Universidades capturadas? (I)
A missão da Universidade na construção da cidadania e antecipação do futuro da sociedade está hoje sob ameaça. (...)

Universidades capturadas? (I)
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: A missão da Universidade na construção da cidadania e antecipação do futuro da sociedade está hoje sob ameaça.
TEXTO: Ao longo da história, e sobretudo com a chegada do Iluminismo, as instituições de ensino superior foram fundamentais nas suas funções formativa, civilizacional e legitimadora do poder das elites. Mas, para além da sua ação institucional, as universidades geraram no seu seio correntes de pensamento científico, filosófico, cultural e político que em diversos momentos se erigiram nas principais forças propulsoras de modernidade, de inovação e de progresso. Embora por vezes cunhadas de “torres de marfim”, conservadoras e resistentes aos ventos de mudança, nelas floresceram diversos ambientes informais e boémios onde se forjaram correntes de pensamento alternativo, revertidas em múltiplos movimentos literários, culturais e políticos, tantas vezes em rutura com o poder instituído. Essa missão da Universidade na construção da cidadania e antecipação do futuro da sociedade está hoje sob ameaça. Em Portugal, os debates sobre o ensino superior público nas últimas duas décadas giraram à volta da autonomia e da sustentabilidade financeiras das universidades. A redução progressiva da fatia do financiamento público, mesmo em instituições que têm assegurado autonomamente parcelas substanciais do seu orçamento, tem tido como consequência um esforço acrescido das equipas reitorais para imporem uma gestão espartana de recursos, a expensas não só da eficácia dos serviços, mas também de prioridades estratégicas outras. Exemplos disso são o campo científico, a ação social, residências e infra-estruturas, a aposta noutras modalidades de transferência de conhecimento ou a prioridade a uma maior articulação entre a inovação tecnológica e o tecido empresarial do país. Por isso, as nossas universidades, guiadas pelo enquadramento jurídico vigente nos últimos dez anos e tolhidas pelos cortes orçamentais, pouco puderam fazer para fortalecer uma mais efetiva ligação à sociedade (e ao mercado de trabalho), como previa o modelo de Bolonha e o RJIES aprovado em 2007. Embora estando ainda longe da média dos países da UE ou mesmo da OCDE no que toca ao volume da população ativa com formação superior, são conhecidos os enormes progressos nesse campo ao longo das últimas décadas. Basta lembrar que a população portuguesa (com mais de 15 anos) com frequência do ensino superior evoluiu de 8% para 18% entre 1998 e 2017; o total de alunos a frequentar o ensino universitário passou de 50 mil em finais da década de 1970 para 362 mil em 2017; e, em proporção semelhante, aumentaram os estabelecimentos de ensino superior, o número de cursos oferecidos e ainda mais o número de portugueses com diplomas de pós-graduação, nomeadamente os doutoramentos concluídos por ano, que se situam hoje acima dos 3000 (relatório Pordata, 2018). É claro que a redução da taxa de natalidade em Portugal está já a refletir--se na retração da população universitária (prevê-se que o número de jovens com 18 anos em 2030 seja cerca de cerca de 1/3 dos de 2017), apesar de essa redução ser mitigada pela presença crescente de estudantes internacionais nas nossas universidades. Por outro lado, importa atender não apenas aos indicadores do ensino superior e da produção científica, mas sobretudo à capacidade de a sociedade e a economia portuguesas absorverem e potenciarem todo o conhecimento e qualificação gerados pelo sistema de ensino superior. Nesse capítulo, porém, parece estar a ocorrer um duplo mecanismo que tende a neutralizar o que, à partida, seriam os benefícios derivados do impacto do ensino superior na sociedade. O primeiro refere-se à presença de diplomados no mercado de emprego. Em Portugal, a população empregada com frequência universitária passou de cerca de 15% em 2008 para mais de 25% em 2017; e considerando apenas a faixa etária dos 19-29 anos, segundo a OCDE (Education at a Glance, 2018) tínhamos, em 2017, 43% das raparigas e 26% dos rapazes a frequentar o ensino superior, o que deixa antever um potencial de crescimento ainda maior nos próximos anos. Ora, se é verdade que tais indicadores são boas notícias para a nossa economia, também sabemos que a absorção de quadros qualificados pelo tecido empresarial português é não só muito limitada, como tem decorrido no contexto de crise e num quadro de mudanças (“reforma laboral”. . . ) tendente a favorecer a flexibilidade e a compressão salarial, nomeadamente nos níveis intermédios e mesmo nos quadros superiores. O nosso tecido empresarial está longe de saber aproveitar os recursos que tem ao seu dispor, não obstante o discurso eufórico em torno das startups e da Web Summit. É a essa luz que podem interpretar-se resultados de um relatório recente (do Observatório sobre Crises e Alternativas, do CES) que revelam uma estagnação do salário médio em Portugal nas últimas duas décadas. Só se compreende que os salários estejam hoje, a valores reais, ao nível de 1998, apesar da progressão do salário mínimo, se considerarmos que a renovação de quadros e profissões qualificadas se baseia, em larga medida, no dumping social e na cultura do burnout no mundo dos experts das grandes organizações. E, assim, a produtividade sobe, o desemprego diminui, mas os salários dos trabalhadores portugueses permanecem “congelados”. Para agravar tal cenário basta lembrar o caudal de emigrantes qualificados que as universidades e institutos superiores continuam a alimentar, fornecendo mão-de-obra qualificada que lá fora sabem rentabilizar, à custa dos recursos do Estado português. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Outro fator relaciona-se com a função de “ascensor social”, isto é, até que ponto a universidade é ou não capaz de realizar a sua missão de canal de mobilidade social ascendente, um aspeto que no caso de Portugal parece longe de cumprir-se, uma vez que, como se vê, os outputs do ensino superior estão longe de ser plenamente incrustados na economia. Um relatório recente conduzido pela OCDE (A Broken Social Elevator?, 2018) veio confirmar o que outros estudos portugueses há muito mostraram, ou seja, que a educação e a condição socioeconómica da família — em especial nos extremos da pirâmide social — são determinantes sobretudo na reprodução do estatuto e das oportunidades para as gerações seguintes, enquanto os diplomas académicos só muito escassamente cumprem o papel de ascensão. O referido estudo revelou que 58% dos pais portugueses consideraram que os seus filhos não atingirão o seu nível de status e conforto, e será necessário esperar cinco gerações para que tal possa vir a ocorrer. Em critérios específicos como a ocupação e a educação a “imobilidade” é a tendência mais forte. No primeiro caso, os filhos de trabalhadores manuais têm 55% de probabilidades de se tornarem também trabalhadores manuais, enquanto no topo um filho de gestor tem cerca de 69% de probabilidade de vir a conseguir um cargo dirigente. E no critério da “mobilidade educativa” o nosso país revela-se dos menos eficazes em promover a ascensão social num leque de 30 países da OCDE. Há uma “base pegajosa” e um “topo seletivo” que acionam poderosos condutores socioeconómicos capazes de neutralizar os fluxos “meritocráticos” que o ensino superior era suposto estimular. Sem dúvida que o aumento da oferta e do número de jovens com formação superior foram desafios necessários e os avanços nessa matéria são inquestionáveis. Mas o papel das universidades portuguesas na definição e implementação de um programa de desenvolvimento sustentável para o país viu-se cada vez mais confinado. Condicionado por opções políticas discutíveis e pelo poder crescente do novo paradigma económico neoliberal, que, de resto, ditou as novas orientações de governos e das instituições europeias para o ensino superior. O modelo de Bolonha é apenas um exemplo. Tendo em conta o nosso enquadramento na UE, era inevitável um novo formato para o ensino superior, perante um ensino que inevitavelmente teria de crescer e, como consequência, tornar-se mais acessível — no ingresso e na conclusão — a grandes massas de estudantes. O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
REFERÊNCIAS:
Entidades UE OCDE
Herman Shine, o homem que cantava nos telhados de Auschwitz foi dos poucos a conseguir fugir
Herman Shine poderia não ter sobrevivido se o seu melhor amigo o tivesse deixado para trás. Uma "dúzia de milagres" fizeram o resto. A amizade entre os dois homens deu um documentário, mas a sua fuga do mais mortal dos campos de concentração nazis parece ficção. Shine morreu em Junho aos 95 anos. (...)

Herman Shine, o homem que cantava nos telhados de Auschwitz foi dos poucos a conseguir fugir
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-12-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Herman Shine poderia não ter sobrevivido se o seu melhor amigo o tivesse deixado para trás. Uma "dúzia de milagres" fizeram o resto. A amizade entre os dois homens deu um documentário, mas a sua fuga do mais mortal dos campos de concentração nazis parece ficção. Shine morreu em Junho aos 95 anos.
TEXTO: Com tudo o que se sabe hoje, passados mais de 70 anos, sobre a Segunda Guerra Mundial e os horrores dos campos de concentração — mesmo que possa haver ainda muito por revelar — é difícil imaginar alguém a conseguir fugir de Auschwitz, a mais poderosa das máquinas de extermínio nazis. Só cerca de 200 pessoas tiveram sucesso na fuga durante o conflito - e uma delas foi Herman “Menne” Shine, um judeu alemão de ascendência polaca que ali chegou em 1942 e que sobreviveu graças à sua astúcia e coragem. Das pelo menos 1, 3 milhões de pessoas deportadas para este complexo no Sul da Polónia ocupada pelos alemães (três pólos principais e dezenas de subcampos), 1, 1 milhões terão ali morrido. Herman “Menne” Shine foi um dos 200 que tiveram sucesso na fuga durante a guerra, que sobreviveu graças “a uma dúzia de milagres” - e ao seu melhor amigo, disse ao jornal San Francisco Chronicle em 2009. Morreu a 23 de Junho, aos 95 anos, na sua casa em San Mateo, na Califórnia. Lê-se o obituário que esta terça-feira lhe dedica o diário norte-americano The New York Times ou o que sobre ele escreveu o californiano San Francisco Chronicle e a tendência é para romancear a sua vida – e esta fuga com contornos de filme de aventuras a que não falta, sequer, um grande amor. Para sobreviver, Herman Shine teve de confiar em estranhos, de se esconder num celeiro durante quatro meses sem nunca poder tomar banho e até de se fazer passar por um oficial nazi. Para ele, que foi forçado a trabalhar na construção dos campos de concentração de Sachsenhausen, na Alemanha, para onde foi levado com o amigo de infância Max Drimmer, em 1939, e de Auschwitz, de onde fugiu em 1944, e que viria a refazer a sua vida nos Estados Unidos, onde se estabeleceu em 1947. No novo país mudou o nome de Mendel Scheingesicht para Herman Shine, mas os tempos “terrivelmente difíceis” da guerra mantiveram-se bem vivos na memória. Num depoimento que gravou em 2014 para o projecto We Remember Holocaust, destinado a recolher testemunhos de sobreviventes judeus da Segunda Guerra, hoje disponível no YouTube, descreve as circunstâncias em que foi arrastado ainda adolescente da sua casa em Berlim e a tortura e o isolamento dos primeiros meses de Inverno em Sachsenhausen. Fala do dia em que viu pela primeira vez aquela que viria a ser sua mulher durante 74 anos, Marianne Schlesinger, e descreve os contornos da fuga que Max lhe propôs, quando se tornou claro que a morte não estava longe. “Percebemos, a certa altura, que a única maneira de sairmos dali era através da chaminé”, diz, referindo-se às câmaras de gás e aos fornos de Birkenau (o campo II de Auschwitz, onde os prisioneiros eram mortos). “Menne” chegou, aliás, a estar numa fila deste campo de extermínio, conta no mesmo depoimento. Só foi salvo porque resolveu atravessar a rua para ajudar uma mulher que acabara de passar de bicicleta e que caíra porque a sua saia ficara presa nos raios de uma das rodas. “Eu não sabia, mas era a mulher do comandante máximo do campo. ”Quando deixou a fila para a ir ajudar, guardas armados seguiram-no dispostos a disparar. A mulher achou que aquela demonstração de força, para além de desnecessária, a punha em risco e mandou chamar o marido, que não gostou de ver um dos melhores trabalhadores do campo na fila dos que em breve seriam gaseados e o mandou de volta para o seu barracão. É que anos antes, logo na chegada a Sachsenhausen, intuindo que isso o ajudaria a sobreviver, Herman Shine decidira mentir, dizendo aos alemães que trabalhava na construção civil, em particular nas coberturas. Afecto às equipas de obra, acabou por aprender a fazer telhados e em pouco tempo liderava outros prisioneiros como ele, tornando-se mão-de-obra valiosa para os alemães. Não tinha tratamento preferencial, mas ia sobrevivendo. Enviados para Auschwitz em 1942 mais tarde, “Menne” e Max foram separados à chegada. Max teria morrido se não tivesse conseguido entrar às escondidas na fila onde estava o amigo. Acabaram os dois em Monowitz (Auschwitz III), onde “Menne” trabalharia a construir telhados. Faria o mesmo no campo satélite de Gleiwitz, onde reparou num grupo de bonitas raparigas que se ocupava da limpeza e do qual fazia parte a sua Marianne. Usavam a estrela de David, contou ainda em 2014, mas era-lhes permitido entrar e sair do campo porque eram de famílias mistas (só um dos pais era judeu) e, por isso, só meias-judias. “Vinham duas ou três vezes por semana, sem dias fixos”, recorda Herman Shine no seu testemunho, acrescentando que, sempre que sabia que estariam lá no dia seguinte, voltava para trabalhar no telhado mais próximo, mesmo que já não houvesse nada para fazer. “Trabalhava sempre no mesmo barracão, que já estava pronto há muito tempo, para a poder ver. ” E quando ela chegava, estava muitas vezes a cantar. “Menne” e Marianne começaram a trocar bilhetes e, quando ele lhe disse que em breve poderiam ter as câmaras de gás como destino, ela deu-lhe a morada da sua casa, onde podia encontrar ajuda se alguma vez dali saísse. Józef Wrona, um civil polaco que trabalhava nos campos a contrato, dissera a Max Drimmer, de quem se tornara amigo, que ouvira uns oficiais das SS falar da necessidade de matar todos os judeus que trabalhassem em Monowitz e oferecera-lhe ajuda. “Consigo tirar-te daqui”, disse-lhe. Sem querer deixar o amigo para trás, Max perguntou-lhe se poderia incluir “Menne” no seu plano de fuga. Durante a breve pausa para o almoço, descreve o diário The New York Times, os dois amigos refugiaram-se num espaço de construção exíguo, dissimulado por materiais de isolamento, que Wrona tinha criado dentro de Monowitz e ali ficaram. Mais tarde, saíram deste esconderijo usando roupas iguais às dos operários externos e dirigiram-se para a vedação de arame farpado do campo, onde o polaco os fez sair no meio dos outros. Fizeram os quase seis quilómetros que os separavam da casa de Wrona, em cujo celeiro ficariam escondidos durante quatro meses. O amigo levava-lhes comida e fazia chegar as cartas de Max à namorada, Herta Zowe. Foi por causa de uma delas — Herta foi revistada por soldados na rua — que a polícia secreta alemã chegou a revistar a casa do polaco. “De onde estávamos ouvíamos as pessoas a falar”, disse Shine ao projecto We Remember Holocaust, falando do dia em que Wrona recebeu a visita intimidante da Gestapo, com os seus cães, procurando os dois homens. “Ele podia ter dito que estávamos ali e não o fez. Com isso arriscou a sua vida e a da sua família. ”Depois deste episódio, os dois homens tiveram de deixar a casa de Wrona e “Menne” lembrou-se da morada de Marianne. Mas o caminho-de-ferro ficava a quase 100 quilómetros e os dois homens não podiam andar tanto, em tempo de guerra, sem documentos. “Max chamou-me louco, mas não tínhamos outra escolha. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Acabaram por chegar à casa daquela que viria a ser sua mulher. A família escondeu-os até que um milionário alemão não-alinhado com os nazis aceitou dar-lhes abrigo. Ficaram sob sua protecção até que os aliados derrotaram a Alemanha em 1945. Herman “Menne” Shine e Max Drimmer casaram com as suas namoradas no ano seguinte numa cerimónia conjunta. Em 1947 emigraram para os Estados Unidos, de acordo com a Jewish Telegraphic Agency. A amizade entre os dois homens, que se manteve até à morte de Drimmer, em 2012, deu origem a um documentário de 2001 que viria a ser actualizado em 2015 – Escape from Auschwitz: Portrait of a Friendship. Max trabalhou como canalizador e padeiro, “Menne” fundou uma empresa de construção que, sem surpresa, se especializou em telhados. Escreve o San Francisco Chronicle que era um homem de negócios de sucesso até se retirar, em 1979. A partir daí, passou a ter mais tempo para a sua Marianne e para o bridge. Não dispensava uma boa partida.
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu
Steven Seagal nomeado enviado especial da Rússia nos EUA
O actor norte-americano, que tem nacionalidade russa desde 2016 e é um assumido apoiante de Vladimir Putin, deverá “facilitar as relações” entre os dois países no campo “humanitário”. (...)

Steven Seagal nomeado enviado especial da Rússia nos EUA
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.178
DATA: 2018-08-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: O actor norte-americano, que tem nacionalidade russa desde 2016 e é um assumido apoiante de Vladimir Putin, deverá “facilitar as relações” entre os dois países no campo “humanitário”.
TEXTO: Steven Seagal, actor de filmes de acção, guitarrista e instrutor de artes marciais, é o novo representante especial da diplomacia russa para as relações com os Estados Unidos “no campo humanitário”, anunciou este sábado o ministério russo dos Negócios Estrangeiros, precisando que a sua missão incluirá ainda a cooperação cultural e artística e a promoção do intercâmbio de jovens entre os dois países. Assumido admirador de Vladimir Putin, a quem elogiou publicamente como “um dos grandes líderes mundiais vivos”, o actor, neto de judeus russos que emigraram para a América, viu ser-lhe atribuída a nacionalidade russa em Novembro de 2016. O apoio de Seagal a Putin, de quem se tornou amigo pessoal, engloba algumas das iniciativas mais polémicas da política externa russa, como a anexação da Crimeia em 2014, que considerou “muito sensata”. Em 2017, alegando razões de segurança nacional, o governo ucraniano informou que o actor estava proibido de entrar no país por um período de cinco anos. No seu próprio país, Steven Seagal tem sido um entusiástico defensor de Donald Trump. Quando o novo presidente ganhou as eleições, publicou imediatamente um tweet a felicitá-lo e a acrescentar que estava “ansioso para ajudar a América a recuperar a sua grandeza”. Esta sua nomeação ao serviço da diplomacia de Putin ocorre num momento em que as investigações do procurador Robert Mueller às alegadas interferências russas nas eleições presidenciais americanas começam a chegar aos círculos mais próximos de Trump. Também produtor e realizador, Seagal, que começou a sua carreira como instrutor de artes marciais, estreou-se como actor em 1988 em Nico – À Margem da Lei, de Andrew Davis, e ganhou notoriedade em 1992 pelo seu papel em A Força em Alerta, do mesmo realizador, onde contracenava com Tommy Lee Jones. Nomeado crónico aos prémios Golden Raspberry (uma paródia dos Óscares) na categoria de pior actor, acabou por nunca ganhar nenhum, mas foi-lhe atribuído o prémio de pior realizador pelo filme Em Terra Selvagem, de 1994. Especialista em papéis de justiceiro solitário, colabora desde 2013 com a empresa russa de armamento ORSIS, que já anunciou o desenvolvimento de uma linha de fuzis que será baptizada com o nome do actor. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além do seu percurso no cinema, Seagal é também um músico com dois álbuns editados e tem participado em iniciativas de defesa do ambiente e dos direitos dos animais. Budista e apoiante do actual Dalai Lama, foi já acusado de ter subornado o lama Penor Rinpoche, actual representante máximo de uma das mais importantes linhagens do budismo tibetano, para que este o declarasse a reincarnação de um venerado mestre do século XVII. Steven Seagal foi também uma das primeiras estrelas de Hollywood a ser visada por denúncias de assédio sexual na sequência das acusações contra o produtor Harvey Weinstein. Em Novembro de 2017, a actriz Portia de Rossi, cônjuge de Ellen DeGeneres, acusou o actor de a ter assediado durante a audição para um filme. “A minha audição final para um filme de Steven Seagal teve lugar no seu escritório. Ele disse-me quão importante era haver química fora do ecrã e fez-me sentar enquanto abria o fecho das suas calças de cabedal. Fugi e chamei a minha agente, que, imperturbável, respondeu: ‘Bem, não sabia se ele fazia o teu género’”, escreveu a actriz num tweet que DeGeneres depois divulgaria junto dos seus 75 milhões de seguidores. Outras mulheres que acusaram Seagal de comportamentos impróprios foram Juliana Margulies, da série The Good Wife, a modelo Jenny McCarthy e a actriz inglesa e bond girl Rachel Grant, tendo esta última afirmado que o actor a atacara em 2002 num quarto de hotel em Sófia, na Bulgária, onde fora participar numa audição para o filme Liberdade Perdida (2003).
REFERÊNCIAS:
Religiões Budismo
Fronteira, qual fronteira? Damian acorda em Espanha e trabalha em Portugal
A linha que divide os territórios de Portugal e Espanha é a fronteira mais antiga da Europa, mas nunca como hoje ela foi transformada numa linha imaginária para as populações transfronteiriças. (...)

Fronteira, qual fronteira? Damian acorda em Espanha e trabalha em Portugal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: A linha que divide os territórios de Portugal e Espanha é a fronteira mais antiga da Europa, mas nunca como hoje ela foi transformada numa linha imaginária para as populações transfronteiriças.
TEXTO: “Os portugueses dão-me muito trabalho”, diz, a sorrir, Damian Gonzalez. É trabalho no bom sentido. Gonzalez, espanhol, de 54 anos, continua a viver na sua terra, Rosal de la Frontera, a cerca de cinco quilómetros de Vila Verde de Ficalho, mas foi um dos primeiros empresários do país vizinho a procurar, em 1996, trabalho em Vila Nova de S. Bento, quando a abertura da fronteira já se tornara uma realidade. Para ele, não era uma terra estranha. Aprendera a conhecê-la contrabandeando toucinho de Espanha para Portugal que o consumia em grandes quantidades. Na volta, levava para o seu país café. Foi desta forma “sempre com o coração aos saltos” que encontrou razões para gostar dos portugueses. Em 1995, o acordo de Schengen entra em vigor em sete países: Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal. A partir daquele ano, os viajantes de todas as nacionalidades passaram a poder deslocar-se entre todos estes países sem controlo de passaportes nas fronteiras. O que começou por ser estranho, sobretudo para as populações da raia alentejana que aprenderam a cruzá-la durante séculos com o contrabando às costas ou dissimulado. Hoje está profundamente entranhado o hábito de circular sem barreiras ou constrangimentos. Como se não houvesse países. Damian Gonzalez dedicou-se à transformação de carne de porco alentejano (presuntos, paletas, paios, paiolas, chouriças). Em 2006, ergueu de raiz a sua própria fábrica em Vila Nova de S. Bento. O negócio cresce “devagarinho” mas de forma segura. Começou com 21 pessoas. Agora já dá trabalho a 70, 50 portugueses e 20 espanhóis e cerca de 90% são mulheres. “Vim para Portugal porque, em primeiro lugar, gostava de Portugal e aqui encontrei uma região muito boa para criar porco alentejano. E gostei tanto das pessoas que já estou aqui há 23 anos”, explica ao PÚBLICO, enquanto mostra o espaço onde cria em simultâneo 1500 porcos de raça alentejana na “finca (herdade)” coberta de azinheiras saudáveis, onde se produz a bolota que torna a carne deste tipo de suínos aconselhada por nutricionistas pelo seu baixo teor de gorduras polinsaturadas. Diz que não lhe foi difícil instalar o negócio em Portugal. “Quando cheguei, a Câmara de Serpa deu-me muitas facilidades para abrir a minha empresa em Vila Nova de S. Bento”, freguesia que fica a apenas 15 quilómetros de Rosal de la Frontera. “Disponibilizou-me terreno por um valor muito baixo com a condição de criar postos de trabalho para naturais da terra”. No princípio, sentiu alguns problemas de adaptação dos trabalhadores portugueses ao método de trabalho que procurou aplicar. Em Portugal, o salário da mão-de-obra era muito baixo, tal como o ritmo de trabalho. “Se quiserem ganhar mais têm de produzir como em Espanha, dizia-lhes. Hoje aqui trabalha-se a um ritmo muito bom. Hoje há um equilíbrio maior que não tem nada a ver com o que passava há 20 anos”, acentua. Sai de casa todas as manhãs às 5h30/6h00 e ruma a Portugal. “Se fechassem a fronteira a minha vida seria bastante mais complicada”, observa Damian Gonzalez. “Só o facto de podermos passar ao longo das 24 horas de cada dia, de um lado para o outro, sem restrições e sem controlo burocrático, é uma enorme vantagem. De outra forma ficávamos retidos na nossa terra”, acrescenta. O contrabando voltava a ser a enxada de trabalho, das populações da raia. As regiões transfronteiriças são, com algumas excepções, espaços rurais e agrícolas marginais, onde aconteceram raras mudanças estruturais e produtivas e insuficiente diversificação de actividades e fontes de rendimento. A livre circulação de fronteiras a que se seguiu a construção da barragem do Alqueva abriu as portas ao investimento espanhol. Damian Gonzalez refere que “muitos vieram para o Alentejo, por ter melhores condições de negócio que não tinham em Espanha” pesem embora as queixas sobre a complexidade burocrática que atrasa a materialização de projectos. Seja como for, o Anuário Agrícola de Alqueva, relativo a 2018, revela o peso do investimento espanhol que é de 7% no milho, na produção frutícola já chega aos 21%, enquanto o olival tem vindo a registar uma quebra acentuada para se situar nos 35% da área plantada, e no amendoal cobre 69% da área coberta por esta cultura que está em crescimento acelerado. “Em Espanha sinto-me em Portugal”Damian Gonzalez é um dos muitos trabalhadores que todos os dias atravessam a fronteira para exercer a sua actividade. Trabalha noutro país sem ser propriamente um deslocado uma vez que a distância é curta, o que lhe permite manter residência em Espanha. Em toda a Europa, os trabalhadores deslocados são cerca de 1, 8 milhões de pessoas. Em 2017 foram de Portugal para Espanha 9. 038 trabalhadores, o 5º país na preferência dos portugueses que continua a ser liderado pela Inglaterra com 22. 622 portugueses. Em sentido inverso o nosso país acolheu 84 mil trabalhadores residentes estrangeiros em 2017. Mas há portugueses que atravessam a fronteira todos os dias. E, perante esta realidade, imaginar o regresso de uma fronteira física que impusesse a obrigatoriedade de apresentar passaporte, parar para que os carros fossem revistados como antigamente, antes de Portugal entrar na União Europeia, causaria muitos constrangimentos. O que é leva um jovem de 37 anos “bom rapaz, nascido e criado em Vila Verde de Ficalho” a optar por trabalhar no Rosal de la Frontera? “Gosto muito de Espanha, onde estou como em minha casa”, justifica Carlos Alberto Veredas que desenvolve a sua actividade profissional na comercialização de carnes na região de Andaluzia, sobretudo em Huelva, Sevilha e também em parte do Algarve. Sai de casa todos os dias cerca das 7h00 e regressa por vezes às 22h00. “Somos um povo fronteiriço e, logo em criança, aprendi a língua espanhola que hoje falo muito bem”, sublinha Carlos Veredas. Apesar dos seus 37 anos, ainda se recorda das fronteiras (portuguesa e espanhola) que obrigavam as pessoas a longas horas de espera, quando o seu propósito era apenas comprar alimentos no Rosal, ou frequentar uma festa ou uma romaria na povoação espanhola. “E tínhamos medo do que comprávamos”, frisa o jovem. Nunca sabiam se o que levavam era passível de “apreensão, multa ou até prisão, para além do dinheiro que se gastava nas compras”, recorda. Comparativamente, os anos de convívio diário com o povo do Rosal onde trabalha “é o mesmo que viver em Portugal”. A realidade vivida diz-lhe que “são pessoas espectaculares. Estou como se estivesse em casa”. É um sentimento comum a todos os povos que são vizinhos na fronteira, que perceberam as vantagens que a livre circulação trouxe para as suas vidas. Damian pode investir em Portugal e Carlos pode trabalhar em Espanha. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Também há desvantagens e o jovem de Ficalho não as escamoteia. “Temos o tráfico de droga e de pessoas que está muito facilitado porque ninguém controla”, critica, comparando a realidade das últimas duas décadas com a que vivia quando as fronteiras eram controladas. Havia um horário de passagem que no verão era das 8h00 às 24h e no inverno até às 22h00. Após o encerramento, já não se podia passar. O Relatório da Emigração de 2017, elaborado pelo Observatório da Emigração, regista uma continuada tendência na entrada de portugueses em Espanha que está a crescer sustentadamente desde 2014. Em 2017, chegaram mais cerca de nove mil portugueses, que faz do país vizinho o quinto que mais merece a preferência dos portugueses. No total, há quase 100 mil portugueses a viver em Espanha onde se encontram 1, 4 milhões de trabalhadores estrangeiros. Na Alemanha residem 3, 4 milhões de emigrantes e no Reino Unido 2, 6 milhões. A circulação de pessoas na União Europeia está a enfrentar um período conturbado, sendo cada vez mais frequentes os apelos ao fecho de fronteiras. Carlos Veredas estranharia que a voltassem a fechar. “Habituamo-nos de tal maneira a tê-la aberta que já faz parte do nosso modo de estar”, observa. “Já imaginou a imposição de um horário para abertura e fecho da fronteira, quando, no meu caso, por vezes, saio para o Rosal às 5h00? Não o poderia fazer”.
REFERÊNCIAS:
No Doclisboa, o passado (não) foi lá atrás
Histórias e tradições, da Argentina à Suíça, de Portugal ao Brasil, em alguns dos filmes mais merecedores de atenção no concurso do festival lisboeta. (...)

No Doclisboa, o passado (não) foi lá atrás
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Histórias e tradições, da Argentina à Suíça, de Portugal ao Brasil, em alguns dos filmes mais merecedores de atenção no concurso do festival lisboeta.
TEXTO: Algures nas Pampas argentinas, há um povoado esquecido do qual apenas restam uma estação de comboios, reconvertida em alojamento local, e objectos resgatados à terra como fósseis de outras eras – pedaços de pratos, copos, taças. Não são achados de uma qualquer cultura indígena milenar, porque as culturas indígenas milenares não tinham frascos de medicamentos; são o que ficou de Mariano Miró, uma pequena aldeia estabelecida por imigrantes italianos que rumaram às Pampas para desbravar e semear terras virgens, e que desapareceu ao fim de mais ou menos dez anos, por volta de 1910. A lição de Miró. Las huellas del olvido, uma das mais fascinantes propostas do concurso internacional do Doclisboa 2018 (Culturgest, quarta-feira, dia 24, às 19h; e sexta-feira, dia 26, às 14h), é muito simples: não vale a pena ter ilusões, o tempo encarregar-se-á de transformar em pó tudo aquilo em que acreditamos. A argentina Franca González, natural da região, decidiu-se a trazer à luz a breve história de Mariano Miró. O seu filme é uma investigação arqueológica da história das Pampas, com a diferença de que não estamos aqui a buscar fósseis de outros séculos mas sim a resolver o quebra-cabeças de uma aldeia que se ergueu, desabrochou e morreu faz agora cem anos. Miró é uma história da conquista do Oeste compactada em apenas dez anos – os imigrantes piemonteses como pioneiros desbravadores do Oeste Selvagem, lutando por uma vida melhor num local inóspito, sucumbindo à pressão dos latifundiários e dos barões das terras que acabam por expulsá-los e por tornar Miró numa aldeia-fantasma. Ao mesmo tempo, é um relato de imigração, das desigualdades sociais no início do século XX, do estatuto de segunda classe dos imigrantes gringos. Miró tem um problema, que é querer meter muita coisa num só filme sem ter tempo para isso; mas faz muito com o que tem, e fá-lo dentro de uma lógica mais ou menos tradicional do documentário, com inteligência e desenvoltura. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Se Miró fala do que foi e já não é, a curta que lhe serve de complemento (nas mesmas sessões), a brasileira Maré, fala do que foi e ainda é: no caso, uma comunidade quilombala do Recôncavo da Bahia, onde Amaranta César, professora de cinema, encena a história de duas meninas da aldeia que vão pelo manguezal apanhando marisco e acabam apanhadas pelo encher da maré. Patrícia e Diguinha deviam estar na escola, porque a mãe lhes quer dar armas para sobreviverem sem terem de se “humilhar em casa de mulher branca”, mas a atracção da lama é irresistível. O resultado remete-nos para o cinema de Gabriel Mascaro ou para o excelente Cocote, de Nelson Arias, no modo como o registo documental das tradições e canções quilombalas e a ficção inspirada pela realidade se cruzam e contaminam para criar um olhar bruto e puro sobre a tradição e a ancestralidade. Duas outras propostas portuguesas percorrem também os caminhos da história. Na curta Vacas e Rainhas (São Jorge, quarta-feira, dia 24, às 18h45; e Culturgest, sábado, dia 26, às 16h15), Laura Marques regista a sua experiência como pastora de vacas nos Alpes suíços, inscrita numa tradição de longa data que vê os criadores locais elegerem anualmente a “rainha das vacas”. O prazer do filme está no modo como a própria realizadora está ao mesmo tempo dentro e fora dela, através de um olhar e de uma câmara que registam, com humor e bonomia, a sua própria aprendizagem de uma tradição que só de fora parece estranha. E Terra, da dupla Hiroatsu Suzuki e Rossana Torres (Culturgest, quarta-feira, dia 24, às 21h30; e São Jorge, sexta-feira, dia 26, às 14h), é um belo objecto contemplativo sobre o quotidiano de um carvoeiro alentejano que ainda produz carvão de forma tradicional em fornos artesanais, espécie de formigueiros gigantes que soltam nuvens de fumo enquanto a madeira no seu interior arde. Nada parece acontecer, porque tudo se passa no interior dos fornos; resta-nos observar pacientemente a natureza do vale do Guadiana, os caçadores que vão passando, as nuvens de fumo que saem hipnoticamente dos fornos, tudo enquadrado e filmado com uma cativante plasticidade zen. Terra tem uma enorme mais-valia, que é a capacidade de usar apenas a sua imagem para contar uma história: tudo o que é preciso saber sobre a vida do carvoeiro está aqui, sem precisar de palavras, e o filme explica-a com infinita elegância. O passado continua presente.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola imigração cultura mulher rainha comunidade espécie
A pequena história da grande História na competição do Doclisboa
Os primeiros títulos a concurso sugerem um ano de ouro para o festival. Destaque grande para o filme português Vida Activa, de Susana Nobre. Um retrato resignado e triste de vidas suspensas (...)

A pequena história da grande História na competição do Doclisboa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.09
DATA: 2013-10-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os primeiros títulos a concurso sugerem um ano de ouro para o festival. Destaque grande para o filme português Vida Activa, de Susana Nobre. Um retrato resignado e triste de vidas suspensas
TEXTO: Coloquemos a coisa neste pé: se todas as longas-metragens a concurso no Doclisboa conseguirem manter o altíssimo nível visível neste primeiro fim-de-semana, onde se concentram perto de metade dos títulos, este vai ser um ano de ouro para o festival. Isto não quer dizer que tudo seja igualmente bom - não é -, mas a quantidade de obras acima da média é invulgar. O grosso destes filmes usa a vivência pessoal como porta de entrada ou "cavalo de Tróia" para falar de questões maiores. Na competição nacional, há um exemplo notável em Vida Activa, de Susana Nobre (São Jorge, sábado 26, 19h15, e Cinema City Alvalade, quinta 31, 19h), que condensa em 90 minutos o período que a realizadora passou a trabalhar no programa Novas Oportunidades na zona de Vila Franca de Xira. As múltiplas histórias pessoais que Susana Nobre coleccionou ao longo de meses desenham um retrato resignado e triste de vidas suspensas, ao mesmo tempo que reflectem a realidade do desemprego e de uma visão empresarial puramente utilitária que desvaloriza a experiência pessoal ganha a pulso. Visto numa cópia quase final, é um filme seco, árido, duro, e é precisamente nessa dureza que se ganha. Numa linha semelhante, Kelly, da francesa Stéphanie Régnier (competição internacional; Alvalade, sábado 26, 21h15 e São Jorge, segunda 28, 16h), dá a conhecer as experiências de uma imigrante peruana em Marrocos que sonha em reunir-se à mãe em França. A sua história é a de tantos outros emigrantes que procuram uma vida melhor longe da sua terra natal e que esbarram nos obstáculos da burocracia internacional. Mas, ao mesmo tempo, Régnier levanta questões sobre o papel da câmara que está a filmar Kelly: cria o palco para a projecção de uma fachada optimista, ou é antes o confessionário de uma vida em constante busca do sonho?Sob o signo de BeiruteA câmara é a chave do provocador israelita Avi Mograbi, cujo cinema se faz sempre na visão das contradições do Israel moderno. Once I Entered a Garden (competição internacional; Culturgest, hoje, 22h, e Alvalade, segunda 28, 16h15) é um novo olhar esquinado para o eterno conflito israelo-palestiniano pelo prisma da cultura e da identidade. Ou antes, dois olhares: o de Mograbi, que busca antepassados judeus árabes provenientes de Beirute, e o do seu professor de Árabe, Ali Al-Azhari, palestiniano residente em Telavive e casado com uma judia. Sob o signo de Beirute, sinal utópico de uma paz impossível consubstanciada na presença de Yasmine - filha menina de Ali, que não vê sentido nas divisões étnicas da região -, Mograbi explora os efeitos da História nas pequenas histórias, sempre pontuado pelo humor negro e seco a que nos habituou. Era essa exploração que Maria Clara Escobar procurava em Os Dias com Ele (São Jorge, sábado 26, 16h30, e Alvalade, segunda 28, 21h15): usar a experiência pessoal do pai, o professor e filósofo Carlos Henrique Escobar, militante comunista contra a ditadura militar brasileira actualmente radicado em Aveiro, para lançar luz sobre um período negro da história do Brasil e sobre a sua própria história familiar. O resultado, contudo, desvia-se para o retrato fascinante de uma relação complicada entre pai e filha (Carlos Henrique reconheceu Maria Clara mas nunca casou com a sua mãe), num teimoso duelo de vontades que passa o tempo a tactear à volta do "elefante na loja de porcelanas". A merecer ainda destaque o deslumbrante poema tonal Anita (Alvalade, domingo 27, 22h, e quinta 31, 18h45). Inspirado por Viaggio con Anita, um projecto que Federico Fellini escreveu mas nunca chegou a filmar, o italiano Luca Magi percorre os locais reais onde o filme se deveria passar e ilustra-os com imagens de filmes caseiros de época, numa espécie de fantasmagoria onde a ficção do passado e a realidade do presente se contaminam de modo atmosférico e onírico.
REFERÊNCIAS:
Dia Mundial da Criança: E se fossem eles a mandar no país?
A pensar neste domingo em que se comemora por todo o lado o Dia Mundial da Criança, o PÚBLICO pediu a cinco crianças de 8 e 9 anos que se sentassem a uma mesa redonda a discutir os problemas do país. (...)

Dia Mundial da Criança: E se fossem eles a mandar no país?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-06-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: A pensar neste domingo em que se comemora por todo o lado o Dia Mundial da Criança, o PÚBLICO pediu a cinco crianças de 8 e 9 anos que se sentassem a uma mesa redonda a discutir os problemas do país.
TEXTO: Têm entre 8 e 9 anos e sabem que o país está em crise. Se mandassem, obrigavam os patrões a pagar mais aos empregados. E, sim, sabem para que servem as eleições, só acham que não valem a pena porque “os que são escolhidos cometem sempre os mesmos erros”. A palavra dinheiro surge várias vezes (demasiadas?) durante a conversa e isso é surpreendente porque ainda mal saíram da fase em que se brinca às princesas e aos piratas. Será porventura porque a crise lhes entrou pela porta de casa adentro, traduzida em coisas como a emigração e o desemprego. Sim, sabem que o país afundou numa crise que deixou muitas pessoas sem poder “por exemplo, alugar uma casa e comprar comida”. Por isso, se fossem primeiro-ministro, obrigavam os patrões a “pagar mais aos empregados” e “o mesmo todos os meses”. Não se imaginam com filhos porque, lá está, “se calhar não vai haver dinheiro para comprar roupas e comida”. A pensar neste domingo em que se comemora por todo o lado o Dia Mundial da Criança, o PÚBLICO pediu a cinco alunos do 3. º ano do primeiro ciclo do básico da Escola João de Deus, no Porto, que se sentassem a uma mesa redonda a discutir os problemas do país. Sentados nas cadeiras, chegam bem com os pés ao chão mas apenas porque aquelas são feitas à sua medida. Têm entre oito e nove anos. Francisco, que se destaca do grupo pelos óculos azuis, decidiu que quer ser futebolista quando crescer. Samuel, o mais franzino, também e até já treina no Leixões. Leonor quer ser médica e sabe que a isso a obrigará a “ser sincera e cuidar bem das pessoas”. Beatriz, cabelo preso num rabo-de-cavalo, imagina-se veterinária, por causa da cadela Nina que dorme no seu quarto. João, o mais desenvolvido, casaco de fato-de-treino às riscas pretas e brancas, anuncia que quer ser polícia. “Para prender as pessoas que se portam muito mal”, justifica. “Se calhar vou ter que prender os que estão no Governo também”, acrescenta, dando o mote para a conversa que se prolongou por cerca de uma hora. João: “Eu gosto de tudo [no país] menos do Governo”No léxico de todos, substantivos como crise e desemprego tornaram-se familiares. “Crise é estar sem dinheiro. Os nossos pais trabalham e recebem cada vez menos dinheiro todos os anos”, define Beatriz. “A mãe do Francisco está desempregada. E a minha mãe também esteve”, diz Leonor. “A minha mãe já abriu uma espécie de ATL com a minha avó”, corrige Francisco. A minha irmã também está desempregada”, acrescenta João. “Algumas pessoas que ficam sem emprego perdem a casa”, precisa Samuel, ao que Francisco acrescenta: “E têm que pedir dinheiro porque já não podem comprar comida”. Quanto à emigração, que é “ir para outros países arranjar trabalho”, Samuel e Francisco têm-na como inevitável, mas por razões diferentes das habituais: “Como vamos ser jogadores, se calhar vamos ser contratados por outros países”, explica Samuel. Descontada essa circunstância, todos se mostram pouco confortáveis com a ideia de serem forçados a partir. “Eu não quero, porque gosto muito do meu país. Da paisagem e isso… E deixar cá a família não seria nada bom”, perspectiva Leonor. Ao que João atira: “Eu gosto de tudo [no país] menos do Governo”. Porquê? “Porque é uma coisa má. Só nos deixa obedecer” e temos de estar sempre a pagar!”. Beatriz acrescenta que “o Governo manda pagar menos aos empregados e mais a quem manda nas empresas”. “E obriga-nos a pedir facturas”, soma Francisco. É então que Samuel vaticina, mãos entrecruzadas sobre o tampo da mesa: “Eu, particularmente, acho que todo o país detesta o Governo”. Samuel: “Se fosse primeiro-ministro inventava uma regra que era os patrões darem mais aos empregados”Tendo ficado assente neste quinteto que “quem Governa são os maus” - os tais que João admite vir a prender um dia -, a pergunta que se impõe é para que servem, afinal, umas eleições. Diz Beatriz: “Servem para os nossos pais escolherem os nossos governantes. Por exemplo, agora está um, não sei qual é, o PSD ou algum outro, a governar. Mas depois a parte má é que quem é escolhido faz sempre os mesmos erros. E eu não gosto nada disso”. João também não gosta. Francisco idem aspas: “As pessoas escolhem o seu preferido para tornar Portugal melhor, com mais dinheiro, e depois os preferidos acabam por tirar um pouco mais [às pessoas] ”. Depois de Samuel ter opinado que “as eleições são todos os anos” e que coincidem com o dia em que o seu avô faz anos, Beatriz decide precisar o que pensa sobre o assunto. “Com as eleições nós aprendemos quem é que faz mal ao país e quem não faz. É uma lição para votarmos noutros porque já aprendemos que quem lá está não é bom governante”. Logo, “as eleições servem para dizermos que quem lá está não é bom”.
REFERÊNCIAS:
Lenny, Andy, John e Chris, os que pagaram o preço do riso
A comédia stand up de Robin Williams é indissociável da sua persona fora dos filmes e lembra Lenny Bruce, Andy Kaufman, John Belushi ou Chris Farley, que também sorveram os dias e se extinguiram cedo. (...)

Lenny, Andy, John e Chris, os que pagaram o preço do riso
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-08-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: A comédia stand up de Robin Williams é indissociável da sua persona fora dos filmes e lembra Lenny Bruce, Andy Kaufman, John Belushi ou Chris Farley, que também sorveram os dias e se extinguiram cedo.
TEXTO: Com mais de uma centena de papéis no cinema e na televisão, Robin Williams é indissociável da velocidade e excentricidade do fluxo de consciência na sua comédia em palco e aparições nos talk shows americanos. Um imitador e um criativo numa forma de exposição voraz que, lembra o colunista da Variety Brian Lowry, “é mais um lembrete de que o riso extraído por alguns dos nossos melhores palhaços muitas vezes vem com um preço pessoal exorbitante”. Andy Kaufman, Lenny Bruce, John Belushi ou Chris Farley são alguns dos comediantes que sorveram os dias e se extinguiram cedo. Lenny Bruce“Se Jesus tivesse sido morto há 20 anos, as crianças dos colégios católicos usariam cadeirinhas eléctricas ao pescoço em vez de cruzes. ” Lenny Bruce (1925-1966) escreveu textos para a revista Playboy, mais tarde editados em livro, que até hoje incomodam. O comediante que cresceu durante a Grande Depressão, foi expulso da Marinha norte-americana em plena II Guerra depois de ter sido apanhado pelos oficiais num número de stand up em que vestia de mulher. Tal como Robin Williams nos seus primeiros anos em palco, recorria às imitações de figuras de Hollywood, do sempre caricaturável James Cagney a Peter Lorre, mas só atingiria o estatuto de “o mais doente dos doentes” dos comediantes na década de 1950 enquanto fazia o circuito dos clubes de comédia e embebia a contracultura e o movimento Beat nos seus números. A sua postura roçava o incómodo, sendo pouco afável para o público e ocupando um espaço de negrume em palco com a sua figura esguia e crítica mordaz. Escatologia, religião, política atravessavam os seus espectáculos. Foi preso inúmeras vezes, acusado de posse de drogas ou de uso de palavras obscenas. O seu fluxo de consciência em palco, dizia, não era escrito de antemão. Allen Ginsberg mobilizou um movimento de apoio a Bruce em que este era enquadrado como “um performer popular e controverso no campo da sátira social na tradição de Swift, Rabelais e Twain”. Lenny Bruce foi encontrado morto aos 40 anos de uma overdose de heroína em Hollywood. Se Brian Lowry descreve Robin Williams como um “dervixe rodopiante”, Lenny era um “xamã cómico” para o professor de História Social Americana na Universidade de Boston. Andy KaufmanTal como Dustin Hoffman foi Lenny Bruce em Lenny, de Bob Fosse, Jim Carrey foi posto ao serviço da loucura adorável de Andy Kaufman em Homem na Lua, de Milos Forman. Foi o encontro de novas gerações com o intangível comediante que se cristalizou como "um dos mais interessantes casos de performance art", como descreveu em tempos ao PÚBLICO Robert J. Thompson, do Centro Bleier para a Cultura Popular da Universidade de Syracuse, ou um “meteoro que cruzou o entertainment americano” que se servia do humor “como um terrorista, para desafiar e dinamitar as convenções do american way of life”, nas palavras do crítico de cinema Luís Miguel Oliveira. A figura de Andy Kaufman era muitas vezes desarmantemente trágica em palco, como quando vestia a pele do imigrante ou do estrangeiro que não conseguia (ou não queria) comunicar. Festivo na sua imitação de Elvis Presley, jogando com os timings e com a tolerância do seu público. A prova da mescla entre a sua personalidade e a sua persona em palco está na duradoura discussão entre os seus fãs à época sobre se o cantor romântico Tony Clifton era ou não uma criação sua. Kaufman sempre foi taxativo quanto ao alcance da sua pulsão cómica: “Não estou a tentar ser engraçado. Só quero mexer com as cabeças deles [do seu público]”. Era o que fazia a lutar com mulheres ou em espectáculos experimentais, além das suas aparições atormentadoras em Saturday Night Live ou nos talk shows. Latka Gravas foi a sua encarnação mais límpida, calorosamente acolhida pelo público da sitcom Taxi. Kaufman nunca se explicava, nem ao seu trabalho. Por isso, quando morreu de cancro em 1984, aos 35 anos, muitos fãs continuaram a pensar que ele podia ter encenado a doença. John BelushiUm dos mais celebrados e excessivos comediantes dos EUA, uma figura contemporânea de Robin Williams nos circuitos de stand up e das festas, “o Bruce Lee da comédia” – assim descrito pelo comediante Tracy Morgan pela sua capacidade de arriscar até ao limite. Sexo, drogas e morte, sketches autobiográficos em que expunha as suas derivas nocturnas intoxicadas até à casa dos amigos e colegas, o pasto de John Belushi era o excesso. Um dos membros do elenco fundador da futura escola televisiva de humor americana, o programa Saturday Night Live onde trabalhou com Bill Murray ou Chevy Chase, ficaria para sempre emparelhado com Dan Aykroyd em The Blues Brothers – O Dueto da Corda (1980), do mesmo John Landis que o tinha resgatado para Hollywood com o delírio de Animal House - A República dos Cucos (1978). Belushi morreu em 1982 de overdose no hotel Chateau Marmont, em Los Angeles, tendo Williams sido uma das últimas pessoas a vê-lo com vida. Tinha 33 anos.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
À procura de um país
Há algo no ar? Uma geração que construiu uma memória idealizada do 25 de Abril anda à procura desse país. A nostalgia e como ultrapassá-la. Is that a metaphor? Era, é: Catarina Vasconcelos a andar com um elefante no Hyde Park em Londres. Tinha de ser suficientemente grande “para caberem dentro estas coisas todas”: a mãe e o país, um cancro e uma revolução. “Os elefantes têm uma memória gigante. E são animais que visitam os seus mortos. ” Catarina respondeu yes, sim, é uma metáfora, o elefante no Hyde Park é o elephant in a room que se evidencia mas que toda a gente finge ignorar. Respondeu yes aos londrinos que s... (etc.)

À procura de um país
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-02-06 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20160206113854/http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=333491
TEXTO: Há algo no ar? Uma geração que construiu uma memória idealizada do 25 de Abril anda à procura desse país. A nostalgia e como ultrapassá-la. Is that a metaphor? Era, é: Catarina Vasconcelos a andar com um elefante no Hyde Park em Londres. Tinha de ser suficientemente grande “para caberem dentro estas coisas todas”: a mãe e o país, um cancro e uma revolução. “Os elefantes têm uma memória gigante. E são animais que visitam os seus mortos. ” Catarina respondeu yes, sim, é uma metáfora, o elefante no Hyde Park é o elephant in a room que se evidencia mas que toda a gente finge ignorar. Respondeu yes aos londrinos que se abeiravam com curiosidade. A verdade é que na altura nem sabia o que respondia: o filme estava a ser rodado e ela ainda não o tinha escrito. Escreveu-o depois, com o alinhamento das imagens em cima da mesa. Metáfora ou a Tristeza Virada do Avesso está aí, estará no DocLisboa 2014, de 16 a 26 de Outubro. (Acabou por levar a “metáfora” no título. ) E está hoje aqui, nestas páginas, não só porque foi considerado há duas semanas a melhor curta internacional pelo júri do festival Cinema du Réel, em Paris, mas porque é uma narrativa de timing certo: está em busca do 25 de Abril. “Como é que se esqueceu um país?”A interrogação é de uma rapariga de 28 anos que construiu a memória da revolução através da aventura dos pais, que se apaixonaram e foram de Citröen 2 cavalos até à reforma agrária. Dez anos depois da morte da mãe, Catarina e o irmão escrevem-se: sentem-se metades de pessoas, as gavetas recheadas de vazio, habitantes de casas incompletas; estão a ser varridos por correntes de ar, as portas e janelas fizeram greve geral. “Mãe, para onde é que levaste a revolução?”Querem virar a tristeza do avesso. Atravessam a ponte, num país em que “o ministro da Saúde pede às pessoas para não ficarem doentes por causa do Orçamento de Estado”, vão em direcção ao tempo atrás, quando eles nem existiam, “quando não havia cancro” — em direcção ao “tempo das revoluções dentro das pessoas que depois se tornaram revoluções fora das pessoas. ” O cinema é a “máquina de engolir” que torna a viagem possível — engolir para outro tempo. Catarina visita os seus mortos. Dez anos depois da morte da mãe, a catarse e talvez a culpa, palavra pesada, pelo esquecimento que começa a acolchoar a memória, são agitados por aquilo que vê ao longe, como se usasse telescópio a partir de Londres, onde fez mestrado no Royal College of Art em Design de Comunicação. Pelas conversas telefónicas com o pai, pelas notícias nos jornais. O cá dentro, que está dentro de nós, lá fora. “Teria sido impossível fazer este filme se estivesse em Portugal”, diz. É esse o timing de Metáfora ou a Tristeza Virada do Avesso, trabalho de mestrado no Royal College: abrir uma narrativa íntima, pessoal, individual, já que se trata de alguém a “deitar coisas cá para fora”, à possibilidade coral, a um “de todos nós. ”“Não me interessa fazer filmes para mim própria. Quero partilhar uma memória colectiva. Era preciso estabelecer esse elo de colectivo. Daquilo que é pessoal e que pertence também a muitos. Porque não é um filme de passado. Interessa-me que seja um filme sobre o presente. ” Sobre isto, por exemplo: “Quando se vêem os filmes da altura, 1974-1975, da altura do PREC, vêem-se muitos debates populares. As pessoas tinham voz. Para onde é que isso foi? Como perdemos, como se desvaneceu, essa memória? O país foi esquecido. Pelo menos aquilo que os meus pais me disseram que foi o 25 de Abril. ” Talvez não haja momento mais tremendo desse encontro entre a história pessoal de Catarina e a emoção de um espectador — e a ser assim será uma sobreposição de tristezas — do que aquele em que ela convoca os avós maternos para visitarem o local onde antes houve casa, em que a mãe cresceu, e onde hoje já não há uma casa e a natureza tratou do assunto. Começa por ser o embaraço dos avós, o embaraço de quem não se olha verdadeiramente porque olha o vazio, que só faz cair para dentro: foi o que ficou depois de eles terem enterrado a filha e terem assim perdido também uma metade. É nesse aspecto cinéma verité da tristeza. É depois o embaraço do espectador que ouve aí ecos de si. “Esta luta entre o esquecimento e a procura das coisas, como aquela casa que ali existiu, é uma metáfora de muito o que tem acontecido. ”Após a nostalgia, avançar. . . E o que tem acontecido? Há algo no ar. Em Setembro de 2012, houve manifestações em Portugal. Margarida Rêgo, outra estudante em Design de Comunicação no Royal College of Art, testemunhou. Viu. Quis “começar a perceber o que é isso de lutar por um país”. Também com memória construída da Revolução, pela família e amigos, Margarida, colega de Catarina em Londres, olha à volta e vê “nostalgia” na sua geração. Fez uma curta. Vai estar em Cannes, Quinzena dos Realizadores: A Caça Revoluções. O título diz ao que vai: sobre uma foto do pai da época revolucionária, Margarida “anima” marcas do tempo, inventando um diálogo entre uma memória rica mas cansada, que desistiu, e uma memória ávida de alimento. “Devemos procurar novas palavras de ordem, novas músicas. As pessoas da minha geração não se conseguem desligar dessa nostalgia. Isso faz com que não se consiga avançar. A revolução não terminou no 25 de Abril, temos de pensar que ela continua e que está sempre em mudança. Vamos estar sempre a fazer a revolução. ”Margarida experimenta, em A Caça Revoluções, com desenhos sobre imagens. “Para saber o que acontece com o passar do tempo, o que acontece a seguir à imagem. ” É o seu encontro sem compromisso com o cinema, fiel apenas à possibilidade artesanal, capaz de engolir tudo, que nele descobriu. Tal como Metáfora ou a Tristeza Virada do Avesso, colagem de ficções do real e uma colagem dos diferentes interesses da realizadora. Que nunca tinha pensado em cinema até que descobriu também essa capacidade de engolir. O seu background é a música, começou a estudar violino aos sete anos no Conservatório. Mas percebeu que não queria ser instrumentista. Fez Design de Comunicação nas Belas Artes. Aí também fez teatro. “Os meus pais não só me passaram os valores do 25 de Abril, também me passaram os valores de fazer algo pelos outros. ” Seguiu os passos da mãe, socióloga, trabalhando em bairros problemáticos. “Não era a reforma agrária, eram outras reformas. Mas vi que não ia salvar ninguém e que fundamentalmente estamos apenas a salvar-nos. ” O passo seguinte foi Antropologia Visual, no ISCTE, embora continue “obcecada” pelo Outro. Metáfora ou a Tristeza Virada do Avesso é um feliz retrato dessas justaposições, até porque permite ao espectador encontrar a sua narrativa. Com humor, a realizadora dá conta de dificuldades encontradas junto dos professores no Royal College: “Os ingleses não são nada poetas, não percebem a poesia; os meus professores achavam que o projecto era demanding em termos de leitura de legendas. ”Está em Londres, estrangeirada, a olhar para o país. Um dia voltará. “Não se esquece que o primeiro-ministro disse para os jovens emigrarem. Há-de haver um momento em que os estrangeirados hão-de voltar. Juntaremos esforços e ideias. Estou num país com o qual não estou de acordo em termos políticos. Mas há coisas que funcionam lá. Também é importante perceber que há coisas que não funcionam nos outros países, não é só em Portugal. Aqui é a minha casa. ”
REFERÊNCIAS:
A brincar se harmoniza vinho e comida
É um livro divertido (e útil), este em que Maria João de Almeida põe alguns dos melhores chefs portugueses a pensar em pratos para vinhos de 13 regiões do país. (...)

A brincar se harmoniza vinho e comida
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: É um livro divertido (e útil), este em que Maria João de Almeida põe alguns dos melhores chefs portugueses a pensar em pratos para vinhos de 13 regiões do país.
TEXTO: O novo livro de Maria João de Almeida não é dois-em-um, é cinco-em-um – ou, se continuarmos na matemática, é muito mais do que isso. Vejamos: são treze chefs, treze regiões de Portugal e um total de 265 vinhos apresentados neste Vinho à Mesa. Quando dizíamos cinco-em-um era na perspectiva do que oferece ao leitor. Aqui ficamos a conhecer melhor os tais treze chefs — João Rodrigues, Alexandre Silva, Henrique Sá Pessoa, Rui Paula, José Avillez, Miguel Castro e Silva, Diogo Rocha, Ricardo Costa, Justa Nobre, Leonel Pereira, Pedro Lemos, Vítor Sobral e Miguel Laffan —, temos acesso a quatro receitas de cada um, aprendemos mais sobre cada uma das regiões vinícolas do país, descobrimos a história dos tais 265 vinhos e, por fim, aprendemos muito sobre harmonizações entre vinhos e comida. A autora conta na introdução que, quando a editora Saída de Emergência a desafiou a escrever mais um livro (depois de O Vinho na Ponta da Língua), desta vez cruzando vinho e comida, ela quis evitar a fórmula habitual receita/vinho recomendado. Pôs-se a pensar e chegou a este modelo, mais trabalhoso de pôr em prática, mas muito mais variado. Maria João de Almeida Saída de Emergência 25, 50€A isto soma-se ainda um lado bem humorado: para cada chef há uma fotonovela que mostra o dia em que Maria João esteve no respectivo restaurante e os animados bastidores da sessão fotográfica e das provas de harmonização. Há ainda dois prefácios, um de Frederico Falcão, presidente do Instituto da Vinha e do Vinho, e outro de Duarte Calvão, coordenador do projecto Gastronomia da Associação de Turismo de Lisboa, que foram também os protagonistas do sorteio realizado previamente para atribuir as regiões aos chefs. O trabalho não foi fácil, conta Maria João no texto inicial. “Se a selecção de chefs foi terrível (há muitos chefs talentosos que não consegui incluir neste livro pelas mais diversas razões), a de vinhos não foi menos, tal é grande a nossa diversidade e qualidade. Mas lá consegui, contorcendo-me pelo meio. ”O sorteio obrigou assim muitos dos cozinheiros a saírem das suas zonas de conforto (o mesmo é dizer, das suas regiões vinícolas preferidas) e a pensar em pratos que melhor se adequassem a vinhos de regiões que, em alguns casos, eles não conheciam tão bem. Outro ponto importante para a autora é a opção, quase sempre, por vinhos feitos com castas nacionais — a excepção acontece apenas em regiões onde alguns dos melhores vinhos incluem castas estrangeiras, explica. De resto, os vinhos são, também na sua maioria, topo de gama ou de gama média alta. Mas também as receitas são de alta cozinha (e por isso não muito fáceis de reproduzir em casa, embora venham explicadas passo a passo). As propostas são muitas e variadas. Começam com o choco no prato, uma ideia de João Rodrigues (Feitoria, Lisboa) para usar apenas um ingrediente (o choco, cozinhado de várias formas) em harmonização com um vinho feito também com uma única casta, o Covela Avesso. E terminam nos Açores com Pedro Lemos (do restaurante com o mesmo nome, no Porto) e uma sobremesa de banana, alfazema e pérolas de Chico Maria para harmonizar precisamente com o Chico Maria Meio Doce. Aqui, só para deixar um exemplo dos textos que acompanham cada harmonização, Maria João explica como “o caramelo da banana assada e maturada liga muito bem com os melados do vinho e as pérolas de sagu, confeccionadas com parte do vinho; o toque final do gelado de banana com citrinos equilibra-se com a acidez do vinho e, por fim, o perfume da alfazema confere um lado floral ao prato que tão bem liga com o lado aromático do vinho”. E assim, com mais de 50 receitas ao longo do livro, se vai percebendo o que é, na prática, uma verdadeira harmonização entre gastronomia e vinho. Quem conhece o crítico gastronómico norte-americano de origem portuguesa David Leite através do seu site Leite’s Culinária, que reúne inúmeros textos e receitas (foi premiado com o James Beard Award), vai ficar a conhecer a sua história neste Querido Banana – Memórias sobre a gastronomia e o amor. Nascido numa família de emigrantes açorianos em Fall River, Massachusetts, David transporta-nos logo no início para essa casa animada, com os pais, a avó, os padrinhos, o primo e todo o universo cultural (e gastronómico, claro) dos portugueses nos EUA. O livro acompanha depois várias fases da sua vida, a descoberta da homossexualidade, e, aos trinta anos, do transtorno bipolar que veio, finalmente, justificar as suas bruscas mudanças de humor. E, a atravessar toda esta história de vida, a comida, da cumplicidade com a mãe na infância (era ela quem lhe chamava Banana), à influência dos programas televisivos de Julia Child, passando sempre pelos sabores marcantes da cozinha portuguesa. Querido BananaDavid LeiteCasa das Letras21, 90 €Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Este é um livro sem medos. Coração de vaca grelhado com manteiga de ervas? Faça-se. Mioleira de porco panada com maionese de cebolinho? Vamos a isso. Túbaros de borrego grelhados com azeite de coentros? Porque não? Estas (e muitas outras) receitas de petiscos portugueses são, dizem Isabel Zibaia Rafael e Virgílio Nogueiro Gomes (autores já de vários outros livros de receitas e gastronomia), “um desafio para se divertirem na cozinha com refeições, ou petiscos, a baixos preços”. E são também uma homenagem a tradições culinárias portuguesas e um incentivo ao aproveitamento daquelas que são consideradas as partes menos nobres dos animais. Depois de uma introdução sobre a carne, o livro divide-se em quatro capítulos, com textos de enquadramento e receitas: aves, bovinos, caprinos e ovinos e, por fim, suínos. Pelo meio, encontramos ainda provérbios e expressões populares e informações sobre todas as carnes DOP e IGP do país. E porque não começar por uma sopa de cabeça de borrego assada no forno?Petiscos e Miudezas à PortuguesaIsabel Zibaia Rafael e Virgílio Nogueiro GomesEd. Marcador14, 90 €
REFERÊNCIAS: