Entre o “all you need is love” e o Portugal “contra a invasão”
Entre quem assistiu às manifestações a favor e contra a vinda de refugiados houve quem comentasse: “Nós não somos o país mais indicado para os receber. Temos cá tanta pobreza e miséria.” (...)

Entre o “all you need is love” e o Portugal “contra a invasão”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.5
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Entre quem assistiu às manifestações a favor e contra a vinda de refugiados houve quem comentasse: “Nós não somos o país mais indicado para os receber. Temos cá tanta pobreza e miséria.”
TEXTO: Os quatro operários reformados dos estaleiros navais da Lisnave, confessos “homens de esquerda”, estão sentados num dos bancos de jardim da Avenida da Liberdade a ver passar a manifestação a favor da vinda dos refugiados para Portugal, que segundo a PSP chegou às cerca de mil pessoas. Separada da primeira por um bom meio quilómetro, vêem chegar a segunda manifestação, umas cerca de 40 pessoas, do partido de extrema direita Partido Nacional Renovador (PNR), “gente que não interessa a ninguém”, sentencia um deles. Sobre a situação dos refugiados comentam, à vez: “Coitados, fugiram da guerra”, “tenho pena deles”. Rui Rodrigues, de 65 anos, conta que quando viu a fotografia do menino sírio afogado ficou chocado. "Quase não consegui jantar", diz. "A minha filha até chorou”. Mas quanto à vinda de refugiados, dos 1500 de que se falou no início, ou dos três mil que agora se aponta, não têm dúvidas: “Primeiro ajudávamos os nossos”, diz José António da Silva, de 68 anos. “Nós não somos o país mais indicado para os receber. Temos cá tanta pobreza e miséria, pessoas com cursos superiores a ganharem 200 euros. Os refugiados que vão para a França, para a Suécia, para a América. ”Num banco mais abaixo, um casal assiste à mesma manifestação a discutir um com o outro. São casados, são pequenos empresários em Santarém. José Luís Latoeiro, 69 anos, fala dos retornados das ex-colónias e das tensões que causaram na sociedade portuguesa de então, lembrando que “todos acabaram por se encaixar”. A mulher, Isabel Malaquias, 55 anos, tem mais receio, e diz que, mesmo sendo a favor do acolhimento, lembra que “a situação do país é muito complicada, é muito complicado tê-los todos cá”. O marido percebe o que ela quer dizer. “Com o desemprego… pode conduzir a um racismo terrível, penetra na ignorância”, teme. “Não é por falta de coração”, completa Isabel. Já dentro das duas manifestações, as posições estão perfeitamente definidas. Há consensos. No longo mar de gente que começou no Marquês do Pombal, e foi descendo até ao Terreiro do Paço estão sobretudo jovens e empunham-se cartazes categóricos, sem nuances: “all you need is love” e “welcome home”, “ninguém escolhe ser refugiado”. A manifestação foi convocada nas redes sociais por um "movimento de cidadãos", no Dia Europeu de Acção aos Refugiados, e levou este sábado às ruas de várias cidades europeias milhares de pessoas. Na pequena manifestação de extrema-direita esvoaçam três bandeiras de Portugal e quatro do PNR, canta-se o hino nacional e grita-se “ontem, hoje e sempre Portugal independente”. Maria Leonor Figueiroa Rego, reformada de 59 anos, militante deste partido há um ano, diz que veio mostrar-se “contra a invasão do Islão muçulmano”, lembrando que, no país, “temos pessoas que são despejadas das casas, que se suicidam”. “Primeiro matamos a fome aos nossos filhos, depois aos filhos dos outros. Isso não é racismo”, grita um irado jovem de camisa preta. Gustavo Sousa, 19 anos, estudante de Belas Artes, piercing no nariz, veio com uma amiga que prefere não ser identificada, podia chamar-se Matilde. Partilham valores, ideias com o que os rodeiam ali na rua. Mas isso é o que se mostra abertamente. O que tem surpreendido Gustavo é ver em algumas pessoas da sua geração, do círculo de amigos, "pessoas que eu achava que conhecia, tendências xenófobas”. “É a situação que nos define”, diz Matilde, “é quando nos toca a nós. Quando os problemas são reais as coisas vêm ao de cima”. Leonor Rodrigues, 54 anos, está com a filha. É das poucas pessoas da sua geração que vieram apoiar a vinda de refugiados. Diz que na sua vida há um antes e um depois da fotografia do menino sírio, Aylan Kurdi. “Aquela fotografia vai ficar. Eles não têm alternativa. ”Leonor lembra-se de outros que não tiveram escolha, dos “chamados retornados”, dos dias e dias que passaram a dormir no aeroporto de Lisboa e de, nessa altura, ela lhes ter ido lá levar comida e roupa. “São casos muito parecidos. As pessoas que hão-de chegar não têm alternativas. Como é que não as podemos receber?”. Portugal está em crise, sim, “mas são coisas diferentes”. Leonor Rodrigues não tem dúvida de que a manifestação onde ela está inserida é representativa do sentir dos portugueses, acredita que os que seguem atrás são “uma pequena minoria”. “Somos um povo super-humano. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
Organizações humanitárias criticam acordo europeu sobre imigração
Estados da UE "não conseguiram superar os seus interesses nacionais" e "prevaleceu a fortaleza Europa". (...)

Organizações humanitárias criticam acordo europeu sobre imigração
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 Migrantes Pontuação: 18 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estados da UE "não conseguiram superar os seus interesses nacionais" e "prevaleceu a fortaleza Europa".
TEXTO: Associações de direitos humanos e organizações não-governamentais (ONG) estão desapontadas com o acordo conseguido sexta-feira no Conselho Europeu sobre migrações e defendem uma política de gestão dos fluxos migratórios “justa e humana”. As organizações Save The Children, Alianza por la Solidaridad, Oxfam Intermón, Caritas Europa e Unicef consideram que se perdeu uma oportunidade para criar um sistema de asilo unificado. A Save the Children criticou os chefes de Estado por não terem conseguido "superar os seus interesses nacionais" e não terem estabelecido "uma direcção clara na política de migração europeia". As propostas relativas a centros de controlo voluntários e centros de desembarque fora da UE permanecem “vagas e levantam sérias dúvidas sobre a detenção de crianças e famílias”, segundo a Save The Children. Em relação ao sistema de plataformas de desembarque em países fora da UE, "não estão claras as localizações, nem as condições a que as pessoas que chegam a esses centros serão submetidas", acrescentou a organização. A Save the Children teme mesmo que estas plataformas possam tornar-se em centros de detenção. A Alianza por la Solidaridad considerou que o Conselho Europeu "torna a Europa uma fortaleza mais intransponível". Os líderes europeus falaram em solidariedade entre os países, mas o que prevalece é "a total externalização das fronteiras, em vez da protecção das pessoas", de acordo com esta ONG espanhola. Já a Oxfam Intermón acredita que a UE "deveria ter abordado as deficiências do actual sistema de asilo para dar uma resposta eficaz e humana à migração e não apenas para reagir às disputas políticas internas". Por seu lado, a Cáritas Europa deplorou que "a fortaleza da Europa prevaleça sobre uma Europa acolhedora". "O medo da migração levou os líderes da UE a concentrarem-se no aumento do controlo de fronteiras e na externalização das políticas de asilo e migração", disse. Em relação às plataformas de desembarque regionais, advertiu que o mecanismo deve respeitar a Convenção de Genebra e a Convenção Europeia de Direitos Humanos e proteger o direito de asilo nos Estados-membros da UE. Já a UNICEF exortou a UE e os países "a agirem em coordenação, unidos e a tempo de salvar as vidas das crianças refugiadas e migrantes antes de chegarem à Europa, bem como a resolver a incerteza e a insegurança que apoiam a sua chegada". Os centros de desembarque, defendeu esta agência das Nações Unidas, devem ser instalações abertas que forneçam uma primeira recepção, processamento rápido e acesso fácil e efectivo a uma rápida realocação de crianças e das suas famílias em locais adequados e pediu que os menores nunca sejam detidos. Os líderes da UE, reunidos em cimeira, alcançaram um acordo sobre migrações que prevê a criação de plataformas de desembarque regionais fora da UE, sobretudo em países da costa africana, e de centros controlados nos Estados-membros, bem como o reforço do controlo das fronteiras externas. O acordo foi conseguido após uma maratona negocial e um braço-de-ferro com a Itália, que chegou a bloquear as conclusões do primeiro dia de trabalhos. A chanceler alemã, Angela Merkel, que nesta cimeira jogava uma cartada política interna decisiva, face às críticas de que é alvo dentro da sua própria coligação governamental, por parte da ala direita, e que ameaçavam precipitar a queda do seu Governo, saudou o acordo. Estabeleceu ainda acordos bilaterais com 14 outros países europeus - entre os quais Portugal - para devolver imigrantes aos países onde primeiro foram registados no espaço Schengen - algo que o seu ministro do Interior, líder da CSU, o partido irmão da CDU na Baviera, exigia para se manter na coligação de governo alemã. O Presidente francês, Emmanuel Macron, também considerou “muito bom” terem conseguido um entendimento de que muitos duvidavam. Mas recusa a possibilidade de abrir no seu país um desses centros de desembarque de imigrantes preconizados no acordo. O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, considerou, por seu lado, que o acordo sobre migrações “não disfarça as divisões profundas que hoje ameaçam a UE”, tendo afirmado mesmo que não se lembra de uma cimeira onde as mesmas tenham sido tão evidentes. Quanto ao teor do compromisso alcançado, observou que “quem ler atentamente as conclusões, verificará que o Conselho não fez mais do que mandatar a Comissão e o Conselho para dialogarem com as Nações Unidas, com a Organização Internacional para as Migrações, com países terceiros, para explorar uma ideia, e nada mais do que isso”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em 2017, mais de 171. 635 migrantes chegaram à Europa, e 3116 morreram no mar, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), para a qual sexta-feira foi eleito como presidente António Vitorino (ex-comissário europeu ligado ao PS). A mesma organização, que desde 2016 integra a estrutura multilateral da ONU, indicou que este ano 16. 394 pessoas conseguiram alcançar as costas europeias através da chamada "rota central", que parte da Líbia, enquanto 635 morreram afogadas.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
As democracias desenvolvidas culpam os imigrantes para não terem de enfrentar os seus problemas
260 milhões de seres humanos estão em movimento no mundo. Fogem da pobreza, dos desastres, dos conflitos, da falta de esperança. O português António Vitorino tem uma parte da responsabilidade pelas suas vidas. Começou agora a sua “terceira vida” à frente da Organização Internacional para as Migrações. Quando os países mais ricos caem na tentação da fortaleza. (...)

As democracias desenvolvidas culpam os imigrantes para não terem de enfrentar os seus problemas
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 Migrantes Pontuação: 18 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: 260 milhões de seres humanos estão em movimento no mundo. Fogem da pobreza, dos desastres, dos conflitos, da falta de esperança. O português António Vitorino tem uma parte da responsabilidade pelas suas vidas. Começou agora a sua “terceira vida” à frente da Organização Internacional para as Migrações. Quando os países mais ricos caem na tentação da fortaleza.
TEXTO: Tomou posse do cargo no dia 1 de Outubro, depois de ter sido eleito três meses antes para liderar a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Venceu o candidato dos EUA que, à excepção de um mandato nos anos 1960, sempre liderou a organização desde a sua fundação, em 1951. Foi até hoje uma figura de referência na vida política portuguesa, pelos cargos que ocupou, sempre com brilhantismo, mas também pela sua intervenção pública. É uma das vozes mais reconhecidas quando o debate é sobre a Europa. Em Bruxelas, o seu conselho foi tão apreciado como em Lisboa. O seu currículo é vastíssimo. Na Assembleia da República, para a qual foi eleito com 23 anos; nos governos socialistas; no Tribunal Constitucional; na Comissão Europeia. Nas listas com que anualmente o Financial Times classificava na altura os comissários europeus, esteve sempre nos três primeiros lugares, alternando com o britânico Chris Patten e o italiano Mario Monti. Afastou-se do exercício de cargos políticos em 1997, quando uma questão sobre o extinto imposto de sisa de uma ruína que comprou no Alentejo se transformou em notícia. Quando essa informação veio a público, António Vitorino já tinha entregado o seu pedido de demissão a António Guterres. Podia ter sido líder do PS depois da desistência de Ferro Rodrigues em 2004, mas não quis. Talvez possamos dizer que, até hoje, já teve três vidas: como político, cá e em Bruxelas; como advogado de um dos maiores escritórios da Península Ibérica, ainda que dividindo o seu tempo com os cargos que desempenhou em vários think-tanks europeus, cumprindo uma segunda vida; inicia agora uma terceira, num alto cargo internacional. Afasta-se voluntariamente do debate europeu e nacional, para abraçar uma causa que envolve 260 milhões de pessoas. Já não fala, por isso mesmo, com a mesma liberdade e a mesma contundência sobre o futuro da Europa, nestes dias em que a Europa teme pelo seu futuro. Mas ainda fala. Aos 61 anos, com quatro filhos e duas netas, vai ter de percorrer o mundo para chamar a atenção para aqueles que as guerras, a pobreza, as alterações climáticas, as catástrofes põem em movimento à procura de um porto seguro. Numa altura em que o mundo desenvolvido nunca pareceu tão fechado sobre si próprio. Segue-se uma entrevista em forma de conversa que decorreu na semana passada em Lisboa. Por que razão decidiu, de repente, mudar de vida?A minha dedicação ao tema é antiga. Tem quase 30 anos. E, neste momento, verificando-se a eleição para a direcção-geral da OIM, decidi avançar. Já tinha havido algumas pressões há uma década, mas na altura decidi que não era o momento. Em 2008?Sim. Saí da Comissão em 2004. Houve algumas pressões para me candidatar, mas nessa altura achei que não era o momento para dar esse passo. Desta vez, essas pressões reeditaram-se e achei que talvez… Não quero que isto soe muito presunçoso, mas achei que tinha uma obrigação de dar um contributo neste sector, depois de todo o investimento que tinha feito nele ao longo de muitos anos. E, por sinal, um sector que adquiriu hoje uma importância enorme à escala mundial e também na própria União Europeia. O mundo está numa situação de crescente caos e isso empurra as pessoas para os grandes movimentos migratórios?Quando me comecei a dedicar a este tema, confesso que sempre achei que esta hora ia chegar. E se alguma razão de amargura tenho, ela deve-se a que muito daquilo que se poderia e devia ter feito para que enfrentássemos este momento em melhores condições não foi feito. Mas agora o tema impõe-se em todos os quadrantes. Dois terços dos países do mundo passaram a ser, simultaneamente, países de origem e países de destino de migrações. A dimensão dos fluxos migratórios sul-sul supera a dimensão dos fluxos migratórios sul-norte, embora nós, que lemos sobretudo a imprensa ocidental, tenhamos uma visão completamente desfocada. Ia perguntar-lhe, justamente, se a grande pressão migratória continuava a ser essencialmente sul-norte — dos mais pobres para os mais ricos. Hoje é menos. Temos, hoje em dia, cerca de 260 milhões de pessoas que podem ser consideradas em movimento, das quais cerca de 40 milhões são uma categoria mais recente mas em crescimento — as pessoas internamente deslocadas. “Internal desplaced people”, na versão oficial. Que também são da sua responsabilidade?É uma boa pergunta. Nós actuamos juntamente com o ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) junto dessas pessoas, mas a clarificação da responsabilidade ainda carece de novos passos. Há, no entanto, uma coisa que é óbvia: essas pessoas têm necessidade de apoio. E nós, juntamente com o ACNUR, estamos no terreno. Voltando aos números, temos ainda cerca de 30 milhões de refugiados e, depois, os restantes são aquilo a que poderíamos chamar “migrantes económicos”. Nas missões atribuídas à OIM, também se fala de apoio aos refugiados, o que aparentemente seria uma missão do ACNUR. A responsabilidade dos refugiados é do ACNUR para a aplicação da Convenção de Genebra de 1951, que está intimamente ligada às causas pelas quais as pessoas carecem de protecção internacional. E essas são as causas que estão previstas na Convenção e a sua aplicação é da responsabilidade do ACNUR — quer o estatuto de refugiado quer as formas de protecção subsidiária. Mas o que é facto é que estamos cada vez mais confrontados com aquilo a que chamamos, no nosso jargão, “fluxos mistos”. Em muitos sítios do mundo, sobretudo nas zonas mais afectadas por conflitos, por alterações climáticas ou por situações de insegurança e de guerra civil, actuamos conjuntamente com o ACNUR, dentro de cada um dos respectivos mandatos, mas sobre um conjunto de pessoas que, no final, tanto podem ser refugiados como imigrantes. Apesar de tudo, posso dizer que esta é a sua terceira encarnação. Teve uma vida política, que começou muito cedo e que foi muito activa. Lembro-me de o ver na Assembleia da República, eleito pela UEDS…Sim, comecei em 1980 com a eleição para deputado da UEDS nas listas da Frente Republicana e Socialista. Passou pelo governo. Começou pelo governo do Bloco Central, em 1983, como secretário de Estado. Foi ministro. Fez as revisões constitucionais de 1982, 1989 e 1997. Podia ter sido líder do PS e, mais tarde ou mais cedo, primeiro-ministro. A determinada altura, quando sai de ministro da Defesa, percebe que a política lhe exige mais do que aquilo que está disposto a dar, pelo menos em termos pessoais?Passaram dois anos entre o momento em que saí de ministro da Defesa (1997) e o momento em que fui designado comissário europeu (1999). Estive fora do governo, não exerci nenhum cargo político e retomei uma actividade internacional até 2004 na Comissão. Depois, ainda fui deputado nos anos de 2005 e 2006, o que, no todo, perfaz praticamente 28 anos de dedicação à vida política. Uma vida…Estive 13 anos no exercício da actividade privada e, como lhe disse há pouco, achei que tinha chegado o momento de voltar ao serviço público, neste caso, ao serviço público internacional, numa área onde adquiri uma grande experiência, nomeadamente quando estive na Comissão Europeia. Mas a minha pergunta era ligeiramente diferente. Nessa altura e hoje, numa dimensão gigantesca, exige-se a quem exerce funções políticas uma enorme capacidade de resistência e uma disposição para sofrer ataques pessoais. É um preço que muita gente não está disposta a pagar. Essa questão pôs-se-lhe quando saiu do Governo?Sim. E, como disse, as condições em que se faz política hoje são muito diferentes das condições em que se fazia política nos finais dos anos 90. Digamos que hoje estamos confrontados com duas evoluções que alteram as regras do jogo. A primeira é a emergência das redes sociais, que altera a própria lógica do debate político e que está intimamente associada a um outro fenómeno, que é a polarização das sociedades, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista político. Em parte, esta polarização está ligada ao crescimento das desigualdades sociais e, também em parte, ao facto de o debate político estar muito reduzido aos 140 caracteres de um tweet. Esta dupla evolução, polarização e pretensa simplificação da mensagem política, altera completamente o quadro de fundo. E também tem implicações pessoais. O grau de exposição individual e a necessidade de resiliência psicológica e emotiva aumentam muito. E há pessoas que não estão dispostas a esta nova realidade?Há pessoas que não aceitam as regras do jogo. Ainda não sabemos quais vão ser as implicações das redes sociais no próprio funcionamento das democracias. Bolsonaro não tinha tempos de antena nem um grande partido e vai vencer graças às redes sociais. Isto altera profundamente o quadro de funcionamento das democracias? Mesmo das mais maduras como as europeias?Sabemos que altera. Mas ainda não sabemos todas as implicações que estas novas condições de fazer política vão ter sobre a sobrevivência da própria democracia. Apenas uma coisa é certa: a democracia representativa como a conhecemos no passado não vai ficar incólume a estas transformações. Há riscos sérios. Mas também confio em que a sociedade, no seu conjunto, seja capaz de encontrar as respostas. Há uma certeza que tenho: não é possível resolver problemas complexos na base de ideias simplificadas. As ideias podem ser simples mas não podem ser simplistas. Isso é particularmente verdade nas migrações, onde o debate é, tantas vezes, dominado por ideias feitas, apriorísticas, por estigmatizações…Por exemplo?Por exemplo, a ideia de que as migrações são uma invasão, que põem em causa a identidade dos países de acolhimento, quando temos, felizmente, casos de sucesso de sociedades abertas, tolerantes, onde o ajustamento e a convivialidade são garantidos por um esforço de duplo sentido — dos que chegam, para se adaptarem, e dos que os recebem, para se adaptarem à sua chegada. Esta ideia de invasão está muito ligada a fenómenos importantes, como seja o envelhecimento das sociedades mais ricas, a necessidade de rejuvenescimento das comunidades de destino para responder como maior agilidade e maior criatividade aos desafios de uma economia global mais competitiva e mais agressiva. Outro exemplo de ideias feitas: fazer dos imigrantes o “bode expiatório” responsável por uma série de males sociais que estão muito para além do fenómeno migratório. O declínio das sociedades desenvolvidas, a deslocalização dos processos produtivos, tudo isso é polarizado em torno dos imigrantes, que são estigmatizados, como se, resolvendo o problema da imigração, tudo se resolvesse. É uma forma de fugir aos problemas sérios que as sociedades desenvolvidas enfrentam. Designadamente, o crescimento das desigualdades, o problema das qualificações, a sociedade dos dois terços numa economia do conhecimento, a maneira de as comunidades saberem tirar o melhor proveito das novas tecnologias, a rapidez da revolução tecnológica. Ou seja, a velocidade das mudanças?Dir-me-á que já estamos habituados à revolução tecnológica, mas a verdade é que, nos últimos cinco anos, assistimos a uma aceleração vertiginosa das transformações tecnológicas. Quando, há 20 anos, provavelmente, as grandes evoluções se mediam em termos de décadas, hoje grandes evoluções inesperadas, seja na medicina, seja nas comunicações, seja no funcionamento das sociedades, são vistas a dois, três anos. Esta enorme rapidez cria um sentimento de vertigem e de insegurança. E, muitas vezes, a tentação é culpar os migrantes, ou seja, os outros…E não vê-los como uma forma de dar sangue novo às sociedades. Não sou ingénuo. Sei que a integração, por vezes, é difícil e que exige políticas públicas e a mobilização da sociedade civil: e coloco as duas coisas ao mesmo nível. Sem a mobilização da sociedade civil, as políticas públicas são insuficientes. E é preciso ter consciência — que muitas vezes não existe — de que o sucesso ou insucesso da integração é micro. Joga-se no local de trabalho, no local e residência, nos serviços sociais de primeira linha, joga-se nas escolas, através da socialização dos filhos das famílias de imigrantes, e esse processo é sobretudo da responsabilidade das autarquias locais, dos responsáveis locais e das associações locais. Tendemos a ter um discurso demasiado geral e demasiado teórico sobre estas questões?Não há um fato que sirva a todos. Cada caso de integração é um desafio, é uma experiência, há coisas que resultam num sítio e que não resultam noutro. Temos de ter a humildade de aprender com a experiência. Deixe-me só compreender melhor a OIM, que não é muito conhecida em Portugal. É uma organização do sistema das Nações Unidas, cujo core business é apoiar toda a gente que está em deslocação no mundo pelas mais variadas razões, dos refugiados aos imigrantes económicos. A pergunta clássica: tem meios e financiamento para a dimensão da tarefa?A OIM é uma organização que emprega cerca de 12 mil pessoas, entre funcionários internacionais e contratados locais, em 150 países, tendo 473 delegações de dimensão variável no mundo inteiro. É uma organização intergovernamental que, desde 2016, tem um estatuto de associação às Nações Unidas, que vai ser agora reforçado quando os Estados da ONU adoptarem o Pacto Global para as Migrações Regulares, Seguras e Ordeiras, em Dezembro, em Marraquexe. Isso fará da OIM a agência coordenadora desse pacto no âmbito das Nações Unidas. E financiamento?É uma organização com um orçamento anual variável, porque está muito ligado aos projectos, que anda à volta dos 1800 milhões de dólares. Dedica-se ao apoio a migrantes, quer seja assistência humanitária e sanitária, quer respondendo a pedidos dos Estados, garantindo a sua segurança e o retorno aos países de origem daqueles que voluntariamente aceitam regressar — ou porque não foram admitidos nos países de destino ou porque viram os seus pedidos de asilo rejeitados. Também tem essa função: o retorno?E a reintegração. É esta a segunda parte. Quando as pessoas regressam aos países de origem, é preciso criar condições para voltarem a integrar-se e terem forma de encontrar um modo de vida. Actuamos hoje com base em projectos que são financiados, sobretudo, pelos grandes países doadores — os EUA, a UE enquanto instituição e cada um dos seus Estados-membros, bem como vários outros países, o Japão, o Canadá —, fazendo, deste modo, a ponte entre os países doadores, que são normalmente os países de destino, e os países beneficiários, que são normalmente os países de origem e de trânsito. É só financiada pelos Estados, não pela ONU?Sim. É baseado em projectos e programas, o que faz com que a organização seja muito flexível, altamente descentralizada, tenha uma grande proximidade com os migrantes e seja capaz de produzir resultados. A estrutura central é financiada por uma percentagem sobre os projectos. E os grandes doadores? São os do costume? Países nórdicos, Alemanha…Sim. Alemanha, Suécia, Estados Unidos sem dúvida, Canadá… Hoje, as instituições europeias, sobretudo o Trust Fund e os fundos para a cooperação e o desenvolvimento, especialmente com África, são os grandes contribuintes. O resto do mundo, para lá do mundo desenvolvido ocidental, dá alguma contribuição significativa? A China, por exemplo? Os países em desenvolvimento? Os emergentes?Esses são ainda, em grande medida, beneficiários dos projectos. Temos duas grandes fronteiras, das quais se fala muito, entre o mundo pobre e o mundo rico — a fronteira dos EUA com o México e a fronteira do Mediterrâneo, entre a Europa e o Norte de África e o Médio Oriente. O que é que não vemos, para além destas duas fronteiras?Não vemos as migrações intra-africanas. Embora os números sejam estimativas, porque nestas regiões não é possível haver um controlo rigoroso, 70%, no mínimo, dos movimentos em África são dentro do próprio continente. À escala global, mais de 45% dos movimentos migratórios são sul-sul, incluindo entre vários continentes. Encontramos, por exemplo, correntes migratórias na América Central oriundas de África. Hoje, há nos países ricos a sensação de que a imigração não pára de crescer e que são eles o único destino. É verdade. Nos países de destino, a percepção das opiniões públicas sobre o fenómeno migratório tende a ser muito exagerada. Na Europa, como provam os inquéritos, quando as pessoas são espontaneamente inquiridas sobre quantos imigrantes pensam que estão no seu país, em regra respondem que há duas, três, quatro ou até cinco vezes mais do que a realidade. Há aqui também uma tarefa de…. . . desmistificar essa percepção…De desmistificar essas percepções erróneas que, muitas vezes, são manipuladas — abusiva e intencionalmente manipuladas. É necessário desmentir as falsas notícias que, neste sector, são permanentes e não são tão recentes como noutros, são bastante mais antigas. E é necessário, sobretudo, ter a consciência de que as pessoas que têm uma percepção negativa sobre a imigração não são todas empedernidos racistas e xenófobos. Este ponto é muito importante. Seria um erro de análise gravíssimo. Obviamente que há racismo e xenofobia, mas não é aí que está a alavanca da reacção às migrações. A alavanca desta percepção negativa está nas inseguranças, nas incertezas, na falta de conhecimento e, por isso, uma das nossas tarefas é a de fazer a pedagogia junto dessas opiniões públicas. A sua experiência sobre o sector vem muito da Comissão?Sim. Mas fui presidente da Comissão das Liberdades Públicas do Parlamento Europeu em 1994, quando fui eleito deputado, que era precisamente a comissão que se dedicava ao asilo e à imigração. Em 1999, vai estrear uma nova pasta, da Justiça e dos Assuntos Internos. Teve de a formatar e houve nessa altura uma série de acontecimentos que levaram a que fosse rapidamente olhada como relevante. Lembro-me de um de que ninguém se esquece: o 11 de Setembro. Já nessa altura, a questão da imigração ilegal se colocava com uma grande persistência. A Europa não se preparou para ela. A responsabilidade também é sua?[gargalhada] Mais uma vez, não quero soar presunçoso. Não soa. Muitos dos debates que estão hoje em cima da mesa são em torno de propostas e de ideias que lá coloquei em 2004. Dou-lhe exemplos. Propus a criação do Frontex em 2004, explicando que era um embrião que deveria evoluir no sentido de vir a ser uma guarda costeira. Passaram 17 anos. A ideia de que é preciso dar protecção aos refugiados e às pessoas à procura de asilo o mais próximo possível da zona de onde são originárias, porque me parece completamente hipócrita esperar que elas consigam chegar até nós para nós cumprirmos uma obrigação de protecção. Esta ideia está, de resto, em linha com o que o secretário-geral das Nações Unidas [António Guterres] tem sublinhado, insistindo na necessidade de proteger e de encontrar mecanismos de protecção tão depressa quanto possível junto das zonas de origem dos conflitos que geram refugiados. A ideia de protecção na região foi posta em cima da mesa por mim em 2002. Mesmo a ideia de uma cooperação mais estreita entre os países europeus e os países do Mediterrâneo para acolher as pessoas que podiam correr risco de vida na terrível travessia do Mediterrâneo…E que morrem em larga escala. Como vimos agora. A ideia foi posta em cima da mesa por mim em 2002. Não quero dizer: eu já sabia. Não é isso. O que quero dizer é que essas ideias não tiveram a sequência que deviam ter tido e agora fomos confrontados com uma nova realidade e estamos a reagir a ela em modo de crise. Em modo de crise e sem grande capacidade de encontrar resposta eficazes e comuns. Andamos de Conselho Europeu em Conselho Europeu a colocar alguns remendos. Ainda não foram colocadas as 140 mil pessoas que há dois anos a Comissão queria distribuir pelos países da União. Já foram alguns. Mas tenho de ser prudente nos comentários sobre estas matérias…Porque os seus financiadores estão na Europa… [gargalhada]. Tem condições, na sua organização, humanas e financeiras, para enfrentar problemas desta dimensão?A resposta é simples: tenho de as criar. Não estou à espera que mas dêem, tenho de ser eu a encontrá-las. Mas acho que, apesar de tudo, o simples facto de, pela primeira vez e no âmbito da ONU, haver uma conferência intergovernamental em Marraquexe, do Pacto Global sobre Migrações, incluindo pela primeira vez o tema na agenda das Nações Unidas, já é um bom sinal. Outro sinal positivo está em que a Agenda do Desenvolvimento Sustentável — a Agenda 20-30 — estabelece pela primeira vez a ligação entre migrações e desenvolvimento, coisa que não encontramos nos Objectivos do Milénio. A grande diferença entre ambos está precisamente nesta ligação, estabelecida explicitamente, entre migrações e desenvolvimento e na necessidade de olhar para as causas profundas que levam as pessoas a imigrar — ou forçam as pessoas a imigrar. Vejo isso como um sinal encorajador, que agora terá de ter sequência por parte da comunidade internacional. Toda a gente ouviu o Presidente Trump dizer, no seu discurso na ONU, que os EUA não iam participar no Pacto Global. Sendo eles o maior financiador da OIM, fica preocupado?Eu respeito a decisão americana, é uma decisão soberana. Aliás, o Pacto Global é, ele próprio, um instrumento não vinculativo do ponto de vista jurídico e, portanto, apenas um quadro de referência política, ao qual os Estados aderem voluntariamente. Até ao momento, quer os EUA quer a Hungria já anunciaram publicamente que não vão participar. Mas eu gostaria de sublinhar — e sou enfático — que a OIM tem responsabilidade no âmbito do Pacto Global, mas não se resume, muito longe disso, ao Pacto Global. É apenas uma nova dimensão?Exacto. Isso em nada altera a relação da OIM com todos os Estados-membros, com base nos projectos que levamos a cabo, e trabalhamos intensamente com os EUA em todas as zonas do mundo — na América Central, na América Latina, em África e na própria Ásia. Temos com eles um conjunto vasto de programas e projectos e tenho sinceramente a convicção de que vão continuar, porque correspondem ao interesse nacional americano e são levados a cabo directamente pela OIM, independentemente do Pacto Global. Um pequeno aparte sobre os EUA, que, seja em que dimensão for, são sempre incontornáveis. Reparou que a imprensa ocidental deu a notícia da sua escolha mais ou menos assim: “O português Vitorino venceu o candidato de Trump. ” A OIM não passa ao lado da política mundial. O mundo atingiu um estádio de desordem que, porventura, não imaginávamos há cinco anos e que é também atribuído às políticas de Trump. E isso terá impacte na sua vida. Primeiro, a minha candidatura nunca foi uma candidatura contra ninguém. E, muito menos, contra os EUA, porque não me considero uma pessoa estúpida. Em segundo lugar, essa interpretação resulta do facto de, desde 1951, praticamente todos os directores-gerais serem americanos. Em terceiro lugar, a OIM tem tido uma colaboração muito estreita com os EUA e eu sempre assumi o compromisso, como candidato e agora como director-geral, de que não haverá qualquer alteração nessa relação por parte da OIM. Mas a crescente desordem mundial torna a sua missão mais complexa. Sim. A missão não é fácil. Isso já sabia antes de ser eleito. Mas estou convencido de que não há solução para as migrações fora do contexto da cooperação internacional. Seja ela bilateral, seja ela regional ou global. O que é preciso é que as respostas sejam flexíveis. Atribuímos muita importância à cooperação com a União Europeia mas também com a União Africana ou com todos os processos regionais em matéria migratória, seja o Processo de Cartum, seja o processo de Colombo ou de Bali. Há uma lista de processos intergovernamentais por zonas do mundo onde a OIM coopera, porque entendemos que todas essas plataformas são fundamentais. Não há soluções “one fits all”. Têm de ser muito adaptadas às realidades no terreno, que são mutáveis. Ninguém imagina como são flexíveis os fluxos migratórios. Falou do Mediterrâneo, que é um excelente exemplo. Hoje, a situação no Mediterrâneo oriental está estabilizada, embora haja ainda um conjunto de casos pendentes de apreciação nas ilhas gregas. Os números no Mediterrâneo central mostram uma quebra de 36% em relação ao mesmo período do ano passado e uma quebra de 76% em relação a 2016. Mas, infelizmente, o número de mortos continua a ser muito elevado. Estamos a assistir mais recentemente a um aumento da pressão migratória sobre a Europa no Mediterrâneo ocidental, sobretudo em direcção a Espanha. Os fluxos mudam com uma enorme rapidez. Estamos a falar numa mudança que ocorreu num período de três anos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Tem um conjunto de prioridades ou pontos quentes?Estamos presentes em situações de crise. Na Síria, obviamente. E em todo o arco à volta — Líbano, Jordânia, Turquia, onde estão acolhidos milhões de sírios. Temos situações muito difíceis no Iémen. Temos outras situações muito difíceis na África central, no Congo, na Somália, no Sahel. Temos agora a situação da Venezuela ou os rohingya no Bangladesh. São situações prioritárias onde estamos presentes com missões de grande dimensão. Temos diante dos nossos olhos essa impressionante caravana de hondurenhos a caminho dos Estados Unidos, que já chegaram ao México e que se dirigem para a fronteira, onde provavelmente não serão bem recebidos. Para estas pessoas, qualquer risco é melhor do que o que vivem nos seus países?Trata-se de mais um dramático exemplo de migrações provocadas pelo desespero, que se traduzem rapidamente numa crise humanitária que exige uma resposta pronta e eficaz da comunidade internacional, em nome dos mais elementares direitos humanos. É o que estamos a fazer no terreno, ao mesmo tempo que tentamos perceber melhor os factores de incentivo para este movimento tão significativo — 7 mil pessoas em escassos dias, que percorrem a pé milhares de quilómetros em condições de grande penosidade e sofrimento.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS UEDS
Imigrantes que chegaram a Catania foram transferidos para uma traineira perto da costa
Autoridades abrem inquérito por homicídio múltiplo. Seis dos passageiros, de nacionalidade egípcia, morreram afogados quando saltaram do barco a poucos metros da costa. (...)

Imigrantes que chegaram a Catania foram transferidos para uma traineira perto da costa
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 Migrantes Pontuação: 18 | Sentimento 0.1
DATA: 2013-08-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Autoridades abrem inquérito por homicídio múltiplo. Seis dos passageiros, de nacionalidade egípcia, morreram afogados quando saltaram do barco a poucos metros da costa.
TEXTO: Os cerca de 100 imigrantes sírios e egípcios que chegaram no sábado a Catania, na Sicília, viajaram num barco maior até às proximidades da costa italiana. As autoridades locais admitem o envolvimento de organizações italianas. "[Os contrabandistas] disseram aos imigrantes que o barco estava encalhado num banco de areia. Eles pensaram que tinham chegado, mas havia uma depressão mais à frente. Os que não sabiam nadar caíram nessa armadilha", contou o procurador de Catania, Giovanni Salvi, numa entrevista ao jornal católico Avvenire. Os seis imigrantes que morreram afogados eram de nacionalidade egípcia e não síria, ao contrário do que tinha sido anunciado inicialmente. Tinham entre 17 e 27 anos de idade. De acordo com o inquérito preliminar, as autoridades italianas acreditam que o barco, de 18 metros de comprimento, foi rebocado por outra embarcação de maior dimensão até às proximidades da Sicília. Os contrabandistas terão então transferido os passageiros para a traineira, que acabou por chegar à cidade de Catania. Para suportar esta tese, as autoridades avançam que alguns viajantes apresentavam sinais de desidratação, mas o estado de saúde da maioria indicava que não tinham feito uma longa viagem pelo Mar Mediterrâneo numa pequena embarcação. "Chegar com um 'barco mãe' à costa siciliana, sem parar em Lampedusa, e depois transferir as pessoas para um barco mais pequeno é uma sinal evidente de que existe uma organização", disse o procurador de Catania, Giovanni Salvi, ao Avvenire. O mesmo responsável disse que existem provas de "colaboração com organizações criminosas locais, que ganham com este tráfico, que é muito lucrativo". Questionado sobre se as organizações a que se referia eram italianas, designadamente com ligações à máfia, o procurador disse que "há seguramente um envolvimento de uma base italiana". "Ainda não sabemos se foi isso que aconteceu neste caso, mas já aconteceu no passado", afirmou. Três dos contrabandistas conseguiram escapar, mas as autoridades detiveram dois adolescentes, de 16 e 17 anos, que tinham como função distribuir comida ao longo do trajecto. No barco seguiam cidadãos sírios e egípcios. Um bebé de sete meses chegou a ser hospitalizado, mas encontra-se a recuperar bem. A chegada deste barco à costa Este da Sicília foi descrita no sábado pelo capitão Roberto D'Arrigo, da Guarda Costeira de Catania, como "um acontecimento anómalo" – a maioria das pessoas que tentam chegar ao território italiano fá-lo através da costa mais a sul ou da ilha de Lampedusa, a 110 km da Tunísia. Segundo o responsável, esta foi mesmo a primeira vez que um barco com imigrantes chegou a Catania. Menos mortes em 2013De acordo com os números do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 8400 pessoas chegaram às costas de Itália e de Malta no primeiro semestre do ano, a maioria proveniente de países da África subsariana. A maioria dos passageiros são oriundos da Somália e da Eritreia, mas os relatórios das Nações Unidas identificam também muitos imigrantes de países como Egipto, Paquistão, Síria, Gâmbia, Mali e Afeganistão. Pelo menos 40 pessoas morreram nos primeiros seis meses do ano, em travessias entre a Tunísia e Itália, embora as autoridades admitam que muitos outros casos de vítimas mortais nunca cheguem a ser conhecidos. Em 2012, o ACNUR registou cinco centenas de mortes ou desaparecimentos no mar Mediterrâneo. A diferença entre o número de vítimas mortais no ano passado e no primeiro semestre de 2013 é explicada "pelo aumento dos esforços de coordenação de salvamento no mar das autoridades italianas e maltesas, em particular a Guarda Costeira de Itália e as Forças Armadas de Malta", segundo um balanço do ACNUR publicado na semana passada. No mesmo documento, o alto comissariado presidido por António Guterres congratula-se com "os esforços das autoridades de Itália, de Malta e da Líbia no salvamento de embarcações em perigo no Mediterrâneo" e apela a "todos os países para que continuem a cumprir as suas obrigações de acordo com a lei internacional dos refugiados e as leis marítimas".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei
O futuro da Europa...
Merkel, tão elogiada no seu generoso humanitarismo, impôs agora à Espanha e à Grécia que reacolhessem milhares de migrantes. (...)

O futuro da Europa...
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Merkel, tão elogiada no seu generoso humanitarismo, impôs agora à Espanha e à Grécia que reacolhessem milhares de migrantes.
TEXTO: Para salvar o seu governo e a unidade interna do seu partido, cada vez mais contaminado pela mundivisão racista das direitas triunfantes por toda a Europa Central, Angela Merkel propôs a criação de novos “centros de controlo” para refugiados, a sediar nos países de chegada dos migrantes (Itália, Grécia, Espanha) ou noutros que se proponham a acolher estes centros de forma voluntária “segundo um princípio de solidariedade”. Curiosa esta “solidariedade”: para sossegar a extrema-direita racista e xenófoba que já dirige ou participa em 40% dos governos da UE (dos países bálticos à Itália, da Bélgica à Bulgária), os governos que se dizem europeístas liberais e antipopulistas continuam a adotar, uma a uma, as propostas da extrema-direita. Esta proposta de “centros de controlo” em território europeu adia por algum tempo aquela que foi a proposta do próprio Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, de pagar a países do Norte de África para abrirem eles esses centros, por forma a impedir a travessia do Mediterrâneo, logo descritos pelas ONGs de Direitos Humanos e por um dos comissários da UE como verdadeiros “Guantánamos” europeus. O que saiu da cartola de Merkel para acalmar a direita-da-direita alemã não é muito melhor. Campos de refugiados em que se detém contra a sua vontade quem procura asilo na UE, não por ordem de um juiz mas por pura decisão policial/administrativa, é o que já existe desde 2015 em Itália e na Grécia, onde centenas de milhares de migrantes aguardam meses ou anos pela simples decisão sobre o seu pedido de asilo. Cada vez mais hostis face às ONGs que defendem dos direitos dos migrantes, os governos europeus podiam pelo menos ler as auditorias feitas por Bruxelas, como a que no ano passado denunciava a situação das 23 mil crianças detidas nestes campos, sem acompanhamento parental, privadas de liberdade, de segurança, de água, de comida, de cobertores, de cuidados médicos, vítimas muito frequentes de abuso e exploração sexual. 130 mil migrantes aguardavam no fim de 2017 nos campos italianos que as autoridades decidissem sobre pedidos de asilo. A UE comprometera-se a distribuir 35 mil pelos vários países membros, mas apenas 3. 809 tinham sido aceites por algum Estado membro; de entre eles, menos de 1. 200 tinham sido efetivamente transferidos para fora de Itália - nenhuma daquelas crianças incluída (Guardian, 24. 4. 2017)! O que se combinou em Bruxelas é multiplicar isto por vários novos campos! E é este o acolhimento prestado aos refugiados pela Europa da democracia e dos Direitos Humanos, cujos Macrons, Merkels e Tusks enchem o peito contra Trump e os racistas que (re)assumiram o governo em Itália. Merkel, tão elogiada no seu generoso humanitarismo, impôs agora à Espanha e à Grécia que reacolhessem milhares de migrantes que, tendo entrado no espaço europeu naqueles países, conseguiram chegar à Alemanha. Depois de anos a insistir com Viktor Orbán que havia que ser solidário e aceitar a distribuição de refugiados pelos város países europeus, Merkel vem agora dar-lhe razão! Ela e Donald Tusk: “Pré-requisito de qualquer política de migrações genuína da UE é que sejam os europeus a decidir quem entra na Europa. (…) Os povos da Europa esperam de nós (…) determinação para restaurar a sensação de segurança (…), não porque se tenham tornado subitamente xenófobos e queiram levantar muros contra o resto do mundo, mas porque fazer cumprir a lei é competência de toda e qualquer autoridade, proteger o território e as fronteiras. ” É o que constava do texto do convite formal que o presidente do Conselho Europeu dirigiu aos chefes de governo da UE para a cimeira de 28 e 29 de junho. Não, não é um tweet de Trump. . . “Uma vez desumanizados e, portanto, anulados como sujeitos potenciais de exigências morais, contempla-se os seres humanos que são objeto de tarefas burocráticas com indiferença ética”, escreveu Zygmunt Bauman sobre os judeus perseguidos pelo Nazismo (Modernidade e Holocausto). É também assim que a UE está a tratar os refugiados: “objetos desumanizados”, invasores indesejáveis, potenciais criminosos, a quem se não reconhece “poder ter uma ‘causa’, e muito menos uma causa ‘justa’ (…) para que se os tome em consideração”. O futuro da União Europeia “depende da resposta que dermos às questões vitais colocadas pelas migrações”, dizia Angela Merkel há dias. Tinha toda a razão.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE ONGs
Eles são católicos, homossexuais e praticam
Estas histórias falarão por milhares de portugueses: homens e mulheres, catequistas e ex-seminaristas, professores, gestores, artistas. São católicos homossexuais praticantes. Para a doutrina católica oficial, é incompatível. Talvez eles vivam na Igreja do futuro. Mas o preço é alto: silêncio, solidão, sofrimento. (...)

Eles são católicos, homossexuais e praticam
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-04-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estas histórias falarão por milhares de portugueses: homens e mulheres, catequistas e ex-seminaristas, professores, gestores, artistas. São católicos homossexuais praticantes. Para a doutrina católica oficial, é incompatível. Talvez eles vivam na Igreja do futuro. Mas o preço é alto: silêncio, solidão, sofrimento.
TEXTO: 1. AlentejoO quarto de José António Almeida dá para a fachada da igreja matriz. É isto "numa vila da província", diz um dos seus poemas. Uma vila do interior alentejano cujo nome ele prefere calar. Mas aqui estamos, num começo de tarde, no começo da Primavera. Lá fora cheira a pólenes, e a luz aquece, quase cega. Cá dentro cheira a tabaco, ao óleo de ícones e santos, e a sombra quase arrepia. - Como vê, é o quarto de um católico - diz José António. Ao lado da janela, a reprodução de um ícone bizantino e uma imagem de Santa Teresa do Menino Jesus. Ao lado da cama, uma pintura com um crucifixo espetado num coração bastante carnal, com nervos e válvulas. - Esta imagem do Sagrado Coração foi proibida algum tempo por ser um órgão anatómico. Sim, é o quarto de um católico, mas também vemos que é o quarto de um poeta. Do outro lado da cama está emoldurada uma carta de Vieira da Silva escrita em 1983: "Meu querido poeta. . . " De passagem por Paris, José António quis conhecê-la, deixou-lhe poemas e um bilhete, ela respondeu com esta folha. O que talvez não se veja no quarto, mas se vê no escritório, é que além de católico e poeta, este habitante da casa é homossexual. Entre ícones bizantinos, lá estão "ícones" homoeróticos como Kavafis, o poeta de Alexandria que tanto escreveu sobre o amor a rapazes, ou colagens fotográficas com torsos musculados. E com estas "três identidades" - poeta, católico e homossexual - se apresenta José António Almeida no livro O Casamento Sempre Foi Gay e Nunca Triste (& etc, 2009). Tanto quanto sabemos, é o primeiro (e até agora único) livro que um português escreve sobre a sua condição de católico e homossexual praticante. Fé e sexualidade apareciam em obras anteriores deste poeta, mas só aqui são tratadas em relação uma com a outra, primeiro em ensaio, depois em poemas. E a dedicatória abre uma janela para algo invisível na sociedade portuguesa, com datas e lugares: "Ao pequeno grupo de católicos com quem me reuni na Capela do Rato e na Capela dos Fiéis de Deus para rezar e reflectir sobre a nossa condição homossexual de 18 de Outubro de 2003 a 22 de Março de 2008. "Ou seja, ao longo de quase cinco anos, no centro de Lisboa, católicos praticantes organizaram-se para reflectir sobre uma parte intrínseca da sua vida que a Igreja Católica considera um "mal moral intrínseco" ou um "comportamento intrinsecamente desordenado". Segundo a doutrina actual, os católicos homossexuais têm direito a ser acolhidos mas são convidados à castidade. Entretanto, o debate sobre direitos dos homossexuais, nomeadamente o casamento, está a multiplicar os sinais de católicos que buscam uma conciliação entre a sua prática religiosa e a sua prática homossexual. Além do livro de José António Almeida e do grupo que se reuniu na Capela do Rato, a Pública encontrou trabalhos académicos, blogues e sítios online, grupos só de leigos e grupos que se reúnem com acompanhamento não-oficial de padres. E não foi difícil convencer católicos homossexuais a falar. Quando se soube da reportagem, alguns contactos partiram dos protagonistas. Todos os encontros foram pessoais, às vezes repetidos. Isto pode anunciar a dinâmica de um movimento. Mas ainda será sobretudo o impulso de quem esteve calado. E o facto de quase todos não mostrarem a cara expõe a dificuldade que tudo ainda é. Homens e mulheres, catequistas e ex-catequistas, ex-seminaristas e ex-monges, entre os que aqui vão falar há quem se tenha sentido a enlouquecer. "Cada criatura humana aspira a escrever a sua própria história", escreve José António Almeida. Nascido em Lisboa há 50 anos, mas com raízes no Alentejo, este poeta começou a escrever a sua história antes mesmo de falar dela. - A família soube com os versos. Nunca escondi, nunca menti, as pessoas é que muitas vezes não querem ver os sinais. Depois há um momento em que temos necessidade de pôr preto no branco. Mas passaram-se anos até encontrar os católicos homossexuais que se reuniram na Capela do Rato. Esse grupo nasce inspirado pelo padre italiano Domenico Pezzini, que veio à Igreja de Santa Isabel, Lisboa, em Setembro de 2003. - O grupo começou em Outubro - recorda José António. - Soube por um amigo, desloquei-me a Lisboa e participei. Era uma vez por mês, numa salinha contígua à capela. O dia variava. Haveria uma média de seis, sete, pessoas, às vezes 10, 12. Só homens?- Houve uma altura em que apareceu uma rapariga. De resto, eram homens, mas não estava fechado a mulheres. E estava aberto a não-crentes. Recordo-me de lá ter estado um padre, mas eram reuniões de leigos, organizadas por nós. Havia uma ligação ao padre José Manuel, que tinha permitido aquelas reuniões, mas ele não aparecia. Foi muito corajoso. Um dos membros do grupo guardava a chave da capela. Eram autónomos e discretos, mas não clandestinos:- A hierarquia tinha conhecimento. Este grupo desfez-se, conta o poeta, depois de uma reportagem no Expresso que não precisava local nem datas, e dizia que todos queriam anonimato. Mas José António estava pronto a ser fotografado, e escreveu isso numa carta ao jornal, que não a publicou por não a considerar direito de resposta. Vem incluída em O Casamento Sempre Foi Gay e Nunca Triste. Quanto à fotografia, vamos a ela. No meio do Alentejo, agora, de caras. 2. Igreja de Santa IsabelNoite de Domingo de Ramos. O largo da Igreja de Santa Isabel parece uma festa. Mas é só o fim da missa celebrada pelos padres José Manuel Pereira de Almeida e José Tolentino Mendonça. Lua quase cheia e dezenas de jovens a conversarem. Vista daqui, a Igreja Católica nem parece envelhecida. - A presença de universitários é enorme - diz Tolentino Mendonça, que já tirou os paramentos e agora atravessa a comunidade, cumprimentos, despedidas, jantares combinados. José Manuel Pereira de Almeida aparece já de blazer, também, e os dois guiam o caminho para a casa paroquial, onde nos sentaremos junto a uma pintura de Ilda David". Como a doutrina católica considera a homossexualidade um mal, os sacerdotes são levados a reprovar a sua prática. Por isso, os grupos de homossexuais dentro da Igreja que debatem o assunto se têm mantido discretos. - Eu já era pároco em Santa Isabel - conta José Manuel P. de Almeida. - E convidámos o padre Domenico Pezzini. Estudioso de místicos medievais e professor de literatura inglesa, Pezzini fora nomeado pelo então arcebispo de Milão para dar "particular atenção" aos homossexuais. Era "o motor" de um movimento chamado La Fonte que procurava concretizar a "opção preferencial" da Igreja "pelos pobres", "pelos marginalizados, pelos excluídos", "em tantas circunstâncias, os últimos", escreve José Manuel P. de Almeida no prefácio ao livro de Pezzini As Mãos do Oleiro (Paulinas, 2009). Os retiros e encontros de La Fonte atraem gente de todo o mundo, e o pároco de Santa Isabel sabia dos efeitos. Assim, recebeu Pezzini aqui, a 16 de Setembro de 2003. - Organizámos um encontro com um título discreto: "Uma experiência pastoral na cidade de Milão". Ele chega e diz: "A experiência pastoral é esta: acompanhar pessoas homossexuais. " Na sequência do encontro, houve pessoas que me pediram um espaço para uma vez por mês rezarem e perceberem o que entre nós podia ser feito, poderem olhar para a sua condição sem se mentirem. Como o movimento italiano se chama La Fonte, esse grupo decidiu chamar-se Riacho. Fizeram um blogue (ainda activo: riacho. blogs. sapo. pt) e o padre José Manuel cedeu-lhes um espaço na Capela do Rato. - Era uma reunião de quem estava, eu nunca estive. Os leigos são maduros o suficiente para darem orientação a si próprios. Eu ia fazendo a coordenação com um deles. Quando deixei a Capela do Rato, continuaram mais um tempo, mas depois passaram a encontrar-se noutro lado. O patriarca de Lisboa sabia?- O Senhor Patriarca estava ao corrente da minha atenção pastoral, sem detalhe. Como agora acontece com outros grupos que têm acompanhamento recomendado, para que as pessoas não se sintam marginalizadas. No prefácio ao livro de Pezzini, o padre José Manuel diz: "Tenho também notícia de que, autonomamente, de forma discreta, algumas pessoas que se reconhecem como homossexuais têm procurado viver e aprofundar, em grupo, a experiência de fé em Jesus Cristo. Experiência exigente, séria, verdadeira. "Mas que se mantém discreta e alcança poucos, quando esta não é uma história de poucos. Os que a contam dizem que é uma história de muitos, e sentem que a Igreja Católica não tem resposta para eles. Uma igreja ou outra podem responder a alguns. Falta a resposta da Igreja para todos. 3. ChiadoP. quase morreu disto. Durante 33 anos não disse a ninguém que era homossexual. Tentou não ser. Tentou ser padre. Tentou ter uma namorada. - Até que rebentou tudo da pior maneira. Tive uma vida antes e outra depois. Agora está com 40 anos, a tentar viver a segunda vida "em verdade". Foi ele quem se predispôs para este encontro. Sentado num café do Chiado, Lisboa, falará com despojamento, convicto de que é preciso. Por ele, mostrava a cara. Hesita ainda porque recolhe fundos para solidariedade e não quer prejudicar a instituição. - Tive uma educação católica conservadora. Depois comecei a meter-me em grupos católicos de acção social e criei esta instituição com amigos. Trabalhávamos em bairros sociais. Isso, e uma experiência espiritual forte, fez-me pensar que a minha vida tinha de passar por ser padre. Não sabia que gostava de homens?- Soube desde sempre, mas não falava disso com ninguém. Tinha esperança de dar a volta à coisa, de me tornar heterossexual. O ambiente familiar, com distância entre pais e filhos e entre irmãos, empurrava-o para isso. - Os comentários homofóbicos predominavam. A homossexualidade era tratada como aberração, uma coisa nojenta. Eu julgava que era o único, não sabia de mais ninguém. E as piadas homofóbicas eram minhas também, para desviar qualquer suspeita. O estudo de Teologia não ajudou. - Aposta-se muito na moral sexual, parece que é mais importante do que as outras. Havia sempre em mim uma tensão quanto à verdade com que podia estar no seminário. Mesmo em castidade, achava o próprio desejo homossexual antinatura. E assim foi até aos 33 anos. - É um processo tenebroso. De uma violência brutal para connosco próprios. Estamos quase metade da vida a reprimir a identidade e com pânico de que se saiba. Quando entrei no seminário, foi uma questão que me começou a perturbar cada vez mais, por não me sentir em verdade. Só a possibilidade de a verbalizar causava-me uma ansiedade indizível. No fim do primeiro ano fez um retiro com jesuítas. - E quando fui, a questão não me saía da cabeça. Tive insónias dias seguidos para conseguir verbalizá-la com o padre. A resposta foi a pior possível, não me senti minimamente acolhido. Que ouviu?- Que estava a fazer uma tempestade grande demais e tinha de ir falar com o director espiritual do seminário. Depois daquela conversa é que não dormi mais. Quando o retiro acabou, foi falar com o director espiritual. - Disse-me que naquele momento é que eu estava em verdade para entrar no seminário. Mas com o tempo, a homossexualidade era uma questão de tal maneira dolorosa que mesmo perante ele fui dando a coisa como superada. Até se tornar insustentável. - No começo do quinto ano, saí. Não entrei por razões ligadas à homossexualidade, mas saí por isso. Como reagiram os pais?- Ficaram um pouco desiludidos. O meu pai principalmente, porque gostava de exibir o filho seminarista. Mas P. já estava com 28 anos. Vida sexual?- Inexistente. Reduzia-se à masturbação, que para mim era um pecado grave. Mas eu também não me conseguia confessar ao meu director espiritual. Vinha aqui à Igreja do Loreto, que eram padres italianos e ninguém me conhecia. Segue-se um túnel de anos. - Eu era um católico fervoroso a lutar contra a homossexualidade. Comecei a ter experiências homossexuais vividas com grande sentimento de culpa. Tinha um one night stand e ficava dias sem dormir, ia-me confessar, jurava que nunca mais. Até nova explosão. Ainda tive uma namorada, num esforço derradeiro para ser heterossexual. Até que, depois de terminar esse namoro, comecei a falar. Com um amigo, também católico. E aproximaram-se. - Aí, um amor com uma pessoa do mesmo sexo começou a tornar-se possível. Eu estava em carne-viva. Com uma sensibilidade exacerbada e ao mesmo tempo muito feliz. Noites inteiras em que só me corriam lágrimas pela cara, descompressão pura e dura. Fomo-nos aproximando até que passámos à parte física. Eu tinha medo, mas correu bem. E dois dias depois ele telefona a acabar comigo. Foi nessa altura que afundei. Rebentei por todos os lados, em ansiedade extrema. Emagreci 12 quilos num mês. Deixei de comer, de trabalhar, de conseguir estar sozinho e de conseguir estar acompanhado. Toda a gente se apercebeu. Fui internado numa clínica para casos de depressão. Esteve lá três semanas. Tinha 33 anos e ainda não contara aos pais, aos irmãos, aos amigos. - Quando saí, afastei-me de tudo. Não conseguia estar com amigos mais antigos, repugnava-me. Cortei com tudo o que era religioso. E desde então estou num processo de reconstrução. Começou por dizer à psiquiatra: "Não sei viver com isto, ser homossexual. "- Tem sido um processo lento, aprender a integrar. Comecei a descobrir outros mundos, a ir ao Bairro Alto, a fazer novos amigos, a falar com padres que me ouviam de outra maneira. A recusar padres como aquele que o ia visitar à clínica, obcecado com a homossexualidade. - Dizia-me: "Quando estiveres bem, vais para os Estados Unidos, tratas a homossexualidade e depois trazes o tratamento para cá. " E depois da clínica vinha-me com estas conversas: "Sabes que os homossexuais não entram no Reino dos Céus. " Até que lhe disse: "Consigo não quero falar mais, não me faz bem. " Comecei a falar com um padre jesuíta que me ajudou imenso. E depois com outro padre de quem fiquei amigo. Tinha já 37 anos. E só então contou aos pais. - Foi uma nova crise. Fizeram daquilo um problema deles: "Coitados de nós que temos um filho homossexual. " Diziam que eu continuava a ser filho deles, mas se tivesse alguém não queriam saber. Não queriam que os meus sobrinhos soubessem. Nunca pensaram no que eu tinha sofrido. E com os meus irmãos foi semelhante. Desde então, a questão é como se não existisse. Estou com eles regularmente, mas é como se tivesse duas vidas. E os amigos?- Nenhum deixou de me falar, mas para alguns é uma aceitação, e eu quero que gostem de mim sem nada de condescendente. Só cinco anos depois voltou a ter outro namoro. E entretanto foi conhecendo cada vez mais cristãos homossexuais. - Via muitas pessoas que não sabiam conciliar as duas coisas. Há muita homossexualidade entre cristãos, e muita repressão como a minha. Isso é que é assustador. A educação que os meus irmãos dão aos filhos é idêntica à que os meus pais deram. Comentários já homofóbicos, que eu contrario na hora. Então, há dois anos, empenhou-se na fundação de um grupo de católicos homossexuais orientado por um padre. - Todos temos vivências e sofrimentos que se tocam. Há uma história de repressão, um conflito de culpa e pecado, uma tentativa de ser outra coisa. Ajudamos a desfazer nós, a partilhar questões, e paralelamente é um grupo que reza, que nos ajuda a manter a dimensão espiritual. O padre que os orienta não quer falar sobre isso na reportagem, para não pôr em risco os encontros. A visão do grupo não coincide exactamente com a doutrina da Igreja. Tal como outros membros, P. não quer ser abstinente. Mais, defende a legalização de uma prática que a Igreja condena. - É claro que sou a favor do casamento homossexual. Que espera então desta Igreja que é a sua, mas não o aceita na prática?- Tem de voltar às suas origens, à pessoa de Jesus Cristo. Tem de deixar de ser a Igreja da moral para ser a Igreja do amor. Uma Igreja que está agarrada ao supérfluo e não ao essencial não pode ajudar o ser humano. Está tão centrada na norma que se esquece das pessoas. Jesus olhou para cada um como um caminho a ser construído. A perfeição está no amor e não na moral. A perfeição não é uma família heterossexual com filhos. Quando há amor, uma relação hetero é boa e uma relação homo é boa. E tentar assim conciliar a prática católica e a prática homossexual só o tornou mais crente. - Desde que fiz este corte, cada vez mais me revejo na figura de Cristo. E é tão radical aquilo que Ele disse, que a maior parte das pessoas não consegue lá chegar. Mas encontro muitos cristãos hoje que procuram a verdade sobre si próprios, como pessoas capazes de amar. O oposto disto é a repressão, o encobrimento, o que deveria fazer a Igreja pensar, sobretudo agora, com tantas acusações de pedofilia. - A repressão leva à doença. 4. Bairro AltoUm dos católicos homossexuais que P. levou para o grupo foi A. , este rapaz com olhos azul-violeta e dedos de pianista que podia estar numa pintura. Também pinta, e estudou Belas-Artes, mas agora estuda Música no Conservatório de Lisboa. Por isso é que nos encontramos aqui, num café da Rua da Rosa gay friendly, como ele disse, quando telefonou à Pública, por sua iniciativa. Nasceu há 33 anos nos arredores de Lisboa, numa família de católicos praticantes. - Tive catequese, grupo de jovens, participei num grupo missionário, comecei a cantar no coro da igreja. Depois, no primeiro ano da faculdade, visitou a comunidade ecuménica cristã de Taizé, em França. - Voltei no ano a seguir, fiz silêncio, voltei na Páscoa. Acho que tem a ver com a abertura: centramos no que nos une e não no que nos divide. E a estética, que para mim sempre foi uma forma de comunicação com Deus: a liturgia é de uma beleza simples, a oração é centrada nos cânticos e no silêncio. Na nossa tradição há pouco espaço para o silêncio, e o silêncio é abrir um poço de ar para a oração. Assim inspirado, A. decidiu viver um ano num mosteiro. - Foi tão bom que decidi entrar na congregação. Tinha 21 anos. Passou a ser noviço, ainda antes dos votos de pobreza, obediência e castidade. - Mas na prática já os cumpria. Era virgem. Não sabia que era homossexual. E não sentia necessidade. Hoje, a gente acha que quem não tem sexo não é completo, mas eu vivia bem o meu celibato. Sempre tive um lado espiritual desenvolvido. Uma pessoa não fica mutilada, continua a sentir pulsões, mas se nos sentimos bem não é um problema. Tudo corria tão bem que o mosteiro o enviou para um ano de missão num país muçulmano da Ásia, fora da capital. - A presença dos frades é discreta, a intenção não é evangelizar, é de apoio a mulheres e deficientes. Foi um ano extremamente difícil e o mais enriquecedor. Porquê difícil?- O clima é muito húmido, não pára de chover, às vezes parece que não se consegue respirar. Os frades vivem numa situação muito pobre. Tive muitas disenterias. E havia problemas com o visto. Tinha de atravessar a fronteira para os resolver. - Mas gostei muito do trabalho. Foi na altura do ataque às Torres Gémeas e sentia-se muita pressão. Aquela sociedade é dura com os estrangeiros, mas as pessoas com quem eu trabalhava eram cinco estrelas. Que fazia?- Além de aprender a língua, trabalhei num atelier de artesanato criado pelos frades para mulheres com deficiência. E estava muito com crianças deficientes. Só extrair essa miséria escondida era um pequeno trabalho de mudança. Tudo isto acabou de forma abrupta. - Vim cá a um casamento e descobri que estava com uma doença respiratória. Passei nove meses em tratamentos, o que me levou a repensar tudo. Acabei por ficar. Não se sentia com forças para voltar à missão, e portanto não fazia sentido voltar ao mosteiro. - O meu regresso foi quase uma vocação interrompida, um acidente. De repente, estava cá, e tive dificuldade em me reintegrar. Entregou-se à arte. Começou a dar aulas de Desenho e a posar como modelo em Belas-Artes. E teve uma namorada. - Era uma amiga de há muito. Tenho mais facilidade num amor para muita gente do que concentrado numa pessoa, então foi importante. Mas ela queria estabilidade, formar família. Falámos de filhos, de adoptar, mas eu não gostava de projectar as coisas. A atracção por homens não aparecera?- Estava enterrada. Eu era muito rápido a mandar isso para o fundo. Agora olhando para trás, com uns anos de psicoterapia, vejo que na adolescência já sentia atracção por homens, mas não me permitia isso. Só bastante tempo depois de acabar com a minha amiga comecei a interpretar sinais em mim. Não foi por isso que iniciou a psicoterapia, mas a psicoterapia fê-lo falar. - Eu pensava numa bissexualidade, mas era construção. Reconheço beleza numa mulher, como num edifício ou num homem, mas não tenho atracção. Na psicoterapia, foi um tema que me deu muita luta. Comecei a perceber que não era um erro, que não podia ser algo que condenasse em mim porque não acredito num Deus que diz: "Gostas de outros homens, mas tens de viver a tua vida como se não gostasses. " Não acredito num Deus que joga, acredito num Deus que ama desmesuradamente, e foi por isso que consegui reconciliar-me com esta circunstância, que não é qualidade nem defeito. Mas ainda hoje isto me faz tremer, tenho calafrios, é uma descoberta sofrida que vai contra os estereótipos que temos, aquilo que desejávamos ter, se calhar. Ser heterossexual seria mais fácil. - Se pudéssemos escolher, a maioria de nós provavelmente não agradeceria ser homossexual. Só depois de termos feito muitas pazes é que podemos agradecer a Deus sermos assim. Por isso, fico muito zangado quando falam em escolha. Mas não quero que ninguém fique com pena. Quero chegar a um ponto em que agradeço. Estou a gostar mais de mim do que já gostei. Entretanto, teve as primeiras relações homossexuais. - Experiências com pessoas que já conhecia. Fui conhecendo sítios nocturnos, mas nunca me revi nesse ambiente de engate. E abri-me gradualmente com os amigos novos, do meio artístico. Estar com naturalidade, comentar se passa um rapaz giro: "Epá, que giro. " Isso é libertador. Esgotado o tempo, ainda não chegámos à conversa de A. com os pais, ou com o irmão, que é padre. Três dias depois, novo encontro, com novidades:- Desde a nossa conversa criei um blogue. Não posso estar sempre à espera que seja a Igreja a vir ao meu encontro. Chama-se moradasdedeus. blogspot. com. É para cristãos homossexuais. Mas não quero que seja um campo de batalha, não é um Prós & Contras. É para tentar chegar à solidão das pessoas. Um dos primeiros posts fala d"As Mãos do Oleiro, o tal livro de Pezzini, para as famílias com homossexuais. A. leu-o antes de contar aos pais. Mas primeiro contou à tia, com quem vive. - No ano passado apaixonei-me e estive seis meses numa relação. Foi nessa altura que contei à minha tia. Ela aparentemente aceitou bem, mas depois houve um recuar. Diz que me aceita mas não tem de aceitar as pessoas com quem estou. Entretanto, A. pôs termo à relação e decidiu contar aos pais. - Disse-lhes que tinha chegado a um ponto de mim que não conhecia e que tinha recusado isso inicialmente. Que gostava que o assunto não ficasse como tabu e que gostava muito deles. O meu pai mostrou-se muito carinhoso e perguntou se eu estava à espera que deixassem de gostar de mim. A minha mãe disse que compreendia que existissem pessoas assim, só não compreendia que tivessem de ir para a rua. Eu respondi que iam para a rua como as mulheres foram, exigir direitos básicos. Depois a minha mãe disse-me que eu era o filho dela, e era um filho extraordinário. Foi muito bom, senti-me acolhido. Eu achava que a visão deles sobre mim era diferente. E o irmão padre?- Foi a conversa mais complicada, antes de falar com os meus pais. Percebi que ele já sabia, porque a minha tia tinha desabafado com ele. Veio com os argumentos oficiais da Igreja: "Então tens de ser coerente, não podes comungar. " Não voltámos a tocar no assunto, e eu senti um afastamento grande. Ele está fechado, tipo muro, não há um sorriso. Espero que não seja definitivo, mas não posso fazer esse trabalho por ele. Quando P. lhe falou no grupo de católicos homossexuais, A. começou a ir às reuniões. - Primeiro, era sempre em casa das pessoas, rodava entre casas. Ultimamente, as orações têm sido numa capela. Têm duas reuniões por mês. Numa rezam, noutra falam. Experimentaram várias fórmulas, por exemplo, debater um livro como o Diário de Hetty Hillesum. - Mas não funcionou porque as pessoas têm ritmos diferentes. Agora cada um traz aquilo que quer partilhar. E numa segunda fase pega-se em algo e fala-se disso em especial. Já discutiram o casamento. - Deve ser uma possibilidade para quem quiser. Não sei se casaria, mas se encontrasse alguém com quem quisesse partilhar a vida, por que não? Acho que é uma hipocrisia aquela manifestação em que se viam freiras ao pé de pessoas do PNR. Choca-me como isso pode coabitar. A igreja às vezes peca por omissão, de tão cautelosa que quer ser. Nunca ouvi um padre a falar de os cristãos poderem ser associados aos partidos extremistas em que de facto há discriminação. Também defende que os homossexuais possam adoptar. E não vê porque é que a família heterossexual será um modelo. - Há muitas famílias disfuncionais, muita violência entre pais e filhos, muita traição, muitas relações de fachada, muitas vidas duplas. 5. GraçaE as mulheres?Quando a Pública falou com a ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero), e a dirigente Sara Martinho fez circular a mensagem, a primeira mulher que se dispôs a falar foi Ana Oliveira. Aqui está ela, agora que os sinos da Igreja da Graça tocam as seis da tarde. O colégio onde dá aulas é nos arredores de Lisboa, mas hoje tinha compromissos na Graça. E nem de propósito, num miradouro que se chama Sophia de Mello Breyner Andresen, o que Ana traz como epígrafe do trabalho Homossexualidade e Igreja Católica (Curso de Espiritualidade da Universidade Católica, 2009) é um poema de Sophia que começa assim: "Escuto mas não sei / Se o que oiço é silêncio / Ou deus. "Nesta síntese académica, Ana diz que a "proposta oficial da Igreja Católica é clara: acolha-se o pecador, condenando-se o pecado", o que remete o homossexual "para um celibato "secular"", "ou para um estado permanente de culpa grave, no caso de expressar sexualmente a afectividade que lhe é natural". Esta proposta "tem sido considerada desumana e impraticável por inúmeras pessoas, que acabam por resolver o conflito interno afastando-se da Igreja". Noutros casos, "a caracterização patológica da homossexualidade pode contribuir para a sua vivência patológica". O que Ana propõe é "explorar a conciliação entre essas duas vivências, a de pessoa homossexual e a de pessoa católica". Como? Partindo do princípio de que "a homossexualidade pode não ser um problema de ética sexual, mas antes "o surgimento de uma verdade antropológica acerca de uma variante regular, normal e não-patológica da condição humana". "E a razão por que está aqui, a tiritar estoicamente ao vento da Graça, é a mesma que a levou a fazer o trabalho: é católica e homossexual praticante. - Tenho um pé em cada mundo. Já se cruzam, mas eu quero contribuir para uma sobreposição. Camisola preta, jeans, cara lavada, 36 anos, vem de uma família católica não-praticante com profissões liberais. Foi baptizada e nada mais, até entrar na Universidade Católica, aos 18 anos. - Aí descobri o trabalho dos grupos de acção social e entusiasmei-me. Senti-me chamada. De tal maneira que passou dois anos como voluntária fora de Portugal. O que lhe deu o gosto pela vida em comunidade, mas também a ajudou a saber quem era. - A descoberta da fé fez-me procurar o mais verdadeiro em mim, e foi o que abriu a porta para verbalizar para mim própria que me tinha apaixonado por outra rapariga. Foi a fé que levou a isso. Mas não foi fácil. - Fiquei superaflita e procurei um padre. Estava num retiro em Taizé. Ele era africano e falámos inglês. Disse-me que não tinha de estar tão aflita: "Não é pecado, é quem és, não tens de te confessar. " E disse: "Talvez chegue o tempo de vermos o primeiro santo gay. " Foi um choque ver as duas palavras na mesma frase. Penso que a experiência dele como africano deve ter contribuído, porque o primeiro santo africano deve ter sido um momento de viragem. São duas experiências de exclusão. Isso abriu um caminho, e deixei de estar desesperada. Mas na vez seguinte em que se voltou a apaixonar, já não estava em Taizé. - Tive uma má experiência com o meu orientador espiritual. Era novo, entrou em pânico e foi muito bruto. Este padre, que é um orientador, não tinha resposta para a minha questão. É um problema da própria Igreja. O que fez?- Durante cinco anos vivi a minha relação e afastei-me da Igreja. Foi um tempo de deserto. Procurei outras comunidades espirituais não religiosas. Identificava-me com as personagens bíblicas negativas, Caim, Judas, o Leproso. Até que esse namoro acabou, e Ana se viu novamente em Taizé. - E tive uma experiência de Deus muito forte. Estava sentada a rezar, e entraram ingleses. Era uma celebração anglicana. Eu sentia que não podia comungar, mas o padre abriu os braços e disse: "Venham todos, Deus chama todos. " E eu fui. O convite desse pastor foi terapêutico, e havia em mim uma disposição para a entrega, uma certeza de que Cristo estava comigo. Voltei a procurar quem me orientasse dentro da Igreja, cá, uma freira. Disse-lhe que já tinha levado um pontapé, e não queria levar outro. Mas ela não pôs condição alguma. Leia-se: abstinência. - Para mim, é um absurdo pensar que para viver a fé tenho de desistir da sexualidade. É por isso que acho que a Igreja não tem solução para nós. Ser homossexual já é difícil na integração social. Não é justo que a um católico falte também o apoio da Igreja: nem com isso pode contar. Falta uma outra doutrina. É essa tensão que é vivida pelas pessoas da hierarquia que estão mais próximas de nós. Como outras questões de ética sexual. Estou na missa e tenho a certeza de que a maioria daquelas mulheres tomou a pílula. Neste momento, vai à missa, dá catequese a 18 crianças, pertence a um grupo de oração. - Mas sinto que vivo na Igreja do futuro, na Igreja como ela vai ser. E isso une-me a outros católicos que têm uma visão da Igreja naquilo que ela ainda não é. (A Pública quis ouvir o cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, para este trabalho. O responsável pela comunicação, padre Jardim Gonçalves, respondeu que o momento era inoportuno, tendo em conta os afazeres da época pascal e a preparação da visita do Papa. )Sara Martinho, que agora vem ter à Graça, tem uma experiência de ruptura com a Igreja. Católica de baptismo e crisma, com um percurso de catequista e animadora de grupos, hoje, aos 33 anos, bissexual e dirigente da ILGA, define-se como não-crente. Não porque tenha perdido a fé, mas porque se sente roubada pela doutrina. - Tiram-te quase tudo: a comunidade, o sentimento de pertença, a liberdade. Tentam inclusivamente roubar a relação com Deus. Ninguém tem o direito de intervir na tua relação com Deus se isso implicar a tua exclusão. Isso, sim, é fracturante. E diz respeito a muitos. - Eu tinha amigos católicos gays e lésbicas, mas não sabíamos uns dos outros. Claro que há muitos homossexuais católicos. A Igreja por ser a Igreja devia ser a primeira a sair para a rua por direitos humanos como a igualdade. E é isso que se deve esperar. Vejo os perdões que os dois últimos papas têm pedido às pessoas que perseguiram há 500 anos, e é assustador imaginar que a Igreja daqui a 200 anos vai pedir perdão por ter perseguido os homossexuais. Esse momento vai chegar. A questão é que não vai ser no nosso tempo de vida. Porquê?- Porque a Igreja Católica ainda tem passos muito mais fáceis, antes. Por exemplo, a paridade, para as mulheres poderem ser sacerdotes. Esse passo ainda não foi dado, e todas as outras igrejas já o deram. 6. ÉvoraCéu transparente, prados com flores, um esplendor. De tanto Inverno, já não sabíamos como era. Aqui vamos, no Alto Alentejo. Em qualquer busca sobre cristãos homossexuais portugueses, Évora aparece em destaque. Foi lá que em 2007 nasceu o Rumos Novos (rumosnovos. no. sapo. pt). Foi lá que este grupo organizou encontros nacionais e ibéricos. E é lá que se continuam a planear reuniões mensais (17 de Abril, Hotel Ibis Saldanha) e o encontro anual de aniversário (1 de Maio, Fátima). Também há elementos da Rumos Novos em Lisboa, Setúbal, Coimbra e Lamego, mas o centro continua em Évora. Não é um escritório. É mesmo a casa de José Leote e do seu companheiro Ricardo, num bairro à saída da cidade. O arquitecto que o desenhou pôs madeira nas janelas, e outras simplicidades, mas José reformulou. Agora, há azulejos, vidros laminados e paredes azul-petróleo. José, 39 anos, é professor no secundário. Ricardo, 25 anos, é chefe de cozinha, trabalha até tarde, e só agora está a descer do quarto. Dos dois, só José é católico. - Mas não sou seguidista nem acéfalo. Questionei sempre orientações que punham em causa a justiça. O maior mandamento que Cristo deixou foi: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. " Portanto, não é justo que a Igreja pseudo-acolha os homossexuais. Não basta que desde 1975 tenha deixado de ser pecado, porque continua a ser algo negativo. - A Igreja tem um problema em relação à sexualidade, ponto final. Também lida mal com a pastoral dos divorciados. Há o problema dos casais inférteis. O problema do preservativo e da pílula. E virando-se para o companheiro:- Ó amor, dá-me aquela pasta do Rumos Novos. Ricardo passa-lhe várias. José folheia exemplos bíblicos de condenação da homossexualidade. - Mas na altura da Bíblia não se conheciam as relações estáveis entre pessoas do mesmo sexo. A sexualidade era a do Império Romano, em que a homossexualidade era corrente. E como os cristãos queriam formar uma sociedade diferente, atribuíam causas negativas ao que viam. Mas Cristo nunca se pronunciou sobre a homossexualidade. Disse: "Aquilo que fizerdes ao mais pequenino, é a mim que fazeis. " Exortou os fiéis a amar por acções. Isto mostra que ir buscar a Bíblia para condenar a homossexualidade é escorregadio. As maiores atrocidades foram justificadas pela Bíblia, a repressão das mulheres, a escravatura, condenar pessoas à fogueira, a legitimação política de alguns regimes. Como vê a actuação da Igreja Católica portuguesa, especificamente?- Dá-se uma no cravo, outra na ferradura. Na manifestação da dra. Isilda Pegado [contra o casamento gay], a hierarquia disponibilizou os meios, mas não veio para a rua. Foi uma manifestação de ódio. Seria bom que a dra. Isilda Pegado viesse fazer uma manifestação para defender as vítimas de pedofilia da Igreja. Ainda não consegui perceber como é que o casamento entre pessoas do mesmo sexo põe em causa os fundamentos da sociedade. - Eles têm medo que as crianças absorvam aquilo e se tornem todas homossexuais - diz Ricardo. - Na SIC Notícias, um senhor estava indignado porque a filha ia ver raparigas aos beijos. José suspira. - Tem de se explicar ao senhor que isto não se pega. No fim de Junho, o Rumos Novos estará em Barcelona, no Encontro Europeu dos Grupos Homossexuais Cristãos. 7. SaldanhaSobre o casamento, vale a pena ouvir Frederico Lourenço, porque ele traz uma novidade. Pouca gente em Portugal terá feito tanto contra clichés como este helenista de 46 anos, tradutor de Homero e escritor. Católico, aprumadíssimo no trato, sempre vestido como se estivesse a chegar de Oxford (onde passou a infância), não só vive a sua homossexualidade desde os 18 anos, como a assumiu de forma pública em 2002, e escreve sobre ela. Como se mudou para a Universidade de Coimbra, quando vem a Lisboa fica num hotel, sempre o mesmo, e é aí que nos encontramos, ao fim da tarde. A grande coincidência é ser o Ibis Saldanha, onde o Rumos Novos faz reuniões mensais. Mas é mesmo coincidência. Frederico Lourenço não sabia. Não faz parte de nenhum grupo. Há anos foi convidado a assistir aos encontros da Capela do Rato, mas não aceitou. - Já vivia certo afastamento da manifestação pública do sentimento religioso, e senti que não me iria rever. Esse seu afastamento reforçou-se. A novidade é que não defendia o casamento homossexual, e agora defende. - Eu disse num inquérito do PÚBLICO que isso colidia com a minha formação, que votaria sim num referendo, mas a minha vivência não passava por aí. E fui-me dando conta de que isso não correspondia ao que sinto. O que o fez mudar?- O próprio debate sobre o casamento gay. Foi fundamental. Acho que há um Portugal antes e depois. As pessoas foram obrigadas a olhar para a questão. Eu sabia que havia uma discrepância em mim. Desde os 20 anos que não estou solteiro, tive três longas relações encadeadas. Isso foi-me fazendo afastar da Igreja. Nunca tive qualquer embate negativo, nem no confessionário, mas houve sempre um convite à castidade, e eu não nasci para viver em castidade. Mesmo assim, achava que a questão do casamento era um limite. Mas, de repente, dei-me conta de que os argumentos da Igreja já não faziam sentido. A este ponto:- Coloco a hipótese de me casar. Não por razões pragmáticas, herança, impostos, contas bancárias, mas como gesto romântico, de compromisso perante pessoas, um voto de confiança no outro, na relação, em nós próprios. E agora isso é uma barreira entre mim e o catolicismo. Para ser coerente, não vê alternativa. - A Igreja não tem resposta. Nunca ouvi outra resposta que não fosse esse convite optimista à castidade. Para mim foi inevitável um corte, embora acredite em Deus, reze quase todos os dias e sempre que posso entre numa igreja. Mas estar inserido numa prática pública do catolicismo é uma mentira, porque a minha vida sexual não corresponde a essa personagem. Já não comungo desde 1998. Comecei a sentir o peso da contradição, e não pactuo com isso. Se não posso ser aceite exactamente como sou, então não faz sentido estar a representar um papel. E não vê bons sinais no Vaticano. - Terá de vir um papa muito mais aberto. Este parece-me uma figura anacrónica, que leva a Igreja para o passado ainda mais que João Paulo II. Grande teólogo, não duvido, inteligentíssimo, mas está a fazer tudo para que a Igreja não se aproxime do futuro. A questão do celibato tem de ser urgentemente revista. A não-ordenação de mulheres é o cúmulo, é impensável. Há toda uma série de premissas que tinham de ser revistas: a sexualidade como reprodução, o não se aceitar que a sexualidade tem um alcance infinitamente maior. A estreia pública de Frederico Lourenço a defender o casamento homossexual será dia 3, na Universidade Católica de Braga. 8. Capela do Rato/Igreja de Santa IsabelDomingo de Ramos, de novo, mas agora de manhã. Na Capela do Rato prepara-se a missa. Além dos ramos verdes a toda a volta, há uma pintura contemporânea no altar. É uma instalação de Rui Moreira, a convite de José Tolentino Mendonça, que está a tentar trazer a arte para a igreja. Há uma alteração de eixo nesta capela. O altar não está ao fundo, mas a meio, o que faz com que as pessoas fiquem em volta, ou seja, mais perto. Se os lugares absorvem o que neles acontece, como a vigília contra a guerra em 1972, este lugar estará cheio de inquietação e empenho. A missa aqui será às 12h30, na Igreja de Santa Isabel às 19h30. Saltemos então para Santa Isabel, já noite escura, com os padres Tolentino Mendonça e José Manuel novamente sentados junto a uma tela de Ilda David". Um a um, os católicos homossexuais ouvidos pela Pública dizem que a Igreja não tem resposta para eles. Que pensa o padre José Manuel?- Não tenho uma resposta. Uns dirão: "Não consigo, vou-me embora. " É uma maneira. Outros dirão: "A castidade é uma proposta que me fazem, é para lá que quero caminhar. " Não é sim ou não. Há uma proposta de um caminho. Que pensa o padre Tolentino?- A realidade da Igreja é sempre atravessada por uma tensão, e essa tensão é atravessada por aquilo que somos, e pela dimensão utópica que a Igreja transporta. A Igreja não é um lugar de plenitude, é um lugar de procura. A nossa condição é a sede e o desejo. Não é aqui e agora que se realizam os sonhos. A Igreja é esse caminho comum, não isento de imperfeições, aberto a uma progressividade. A condição comum é que alguém se sinta desafiado a um caminho. E quando as pessoas nem se sentem acolhidas?- Sempre que a Igreja não acolhe é um erro. Todos os documentos oficiais e todas as expectativas justíssimas de um cristão são no sentido de acolhimento e hospitalidade. Incondicional?- Incondicional. O padre José Manuel reforça:- Incondicional. A abstinência não é uma condição?- Não se trata de entender a castidade pela negativa - prossegue Tolentino. - Mas entendê-la como um dom, uma oferta, um serviço. É uma proposta que não se pode impor, mas que é feita. Cada pessoa que se aproxima da Igreja transporta uma história sagrada e tem de ser acolhida. Não se pode tomar as formulações da doutrina como um fantasma. Isto quer dizer que é muito importante que as pessoas sintam que a sua história é valorizada, e que o discernimento que cada um faz da sua vida é feito em liberdade. Muitas pessoas sentiram o contrário ao falar com padres. - Às vezes há falta de interlocutores pastorais, é verdade. Algumas dioceses no mundo têm mesmo padres responsáveis por acompanhar homossexuais. Em Portugal ainda não há esta pastoral organizada, o que não quer dizer que não existam experiências de escuta, de acompanhamento, e isso está a construir um património de mútua confiança. Mas são raríssimos os testemunhos públicos. O Casamento Sempre foi Gay e Nunca Triste é um livro único. Que pensa Tolentino sobre ele?- É um texto que mostra a procura de um cristão, com poemas de grande intensidade. Dá que pensar. 9. AlentejoVoltemos, então, ao princípio. "Viver uma ficção alheia, ou ser reduzido a uma ficção dos outros, é uma forma de desumanização", escreveu José António Almeida. E se isso custa em Lisboa, mais ainda "numa vila da província" como esta. À volta, campos de vinhas e olivais que começam a aquecer. No centro, a igreja matriz tão cuidada, com o seu debrum vermelho. Em frente, a casa onde José António mora. Primeiro estamos lá dentro a olhar o largo. Depois saímos e ele pára no largo a olhar a casa. No livro Obsessão (& etc, 2010), fala da manhã em que as paredes apareceram cheias de insultos. "A minha casa branca pintada de azul /com letras infames. " Respondeu em verso: "- eis aquela província que não muda. / Sobreviver de pedra e cal à beira / disto: diário gesto repetido. "E que eco teve do livro anterior, o tal dedicado aos católicos homossexuais com quem rezou e reflectiu?- Silêncio. Silêncio. A única recensão saiu no Expresso. Enviei o livro a vários padres mas só tive uma resposta. Não suscitou qualquer debate. O nosso clero "conservador" não abre portas cerradas e o nosso clero "progressista" só arromba portas abertas. Reportagem publicada na edição da revista Pública de 11 de Abril de 2009
REFERÊNCIAS:
O primeiro retrato oficial de Kate convenceu a princesa, mas não os críticos
É uma encomenda da National Portrait Gallery, mas a pintura não está a ser bem recebida. Uma crítica de arte diz que o retrato da duquesa de Cambridge parece saído da saga Crepúsculo. (...)

O primeiro retrato oficial de Kate convenceu a princesa, mas não os críticos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.25
DATA: 2013-01-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: É uma encomenda da National Portrait Gallery, mas a pintura não está a ser bem recebida. Uma crítica de arte diz que o retrato da duquesa de Cambridge parece saído da saga Crepúsculo.
TEXTO: A pintura, muito realista e detalhada, na linha dos retratos que Emsley fizera já do antigo Presidente sul-africano Nelson Mandela ou do escritor V. S. Naipul, convenceu a mulher do príncipe William. “É simplesmente espantoso, achei-o brilhante”, disse Kate, citada pelo diário britânico The Guardian. “É maravilhoso, absolutamente maravilhoso”, acrescentou o príncipe, segundo o site de notícias Huffington Post. No retrato de Emsley, o cabelo longo da duquesa está solto e o seu rosto é marcado pelos olhos claros brilhantes e por um sorriso contido. Kate é representada com uma blusa azul-escuro, simples, mas elegante. Não há tiara nem peles, não há tecidos púrpura nem longos vestidos. O fundo é negro. A única jóia visível é um brinco discreto, que faz lembrar o seu anel de noivado, o mesmo que pertenceu a Diana de Gales, mãe de William. O artista, que recebeu o prestigiado prémio BP de retrato em 2007, trabalhou a partir de uma série de fotografias da duquesa – vários grandes-planos – e de alguns esboços, explicou esta sexta-feira, na apresentação da obra a dezenas de jornalistas, incluindo equipas de televisão alemãs e russas. Kate é uma celebridade, sobretudo agora que está grávida pela primeira vez e que a Rainha Isabel II determinou que todos os filhos do primogénito do príncipe de Gales receberão o título de príncipe ou princesa, algo que não acontecia desde 1917 (por ordem de Jorge V, avô de Isabel II, o título estava reservado aos descendentes directos do rei ou da rainha). A princesa chegou de manhã bem cedo, com o marido, os pais e os irmãos, antes de o museu abrir, para fugir aos jornalistas. À espera de Kate Middleton estavam o director da National Portrait Gallery (NPG), museu londrino que encomendou o primeiro retrato oficial da duquesa de Cambridge ao pintor escocês Paul Emsley, e o próprio artista. Kate gostou do retrato de Emsley, e Emsley gostou de Kate. “É muito agradável estar com ela”, disse o pintor. “E genuíno. ” O artista, que nasceu na Escócia mas viveu sobretudo na África do Sul até regressar ao Reino Unido em 1996, garantiu aos jornalistas que, desde o início, a princesa procurou pô-lo à vontade e mostrou-se interessada na evolução da pintura. Kate posou para o retrato no estúdio de Emsley em Bradford on Avon e no Palácio de Kensington em Maio e Junho. A única coisa que pediu ao pintor foi que a representasse como um ser humano comum e não como uma mulher com um cargo oficial, conta o Guardian. O retrato de Kate Middleton, mecenas da National Portrait Gallery, foi uma encomenda do museu e, ao mesmo tempo, um presente de sir Hugh Leggatt, um antigo negociante de arte. A oferta foi feita à NPG em homenagem a um amigo, sir Dennis Mahon, coleccionador e historiador de arte que morreu em 2011. "Há uma tradição de retratos de princesas à qual [Mahon] estava particularmente atento”, disse Leggatt. “Ele queria encomendar este retrato antes que o peso das responsabilidades de Estado e da maternidade caíssem sobre ela – e, como se vê, foi mesmo a tempo. ” Diz a BBC que foi Sandy Nairne, director do museu, quem escolheu Emsley, mas Kate, que estudou História de Arte na Universidade de St. Andrews, também foi ouvida durante o processo de decisão. “Gosto de caras grandes, acho-as fortes e contemporâneas”, disse o pintor à BBC, explicando por que razão não gosta de fundos pormenorizados, que perturbem o sujeito retratado. “Interessa-me a paisagem do rosto, como a luz e a sombra caem sobre as formas. ” Inicialmente, Emsley não tencionava pôr a duquesa a sorrir, mas depois do seu primeiro encontro, mudou de ideias: “Acho que, no final, tomei a decisão acertada ao tê-la a sorrir. Ela é realmente assim. ” A avaliar pela reacção dos britânicos que decidiram comentar a obra nos sites dos principais jornais britânicos, é justo dizer que muitos acham que Emsley ficou bem longe de conseguir retratar a verdadeira Kate. Para uns, fê-la parecer demasiado velha – “parece ter 51 anos, e não 31”, escreve um leitor do Guardian –, para outros demasiado artificial. As vozes mais ferozes vêm, para já, do Guardian e o do Independent. Charlotte Higgins diz que o retrato da duquesa de Cambridge parece saído da saga Crepúsculo, o franchise cinematográfico baseado nos livros de Stephenie Meyer. A crítica escreve, entre outras coisas, que há na pintura um “brilho sepulcral” e que Kate parece esconder um balão de pastilha elástica na bochecha direita. Higgins admite que os retratos reais podem ser uma armadilha, que é preciso um “grande artista para fazer algo que seja mais do que insípido”, e lembra que, nos últimos tempos, o único inesquecível é o que Lucian Freud fez da Rainha Isabel II, “completamente descomprometido”. Emsley, por seu lado, parece ter ficado com medo da encomenda. Michael Glover, crítico do Independent, diz que o retrato mostra uma princesa de “rosto caído”, cujo cabelo parece ter sido roubado a um anúncio de champô. Glover diz que, na tentativa de atingir um realismo fotográfico, o escocês acabou por fazer um retrato com “resultados catastróficos”. Higgins concorda e lamenta-o, sobretudo, porque Emsley provou, com o retrato de outro artista, Michael Simpson, obra que lhe valeu o prémio BP, que pode ser muito melhor. Provavelmente antevendo críticas, na apresentação do retrato, Emsley explicara já por que razão é difícil pintar alguém tão bonito como Kate Middleton: “Creio que qualquer artista concordará que, com um rosto mais velho, com linhas e rugas, ou traços distintivos, é mais fácil criar parecenças. Com um rosto genuinamente belo, a expressão é mais difícil. ”
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Étnia Africano
Não há biquínis mas raparigas eleitas pelas suas virtudes morais
Na Indonésia, o concurso Miss Mundo é em Bali e em Jacarta elege-se a Miss Mundo Muçulmano. (...)

Não há biquínis mas raparigas eleitas pelas suas virtudes morais
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na Indonésia, o concurso Miss Mundo é em Bali e em Jacarta elege-se a Miss Mundo Muçulmano.
TEXTO: Indonésia. Na ilha paridisíaca de Bali encontram-se centenas das mais bonitas mulheres, que representam a beleza dos seus países no concurso Miss Mundo. Enquanto, em Jacarta, o concurso é também de beleza mas, sobretudo, de virtudes morais. O concurso chama-se Miss Mundo Muçulmano e é a resposta islâmica ao Miss Mundo. Na próxima quarta-feira, as duas dezenas de concorrentes que participam vão estar completamente vestidas, de forma modesta, em cima do palco. Concorreram cerca de meio milhar de jovens, através da Internet, mas apenas 20 chegaram à final. Além da Indonésia, estarão em palco as concorrentes do Irão, da Malásia, do Brunei, da Nigéria e do Bangladesh, entre outros. O processo de selecção teve como provas a recitação do Corão e partilha de anedotas de como usar o lenço na cabeça, um requisito obrigatório para participar. O evento destina-se a "senhoras muçulmanas" que respeitam as tradições religiosas e é promovido por uma organização de mulheres islâmicas, a Fundação Mundo Muçulmano. Os fatos vão reflectir as "cores do mundo muçulmanos" e a beleza não é o único critério, explica Eka Shanty, da organização ao site Asia News. As concorrentes serão avaliadas segundo três "s" – smartness (inteligência), style (estilo) e sholehah (moral). "Não queremos apenas gritar 'não' ao Miss Mundo. Queremos mostrar às nossas crianças que existem opções. Querem ser iguais às mulheres do Miss Mundo? Ou querem ser como as do Miss Mundo Muçulmano?", justifica Shanty, à AFP. Entretanto, em Bali – onde a maioria da população é hindú – há polícia armada para assegurar que tudo corre bem com as participantes no Miss Mundo. Estava previsto que a final fosse realizada na capital da Indonésia, no dia 28, mas face às dezenas de protestos e ameaças numa dúzia de cidades do país – alguns dos manifestantes chegaram a empunhar cartazes onde declaravam estarem dispostos a morrer para acabar com o Miss Mundo–, a organização do concurso e o Governo decidiram ficar por Bali, em nome da ordem pública. Mas não só: para evitar mais polémicas o tradicional desfile em biquíni foi abolido. Os críticos ferozes acusam o concurso de explorar as mulheres, além de insultar a religião islâmica.
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Palavras-chave mulheres
Uma rapariga que sonha ser Miss
Luisa Dorr conheceu a Maysa na fase final do concurso "Miss Brasil Infantil", em Abril de 2014. Depois de conversarem, fotografou-a perto de uma árvore, com um vestido verde. "Naquele momento, ela disse-me que estava ali apenas para ver o concurso. Não estava a competir para ser Miss, mas que era o seu sonho", conta a fotógrafa. Quatro meses depois, Luisa recebeu um e-mail da mãe da Maysa, a perguntar se poderia fazer um book fotográfico da filha. Como a família não tinha dinheiro, Luisa aceitou fazer o trabalho de graça, para ajudar a Maysa a começar a carreira como modelo e a realizar o seu sonho. Ao saber que ... (etc.)

Uma rapariga que sonha ser Miss
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
TEXTO: Luisa Dorr conheceu a Maysa na fase final do concurso "Miss Brasil Infantil", em Abril de 2014. Depois de conversarem, fotografou-a perto de uma árvore, com um vestido verde. "Naquele momento, ela disse-me que estava ali apenas para ver o concurso. Não estava a competir para ser Miss, mas que era o seu sonho", conta a fotógrafa. Quatro meses depois, Luisa recebeu um e-mail da mãe da Maysa, a perguntar se poderia fazer um book fotográfico da filha. Como a família não tinha dinheiro, Luisa aceitou fazer o trabalho de graça, para ajudar a Maysa a começar a carreira como modelo e a realizar o seu sonho. Ao saber que a rapariga se ia candidatar ao próximo concurso, Luisa começou a acompanhá-la no seu dia-a-dia. Seis meses depois, Maysa foi escolhida entre 33 candidatas ao título de “Miss São Paulo Beleza Negra” e irá representar o estado na grande final, em Outubro de 2015. Participar neste concurso é uma forma de escapar ao futuro incerto e marginal das favelas. "Ser uma Miss vai além do seu talento, é uma maneira de sobreviver ao seu ambiente", conta a fotógrafa, "já que ela é uma entre milhares de jovens das comunidades carentes de São Paulo que estão frente à pobreza arraigada, à violência, ao racismo, ao trauma, e há uma série de outras barreiras para a saúde e bem-estar".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filha violência racismo pobreza rapariga negra infantil
Liga do Norte pede a imigrantes para apelarem à não imigração
Vídeo de campanha de candidato da LIga Norte às eleições de 25 de Maio cria polémica em Itália. (...)

Liga do Norte pede a imigrantes para apelarem à não imigração
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 18 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-05-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vídeo de campanha de candidato da LIga Norte às eleições de 25 de Maio cria polémica em Itália.
TEXTO: “Meus amigos conterrâneos, digo-vos com o coração, não venham a Itália para sofrer de fome”. A frase em português é dita por um imigrante angolano num vídeo de campanha de um candidato às eleições europeias pela Liga do Norte, partido italiano de direita. Além do angolano, quatro outros imigrantes receberam 50 euros cada um para apelar aos que pensam imigrar para Itália para não o fazerem, perante a pobreza e desemprego no país. Os cinco imigrantes, também da Índia, Paquistão, Sri Lanka, Angola e de um país árabe não identificado, são as caras do vídeo de campanha de Angelo Ciocca, candidato pela Liga do Norte às eleições europeias pela região nordeste. Foi pedido aos imigrantes que deixassem um apelo, na sua língua materna, previamente combinado com a produção do vídeo, aos seus conterrâneos. “Este é um país que está a passar por uma grave crise económica, as coisas não funcionam há anos para nós imigrantes”, diz um dos homens. “Itália, juntamente com a Espanha e a Grécia é o país mais pobre da Europa”, acrescenta outro. Um terceiro alerta que “ser imigrante em Itália é passar fome e desespero”. É ainda pedido aos que pensem imigrar para o país para não pagarem a “traficantes [de seres humanos], porque são assassinos”. O candidato da Liga do Norte também faz uma declaração a fechar o vídeo, numa espécie de balanço do que até ali foi dito. “É por esta razão que eu, Angelo Ciocca, decidi colocar-me na liderança da lista da Liga do Norte ao Parlamento Europeu, para me opor à imigração ilegal”. Publicado no passado dia 7, o vídeo do candidato da Liga do Norte, que se bate por um “projecto de repulsão da imigração ilegal”, tem suscitado críticas em Itália. Angelo Ciocca defende-se. À BBC, sublinhou que os imigrantes fizeram o vídeo de bom grado mas admitiu que as frases ditas foram da sua autoria. O objectivo é que o vídeo chegue aos países de origem da maioria dos imigrantes que chegam a Itália mas também que a sua candidatura saia vencedora nas eleições de 25 de Maio. Questionado sobre o jornal La Stampa se o vídeo era uma provocação, Ciocca afirmou que “não se trata de uma provocação mas de um serviço público”. Numa mensagem publicada na sua conta de Twitter argumentou ainda que os imigrantes que surgem no vídeo "fizeram um trabalho que os italianos não querem fazer". Nos últimos meses, o número de pessoas que tentam chegar à costa do território italiano, a partir do Norte de África, tem aumentado. Em alguns casos revelam-se mortais, com os ocupantes de frágeis e inseguras embarcações a não conseguir chegar a terra. A Liga do Norte tem pegado nesta situação para reforçar a sua conhecida campanha contra a imigração ilegal. O líder do partido, Matteo Salvini, pediu mesmo a suspensão das operações de salvamento no Mediterrâneo por considerar que estas encorajam a imigração. Alguns membros da Liga do Norte têm-se visto envolvidos em fortes polémicas. Em Junho de 2013, Dolores Valandro, conselheira municipal em Pádua, Norte de Itália, foi afastada do cargo pelo conselho nacional do partido depois de ter publicado no Facebook uma mensagem de indignação sobre a tentativa de violação por um homem africano de duas raparigas. Numa mensagem escrita na rede social, apelou à violação da ministra da Integração italiana, uma italiana de origem congolesa, de 49 anos, que se tornou a primeira mulher negra a integrar um governo em Itália. Antes, Mario Borghezio, eurodeputado da Liga Norte, tinha-se referido à coligação do primeiro-ministro Enrico Letta no poder como o “governo bonga-bonga” e a Kyenge como alguém que parece ser “uma boa dona de casa mas não uma ministra”.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano