cometidos entre Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014 num centro de deslocados, no aeroporto M’Poko, de Bangui. Segundo jornal britânico The Guardian, investigadores das Nações Unidas recolheram testemunhos de rapazes que acusaram soldados franceses de terem abusado sexualmente deles, oferecendo-lhes em troca comida e dinheiro. Um dos rapazes tinha nove anos. O caso já teve efeitos colaterais: o jornal britânico noticiou que um responsável das Nações Unidas, Anders Kompass, director de operações de campo do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, foi suspenso, por ter quebrado as regras internas e ter transmitido às autoridades francesas um relatório interno sobre os alegados abusos. Fontes conhecedoras do caso disseram que Kompass, sueco, veterano com mais de 30 anos de trabalho humanitário, terá tomado a iniciativa devido à inacção dos serviços do Alto-Comissariado. O porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq, confirmou, segundo a AFP, a suspensão de um responsável, sem o identificar, e justificou a medida com o desrespeito dos procedimentos internos. Disse que do relatório transmitido oficiosamente às autoridades francesas, sem conhecimento dos superiores hierárquicos, não foram retirados os nomes das vítimas, testemunhas e investigadores, o que os poderia “colocar em perigo”Em Dezembro de 2013, com um mandato das Nações Unidas, a França deslocou um primeiro contingente de 1200 soldados para o país africano, numa acção destinada a apoiar uma força panafricana incapaz de conter a espiral de violência sectária. Depois de massacres da coligação Séléka, que aceleraram o envio da força francesa, viriam a ocorrer perseguições das milícias anti-balaka, predominantemente formadas por cristãos, movidas por sentimentos de vingança. A chamada missão Sangaris envolveu no total cerca de 2000 efectivos. Já este ano foi reduzida a 1700 soldados, passando progressivamente as suas tarefas para a Minusca, força das Nações Unidas que começou a actuar em Setembro de 2014.
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Entidades ONU
República Centro-Africana elege uma mulher para restaurar a paz
O Parlamento interino nomeou Catherine Samba-Panza para reconciliar o país e para pôr fim ao conflito étnico que dura desde Março. (...)

República Centro-Africana elege uma mulher para restaurar a paz
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501041100/http://www.publico.pt/1620387
SUMÁRIO: O Parlamento interino nomeou Catherine Samba-Panza para reconciliar o país e para pôr fim ao conflito étnico que dura desde Março.
TEXTO: O Conselho Nacional de Transição da República Centro-Africana (RCA) elegeu esta segunda-feira Catherine Samba-Panza como Presidente interina. As prioridades da nova governante – a primeira mulher no cargo – são terminar com o conflito armado que domina o país e a marcação de eleições até ao final do ano. As condições para os candidatos se poderem apresentar perante o Parlamento eram muito restritivas. De fora ficaram todos aqueles que tiveram cargos políticos durante a governação do anterior Presidente, Michel Djotodia, os responsáveis partidários, os militares no activo e todos aqueles que pertenceram a uma milícia ou rebelião nos últimos vinte anos. Apesar das condicionantes, perfilaram-se oito candidatos para ocupar o cargo deixado por Djotodia a 10 de Janeiro, na sequência de pressões da comunidade internacional, especialmente da França. A antiga potência colonial enviou no início de Dezembro 1600 soldados para apoiar as forças da União Africana (MISCA) no processo de contenção do conflito. Depois de uma primeira volta em que nenhum dos candidatos conseguiu obter a maioria absoluta dos votos, os 129 membros do Conselho Nacional de Transição acabaram por eleger Samba-Panza, com 75 votos. Désiré Kolingba, filho de um antigo chefe de Estado e apoiado por uma parte dos ex-Séléka (grupos rebeldes, na sua maioria muçulmanos, que apoiaram a ascensão de Djotodia), contou apenas com o voto de 53 deputados. A Presidente da Câmara de Bangui era vista como uma das favoritas, reunindo o apoio de associações de mulheres, mas sobretudo por ter boas relações tanto com as milícias anti-balaka (grupos maioritariamente de cristãos) como com os ex-Séléka. O resultado da eleição foi recebido com aplausos por todos aqueles que se encontravam no Parlamento, descreve o correspondente da AFP, acrescentando que foi entoado o hino nacional da RCA. As primeiras palavras de Samba-Panza dirigiram-se a ambos os lados do conflito que dura há quase um ano e que já obrigou um milhão de pessoas a abandonar as suas casas. “Manifestem a vossa adesão à minha nomeação dando um sinal forte de deposição das armas”, afirmou. Pela frente, a nova Presidente tem a tarefa árdua de pacificar o país e criar condições para que se realizem novas eleições. Segundo o calendário da transição, o sufrágio deverá ser realizado o mais tardar durante o primeiro semestre de 2015, embora Paris prefira que as eleições se celebrem ainda este ano, de forma a pôr termo à operação militar no país. Foi com um tom conciliador que Samba-Panza se dirigiu aos seus compatriotas: "A partir deste dia, eu sou a Presidente de todos os centro-aficanos sem excepção. "O Presidente francês, François Hollande, saudou a escolha, garantindo que "a França está ao seu lado nesta tarefa difícil. " Os elogios foram reforçados pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, que considerou Samba-Panza "uma mulher notável. "Para além de Samba-Panza e de Kolingba, eram candidatos o ex-Presidente da Câmara de Bangui, Jean Gombé Ketté, o filho de um antigo Presidente, Sylvain Patassé, o alto funcionário internacional Faustin Takama, o empresário Emile Nakombo, a professora de inglês Regina Konzi-Mongo e o cirurgião Mamadou Nestor Nali. Apesar do reforço das forças de segurança com o envio do contingente francês, a violência tem sido difícil de controlar. Desde o início de Dezembro que os combates entre as milícias já fizeram mais de mil mortos. Notícia actualizada às 19:22 - Acrescentaram-se as declarações de François Hollande e de Laurent Fabius.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência filho mulher comunidade mulheres
Nigéria rejeita troca de adolescentes raptadas por islamistas detidos
“Sabem como as libertámos? Essas raparigas tornaram-se muçulmanas”, afirma líder do Boko Haram num vídeo que mostra mais de uma centena de raparigas (...)

Nigéria rejeita troca de adolescentes raptadas por islamistas detidos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-05-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Sabem como as libertámos? Essas raparigas tornaram-se muçulmanas”, afirma líder do Boko Haram num vídeo que mostra mais de uma centena de raparigas
TEXTO: O grupo islamista Boko Haram propôs trocar as mais de 200 adolescentes que mantém sequestradas desde meados de Abril pelos seus militantes que as autoridades da Nigéria têm presos. A oferta, feita num vídeo divulgado esta segunda-feira, foi rejeitada pouco depois. “Não cabe ao Boko Haram pôr condições”, disse à AFP o ministro do Interior, Abba Moro, excluindo a possibilidade de “trocar uma pessoa por outra”. Questionado directamente sobre se a oferta seria rejeitada, respondeu: “Claro”. Durante os 27 minutos de duração do vídeo, divulgado esta segunda-feira pela agência de notícias francesa, Abubakar Shekau fala durante 17 e diz que as estudantes, com idades entre os 12 e os 17 anos, seriam libertadas se o mesmo acontecesse a todos os islamistas do Boko Haram detidos na Nigéria, cujo número não foi divulgado. Shekau fala à frente de um fundo verde, veste uniforme militar e tem junto ao corpo uma espingarda automática Kalachnikov. Em nenhum momento aparece junto das raptadas. Nada permite perceber onde nem quando foram filmadas as imagens nem se o líder islamista está no mesmo local em que as raparigas se encontram. As estudantes, para cima de uma centena, surgem num espaço ao ar livre, mostrando apenas o rosto, a recitar o Corão. Duas das três que falam no vídeo declaram que eram cristãs mas mudaram de religião. A terceira afirma que já antes era muçulmana. Uma, com um olhar fugidio, e que a agência descreve como visivelmente coagido, diz que não foram maltratadas. Abubakar Shekau afirma que as raptadas se converteram ao islamismo. “Essas raparigas com que tanto se preocupam, de facto já as libertámos [. . . ] e sabem como as libertámos? Essas raparigas tornaram-se muçulmanas”, afirma, sorrindo. “Só as vamos libertar depois de libertarem os nossos irmãos. ” Noutra passagem, afirma, porém, que a troca que propõe só incluiria as “que não se converteram ao Islão”. No total, foram 276 as raparigas raptadas no dia 14 de Abril e outras 11, entre os 12 e os 15 anos, no início de Maio em Chibok, estado de Borno, nordeste, zona de importante presença do Boko Haram mas onde vive uma expressiva comunidade cristã. Do grupo de 276, dezenas conseguiram fugir mas 223 permanecem, segundo a polícia, nas mãos do Boko Haram. Num vídeo divulgado há uma semana, o líder do grupo disse que as raparigas seriam tratadas como escravas e ameaçou “vendê-las no mercado” e casá-las à força. As declarações provocaram indignação a nível internacional e chamaram a atenção para uma organização que pretende criar um estado islâmico no norte da Nigéria. O veterano repórter da BBC John Simpson, que está na cidade de Miduguri, numa área em que ocorrem com frequência ataques do Boko Haram, considera que a proposta de troca das reféns por prisioneiros tem um dado novo - mostra disponibilidade do grupo para negociar. Estados Unidos, Reino Unido e França enviaram especialistas para ajudarem as forças de segurança nigerianas na busca das jovens desaparecidas. China e Israel ofereceram auxílio. No domingo, o Presidente francês, François Hollande, propôs a realização de uma cimeira sobre a segurança na Nigéria em que participariam o país afectado e quatro vizinhos – Chade, Camarões, Níger e Benim. Hollande disse ter pedido também aos norte-americanos e aos britânicos para se fazerem representar na reunião que poderá realizar-se no próximo sábado, em Paris. O governador do estado de Borno disse entretanto que as jovens foram avistadas, e não terão sido levadas nem para o Chade nem para os Camarões, como chegou a ser admitido. Kashim Shettima limitou-se a dizer que passou ao Exército da Nigéria as informações que recebeu. Os ataques do Boko Haram começaram em 2009 e têm vindo a alargar-se geograficamente, tendo já causado milhares de mortos – só este ano já são mais de dois mil.
REFERÊNCIAS:
Religiões Islamismo
Empire, série negra em TV branca
Série-fenómeno chega esta quinta-feira ao fim numa altura em que "as coisas estão a mudar" na diversidade racial da televisão dos EUA. Em Portugal, a novela A Única Mulher foca-se no racismo. (...)

Empire, série negra em TV branca
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento -0.08
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Série-fenómeno chega esta quinta-feira ao fim numa altura em que "as coisas estão a mudar" na diversidade racial da televisão dos EUA. Em Portugal, a novela A Única Mulher foca-se no racismo.
TEXTO: Esta quinta-feira à noite, Empire faz fade to black na Fox Life até à próxima temporada com a transmissão do último episódio de uma série que conseguiu destronar Madonna ou A Teoria do Big Bang. Mas o efeito fade to black aqui é quase ao contrário – a série, com tom e reveses de novela, trouxe para o horário nobre a ostentação da indústria do hip hop com alma à flor da pele. Negra. Que, tal como as telenovelas portuguesas e angolanas, tem, nos últimos meses, ganho mais espaço na ficção televisiva. Empire é um “nós os ricos” entre cenas da luta de classes com a cor da pele à mistura. A intriga é veloz, sacrificando a subtileza e “não se levando demasiado a sério”, elogia Robert J. Thompson, especialista em cultura popular na Universidade de Syracuse, nos EUA. Foca temas quentes que não só o do racismo - “Cookie, tenho de ir à TV branca e falar de uma maneira que não assuste de morte aquelas pessoas”, diz o patriarca e músico Lucious Lyon à ex-mulher que esteve presa 17 anos por tráfico de droga –, como o da homossexualidade na comunidade negra. Filma um dos filhos do magnata Lucious, Jamal, a usar os saltos da mãe quando era criança. O pai, enfurecido, põe-no no balde do lixo na rua – experiência pessoal do criador, realizador e produtor Lee Daniels, aos cinco anos. Neste império musical, são trabalhados estereótipos vários numa série que Daniels descreve despudoradamente como uma “Dinastia negra”, aludindo à série dos anos 1980. Cookie Lyon (Taraji P. Henson), a matriarca com sabedoria de rua envolta em padrões leopardo, será a personagem emblemática dessa atmosfera “sem vergonha de ser exagerada”, como categoriza Thompson, e a estrela-surpresa de série que tem momentos clássicos "tão mau que é bom". Na mesma linha, “é O Padrinho por Aaron Spelling”, segundo o jornalista e crítico do site Grantland Wesley Morris, que associa esta luta de poder pela sucessão na editora Empire, por motivo de doença, às séries cor-de-rosa daquele produtor como Melrose Place ou Os Anjos de Charlie. Empire é especial também pelos números – musicais, muitos, que pontuam a série à imagem de Glee ou Smash, mas sobretudo de audiências e de lucro. Desde a estreia até ao episódio final, a série captou cada vez mais espectadores, algo muito raro na televisão americana. O PÚBLICO pediu dados sobre as audiências na Fox Life, mas o canal não forneceu esses números. A série que começou na cabeça de um dos seus criadores, o também actor Danny Strong, com uma mistura de entrevistas de Kanye West e Rei Lear, tornou-se no programa mais visto do país no cobiçado grupo de público entre os 18 e os 40 anos – algo que não acontecia desde a estreia de Anatomia de Grey, em 2005. Em média é também, desde que se estreou em Janeiro, a série mais popular no Twitter, suplantando Scandal (Fox) ou The Walking Dead (AMC, em Portugal Fox). A história que propôs a Daniels (Precious, O Mordomo, também escrito por Strong, que assina ainda os últimos Jogos da Fome) tornou-se um fenómeno cultural e as conversas sobre Empire entre os executivos da Fox e os produtores passaram, como relatou sintomaticamente o New York Times, de frases a emojis. As palavras já não eram precisas. De chapéus festivos a confetti, de smiles com corações a coroas e, por fim, sacos de dinheiro. Acabou com mais espectadores do que a sitcom de duradouro sucesso A Teoria do Big Bang e a música original da série, produzida por Timbaland, tirou o novo disco de Madonna do número um do top de vendas nos EUA. É, expectavelmente, a campeã de audiências entre os afro-americanos: 71% das mulheres negras vêem Empire e os negros com menos de 50 anos dão à série números superiores aos dos do habitual campeão de audiências anual dos EUA, o Super Bowl. E é também um espelho das tabelas de vendas, das rádios, dos liceus, da moda, do mainstream da cultura popular americana – o hip hop é a regra. Empire “é retumbante e extravagantemente negra sem ser sobre ser negro. Aqui, o negro é-o simplesmente”, longe do gueto ou de uma postura à defesa, defendia Wesley Morris numa altura em que os motins de Ferguson estavam sanados mas antes de Baltimore se incendiar por mais uma morte de um jovem negro com envolvimento das autoridades. “Empire é uma parte importante do que estamos a ver na diversificação da programação nos EUA”, diz Thompson ao PÚBLICO, reconhecendo que “as coisas estão a mudar” na esteira de Raízes (anos 1970), Cosby Show (1980s) ou O Príncipe de Bel-Air (1990s) e no reverso da medalha de The Wire ou Treme. E quando há no horário nobre Scandal, Como Defender um Assassino (AXN), a comédia black-ish (ABC) e numa altura em que Larry Wilmore e Trevor Noah substituem Stephen Colbert e Jon Stewart na Comedy Central. “Mas essa não é a razão do sucesso” de Empire, defende o professor. “É porque é uma boa série, uma boa e velha telenovela nocturna” que o transportou para os anos 1980 e Dallas e Dinastia, longe dos dramas de prestígio como Breaking Bad ou True Detective e em plena indústria musical trespassada por “temas shakesperianos que lhe dão uma densidade divertida”.
REFERÊNCIAS:
O legado de Mandela
O exemplo de Madiba, aplaudido em todo o mundo, irá ou não triunfar no seu país e no continente africano?, pergunta o escritor angolano José Eduardo Agualusa. (...)

O legado de Mandela
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 14 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: O exemplo de Madiba, aplaudido em todo o mundo, irá ou não triunfar no seu país e no continente africano?, pergunta o escritor angolano José Eduardo Agualusa.
TEXTO: A mesma África do Sul que produziu Mandela produziu também o seu contrário. O exemplo de Madiba, aplaudido em todo o mundo, irá ou não triunfar no seu país e no continente africano? Não é uma questão de resposta fácil, afirma o escritor angolano José Eduardo Agualusa. Vale a pena reflectir sobre ela. Na história da África do Sul há uma imagem extraordinária, a qual com a passagem dos anos ganhou ainda mais — senão outros — significados. A 11 de Fevereiro de 1990, Nelson Mandela emerge da cadeia-fazenda de Victor Verster, no Cabo Ocidental, ao lado da segunda mulher, Winnie Mandela. O que vemos hoje naquela imagem não é o mesmo que víamos há 23 anos. Em 1990, víamos uma bela e comovente história de amor, de superação e de liberdade. Hoje vemos, caminhando em direcção ao futuro, de mãos dadas, o ANC nas suas duas versões antagónicas. De um lado a aposta no diálogo e no perdão, a abertura ao outro, a inteligência, a paciência, o espírito democrático, o desprendimento em relação ao poder, a humildade, a elegância, o amor ao próximo. Do outro, o rancor, o ódio em carne viva, a arrogância, a sede de poder, a corrupção, o populismo fácil, a estupidez e a crueldade. Importa avaliar, no momento em que Mandela partiu, a força e a consistência do seu legado no ANC, no conjunto da sociedade sul-africana, e em África de uma forma geral. Nelson Mandela é um produto da complexa sociedade sul-africana. Mandela nasceu e cresceu no seio da aristocracia rural xhosa, educada e bastante sofisticada, sobretudo em comparação com os rudes camponeses semianalfabetos, prisioneiros de uma ideologia religiosa arcaica e ultraconservadora, que no final dos anos 40 se apossaram do poder na África do Sul, começando então a desenhar e a erguer o sistema do apartheid. Lembro-me de ter conhecido nos anos 80 um diplomata sul-africano, bóer, que me explicou de forma resumida aquele que era, no seu entendimento, o dilema sul-africano: “Os meus avós não sabiam ler nem escrever. Andavam descalços. Tomámos o poder e criámos o apartheid para poder calçar todos os bóeres. Hoje temos sapatos e não queremos voltar a andar descalços. ”O afrikaans, a língua dos bóeres, um crioulo de base holandesa, que incorporou muitas palavras de origem banto, malaia e khoi san, nasceu nos quintais e nas cozinhas da Cidade do Cabo. Os escravos muçulmanos, provenientes da Indonésia, foram importantes em todo este processo. É significativo que o primeiro documento que se conhece em língua afrikaans, datado do século XVIII, tenha sido escrito em caracteres árabes, facto um tanto embaraçoso para os teóricos do apartheid. Breyten Breytenbach, um poeta originalíssimo, que assina um belo livro traduzido para português por Mário Cesariny — Enquanto Houver Água na Água e Outros Poemas, Publicações Dom Quixote, 1979 — aterrorizou os membros da sua própria tribo, em 1973, aquando de uma conferência na Universidade da Cidade do Cabo, ao defender a natureza bastarda dos bóeres: “Somos um povo bastardo, com uma língua bastarda. Eis o bom e o bonito. (. . . ) Caímos na armadilha do bastardo que chega ao poder. Nessa porção de sangue que nos vem da Europa vinha a maldição do sentimento de superioridade. Quisemos legitimar a nossa força. E para isso tivemos de combater, debater, abater. Tivemos de nos entrincheirar atrás da nossa diferença. (. . . ) Fizemos dessa diferença a norma, a regra e o ideal. E porque a defesa dessa diferença se faz em detrimento dos nossos irmãos sul-africanos, sentimo-nos ameaçados. Erguemos muros. Não cidades: muralhas. E como todos os bastardos, pouco seguros da sua identidade, começámos a afixar o conceito de “pureza”: o apartheid. O apartheid é a lei do bastardo. ”Breytenbach foi preso, em 1975 — julga-se que devido a uma denúncia do ANC, que não confiava nele —, sendo solto apenas em 1982. Esses anos na cadeia constituem o tema de um dos seus livros mais famosos: As Confissões Verdadeiras de Um Terrorista Albino (Editorial Presença, 1987). O South African Native National Congress (SANNC), a partir do qual se originou o African National Congress (ANC), surgiu em 1912, tendo entre os seus fundadores o filósofo e poeta John Dube e o tradutor e romancista Sol Platje. O primeiro, que, tal como Mandela, era de linhagem real, nasceu em Natal, numa missão protestante, filho de um pastor protestante, e ainda em criança foi enviado para os Estados Unidos para estudar. O segundo traduziu Shakespeare para tswana, a sua língua materna, tendo sido o primeiro sul-africano negro a escrever um romance em inglês — Mudhi. O combate contra os “bastardos bóeres” e o apartheid foi pois, ao menos no seu início, liderado por intelectuais e aristocratas bantu, com melhor preparação e, sobretudo, muito mais segurança identitária que os seus inimigos. Nos últimos dias, em Portugal e noutros países, vários comentaristas políticos insistiram numa estranha tese, segundo a qual a transformação de Nelson Mandela, de um fanático comunista, defensor da luta armada, num velhinho simpático, de sorriso largo, que tomava chá com os seus carcereiros e gostava de vestir camisas de seda coloridas, aconteceu como consequência directa dos longos anos em que passou detido. A prisão teria resgatado Mandela, purificando-o, transformando-o no santo que salvou a África do Sul de um banho de sangue. Conclui-se, portanto, que terá sido o próprio regime do apartheid, através do seu aparelho repressivo, quem salvou a África do Sul. Quanto a mim, tenho grandes dúvidas de que as cadeias purifiquem os homens. Agostinho Neto, para citar apenas um exemplo, foi preso pelo regime salazarista. Sofreu muito na cadeia. Contudo, saiu desse horror, desse castigo, com o mesmo fato cinzento com que havia entrado, o mesmo ar sorumbático, a mesma teimosa aversão ao diálogo. Mal assumiu o poder, esqueceu-se dos anos em que esteve preso, ordenando a prisão e o fuzilamento de largos milhares de angolanos, a maioria dos quais militantes do seu próprio partido. Ao contrário da tese acima exposta, estou em crer que o processo de transição para a democracia e para uma sociedade mais saudável, restabelecida da paranóia racial, teria sido muitíssimo mais rápido com Mandela em liberdade. Livre, dialogando com o mundo, participando nos grandes debates que agitaram os anos 70 e 80, Mandela teria cumprido na mesma o seu percurso interior de transformação. O regime do apartheid acabaria por encontrar nele, logo naquela época, o adversário aberto, disponível para o perdão e para a negociação, que só veio a descobrir anos mais tarde — muitos crimes mais tarde. O apartheid não fez de Mandela uma pessoa melhor. O apartheid não melhorou a África do Sul. A resistência contra o apartheid, essa sim, aperfeiçoou o país. Os longos anos de combate contra o regime racista explicam a elevada consciência política, organização e combatividade da actual sociedade sul-africana. Ao sair da cadeia, naquela manhã de céu baixo, em Franschhoek, no Cabo Ocidental, Mandela foi ao encontro de um país envenenado pelo racismo e pela ditadura, é certo, mas, ao mesmo tempo, muito bem preparado para assumir o seu novo papel de potência democrática regional. Parece-me importante reconhecer a força e a maturidade dos sindicatos sul-africanos, das igrejas e das organizações não-governamentais. Não menos relevante foi o papel desempenhado pelos intelectuais, e em particular pelos escritores, em todo o agitado processo de debate, de resistência e de consciencialização da sociedade civil. Nadine Gordimer, Prémio Nobel da Literatura em 1991, construiu a maior parte da sua obra reflectindo sobre as distorções provocadas na sociedade sul-africana pelo regime do apartheid e as formas de as superar. O mesmo se poder dizer de J. M. Coetzee, Prémio Nobel da Literatura em 2003. Isto não obstante Coetzee ter vindo posteriormente a trocar a África do Sul pela Austrália, opção seguida, aliás, por um número considerável de bóeres. A África do Sul complexa e contraditória — por um lado violenta, brutal e rancorosa, e por outro instruída, alegre e maravilhosa —, essa África do Sul que gerou Mandela foi a mesma que engendrou Winnie. É difícil imaginar o que teria sucedido ao país do arco-íris caso Nelson Mandela tivesse seguido o pensamento e a prática política da sua segunda mulher. Winnie, filha de um antigo ministro da Agricultura e Florestas do então bantostão do Transkey, aderiu ao ANC no final dos anos 50, pouco antes de conhecer e de se casar com Nelson Mandela. Também ela esteve presa, por nove meses, em Pretória, tendo passado ainda vários anos em regime de exílio interno. Ao contrário do marido, a passagem do tempo não a amansou. Em 1976, durante uma grande vaga de protestos juvenis, criou a Federação das Mulheres Negras, filiada ao Movimento da Consciência Negra, de Steve Biko, o qual recusava toda e qualquer aproximação ao mundo dos bóeres — inclusive cultural. Nos anos 80, defendeu publicamente o linchamento dos dissidentes do ANC através do método do colar-de-fogo (necklacing), que consistia em colocar um pneu em chamas em redor do pescoço das vítimas. Muitas pessoas foram mortas por este processo. “Com os nossos fósforos e os nossos colares-de-fogo, libertaremos este país” — afirmou Winnie. Coerente com estas afirmações, terá ordenado, em 1988, o rapto e o linchamento de um jovem de apenas 14 anos, James Seipei. Em 1998, foi ainda acusada de ter ordenado o assassinato do dr. Abu-Baker Asvat, um médico que terá observado o jovem Seipei, em casa da própria Winnie, antes de este ser morto. Julgada e condenada a seis anos de cadeia, pelo assassinato de Seipei, viu a pena ser comutada numa simples multa. Dois anos antes destes acontecimentos, Nelson Mandela separou-se de Winnie, após a revelação de que esta teria tido um affair com um advogado 26 anos mais jovem. Em 2003, veio a público um novo escândalo, desta vez ligando o nome de Winnie Mandela a um caso de fraude e roubo. Winnie foi condenada a seis anos de prisão. Nessa altura, renunciou aos importantes cargos que ocupava no partido. Mais tarde, foi absolvida das acusações de roubo, mas não das de fraude, e teve suspensa a pena de três anos e seis meses de cadeia. Nenhum destes crimes e escândalos foi capaz de ofuscar a popularidade de que Winnie goza entre vastos sectores da sociedade sul-africana. Winnie permaneceu ao lado de Nelson Mandela, juntamente com Graça Machel, a sua terceira mulher, enquanto este agonizava. As duas mulheres testemunharam juntas o último suspiro do velho guerreiro. O Presidente Jacob Zuma foi apupado na passada terça-feira, ao chegar ao estádio FNB, onde decorreram as cerimónias fúnebres de Nelson Mandela. O antigo Presidente De Klerk recebeu meia dúzia de distraídos aplausos. Winnie Mandela, essa, foi acolhida com uma calorosa ovação e uma prolongada salva de palmas. Logo a seguir, Winnie aproximou-se de Graça Machel e cumprimentou-a com um rápido beijo nos lábios, seguido de um longo abraço. A obstinada popularidade de Winnie Mandela, apesar de todos os escândalos em que esta se deixou envolver, incluindo a traição a Madiba, é um bom indício da força e da popularidade da corrente mais radical do ANC. Uma corrente que, velada ou abertamente, sempre contestou a política de reconciliação nacional defendida por Mandela. Vinte anos após o colapso do apartheid, os sul-africanos de origem europeia, que representam 9% da população total do país, continuam a viver em situação de privilégio, detendo cerca de 70% da terra arável. Os teóricos do apartheid defendiam o “desenvolvimento separado”, era assim que lhe chamavam, como a melhor forma de preservar as tradições e as culturas das diferentes etnias radicadas no país. O resultado de tal “desenvolvimento separado” explica a bizarra ignorância mútua que ainda hoje persiste entre as diferentes comunidades. Recentemente, em visita à Cidade do Cabo, fui à procura de álbuns de uma banda chamada The Goema Captains of Cape Town. O goema é um ritmo de carnaval, com forte sabor afro-latino, desenvolvido pela numerosa e politicamente poderosa comunidade mestiça da cidade. Perguntei pela banda a vários amigos meus, indianos, bóeres e anglo-sul-africanos. Nenhum deles a conhecia. Finalmente, um taxista aconselhou-me a falar com os mulatos. “Essa música não é nossa”, disse-me: “É música dos mulatos. ”Nelson Mandela compreendeu que para triunfar sobre o apartheid teria de conseguir que os brancos se aproximassem do mundo dos negros — e vice-versa. No filme Invictus, Clint Eastwood mostra o empenho de Mandela na organização do Mundial de Râguebi na África do Sul, em 1994. Em determinada altura, Mandela, que assumira há pouco a presidência, chama o capitão da selecção sul-africana de râguebi, François Piennar, e explica-lhe que ele e a restante equipa, todos brancos, com a excepção de um dos jogadores, terão de aprender a cantar o Nkosi Sikeleli África, belíssima canção religiosa, composta no final do século XIX, que se tornou o hino da África do Sul. Nelson Mandela consegue o prodígio de convencer a maioria negra, que nunca se interessou por râguebi, um “desporto de brancos”, a encher os estádios para apoiar a selecção sul-africana. A verdade, contudo, é que o râguebi continua a ser na África do Sul um desporto de brancos, o futebol um desporto de negros, o críquete um desporto de indianos e o hóquei em patins um desporto de portugueses. No país do arco-íris, saído do apartheid, não emergiu ainda nenhum dirigente que possa comparar-se a Mandela. Emergiu, contudo, o seu oposto. Se Madiba é Cristo, o jovem Julius Malema é o anti-Cristo. Nascido em 1984, no Traansvaal, Malema irrompeu, como um tremor de terra, na política sul-africana. Dirigente estudantil, e depois presidente do ANCYL, o departamento juvenil do partido no poder, destacou-se com uma série de comentários violentíssimos, defendendo Mugabe e a sua caótica reforma agrária ou cantando em público um antigo apelo ao assassinato dos bóeres — Dubula iBunu, “atirem nos bóeres” (pode sempre alegar em sua defesa que o Presidente Jacob Zuma fez o mesmo, embora com mais talento, quer como cantor, quer como dançarino). Malema foi um veemente apoiante de Zuma, antes de este alcançar a presidência. Jacob Zuma, de resto, teceu-lhe rasgados elogios, vaticinando que Malema seria “o futuro líder do país”. O ódio exuberante do jovem Malema e a sua reiterada resistência em acatar as instruções partidárias começaram finalmente a assustar e a irritar outros dirigentes. Expulso do ANC em 2012, Malema criou este ano um novo movimento político, o Economic Freedom Fighters, Combatentes pela Liberdade Económica, que se distinguem à distância pelos vibrantes barretes rubros e a linguagem não menos vigorosa e incendiária. Uma das principais reivindicações de Malema é, precisamente, a questão agrária. O jovem agitador insiste em lembrar uma velha promessa do ANC, a de redistribuir pela população negra 30% das terras hoje pertencentes a brancos. Pode Malema, o anti-Madiba, alcançar o poder e incendiar a África do Sul, destruindo por completo o sonho do país do arco-íris? Alcançar o poder, talvez, embora tal ambição pareça ainda bastante remota. Estaria — é verdade — dentro da lógica melancólica de um poder que tem vindo a degradar-se em termos de inteligência, coerência e espírito democrático: Nelson Mandela-Thabo Mbeki-Jacob Zuma-Julius Malema. Incendiar o país, contudo, é mais difícil. Veja-se o caso de Zuma, o seu primeiro mentor, também ele considerado um radical. Uma vez no poder, Zuma sossegou. A sua gestão não tem sido, na prática, muito diversa da do seu antecessor, Thabo Mbeki, não obstante as abissais diferenças de estilo e de pensamento (Mbeki tinha estilo e pensamento). Felizmente, a sociedade sul-africana possui instituições sólidas, testadas em situações difíceis. A África do Sul pode prosseguir o seu caminho sem Nelson Mandela, pode prosseguir inclusive tendo no poder alguém que seja o seu oposto — contando que não permaneça por lá muito tempo. Muitas dezenas de chefes de Estado e de Governo compareceram às cerimónias fúnebres de Nelson Mandela. Nunca, na história da humanidade, um estadista conseguiu reunir tão largo consenso. Este aplauso unânime pode encorajar outros líderes africanos a seguir o modelo de Mandela, em particular no que diz respeito à valorização do diálogo, ao respeito pelas diferenças, ao aprofundamento da democracia e ao desapego em relação ao poder. Não é certo, infelizmente, que tal se verifique. Robert Mugabe, um dos ídolos de Julius Malema, também foi acolhido no Estádio FNB — tal como Winnie — com um estrondoso aplauso. Para muitos sul-africanos, para muitos africanos, não parece assim tão absurdo aplaudir ao mesmo tempo Mandela e os seus contrários. Mugabe tem sido criticado por vários sectores em África, em especial pelos movimentos de jovens democratas, mas continua a ser incensado por outros, que olham para ele como alguém que nunca se dobrou às exigências de europeus e americanos. Mugabe não perdoou nem se reconciliou com os seus compatriotas de origem europeia — vingou-se deles, humilhou-os. Para os admiradores de Mugabe, o eterno Presidente do Zimbabwe mostrou ao mundo que África não precisa dos europeus, muito menos numa altura em que a China e outros países asiáticos se mostram interessados em investir no continente. O Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, fez-se notar pela ausência nas cerimónias fúnebres de Nelson Mandela. Uma doença grave poderia justificar esta falta. O Governo angolano, porém, assegura que José Eduardo dos Santos goza de excelente saúde. Não havendo nenhuma justificativa oficial, a substituição de José Eduardo dos Santos por Manuel Vicente [vice-presidente] no evento com mais dirigentes mundiais por metro quadrado da História recente tem levantado natural especulação. Há quem veja neste gesto uma demonstração de distanciamento em relação a um homem cujo brilho incomodaria outros líderes africanos. Angola, de resto, não decretou luto nacional nem colocou a bandeira a meia haste. O Jornal de Angola, órgão oficial do regime, também não deu particular destaque ao acontecimento. Num exercício de culto de personalidade, que tem vindo a crescer em Angola, a foto escolhida para ilustrar a morte do primeiro Presidente de todos os sul-africanos mostra-o ao lado de José Eduardo dos Santos. Em Angola, como em Moçambique e noutros países africanos, o legado de Mandela está a ser reivindicado sobretudo pelas camadas mais jovens. São estes jovens, que não conheceram o horror da guerra, nunca estabeleceram compromissos com os partidos armados e se encontram ligados ao mundo através das novas tecnologias de comunicação, quem está hoje a impulsionar o movimento a favor das grandes transformações democráticas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Durante os próximos anos continuaremos a assistir ao combate entre aqueles que se revêem no exemplo de Nelson Mandela e os que, na prática, se lhe opõem. Mandela só terá verdadeiramente triunfado quando os seus herdeiros triunfarem. PUB
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE