Warren Sonbert, um cineasta dos gestos
Começa a revelar-se esta segunda-feira na Cinemateca Portuguesa uma obra preciosa: o cinema experimental e humanista de Warren Sonbert. Até dia 14. (...)

Warren Sonbert, um cineasta dos gestos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-12-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Começa a revelar-se esta segunda-feira na Cinemateca Portuguesa uma obra preciosa: o cinema experimental e humanista de Warren Sonbert. Até dia 14.
TEXTO: O cinema de Hollywood e as experiências do underground. Música pop, música clássica e ópera. Impressões de Nova Iorque, Europa, África ou do Médio-Oriente. Espaços públicos e momentos privados. Tudo isto faz parte do cinema aberto, frágil e apaixonado de Warren Sonbert (1947-1995), que a Cinemateca Portuguesa revela a público português até ao próximo dia 14. Mas quem foi este cineasta que ainda adolescente se destacou com Amphetamine (1966), filme de uma provocadora languidez (rapazes drogam-se e beijam-se ao som de Where did our love go, das Supremes)? Pese embora um intenso protagonismo até anos 1990, e as retrospectivas que o seu trabalho mereceu, quando pensamos em cinema experimental não recordamos o seu nome. Uma injustiça perfeitamente reparável, nas palavras de Jon Gartenberg, organizador do ciclo e arquivista americano da história do cinema e filmes de vanguarda. “A presença da sua voz e visão na história do cinema experimental é inegável, é um autor tão importante como o Ken Jacobs ou Stan Brakhage, sobretudo pelo como modo como explorava a ideia de edição e montagem”. “Carriage Trade” (dia 11, 18h), obra de 1972, que Jonas Mekas apelidou de “filme-canto”, com imagem recolhidas ao na Europa, Ásia, Africa e Estados Unidos, ilustra muito bem esta asserção: “As imagens são de lugares diferentes, mas ele associou-as através do gesto humano, das texturas, das cores. É isso que as põe em relação para criar uma espécie de sinfonia global que era sua visão do mundo”. Na visão do mundo de Warren Sonbert, homossexual e jovem prodígio do cinema underground dos anos 1960 (gravitou em torno da “família” de Andy Warhol) cabe uma multitude de sons, imagens, referências, sempre justapostas, desvelando-se num processo delicado, evocativo e não linear. A música pop, em particular a da Motown (mas não só) escorre lentamente sobre vários filmes, amplificando sem irrisão o que as imagens figuram: os beijos de Amphetmanine (dia 10, 18h), os gestos dos jovens casais de The Bad and The Beautiful. (dia 10, 18h), um dos melhores filmes do ciclo) ou os encontros e as situações que povoam The Tenth Legion (dia 11, 18h). Já o cinema de Hollywood surge “representado” de um modo mais oblíquo, em fugazes metonímias. Nas imagens dos casamentos e dos casais (um dos motivos recorrente de Warren Sonbert), enquanto promessas de histórias de amor, (de novo) nos gestos (o abraço apaixonado de Amphetamine é uma citação de Vertigo, de Hitchcock) ou na própria estrutura do filme (a montagem de Noblesse Oblige (dia 10, 18h) foi realizada a partir de The Tarnished Angels, de Douglas Sirk)“Ele estudou muito bem a estrutura dos filmes Hollywood. Era um amante do cinema clássico. Escreveu sobre Hitchcock e Douglas Sirk”, lembra Jon Gartenberg, “mas preferiu trabalhar com um estrutura mais aberta e com a ideia de associação na tradição de Dziga Vertov. Por isso as suas obras, em particular as que fez após Carriage Trade, abrem-se, desenvolvem-se perante nós, sem guião. Há uma tensão equilibrada, uma associação não linear de momentos, um pouco como a vida”. É frequente encontrarmos num filme imagens de outro filme. Por exemplo, os casais de The Bad and The Beautiful reaparecem em Carriage Trade, as mesmas imagens de desfiles ou espetáculos de circo atravessam Whiplash (dia 10, 18h) e The Tenth Legion. Ver o cinema de Warren Sonbert é aceder a uma memória e a um arquivo. “Sim, é verdade. Nos processos de pesquisa e estudo da sua obra, à medida que fomos vendo os filmes fomos descobrindo e redescobrindo outros. Ele de facto trabalhava a partir de um arquivo pessoal e histórico que era o seu. Por exemplo, as imagens das manifestações depois dos assassinatos do Harvey Milk são imagens que ele fez [com a sua habitual câmara portátil] e isso para mim é um aspecto fascinante”. Warren Sonbert morreu em 1995, vítima da Sida (e neste ciclo não faltam obras que abordam a sua mortalidade), mas o cinema, intenso e frágil, que nos deixou, permanece eterno. Várias instituições têm colaborado na sua preservação, incluindo a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, mas para Jon Gartenberg ainda há muito a fazer: “Quero reunir e mostrar não só os filmes, mas os artigos que ele escreveu sobre cinema e música. Não só o produto da sua actividade, mas tudo aquilo que a informou. Para tratá-la com a importância que tem, que na minha opinião será a mesma da obra de um Godard ou de um Warhol”.
REFERÊNCIAS:
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Na Turquia Apollinaire não é literatura e pode levar à prisão
O editor e o tradutor turcos de um livro de Apollinaire podem vir a ser presos por divulgarem conteúdos obscenos. (...)

Na Turquia Apollinaire não é literatura e pode levar à prisão
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: O editor e o tradutor turcos de um livro de Apollinaire podem vir a ser presos por divulgarem conteúdos obscenos.
TEXTO: O Supremo Tribunal turco declarou que o clássico da literatura erótica As proezas amorosas de um jovem Don Juan, do escritor francês Guillaume Apollinaire não é arte. Esta decisão pode significar a prisão do tradutor e editor do livro na Turquia, se a próxima sentença considerar o livro pornografia. Na Turquia, a circulação de pornografia fora dos circuitos autorizados é proibida por lei, excepto se estiver em contexto científico ou artístico. Depois de quatro anos de processos em tribunal, o Supremo Tribunal anulou as decisões de tribunais anteriores e confirmou que o livro, publicado pela primeira vez de 1911, não é literatura devido à sua “linguagem simples e vulgar”, lê-se na sentença. O livro que conta experiências sexuais de um jovem de 15 anos, contém segundo o tribunal turco “perversão para com mães, tias, irmãs, pessoas do mesmo sexo e animais”. Esta decisão faz com que o processo volte ao tribunal anterior que fica encarregado de decidir se o livro é pornografia. Se for, o editor Irfan San, premiado em 2010 (pouco tempo depois do início do processo) pela Associação Internacional de Editores com o prémio Freedom to Publish, pode ser condenado a até nove anos de prisão, e o tradutor Resit Imrahor, até seis anos. A decisão de lançar este e outros livros foi, para Irfan Sanci, manter viva a tradição de literatura erótica otomana dos séculos XVII e XVIII. “Se publicássemos esses textos hoje, poderíamos esperar ataques muito mais violentos, porque são bastante mais explícitos que estes livros que publicámos”, disse o editor e noticiou o jornal espanhol ABC. No início deste ano, o governo turco acabou com a lista de livros proibidos que mantinha há décadas, mas a literatura continua a ir a tribunal. Este processo iniciado em 2009 foi aberto também contra o clássico da literatura indiana Kama Sutra, um texto otomano e Conos, do escritor espanhol Juan Manuel de Prada. Ainda no início deste ano, o Ministério da Educação turco tentou eliminar das escolas as obras Ratos e Homens, do Nobel da Literatura John Steinbeck, e Meu pé de laranja lima, do brasileiro José Mauro de Vasconcelos. Não é a primeira vez que obras de Guillaume Apollinaire levam editores a tribunal na Turquia. Rahmi Akdas foi condenado por publicar As onze mil vergas, que foi declarado “material obsceno ou imoral susceptível de despertar e explorar o desejo sexual entre a população”. Akdas recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que decidiu a seu favor acrescentando que a decisão turca impedia o acesso ao património europeu e violava a liberdade de expressão. O processo contra Irfan San e Resit Imrahor está no âmbito do artigo 226 do código penal turco, uma lei contra a obscenidade, mas levanta questões de liberdade de expressão. O Supremo Tribunal apelou na sentença a que a liberdade de expressão fosse usada com “responsabilidade”, defendendo no entanto que a tradução e publicação de um livro não podem ser vistas como actos de liberdade de expressão. “As liberdades podem ser limitadas e sujeitas a regras para prevenir desordens e preservar a moral e a saúde da sociedade”, diz a sentença. Em Maio deste ano, o pianista Fazil Saypor viu anulada a sua condenação a dez meses de prisão com pena suspensa por cinco anos por ter parodiado algumas práticas religiosas islâmicas no Twitter. Para os tribunais turcos, os seus tweets foram insultuosos para o islão. A condenação tinha levado a Comissão Europeia a pedir o "pleno respeito" pela liberdade de expressão na Turquia.
REFERÊNCIAS:
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A sensibilidade dos Belle & Sebastian na despedida em grande de Paredes de Coura
No último dia do festival, dos Calexico aos Palma Violet ou aos Ducktails, houve muito, e muito bom, para ver. (...)

A sensibilidade dos Belle & Sebastian na despedida em grande de Paredes de Coura
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: No último dia do festival, dos Calexico aos Palma Violet ou aos Ducktails, houve muito, e muito bom, para ver.
TEXTO: Ouve-se então Assim falava Zaratustra, de Johann Strauss, e as gentes agitam-se, o povo corre porque tem que correr para ver tudo muito bem enquanto outro povo, cansado de cinco dias de actividade e de noites longuíssimas, se mantém imperturbável (leia-se a dormir o sono dos justos, insolentemente esparramado da relva, grosseiramente indiferente às movimentações à sua volta). Assim falava Zaratustra, o épico, usado como Stanley Kubrick nunca imaginaria: como porta de entrada no DJ set dos Justice que encerrou oficiosamente a 21. ª edição do festival Paredes de Coura. Oficiosamente porque depois dos flashes, das passagens por Marvin Gaye, 2 Unlimited, Dandy Warhols, funk e disco e techno e Don’t stop me now, dos Queen, para encerrar a festa em delírio comunal, ainda houve actividade no recinto até altíssima madrugada. O DJ set dos Justice - “portentoso espectáculo de luz e som protagonizado por dois guedelhudos franceses que a juventude deveras aprecia”, dir-se-ia caso o festival estivesse a ser coberto pela RTP na década de 1970 (e não haveria imagens, já que a banda proibiu os fotógrafos de fazer o seu trabalho) -, funcionou como celebração final. O duo ofereceu a música, o anfiteatro foi discoteca e esta discoteca era uma discoteca especial. Há mosh e crowd surf e vê-se ao longe, entre o público, uma cruz (indispensável na iconografia da banda) construída com caixas de sapatos e muita fita adesiva ser engolida pela multidão. Passamos por duas figuras com máscara de cavalo dançando perto de um baloiço, observamos ao longe um rapaz com máscara de lobo e um admirável corajoso coberto de lycra verde, um alien da cabeça aos pés – cerveja na mão, conversa com os amigos do lado, tudo normal, é o último dia de festival, “no pasa nada”. O quarto dia do Paredes de Coura, sexta-feira, fora, como titulámos, “calmo, demasiado calmo”. Felizmente, foi só para enganar: sábado, na despedida, não houve tempo a perder. Tantos focos de interesse. As maravilhosas canções dos Belle & Sebastian a aquecerem-nos o coração e os Calexico em viagem transfronteiriça com trompete mariachi e guitarra pedal steel. Salsa com country dentro e uma versão de Alone again or, dos Love, ou de Love will tear us apart, dos Joy Division, porque há que ser generoso com aqueles entre o público que não sabiam ao que vinham. Isto já com a noite caída sobre o anfiteatro natural, com o sempre incrível céu tão estrelado que o protege e o cenário sempre irresistível das árvores tão altas, tão frondosas e tão iluminadas que se erguem por trás do palco principal. Antes, à tarde, os Ducktails de Matt Mondanile, maravilha dolente, música solar que faz da introspecção uma arma (mas que rocka muito, eléctrica e muito elegante quando a ocasião o pede), trouxeram as canções para fazer esquecer por momentos os Real Estate (a outra banda de Mondanile) que gravaram no óptimo The Flower Lane e anteciparam o futuro com algumas guardadas para nova edição. De caminho, inauguraram uma tendência deste último dia de Paredes de Coura. “Portugal é o meu sítio preferido”, exclamou Mondanile algures, antes de informar que a banda gostou tanto de tudo isto que decidiu ficar mais uns dias pela região e que muito agradecia se alguém os acolhesse. “Somos quatro bons rapazes”, disse então e são mesmo e esperamos que estejam por esta altura muito bem alojados entre Douro e Minho. A tendência foi, então, o elogio ao festival e às suas redondezas. Horas depois, Joey Burns, dos Calexico, estaria a declarar o seu amor ao Minho e ao seu vinho (“o branco, o tinto, o verde, o Touriga Nacional”). Stuart Murdoch, pelos Belle & Sebastian, lá falaria do rio e do banho que não tomou no Coura mas que gostaria de ter tomado (“se ainda fosse um homem jovem”), lá falaria de como o cenário que encontraram é bonito e bonitos são eles, os Belle & Sebastian, mas Murdoch tem razão. Em 2014 há maisQuando o palco principal encerrara actividade e a animação se transferira para o Vodafone FM, os norte irlandeses And So I Watch You From Afar, gente de nervo pós-rock sem espaço para subtilezas, impressionados com o fervor posto no estoirar dos últimos cartuchos pelo público, soltariam um “vamos voltar, temos que voltar”. E muitas horas antes, os londrinos Palma Violets, uma das boas surpresas deste último dia, banda com um álbum no currículo, 180, músicos com os discos de Undertones, Clash (e um par de compilações de garage da década de 1960) bem digeridos e transformados em canções à beira do descontrolo (mas sempre com destino certo bem definido), haveriam de improvisar um comicamente sincero “Portugal I love you, and I always will”. Uma das suas canções tem por título Step up for the cool cats e eles não estão aqui para enganar ninguém. Havia muitos a esperá-los e a celebração não demorou: corpos surfando sobre a multidão, a banda a entregar-se nos braços do público, o novo punk para uma nova geração a iluminar a tarde quente. Despediram-se com 14, só guitarra e bateria (o teclista e o baixista dançavam, saltavam, mergulhavam entre o público), abraço final entre banda e plateia. O último dia do Paredes de Coura 2013 foi precisamente isso. Um longo abraço, ora terno e reconfortante, como aconteceu com os Belle & Sebastian, ora intenso e selvagem, como no mosh pit aberto nos Palma Violet, no crowd surf com o rock’n’roll muito negro, visceral do power trio Bass Drum Of Death, na viagem magnífica dos barcelenses Black Bombaim, acompanhados pelas teclas de Shella, pelos saxofones de Pedro Sousa e por um theremin que deu nova camada a estas digressões psicadélicas tão intensas quanto exploratórias. Olhando em frente, registam-se os factos: a edição 2014 está assegurada e as datas e a primeira banda em cartaz serão anunciadas brevemente. Em balanço muito factual, registam-se as cem mil entradas contabilizadas pela organização ao longo dos cinco dias de festival, três mil das quais de público estrangeiro vindo maioritariamente de Espanha. Guarda-se na memória a enchente para Alabama Shakes, o magnífico psicadelismo dos Unknown Mortal Orchestra e o transe tuaregue de Bombino. Continua-se a debater a performance dos The Knife e a lembrar a festa pop dos Hot Chip ou a perfeição indie dos Veronica Falls. Porque gostamos tanto dos seus álbuns clássicos, lutamos para esquecer o concerto dos Echo & The Bunnymen. E porque o rock’n’roll é uma expressão tão viva e tão libertadora, a memória da aparição a meio da tarde de quinta-feira dos Glockenwise continua a deixar-nos um sorriso no rosto. E depois há o festival para além das bandas: as ruas da vila ocupadas sem resistência, o ambiente bucólico retemperador, as margens do rio Coura e a sensação de que todo este cansaço bom que cai sobre nós ao fim de cinco dias é um conforto para o espírito de quem vê na música um mapa de vida muito preenchido. Para muitos dos que estavam sábado no Paredes de Coura, os Belle & Sebastian estão nele abundantemente representados. Perfeito, portanto, vê-los na despedida em grande de um festival como este. Foram, nos anos 1990, refúgio seguro das inseguranças de quem apanhava então com a vida de frente. Foram vitória da sensibilidade de quem quer encontrar sentido nas coisas, trouxeram Bacharach e a Motown (e os Smiths e os Feelies e por aí fora) para novas canções. Ofereceram-nos um guia que podíamos seguir, conduzidos pela Sukie que passeia pelo cemitério, pelo Boy with the arab strap, pela Judy and the dream of horses – só para ficarmos por canções visitadas no concerto. Hoje, Stuart Murdoch pode ser velho para ir dar uns mergulhos no rio, mas as canções, estas canções interpretadas pela trupe de músicos (a que se juntaram quarteto de cordas e metais português), não têm uma ruga que seja. A terceira passagem por Portugal, depois de um Sudoeste de 2002 e de um Coliseu lisboeta em 2006, mostrou-o novamente. Nos rostos de quem estaria a aprender a ler quando os Belle & Sebastan editaram Tigermilk, o álbum de estreia, em 1996, e que cantava letra após letra nas primeiras filas. Nos passos de dança do muito feliz Stuart Murdoch; no sorriso do seu fiel escudeiro, o guitarrista Stevie Jackson; na forma como recebíamos canção após canção como conhecidas de longa data que não perderam nenhum do encanto – I want the world to stop é desejo que não nos abandonou e as Stars of track and field são tão bonitas como quando lhes pusemos os olhos pela primeira vez. Bolas de sabão atravessam o ar enquanto ouvimos Sukie in the graveyard e o cenário não podia ser mais apropriado – até porque a delicadeza da música dos Belle & Sebastian esconde manchas negras sob a superfície límpida. Dançamos depois o stomp Motown de If she wants me, vemos Stuart Murdoch chamar pela segunda vez público ao palco porque dançar sozinho não tem piada e duas mãos cheias de gente juntam-se à gente que tocava Simple things. Já não há separação entre palco e plateia e Boy with arab strap e Legal man depois dela são cantadas por um Stuart Murdoch rodeado de rostos felizes. Chega Judy and the dream of horses, essa Judy que “who never felt so good except when she was sleeping”. Chega o encore, Murdoch avisa que só há tempo para mais uma canção e pensamos no que ouvimos e no que queríamos ainda ouvir. Não ouvimos Like Dylan in the movies. Veio Get me away from here, I’m dying. Não ficámos a perder, ficámos de alma preenchida. O delírio Justice seguir-se-ia dentro de momentos. A edição 2013 de Paredes de Coura despedia-se. Uma despedida em grande.
REFERÊNCIAS:
“A cozinha vai tornar-se o grande tema filosófico”
Tal como aconteceu com a sexualidade nos anos 1960, problematizada e transformada em tema filosófico e político, o mesmo começa a acontecer hoje com a cozinha e a alimentação, diz Daniel Innerarity. Afinal, “aí joga-se todo o humano”. (...)

“A cozinha vai tornar-se o grande tema filosófico”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 5 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tal como aconteceu com a sexualidade nos anos 1960, problematizada e transformada em tema filosófico e político, o mesmo começa a acontecer hoje com a cozinha e a alimentação, diz Daniel Innerarity. Afinal, “aí joga-se todo o humano”.
TEXTO: Filósofo espanhol, investigador do centro Ikerbasque da Universidade do País Basco, director do Instituto de Governação Democrática, Daniel Innerarity é um pensador interessado sobretudo nos temas da política e da democracia. O que o levou então a escrever, com o chef basco Andoni Aduriz, um livro — Cocinar, Comer, Convivir — no qual ambos reflectem sobre o papel da comida nas nossas vidas?Innerarity esteve em Lisboa para participar, ao lado de Aduriz, no Congresso dos Cozinheiros, organizado pelas Edições do Gosto e que aconteceu no início de Outubro na Lx Factory. A comida foi o ponto de partida para uma conversa com o P2 que se transformou numa reflexão sobre o mundo hoje e o olhar que um filósofo pode ter sobre ele. Porque é que decidiu juntar-se a um chef como Andoni Aduriz para fazer um livro?Andoni e eu somos amigos há anos e escrevemos este livro de uma forma não intencional. Juntávamo-nos para comer e íamos falando de temas, ele gostava de filosofia, eu gostava do que ele fazia e fomos trocando opiniões, às vezes por escrito, eu comentando conferências que ele preparava e que me mandava. Até quase ao final, o que estávamos a fazer era a manter uma conversa. Mas no final do processo decidimos que o que estávamos a fazer era um livro. Há um lado filosófico no trabalho de Andoni?Sim, conheço alguns cozinheiros e Andoni tem a peculiaridade de ser especialmente reflexivo, interessa-lhe muito fazer perguntas acerca do significado do que faz. O recurso a um filósofo foi-lhe útil e eu gosto de estar com pessoas que têm problemas, não os que têm soluções. Esse carácter reflexivo de Andoni encontrou um aliado em mim, que sou um curioso insaciável. O que é que torna uma conversa filosófica? Todos podemos estar no café a falar da vida mas o que é que coloca algo ao nível da filosofia?O que diferencia a conversa filosófica de qualquer outra é o afã de problematização das coisas. Qualquer pessoa fala de futebol, do tempo, de política, com os seus vizinhos e os seus amigos mas em geral creio que nas conversas vulgares há mais respostas do que perguntas. Nas conversas de tipo filosófico há mais perguntas do que respostas. O que nos interessa é perguntar pelo sentido que existe nas coisas, um sentido que não é imediato ou fácil. Por exemplo, no mundo da cozinha, a mim o que me atrai — e eu sou um filósofo que me dedico fundamentalmente à filosofia política — é que há uma microssociedade. A cozinha é, como diria Marcel Mauss [sociólogo francês, que morreu em 1950], um facto social total. Aí joga-se todo o humano, as questões que têm que ver com a família, a política, a sustentabilidade, o meio ambiente, as relações sociais, a materialidade, as relações homem-mulher. Creio que isso é o que faz com que o tema seja tão potencialmente filosófico. Há uns anos, quem nos diria que a sexualidade se poderia converter num dos grandes temas filosóficos quando era um assunto que tinha que ver com o privado, sem especial relevância, algo destinado à mera reprodução. Os filósofos dos anos [19]60 convertem-no num tema-estrela. Creio que em muito pouco tempo, a cozinha começará a ter, e continuará a ter, um significado parecido. Vai ser o grande tema. Precisamente por isso, porque aí joga-se todo o humano, para o bem e para o mal. Porque é algo de básico, essencial e vital? Há outros temas filosóficos que não fazem a diferença entre viver e morrer, mas a alimentação é tão vital como a sexualidade. Exacto. Pensar que a sexualidade é um procedimento para a reprodução é reduzi-la a uma parte muito pequena. É como pensar que o drama de Tristão e Isolda poderia ser resolvido por um ginecologista. No drama de Tristão e Isolda está todo o humano, toda a paixão, a tristeza, o engano. Se entendermos a comida como a mera ingestão de material para a sobrevivência individual, estaremos a fazer algo similar. Na história da filosofia, alguma vez a comida foi pensada com este nível de atenção?Há alguns precedentes, alguns filósofos falaram um pouco da comida como um elemento interessante mas não foi um problema teórico até que Brillat-Savarin [gastrónomo francês, 1755-1826] começasse a reflectir sobre ele. Ainda não tem o estatuto teórico que adquiriu a sexualidade nos anos 60 do século passado, mas já há muitas aproximações filosóficas e antropológicas à cozinha e estou convencido de que ainda agora começou. Continua, no entanto, a haver algum preconceito. Uma discussão sobre cozinha, gastronomia, comida, não é vista da mesma forma como uma discussão sobre política ou economia. Sim, nos sentidos humanos, há uma espécie de hierarquia muito elitista, que vem de Aristóteles e que considera que o sentido da vista e do ouvido são os mais nobres e os outros de menor valor. As artes ligadas à vista e ao ouvido têm um estatuto arrogante, elitista e falta-nos uma reivindicação do paladar e do olfacto como ligados a temas que se podem considerar como arte. É o caso da comida. É preciso fazer uma certa revolução dos sentidos menores, com menos prestígio, para que este tema tenha o tratamento que merece. Porque é que esses sentidos foram considerados menores?Provavelmente porque aparecem como os menos teóricos, os menos próximos da razão. A razão e a vista são bastante próximas, mais abstractas, e os sentidos relativos ao comer são mais materiais. Por trás disto, há toda uma revolução antropológica a fazer acerca do que é importante. Mas prossigamos com a analogia e pensemos nos séculos em que a sexualidade foi considerada como algo de pouca importância, banal, sem identidade filosófica. Não podemos sequer dizer que privilegiamos os sentidos mais próximos dos animais, porque estes também têm visão e audição. Creio que tem que ver com esse carácter abstracto, mais próximo do racional e mais distante do objecto. O ouvido, mas sobretudo a vista, são os que mais nos distanciam da objectividade. O que rodeia a comida é pura materialidade. Há que voltar a pensar a materialidade humana sem essa hierarquização das faculdades sensíveis herdada de Aristóteles. Podemos dizer que houve uma intelectualização excessiva do pensamento e hoje estamos a assistir a uma…… materialização. O mexer na terra, o interesse sobre a forma como os alimentos crescem, o toque. Essa reaproximação tem que ver com uma necessidade actual?Uma nova concepção da materialidade humana é um assunto muito revolucionário. Certos discursos conservadores falam de um materialismo imperante. Creio, pelo contrário, que às vezes estamos numa sociedade muito espiritualista no pior sentido da palavra, uma civilização que considera o seu humano separado do seu meio, achando que ele pode pensar-se sem esse contexto material. Esta revitalização do local é o que nos diz que não podemos viver fora de certos contextos. As alterações climáticas são muito eloquentes e estão a dizer-nos que precisamos de meios ambientes com uma certa temperatura, com certas condições de reprodução material. A consciência ecológica e os riscos ligados às alterações climáticas voltaram a despertar uma civilização que olhava para o sujeito humano como emancipado do seu meio material. Deste novo materialismo faz parte também o enobrecimento das coisas do comer. Nos anos 60, esse interesse pelas questões da sexualidade não foi acompanhado por outros temas como a comida, por exemplo. Não foi uma época em que se pensasse muito a comida e, no entanto, é a importância dos sentidos que está em causa em ambos os casos. Provavelmente porque o tema da sexualidade teve, a partir do Maio de 68, uma dimensão muito política e transgressora de valores e normas anteriores. É quando as coisas assumem um carácter político que ganham uma nova importância. Claro, por isso, a minha tese é que possivelmente estamos agora a descobrir a força política que têm os nossos hábitos de comer. Comendo, comemos o mundo. E podemos fazer política com o carrinho de compras. A nossa maneira de consumir, os nossos hábitos alimentares, se comemos sozinhos ou em companhia, com ordem ou desordenadamente. Deveríamos redignificar a força transformadora dos actos de conduta, das nossas microdecisões. Às vezes, pensamos como é difícil mudar o mundo, mas do mesmo modo que o #MeToo pode estar a mudar o mundo, as microdecisões de cada um de nós, de consumir de uma determinada maneira e não de outra, têm um potencial transformador da sociedade. É preciso uma politização das realidades ligadas ao comércio. Porque a ideia do que é político muda nos diferentes momentos da História. Totalmente. Ao longo da História, o que se considera político e o que não se considera foi mudando. Ao mesmo tempo, há uma ampliação progressiva do espaço do político. Cada vez há mais coisas que se re-politizam. No fundo, politizar significa que uma coisa que era considerada como dada pelo destino ou aceite por todos ou indiscutível passa a ser objecto de tematização geral. Passou-se com o corpo, com o estatuto da mulher, com o privado, pode acontecer também com a comida. Nos seus artigos, fala com preocupação do estado da democracia. É o meu tema central. Neste momento, as coisas parecem estar a agravar-se. É como se já aceitássemos como uma inevitabilidade que a democracia está condenada a entrar num ciclo decrescente. A comida também tem que ver com a democracia, por exemplo em temas como quem controla as sementes e, portanto, o alimento. Sim, há muitos pontos de contacto. Um deles é a ideia de que temos de ganhar autodeterminação culinária. Isto significa, entre outras coisas, que temos de aprender a cozinhar para nós, que estamos a delegar demasiadas coisas noutros que cozinham para nós. A ideia de produção própria tem que ver com a democracia. Tal como tudo o que tem que ver com a justiça alimentar, com a igualdade no acesso aos bens da alimentação, com uma melhor articulação entre o global e o local. A globalização foi entendida há 30 ou 40 anos como um nível supralocal, hoje pensamos que é preciso articular as coisas. Podemos falar da comida como um lugar de trabalho da democracia. Estamos também a pensar muito na inteligência artificial, no que faz de nós humanos, no que estamos a transferir para as máquinas, e há aí uma fronteira que tem precisamente que ver com os sentidos. As máquinas não podem saborear. Os sentidos ainda são uma coisa muito humana. Muito material, muito pouco substituível. Defendo que a tecnologia, que me interessa muito, não resolve nem destrói problemas humanos básicos da existência. O relevante é como a inserimos num contexto social. Pensar que ela vai substituir o humano é puro determinismo. Escrevi para o El País um artigo chamado A Decisão de Siri. Vamos confiar todas as nossas decisões às máquinas? Não, mas faríamos bem em confiar muitas delas. Passámos de uma certa euforia de pensar que toda a tecnologia vai ser a grande solução a ter hoje uma visão particularmente negativa da tecnologia. É preciso equilibrar. A tecnologia pode fazer-nos prescindir de muitos trabalhos mecânicos, aumentar a produção de bens de consumo, incluindo a comida, mas isso tem de ser decidido com equilíbrio e por nós próprios. É verdade que há muitas decisões que estamos a transferir, porque os algoritmos têm uma maior capacidade de resposta, mas isso é precisamente o contrário de recuperar os métodos de produção ou de cozinharmos nós mesmos. É abdicarmos disso para uma entidade que não é um Governo, uma instituição, nem sequer uma empresa, mas algo de mais difuso. O que acontece é que as tecnologias mais sofisticadas incluem sempre, quando estão bem desenhadas, uma certa desobediência ao autor. Se todas as nossas tecnologias nos obedecessem demasiado, não funcionariam bem. O exemplo mais claro são os travões do carro, que nos obedecem salvo em alguns casos, por exemplo, de pânico, quando travamos a fundo, porque senão acabaríamos por nos matar. No desenho das tecnologias, temos de incluir não só controlo, mas também autolimitação. Quando houve o acidente da German Wings, em que o piloto do avião se suicidou [provocando a queda do aparelho e a morte de 150 pessoas, em 2015], toda a tecnologia de segurança estava pensada para que o inimigo fosse exterior, como se pudesse ser unicamente alguém que entrasse na cabine. Não pensamos que às vezes nós somos os nossos piores inimigos. Temos de ter o controlo sobre os processos em que estamos implicados, mas esse controlo é mais eficaz quando inclui algumas limitações. Voltando à questão da comida, há uma elite que vai aos restaurantes como o Mugaritz, de Andoni Aduriz, e gosta de reflectir sobre estas coisas. Mas nota-se algum cansaço relativamente a um discurso mais intelectual sobre a comida. Sente isso também?A alta-cozinha não está feita para irmos lá comer todos e de forma habitual. Em primeiro lugar, porque não temos dinheiro para isso. Digo, e creio que Andoni está de acordo, que esses restaurantes são instituições didácticas. Não é preciso irmos todos à universidade para termos uma sociedade cada vez mais inteligente. De alguma maneira, as instituições de alta-cultura difundem o conhecimento no seu meio ambiente. Com a alta-cozinha, que é muito experimental e inovadora, cometeríamos um erro se pensássemos que se trata de comida para consumir quotidianamente. É como os desfiles de moda muito sofisticados — trata-se de marcar tendências. São instituições educativas, cuja justificação última é contribuir para a formação do gosto. Se calhar, no tempo dos nossos avós, as pessoas não decidiam o que comer, isso era decidido pela estação ou as posses. Hoje há cada vez mais gente confrontada todos os dias com a decisão de o quê, como e com quem comer. E existirem instituições focadas na cozinha tem uma grande utilidade. Não para irmos lá, mas para que se difunda, se experimente, se criem novas formas de comer. Entendo a pergunta, às vezes, há uma certa intelectualização, mas creio que isso se passa com todas as realidades humanas. Quando há uns anos, em Espanha, houve um treinador de futebol que começou a falar em termos filosóficos e chamaram-lhe “filósofo do futebol”, eu contemplei isso com absoluto cepticismo porque não me interessa nada a futebol, mas achei interessante ver como um tema se convertia em algo um pouco mais sofisticado do que dar pontapés a uma bola. Havia um certo nível de reflexão e eu gosto disso. Vi o mundo da cozinha intelectualizar-se e isso pareceu-me bem, mas agora há seguramente muita conversa sem interesse e, com a passagem do tempo, restarão apenas alguns discursos. Há pessoas para quem a reflexão é séria e outras que estão a seguir uma moda. No caso de Andoni, corresponde a uma verdadeira inquietação?Sim, Andoni não está a seguir a moda, está a criá-la. Quando uma coisa lhe sai bem, deixa de a fazer. O que admiro nele e de certo modo me torna semelhante a ele é que, quando crê que já sabe uma coisa, dirige-se a outro sítio. Se num grupo humano és o mais inteligente, tens de ir a outro grupo onde és o mais estúpido, porque é aí que aprendes. Quando fizeres bem uma coisa, tens de ir para outro problema. É essa inquietação que nos mantém curiosos, despertos. O momento da História em que nos encontramos é mais estimulante para um filósofo do que era há 20 anos, por exemplo? É um momento apaixonante para a filosofia. Nunca vi na história da humanidade tantas transformações ao mesmo tempo. A nós, filósofos, interessa-nos fundamentalmente dois tipos de problemas: as coisas que já não são o que eram e as coisas que não são o que parecem. E numa cultura como a nossa, há muitos assuntos que têm que ver com isso. Mas é muito inquietante para os nossos cidadãos que se vêem confrontados com temas que os angustiam e os deixam perplexos — o meu último livro chama-se precisamente Política para Perplexos. As pessoas que não têm a mesma tolerância à incerteza que nós, filósofos, temos podem não reagir tão bem. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Isso torna-o menos angustiado que outros?Nós, filósofos, temos poucas vantagens competitivas. Mas fomos habituados pela nossa maneira de trabalhar a viver com um excedente de problemas que para outros seriam intoleráveis. Por isso há poucos filósofos — e não tem de haver muitos. [Søren] Kierkegaard dizia que se tornou filósofo quando se apercebeu de que toda a gente se dedicava a tornar a vida mais fácil para os outros e ele achou que tinha de haver alguém que fizesse exactamente o contrário. E as pessoas não esperam dos filósofos sistemas fechados de explicação do mundo?Podem esperar sentadas. A contribuição que podemos dar aos problemas do nosso tempo é formulá-los melhor. Enquanto colectivo, estamos mais ou menos inteligentes?Estamos numa sociedade que quando se organiza bem, quando está bem dirigida, pode ser mais inteligente que cada um dos seus membros individualmente considerados, podemos construir verdadeiros sistemas inteligentes constituídos por gente relativamente medíocre. E podemos fazer exactamente o contrário: fazer com que gente muito inteligente quando se junta em vazios normativos, com culturas políticas torpes e sem regras razoáveis, actue de maneira muito estúpida. Esse é um dos grandes desafios do nosso tempo: sejamos mais inteligentes actuando em grupo, enquanto inteligência colectiva, e evitemos todas as situações colectivas de geração de estupidez pela simples agregação, desde as euforias que criam as bolhas financeiras, às estupidezes que cometemos quando entramos em pânico económico ou simplesmente quando se forma um engarrafamento automobilístico. Estamos nesse tipo de bifurcação. Podemos ir por um caminho ou outro, e isso não depende de você e eu sermos inteligentes ou não, depende de a cultura, as normas e as regras serem inteligentes. Gosto de dizer que poderíamos prescindir das pessoas inteligentes e não aconteceria nada, mas não podemos prescindir dos sistemas inteligentes porque é aí que jogamos tudo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte humanos cultura mulher homem social consumo igualdade espécie corpo sexualidade alimentos pânico
"Mereço amplamente o Prémio Camões"
Por fim o desabafo quando faz 60 anos de carreira. Zangado com o estado do mundo, mas não com a vida, Urbano Tavares Rodrigues confessa a mágoa de não ter um prémio que acha que lhe é devido e diz que foi tudo o que queria ter sido. Sabe, escrevi uma novela em três ou quatro dias. . . " Urbano Tavares Rodrigues antecipa-se a qualquer pergunta para revelar uma ousadia para alguém a pouco tempo de fazer 89 anos. Ver o que dá escrever de um fôlego. Um desafio para um escritor que continua a cultivar o erotismo e a estar atento ao mundo, mesmo condicionado à casa, grande, forrada a quadros e a livros e cheia de fotog... (etc.)

"Mereço amplamente o Prémio Camões"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-09 | Jornal Público
TEXTO: Por fim o desabafo quando faz 60 anos de carreira. Zangado com o estado do mundo, mas não com a vida, Urbano Tavares Rodrigues confessa a mágoa de não ter um prémio que acha que lhe é devido e diz que foi tudo o que queria ter sido. Sabe, escrevi uma novela em três ou quatro dias. . . " Urbano Tavares Rodrigues antecipa-se a qualquer pergunta para revelar uma ousadia para alguém a pouco tempo de fazer 89 anos. Ver o que dá escrever de um fôlego. Um desafio para um escritor que continua a cultivar o erotismo e a estar atento ao mundo, mesmo condicionado à casa, grande, forrada a quadros e a livros e cheia de fotografias de António, o filho de seis anos que diz que ele é o maior escritor do mundo. Não conseguir vê-lo crescer é a sua grande angústia, uma falta que tenta preencher com palavras. Serão a sua grande herança. Uma carta para António abrir quando tiver dez anos. Falar de tolerância. Aqui fala-se dessa e de outras histórias de um escritor que é comunista e que foi tudo o que quis. Disse recentemente numa entrevista que cada vez mais escreve novelas e contos porque tem medo que o tempo não o deixe terminar um romance. Pois é. Este livro, Escutando o Rumor da Vida seguido de Solidões em Brasa, era para ser um romance, mas depois olhe, saiu assim. Sinto que não vou viver muito. Um dos meus médicos diz-me, meio a brincar, que é um milagre eu estar vivo. Mas sabe, escrevi agora uma novela em três ou quatro dias. . . Chama-se A Rosa das Profundezas. Um miúdo anda a brincar e vê uma rosa no fundo de um charco. Arregaça o bibe e tira-a. É uma rosa esquisita, azulada. A minha ideia foi fazer uma coisa explosiva. Conseguir uma escrita muito nova, arriscada, na fronteira do delírio, mesmo, a alucinação. Essa perspectiva delirante sobre o mundo já vem no seu último livro. Já. Mas esta é uma novela mais pequena. Rápida. Deve ter umas 40 páginas. Foi um desafio?Foi. Escrevi loucamente. A escrita está bonita. Aquilo é louco mesmo, e ainda não sei muito bem o que vale. Uma amiga minha está a digitalizar o texto. Ela gostou imenso, mas não me chega uma opinião, porque ela é muito minha amiga pode-se deixar influenciar. E porque que é uma coisa muito louca?Porque é. Tem partes delirantes, de fuga às regras da lógica. O rapaz cresce e acaba por ir trabalhar para uma agência de viagens. Tem um contrato e Paris e vai para lá. Podemos dizer que é uma coisa da paz, mas a paz acaba por ser guerra. Entra naquilo a que o Mário Soares chama de "capitalismo selvagem neofascista" que está instalado na Alemanha. Os seus temas sempre foram o amor, o tempo, a morte. Há alguma mudança?Nesse aspecto não. Não consigo escrever qualquer coisa que seja completamente nova, mas consigo escrever de uma maneira nova e cada vez mais olho o amor como uma necessidade absoluta do mundo. Uso a palavra "amor" no sentido mais lato, não só sexual. A grande lição para o mundo futuro é uma grande dose de amor, de compreensão dos outros. Não sei se nota isso nos meus livros. Quando, por exemplo, se abstém de fazer juízos morais sobre o comportamento das suas personagens?Sim, a minha função não é julgar. É trabalhar sobre os sentimentos, sobre a palavra. É difícil escrever sobre erotismo?Sim, mas há escritores que têm conseguido coisas boas nesse aspecto. É preciso tacto, trabalho de linguagem. As palavras existem. São para ser usadas. Todos nós tivemos dificuldade na transição do fascismo para a liberdade, com o 25 de Abril. Eu também tive, porque escrevia com alguns eufemismos. Mas habituei-me. O Lobo Antunes também escreve dessa maneira, com bastante liberdade. . . [Pausa] Tanto eu como o meu irmão Miguel somos muito longevos. Ainda tenho capacidade erótica para ter relações sexuais. Continuo a ter desejo e a transportar isso para os meus livros, corresponde a uma certa vivência. Considera-se um provocador?Não. Não é o meu objectivo. A provocação por si não me interessa. Pode haver falsa provocação, o que é outra coisa. Os seus livros continuam a reflectir uma atenção sobre o mundo à volta. Estar em casa não lhe retira a capacidade de observar?De modo nenhum. leio jornais, vejo televisão, converso com as pessoas. essa escrita não vem por por obrigação, mas porque de facto já tenho mesmo ódio ao que se passa. Até mesmo aqui em Portugal está instalado um capitalismo selvagem neo-fascista, com o Passos Coelho. Perante a força da insurreição popular não sei como é que isto vai acabar. É imprevisível. Qual é o papel da literatura em momentos como este?Sou comunista e sou escritor e nunca obedeci a pedidos para fazer dos meus livros instrumentos de combate do PC, mas como a minha ideologia é essa ela projecta-se e essa projecção é útil neste momento porque as massas necessitam do apoio dos intelectuais e eu estou a dá-lo embora dentro da minha linha, que é estética e intimista. Uma vez chateei-me com um tipo do partido que queria que eu pusesse mais sangue, mais vermelho naquilo que escrevia. Eu disse-lhe que punha o vermelho que entendesse. Foi um dos dirigentes do sector intelectual do PC. Como é que faz a sua militância, hoje?Continuo a ser. Pediram-me para não abandonar. De vez em quando escrevo textos que me pedem. Porque se diz um heterodoxo?Sempre fui profundamente anti-estalinista e tive alguns problemas com o partido por causa disso. Estive nitidamente a favor da insurreição de Praga e escrevi contra a invasão dos tanques soviéticos, das barbaridades que se fizeram. Eu era a favor da Primavera, do chamado socialismo de rosto humano. Já está a ver que a minha ideia do comunismo é a de uma economia de Estado, mas com uma certa abertura à iniciativa privada, que não seja totalitária, que não seja opressora, para poder haver espontaneidade, beleza, variedade. A favor da liberdade de culto. Sou perfeitamente agnóstico, mas acho que se deve respeitar todos os cultos. Vítor Córdova, personagem de Solidões em Brasa, o segundo conto do seu mais recente livro, diz-se um agnóstico e há uma aluna que o interpela, afirmando que isso é o que ele diz, mas que é um espiritual, um místico. É o seu caso?Se sou místico é só numa comunhão profunda com a natureza. Isso é mais ser panteísta do que místico. O que lhe interessa é o homem soviético, como à sua personagem Vítor Córdova que distingue entre ser comunista e ser pró-soviético?É mais um ponto em comum. O homem soviético era cordial fraterno, tinha qualidades interessantíssimas. Na primeira viagem que fiz à União Soviética, fui um bocado iludido, porque os guias davam-me uma imagem da realidade que não era verdadeira. Cheguei deslumbrado com uma fábrica onde os delegados da comissão directiva eram representantes dos trabalhadores, dos funcionários e dos engenheiros e aquilo funcionava muito democraticamente. Tinha uma gestão operária. Mas quando comecei a conhecer alguns escritores eles abriram-me os olhos, dizendo que aparentemente aquilo era verdade, mas que de facto era tudo combinado. Aquilo era uma mistificação. Fiquei lixado. Depois comecei a descobrir que havia muito mais sequelas do estalinismo do que eu pensava, a história do Gulag. O pior foi que o Estaline destruiu completamente tudo o que era verdadeiramente socialista, a discussão interna no comité central, o debate de ideias. Acabou com tudo isso. Já não tinha nada do socialismo marxista. Os estilhaços chegaram ao PC português. Era inevitável. Nunca fui estalinista, mas eu vivi em Paris num período em que os pp camaradas do Partido Comunista Francês com quem e convivia que me disseram que o Gulag era verdade. Abrira-me os olhos. Como o Aragon [Louis Aragon, poeta e escritor surrealista, 1897-1982], de quem me tornei muito amigo. Esse nunca deixou de ser comunista, mas não era estalinista. Também foi amigo de Albert Camus. Que memória tem dele?Profundo afecto. Uma vez apresentou-me uma namorada brasileira. . . Ele tinha muitos problemas. A mulher adorava-o e ele também gostava imenso dela, mas era um homem de muitas mulheres, uma coisa complicadíssima. Ele tinha dificuldade em romper e às as vezes acumulava duas e três até que aquilo era uma confusão dos diabos. Ele custa-lhe fazer sofrer. Era um tipo giríssimo. Nessa época tentou o que nunca ninguém conseguiu: ser existencialista sendo comunista. Como olha para essa fase?É verdade, uma enorme contradição. mas era muito jovem. Era um disparate, mas tentei. E achava que era possível ter ideias marxistas ligadas à filosofia da existência. Era uma utopia. Em A Porta dos Limites (estreia, em 1952, e na Vida Perigosa (1955) sente-se isso. Já com A Noite Roxa (1956) passou-se uma coisa interessante. Com as minhas artes consegui passar a fronteira e ir visitar a então RDA. Estive lá cinco ou seis dias e não gostei. Era um país comunista autoritário, sentia-se a presença da polícia política. Aquilo desagradou-me e voltei um bocado baralhado para o chamado lado ocidental da Europa. Eu estou contra este ocidente capitalista mas não posso estar com aquele socialismo policial. Numa recente entrevista dizia que Álvaro Cunhal lhe perdoava uma série de rebeldias ideológicas dizendo-lhe: "tens uma alma comunista". O que é isso de ter uma alma comunista?Eu tinha-lhe proposto uma coisa com a qual ele não concordava, uma aliança pontual com o Mário Soares. Sou muito amigo do Mário Soares, desde o tempo da faculdade. Discordamos ideologicamente, mas em alturas muito difíceis, e sem que eu lhe pedisse, ele ajudou-me, arranjou-me lugar no Colégio Moderno, até a Pide me impedir, dizendo que eu tinha ideias subversivas. Há pouco tempo ele mandou-me uma carta do Algarve, despedindo-se "com um grande abraço deste seu camarada antifascista". Foi o que ele encontrou de comum. [Risos]. Bom, o que é certo é que eu achava que havia uma série de coisas que se podiam fazer em comum, O PC com o Soares. Em que circunstâncias?Já não me lembro muito bem, mas ele odiava o Mário Soares. Quando se falava em Mário Soares arrepiava-se todo. Uma vez disse-me: "ai Urbano, às vezes parece que tens teias de aranha na cabeça, mas o teu coração é comunista". E o que é isso?Um comunismo de solidariedade com os pobres e os infelizes que é profundamente ligado ao socialismo. Eu tornei-me comunista um pouco por influência de um primo meu que casou com a irmã do Álvaro Cunhal, o Fernando Medina. Ele deu-me a ler textos comunistas quando eu tinha 13 ou 14 anos. Fiquei tocado com a solidariedade para com os pobres e humilhados. Eu antes de ser comunista estava ligado a uma espécie de socialismo cristão, embora repudiando a confissão e tudo isso. Descobri muito cedo que era uma farsa. Teve essa educação católica?Sim, tive catequese e tudo. Fiz a primeira comunhão. E como é que descobriu "a farsa"?Quando me pediam para prometer não repetir determinadas acções e que tinha de rezar uns tantos Padre-Nossos e eu sabia perfeitamente que ia repetir. Por exemplo?Umas histórias que eu já tinha com umas priminhas, em que havia sexo, embora sem chegar ao fim. Tinha uns 13, 14 anos. Achava de uma desonestidade profunda dizer que não repetia. E mandei isso à fava. E alguma vez sentiu culpa?Nunca a sexualidade me pareceu um pecado. Aí estava muito mais de acordo com os gregos. Noutras coisas senti. Por exemplo, no relacionamento que tive com as mulheres. Algumas vezes acho que as magoei. Posso ter sido egoísta. Disso arrependo-me. Em Escutando o Rumor da Vida começa com uma das personagens, Francisco Medeiros, a lidar com o remorso em relação ao modo como lidou com algumas mulheres. Esse remorso é seu?Sim. As suas personagens masculinas têm cada vez mais de si. Escolhe as personagens para se expor?Acho que não faço essa escolha, mas não há dúvida de que há muito de mim no Francisco Medeiros e a figura de Lídia, a mulher, inspira-se muito na minha primeira mulher, na Maria Judite de Carvalho (escritora, 1921-1998). Uma mulher muito doce, que me adorava e era indulgente para com os meus desvios eróticos. Gostei muito dela. Foi o meu grande amor e a Ana Maria, a minha actual mulher, a grande paixão. Outra personagem com quem tenho muito que ver é o Michel/Olimpia (traficante redimido de Solidões em Brasa) no aspecto da aventura. Eu era quase inconsciente, não tinha medo de nada. Na clandestinidade em Portugal fiz coisas do arco da velha. Não tinha a consciência do perigo. Quando fala de medo fala de quê?Não sou medroso, mas não tenho a mesma coragem nem o mesmo impulso. Mas apesar da minha falta de condições físicas, já neste estado, dei um soco a um tipo que foi malcriado com a minha mulher por causa de um problema no trânsito. É perigoso ser seu amigo? Podemo-nos ver de repente num livro, expostos?É, isso é. Eu não resisto. É irresistível. Já alguma vez teve problemas com isso?Não. Parece que está sempre a despedir-se da vida, mas depois sempre a regressar a ela. No livro anterior, Assim se esvai a Vida, há quase uma despedida. Neste, uma espécie de reconciliação. É verdade. Há alturas em que tenho vontade de morrer, mas depois luto. Contra a angústia. Acabo por me aguentar. A escrita ajuda?Ajuda muito. Pertence à comissão de leitura da Fundação Gulbenkian. Continua a ler autores recentes. . . Sim, muito atento e acho que temos grandes escritores actualmente. Por exemplo?Gosto muito da Dulce Maria Cardoso, da Hélia Correia, que já é de outra geração mas é uma escritora extraordinária. Gosto muito do João Tordo, O Bom Inverno é um livro excelente. O José Luís Peixoto, de quem sou profundamente amigo. O Gonçalo M. Tavares não me entusiasma muito. É uma mistura de Brecht e de Kafka, dos alemães que ele conhece muito bem. O único livro dele que em entusiasmou foi o Jerusalém. Como é que gere o tempo que tem?De manhã faço tratamentos, depois um bocadinho durante a tarde trabalho, escrevo. À noite não escrevo. Ainda estou a recuperar da loucura que foi escrever esta novela . . . Escrevia de manhã à tarde e à noite. É avô, pai de um rapaz de seis anos. Qual a diferença entre ser pai aos 82 anos e ser avô antes disso. Eu tive muitas dúvidas em ser pai tão tarde. Mas era importante para a minha mulher. Estive preocupado até o António nascer, angustiado com a hipótese de um defeito físico. Ele diz que o pai é o melhor escritor do mundo [risos]. Mas a relação nem sempre a relação é boa, ele consegue ser muito carinho, confidente, outras vezes é provocante. Tem dito que uma das coisas que mais o angustia é temer não poder acompanhar o crescimento do seu filho. É verdade que escreveu uma carta para o seu filho ler quando tiver dez anos?Sim. Ele já sabe umas coisas do que lhe quero dizer. Quero que ele compreenda o pai que teve. A importância da tolerância, da fraternidade, da generosidade. Ninguém é totalmente generoso. Tenho consciência disso. Mas sou dos menos egoístas que conheço. Tem uma filha bastante mais velha, a escritora Isabel Fraga. Sim. Dou-me muito bem com ela. Tivemos uma relação muito carinhosa. Levei-a a Paris no Maio de 68, ainda chegámos no fim. Ela tinha 14 anos. Eu a Maria Judite e ela. O Vítor Córdova procura o sentido da vida. Já encontrou o seu?Não. Encontrei aquilo que eu gostava que o meu filho compreendesse de mim, que é um misto de tolerância, de compreensão e respeito pelos outros. Sem ódio. Com algumas excepções. Posso sentir ódio contra aqueles que vivem de explorar os outros. . . [pausa] mas eu tenho sido mais vítima de ódio. Ainda não tive o prémio Camões porque soube recentemente que há membros do júri que dizem: "esse comunista não terá o Prémio Camões. Sente mágoa por não ter o prémio?Tenho revolta. Mereço amplamente o Prémio Camões. Não é pelas honrarias, que já tive muitas. Até em França já me deram a Legião de Honra, mas isto é asqueroso. Está a escrever alguma coisa?Agora escrevi esta novela e nã sei o que farei. Tenho para aqui uma série de contos para serem publicados num livro que está previsto. Há um conto que se chama Os Merdosos. E quem são os merdosos?São aqueles tipos que andam com os cães, que andam na droga, às vezes na prostituição. São os merdosos. Há uns tipos que resolvem fazer uma experiência, ir apanhá-los. Propõem-lhes uma grande festa e só há dois ou três que não querem ir. . . Alguns saem desse meio, outros regressam. Como é que se põe a par dessa realidade?Acompanho. Estou informado. Tenho amigos e família nessa geração. É um optimista?Sim, mas é mais uma vontade que de as coisas corram bem. O que é que gostava de ter sido e não foi?Eu fui o que gostava de ter sido. Escritor e professor. É vaidoso?Não. . . tinha uma certa vaidade. Era considerado um homem bonito na juventude, que foi até muito tarde. As mulheres estabeleciam comigo uma relação de ternura e essa ternura acabava por se transformar em sexo. Muitas vezes estive muito apaixonado, outras vezes eram amizades eróticas, com muita ternura e com desejo. Era um D. Juan?Não. O D. Juan era o conquistador. Eu era o conquistado. Havia uma aproximação terna que acabava por gerar uma relação erótica. Umas vezes estive profundamente apaixonado. Um mulherengo pode ser um tipo ternoFoi um mulherengo?[risos] Acho que não, mas tive muitas mulheres. Às vezes fico comovido quando encontro uma dessas pessoas de quem gostei.
REFERÊNCIAS:
Roménia vota para que Constituição proíba casamentos homossexuais
Apesar de as uniões entre pessoas do mesmo sexo não serem legais na Roménia, foi convocado um referendo para tornar essa possibilidade ainda mais difícil. (...)

Roménia vota para que Constituição proíba casamentos homossexuais
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 21 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Apesar de as uniões entre pessoas do mesmo sexo não serem legais na Roménia, foi convocado um referendo para tornar essa possibilidade ainda mais difícil.
TEXTO: Os romenos começaram a votar este sábado num referendo de dois dias que pode fechar ainda mais a porta à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os críticos dizem que a consulta é apenas uma manobra do Governo para distrair a opinião pública de escândalos de corrupção. A Roménia já é um dos poucos Estados-membro da União Europeia que proíbe tanto o casamento como as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, mas o referendo propõe uma redefinição do conceito de casamento na Constituição para que declare textualmente que só uma união entre um homem e uma mulher é legal. Os grandes apoiantes da alteração estão congregados na Coligação pela Família, uma organização conservadora, e contam com o apoio da Igreja Ortodoxa. Cartazes a favor do “sim” alertam para o perigo de casais gay roubarem crianças ou para a possibilidade de se permitir no futuro que um homem possa casar com uma árvore, descreve a Reuters. Num país onde a promoção dos direitos da comunidade LGBT não rende muitos votos, praticamente todos os partidos têm estado a favor do “sim”. “Muitos receiam que aquilo que aconteceu noutros países, como a legalização do casamento entre um homem e um animal, possa acontecer aqui”, disse esta semana o líder do Partido Social Democrata (PSD, no poder), Liviu Dragnea, ao canal Romania TV. “Os partidos agarraram a iniciativa oportunisticamente para obterem benefícios eleitorais a partir de uma coisa que é uma questão praticamente inexistente”, disse ao Guardian a investigadora do Instituto de Estudos Humanos de Viena, Veronica Anghel. Os grupos de defesa dos direitos humanos encaram o referendo como uma estratégia do Governo para esconder o escândalo de corrupção em que Dragnea está envolvido – o líder partidário foi condenado a três anos e meio de prisão por abuso de poder e a sentença do recurso que apresentou é conhecida na segunda-feira. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Um recuo dos direitos dos casais homossexuais deverá aprofundar ainda mais o clima de desconfiança entre a União Europeia e o Governo romeno, visto em Bruxelas como cada vez mais autoritário. “O plano é óbvio: criar um sentimento anti-europeu na Roménia que Liviu Dragnea possa utilizar quando os dirigentes europeus lhe exigirem que não destrua o sistema judicial, o Estado de Direito e a luta anti-corrupção”, disse à Reuters o antigo primeiro-ministro Dacian Ciolos. Os activistas LGBT têm apelado ao boicote à consulta, na esperança de que a participação não atinja o limiar necessário para tornar o seu resultado vinculativo. Porém, o Governo parece estar a fazer os possíveis para que a consulta permita alterar a Constituição. Para além de ter autorizado que o voto se prolongasse durante dois dias, foi aprovada uma nova lei que baixa de 50% para 30% o limite mínimo de participação para que o resultado seja válido.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD
Estará Heféstion, companheiro de Alexandre, o Grande, sepultado em Anfípolis?
Pensava-se que o grande templo funerário escavado em Anfípolis guardava os restos mortais de Olímpia ou Roxana, respectivamente mãe e mulher de Alexandre. Esta quarta-feira apontou-se noutra direcção: os arqueólogos crêem ter sido erguido em homenagem a Heféstion. (...)

Estará Heféstion, companheiro de Alexandre, o Grande, sepultado em Anfípolis?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pensava-se que o grande templo funerário escavado em Anfípolis guardava os restos mortais de Olímpia ou Roxana, respectivamente mãe e mulher de Alexandre. Esta quarta-feira apontou-se noutra direcção: os arqueólogos crêem ter sido erguido em homenagem a Heféstion.
TEXTO: Foi escavado em 2012 e aberto no último Verão, 13 séculos depois de a cidade em que foi instalado ter sido abandonada. Anfípolis era uma cidade grega, a 100 quilómetros de Tessalónica, e foi nela que Alexandre, o Grande erigiu aquele que é o maior templo funerário descoberto em território grego. Especulava-se que teria sido construído em honra da sua mãe, Olímpia, ou da sua mulher, Roxana. Esta quinta-feira, porém, Katerina Peristeri, arqueóloga chefe das escavações, apontou noutra direcção. “Supomos que se trata de um templo funerário dedicado a Heféstion”, companheiro inseparável de Alexandre, declarou em conferência de imprensa. No interior foram encontrados os restos mortais de uma mulher idosa, as ossadas de dois homens, de um recém-nascido ou de um cavalo. Nenhum deles corresponde, naturalmente, a Heféstion, e Peristeri afirmou não estar certa que o mesmo esteja ali enterrado, mas a descoberta no interior de três inscrições com a palavra “parelavon” (recebido) e o monograma de Heféstion, conduziram à suposição de que o gigantesco complexo, com 500 metros de diâmetro e escavado numa colina de 30 metros, seria dedicado ao fiel companheiro do mítico rei macedónio. Apesar da contestação de alguns arqueólogos, que defendem que a tumba foi construída já durante o período romano, Katerina Peristeri afirma que aquela foi erigida algures entre 325 e 300 a. C. , num período em que Anfípolis era uma cidade de relevo no reino macedónio que Alexandre estendeu do Egipto à Índia. O túmulo em Anfípolis será, então, um dos muitos que Alexandre ordenou que o seu arquitecto, Dinócrates, projectasse por todo o império quando da morte de Heféstion em Ecbatana, no Irão, segundo descrito por Plutarco, o grande historiador da Antiguidade. No interior do complexo foram descobertas várias divisões ricamente decoradas com esculturas de esfinges e cariátides, bem como diversos mosaicos e moedas com o rosto de Alexandre. Heféstion foi o amigo mais próximo de Alexandre. Filho da aristocracia macedónia, cresceu próximo do futuro imperador e tornar-se-ia, não só um dos seus generais, guarda-costas e diplomatas mais distintos, mas também o seu confidente, numa relação que se prolongou até ao final da sua vida e que foi comparada à de Aquiles e de Pátroclo, personagens centrais da Ilíada de Homero. A natureza amorosa da relação entre Alexandre e Heféstion é parte integrante da mitologia envolvendo o grande Imperador. Em 2004, Oliver Stone tornou-a central no seu filme Alexandre, O Grande, apresentando os dois como amantes. Na altura, numa reportagem do Ípsilon dedicada ao filme, o historiador Nuno Simões Rodrigues, afirmou que “Heféstion é o grande amor [de Alexandre], Roxana uma aliança política, Bagoas [o eunuco do imperador persa Dario, que Alexandre resgatou para si após derrotar aquele] o objecto sexual”. Esclareceu ainda que “na Grécia a sexualidade não se definia como hetero-homo-bi, mas numa relação entre dominador – o amante ou ‘erastes’ – e um dominado – o amado ou ‘eromenos’ –, fosse ele do mesmo sexo ou não”. Nos próximos tempos, pode ser confirmado que é em Anfípolis que está sepultado Heféstion. Quanto aos restos mortais de Alexandre, continuarão, de forma intrigante, em parte incerta. Morreu na Babilónia em 323 a. C. , aos 32 anos e diz-se que o seu corpo terá sido levado por Ptolomeu até Alexandria, a cidade que fundara no Egipto e em que terá sido sepultado. Onde exactamente? O mistério permanece até hoje.
REFERÊNCIAS:
Homenagem a Ruy de Carvalho nos 90 anos de vida e 75 de carreira
Festa realiza-se esta quarta-feira no Casino Estoril. A 22 de Março, o actor vai receber um Prémio Sophia de carreira, atribuído pela Academia Portuguesa de Cinema. (...)

Homenagem a Ruy de Carvalho nos 90 anos de vida e 75 de carreira
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-03-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Festa realiza-se esta quarta-feira no Casino Estoril. A 22 de Março, o actor vai receber um Prémio Sophia de carreira, atribuído pela Academia Portuguesa de Cinema.
TEXTO: O actor Ruy de Carvalho vai ser homenageado esta quarta-feira no Casino Estoril, quando completa 90 anos e comemora 75 de carreira, com um espectáculo em que participam, entre outros, Rui Veloso e Dulce Pontes. A festa de homenagem realiza-se no Salão Preto e Prata, com intervenções previstas de Rui Veloso, Luís Represas, Dulce Pontes e Toy, além dos actores João e Henrique de Carvalho, respectivamente filho e neto de Ruy de Carvalho, entre outros artistas. A Academia Portuguesa de Cinema também vai distinguir o actor Ruy de Carvalho, com o Prémio Mérito e Excelência, na entrega dos Prémios Sophia do cinema português, no dia 22 de Março. Ruy de Carvalho nasceu em Lisboa a 1 de Março de 1927, estreou-se em 1942, numa peça encenada por Francisco Ribeiro (Ribeirinho), e anunciou a reforma em 1998, quando interpretava Rei Lear, de Shakespeare, para o Teatro Nacional D. Maria II, mas prosseguiu a carreira durante mais duas décadas, pelos palcos, pelo cinema, pela televisão. O actor tem o nome associado à primeira peça exibida na televisão portuguesa, Monólogo do Vaqueiro, de Gil Vicente, quando da criação da RTP, em 1957, e também à primeira telenovela, Vila Faia, em 1982, realizada por Nuno Teixeira. Formado pelo Conservatório Nacional, actuou pela primeira vez no Teatro D. Maria II em 1947, integrado no elenco da companhia Rey-Colaço/Robles Monteiro. Seguiram-se o Teatro Avenida, a companhia Rafael Oliveira e o Teatro Monumental, o Teatro do Povo e o Teatro Moderno de Lisboa, com sede no Cine-Teatro Império. Em 1963, assumiu a direcção artística do Teatro Experimental do Porto, onde realizou a sua única experiência como encenador, com Terra Firme, de Miguel Torga. Regressou ao Teatro D. Maria II, quando este reabriu, em 1978. Fez parte do elenco dos musicais Passa por Mim no Rossio (1992) e Maldita Cocaína (1994), de Filipe la Feria. Em Espanha, trabalhou no Teatro Monumental de Madrid, a convite do encenador Simon Suarez, e protagonizou Fígaro, de José Ramon Encinar, no Teatro Lírico La Zarzuela, também na capital espanhola. Estreou-se no cinema no filme Eram 200 Irmãos (1951), de Armando Vieira Pinto, seguindo-se Pássaros de Asas Cortadas (1963), de Artur Ramos, Domingo à Tarde (1965) e A Bicha de Sete Cabeças (1978), ambos de António Macedo, O Cerco (1969), de António da Cunha Telles, Cântico Final (1974), de Manuel Guimarães. Em 1990, entrou em O Processo do Rei, de João Mário Grilo, e Non ou a Vã Glória de Mandar, de Manoel de Oliveira, com quem trabalhou ainda em A Caixa (1994) e em O Quinto Império - Ontem Como Hoje (2004). Ainda no cinema, nos últimos anos entrou em A Morte de Carlos Gardel (2011), de Solveig Nordlund, Refrigerantes e Canções de Amor, de Luís Galvão Teles, e A Canção de Lisboa, de Pedro Varela, ambos de 2016. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ruy de Carvalho recebeu o Prémios de Imprensa para o Teatro e para o Cinema por sete ocasiões, e ainda os Prémios da Crítica, cinco vezes. Foi ainda distinguido com a Comenda e o Grande Colar da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, respectivamente, em 1998 e em 2010, o grau de comendador da Ordem do Infante, em 1993, e a Medalha de Mérito Cultural, atribuída pela Secretaria de Estado da Cultura, em 1990. Em 2012, quando completou 70 anos de carreira, recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, que dedicou aos portugueses, por estarem a viver o "muito difícil" momento da crise económica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte cultura filho bicha
O ritual e a peregrinação segundo Miguel Moreira
Possível peça final para o ciclo iniciado com The Old King, Pântano evoca os lugares sombrios ou misteriosos que cada um prefere habitualmente deixar trancados longe da luz do dia. Uma questão de romantismo noir, acredita Miguel Moreira. (...)

O ritual e a peregrinação segundo Miguel Moreira
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Possível peça final para o ciclo iniciado com The Old King, Pântano evoca os lugares sombrios ou misteriosos que cada um prefere habitualmente deixar trancados longe da luz do dia. Uma questão de romantismo noir, acredita Miguel Moreira.
TEXTO: Na obra de Miguel Moreira para o Útero, a beleza convive com a ruína desde há muito. Não são forças contrárias, não se anulam, cresceram juntas como irmãs enquanto a companhia habitava no Espaço Ginjal, com o rio a servir de fosso que a mantinha na periferia. Esse antigo armazém convertido em sala de espectáculos e partilhado com outras estruturas foi-se deteriorando com os anos e sendo cada vez mais ruína. “E quanto mais chovia lá dentro, mais parecia que ficava melhor”, comenta Miguel Moreira. “Melhor para nós e para o público. ” A humidade e a temperatura de gelar quaisquer 206 ossos, a dificuldade em suportar a aspereza do espaço, tudo isso foi contribuindo para que as obras surgissem, afinal, “de uma forma progressivamente mais urgente”. Até que o Espaço Ginjal fechou, em 2010, e pouco depois Moreira criava com o bailarino Romeu Runa The Old King, peça para um homem abandonado por Deus e em combate com os seus pensamentos numa tentativa de encontrar maneira de se relacionar com a sociedade. Com The Old King, Miguel Moreira e o Útero davam o salto para as grandes salas. “Mas acho que nunca deixámos de estar no Ginjal, naquele ambiente e naquele sítio de procura utópica de um sítio que sabemos que não vamos conseguir alcançar mas que achamos que é nosso”, defende. Porque se havia uma condição geográfica no Ginjal, de periferia e de marginalidade em relação ao centro, havia também uma inquietação e uma busca sôfrega por uma arte guiada, em primeiro lugar, pela parca identificação com aquilo que o centro propunha. “Aos 16 ou 17 anos fui então à procura dos artistas e da arte com que me pudesse identificar”, recorda. “Ao estar no subúrbio, sem dúvida que sempre senti essa ausência de alguma coisa, esse lado marginal nos grupos que existiam. E nunca me irei afastar disso porque sei que esse sítio de marginalidade e do culto é um sítio onde quero estar, um sítio onde me sinto bem. ” Pense-se novamente no Ginjal, nesse espaço desafiador, de condições duras, mas virado para uma paisagem belíssima. Ruína e beleza. “Espaços-limite, neutros, onde as normas e os preceitos se diluem na fronteira entre a vida civilizada e o mundo selvagem…”, cita Miguel Moreira do prefácio de Ernesto Sampaio para Cais Oeste, texto do dramaturgo francês Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste vive precisamente dessa cisão entre dois mundos, um oásis longínquo de civilização e um pequeno universo selvagem e sujo, separados por um rio; vive do querer chegar ao outro lado mas estar irremediavelmente preso neste. Para Moreira, que enquanto actor fez Na Solidão dos Campos de Algodão dirigido por Rogério de Carvalho, “Koltès tem uma constante preocupação existencial com o submundo – quer viver nos sítios onde normalmente os outros dizem que não querem viver e escreve sobre isso”, uma ideia de submundo com a qual confessa ter “uma identificação imensa”. O empurrão de SadePântano, peça que Miguel Moreira estreia hoje na Culturgest, em Lisboa (e que segue depois para Porto, Castelo Branco, Coimbra e Paris), anuncia-se como possível capítulo final para um ciclo iniciado em 2011 com The Old King. Romeu Runa volta ao Útero e, ao lado de Francisco Camacho e Catarina Félix, contribui para mais uma imersão num cenário de desconforto. De início, quase uma imobilidade dos três, depois uma procura lasciva e sacrificial entre os corpos, aludindo a uma imagem de ritualização e de peregrinação que Moreira quis trabalhar. Há olhos cerrados, seres despojados pelo chão, vislumbres recolhidos nas artes plásticas, mas também movimentos animalescos ou uma sexualidade a latejar pedidos de empréstimo a Sade – “podia passar a vida toda a falar de Sade, Pasolini ou Beckett”, confessa Miguel Moreira. Mas foi “a exposição ao mesmo tempo provocatória, chocante e bela” sobre Sade no parisiense Musée d’Orsay que se assumiu como peça fundamental para pôr os bailarinos em palco a “vomitar lugares ou sensações que queremos esconder”. Não se trata de uma regurgitação literal, mas antes de “uma certa evocação de lugares sombrios ou misteriosos que existem dentro de nós”. Ecos de um romantismo noir, como o define Miguel Moreira, ele que se diz espantado por o público continuar a falar-lhe em dureza nas suas peças. Quer apenas destapar e aceder a esses sítios obscuros, e não cair na provocação. “Não sinto que os bailarinos estejam a sofrer”, responde. “Acho é que hoje não estamos muito habituados a viver rituais. Só os mais comuns, ir à igreja, a um casamento, um baptizado ou funeral, mas é uma sociedade muito mais ligada ao prazer imediato e isso é contrário a este lugar onde as coisas têm de ter um caminho para chegarem a algum lado. ” A evocação da peregrinação, refere, vem daí, desse trajecto solitário com vista a um destino final. E se o público acusa o desconforto desta tentativa de “dar respostas ao mundo, de uma forma livre e abstracta”, Miguel Moreira confessa que frequentemente fica tão surpreendido quanto qualquer espectador. “Acontece acabar um espectáculo e estar tão atingido emocionalmente e tão desconfortável como eles”, admite. Até por isso, suspeita que Pântano possa encerrar o ciclo iniciado em The Old King com a leitura de Ideia da Paisagem, obra de Ana Francisca Azevedo. “Primeiro há uma fase de espanto com o material que estamos a produzir em conjunto e depois, não sei porquê, começa a haver uma necessidade de mapear ou ter alguma organização emocional interna daquilo que estamos a fazer. Nesse aspecto, não o digo com certeza absoluta, mas sinto isto como chegar a um porto. ”Este ciclo é em grande parte estimulado pela exploração mais aprofundada de questões técnicas como a utilização da luz e da música (banda sonora de Carlos Zíngaro e projecto Shhh), ou a duração do espectáculo, numa lógica de partilha grupal que Miguel Moreira compara a ter uma banda de rock. O importante, na reivindicação de um espaço que sabe ser habitado por outros artistas, é saber que esta é uma linguagem construída em conjunto e para estarem juntos. Mesmo sabendo que a outra margem, que se vê lá adiante, será sempre inalcançável. Não há, na verdade, tentativa nem esforço de chegar até lá.
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Partidos LIVRE
Café Monte Carlo, Lisboa: Cafés, cinemas e bifes
Havia cafés onde se vivia. Entrava-se de manhã e saía-se de madrugada, com o estômago aconchegado por um bom bife. No Monte Carlo era assim. Cinéfilos e outras tribos tinham ali a sua casa. (...)

Café Monte Carlo, Lisboa: Cafés, cinemas e bifes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Havia cafés onde se vivia. Entrava-se de manhã e saía-se de madrugada, com o estômago aconchegado por um bom bife. No Monte Carlo era assim. Cinéfilos e outras tribos tinham ali a sua casa.
TEXTO: Que me desculpem os leitores se hoje não os levo a algum sítio lá fora, mas está um daqueles dias de temporal em que o vento assobia à volta da casa, as árvores perdem os ramos, que se lançam num voo descontrolado, e a chuva tenta entrar por todas as frinchas das janelas. É dia de fazer um café e enfiar a cabeça num livro. Por isso, troquei os planos para ir à exposição de orquídeas na Estufa Fria pelo livro, a que não me canso de voltar, Os Cinemas de Lisboa, de Margarida Acciaiouli, e, mais exactamente pelo capítulo sobre os antigos cafés da capital. Cafés havia muitos. Para além dos clássicos, na Baixa e no Chiado, a abertura de novas avenidas na cidade foi acompanhada pelo nascimento de novos cafés, alguns deles ligados, por cumplicidades várias, aos novos cinemas que iam também surgindo. Acciaiouli descreve como esses cafés “representam as referências a partir das quais se redefine a cidade e se estabelecem as fronteiras das incursões que se passam a fazer depois dos filmes”. Era o que acontecia com o Café Império, por exemplo, que surgiu em 1955 junto ao Cinema Império. E, na Avenida Fontes Pereira de Melo, com o Café Monumental e o Café Monte Carlo, “em polaridades que permaneceriam quase imutáveis pelos anos fora”. Ambos desapareceram e no local do Monte Carlo existe hoje uma loja da Zara. Conta-me quem os conheceu que, se o Monumental se distinguia pela luminosidade do espaço e pelo brilho das estrelas (sobretudo figuras do teatro) que o frequentavam, o Monte Carlo — que nasceu, também em 55, como café, no local onde antes existia a Pastelaria Fradique — era território de artistas alternativos, surrealistas e outros, que se identificavam mais com o seu ambiente austero, de madeiras escuras — e, consta, excelentes croissants que tinham o seu contraponto nos mais vistosos (e efeminados) bolos do café vizinho. Nesse tempo vivia-se nos cafés. Não se entrava apenas para comer um dos célebres bifes ou beber uma bica. Eram locais para passar grande parte do dia — e da noite, por entre uma ida ao cinema. Neles habitavam escritores, poetas, cineastas, críticos, jornalistas, estudantes, pensadores e aspirantes a qualquer uma destas coisas. Falava-se de política, criticava-se o regime, discutiam-se as notícias que chegavam do que se via, ouvia e lia “lá fora”. O café era de tal forma uma segunda (ou, em alguns casos, primeira) casa que era habitual os clientes receberem telefonemas lá. O telefone tocava, um empregado atendia e perguntava para a sala: “O sr. X está? Chamam-no ao telefone. ” O embaixador Francisco Seixas da Costa recorda num texto o dia em que no Monte Carlo alguém brincou e, ligando da cabine telefónica do próprio café, pediu para falar com o general Humberto Delgado. O empregado que atendeu era jovem e não sabia de quem se tratava, pelo que perguntou se o general estava na sala, recebendo de volta um coro de gargalhadas. Mas os telefonemas podiam também ser usados quando alguém queria tornar-se notado e pedia para lhe telefonarem para o café, garantindo que o seu nome seria gritado em alto e bom som. Um texto do crítico de cinema Eurico de Barros, citado por Margarida Acciaiuoli, descreve a vida no Monte Carlo: “Chegava-se de manhã, comprava-se a imprensa, tomava-se o pequeno-almoço, lia-se um livro, via-se quem estava ou passava. ” E, entre um almoço no restaurante, mais leituras à tarde, “cavaqueira com quem tivesse chegado entretanto”, jantar, cinema e “serão no café até às duas da matina, hora de fecho”, passava-se o dia. A tabacaria ficava logo à entrada, convenientemente localizada para quem quisesse abastecer-se de jornais a qualquer hora. No interior, bastante amplo, havia uma sala de jogos, com bilhar, xadrez e damas, e ao fundo existia ainda, mais discreta, uma barbearia. A parte de restaurante estava separada do resto por uma grade e era aí que se podia comer o afamado bife. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Este hábito de comer bifes vem, diz-se, de influência inglesa e, inevitavelmente, do aumento do poder de compra. Antigamente, a carne de vaca não era coisa comum, mas na Lisboa dos anos 60 e 70, estabelecimento que se prezasse tinha o seu “bife à café”, geralmente com um molho generoso que podia levar natas e café, um ovo estrelado e batatas fritas (e o que mais se lembrassem de lhe juntar). E assim, entre discussões políticas de café, intensas análises do último filme em estreia e bifes mergulhados em calóricos molhos sem culpas, os dias passavam numa Lisboa que era ainda uma cidade pequena, levemente entediada. Com a chuva a cair lá fora, este parece-me, hoje, um bom programa de domingo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave carne vaca