Técnicos do INEM em greve marcham em protesto até ao Ministério da Saúde
Trabalhadores manifestaram-se contra o incumprimento da promessa do Governo de homologar a carreira dos técnicos do INEM, que significa aumento de salários e a atribuição de outras competências. Entregaram moção dirigida ao ministro Paulo Macedo. (...)

Técnicos do INEM em greve marcham em protesto até ao Ministério da Saúde
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Trabalhadores manifestaram-se contra o incumprimento da promessa do Governo de homologar a carreira dos técnicos do INEM, que significa aumento de salários e a atribuição de outras competências. Entregaram moção dirigida ao ministro Paulo Macedo.
TEXTO: Várias “centenas” de técnicos do Instituto Nacional de Emergência Média (INEM), segundo dirigentes sindicais, concentraram-se nesta quinta-feira junto à porta do Ministério da Saúde depois de terem partido ainda de manhã da sede do INEM numa marcha lenta de protesto. Os trabalhadores daquele instituto, que estão a cumprir uma greve de 24 horas em protesto contra a não homologação da sua carreira nesta legislatura, pretendiam ser recebidos pelo ministro Paulo Macedo para lhe entregar uma moção com as principais razões deste protesto. Acabaram por ser recebidos por uma secretária a quem entregaram o documento“Esperamos ser recebidos. Não equacionamos outro cenário que não esse. Neste momento a manifestação conta centenas de pessoas. Cerca de 200. Enganaram os trabalhadores do INEM. Primeiro prometeram-lhes a homologação da carreira ainda nesta legislatura e há 15 dias vieram dizer que afinal tal já não era possível. Não vamos desistir desta luta. Esta é também uma forma de marcar a saída deste ministro. Esperemos que ele não volte”, dizia, ainda antes de ser recebido na tutela, Luís Pesca, dirigente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais. Também Rui Gonçalves, representante da comissão de trabalhadores do INEM, insistiu esperar que pelo menos um grupo dos trabalhadores em protesto fosse recebido pelo ministério. “Este Governo não honrou a sua palavra”, acusou, acrescentando que o protesto serviu ainda para salientar a "falta de técnicos no INEM". Actualmente, segundo Rui Gonçalves, o instituto conta com "cerca de mil técnicos, entre profissionais de ambulância de emergência e operadores de comunicações". Mas nos últimos dez anos, o INEM perdeu mais de 100 técnicos que emigraram para outros países em busca de melhores condições. Decorrem, porém, concursos para contratar 85 técnicos e 70 operadores de comunicações. De acordo com o representante da comissão, esta greve de 24 horas resultou na paralisação de vários meios de socorro do INEM por todo o país, nomeadamente de oito das 13 ambulâncias existentes em Lisboa, assim como de três motos. Verificam-se ainda “falhas no departamento de formação”. Já no Porto, há uma ambulância parada e também falhas no centro de formação. “A adesão à greve de é 100% em Lisboa”, salientou Rui Gonçalves. Segundo a comissão de trabalhadores do INEM, estão apenas a ser cumpridos os serviços mínimos, o que significa que em Lisboa estão a “funcionar apenas cinco ambulâncias” e no Porto “outras cinco também”. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Saúde remeteu qualquer reacção para o INEM que deverá emitir um comunicado durante a tarde desta quinta-feira. Em comunicado, a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais acusou a tutela de ter “assumido uma atitude vergonhosa e lamentável” ao ter “violado o compromisso assumido” após “várias reuniões de negociação no sentido de regulamentar a carreira de técnico de emergência pré-hospitalar”. Já o presidente do Sindicato dos Técnicos de Ambulância de Emergência Médica (STAE), Ricardo Rocha, recordou que "o ministério publicou a 18 de Setembro o diploma da carreira [para apreciação pública]" e que "isso implica uma espera de 20 dias", adiando para "8 de Outubro" a altura em que "poderia o diploma ir a Conselho de Ministros para ser aprovado, ou seja, já depois das eleições e noutra legislatura". Os sindicatos foram alertados para este problema a 11 de Setembro, na última reunião das negociações com a tutela. O STAE concordou com o projecto de diploma, criticando apenas as alterações salariais, enquanto a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais discordou em toda a linha. O governo "não poderia ter sido mais rápido e antecipado todo o procedimento?", questiona ainda o dirigente que acusa a tutela de ter agido "propositadamente para adiar a aprovação da carreira". Ricardo Rocha dúvida ainda que nessa altura, poucos dias após as eleições legislativas, "venha a realizar-se um conselho de ministros e que o novo governo concorde com esse diplioma". A regulamentação da carreira dos técnicos do INEM, que lhes possibilitará praticar novos actos no socorro, é já uma proposta antiga de vários governos. Já em Novembro de 2008, o então secretário de Estado da Saúde, Manuel Pizarro, garantia, numa conferência no Porto, que a criação da carreira avançaria ainda naquela legislatura. “Os novos técnicos serão o correspondente ao conceito anglo-saxónico de paramédico”, disse então Pizarro. A proposta previa naquela altura que estes profissionais passavam a administrar medicação, fazer acessos venosos nos doentes e reanimação cardíaca avançada, uma nova atribuição de competências que não agradou à Ordem dos Enfermeiros. Esta novidade desencadeou desde logo uma guerra entre técnicos e enfermeiros, que consideravam que os técnicos não poderiam praticar actos médicos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra
O militar que chegou de táxi à revolução
Vítor Ribeiro Costa tinha tudo para não fazer parte deste filme: desertou, entregou-se. A 24 de Abril de 1974, foi dormir a casa, apesar de ter ordens em contrário. Acordou num sobressalto. (...)

O militar que chegou de táxi à revolução
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.1
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vítor Ribeiro Costa tinha tudo para não fazer parte deste filme: desertou, entregou-se. A 24 de Abril de 1974, foi dormir a casa, apesar de ter ordens em contrário. Acordou num sobressalto.
TEXTO: Desertou sem dizer uma palavra à mãe. Agora, cada vez que a vai visitar, ouve: “Ó filho, já não te vejo há 40 anos. Ficas cá?” Ela conta quase 89 anos. Não reconhece os outros filhos. “Eu saio, vou à rua fumar um cigarro, entro, a conversa é a mesma: ‘Ó filho, já não te vejo há 40 anos. Ficas cá?’”Vítor Ribeiro Costa não se demorou em França. A 25 de Abril de 1974 até estava bem no centro dos acontecimentos. Fez parte da contra-ofensiva lançada pelo regime, embora no início nem soubesse de que lado estava. “Só quando vi a GNR no Largo de Camões é que percebi: ‘A GNR está sempre a favor do regime, nós fazemos parte das forças fiéis ao Marcelo Caetano. ’”Não esteve na guerra colonial. A guerra, para ele, esgota-se na tensão do dia que lhe pôs fim e nos estilhaços para sempre cravejados no espírito do irmão nela forçado a entrar. Despediu-se dele no Cais de Alcântara em Dezembro de 1967. Viu-o desaparecer no navio-almirante Vera Cruz, rumo a Angola, onde eclodira o conflito que entretanto se estendera a Moçambique e à Guiné. Não queria seguir no mesmo barco ou noutro requisitado à marinha mercante para transportar tropas. “Ia morrer para quê? Aquilo não tinha a ver comigo. Aquilo era deles. ”Onde isso tudo já vai. Está agora perto de casa, em Castanheira do Ribatejo, freguesia de Vila Franca de Xira, para onde se mudou no primeiro ano de vida. Gosta de andar no sossego da lezíria. Passa horas a pescar no Tejo. E, enquanto espera que a tainha morda, tantas vezes se perde nos seus pensamentos. Chega àquele dia, o dia da “revolução dos cravos”, parece que tudo se cobre de névoa. Usa a expressão “amnésia colectiva” quando se senta a conversar sobre o 25 de Abril. É algo que lhe vem de conversas tidas com o jornalista Adelino Gomes e o fotojornalista Alfredo Cunha, que o descobriram quando trabalhavam no livro Os Rapazes dos Tanques (Porto Editora, 2014), sobre os militares que estiveram frente-a-frente naquele dia, incluindo os que se recusaram a disparar, como ele. Não se pode dizer que fosse politizado quando decidiu desertar, a militância comunista veio anos depois. O que se pode dizer é que estava a “começar a ganhar consciência política”. Trabalhava numa oficina de metalomecânica e dava-se bem com outros jovens da sua terra — muitos descontentes “com a situação”, alguns já mais activos, como José Timóteo, um metalúrgico que fazia parte do Movimento da Juventude Trabalhadora, organização criada pelo PCP aquando da campanha eleitoral de 1969, as primeiras eleições depois de António de Oliveira Salazar sair da Presidência do Conselho. Vestiu a farda. Começou a recruta. A fuga não lhe saía da cabeça. Aproveitou um fim-de-semana para a concretizar. Como jogava futebol no Alhandra Sporting Club, então na segunda divisão, disse à mãe: “Se não aparecer estes dias, não se preocupe que vou para estágio. ” Não queria que ela desconfiasse. Já lhe falara nisso e ela reagira mal: “Que eu saiba, que eu vou dizer à guarda!” Escreveu-lhe uma carta. Pediu a José Timóteo que a metesse no correio dois dias após a partida. O PCP preferia que os militantes lutassem contra a guerra dentro da guerra, mas incitava outros a faltar à chamada ou a abandonar as fileiras das forças armadas, lembra o historiador Miguel Cardina. A cerca de 200 mil faltosos há que juntar um número indeterminado de jovens com recruta feita ou iniciada, diz ainda. Nem todos saíram do país, mas boa parte fê-lo, com passaporte falso ou “passaporte de coelho”, isto é, sem documentos, “a salto”, sobretudo para França. Os registos das Forças Armadas mostram o quanto o número de faltosos foi crescendo desde o início dos confrontos: 8. 722 em 1961, 14. 357 em 1964, 17. 838 em 1968. Não há dados referentes a 1969. A tendência prosseguiu, ainda que com um soluço, nos anos seguintes: 18. 554 em 1970, 15. 644 em 1971, 18. 841 em 1972. Não parece haver uma explicação óbvia para a quebra registada em 1971. Em 1971, a França prometeu a Portugal proibir a entrada de menores de 21 anos. “O Governo tentava fazer crer que deixava sair trabalhadores mas não sem fazer tropa”, interpreta o historiador Victor Pereira. Apesar de os franceses não respeitarem o acordo, durante pelo menos “algumas semanas” alguns rapazes podem ter desistido de emigrar, pensando que não conseguiriam entrar. Vítor partiu a 13 de Fevereiro de 1970, sem bagagem, vestindo umas calças boca-de-sino e um casaco cintado, comprado em segunda mão. Tinha completado 20 anos em Dezembro. Um amigo, Armando Morais, outro destacado militante do PCP, emprestou-lhe 500 escudos e levou-o à estação seguinte, à de Vala do Carregado, não fosse alguém desconfiar.
REFERÊNCIAS:
Rebanho colectivo e rádio infantil finalistas de concurso de ideias portuguesas
Gulbenkian volta a apoiar projectos de inovação social com portugueses da diáspora. (...)

Rebanho colectivo e rádio infantil finalistas de concurso de ideias portuguesas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Gulbenkian volta a apoiar projectos de inovação social com portugueses da diáspora.
TEXTO: Uma rádio online para crianças que falem português e que vivam fora do país e um rebanho colectivo na aldeia de Rio Frio cujas cabras podem ser adoptadas por emigrantes são dois dos dez projectos finalistas da edição deste ano do concurso de inovação social Faz-Ideias de Origem Portuguesa, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian. “Lá se pensam, cá se fazem” é o mote deste concurso de empreendedorismo social dirigido a candidatos a viver fora de Portugal que tenham ideias na área do ambiente, inclusão social, envelhecimento, participação da sociedade civil na resolução dos problemas sociais, entre outros. Cada ideia tem de ser apresentada por três elementos, um deles tem de residir no estrangeiro. Em todas as edições são escolhidos dez finalistas, este ano houve 54 ideias a concurso com 200 participantes portugueses de 29 países. A 11 de Junho vai ser conhecido o vencedor desta quarta edição do Faz. Da lista de finalistas deste ano, cujos participantes irão todos receber uma formação dada pelo Instituto de Empreendedorismo Social, fazem ainda parte um projecto-piloto para criação de um jardim de borboletas e viveiro de plantas num centro social de Lisboa (Cidade com Asas), a comercialização de produtos da colmeia, como o mel, pólen e a cera (BEERURAL), um projecto de acesso às artes em áreas do país com pouca oferta (Manta de Retalhos) ou um projecto de reaproveitamento de cabos e carregadores, através da sua recolha, selecção e comercialização (Ligação Solidária 123). O vencedor receberá 25 mil euros, 15 mil euros vão para o segundo classificado e 10 mil euros para o terceiro. No ano passado ganhou o projecto Sumos Portugal, que consiste na criação de pontos de venda ambulante de sumos de frutas e outros produtos hortícolas naturais, vendidos por pessoas com deficiência. Em segundo lugar ficou o Salva a lã portuguesa – a ideia é que a lã das ovelhas, que costuma ser deitada fora, seja comprada a produtores nacionais e que sejam formadas pessoas que saibam fiar. A Plantei. eu, que ficou em terceiro lugar, consiste na criação de uma plataforma online europeia de promoção e suporte da troca de sementes, contribuindo para a preservação da biodiversidade agrícola. Estes três projectos ainda estão ainda em fase de implementação, informa a fundação. De vento em popa parecem estar dois projectos da edição de 2013. O próximo concerto da Orquestra XXI está marcado para 28 de Junho na Casa da Música. Este projecto juntou cerca de 50 músicos portugueses que tocam nas melhores orquestras de todo o mundo e que vêm de propósito a Portugal para realizar concertos, alguns dos quais gratuitos, e dinamizar academias de música nacionais. A orquestra nasceu em 2013 e fez três digressões nacionais. Já o projecto Fruta Feia, que ganhou o segundo prémio nesse ano, informa no seu site que, no “primeiro ano de e meio de funcionamento e com os actuais 650 consumidores associados, evitou o desperdício de 98. 539 quilos de frutas e hortaliças. ” O projecto foi criado para diminuir o desperdício de fruta que, “apesar de ser saborosa e de qualidade, não tem o aspecto ‘bonitinho’ que a grande distribuição procura e que os consumidores escolhem”. Foi uma ideia de uma portuguesa a viver em Barcelona. O mote é “Gente bonita come fruta feia”. Já no projecto Arrebita! Porto, que venceu a primeira edição, em que um grupo de arquitectos pretendia oferecer a possibilidade de senhorios de prédios degradados reabilitarem o seu imobiliário a custo zero, chegou ao fim no final de 2014. Numa nota deixada na página do Facebook do projecto diz-se "que o desenho colaborativo do projecto contém um número de falhas que o tornam inviável. " Diz-se que falharam as três premissas de base, nomeadamente que os trabalhos de obra seriam executados por jovens arquitetos e engenheiros voluntários, que os produtos e serviços seriam doados no quadro de mecenato social e que a coordenação dos trabalhos seria assegurada por universidades.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave social
El Khatib semeia a beleza num teatro de morte
De cada vez que Mohamed El Khatib apresenta Finir en Beauté (Acabar em Beleza) reacende o luto pela morte da sua mãe. Em estreia nacional no Teatro D. Maria II, o autor franco-marroquino apresenta o magnífico primeiro momento da sua fuga do teatro clássico. (...)

El Khatib semeia a beleza num teatro de morte
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: De cada vez que Mohamed El Khatib apresenta Finir en Beauté (Acabar em Beleza) reacende o luto pela morte da sua mãe. Em estreia nacional no Teatro D. Maria II, o autor franco-marroquino apresenta o magnífico primeiro momento da sua fuga do teatro clássico.
TEXTO: Quando fundou o Collectif Zirlib, em Orléans, Mohamed El Khatib lançou no pequeno manifesto inaugural uma provocação em que apregoava o plano de “trabalhar sobre a morte e o luto durante os 15 anos seguintes”. Na altura, pode ter-lhe parecido que se dirigia ao exterior. Mas desde 2010 que essa profecia em causa própria tem-se cumprido com uma invejável pontualidade. A cada dois anos, o autor e encenador franco-marroquino dá por si embrulhado em criações que colocam essas temáticas no centro da sua vida artística. Em 2010, quando escreveu e estreou À L’Abri de Rien, era já com a morte da mãe que lidava, embora de uma forma indirecta, numa espécie de preâmbulo para Finir en Beauté (Acabar em Beleza), a peça que lhe valeu o Grande Prémio da Literatura Dramática francês em 2016 e que promove um primeiro contacto entre o público português, no Teatro Dona Maria II, em Lisboa, entre 18 e 25 de Fevereiro, e um dos autores mais desafiadores e fascinantes deste momento. Autoria: Mohamed El Khatib Produção: Zirlib Actor(es): Mohamed El Khatib Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, Todos os dias, de 18 de Fevereiro de 2017 a 25 de Fevereiro de 2017 às 19h Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, Todos os dias, de 18 de Fevereiro de 2017 a 25 de Fevereiro de 2017 às 21h30 Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, Sexta, de 18 de Fevereiro de 2017 a 25 de Fevereiro de 2017 às 19hEm À L’Abri de Rien, diz Mohamed ao Ípsilon, tacteava ainda em torno da doença da mãe e da sua morte anunciada, talvez resistindo a uma derradeira barreira de pudor que acabaria por se esfarelar mais tarde. “Na altura não quis ver isso e andei ao redor da questão, tendo feito uma peça sobre a morte que trata tanto da morte de familiares como de animais. Na verdade, era estimulado pela pergunta: de que forma me posso indignar intelectualmente com a morte de milhares de chechenos e com repetidos massacres no Kosovo, e no entanto a morte do meu cão me deixar mais triste? Quis interrogar esse mecanismo que faz com que possa comover-me com algumas tragédias mas estar sempre consciente que será o meu círculo próximo que me trará mais sofrimento. ”Parte considerável do percurso artístico de El Khatib germina dessa relação com a morte da mãe. Não só porque lhe deu um ponto de partida e lhe permitiu criar esse espectáculo comovente que traz agora a Lisboa, mas por todo o movimento que gerou em volta e desembocou, por exemplo, em Renault 12, road movie da sua viagem para reclamar a herança de um terreno em Marrocos (pretexto para redescobrir a sua mãe a partir de inquéritos a tios e tias), ou na sua próxima estreia, C’est la Vie, peça protagonizada pela actriz Fanny Catel e pelo actor Daniel Kenigsberg. Catel e Kenigsberg procuraram-no no final de uma apresentação de Finir en Beauté, não apenas para expressar a sua admiração mas também para lhe dizer “Bom, é grave perder uma mãe, ficamos tristes por isso, mas é quase uma brincadeira comparado com a perda de um filho, isso é muito pior”. “Não tenho filhos e quero acreditar em vocês”, respondeu-lhes Mohamed. “Mas não se pode criar uma equação dessas, afirmar que há dores que são mais importantes do que outras. ” Foi esse encontro, no entanto, a semear uma reflexão que voltou a colocá-lo no caminho da morte. Por mais que se desvie, ela nunca se afasta e a suspeita é a de que, por mais que traga outras ideias para o caminho, jamais a conseguirá despistar. Coincidindo com o processo de escrita de Finir en Beauté, Mohamed El Khatib aterrou no México, precisamente no Dia dos Mortos. “Vi-me no meio de uma grande festa, flores por todo o lado, as pessoas a beberem imenso álcool, muita tequila, um ambiente muito exultante e em que podíamos seguir aquela gente e entrar-lhes pelas casas dentro e visitámos hotéis dos mortos, do papi, da mami, das crianças. ” Esse tom de festa marcou-o pelo contraste com a forma envergonhada e encoberta com que passou a ver o correspondente tratamento ocidental. “Aqui”, diz, “a morte é um tema tabu, escondido. ” Depois, a comparação com a vivência da morte entre Marrocos, o país dos pais, e França, o seu país, havia de empurrá-lo para uma outra discussão, acreditando que “em qualquer lugar há rituais que ajudam a passar por esse momento”. “Mas em França não, não há quaisquer rituais. Como há uma rejeição da religião, não apareceu nada para compensar e ocupar o lugar dos novos rituais laicos. Eu não sou crente, mas isso não me impede de ver que a religião acompanha nesse momento. É uma pena que nós, laicos, não tenhamos quaisquer rituais. Fui a um funeral num crematório há não muito tempo e foi horrível, como se se morresse uma segunda vez. Talvez tenhamos de aprender a morrer – e essa é uma responsabilidade colectiva, a que devemos responder enquanto sociedade. ”Entre Maio de 2010 e Agosto de 2013, Mohamed El Khatib foi recolhendo os vários materiais que compõem Finir en Beauté. “Não me coloquei a questão do limite, da decência e do pudor”, escreve na edição em livro da peça. “Recolhi aquilo que pude e reconstruí. Tudo se passou muito rápido e sem premeditação. ” A 20 de Fevereiro de 2012, a mãe de Mohamed, Yamna El Khatib, morreu no Centro Hospitalar Universitário de Orléans-La-Source e esse momento capital na vida do autor é colocado em palco de forma comovente, no meio de registos de conversas entre os dois ou com o médico que acompanhava o caso, no relato das suas inquietações sobre o que significa ser um bom filho, em SMS e emails trocados, na descrição de todo o novelo burocrático envolvendo a morte de um imigrante, no processo de repatriação do corpo, na partilha de todos os pormenores absurdos que, se emprestam um tom quase cómico a certas passagens, apenas reforçam a sua humanidade e a emoção generosa mas sem miserabilismo ou autocompaixão que El Khatib leva para palco. O facto de se alimentar das experiências pessoais, à semelhança daquilo que vê no cinema de Alain Cavalier e nas obras de Sophie Calle, levaria à oposição de duas das suas (quatro) irmãs, para quem era e é incompreensível que Mohamed partilhe fotografias da mãe com estranhos. Tentaram demovê-lo, impedir que a peça avançasse, recusaram-se a assistir e nem o impacto e o reconhecimento público venceram a ideia de que expunha uma intimidade sem direito de o fazer. Como a mãe autorizou a gravação das suas conversas e coloca o foco no amor incondicional, Mohamed não se deteve. Finir en Beauté, que carrega o subtítulo Pièce en un acte de decès – jogo de palavras que tanto alude a uma peça composta por um único “acto de morte” como à certidão de óbito (acte de decès) – criou uma cisão no entendimento que Mohamed El Khatib tem do mundo, passando a dividir as pessoas em duas categorias: aquelas que perderam a sua mãe e as outras. “O momento de passagem de um grupo para o outro é transformador”, defende. “O que acho curioso é que este acto de morte é, para mim, também um acto de nascimento artístico. A minha relação com o mundo alterou-se e as minhas prioridades foram atacadas, como se depois do desaparecimento da minha mãe já não pudesse mais fingir. ”É uma pena que nós, laicos, não tenhamos rituais. Fui a um funeral num crematório e foi horrível, como se se morresse uma segunda vez. Talvez tenhamos de aprender a morrerNa sua prática artística, esta transformação materializa-se naquilo a que chama “uma viragem um pouco radical” na forma de encarar o teatro. Entrou em ruptura com o teatro clássico, “o teatro burguês”, deixou cair as personagens, a iluminação, todos os recursos artificiosos usados habitualmente na construção de um espectáculo. E preferiu enveredar por um teatro que não alinhe com a maioria da produção que identifica em França, em que o público chega, assiste, aplaude os desempenhos impecáveis dos actores e os cenários de magnífica execução, e segue para casa nesse confortável posto de observador mais ou menos preenchido e/ou deslumbrado com aquilo que viu. Mohamed não quer fazer parte desse jogo que, na sua opinião, se torna “um mero exercício de estilo”. “Mais do que um espectáculo, quero levar encontros para cena”, diz. “E, portanto, tento esvaziar todos os recursos um pouco burgueses do teatro e reintroduzir elementos que sejam vivazes. ” O exemplo perfeito para aquilo que nos diz chama-se Moi, Corinne Dadat, “performance documental” construída para a empregada de limpeza Corinne Dadat. Dadat limpava o palco num certo dia quando Mohamed reparou nos seus movimentos e comentou que parecia estar a interpretar uma coreografia, com uma qualidade de bailarina. Corinne, mulher de língua solta e frequentemente ácida, concordou e respondeu-lhe que a única diferença era não receber aplausos quando terminava. O encantamento de El Khatib nascido nesse momento por aquela mulher levou-o a realizar uma série de entrevistas de onde resulta uma descrição que partilha com o público: “Corinne Dadat não lê o Le Monde nem os Échos mas a sua análise da crise económica faria empalidecer quaisquer responsáveis do FMI”, “Corinne Dadat não levará os filhos à Eurodisney porque é demasiado caro e o Rato Mickey é um filho da puta” ou “Corinne Dadat já não tem sonhos: tem um quotidiano”. Muita gente perguntou a Mohamed por que não contratava uma actriz para encarnar Corinne Dadat, mas aquilo que o encantava era partilhar o palco com alguém que não podia controlar, totalmente indomada e por natureza desrespeitadora dos códigos teatrais. “Gosto de cultivar o acidente”, justifica. “Ao escolher uma empregada de limpeza, eu sei que ela tem problemas de memória e que posso dizer-lhe aquilo que desejo que, de qualquer maneira, ela vai acabar por fazer o que lhe apetecer. Não finge. Ela tem um microfone e comanda o tempo todo. Não representa, reage imenso à sala, é franca. E agrada-me essa ideia de que tudo é possível naquele palco. Claro que é uma peça que me pode escapar do controlo, há dias em que é genial e outros que não funciona porque ela está preocupada, porque tem uma filha doente ou algo assim. Mas eu quero essa fragilidade. ”Mais do que um espectáculo, quero levar encontros para cena. E, portanto, tento esvaziar todos os recursos um pouco burgueses do teatro e reintroduzir elementos que sejam vivazesA rejeição do teatro burguês tornou-se um verdadeiro problema quando Mohamed apresentou Finir en Beauté no festival Off de Avignon. “O problema é que em Avignon somos explorados, temos quase de pagar para nos apresentarmos”, resume. Comparando o festival a um supermercado, perguntou-se repetidas vezes “Como é que posso ser um encenador que defende valores humanistas, contra a lei de mercado, e depois na prática reproduzir a mesma coisa?” Lembrou-se muito dos seus amigos de esquerda, defensores da igualdade de oportunidades e da diversidade nas escolas de um país com um vincada divisão entre bairros ricos e pobres, e que chegada a altura de fazer escolhas para o ensino dos seus filhos optavam por escolas privadas. Ao seu questionamento, respondiam: “Antes tínhamos princípios, agora temos crianças. ”Esse que acredita ser o problema crónico da esquerda francesa, de se acomodar assim que chega ao poder e arranjar maneira de se fazer melhor amiga do liberalismo económico, sentiu-o em pequena escala na sua concessão a Avignon e ao apresentar Finir en Beauté em salas com uma capacidade superior a 80 pessoas, onde a partilha da sua intimidade corre o risco de se tornar voyeurística e gritada em vez de sugerida com a delicadeza exigida. Num outro sentido, também o Grande Prémio de Literatura Dramática o confundiu. Historicamente atribuído a autores de um teatro clássico, significava o reconhecimento precisamente do meio de que Mohamed tentava afastar-se e que levou muitos a queixar-se da injustiça de uma distinção dirigida a “alguém que não faz teatro, não trabalha com actores nem adopta qualquer narrativa”. Afinal, teria ou não acertado?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em L’Abri de Rien, Mohamed El Khatib abordava a iminência da morte da mãe ao fantasiar sobre os últimos tempos que passaria com ela, lendo-lhe todos os livros possíveis que tinham faltado a uma vida dedicada apenas à leitura do Corão. Se essa é uma marca da geração dos seus pais – “eles sabem o Corão de cor”, comenta –, embora revele a sua admiração pela “qualidade magnífica da língua” do livro sagrado, não foi assim consigo, em parte porque Ahmed El Khatib (seu pai) desenvolveu uma obsessão com os livros depois de alguém o ter convencido de que era vital para os seus filhos crescerem rodeados desse manancial de conhecimento. Mohamed sabe ser produto desse investimento e puxa de uma história para o ilustrar: “Um dia os meus pais e uns amigos compraram uma casa que transformaram numa mesquita. Era uma velha casa de campo, com um sótão onde descobriram centenas de livros magníficos. O meu pai trouxe aqueles que conseguiu, apareceu em casa e levou-me de volta para eu escolher todos os que quisesse. Chegámos depois de jantar e vimos os amigos dele a queimar os livros. Quando lhes perguntou por que faziam aquilo, houve um que lhe respondeu ‘Compramos livros novos às crianças e elas não os lêem. Achas que vão ler livros velhos?’. ”Os livros, comenta, não são tão importantes para uma cultura que cedeu à novidade e ao materialismo quanto o são ter um carro ou uma scooter para oferecer aos filhos. A sua excepção, diz, faz com que hoje possa dizer que na sua vida “Em Busca do Tempo Perdido, de Proust, é mais importante do que o Corão”. Algo que, ironicamente, sabe não poder afirmar na presença do seu pai. O Ípsilon viajou a convite do Teatro Nacional D. Maria II
REFERÊNCIAS:
Morreu José Lello, o político de "cortante sentido de humor"
Ex-ministro e antigo deputado socialista tinha 72 anos. (...)

Morreu José Lello, o político de "cortante sentido de humor"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.12
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ex-ministro e antigo deputado socialista tinha 72 anos.
TEXTO: José Lello morreu nesta sexta-feira, confirmou o PÚBLICO junto de fonte socialista. O ex-deputado e antigo ministro socialista, de 72 anos, estava doente há bastante tempo devido a um cancro no cólon que o levou a ser hospitalizado esta semana. “O PS reage com profundo pesar à morte de José Lello, que além de ser um destacado dirigente socialista, foi sempre um activo importante em todas as lutas da afirmação do Porto”, declarou ao PÚBLICO o presidente da distrital do PS-Porto, Manuel Pizarro. “A sua intervenção cívica ultrapassava em muito as fronteiras partidárias e o estilo próprio que punha nas coisas que eu poderia chamar combatividade jovial, constitui um exemplo que o PS não deixará esquecer”, acrescentou o líder federativo. Engenheiro mecânico de formação, José Lello começa o seu percurso político muito ligado a Mário Soares. Mais tarde torna-se uma figura central do grupo de Jaime Gama e é aí que começa a ligação a José Sócrates, de quem era muito próximo. O ex-deputado ascende pela primeira vez ao Governo após a vitória do PS em Outubro de 1995, sendo nomeado secretário de Estado das Comunidades, precisamente quando Jaime Gama é convidado para ministro dos Negócios Estrangeiros no XIII Governo Constitucional. Em 2000, o primeiro-ministro, António Guterres, escolheu-o para ministro da Juventude e do Desporto. Nas eleições legislativas antecipadas de Março de 2002 ocupa o segundo lugar na lista de deputados pelo Porto encabeçada por Alberto Martins. Cinco anos depois torna-se vice-presidente da Assembleia do Atlântico Norte. Mais tarde ascende a presidente da Assembleia Parlamentar da NATO, cargo que ocupa até 2008. Foi deputado em todas as legislaturas desde 1983 até 2015, tendo sido presidente do conselho de administração da Assembleia da República e vice-presidente do grupo parlamentar do PS. Desempenhou funções como membro das comissões políticas e nacional do PS. Integrou o secretariado nacional do partido. Nas últimas eleições presidenciais, José Lello apoiou a candidatura de Maria de Belém Roseira ao Palácio de Belém. "Como autarca e apaixonado pela sua cidade do Porto, José Lello – que foi também dirigente do Boavista Futebol Clube – serviu entre 1976 e 1989 como deputado na Assembleia Municipal. Além da sua capacidade de trabalho e dedicação às causas em que acreditava, José Lello caracterizava-se por um apurado e cortante sentido de humor, que utilizava muitas vezes como instrumento na sua actividade política e pública, tornando-o um dos mais conhecidos e populares parlamentares portugueses das últimas décadas", salienta a direcção do PS em comunicado enviado à Lusa, no qual se sublinham os "relevantes serviços" de Lello ao país. O PS expressa "profunda consternação" pela morte do militante. Numa declaração aos jornalistas no Parlamento, o presidente do PS, Carlos César, destacou o trabalho de José Lello como secretário de Estado das Comunidades de que se apercebeu quando era presidente do Governo Regional dos Açores. “Como secretário de Estado deixou uma marca muito impressiva um pouco por todo o mundo onde havia comunidades portuguesas", disse o também líder da bancada parlamentar socialista. “Era impressionante perceber a forma entusiástica” como José Lello exerceu estas funções, elogiou Carlos César, acrescentando que a “presença” constante daquele governante nas várias comunidades espalhadas pelo mundo “as estimulou e aproximou-as do país”. Carlos César disse que a morte de José Lello é um “momento de grande consternação” para a família socialista que, por isso, cancelou a reunião da Comissão Nacional que estava marcada para este sábado. O presidente do PS lembrou a forma “incisiva” e o “modo de estar” de Lello no PS, o seu trabalho na área da Defesa enquanto deputado e, nessas funções, como presidente da Assembleia Parlamentar da NATO. José Lello teve uma curta carreira como cantor entre o final dos anos 1960 e o início da década seguinte. Em 1969, surgiu no derradeiro alinhamento de Os Titãs, uma banda que se tinha apresentado originalmente no formato “tipo Shadows” (sem vozes) e participado no primeiro festival de rock em Portugal, a 16 de Setembro de 1963, no antigo Cinema Roma, em Lisboa. Além de cantar, Lello toca saxofone no último disco da banda de Matosinhos – One Way Love. Antes de integrar Os Titãs, tinha passado pelos Cinco Académicos (1962), Conjunto Sousa Pinto (1964) – com o qual gravou os seus três primeiros vinis – e Inova 67 (durante o serviço militar), de acordo com a Biografia do Ié-Ié de Luís Pinheiro de Almeida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ainda em 1969, estreou-se a solo com Baladas, um EP com quatro originais seus – Caminhando, Balada para um emigrante, Miguel e Pescador – que foi destacado como disco da semana na revista Plateia. Seguiu-se o EP A noite do mar, com mais cinco temas – um homónimo, Canção para uma flor, Mar da tranquilidade e Canção que o vento há-de cantar. Com H. T. e M. L.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
Fidel Castro (1927-2016): A morte muito antes do sonho
Viveu como falava: aos borbotões, com gestos largos, a explicar a sua ideia de revolução, que uns seguiram, outros não, e uma parte deixou a meio. O último herói do socialismo ou o último pirata das Caraíbas, agora tanto faz, porque morreu muito antes do sonho. (...)

Fidel Castro (1927-2016): A morte muito antes do sonho
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.05
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Viveu como falava: aos borbotões, com gestos largos, a explicar a sua ideia de revolução, que uns seguiram, outros não, e uma parte deixou a meio. O último herói do socialismo ou o último pirata das Caraíbas, agora tanto faz, porque morreu muito antes do sonho.
TEXTO: Agora, sim, é verdade: Fidel Castro morreu. Talvez só para quem não gostava dele – porque para outros continua a viver, entre a incredulidade e a lenda. Na mais extensa das entrevistas que deu, a de cem horas, em 2005, ao antigo director do Le Monde Diplomatique Ignacio Ramonet, ele próprio antevia esta irrealidade: “No dia em que eu morrer de verdade, ninguém vai acreditar. Poderia andar como o Cid, o Campeador, que mesmo morto era levado a cavalo para vencer batalhas!” (Fidel Castro – Biografia a duas Vozes). Mas morreu mesmo; e ninguém o deverá levar para mais nenhuma batalha, porque as teve de sobra, e disso se falará de hoje em diante até que a História arrefeça. Ainda é muito cedo. Um dos primeiros companheiros de jornada, Max Lesnick, descreveu-o uma vez como “jacobino, rebelde, radical”. Modos de ver. Ramonet retratou-o de uma maneira mais moderada: “Não é nem o monstro que certos meios de comunicação ocidentais descrevem, nem o super-homem que às vezes alguns meios de comunicação cubanos apresentam. É um homem com princípios éticos e morais rigorosos, que leva um modo de vida muito austero e frugal. ”Uma coisa é certa: Fidel, mesmo nascido num berço de ouro, voltou as costas à condição de filho de um fazendeiro, Ângel Castro, natural de Láncara, na Galiza, para desafiar vários líderes populistas da sua juventude, de Batista a Batista, passando por Grau San Martín ou Socarrás, e 11 presidentes norte-americanos durante cinco décadas – Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush pai, Clinton, Bush filho e Obama –, em nome de uma ideia de revolução. Que amadureceria – ou que empobreceria, conforme as opiniões – com o tempo, a idade e os ciclos da história, para acabar num país onde os direitos económicos e sociais não quereriam saber dos direitos civis e dos políticos – como é a Cuba actual. Um aviso: a maior parte dos autores que foram à fonte para beber a verdade sobre a vida do líder cubano ou tiveram de aceitar filtros, como Cláudia Furiati (Fidel Castro – Uma Biografia), que deveu parte dos seus apontamentos a gente da maior confiança do regime, ou revisões do entrevistado, como Gianni Miná, Frei Betto, Tomás Borge ou Ramonet. Fidel Alejandro Castro Ruz nasceu em Birán, um lugarejo rústico do Oriente, no dia 13 de Agosto de 1927, mesmo que na ilha não se queira que tenha nascido nesse dia e mês, mas um ano antes (daí ser noticiado que morreu aos 90 anos). Isto porque, não podendo, por falta de idade, frequentar o grau a que tinha direito por mérito próprio no Colégio de Belén, o pai conseguiu que o registo civil aldrabasse a escrita para o garoto se poder inscrever. Pelo menos foi o que averiguou Furiati. Motivo aparente da controvérsia: 26 é o número fetiche do regime, por causa do 26 de Julho de 1953. Nasceu de Dom Ângel e de Lina, com quem o pai passou a viver e se casaria mais tarde, depois de se divorciar de Maria Argota, cresceu no meio das selvajarias próprias dos garotos da terra e da idade – tinha, por exemplo, um gosto particular em operar pássaros e outros animais com lâminas de barbear –, tornou-se exímio no manejo de armas; e, com o tempo, um atleta sem competidores à altura, principalmente quando chegou aos 1, 85 metros – no basebol era o melhor, fosse pitcher ou right. Aluno de escolas jesuítas, era aplicado. Estudava até desoras, decorava páginas só de lhes passar os olhos, estava sempre entre os melhores. Era forte em Psicologia, História, principalmente da Revolução Francesa, e um apaixonado de Rousseau e Diderot, mas também bom nos números. Tinha uma mania estranha: depois de ler uma página, rasgava-a e deitava-a fora. Um livro de 500 acabava em cem. A vida política, Fidel Castro inicia-a na Universidade de Havana, onde entra no dia 27 de Setembro de 1945, na Federação dos Estudantes Universitários (FEU), repartindo a militância com o estudo de Direito. Cuba era nesse tempo um alvoroço, cheia de zaragatas, golpes, conspirações, gangsterismo, comércio de favores, bordéis com clientes certos: os Marines. Era um país à procura do amor-próprio, refém da Emenda Platt, que desde 1901 o acorrentava aos Estados Unidos. A anacrónica base de Guantánamo veio daí. Não é nem o monstro que certos meios de comunicação ocidentais descrevem nem o super-homem que às vezes alguns meios de comunicação cubanos apresentamÉ nesses anos, na FEU, que se molda, na luta pela direcção dos estudantes, ou contra o sistema, na altura representado por Grau, alvo do seu primeiro discurso público, ou insignes bandidos como Salabarría ou Masferrer, que eram uma espécie entre os polícias e os pistoleiros. É nesses anos que mergulha na vida e nas memórias do “apóstol” José Martí, Bolívar, Antonio Jose de Sucre. É nesses anos que sobe, desce e discursa, já então aos borbotões, na Escalinata, de acesso à escola. E é por esses anos também que anda com uma pistola entalada no cinto das calças, que conhece Lesnick, Alfredo Guevara e outros que o hão-de acompanhar. No meio de conjuras, flyers, jornais clandestinos e programas radiofónicos de curta duração, lá acaba o curso e abre um escritório em Havana, onde defende causas de operários em Melena del Sur ou de camponeses em Santa Cruz del Norte, frequentemente sem levar nada. Tem uma ideia fixa: derrubar Batista. No dia 26 de Julho de 1953, a coberto da paródia do carnaval cubano, o Movimento tenta a sorte, em Santiago, contra os quartéis de Moncada e Bayamo. Morrem três atacantes, 87 serão presos, torturados e mortos. O tiro de partida falha. Fidel e outros, apanhados numa cabana, a dormir, e o irmão, vão para Boniato, a seguir para a da Ilha dos Pinheiros, de onde sairão mas para serem julgados, assumindo ele a própria defesa durante duas horas num trecho que se transformará num libelo contra o regime – A História Me Absolverá. Amnistia, exílio no México, a casa de María Antónia, o encontro com um jovem argentino que andava a conhecer o mundo, um tal Guevara, que começava ou acabava as frases com "che", que tanto pode ser o nosso "pá", como "olá" ou "caramba"; treinos físicos em inocentes ginásios e de tiro em quintas emprestadas, mil fintas aos agentes de Havana; e um iate chamado Granma, a cair de podre no porto mexicano de Tuxpan. Fidel Castro já levava algum lastro político. Participara no Bogotazo, em 1948 – na verdade, por acidente, pois ia para um encontro com Jorge Gaitán, que nunca conheceria –, tentara uma aventura contra Trujillo, o ditador dominicano, e contra Moncada, e comprara em Nova Iorque, onde foi com Hilda, já divorciado de Mirta, um livro extraordinário: O Capital. Agora era tudo ou nada. Numa madrugada de Novembro de 1956, o barco, de 12 metros e com uma capacidade máxima para 25 pessoas, largou a abarrotar de presuntos, laranjas, leite condensado e 82 homens. Uma semana depois chegava às costas de Cuba, com a ajuda, entre outros, de um mapa que o Movimento 26 de Julho conseguira de um navio português. Desembarque, pântanos, mosquitos, combates, emboscadas de toca-e-foge, Sierra Maestra; a entrevista a Herbert Mathews, do New York Times; baixas, fuzilamentos. No torvelinho, Célia Sánchez, tão próxima dele como da revolução. E Havana, no último dia de 1958. O repórter ficou encantado. Desmente a morte do chefe do M-26, que a propaganda batista espalhava aos sete ventos, e descreve-o como um campeador: “A sua personalidade é cativante. (…) É fácil compreender porque os seus homens o adoram. (…) À primeira vista, fisicamente e como personalidade, é um homem educado, de uma dedicação fanática à causa, um homem de ideais, coragem e qualidades notáveis de liderança. As suas ideias de liberdade, democracia, justiça social, necessidade de restaurar a Constituição, realizar eleições, estão bem arraigadas. (…) O programa é vago, com disposições generalizantes, mas traz uma nova proposta para Cuba, radical, democrática e (…) anticomunista”, escreve, comparando o entrevistado e Bolívar, Lincoln e Robin Hood. Mathews escreveu a quente. A Sierra Maestra não era Sherwood. Havana aproxima-se de Moscovo, os Estados Unidos eriçam-se; vem o embargo, no futuro revisto e aumentado, uma sucessão de episódios que marcaram a ilha e o mundo, a Baía dos Porcos, em 1961, a crise dos mísseis um ano depois, a exportação da revolução, a morte de Che na Bolívia, atentados, a aventura angolana, enquanto mesmo assim tomava forma uma sociedade que erradicaria o analfabetismo e faria da saúde um direito elementar, bem como a habitação. E por fim a partida da História com que Fidel não contava: a derrocada dos regimes comunistas do Leste europeu, a perda dos principais compradores do açúcar cubano, o “período especial”, a onda de balseros de 1994, a aflição económica, apesar das receitas turísticas e das remessa dos emigrantes, no grito com que sempre – e desde então ainda mais – terminava os seus intermináveis discursos: “Patria o muerte!”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No dia 26 de Julho de 2006, em resultado de uma doença feita segredo de Estado, Raúl substituiu-o na presidência, o que levou alguns observadores a esperar um abrandamento da repressão, talvez uma abertura. Nada. Depois de um longo período de convalescença, com novos rumores sobre a sua morte, começou a receber chefes de Estado estrangeiros, alguns deles amigos, como o venezuelano Hugo Chávez, a escrever crónicas no Granma, sobre o Iraque, o Afeganistão, o ambiente, a globalização, a influenciar a política do país, até porque continuava a ser primeiro secretário do PCC, e a aparecer em público. Em Miami, o Nuevo Herald deu-se por fim conta que não ia haver nenhuma mudança com nome disso. Raúl começou entretanto a mudar pouco e aos poucos. Em 2011, num congresso histórico do PCC, adoptou uma série de medidas de abertura económica. Em 2014, aproveitando o espaço aberto com a retirada de cena de Fidel, Barack Obama passa seis meses a negociar com Cuba em segredo. No final desse ano, os dois países retomam relações e em Março último Obama visita Havana, uma estreia para um Presidente dos EUA desde 1928. Raúl demonstrou assim a sua natureza pragmática, surpreendendo o mundo. Mas, sim, Fidel Castro, morreu. Vários adivinharão uma reviravolta política como um ciclone das Caraíbas. Outros, como Ramonet, que todos os ajustamentos serão calmos. “O que é que acontecerá quando desaparecer, por causas naturais, o Presidente cubano? É óbvio que se produzirão mudanças, já que ninguém na estrutura do poder (nem o Estado, nem o partido, nem as Forças Armadas) tem a sua autoridade. Alguns analistas vaticinam que, como aconteceu na Europa do Leste depois da queda do Muro de Berlim, o regime actual será prontamente derrubado. Enganam-se”, escreveu o jornalista, em 2006, no prólogo das cem horas com Fidel, explicando que os regimes comunistas europeus eram impostos do exterior e detestados por uma parte importante da população, que não era o caso de Cuba. A palavra agora aos que lá vivem.
REFERÊNCIAS:
Carvalhais, um baile de tradições e natureza
Aninhados entre serras e ribeiros, os ritmos do quotidiano de Carvalhais e Candal ainda se deixam marcar pelos compassos da natureza, das tradições e da memória. Agora, um novo festival quer resgatar esse património regional e acrescentar danças populares dos quatro cantos do mundo. Para bailar em Agosto e desvendar uma região para o ano todo. (...)

Carvalhais, um baile de tradições e natureza
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Aninhados entre serras e ribeiros, os ritmos do quotidiano de Carvalhais e Candal ainda se deixam marcar pelos compassos da natureza, das tradições e da memória. Agora, um novo festival quer resgatar esse património regional e acrescentar danças populares dos quatro cantos do mundo. Para bailar em Agosto e desvendar uma região para o ano todo.
TEXTO: António Francisco conhece bem a cascata de moinhos que desce a ribeira de Contença, no Parque Florestal do Pisão, concelho de São Pedro do Sul. Os pais eram “proprietários de dois quinze avos” de um dos edifícios de granito, que é o mesmo que dizer que “de quinze em quinze dias eram os usufrutuários” do pequeno moinho. E ele, “umas vezes com mais vontade do que outras”, lá vinha, ainda miúdo, ajudar os pais, com sacas de milho ou ferramentas para picar as mós. Às vezes, deixavam-no subir à antiga casa do guarda-florestal, onde o irmão mais velho trabalhava a lavrar os lameiros. E o que ele gostava de andar por ali a brincar, conta-nos agora entre os carvalhos da propriedade, entretanto transformada em Bioparque, com área de campismo, piscina, zona de arborismo, slide e parque de merendas, entre outras valências. Dos moinhos, António conhece cada pedaço de madeira e de pedra que os faz funcionar. Mas confessa: “Nunca quis ser moleiro. ” Toda a vida foi carpinteiro e é a madeira que lhe abre o sorriso no rosto. “Entre esta caleira e aquela vão pelo menos uns 60 anos de distância”, compara António, apontando para o tronco de árvore que, suspenso na horizontal, conduz a água aos rodízios do moinho. Aquela lá ao fundo já foi António que talhou a madeira e a instalou no lugar. Há cerca de um ano e meio regressou aos moinhos para trabalhar como responsável pela manutenção e pelas visitas guiadas aos turistas, durante as quais põe as mós a laborar. Dos 13 edifícios concentrados ao longo da ribeira, seis foram integralmente recuperados e estão aptos a operar, mas a matéria-prima não dá para mais de três. “Há duas famílias aqui na região que têm plantações e que me trazem o milho para moer. Mas a quantidade não chega para ter mais a funcionar”, lamenta. Outrora a broa foi base da alimentação das populações rurais da região. Só na freguesia de Carvalhais, a que pertence Pisão, existia mais de uma centena de moinhos junto aos cursos de água. Com a mudança dos hábitos alimentares, o advento dos moinhos eléctricos e o sucessivo abandono das terras, no entanto, as plantações deixaram de chegar para nutrir tantos moinhos e a prática caiu em desuso no século XX. Os últimos, recorda, pararam na “década de 1980”. Os edifícios, aninhados entre a sombra do arvoredo e o entusiasmo da ribeira, pulando dos rochedos para formar pequenas lagoas, compõem agora um dos pontos de visita obrigatória da grande Rota da Pedra e da Água, que se estende ao longo de sete concelhos da região. O nosso percurso, no entanto, é bem mais curto. Atravessamos uma pequena ponte de madeira para espreitar uma cascata e a flora envolvente. “Aqui encontramos em abundância o feto real, ou fentelha, que é utilizado nas procissões”, indica agora Paulo Pereira, botânico e músico. Ao longo dos passeios dos próximos dias, será tão natural vê-lo enumerar cada planta pelo nome científico como ouvi-lo improvisar uma melodia num dos instrumentos de sopro que traz sempre na mochila. À beira do riacho, aponta para umas pequenas flores entre a vegetação: são violetas-do-rio, de pétalas mais claras, quase brancas. O reencontro com a natureza e com as tradições da região é uma das componentes essenciais do Tradidanças, um festival que teve “o ano zero” em 2017 e que este ano regressa a Carvalhais no início de Agosto. Além dos bailes, dos concertos e das oficinas de dança e de desenvolvimento pessoal, parte da programação é dedicada ao património cultural e paisagístico. Todas as manhãs, por exemplo, haverá “viagens” de tradição e de natureza, com visitas a povoações ou percursos pedestres, que podem incluir degustações, oficinas ou momentos musicais. Já no recinto do festival, serão organizados laboratórios sobre ofícios tradicionais, como “broa e moinhos de água” ou “mel e cera”. O objectivo é que o festival funcione também como uma “montra” daquilo que a região tem para oferecer, surgindo como uma “base para se desenvolverem actividades ao longo do ano” que estimulem não só o turismo como o envolvimento da comunidade local, com retorno económico para as empresas que operam na região. “O [festival] Andanças fazia muita coisa durante aquela semana, mas depois ia [embora] e não havia mais nada o resto do ano”, compara José Carlos Almeida, presidente da Junta de Freguesia de Carvalhais e de Candal e presidente da Associação Turística e Agrícola da Serra da Arada (ATASA), que organiza o Tradidanças. O novo festival nasce sobretudo para recuperar a herança deixada pelo Andanças, que se realizou aqui durante 15 anos, primeiro no parque da Fraquinha, em plena serra da Arada, depois no sopé da montanha, junto à povoação de Carvalhais. Após um ano de semi-interregno, o festival organizado pela PédeXumbo mudou-se para Castelo de Vide em 2013 e é lá que decorre desde então. “Tínhamos as infra-estruturas, o know-how das pessoas que estavam habituadas a organizar o festival e o saudosismo do Andanças, que saiu daqui de um dia para o outro”, enumera o autarca. “Quisemos recuperar de alguma forma o nome e pegar nessa mística toda. ”“Acho que é a primeira vez que ainda vejo narcisos na serra nesta altura do ano”, espanta-se Paulo Pereira, ao apontar delicados tufos de flores amarelas à beira da estrada. Vamos a caminho de Arada, povoação entretanto abandonada que dá nome à serra que fecha o horizonte. O Inverno prolongado teima em atrasar a natureza e os mantos de urze e de carqueja só agora começam a florir, tingindo timidamente os cerros de roxo e de amarelo. Para lá da janela, mil-folhas de xisto crispam a subida até que, num cotovelo de estrada, a paisagem arredonda-se em blocos de granito. Torres de pedras sobrepostas destacam-se entre a vegetação rasteira. São as típicas mariolas, contam-nos, erguidas pelos pastores para servirem como pontos de referência geográfica. Os últimos habitantes saíram de Arada há cerca de dez anos, deixando ao abandono a pequena aldeia de vistas fartas sobre os montes que se estendem até à serra da Estrela. Em 2016, um incêndio levou parte do que restava. “Quando começámos a recuperar as casas foi já com a ideia de fazer alguma coisa para turismo”, revela José Carlos Almeida. A ideia, conta o autarca, é “adquirir a aldeia toda”. Mas, para já, as ruínas que estão a ser recuperadas vão dar lugar a 12 unidades de alojamento (entre quartos e apartamentos), um fumeiro e uma cozinha com forno comunitário. Junto ao desfiladeiro, está também a nascer uma piscina. O projecto deverá ter a primeira fase concluída até à Páscoa do próximo ano. Ou a segunda fase, se contarmos como primeiro passo a queijaria e o rebanho de cabras que o pastor conduz encosta acima. Uma vez mais, Paulo põe-nos a olhar para plantas que de outra forma escapariam à nossa atenção. Algumas flores de centáurea lusitana aqui (subespécie endémica portuguesa da família dos cardos) e, acolá, erva das sete sangrias, com as suas pétalas arroxeadas. Um pouco mais à frente, já no Retiro da Fraguinha, descemos até à turfeira que se estende junto a um ribeiro para observar narcisos-das-turfeiras ou martelinhos (espécie endémica do Noroeste da Península Ibérica), urze-das-turfeiras, molinia, tojo menor e esfagno, o ingrediente principal na constituição de uma turfeira, um ecossistema em habitat encharcado do tempo das glaciações, que tem uma fauna e flora únicas e que está hoje em dia confinado a pequenos refúgios nas montanhas. Foi aqui, nos relvados da Fraguinha, que se realizou a primeira edição do Andanças no concelho de São Pedro do Sul, depois de dois anos em Évora. Paulo Pereira não só fazia parte da organização como veio dele a ideia de criar em Portugal um festival dedicado às danças populares, depois de conhecer um conceito semelhante em França no início dos anos 1990. Os caminhos entretanto afastaram-se mas Paulo regressa agora com o Tradidanças, não só no apoio à organização do festival como enquanto músico, com duas bandas que marcam presença no cartaz, Bule-Bule e Malva. Depois do almoço, para desmoer os pratos de cabrito e de vitela, descemos a encosta por um percurso pedestre até Póvoa das Leiras. O caminho inicia-se na Fraguinha, onde nos abeiramos de uma pequena barragem onde se “pesca à mosca”, para depois acompanharmos o ziguezague de uma levada de granito, que guia a água das nascentes até aos terrenos agrícolas. Lá em baixo, no vale, o ribeiro do Paivô raramente desaparece por completo do cenário, formando pequenas cascatas e lagoas ao longo do caminho. A povoação do Candal já se avista do outro lado, com as suas casas cercadas pelo verde vivo das escadarias de leiras. Um cenário semelhante à Póvoa, neste lado do vale, confirmamos ao chegar. No Candal, há broas redondas a sair do forno e música à nossa espera. Luísa, Ana, Custódia, Marcolina e Emília trazem um longo reportório de modas da terra. Entoam testemunhos das vivências da aldeia, dos amores e desamores, das agruras do campo e do trabalho nas minas, da devoção católica. “Quando era pequenina era cantar, cantar, cantar”, recorda Luísa Campos, a mais velha das cantadeiras. Cantavam no minério, nas ceifas, nas desfolhadas. “Era uma alegria. ” Os dois filhos emigraram há muito para França, assim como grande parte da população de Candal. Custódia também por lá andou muitos anos mas regressou à terra natal entretanto. Aos 87 anos, Luísa ainda trabalha no campo e desfia mezinhas e rezas para todos os problemas com a sabedoria de quem teve de fazer farmácia e medicina com aquilo que tinha em redor. Além do coro na missa, as cinco cantadeiras dão voz à tradição popular sempre que surge uma oportunidade. Queixam-se da falta de mais eventos, no Candal e pelas povoações fora, onde gostavam de ir partilhar a herança de um tempo que já não volta. Em Agosto, pelo menos uma das viagens do Tradidanças deverá passar pelo ritmo das cantadeiras. Porque o património imaterial que carregam não tem de desaparecer com o passado. De 2 a 5 de Agosto, o campo de futebol de Carvalhais vai transformar-se no recinto do festival Tradidanças, com um palco para concertos diários, tendas para oficinas de dança, bailes e sessões de relaxamento e de desenvolvimento pessoal, barraquinhas de comida e de artesanato, um espaço dedicado às famílias e uma fogueira para aquecer as histórias que se contarão noite dentro. Durante as manhãs, o programa divide-se em passeios pelo património cultural e paisagístico do território da União de Freguesias de Carvalhais e de Candal. A partir da tarde, há oficinas e concertos no recinto. No dia 3, por exemplo, os Galandum Galundaina trazem as sonoridades tradicionais do Nordeste transmontano, enquanto os Terrakota sobem a palco no dia seguinte para uma viagem pelos ritmos quentes de África, Caraíbas e Oriente. Destaque ainda para as danças tradicionais dos quatro cantos do mundo, que marcam forte presença no cartaz. Bailes populares portugueses, danças minhotas, cabo-verdianas e dos Balcãs, forró brasileiro, muitos passos latinos e Bollywood prometem levantar pó no recinto de terra batida. Haverá ainda concertos ao final da tarde na igreja matriz de Carvalhais, oficinas de instrumentos musicais e de tradições regionais, artes de rua e contadores de histórias, entre outros. O festival conta ainda com zona de campismo e cantina. Tradidanças De 2 a 5 de Agosto de 2018 Carvalhais – São Pedro do Sul Preços: Os bilhetes diários custam 5€ (quinta, sexta e domingo) e 8€ (sábado). Já a entrada para os quatro dias custa 15€ até dia 1 de Julho, aumentando 5€ a partir dessa data. Há descontos para jovens, habitantes locais e parceiros do festival. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Restaurante S. Tiago Integrado nos Cursos Técnicos de Restauração da Escola Profissional de Carvalhais Carvalhais Horário: abre apenas quinta-feira ao jantarRetiro da Fraguinha Restaurante e Parque de Campismo - Fraguinha (Candal) Tel. : 912 397 733 E-mail Site Coordenadas GPS: N40º49’57’ / S008º09’31’Estação de Artes e Sabores Avenida José Vaz, 2 – São Pedro do Sul Tel. : 232 728 198 FacebookBioparque – Parque Florestal do Pisão Tel. : 967 183 022 E-mail Site Coordenadas GPS: 40°47’59. 2”N / 8°07’48. 2”WPreços: noite no parque de campismo a partir de 5, 50€ (tenda) e bungalows desde 65€/noiteCasa d’Avó Pisão Tel. : 965 819 817 Preços: a estadia na casa (para um máximo de 12 pessoas) custa 135€/dia, 400€/semana ou 700€/quinzena; enquanto obungalow para quatro pessoas custa 80€/dia, 350€/semana ou 650€/quinzena e o bungalow para seis pessoas custa 90€/dia, 380€/semana ou 650€/quinzena. Os bungalows estão disponíveis apenas a partir de 15 de Junho. Casa da Mota Aldeia da Mota Tel. : 232 798 202 Site Preços: quarto duplo a partir de 50€/noiteRecantos da Montanha Calçada do Aido, 6 – Candal Tel. : 232708055/ 968041708/ 968285700 E-mail Site Preços: quarto duplo a partir de 65€/noiteHotel do Parque Rua do Serrado – Termas de São Pedro do Sul Tel. : 232 723 461 E-mail Site Preços: quartos individuais a partir de 43€ por noite e duplos a partir de 65€A Fugas viajou a convite da ATASA – Associação Turística e Agrícola da Serra da Arada
REFERÊNCIAS:
A rua do azulejo da cidade-museu vivo
Em Ovar, há cerca de 800 fachadas azulejadas identificadas, mais de metade das quais no centro da cidade. É uma espécie de tapeçaria urbana, com um apogeu religioso: a Igreja de Válega, que refulge ao pôr-do-sol. Ouro sobre um arco-íris. (...)

A rua do azulejo da cidade-museu vivo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em Ovar, há cerca de 800 fachadas azulejadas identificadas, mais de metade das quais no centro da cidade. É uma espécie de tapeçaria urbana, com um apogeu religioso: a Igreja de Válega, que refulge ao pôr-do-sol. Ouro sobre um arco-íris.
TEXTO: É a casa de chegada, contudo o cansaço é esquecido, a curiosidade vence a hesitação e poucos terão sido os que não deixaram um azulejo pintado para ir ao forno. Na sala da Escola de Artes e Ofícios de Ovar, última etapa da viagem pela “Rua do Azulejo”, os improvisados pintores chegam-se às mesas, as chacotas são distribuídas, os frascos de tinta (azul e amarela) e o papel vegetal dispostos. As regras foram partilhadas durante o passeio, mas, pelo sim, pelo não, recuperam-se: não tocar no azulejo (se não fica marcado); começar a pintar da cor mais clara (neste caso, o amarelo) para a mais escura (o azul); seguir as indicações das estampilhas (duas, como o número de cores a utilizar) para as colocar na posição correcta. Misturar bem a tinta e escorrer o pincel. O grupo da Universidade Sénior de Vila das Aves vai replicar a técnica de decoração de azulejos que mais viu no passeio temático de hora e meia por Ovar, a estampilhagem. É uma técnica semi-industrial muito utilizada para pintar azulejos de fachada, os mesmo que alteraram o cenário local entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX. As fachadas azulejadas de Ovar impressionaram tanto o primeiro director do Museu Nacional do Azulejo, Rafael Salinas Calado, que este a proclamou “cidade-museu vivo do azulejo”. “Ovar conserva um grande número de revestimentos azulejares de fachada, que se articulam com outro tipo de ornamentação cerâmica, como pinhas e balaústres…”, descreve a investigadora Maria Rosário Carvalho. “Arriscaria dizer que é o conjunto mais bem preservado em Portugal e é por isso um testemunho de enorme importância. ” É claro que Ovar não tem mais azulejos do que Lisboa, Porto ou Aveiro, por exemplo, mas tem uma quantidade e uma diversidade azulejar que a concentração e a escala da própria cidade potenciam — e, então, cada rua é como uma sala de museu. Os sacos plásticos amarelos podem não ser o mais prático para caminhadas, ainda que urbanas; contudo, como ir a Ovar sem provar (e levar) o pão-de-ló? E assim cá estamos na casa de partida para a “Rua do Azulejo”, o Largo da Casa do Povo, sacos na mão, pão-de-ló de boca-em-boca — e azulejos olhos dentro. Este é um projecto de passeios temáticos, criado em finais de 2015, que acontecem durante todo o ano: no Verão, entre meados de Junho e meados de Setembro, há uma agenda (e muitos visitantes estrangeiros, espanhóis e franceses, sobretudo); no resto do ano é por marcação (e um mínimo de seis pessoas). Sempre com experiência de pintura de azulejos no final (os azulejos podem ser levantados posteriormente). Sempre gratuitos. Serviço de Turismo Tel. : 256 509 153; 930 409 207 E-mailAlguns historiadores acreditam que a odisseia dos azulejos em Ovar está ligada à emigração para o Brasil na transição entre os séculos XIX e XX. De volta a casa, os emigrantes queriam afirmar a sua riqueza e o uso do azulejo como elemento decorativo das fachadas cumpria bem esse papel — estava na moda e era ostensivo. Não só isso como ainda tinha vantagens práticas de resistência e de durabilidade no revestimento de fachadas, o que a cinco quilómetros do mar não é uma questão de somenos. Tanto assim é que o azulejo em Ovar se encontra em fachadas burguesas, eruditas, mas também vernaculares, apenas porta, janela e azulejo. E podem distinguir-se diferentes períodos só pelo olhar, como aprendemos: os mais antigos, de meados de oitocentos, são normalmente os azuis ou azuis-amarelos, pintados “à mão livre”; no final do século XIX crescem para 15 centímetros e ganham mais cores; já no século XX, a Arte Nova e a Art Déco imiscui-se com cores fortes e elementos vegetalistas e florais. Mais complicado seria memorizarmos os padrões e guarnições — a sua diversidade é também um caso de estudo. O grupo divide-se após a apresentação geral, para tornar mais ágil a visita. Não saímos do largo sem confrontar duas fachadas, uma pré-industrial, azul e branca, e outra industrial com decoração nas platibandas — o que chama mais atenção a um olhar leigo é o estado de conservação: esta última, a Casa de S. Lourenço, está decrépita, enquanto o primeiro, onde funciona a Foto Lisboa (sucessor do Photo Amador, o primeiro estúdio fotográfico de Ovar), resplandece. Um já foi intervencionado e o outro não. Aqui, fazemos rewind: se Ovar tem hoje o projecto de itinerários temáticos “Rua do Azulejo” é porque antes houve, e há, um Atelier de Conservação e Restauro de Azulejo (ACRA). É o único atelier municipal do país e está ao serviço do concelho — literalmente, na recuperação de fachadas históricas (azulejos do século XIX e primeira metade de XX) — que agora tem uma área de requalificação prioritária — o centro da cidade, no eixo formado pela Praça da República, o Largo Mouzinho de Albuquerque e o Largo Família Soares Pinto. Os azulejos são restaurados ou reproduzidos e colocados nas fachadas de forma gratuita; há ainda benefícios financeiros para os proprietários que decidam recuperar os imóveis, dos quais foi proibida a remoção de azulejos. E incentivos para manter todo o estilo da fachada, portas, janelas e ferro forjado incluídos, não apenas a cerâmica: uma fachada Arte Nova (uma das poucas integralmente neste estilo) é apontada “como exemplo do que deve ser feito”. E, então a exploração: uma fachada de azulejos pombalinos, normalmente usados no interior, que, datada de 1823, será um dos primeiros exemplares de revestimento azulejar de fachada em Ovar; um dos raros edifícios com azulejaria relevada (século XIX) e um outro com decoração em estampagem — juntamente com a estampilhagem são as três técnicas de decoração que encontramos neste passeio. Já vimos uma fachada-publicitária, das primeiras semi-industriais em Ovar e que está agora a necessitar de muitas obras para recuperar os azulejos que imitam porcelana, conhecemos o padrão crochet e andámos de cabeça no ar a olhar as balaustradas de cerâmica vidrada que decoram as fachadas mais opulentas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na capela de Santo António, numa extremidade da Praça da República (antiga do Comércio: estamos na margem da rua que foi durante muitos anos a única estrada a ligar Porto e Aveiro) detemo-nos nos azulejos de encomenda com representações ligadas à igreja (cruz, cálice e coroa de espinhos) e na antiga Quinta de S. Tomé, agora a Conservatória do Registo Predial, vemos as únicas telhas (calões) decoradas. No Chafariz Neptuno, vista para o Tribunal de Ovar, obra modernista de Januário Godinho: na galeria externa seis enormes painéis de azulejos de Jorge Barradas parecem tapeçarias com temas ligados ao mar, apropriados para uma cidade tão ligada à pesca. Ficou de fora deste itinerário, “apenas um dos vários percursos da “Rua do Azulejo”, como sublinham as duas guias, Jacinta Cunha e Tânia Guimarães, mas será o verdadeiro ex-líbris da azulejaria em Ovar, a Igreja de Válega, a pouco mais de seis quilómetros da cidade. Barroca de origem, o seu revestimento azulejar, interior e exterior, é da segunda metade do século XX: basta a fachada, com as suas pinturas intensamente coloridas, para deslumbrar — com o sol, refulge, ouro sobre arco-íris. São cerca de 800 as fachadas azulejadas identificadas em Ovar, 65% das quais no centro da cidade. É uma cidade-tapeçaria, uma espécie de cenário. O grupo da Universidade Sénior de Vila das Aves talvez volte para reclamar o seu quinhão: os azulejos pintados irão ao forno e ficarão à espera de ser levantados.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Europeus, americanos e brasileiros num mundo de azeites
Críticos e chefs de mercados considerados prioritários para o azeite alentejano vieram conhecer a região e perceber o que diferencia os azeites que aqui se fazem e como se harmonizam à mesa. (...)

Europeus, americanos e brasileiros num mundo de azeites
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Críticos e chefs de mercados considerados prioritários para o azeite alentejano vieram conhecer a região e perceber o que diferencia os azeites que aqui se fazem e como se harmonizam à mesa.
TEXTO: Em cima de uma mesa de apoio alinham-se sete garrafas de azeite. À nossa frente sucedem-se os pratos criados pelo chef Pedro Mendes na cozinha da alentejana Quinta do Quetzal, cada um pensado para um azeite com determinadas características. Para os ovos recheados usámos o Courela do Zambujeiro, o carpaccio de bacalhau com poejos e alho harmonizou com o Monte de Portugal, na salada de tomates e cebolas o pão alentejano foi embebido em azeite Saloio. Já os sabores totalmente distintos da salada de cuscuz marroquino com frutos secos beneficiaram de um Monte das Louzeiras. Pratos de sabores mais intensos pediram azeites à altura, foi o caso do polvo com creme de pimento, coentros e azeite, onde foi usado o Herdade do Esporão Biológico, e a deliciosa açorda de bacalhau levou um Relíquia da Vidigueira. Um dos pratos mais interessantes, pelo desafio que representava, foi o toucinho de porco alentejano e legumes da horta, uma sábia combinação da gordura animal com a frescura dos vegetais, para o qual Pedro Mendes escolheu um Moura DOP. O almoço fez parte de uma visita organizada pelo Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo (CEPAAL) para dar a conhecer os azeites alentejanos a um grupo de chefs e críticos gastronómicos de diferentes países: o chef dinamarquês Allan Poulsen, a crítica alemã Dorit Schmitt, o chef americano (de origem portuguesa) David Santos, o chef brasileiro Óscar Bosch, o crítico gastronómico também do Brasil Josimar Melo e a crítica nórdica Anna Berghe. Ainda do Brasil vieram o “azeitólogo” Marcelo Scofano, da escola de gastronomia Estilo Gourmet, acompanhado por Mário Leta, o fundador da cadeia de supermercados Zona Sul, do Rio de Janeiro. “Estamos a desenvolver uma série de iniciativas para seis mercados que foram identificados como prioritários pelos produtores para a promoção do azeite: Alemanha, Dinamarca e Suécia, Brasil, Estados Unidos e Canadá”, explica Henrique Palma Herculano, director técnico do CEPAAL. São, obviamente, mercados com características diferentes. “Os países nórdicos são os que têm menos sensibilidade para o tema porque o azeite nunca fez parte das dietas deles. A Alemanha é um mercado que está muito desperto para os alimentos saudáveis e para a cozinha mundial em geral, os EUA são um país produtor e que, com as comunidades grega e italiana, conhece o azeite há muito tempo”, enumera o responsável do CEPAAL. No Canadá há uma comunidade imigrante forte e poder de compra. Quanto ao Brasil, é o “mercado de exportação por excelência” para o azeite português – 70% do azeite consumido no Brasil é de Portugal (e 76% da produção de azeite nacional é do Alentejo). O objectivo neste momento, continua Henrique Palma Herculano, “é promover um azeite diferenciado e há nichos de consumidores no Brasil que estão dispostos a pagar por um azeite de qualidade”. Como é que isso se faz? “Protegendo as variedades nacionais. Não estou a dizer que se plantem só variedades nacionais, mas que se mantenham as que existem. Imagine que eu sou um produtor privado, posso instalar uma boa parte do meu olival com a variedade arbequina [não autóctone] mas talvez um terço da área com variedades tradicionais. O simples blend de variedades já é um bom elemento de diferenciação”, explica Henrique, sublinhando o paralelo com o que acontece no mundo dos vinhos com as castas de uva. Nestas tours gastronómicas, o CEPAAL leva os convidados estrangeiros a conhecer diferentes tipos de produtores do Alentejo e a provar azeite para explicar essas diferenças. Depois de uma noite no Évora Olive Hotel, um hotel inspirado precisamente no universo dos olivais e do azeite, seguimos para o Monte das Louzeiras, perto de Vale de Vargo, onde somos recebidos pelo arquitecto e designer suíço Mark Kunz, que conta como há 15 anos se apaixonou pelo Alentejo ao ponto de se instalar aqui, recuperando um lugar abandonado, com um olival e, mais recentemente, dedicando-se a fazer também o tradicional vinho da talha. Para além do azeite (com as marcas GOTA e ML), aqui faz-se mel, um piripíri com sementes de mostarda, e vários produtos de cosmética natural à base de azeite e sal. “Viajo muito pelo mundo, como a melhor comida, mas apresentam-me sempre péssimo azeite”, lamenta Mark Kunz. “Se estão a cozinhar com os melhores produtos, porque não usam um bom azeite? As pessoas confiam nas marcas, mas não conhecem verdadeiramente. É preciso mostrar-lhes a diferença. ”Na Quinta das Louzeiras manteve algumas das oliveiras mais antigas, que não são tão produtivas mas ajudam à tal estratégia de diferenciação do azeite — o DOP Serpa, por exemplo, tem que ser feito com a galega, a cordovil de Serpa e a verdeal. António, o responsável pelo olival, explica como é mais difícil trabalhar as oliveiras antigas. “É complicado encontrar pessoas que saibam fazer o varejamento, não se pode bater nos ramos, porque partem, é preciso vibrar a árvore, mas não se pode usar o vibrador como nas árvores mais jovens. ”Seguimos viagem para conhecer uma realidade muito diferente, a da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos, fundada em 1954, e que recebe azeitona de 1200 olivicultores, tendo um lagar com capacidade para 230 toneladas de azeitona por dia. São, por campanha, sete milhões de quilos de azeites virgem vindos de mais de 20 mil hectares de olival. Mas a quantidade não impede a cooperativa de apostar também em nichos: um deles é o Azeite Virgem Extra Premium CAMB e outro o Azeite de Moura DOP Virgem Extra Bio. O azeite biológico é uma área em que “houve uma desaceleração da motivação porque os apoios estão parados, não há mais área disponível para apoiar”, diz Henrique Palma Herculano. “E o mercado ainda não consegue remunerar a diferença de produtividade. ”Quanto ao panorama geral, o que se passa hoje no Alentejo é que “o aumento da área de olival muito produtivo [intensivo ou superintensivo] levou a que a produção do azeite tenha batido o recorde dos últimos 50 anos, e a tendência será para aumentar porque os olivais instalados nos últimos anos começam agora a entrar em produção plena”. Daí o reforço da aposta na exportação. Ao nosso lado no almoço na Quinta do Quetzal ficam Marcelo Scofano, o especialista brasileiro em azeite, e Mário Leta, o dono dos supermercados Zona Sul. Ambos confirmam que existe no Brasil um nicho de mercado (sobretudo precisamente na zona sul do Rio de Janeiro) interessado em qualidade. GalegaÉ a mais difundida em Portugal (cerca de 80% da superfície de olival). Colhida em verde, tem um frutado de maçã verde, com amargo e picante ligeiros; colhida em maduro, tem um frutado de amêndoa e frutos secos, com sensações de doce e ausência de amargo e picante. CobrançosaOriginária de Trás-os-Montes, é também produzida no Alentejo e tem toques de amargo e picante, notas de erva verde e notas doces. Cordovil de SerpaAmargo e picante, sensações intensas de verde folha. São frutos de grande dimensão e tem um elevado teor de ácido oleico. VerdealSensações de verde, amargo e picante. Mantém-se verde até ao final da campanha. Fonte: CEPAALPor isso, para os supermercados Zona Sul, Mário Leta contratou uma equipa de consultores especializados em diferentes áreas, dos vinhos aos queijos e, no caso dos azeites, Marcelo. Estes profissionais dão apoio nas lojas, formam pessoas para que elas possam ajudar os clientes a escolher e fazem ainda pequenos vídeos (o Toque do Expert, no You Tube) em que explicam as características dos produtos e a melhor forma de os utilizar. Marcelo é um apaixonado por azeite. Enquanto os pratos de Pedro Mendes vão chegando à mesa, ele vai explicando: “A forma de falar de azeite é quase poética, ele pode ser verde ou maduro com toques herbáceos, com untuosidades amendoadas ou herbáceas, notas ligeiramente picantes ou amargas. O importante é que harmonize sempre com o alimento, por semelhança, raramente por contraste. Um carpaccio de bacalhau como o que comemos aqui não pode ser com um azeite muito intenso, mas se for um bacalhau grelhado, já aguenta um mais intenso. ”São indicações como estas que ele tenta passar para os clientes do Zona Sul. E, embora os azeites que mais se vendem no Brasil sejam sempre os de grande escala — com as marcas Gallo e Andorinha a dominar totalmente o mercado — começa a surgir espaço para outros, como os da Herdade do Esporão, Cartuxa ou EA. “Eu explico que um azeite pode ser maduro ou verde, que nos verdes pode ser de folhas e ervas ou de frutas verdes e entre os maduros pode ser de frutas maduras ou com notas herbáceas. Quase todos têm um retrogosto de frutos secos, amêndoa, nozes”, continua Marcelo, entusiasmado, enquanto elogia os pratos de Pedro Mendes. E, no panorama geral, como descreve os azeites do Alentejo? “Para mim tornou-se a região doce, com toques maduros e herbáceos muito suaves, delicados e harmoniosos, com um retrogosto amendoado muito marcante. São azeites com uma versatilidade muito interessante”. Depois é só, como fez o chef, perceber que azeite pede uma salada de cuscuz e qual o que tem intensidade para enfrentar um polvo com creme de pimento. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
REFERÊNCIAS:
No tempo em que os militares faziam a reforma agrária
Nas primeiras horas de uma manhã do Verão Quente de 1975, um grupo de homens acantonou-se numa herdade no Alentejo e envolveu-se numa troca de tiros com trabalhadores que se preparavam para a ocupar. Horas mais tarde, o exército tornava claro que a resistência à reforma agrária era fútil e perigosa. (...)

No tempo em que os militares faziam a reforma agrária
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.1
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nas primeiras horas de uma manhã do Verão Quente de 1975, um grupo de homens acantonou-se numa herdade no Alentejo e envolveu-se numa troca de tiros com trabalhadores que se preparavam para a ocupar. Horas mais tarde, o exército tornava claro que a resistência à reforma agrária era fútil e perigosa.
TEXTO: Estava escrito nas estrelas que aquela manhã de 15 Julho de 1975 não estava para conservar a rotina da Herdade Sousa da Sé. No dia anterior, José Andrade recebera um telefonema da mãe avisando-o que o pai ouvira falar na ocupação da enorme propriedade da família por parte dos sindicatos agrícolas mobilizados pelo PCP. Depois do aviso, lá para o final da tarde, José Andrade sai de Almeirim no seu Triumph Spitfire descapotável acompanhado por um amigo e desloca-se para a herdade a escassos quilómetros do centro de Évora. Como o fogo num rastilho, a notícia da ocupação espalha-se pelo Ribatejo, de onde os Andrade são originários, e pela noite chegam mais quatro amigos e o irmão de José. O grupo de jovens estava disposto a resistir à ocupação, mas não fazia sequer ideia do custo e da futilidade dessa resistência. “Foi um gesto inconsciente. Estava convencido de que eles nos viam lá e se iam embora”, recorda José Andrade. Não foram, e houve insultos, gritos, raiva, pavor e tiros que fizeram da escaramuça da Sousa da Sé o símbolo da força da reforma agrária e a prova da hegemonia do PCP no Alentejo nesse Verão Quente de há 40 anos. Aconteceu o que só podia acontecer. Por volta das sete da manhã do dia 15, as informações da mãe de José Andrade provaram ser correctas quando uma fila de camiões e tractores carregados de trabalhadores passaram pelo portão e dirigiram-se à casa da herdade. A ocupação de uma pequena parte da Sousa da Sé tinha começado em Março e o Sindicato Agrícola de Évora, a Liga dos Pequenos e Médios Proprietários e o Centro Regional da Reforma Agrária do distrito tinham concluído que chegara a hora de a expurgar dos latifundiários e de consumar a promessa da terra a quem a trabalha. À frente dos ocupantes seguia o faniqueiro (trabalhador contratado) Grancho, que o pai de José costumava recrutar para serviços sazonais. Atrás, uma legião de operários agrícolas com as suas alfaias. “Aconselhei-o a ir-se embora”, recorda José. O aviso incendeia a raiva, a raiva promove o insulto e o insulto estimula o ódio e a altercação. Entre os gritos, ouve-se um tiro que atinge um primo do pai de José, Guilherme Gonçalves, 45 anos, e o fere com gravidade. “Depois gera-se o caos. Disparam-se tiros dos dois lados e os ocupantes começam a fugir”, recorda José Andrade, que no final dos anos de 1990 chegou a presidir à Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Para lá de Gonçalves, ficou igualmente ferido o trabalhador rural José Augusto Prova, de 43 anos. Depois do incidente, a paz regressara à herdade. Mas todos sabiam que era uma paz falsa. Dos nove ocupantes da casa, seis ficaram com José e os outros foram levar Guilherme ao hospital. Por volta da uma da tarde, começam-se a avistar ao longe os primeiros movimentos de uma coluna militar que ensaiava o cerco da herdade. “Podíamos ver os soldados a rastejar, aproximando-se de nós”, conta José. Estava tudo acabado. A herdade de 900 hectares, adquirida em 1968 com dinheiro de toda a família para que o pai de José, um veterinário, pudesse cumprir o seu sonho de fazer uma grande ganadaria, esvanecera-se no furor imparável da reforma agrária protegida pela força dos militares de Abril. “Pusemos uma T-shirt branca espetada num pau e rendemo-nos”, conta José. Os ocupantes da casa foram então levados para o Quartel-General em Évora, interrogados até às nove da noite e daí seguiram para Caxias, onde ficaram presos até Setembro. O pai de José, que quisera saber o que se passara junto dos militares, teve o mesmo destino. Do outro lado da barricada, António Gervásio, um militante histórico do PCP, com 22 anos de clandestinidade e cinco anos e meio de cativeiro, preocupava-se por essa altura em acelerar o ritmo de um sonho que alimentara durante décadas a acção da resistência e o ânimo dos líderes das lutas camponesas do Alentejo. Com 88 anos de idade e uma impressionante frescura física, Gervásio recorda-se do episódio de Sousa da Sé como uma simples vírgula no brilhante texto da reforma agrária, “a mais bela conquista da revolução de Abril”, no dizer de Álvaro Cunhal. “Houve por lá uns tiros, mas era para nos intimidar. Alguns proprietários levantaram cabelo, mas os militares de Abril vieram pôr ordem nisso”, recorda Gervásio. Mais do que pôr ordem nos agrários, os militares provaram na Sousa da Sé que qualquer acto de resistência dos donos das terras à ocupação era inútil e perigoso. Um comunicado emitido no dia seguinte pelo comando da Região Militar do Sul rapidamente transformado em manchete nos jornais de Évora e Beja controlados pelo PCP tirava as poucas dúvidas que pudessem subsistir: na herdade de Sousa da Sé ocorrera “um acto extremo da entidade patronal, que não hesitou em recorrer ao concurso de elementos vindos de outras regiões com o intuito de entravar a justa luta dos trabalhadores e as decisões emanadas dos órgãos governamentais encarregados da execução da reforma agrária”, explicava. Actos desses, continuava o comunicado, atentavam contra os “legítimos interesses da classe trabalhadora”. Para que a ousadia não se repetisse, o comando militar do Sul avisava: “[O comando militar] estará atento a todas as manobras do mesmo tipo e declara-se disposto a contra elas actuar com toda a firmeza. ”A posição do Exército em favor das ocupações de terras lideradas pelo PCP teve um duplo efeito: serviu para legitimar a ocupação das herdades desde Janeiro de 1975 e criou uma atmosfera propícia ao avanço de novas ocupações. Sousa da Sé era uma lição para os agrários que os defensores da destruição do latifúndio se apressaram a divulgar e capitalizar. O Centro Regional da Reforma Agrária de Évora condenou o “grupo de fascistas e latifundiários” que “atingiram gravemente a tiro um trabalhador agrícola” e lamentou que “a reaccionários da pior espécie seja permitido campo de manobra suficiente para se organizarem contra as medidas decretadas pelo Governo”. O sindicato de Évora alertou para o “grupo de reaccionários” que, “tapado por lacaios, agride e fere camaradas trabalhadores da Liga dos Pequenos e Médios Agricultores” — o ferimento de Gonçalo Gonçalves fora causado “pelo mau funcionamento da arma com que actuava, pois a arma deve ter-se encravado”, na versão do sindicato. O PCP levantou o dedo contra os “facínoras” e o Sindicato dos Profissionais do Comércio e Serviços do Distrito de Évora sentenciou: “Ou nós matamos os fascistas, ou eles matam-nos a nós. ” Como corolário lógico desta movimentação, o ministro da Agricultura, Fernando Oliveira Baptista, visitou Sousa da Sé no dia seguinte ao incidente para avisar que qualquer resistência armada às ocupações levaria à expropriação total e sem indemnização dos bens dos agrários. Perante este colete-de-forças que combinava a política com a coacção das armas, os agrários sofreram uma imponente derrota nesse mês de Julho de 1975. A lei que enquadraria a reforma agrária seria aprovada duas semanas depois de Sousa da Sé e limitava-se por essa altura a ratificar a realidade imposta no terreno pela dinâmica revolucionária. Havia seis meses que, um pouco por todo o Alentejo, as ocupações decorriam sem constrangimentos de maior. O PCP liderava a reforma agrária no terreno, os partidos da extrema-esquerda, com destaque para a UDP, preenchiam pequenos espaços vazios pela apertada organização comunista no Couço ou em manchas de Setúbal, o PS esteve ao lado do processo pelo menos até Novembro de 1975 e, como garantia suprema da revolução nos campos, os militares da Escola de Artilharia de Vendas Novas estavam prontos para dissuadir os mais recalcitrantes. “De manhã, formava-se um pequeno destacamento com jipes que deixava cedo o quartel e ia correr às herdades. Eram verdadeiros revolucionários: levavam boinas à Che Guevara e cartucheiras à volta do corpo. Pegavam nuns trabalhadores, dirigiam-se para uma herdade, deixavam-nos lá e declaravam a herdade ocupada. Num só dia chegaram a ocupar 12 herdades desta maneira”, de acordo com o depoimento de J. Dórdio, citado por António Barreto no seminal Anatomia de Uma Revolução — A Reforma Agrária em Portugal 1974-1976. Se bem que, no final de 1974, fosse já possível prever que as ocupações iriam acontecer mais tarde ou mais cedo, é a 22 de Janeiro de 1975 que o Governo manda intervencionar pela primeira vez uma propriedade agrícola, a Herdade do Monte do Outeiro. Nesse mês, já o sindicato de Beja se dizia pronto a “começar imediatamente a reforma agrária por sua própria iniciativa”, uma forma de superar a “esclerose” e as hesitações do aparelho de Estado. A 9 de Fevereiro o PCP assume definitivamente um plano de acção, organizando com os sindicatos sob a sua influência a 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, que reúne mais de quatro mil delegados e 30 mil rurais em Évora. No dia seguinte, “realizaram-se plenários para se escolherem as herdades a ocupar e os colectivos para os dirigir”, recorda António Gervásio. “Para nós, era tudo novo”, afirma o histórico do PCP, embora a formação desses colectivos obedecesse a uma prescrição testada noutras latitudes — eram formados por “membros do partido, trabalhadores e sindicatos”. Faltava no entanto um argumento capaz de sustentar a pressa do PCP e da legião de trabalhadores sem terra que a cada dia que passava engrossavam as fileiras do partido — no Alentejo, o PCP fica atrás do PS nas eleições para a Constituinte, mas, no ano seguinte, é já o partido hegemónico nos círculos da região. É então que se descobre o motivo para justificar a pressa e acelerar as ocupações: a sabotagem. “Alguns latifundiários deixavam morrer o gado. Outros levavam daqui as máquinas. Eram actos de sabotagem que indignavam as pessoas. E então começou-se a discutir: o que vamos fazer?”, recorda António Gervásio. A pergunta é retórica; as ocupações estavam previamente aprovadas. Uma propriedade de 2049 hectares da família Sousa Lara segue este destino por ter sido “sujeita a uma acção de descapitalização significativa e injustificada, traduzida na venda de todo o efectivo pecuário”; a herdade da Diabrória, em Brissos, com 730 hectares, é ocupada de noite por centena e meia de homens, alguns armados, porque a sua administração tinha decidido vender “um núcleo seleccionado de vacas da raça Devon, único no país”. Para não perder o passo e deixar a reforma agrária nos braços do PCP, o Estado arma-se com instituições apropriadas para acompanhar o ritmo. Com a chegada de Vasco Gonçalves ao Governo, em Março de 1975, começa a nascer uma rede de organismos pensados para suportar no terreno as ocupações e a dinâmica revolucionária. Fernando Oliveira Baptista, o ministro da Agricultura, manda criar o Instituto da Reforma Agrária, os centros regionais de reforma agrária, entidades inspiradas no modelo chileno de reforma agrária, onde o Estado se sentava ao lado dos sindicatos e das forças armadas, e o Serviço de Apoio e Desenvolvimento Agrário. Em Abril, um projecto de decreto-lei aponta para a expropriação de todas as propriedades com mais de 500 hectares de sequeiro ou 50 de regadio. O ministro tinha em mente “um verdadeiro novo ministério, maduro para a revolução” e num curto espaço de tempo consegue-o. Com o patrocínio do Estado, os centros regionais da reforma agrária juntam-se aos sindicatos para a ocupação, entre Janeiro e Julho, de 256 herdades, correspondentes a 156 mil hectares, onde foram constituídas 25 unidades colectivas de produção (UCP). Como cerca de metade desta área foi ocupada em Julho, os proprietários perceberam nesses dias turbulentos que o que estava em curso era bem mais do que um devaneio. Nesse mês decidem passar à acção, mesmo sabendo que nem o clima político nem a correlação de forças no terreno estavam do seu lado. A 9 Julho, um grupo de agrários de Odemira liderados pela família Passanha expulsa trabalhadores das suas terras e trava-se de razões com os delegados dos sindicatos; a 14 Julho, 200 agrários tentam invadir o Centro Regional da Reforma Agrária de Elvas; no dia 16, registam-se escaramuças em Reguengos após azedas trocas de insultos entre proprietários e trabalhadores, ou, na terminologia da época, entre latifundiários e operários agrícolas. Depois da intervenção do exército na herdade Sousa da Sé, os proprietários tiveram de esperar pelo 25 de Novembro para poderem, ao menos, protestar publicamente contra as ocupações. No ambiente do Verão Quente, era difícil questionar as invasões das propriedades, quanto mais travar a luta dos operários agrícolas. Aos olhos do país, o que se passava nos campos do Sul era apenas um ajuste de contas do Alentejo com a sua história. “Para percebermos o que se passou, temos de perceber as situações históricas. Se não, as coisas não encaixam umas nas outras”, adverte António Gervásio. “No Ribatejo, houve mais resistência às ocupações. Havia mais proximidade afectiva entre o patrão e o trabalhador. No Alentejo, a ocupação fazia-se com facilidade. Tem a ver com o modelo fundiário e de exploração. No Alentejo, a mensagem da reforma agrária passou muito facilmente, até porque havia alguma razão de ser nessa mensagem”, nota José Andrade. O que estava em causa era uma espécie de epílogo das lutas dos assalariados contra as más condições de vida no Alentejo, lutas que alimentaram uma permanente rede clandestina do PCP e deram origem a uma brigada de heróis onde se destacam os nomes de Catarina Eufémia, Alfredo Lima e José Adelino dos Santos, mortos pela GNR em protestos a favor de melhores salários. A conjugação dos resultados dessas lutas com a carência de mão-de-obra provocada pela forte emigração dos anos de 1960 melhoraram as condições de vida dos assalariados agrícolas, mas apenas relativamente. O horário laboral de oito horas conquistou-se em 1962 e o salário diário subiu de 28, 79 escudos em 1965 para 70, 13 escudos em 1972, de acordo com António Barreto no livro citado. Mas essas melhorias partiram de uma base muito precária. “Eu era operário agrícola, trabalhava onde havia trabalho. Podiam ser dois meses numa herdade ou um fim-de-semana aqui, outro ali. Na entrada da Primavera e antes das sementeiras, entre Agosto e Setembro, era difícil arranjar trabalho. Depois, os trabalhadores agrícolas não tinham direitos nenhuns. Só tinham direito a trabalhar quando houvesse trabalho. Era uma escravatura”, recorda António Gervásio. A promessa de dar “a terra a quem a trabalha” tornou-se facilmente num poderoso factor de mobilização que a máquina bem oleada do PCP soube aproveitar. Com a lei da reforma agrária publicada em Agosto de 1975, o ritmo das ocupações acentuou-se no segundo governo de Vasco Gonçalves e ainda mais na vigência do VI Governo Provisório, com Pinheiro de Azevedo como primeiro-ministro e o socialista Lopes Cardoso como ministro da Agricultura. Entre Agosto e Dezembro, 3331 herdades, que ocupavam mais de um milhão de hectares, são ocupadas no Alentejo e no Ribatejo. A reforma agrária parecia um processo imparável e o Governo de Pinheiro de Azevedo deu-lhe lastro, ao conceder crédito público para investimento e para o pagamento de salários nas UCP existentes. Nos dois meses do seu mandato, foram ocupados 680 mil hectares de terrenos agrícolas, alargando a mancha da reforma agrária para os aluviões do Sorraia e do Tejo, onde uma classe de agricultores mais profissionais e mais ligados à terra prometiam resistir. Em Setembro de 1975, José Andrade, o seu irmão, o pai e os amigos são libertados por um mandato assinado por Otelo Saraiva de Carvalho, que considerava ter ficado provado que os detidos não faziam parte de nenhuma “organização de malfeitores”, a designação que legitimava as prisões políticas do novo regime. Andrade e os seus pares nunca foram julgados e a sua libertação coincide com um aumento da agitação dos médios proprietários ribatejanos perante o alastramento das manchas de ocupações para as margens do Tejo. Em Julho, em Rio Maior, um assalto à sede do PCP e o assalto e destruição dos carros que traziam os jornais de Lisboa servira de aviso sobre os limites territoriais da reforma agrária. Nos meses terminais do Verão Quente, essa cidade voltaria a ser a capital da resistência contra as ocupações de terras. O Tejo era a fronteira definitiva da ambição colectivista. No dia 6 de Novembro, umas centenas de proprietários de Santarém são já capazes de organizar uma manifestação, de desfilar pelas ruas da cidade e de disputar numa batalha de rua o protagonismo aos sindicatos do PCP. O repórter Carlos Soares, do jornal A Luta, esteve lá e contou o que viu. “Nas ruas do centro assistiu-se a um combate corpo a corpo, as montras estilhaçadas, os homens ensanguentados, os carros danificados, os berros, os gritos. Rebenta uma bomba de fabrico caseiro. Disparam-se tiros. De ambos os lados os homens caem feridos. É a lei da selva, a raiva, o descontrolo total. ” No final do confronto, que causou dois mortos e 19 feridos, os agricultores ocupam uma rádio local e forçam a leitura de um comunicado dizendo que “o povo não está com o MFA”. A mudança definitiva do vento da reforma agrária (como do ardor revolucionário) aconteceria na noite de 24 para 25 de Novembro de 1975, quando os agricultores mobilizados pela novel Confederação dos Agricultores de Portugal, dirigida por um jovem técnico agrário ambicioso e destemido, José Manuel Casqueiro, se articulam com o coronel Jaime Neves e bloqueiam as estradas e as linhas ferroviárias para evitar qualquer avanço de tropas para a capital — o maior receio eram os pára-quedistas de Tancos. “Naquela noite havia um claro ambiente de resistência. A maioria silenciosa era uma realidade. As pessoas que chegavam às barricadas, por muito que os bloqueios alterassem as suas vidas, encorajavam-nos na nossa luta. Ficavam felizes por nos ver ali a bloquear a estrada. Foi estranho, mas reconfortante. Foi um momento especialmente crítico, que alterou de forma fundamental a dinâmica revolucionária”, recorda José Andrade, que participou no bloqueio. Com a eleição do primeiro Governo Constitucional, em Abril de 1976, a reforma agrária entra em recuo também na política. Em Abril, José Andrade estava na Assembleia da República, depois de ter sido eleito nas listas do PSD, e participa já na decisão de impor por lei o perímetro máximo das ocupações, com a criação da Zona de Intervenção da Reforma Agrária. E em Outubro António Barreto substitui Lopes Cardoso no cargo de ministro da Agricultura com a promessa de que o Alentejo não será a Sibéria. A sua famosa lei de bases da Reforma Agrária, de Agosto de 1977, consolida a inversão da tendência, acabando na prática com a possibilidade de novas ocupações e instituindo indemnizações e a devolução aos proprietários das propriedades ocupadas que não cumprissem as condições da lei. O nome do ministro, completado com um catálogo infindável de acusações e de insultos, tingiu as paredes do país, mas Barreto ainda hoje manifesta o seu “orgulho” pela legislação que ficou para a posteridade associada ao seu nome. E é assim que, lenta, mas irreversivelmente, as herdades começaram a ser devolvidas aos seus proprietários. Entre 1977 e 1983, porém, a resistência dos ocupantes e a força do PCP ainda eram suficientemente temíveis para congelar a vontade política expressa na lei. Pouco se avançou na devolução de propriedades. Num dos muitos episódios de resistência desse tempo, a GNR abateu a tiro António Manuel Casquinha, de 17 anos, e José Geraldo “Caravela”, quando lutavam contra a desocupação da UCP Bento Gonçalves, em Setembro de 1979. Mas depois de Cavaco Silva chegar ao poder e de as exigências da integração europeia excluírem a possibilidade da colectivização, as entregas das herdades aos seus donos acelerou de forma irreversível. A família Andrade recebe de volta a Sousa da Sé em 1985. Mas já não era a herdade que conheceram. “As canalizações de água não existiam, as cercas estavam partidas, a casa era um bar, o gado estava todo misturado e havia muito menos cabeças, as máquinas estavam avariadas. Era uma degradação total”, diz José Andrade. “O meu pai recebeu a herdade com desgosto. Andei a pé com ele a arrebanhar o gado. Foi cansativo e triste. Fizemos um enorme esforço de reinvestimento”, acrescenta José Andrade. Depois da morte do pai, o irmão, que a recebeu como herança, vendeu-a ao filho do empresário Sousa Cintra. Anos mais tarde mudou de mãos novamente para se transformar numa unidade turística. Hoje, o seu ar sugere abandono, com o portão encerrado, o amarelo da paisagem natural a impor-se e a deixar a nu o esboço de uma estrada que, como tantas obras paradas no Alentejo, nos transporta para o tempo das empreitadas que a crise de 2011 suspendeu por tempo indeterminado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. António Gervásio olha agora para o passado e reconhece que a luta da sua vida ficou incompleta. Nem todas as terras foram ainda devolvidas aos donos — na Herdade dos Machados ainda há lotes nas mãos de rendeiros e na Herdade do Pinheiro o litígio sobre a devolução chegou ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que em 2013 condenou o Estado a pagar uma indemnização de 1, 5 milhões de euros aos proprietários; aqui e ali subsistem vestígios desse tempo em que a promessa da terra a quem a trabalha se vivia no quotidiano dos campos ou nas ondas da rádio através de um programa com esse nome que a Emissora Nacional emitia todos os dias às sete da manhã; em Montemor-o-Novo há ainda uma loja de venda de produtos agrícolas e pecuários chamada “Caminhos do Futuro”. Vestígios desses são apenas reminiscências diluídas na memória de um tempo agressivo e turbulento, mas, apesar de tudo, pouco sangrento — a ocupação de quase 1, 2 milhões de terras fez-se de forma razoavelmente pacífica, apesar do incidente de Sousa da Sé, da manifestação de Santarém ou do confronto com a GNR em Setembro de 1979 do qual resultaram dois mortos. Gervásio, o velho militante do PCP que nos seus tempos de clandestinidade chegava a fazer dois mil quilómetros de bicicleta por mês a espalhar notícias da luta e a organizar acções de resistência, o operário agrícola que aprendeu a ler na cadeia, que sofreu a tortura da PIDE e fez parte do grupo que fugiu de Caxias numa ousada aventura que envolveu um carro blindado que Hitler tinha dado a Salazar, revê a história e considera que estamos apenas perante um parêntesis. “A terra não é de ninguém; é de todos. Com a reforma agrária, o Alentejo seria mais florescente e mais bonito. O que temos agora? Vinho e oliveiras dos espanhóis e o Alentejo despovoado. Portugal democrático precisa de uma nova reforma agrária. No dia em que Portugal construir um Portugal democrático, isso é posto a andar. A reforma agrária é uma exigência inadiável. Vai haver tarde ou cedo uma nova reforma agrária. A História não pára. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD PCP UDP