O limão verde que gera a pantera
Uma vasta, densa e rica colectânea de textos de variada índole, forma e escopo. O clássico dos clássicos do taoismo. (...)

O limão verde que gera a pantera
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma vasta, densa e rica colectânea de textos de variada índole, forma e escopo. O clássico dos clássicos do taoismo.
TEXTO: Quando foi publicada, em 1889, a primeira edição inglesa de ‘Chuang Tse’ (traduzida pelo histórico sinólogo Herbert Giles), Oscar Wilde dedicou-lhe uma entusiástica recensão, publicada no ano seguinte no periódico The Speaker. No seu característico estilo paradoxal (que faz dele, aliás, um epígono longínquo daquele Huí Tse que integra o elenco de personagens históricas presentes no grande clássico taoista), afirmava o irlandês que Chuang Tse continha em si todas as variantes do pensamento metafísico ou místico europeu, “desde Heráclito até Hegel”. E terminava dizendo, com proverbial ironia, que Mestre Chuang era um autor “perigoso” e que “a publicação do seu livro em inglês, dois mil anos após a sua morte, [era] obviamente prematura”. Um século depois, vislumbra-se idêntica percepção da ‘perigosa’ actualidade de Chuang Tse no livro que Octavio Paz lhe dedicou e no qual o mexicano afirma que o taoismo filosófico actua como um “dissolvente” das nossas cobardes certezas e que há nele uma “persistente tonalidade anarquista”. Tradução e comentários: António Miguel de Campos Relógio D’ÁguaNo texto introdutório desta edição, escreve o tradutor que “o mais longo dos clássicos do taoismo” (cerca de 100 mil caracteres, que comparam com os 5 mil do ‘Tao Te King’), embora sendo uma obra “praticamente desconhecida no Ocidente, fora dos meios sinológicos” (Wilde, afinal, tinha razão), será “superior, em quase todos os aspectos, ao muito mais conhecido” livro de Lao Tse. António Miguel de Campos chega mesmo a dizer que, “em muitos aspectos, a lucidez e a atitude filosófica de Chuang Tse têm mais pontos em comum com o pensamento de Nietzsche do que com a sabedoria exposta no ‘Tao Te King’”. Não podemos deixar de concordar. E acrescentaríamos que as vozes de Chuang Tse e de Nietzsche são também entre si comunicantes nos prodígios metafóricos e imagéticos. É claro que Chuang Tse, que viveu na segunda metade do século IV a. C. , ecoa o lendário Lao Tse, que o teria precedido dois séculos (tal como ecoa, aliás, criticamente ou parodicamente, Confúcio e muitos outros pensadores e filósofos) mas, enquanto o ‘Tao Te King’ é uma colecção breve de aforismos poéticos e enigmáticos, o ‘Chuang Tse’ é uma vasta, densa e rica colectânea de textos de variada índole, forma e escopo. Um arquipélago compósito, heteróclito e heterodoxo, de narrativas, raramente longas, e ora surreais e aforísticas, ora realistas e bem-humoradas, alegorias e parábolas, jogos de palavras, fábulas e contos maravilhosos (Borges dizia que a literatura chinesa desconhecia o género “fantástico” porque toda ela era de algum modo fantástica), quase sempre sob a forma de diálogos interpretados, maioritariamente, por personagens históricas (Confúcio, Huí Tse, etc. ) mas também por personificações (há, por exemplo, um diálogo entre “Encandeamento de Luz” e “Não-Existente” e outro entre a “Penumbra” e a “Sombra”). A presente edição da Relógio D’Água não inclui a totalidade dos 33 capítulos fixados na transição do século III para o século IV da era cristã pelo erudito Kuo Hsiang, que dividiu a obra em três partes: “Capítulos Interiores” (aqueles cuja autoria era menos problemática), “Capítulos Exteriores” (atribuíveis a discípulos e comentadores de Mestre Chuang) e “Capítulos Diversos” (de feitura posterior e atribuição duvidosa). Mas o texto traduzido “corresponde a mais de 40% do ‘Chuang Tse’”, incluindo a totalidade dos sete “Capítulos Interiores” (não faltando, portanto, o famoso e borgesiano sonho com a borboleta) e “cerca de 30%” dos textos dos Capítulos Exteriores” (que são 15) e “mais de 20%” dos textos dos “Diversos” (11). Tal como fizera já na sua tradução do ‘Tao Te King’, António Miguel de Campos optou também por reorganizar o livro, intercalando nos “Capítulos Interiores” textos provenientes das outras secções (“Exteriores” e “Diversos”) mas com “tema idêntico ou afim e pontos de vista essencialmente coerentes com os daqueles”, remetendo para a segunda parte do livro seis textos (dos capítulos “Exteriores” e dos “Diversos”) “que transparecem pontos de vista um tanto divergentes, influenciados por outras fontes”. No lote destes, conta-se a magnífica história de proveito e exemplo “O Ladrão Tche” – na qual Confúcio escapa por pouco à boca de um tigre que, nem por ser metafórico, é menos perigoso –, e o antológico conto intitulado “O Velho Pescador”, no qual se fala de um homem “que tinha medo da sua sombra, Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. e não gostava das suas pegadas, / e fugia delas a correr. / […] / Não tinha entendido que, se ficasse à sombra, a sua sombra desapareceria, / nem que, se ficasse parado, as suas pegadas cessariam. / A sua ignorância era igualmente extraordinária!” Uma outra forma de dizer que “O homem perfeito não tem eu” e que “O homem sábio não tem nome”. Ou que (dito de outra maneira, ainda) “A mente de um homem perfeito é como um espelho”. Cada capítulo é ainda entremeado por minuciosos e (por vezes muito) extensos comentários do tradutor. É claro que o leitor poderá abordar este livro de calmo desassossego como lhe aprouver: lendo-o de fio a pavio (ou inversamente), saltando capítulos e comentários, etc. Todos os caminhos vão dar ao Caminho. Chuang Tse viveu tempos sombrios, os dos Reinos Combatentes que ao longo de dois séculos e meio disputaram o poder na China, e durante os quais floresceram “Cem escolas” de pensamento que procuravam uma saída, o Caminho (o Tao). E a sua obra é tanto uma rejeição radical dos costumes morais, intelectuais e políticos, quanto uma crítica não menos radical da linguagem e de outras ilusões da mundanidade. Do “miradouro espiritual” do ‘Chuang Tse’, avista-se o “monte da Vastidão Ausente” e “o limão verde que gera a pantera”, e percebe-se que “os livros não vão mais longe do que a linguagem. A linguagem tem valor, mas o que tem valor na linguagem são as ideias, / e as ideias têm algo que vem depois. / E isso que vem depois das ideias não pode ser transmitido por palavras”.
REFERÊNCIAS:
Bali e ilhas Gili, um guia para o Paraíso
A rota para o Paraíso pode ser árdua – de Portugal a Bali é, no mínimo, uma viagem de um dia de avião, com uma ou duas escalas. Mas a recompensa espera-nos no final. Com a ajuda de um habitante local, eis aqui um roteiro para poder melhor apreciar o que a grande ilha da Indonésia tem para oferecer. (...)

Bali e ilhas Gili, um guia para o Paraíso
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: A rota para o Paraíso pode ser árdua – de Portugal a Bali é, no mínimo, uma viagem de um dia de avião, com uma ou duas escalas. Mas a recompensa espera-nos no final. Com a ajuda de um habitante local, eis aqui um roteiro para poder melhor apreciar o que a grande ilha da Indonésia tem para oferecer.
TEXTO: Há sítios que são únicos no mundo (como, por exemplo, os Açores) e Bali é um deles, juntando praias, belezas naturais, monumentos e santuários. O que distingue Bali do resto da Indonésia é a religião predominante ser a hindu, muito tolerante face a outras confissões religiosas. Por isso, em Bali, é frequente ver lado a lado igrejas católicas, mesquitas e templos hindus. Essa convivência reflecte-se no dia-a-dia e as diversas crenças não são obstáculo às relações pessoais, não só de amizade, mas até de casamentos. Ponto prévio: face à distância entre Bali e Portugal e ao facto de ser necessário reservar dois dias para viagens (ida e volta), tudo o que seja menos de 12 dias não é aconselhável. No nosso caso, estivemos em Bali 12 dias, mais quatro nas ilhas Gili (de que falaremos adiante). Já tínhamos estado na ilha e, como é frequente, quem a visita pela primeira vez fica com vontade de repetir – não só pelas belezas que encerra, mas pelas gentes, que são extremamente simpáticas e acolhedoras. Voltámos a ficar mesmo à entrada (mas fora) de um luxuoso resort em Nusa Dua, na residencial La Orein, onde tínhamos criado estreitas relações com um dos funcionários, Fransiskus (Frangky) Xavierus Way, natural de Kupang, Timor, que é segurança nessa pensão. Quando lhe dissemos que íamos voltar, Frangky trabalhou sem folgas durante um mês e tirou férias para nos poder acompanhar e nos conduzir no seu monovolume a sítios que desconhecíamos. Porém, não é preciso conhecer alguém para nos sentirmos bem recebidos, como é exemplo o episódio que a seguir descrevemos. É usual o corte de estradas para a passagem de cortejos de casamento ou de enterros. Numa das vezes, a caminho da praia, o trânsito estava interrompido por uma cerimónia hindu de cremação. Saímos do carro para ver o desfile (com andores, músicos, etc. ) e logo fomos instados a incorporarmo-nos nele. No local da cremação, fomos apresentados aos familiares do defunto, tirámos fotografias com eles e fomos convidados a assistir à cremação e participar no banquete a seguir à cerimónia. La Orein, em Nusa Dua, é uma residencial modesta, mas limpa, com ar condicionado, casa de banho privativa, camas confortáveis e preços baixíssimos (13€ por quarto normal e 16€ por uma suíte). Os funcionários são, na sua maioria, jovens, mas o que lhes pode faltar em profissionalismo é largamente compensado pela simpatia e disponibilidade. Um exemplo: Jheeyn, uma das recepcionistas, tinha saído de serviço às dez da noite mas esperou até depois da meia-noite só para nos receber e dar-nos as boas-vindas. Esta é, porém, uma das muitas propostas. O alojamento é barato e é possível encontrar um hotel com todas as comodidades por cerca de 50€/dia. Como apreciamos sossego e tranquilidade, ficámos em Nusa Dua. Porém, o sítio mais famoso de Bali é Kuta, recheada de lojas, restaurantes, hotéis e casas de diversão nocturna – o local certo para quem goste de férias agitadas. Já as praias de Kuta e Legian (na prática, uma única) são as piores de Bali – sujas no areal e na água, cheias de gente. Nusa Dua, no outro lado da península, no Sul de Bali (o aeroporto fica ao meio, Kuta está pegada ao aeroporto na costa ocidental e Nusa Dua fica a 14km do aeroporto na costa oriental), é o oposto de Kuta. O sossego impera, em especial num excelente resort onde os hotéis estão escondidos pela vegetação luxuriante. Belas praias, Nusa Dua e Geger, limpas e com água transparente. As duas praias de Nusa Dua são Geger, a maior, gerida pela comunidade local (espreguiçadeiras, toldos, restaurantes e umas muito recomendáveis massagens); e Nusa Dua, que serve o resort, com uma fila de três lojas/restaurantes à entrada da praia. Recomenda-se o último, mais junto à praia, com comida local a preços acessíveis. Um bando de esquilos que vêm comer à mão são atracção suplementar. A praia de Nusa Dua está dividida em duas partes, sendo uma delas uma baía com dois templos em cada extremidade, que merecem uma visita, bem como o Water Blow (Esguicho de Água), junto do templo mais distante. A sul de Kuta, na costa ocidental, Djimbaran (jantar na praia ao pôr do sol), Pandawa, Dreamland, Padang Padang, Blue Point (Uluwatu) e Pandawa (na extremidade sul de Bali) juntam águas límpidas a paisagens deslumbrantes. Umas são boas para nadar, como Pandawa, e outras para surfar, como Dreamland e Blue Point. Não chegámos a visitar o Norte da ilha, mas dizem-nos que Amed é também uma praia muito bonita. Sanur, na costa oriental, é local de residência de muito estrangeiros, mas a praia não é muito limpa. A gastronomia indonésia é muito similar à de outros países da região, como Tailândia ou Malásia. Porém, ao contrário dos tailandeses, que usam pauzinhos, os indonésios utilizam faca e garfo, o que se torna mais fácil para ocidentais. Os pratos mais comuns são nasi goreng (arroz frito com vegetais e ovo) ou mie goreng (massa de arroz frita com os mesmos acompanhamentos), que podem ser complementados com ayam (galinha desfiada). A versão líquida do mie goreng, uma sopa com os mesmos ingredientes da variante seca, é deliciosa. Outros pratos comuns são lumpia (rolos chineses) e satay (espetadas de carne de vaca ou galinha com molho de amendoim). Os indonésios usam pouco sal, mesmo no peixe ou nos mariscos – o gosto é fornecido pelos vegetais e pelo picante (mas em geral há sempre o cuidado de saber se o cliente quer ou não picante na comida). É normal servirem a carne de vaca muito bem passada (por vezes até de mais), pelo que se deve pedir para que tal não suceda. A fruta é barata e abundante. Destaque para as bananitas, o ananás baby, o rambutão, o mangustão, o salak/snake fruit (come-se a polpa branca destes três frutos), a pitaia (abre-se ao meio e come-se o interior com uma colher) e o durian (muito apreciado, mas com um sabor peculiar). E, claro, o coco, servido com palhinha para beber a água e colher para comer a polpa – servido fresco, não só mata a sede como é um preventivo de desarranjos intestinais, pelo que é aconselhável beber um de manhã. Também se recomenda beber só água engarrafada. Há três marcas de cerveja, mas a mais comum e melhor é a Bintang (garrafas de 0, 33l ou 0, 66l). O vinho e os outros álcoois são caros. Os sumos de fruta são baratos. O café expresso é no geral bom, mas nem sempre está disponível. O mais normal é o café de Bali (tipo turco com borras), feito em cafeteira ou na chávena, de paladar agradável, mas se lhe adicionar açúcar e o mexer, deve esperar que as borras voltem a assentar no fundo. Tanto em Bali como em Gili, pode-se comer bem por menos de cinco euros por cabeça. Em Kuta, há centenas de restaurantes para todos os preços e gostos. Em Nusa Dua, a oferta é mais reduzida mas ainda abundante. Pegado a La Orein, há um pequeno e baratíssimo warung (restaurante), Sosialita, que só serve jantares. Outro restaurante de comida local é o Warung Bule & Susy. Mais requintada e menos barata é a Tavern de Bali, com ambiente acolhedor e boa cozinha local e internacional. Nusa Dua Pizza é uma surpresa: uma excelente pizaria (ao nível das melhores napolitanas) e as pizzas (suficientes para duas pessoas) custam cerca de 5 euros. Em Gili Air, recomenda-se o Warung Sunny. Muito barato (4/5 euros por pessoa), tem uma extensa lista de pratos tradicionais das várias regiões da Indonésia. O dono faz questão de perguntar as preferências dos clientes (mais ou menos picante, etc. ) e com base nessa avaliação recomenda uma série de pratos. O Frangky, como bom indonésio, pediu nasi goreng, mas foi dissuadido: “Isso está na lista como street food, isto é, que se pode comer em qualquer outro lugar; em vez disso vai experimentar outro prato”, disse o proprietário. E, na verdade, o Frangky ganhou com a troca. Cada um de nós experimentou pratos diferentes e até o mais novo, que tem intolerância a ovos, comeu muito bem. Escusado será dizer que o Frangky, a partir daí, foi alvo de brincadeiras – cada vez que íamos comer, dizíamos: “Já sabemos, para ti é nasi goreng…” O único inconveniente do Warung Sunny é não servir bebidas alcoólicas. Outras recomendações em Gili Air são o Classico Italiano, excelentes pizzas, o Turtle Beach e o Ruby´s Café. O Coffee & Thyme Gili Air, no porto, serve um óptimo café expresso. Em Bali, é obrigatório um roteiro que inclua uma visita a Thopati, às fábricas de batik (tecidos artesanais tradicionais) e de prata, seguindo para Ubud, com os seus templos e a Floresta Sagrada dos Macacos. A viagem prossegue pelos arrozais plantados em degraus (como as vinhas no Douro) e pelas produtoras de café Luwak. Este café, muito caro, é produzido da seguinte forma: a civeta (luwak em indonésio), um mamífero, come o fruto do café e expele os grãos nas fezes. Estes são lavados e torrados para produzir um café especial – um “café de merda”, com um sabor delicado e único que vale a pena degustar. A rota termina nas alturas em Kintamani, no restaurante Sari, com buffet e uma vista esplendorosa para o vulcão Batur. Outra sugestão é um circuito que inclua os templos de Tamam Ayun, em Mengwi, os templos junto ao lago Berantan, com vista para a montanha, e depois rumar à costa, para o templo de Tanah Lot, junto ao mar, onde poderá tocar em cobras sagradas, formular três desejos e receber a bênção de sacerdotes hindus. Imperdível é ainda o espectáculo de Kecak e Dança do Fogo, ao pôr do sol, em Uluwatu, dança ritual que conta uma lenda hindu. Recomenda-se a chegada com antecedência para comprar os ingressos, porque a lotação do anfiteatro está limitada a 400 lugares. Depois de assegurada a entrada, pode aproveitar o tempo que antecede o início do espectáculo para visitar o templo adjacente e percorrer um longo trilho que termina num promontório com vistas de cortar a respiração. Já menos recomendável é a visita à Turtle Island, um local de criação e preservação das tartarugas, em Benoa. A deslocação custa 400. 000 rupias (25€) para duas pessoas, e o que há para ver é uma praia sujíssima e alguns tanques onde conservam tartarugas nos diferentes estágios de crescimento – a visão das tartarugas a nadar livremente nas ilhas Gili é muito mais gratificante. Esculturas em madeira, panos batik e pratas. Os melhores batik (mas também os mais caros) são os da tecelagem artesanal em Thopati. O mesmo se aplica à ourivesaria em prata na fábrica da localidade. Porém, é possível comprar tudo isso em inúmeras lojas de rua. O Frangky, porém, recomendou-nos que fizéssemos as compras no Krisna, em Kuta, uma grande loja onde se pode adquirir tudo (batiks, prata, esculturas em madeira) mais barato (muitas lojas de rua abastecem-se ali). Ir a Bali e não visitar as ilhas Gili é como ir a Roma e não visitar o Vaticano. A viagem por barco rápido demora cerca de três horas e custa entre 50€-60€ ida e volta, incluindo transporte de recolha e retorno ao hotel em Bali. Devido ao tempo de viagem, recomenda-se um mínimo de três dias de estada. O arquipélago Gili é composto por três ilhas, Trawagan, Meno e Air. Trawagan é a mais movimentada, com vida nocturna, Meno a menos, de Gili Air vê-se a costa da grande ilha de Lombok (a travessia de barco leva 10 minutos). Há ligações directas para Trawagan e Air; para Meno é preciso apanhar um barco nas duas outras ilhas. Ficámos em Gili Air, na muito recomendável Melbao Homestay, uma pequena pensão de lotação limitada, cuja diária em quarto duplo é 250. 000 rupias indonésias (14, 50€) pagas em numerário, incluindo um excelente pequeno-almoço. Tem boa cama, ar condicionado, casa de banho privativa (o chuveiro é ao ar livre, a sanita e o lavatório estão sob um telheiro), um alpendre com mesa, duas cadeiras (onde é servido o pequeno-almoço) e uma cama de rede. Há outra oferta hoteleira, mais luxuosa, mas sempre com preços muito acessíveis. As ilhas Gili são pequenas, perto umas das outras e lá não há automóveis: as deslocações são a pé, de bicicleta ou em carrinhas puxadas por pequenos cavalos. Porém, há inúmeras caixas de multibanco e restaurantes – ilhas primitivas mas com todos os confortos civilizacionais. Por 100. 000 rupias (6€) é possível fazer um passeio de cinco horas pelas três ilhas com snorkeling (óculos e barbatanas incluídos no preço), para ver peixes, corais e tartarugas. O almoço, em Gili Meno, não está incluído. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A atracção principal das Gili (e quase única) é o mar, a praia e os corais, mas a viagem vale a pena. Em Gili Air, a melhor praia é Turtle Beach (Praia das Tartarugas), onde a 20 metros da costa existe um jardim subaquático de águas transparentes, em que, como o nome indica, é possível ver, além de corais e peixes, tartarugas. Os melhores meses são Abril, Maio e Setembro. Em Julho e Agosto, Bali é invadida por turistas australianos, de Novembro a início de Março é a época das chuvas. A temperatura não varia durante todo o ano: 30º C de dia, 26º-28º à noite. A moeda local é a rupia indonésia. Ao câmbio actual, 1€ equivale a mais de 15. 000 rupias. Há inúmeras caixas de multibanco, mas trocando euros nos cambistas locais obtém-se uma taxa mais favorável.
REFERÊNCIAS:
Provar Pequim, do pato assado ao banquete dos imperadores
Dourado e brilhante, o pato é servido no Dadong como ícone de uma gastronomia com cinco séculos de tradição. Uma longa história que pode ser apreciada no Museu da Gastronomia Imperial. (...)

Provar Pequim, do pato assado ao banquete dos imperadores
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dourado e brilhante, o pato é servido no Dadong como ícone de uma gastronomia com cinco séculos de tradição. Uma longa história que pode ser apreciada no Museu da Gastronomia Imperial.
TEXTO: Mais que ir a Roma e não ver o Papa, impensável mesmo é passar pela capital chinesa e não provar o célebre pato assado, uma receita de que há relatos pelo menos desde o século XIII e sempre associada aos banquetes das cortes imperiais chinesas. Pequim e pato são, portanto, indissociáveis, se bem que só a partir do século XV o assado tenha passado a estar ligado à cidade, depois de a Dinastia Ming para aí ter deslocalizado a capital antes instalada em Nanquim. Demoraria, no entanto, ainda mais de dois séculos até que o prato saltasse os muros dos aposentos imperiais para se tornar verdadeiramente icónico e popular. Os historiadores contam que foi já em 1864 que abriu na capital o primeiro restaurante dedicado ao pato assado, iniciativa de um comerciante de patos e galinhas que para o efeito desafiou um antigo cozinheiro do palácio real. É, pois, a partir daí que verdadeiramente a receita passa a ser conhecida como o pato à Pequim e rezam as crónicas que se contam hoje por vários milhares o número de aves que diariamente são consumidas na capital chinesa. Muitos são também os restaurantes a puxar de credenciais para exibir a melhor ou a mais genuína receita, mas parece consensual que o mais reconhecido e prestigiado é o Dadong, hoje instalado num moderno edifício espelhado do centro da capital e rodeado de lojas das mais luxuosas marcas internacionais. É preciso subir depois até ao quinto andar, onde o ambiente espalhado e o amplo espaço decorado a branco logo se insinuam no contexto de novo luxo. A par de fotos e dedicatórias de ilustres como o realizador Steven Spielberg ou múltiplos dignitários internacionais, a extensa carta (um livro de capa dura com dezenas de páginas de requintados e criativos menus a partir da cozinha tradicional chinesa) e uma lista de vinhos (também em livro) com boa parte dos ícones mundiais do sector, não deixam espaço para dúvidas. Dadong Restaurante (Beijind Dadong Kaoyadian) Jinbao Place, 5º Jinbao Jie, 88 (Dongcheng Central) Pequim Site Tel. : +86 010 8522 1111Yuxiandu Royal Gastronomy Museum North Rd – 117, West Sihuan Street Haidian District Pequim Tel. : +86 186 1037 0980/ +86 010 8849 5185/81 SiteAlguns vinhos à parte — sobretudo champanhes — diga-se desde já que quanto ao pato, e olhando aos preços europeus, a coisa estará até bem acessível: os 198 renminbi pedidos para cada exemplar não ultrapassam os 30 euros, e a dose é suficiente para servir três a quatro comensais. Com cerveja — que até liga com a pele crocante — a conta acaba mesmo contida, mas há também na lista alguns brancos de qualidade interessante a preços absolutamente normais. E se pela carne macia e suculenta e pele crocante o pato cativa o palato, o ritual de serviço representa ainda um atractivo extra. Dourado e brilhante, chega inteiro e é dissecado em frente à mesa com tal mestria que as finas fatias de carne quase recompõem a ave na travessa, que é colocada no centro giratório da mesa. Manda a tradição que, depois de depenados e limpos, os patos gordos são insuflados de forma a fazer separar a pele da gordura. Depois de escaldados, há que os pendurar e uma vez escorridos são “encerados” com xarope de maltose que lhe vai dar a cor dourada depois da assadura no forno em espeto rolante, ao estilo do leitão da Bairrada. É servido com panquecas, molho adocicado de feijão, palitos de pepino e de caule de cebola, alho picado e sal a gosto, que se enrolam com as fatias de carne e comem à mão, tal como a pele crocante. Com os ossos e gordura restantes é feito um consomé que é servido no final do repasto. E mesmo que do ponto de vista gastronómico não se revele absolutamente excitante, é claramente uma experiência imperdível sem a qual ficará sempre incompleta qualquer passagem pela capital chinesa. Visita que neste caso teve lugar no âmbito do Concurso Mundial de Bruxelas, evento que avalia vinhos de todo o Mundo e foi na edição deste ano acolhido em Pequim. E foi neste contexto que a cidade proporcionou aos participantes uma experiência gastronómica, esta sim, única e excepcional. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Foi no Xiandu Royal Gastronomy Museum, um espaço museológico dedicado à gastronomia imperial que pretende mostrar as origens de uma tradição culinária com mais de cinco séculos e a sua evolução ao longo das várias dinastias. A culminar a visita, um jantar ao estilo imperial, não só com pratos a remeter para sabores e receitas da época, mas também envolvidas numa extraordinária e deslumbrante encenação, a recrear o ambiente dos banquetes que eram servidos à família imperial. Memorável e emocionante, incluindo a vertente gastronómica, com um menu que, depois de alguns acepipes ao estilo da dinastia Qing, incluiu um soberbo caldo de cogumelos, estufado de tartaruga e assado de borrego, cujas texturas, sabores e envolvência andaram perfeitamente a par com a exuberância cénica. Esta sim, uma sensação única, intensa e exaltante. E até com aquela ponta de emoção que é o corolário das experiências gastronómicas verdadeiramente marcantes.
REFERÊNCIAS:
Novos Cartazes do PS: Uma chinelada de confiança
Pessoas verdadeiras usadas como rosto de histórias não autorizadas e sem dizer a verdade. O PS de António Costa (é o que dá um líder meter seis dias de férias)* anda às voltas com a confiança. (...)

Novos Cartazes do PS: Uma chinelada de confiança
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pessoas verdadeiras usadas como rosto de histórias não autorizadas e sem dizer a verdade. O PS de António Costa (é o que dá um líder meter seis dias de férias)* anda às voltas com a confiança.
TEXTO: Depois do grupo de lesados do BES, esteve à vista a criação do Grupo de Lesados dos Cartazes do PS. Um conjunto de cabeças de cartaz anónimas que, contra sua vontade, espalharam mentiras e números errados pelas ruas. Funcionários da Junta de Freguesia de Arroios que foram promovidos a “desempregados” por culpa do Governo, em cartazes gigantes. Na sua fúria (e a fazerem beicinho de desempregados desde 2012 como nos cartazes), o grupo de enganados quase invadiu a sede do PS no largo do Rato, exigindo indemnizações e a reposição do seu “capital de confiança”. Mas eram muito poucos e António Costa pediu desculpas imensas e demitiu os estrategas da campanha, quase contribuindo para aumentar a taxa de desemprego. Por sorte, os autores destes cartazes eram uns simples curiosos ligados ao PS que nada recebiam em troca das ideias tolas. Mas deram um forte contributo à ciência política em Portugal, ao mostrarem em campanha a dialéctica actual do PS: muito amadorismo e pouco dinheiro. Antes disso, o PS tivera cartazes criados na escola de marketing das igrejas evangélicas (uma senhora a mostrar um nascer-do-sol, rasgando um cenário de tempestade dentro do próprio cartaz). Depois disso, a coligação PSD-CDS também admitiu a verdade sobre os seus cartazes. Todos os caramelos risonhos que lá se estampam são cidadãos estrangeiros que venderam a fronha a bancos internacionais de imagens publicitárias. Podem ser da coligação Portugal à Frente cá, e duma botija de laxante na Austrália. Por exemplo, o senhor que na foto anuncia mais investimento económico e mais emprego em Portugal é o mesmo que vende ao mundo hispânico as virtudes das próteses dentárias Corega. Com isto se prova que a situação do emprego em Portugal continua a ser bastante postiça. Perdeu os dentes, algures. E, para aborrecimento de Passos Coelho, mesmo atacando a credibilidade da economia, a banca de imagens já é privada. Não a pode vender por três cêntimos aos chineses como tudo o resto nesta vida. Depois de uma semana intensa de pirosices e de fracassos na mensagem, António Costa deu uma entrevista à Visão**. Pediu novas desculpas pela “sucessão de equívocos” de “um caso lamentável”. E reforçou a estratégia de um PS centrado no líder, no slogan “tempo de confiança” e no “contacto directo”. Mas não só, não só. Depois disso, no Rato, em reunião sigilosa de emergência com o novo responsável da campanha, Duarte Cordeiro, admitiram-se outras abordagens. Será verdade o que vamos ler? Até parece que a verdade tem alguma coisa a ver com este assunto. — Dr. António Costa, boa entrevista. — Tentaram apanhar-me com os cartazes e com o Sócrates. — Dizer que ao PSD, com o caso Sócrates, “foge-lhe sempre o pezinho para a chinela” foi inteligente. Mas a melhor foi aquela: “O que eu mais ouço na rua é ‘corra com eles’”! Parabéns. — Obrigado. Bom, e esse famoso contacto directo, como é?— A entrevista foi providencial. Podemos avançar para além da mensagem de “confiança”, abalada com os cartazes dos falsos desempregados. — E então?— Bem, vamos colar os seus dois conceitos do “corra com eles” com o “pezinho para a chinela”. Na verdade, fazem sentido juntos. — Mas não queria uma campanha sóbria?— Imagine um cartaz com a sua cara confiante e a legenda: “Vamos Correr Com Eles”. — Hum. . . não é muito forte?— É contacto directo. É a linguagem que cala fundo nos portugueses depois de anos de crise e de promessas falsas. Daqui, podemos partir para uma série de mensagens cada vez mais directas. “Vamos Dar-lhes Uma Ensaboadela”. — Não sei, hesito. — E que tal “Ó Passos, Põe-te a Pau Comigo”. Ou “Portas, Vai Dar Uma Volta ao Bilhar Grande”. — Que tal centrarmo-nos antes na austeridade europeia? “Eurogrupo, Vai Mas é Dar Banho ao Cão”. — Ah, vejo que o dr. Costa apanhou o espírito! “Schäuble, levavas era um Par de Patins. ”— Ui! — É giro fazer cartazes, não é? O António Costa podia fazer um manguito: “Queres Mais Austeridade? Toma!” — E ideias para o Cavaco Silva? Está colado ao Governo. — “Aníbal, Eu Já te Topei”. — Isso é verdade, mas. . . — “Olé, Olé, e Quem Não Salta é Cavaquista”. Não, não é suficientemente sóbrio. Por falar nisso, é verdade. . . Chegou ao gabinete de campanha uma carta do eng. José Sócrates, de Évora. — Já o visitei uma vez, uma vez. — Posso ler? “Caros senhores. É altura de corrigirem a ofensa do figurante que supostamente perdeu o emprego há cinco anos, no meu tempo. Que tal um cartaz com a minha foto de preso político e a legenda: “E Só Eu é que Estou no Xilindró?” — (Silêncio)— Enfim, é linguagem próxima do povo. É contacto directo, dr. Costa. — Já o visitei uma vez, uma vez. Chega de contacto directo. Essa chinela eu não calço.
REFERÊNCIAS:
Valemos mais como consumidores do que como cidadãos?
O poder crescente dos monopólios é “a maior ameaça às democracias”. As alterações climáticas são “o maior acontecimento da história da humanidade”. E, no entanto, agimos como se esta ainda não fosse a nossa realidade. Economistas e ambientalistas reunidos no encontro da Slow Food deixaram um aviso: o futuro já é aqui. (...)

Valemos mais como consumidores do que como cidadãos?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: O poder crescente dos monopólios é “a maior ameaça às democracias”. As alterações climáticas são “o maior acontecimento da história da humanidade”. E, no entanto, agimos como se esta ainda não fosse a nossa realidade. Economistas e ambientalistas reunidos no encontro da Slow Food deixaram um aviso: o futuro já é aqui.
TEXTO: Sabem aquele momento no início de uma intervenção numa conferência em que o orador lança algumas generalidades, preparando o terreno para o que vai dizer mais à frente? Esqueçam. Barry Lynn não tem tempo para isso. A situação é, acredita ele, demasiado grave. “Hoje, nos Estados Unidos e pelo mundo, enfrentamos a maior ameaça às nossas democracias desde o fim da II Guerra na Europa e desde o fim da Guerra Civil nos EUA”. E isto, sublinha, é apenas “para começar [esta intervenção] com a nota certa”. Estamos no Terra Madre – Salone del Gusto, o encontro do movimento Slow Food que se realiza de dois em dois anos em Turim (e que este ano aconteceu entre 20 e 24 de Setembro), e Barry Lynn, antigo jornalista e fundador do Open Markets Institute, é, juntamente com o economista também norte-americano John Ikerd, orador na conferência intitulada Apenas Lucro ou Sustentabilidade? Comparando Modelos para a Economia de Amanhã. E de onde vem a ameaça de que fala Lynn? “Vem da concentração de poder económico e do controlo”, algo sobre o qual “não falamos nas nossas sociedades”. O problema, segundo o analista, é que “foi-nos dito por pessoas como o Presidente Clinton, o Presidente Obama, [o antigo primeiro-ministro britânico] Tony Blair, que tudo estava bem, que íamos viver numa utopia e que o mundo ia ser pacífico e próspero para todo o sempre”. Mas, prossegue Lynn, “enquanto nos diziam isto, estavam a destruir todas as leis que tínhamos criado nas nossas sociedades e que nos EUA datam de 1776 [Guerra da Independência], da revolução feita precisamente contra os monopólios”. E aqui chega ao ponto central daquela que nos últimos anos tem sido a sua luta: “Se se permitir que exista o poder do monopólio, não existe liberdade, não existe democracia. Ao longo de 200 anos nos EUA lutámos contra os monopólios, e há 35, 40 anos, discretamente, sem dizerem nada, estou a falar da era de Reagan e Thatcher, mudaram as regras e disseram que em vez de as usar para combater os monopólios e proteger a democracia, iam promover a eficiência e que isso era bom para o consumidor. ”O que “eles” decidiram, continua Lynn, foi que, em vez de nos protegerem como cidadãos iriam proteger-nos como consumidores, e disseram “vocês, como consumidores, querem mais coisas e coisas mais baratas”. O problema é que “vivemos num mundo que tem um problema: estamos a consumir recursos a um ritmo que é insustentável”. Quando fala dos que “mudaram as regras”, Lynn está a referir-se à Escola de Chicago, o grupo de economistas que nos anos 70 reinterpretaram as leis anti-monopólio, considerando que estas deviam proteger apenas o “bem-estar do consumidor” e defendendo que se uma fusão não levasse a uma subida de preços não havia razão para a bloquear. No entender de Lynn, esta visão levou à situação em que se encontram hoje os EUA, com uma extraordinária concentração de poder nas mãos de algumas, gigantescas, empresas. Um dos exemplos no universo agro-alimentar é o da Monsanto, a empresa produtora de agro-químicos e de sementes geneticamente modificadas e que este ano foi comprada pela farmacêutica alemã Bayer – perdendo o nome Monsanto no processo – num “casamento feito no inferno”, como lhe chamaram os críticos, que dá origem à maior e mais poderosa empresa mundial do agronegócio. Outro exemplo dado por Lynn é o da brasileira JBS, “a maior produtora de gado do mundo” (vaca, galinha e porco). “Os brasileiros, depois de terem visto o que aconteceu ao México, decidiram ter uma abordagem diferente e o Governo deu dinheiro aos banqueiros para poderem comprar uma data de coisas e garantir que não seriam destruídos da forma que o México foi. ”O que isto significa, explica o analista, é que uma grande parte da produção de alimentos nos EUA está hoje nas mãos de banqueiros do Brasil. “Os americanos pensam que os brasileiros não são uma ameaça porque não têm um grande Exército ou Marinha e não são um rival estratégico como os chineses. Mas o facto é que os nossos sistemas alimentares estão a ser geridos por um conjunto de banqueiros brasileiros. Estamos a assistir a uma tomada de consciência, mas temos que ter cuidado porque o que Trump e a sua Administração estão a tentar é fazer com que as pessoas se sintam zangadas com isto e queiram fechar as fronteiras. ”A fusão Monsanto/Bayer é apenas um dos mais recentes casos da concentração de poder em monopólios que “se tornou particularmente má com a Google, o Facebook e a Amazon”. Há um antes e um depois, segundo Lynn. “As anteriores corporações faziam dinheiro e iam comprar os nossos políticos e os nossos governos. O Google, o Facebook e a Amazon controlam o fluxo de informação entre cidadão e cidadão. Os jornalistas e editores das publicações nas quais acreditamos dependem do Google, do Facebook para poderem difundir as suas notícias e para terem alguma publicidade que lhes permita pagar as contas. O Google e o Facebook deixaram os repórteres e editores do nosso mundo com medo porque podem calá-los de um momento para o outro. ”Lynn sabe do que fala: ele próprio foi forçado a sair, com o Open Markets Program, da New American Foundation, o think thank ao qual pertencia e que é financiado em parte pelo Google depois de ter elogiado a aplicação de uma multa a este gigante por parte da União Europeia. Após a saída fundou, com outros jornalistas e investigadores, o Open Markets Institute, que se apresenta como uma organização sem fins lucrativos destinada a “proteger a liberdade e a democracia das extremas – e crescentes – concentrações de poder privado”. Transformar este debate numa crítica ao capitalismo não é o que pretende Barry Lynn – “nós queremos fazer a revolução mas não somos os radicais, somos os conservadores, estamos ao lado dos grandes conservadores do passado, pelos equilíbrios que funcionam”, diz – nem é o que pretende o outro orador desta conferência, o economista John Ikerd. “O capitalismo é dado como culpado de muitos dos problemas que temos hoje em relação à forma como a nossa democracia funciona. Mas eu diria que não temos nem capitalismo nem democracia”, prossegue Ikerd. “O que temos é corporativismo em vez de capitalismo e hipocrisia em vez de democracia. ”Para que os mercados funcionem, são necessárias algumas condições, uma das quais é “um grande número de vendedores e compradores, de maneira a que nenhum deles tenha um impacto significativo no mercado”. Se isso não acontecer, corre-se o risco de haver um controlo do mercado. Ou seja, é essencial que exista concorrência. E é precisamente isso que está ameaçado pelo crescimento dos monopólios, explica. “Não temos essas condições hoje porque o nosso Governo falhou numa das suas principais responsabilidades, que é a de manter a competitividade dos mercados. ”Actualmente, não existe nada que impeça a economia de extrair os recursos humanos e naturais que deveriam garantir a sustentabilidade do sistema, argumenta. “É isto que está a destruir a sustentabilidade da agricultura. […] Há muitas pessoas, nos EUA e no mundo, hoje, que não têm comida suficiente ou que estão a ficar doentes por causa do que comem, e isso porque estamos a fazer o que é lucrativo em vez de fazermos o que é essencial para o futuro e o presente. ”A visão de Ikerd não é muito distante da de Lynn. Num artigo recentemente publicado no Journal of Agriculture, Food Systems and Community Development, intitulado, A Batalha pelo Futuro da Alimentação, afirma que “estamos em plena batalha pelo futuro dos nossos sistemas alimentares”. Não vale a pena continuar em negação, frisa, porque “o chamado sistema alimentar moderno não é sustentável durante muito mais tempo”. A própria indústria agro-alimentar já percebeu isso, diz Ikerd, e o que se desenha no horizonte são dois modelos que lutam por se impor. Um é o que quer “corrigir” o sistema actual por medo de “perder a sua posição dominante”. “Todas as grandes empresas agro-alimentares actualmente incluem a sustentabilidade nas declarações sobre a sua missão e lançam um relatório anual de sustentabilidade para convencer os seus investidores e clientes”. O que está a acontecer é uma “campanha de relações públicas multimilionária para tentar reconquistar a confiança”. Tudo isto baseado numa “grande falácia” que é a de que “não podemos alimentar o mundo sem a agricultura industrial”. O sistema alternativo, defendido por Ikerd, é o da agro-ecologia, que, argumenta o economista, não tenta “separar a produção de alimentos da natureza” (sementes resistentes ao clima, por exemplo) mas aplicar métodos sustentáveis e ecológicos. Calcula-se que a agricultura que está a ser feita actualmente seja responsável por cerca de 15% de emissões de gases com efeito de estufa, mais ou menos o mesmo que os transportes. Ikerd lança um alerta: “Está a esgotar-se o tempo para mudar o sistema alimentar americano antes que ele destrua o sistema alimentar do mundo. ”As mudanças climáticas atravessaram o debate, mas não eram o tema da conferência – sobre elas houve, no Salão Terra Madre da Slow Food, uma outra conferência, com o escritor Amitav Ghosh e a activista ambientalista Sunita Narain. E também aí o tom foi de urgência perante o desastre que, segundo ambos, não está iminente – já aqui está. “As alterações climáticas são o maior acontecimento da história da Humanidade. Como espécie, nunca enfrentámos nada assim”, afirmou Amitav Ghosh, cujo último romance, The Great Derangement – Climate Change and the Unthinkable, pergunta precisamente porque é que continuamos em negação perante uma coisa que é já evidente. Sunita Narain tornou-se ambientalista no início dos anos 90. “Quando iniciámos esta discussão, tudo parecia ainda tão distante. Agora sinto que está a chegar. O normal de hoje é um normal muito diferente. ” E entra-nos pelos olhos – e pelas cidades e campos – dentro. No estado indiano de Kerala, as mais recentes chuvas “não provocaram uma inundação, “provocaram um dilúvio”, afirma a ambientalista indiana Sunita Narain. “O estado, que é um dos mais desenvolvidos da Índia, ficou totalmente debaixo de água”. Em sete dias caiu a mesma quantidade de água que cai durante um ano inteiro em Itália. “O custo da reconstrução é imenso, temos que começar do zero. ”E, no entanto, ainda não há uma verdadeira consciência de que o desastre chegou. Isso deixa Amitav Ghosh estupefacto: “O tema não tem o espaço que devia no debate público. Há dificuldade em falar sobre o fenómeno. ” Por isso escreveu o seu mais recente livro, optando desta vez pela não-ficção, para perguntar: “Como é que não vemos o muro contra o qual a humanidade está a embater?”. Sobre The Great Derangement, escreve o crítico Alexandre Leskanich: “Tal como em Huis Clos [de Jean-Paul Sartre, em que três condenados, no inferno, têm a eternidade para pensar nos seus pecados] somos forçados a transformar-nos nos guardiões da nossa própria prisão e de um futuro vazio. Sem objectivos éticos, o futuro está entregue aos caprichos do mercado e ao niilismo do crescimento económico. ” Partindo da análise da literatura, da história e da política, Ghosh revela os “limites do pensamento e da linguagem contemporâneos” e a consequente “frustração do poder cognitivo humano sobre um mundo que julgávamos conhecer”. Sim, os fenómenos extremos são os mais espectaculares, mas para o escritor não são os mais assustadores. “A violência lenta é a que mais assusta, fenómenos como a seca duradoura, que leva milhares a deixar certas zonas. ”Mas se Ghosh parece à beira da desistência, Sunita Narain acredita que é (ainda) o tempo de agir. “Se ficamos demasiado assustados tornamo-nos impotentes. Não podemos desistir. ” Na Europa e na Ásia, diz a activista, “a conversa já começou a mudar", embora nos EUA “sejam precisos muito mais furacões para que isso aconteça”. Politicamente, como podemos enfrentar esta crise? Há, pergunta o moderador do debate, Roberto Giovannini do jornal italiano La Stampa, uma via democrática e liberal na luta contra as alterações climáticas? “Foi o poder que nos trouxe os problemas, não é o poder que nos vai tirar deles”, responde Sunita. As alterações climáticas estão a tornar-se também uma luta de classes – e, eventualmente, uma guerra entre países. “Existe um ambientalismo dos ricos e um ambientalismo dos pobres”, explica a activista. O dos “ricos” passa por uma “gestão do lixo”, que nos deixa constantemente atrasados porque “cada nova solução cria um novo problema”. O dos “pobres” acontece quando “as pessoas assumem a palavra” – é isso que, segundo Sunita, começa a acontecer na Índia, onde “os pobres de Deli estão a dizer ‘no meu quintal, não!’, e isso deixa os ricos a perguntar ‘que quintal vamos agora encontrar?’”. Perante o agravamento da situação, quem tem dinheiro (sejam indivíduos ou países) vai tentar descobrir uma forma de escapar, afirma. Ao seu Centro para a Ciência e o Ambiente, em Deli, chegam pessoas perguntando se devem comprar filtros para tornar o ar mais respirável (“sim, mas mesmo assim mais cedo ou mais tarde terá que respirar o ar”, responde-lhes ela) ou se devem simplesmente ir para outro lado. Mas não há para onde fugir, diz Sunita. “As mudanças climáticas tornam-nos todos iguais. Ricos e pobres são igualmente afectados. Isto é um assunto sem classes. Os ricos acham que não serão afectados, mas serão. ” Aparentemente, os países mais poderosos sentem que ainda há tempo para fazer valer esse poder. Um dos aspectos mais visíveis desse jogo de forças é o outsourcing do lixo para os países mais pobres, mas também a deslocalização da produção – é fácil, lembra Sunita, baixar as emissões de gases poluentes quando se transfere a produção para a China. Na assistência, alguém pede para fazer uma pergunta – é um queniano que quer saber porque é tão difícil para um país como o dele ter “um lugar à mesa” no debate sobre alterações climáticas. Porque para isso é preciso ser um grande poluidor, responde Sunita. “A China garante que as suas emissões hoje são equivalentes às americanas e assim torna-se parte do clube. Para nos sentarmos à mesa, precisamos não apenas de vestir um fato, mas de sermos grandes poluidores. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por outro lado, o mundo está unido pelo comércio. Voltamos por um instante à conferência sobre economia para ouvir Barry Lynn responder a uma mulher que na audiência fala da falta de água para a agricultura na Califórnia. “Porque é que produzimos arroz e alfafa na Califórnia?”, pergunta Lynn. “Para vender à China. É isso que acontece à sua água – está a ser exportada para a China sob a forma de alfafa. ”O mundo começa a compreender que “somos um único planeta”, argumenta Sunita. Mas isso não significa que não haja sinais cada vez mais preocupantes. Cabe a Amitav Ghosh a nota mais pessimista perante um mundo em que, ironiza, o Governo indiano anuncia que vai construir 100 aeroportos eco-friendly (“o que raio são aeroportos eco-friendly?”). “O único índex que tem aumentado tão rapidamente como as emissões de gases com efeito de estufa é o dos gastos com a defesa”, declara Ghosh. “E a guerra das mudanças climáticas vai acontecer no Oceano Índico, que é actualmente a zona mais militarizada do planeta. Os ‘homens dos fatos’ estão a preparar-se para o mundo do futuro armando-se até aos dentes. ”
REFERÊNCIAS:
Tribos isoladas: é tão perigoso achar que são selvagens como que são puras
A curiosidade e os mitos são uma ameaça para os povos isolados, seja por turistas em “safaris humanos”, seja por missionários a tentar chegar ao que vêem como o último recanto “selvagem”. (...)

Tribos isoladas: é tão perigoso achar que são selvagens como que são puras
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento -0.09
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: A curiosidade e os mitos são uma ameaça para os povos isolados, seja por turistas em “safaris humanos”, seja por missionários a tentar chegar ao que vêem como o último recanto “selvagem”.
TEXTO: As tribos isoladas são fontes de inesgotável curiosidade, de admiração pelo exótico, e de falsas ideias feitas. Se nenhuma tribo é igual a outra – por vezes até na mesma região há muitas diferenças entre tribos – seja na Amazónia ou no mar de Andamão, a maioria destas tribos tem algo em comum: têm consciência de que há um mundo diferente à sua volta, já viram barcos ou aviões ou helicópteros, e… não querem contacto com este mundo. A questão foi debatida após a morte do missionário norte-americano John Allen Chau, que terá sido atingido por uma seta depois de tentar repetidamente entrar na ilha Sentinela do Norte, no mar de Andamão, em Novembro. A tribo dos sentinelas tem deixado claro há décadas que se quer manter isolada, e o facto de viver numa ilha do tamanho de Manhattan, assim como a política de não-contacto da Índia, responsável pelo território, ajudará a que se mantenham assim. As autoridades indianas proíbem todas as aproximações à ilha. A tribo terá tido provavelmente vários contactos anteriores com o mundo não indígena. O primeiro contacto registado data dos anos 1880, quando o oficial britânico Maurice Vidal Portman liderou uma expedição à ilha. Os membros da tribo esconderam-se e durante dias os membros da missão de Portman encontraram apenas aldeias abandonadas e caminhos. Até que um dia capturaram um casal mais velho e quatro crianças. Pouco depois de chegar à ilha mais próxima, o casal adoeceu e morreu, e as crianças adoeceram. Foram enviadas de volta com presentes, mas ninguém sabe o que aconteceu, se tinham alguma doença infecciosa que possam ter transmitido aos outros elementos da tribo. “Todos os processos de contacto implicaram mortes, e em escala que punham em causa a sobrevivência da tribo”, sublinha a antropóloga Susana Matos Viegas, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), por telefone, ao PÚBLICO, falando das tribos isoladas em geral. “O primeiro problema do contacto é o perigo de epidemias, já que qualquer contacto aparentemente inócuo pode implicar a morte de um número muito substancial de pessoas. ”Expedições amigáveis e distribuição de presentes feitas nos anos 1980, quer às tribos da Amazónia, quer às do arquipélago Andamão e Nicobar, foram levadas a cabo com uma série de cuidados. “Algo que os missionários ou os turistas aventureiros não têm”, diz a antropóloga. E mesmo apesar destes cuidados, nessas missões morreram muitos índios. “Há muitos casos nas últimas décadas, especialmente no Brasil e no Perú”, diz a Survival International, organização que faz campanha pelas tribos. “Por exemplo os Nahua, no Perú, sofreram mais de 50% de mortes nos anos 1980 a seguir ao contacto. ”Além das doenças, houve vários casos em que membros da tribo acabaram escravizados, fosse em tempos mais antigos por piratas malaios, birmaneses ou chineses ou, mais tarde, por colonialistas britânicos no caso das ilhas Andamão, fosse por colonialistas portugueses ou exploradores de borracha no caso da Amazónia. A informação sobre o perigo será passada oralmente de geração em geração. O caso de John Allen Chau trouxe para a ribalta um frágil antropólogo indiano, T. N. Pandit, que tem sido ouvido por vários jornalistas em Bombaim. Pandit foi o líder de uma missão que, em 1991, conseguiu contacto amigável com a tribo sentinela em Andamão – a única. Pausadamente, Pandit conta como foram precisos anos e anos de aproximações, sublinhando que estas foram sempre feitas nos termos da tribo. Os seus membros sinalizavam desagrado quando não queriam mais proximidade, mas não agressividade, sublinha. Por exemplo, aproximaram-se sem armas dos visitantes para receber cocos (que não existem na ilha) mas sempre dentro de água. Os sentinelas não quiseram que os antropólogos chegassem a terra, e estes não tentaram. Desde então, a Índia desistiu destas missões e estabeleceu uma política de não-contacto, e a tribo manteve-se isolada. Em 2006, dois pescadores aproximaram-se demasiado e pernoitaram no barco ao largo da ilha – foram mortos pelos membros da tribo. Desde então criou-se, e repete-se, um mito de que os membros da tribo teriam deixado os corpos dos pescadores em paus de bambu para serem vistos. Sophie Grig, especialista nas ilhas Andamão da ONG Survival International, disse ao PÚBLICO por email que nunca teve confirmação deste acontecimento e que este é, provavelmente um de “muitos mitos estranhos e histórias sobre estas tribos, como que os jarawa têm saliva venenosa, o que é obviamente um disparate”. Um piloto de helicóptero que liderou na altura uma expedição para tentar recuperar os corpos dos pescadores também não relatou nada do género. Pravin Gaur foi recentemente entrevistado sobre esta tentativa: conta que aterrou na ilha e passado um pouco a tripulação de quatro pessoas ficou sob ataque dos membros da tribo. Ainda conseguiram ver os corpos dos pescadores enterrados mas não os conseguiram recuperar. Quanto ao número de indígenas que viu, o piloto não conseguiu ser muito exacto (actualmente não se sabe quantos membros terá a tribo, as estimativas variam muito): “Talvez mais de cem”, disse Gaur. “Não conseguir contar, não se consegue contar quando se está numa situação daquelas a tentar salvar as vidas das pessoas [da equipa]”. As autoridades indianas ainda não comunicaram se desistiram de tentar recuperar o corpo do missionário morto em Novembro. Uma pequena missão de reconhecimento deparou logo com membros da tribo alerta na praia. Uma carta aberta de uma série de antropólogos pediu que não fossem levadas a cabo missões violentas. Pandit não vai tão longe, mas aconselha prudência, uma pequena missão com presentes, uma tentativa suave. Se não resultar, então, não aconselha insistência. Pandit tem ainda a experiência de uma tribo próxima dos sentinelas que depois de anos de recusa de contacto, resolveu aproximar-se. O que aconteceu aos jarawas foi que acabaram por, apesar de serem alvo de algumas protecções e terem terreno para si, se tornaram uma atracção turística para “safaris humanos”. Vivem numa ilha maior onde o seu território é atravessado por uma estrada, e essa estrada tem filas, todos os dias, de turistas que os querem vislumbrar. Além disso, disputam os recursos locais com os outros habitantes, o seu número tem vindo a diminuir. Susana Matos Viegas nota que “no Peru há mesmo uma expressão que define o não querer contacto”, e sublinha: “Estas tribos têm meios se quiserem ser contactadas. ” Elas sabem que há mundo além da sua terra: vêem os navios e os aviões, usarão aliás metal que encontram vindos de destroços nas suas setas, por exemplo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há duas maneiras perigosas de ver estas tribos, diz Susana Matos Viegas: uma negativa, em que são consideradas como mais primitivas (e nós melhores e mais desenvolvidos), e outra a de uma nostalgia romântica, em que são idealizadas como algo puro, que só interessa enquanto se mantiver assim. Poderá ser também isso que deixa os turistas encantados, diz a antropóloga. De qualquer modo, “ambas as ideias são perigosas e cegam-nos à grande variedade humana. ”Apesar do seu isolamento e de não dependerem do mundo capitalista, estas tribos “vivem no mesmo mundo que nós e são susceptíveis a mudanças como as alterações climáticas, que têm obrigado a adaptações e mudanças mesmo em comunidades com um modo de vida muito tradicional”, sublinha.
REFERÊNCIAS:
O Borda d’Água faz 90 anos e ainda ajuda vendedores a pagar a renda
Diz quem compra que a previsão de chuva “bate quase sempre certo”. O “verdadeiro almanaque” com repertório “útil a toda a gente” é feito na editorial Minerva, em Lisboa. Criado para agricultores, é hoje lido por vários tipos de leitores. A Lua é o grande farol desta publicação vendida por muitos que andam a pedir na rua. (...)

O Borda d’Água faz 90 anos e ainda ajuda vendedores a pagar a renda
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Diz quem compra que a previsão de chuva “bate quase sempre certo”. O “verdadeiro almanaque” com repertório “útil a toda a gente” é feito na editorial Minerva, em Lisboa. Criado para agricultores, é hoje lido por vários tipos de leitores. A Lua é o grande farol desta publicação vendida por muitos que andam a pedir na rua.
TEXTO: Pode ou não vender o Borda d’Água, mas António da Silva, 61 anos, consegue sempre receber algumas moedas. Vésperas de Natal, compraram-lhe apenas dois exemplares – 2, 30 euros cada, só metade é que foi lucro. Em esmolas conseguiu bem mais: entre 20 e 30 euros. “Há pessoas que não querem comprar, mas dão [dinheiro]; há outras que dão cinco euros para comprar, outras que não querem o troco”, conta no dia a seguir ao Natal, à porta da estação de comboios em Sete Rios. Coxeando, António Silva, reformado pensionista, ex-servente de pedreiro, precisa de canadianas por causa de um acidente de trabalho: há anos o eixo de uma grua tombou para cima dele, conta-nos, enquanto sobe umas escadas com dificuldades. Hoje circula pelas carruagens do metro de Lisboa com os Borda d’Água numa mala ao peito, a apregoar: “Ajudem-me por favor, um cêntimo que seja, mesmo que não queiram comprar nada. Ao menos um bocadinho de pão que seja. ” Diz sobre o almanaque: “Mercado, jardinagem, marés”. Em 2019, o Borda d’Água faz 90 anos. Ainda hoje ajuda a pagar rendas. António da Silva vive no Bairro Alentejano, em Penalva, e dia sim, dia não vem a Lisboa, para vender “o verdadeiro almanaque” como está escrito na capa. Assim complementa a sua reforma. Se fica parado, por exemplo, não consegue mais do que uma ou duas moedas; é por isso que, apesar das dificuldades de locomoção, escolhe circular de carruagem em carruagem, até ao Rossio, passando nas linhas azul, verde e azul. A venda e peditório não funcionam em todas as linhas: a vermelha, que vai para o aeroporto, não costuma ter gente que o ajude, “é mais estrangeiros”. “É um repertório único de interesse geral”, apregoa de novo para os potenciais clientes do Borda d’Água ouvirem. “Traz tudo sobre signos, jardinagem, agricultura, marés, contém todo o repertório de interesse geral, do astronómico ao religioso. ”Sentada num banco dentro do metro, Ilda Neto chama António Silva, passa-lhe moedas, pede o almanaque. Assistente operacional na ilha da Madeira, gosta do Borda d’Água por causa das indicações para a horta que tem em casa onde cultiva milho, feijão, cana-de-açúcar. Compra o Borda d’Água para saber quando pode preparar a terra para o milho ou a batata. “Venho ver as luas. Faz diferença. Depende do que a gente planta”, comenta. Na porta de vidro da loja de Rohit Himatlal, no Martim Moniz, está colada a primeira página do Borda d’Água. O dono chama-lhe um mini-hipermercado. É aqui, onde se vendem desde utensílios de cozinha a perfumes, de pastilhas elásticas a produtos para o cabelo ou fita-colas, que António Silva vem buscar os seus exemplares para vender na rua. Há 18 anos que esta drogaria de revenda e venda ao público distribuiu o Borda D’Água. “Havia muito vendedor de rua do Rossio que se abastecia aqui de coisas pequenas. O Borda D’Água era muito pedido”, conta Rohit Himatlal, 48 anos, português de origem indiana nascido em Moçambique. Quando começou a distribuir o almanaque, Rohit Himatlal não tinha percebido que se vendia tanto. Chega a haver alturas em que se torna o produto da sua loja com mais saída – por exemplo, próximo da feira da Golegã “vende-se bastante, porque apanha muito agricultor”. Estamos a falar de vendas de 25 a 30 mil exemplares num ano. Dias para plantar, o horóscopo, as horas do pôr-do-sol, as fases das Lua: é isto que as pessoas procuram no almanaque, comenta. Muitos também compram porque os pais já o faziam, torna-se tradição, continua o vendedor. Também há a “nova tendência de as pessoas fazerem as hortas” nos seus quintais em Lisboa e o almanaque é útil para isso. A vantagem é que “não é um jornal, não se deita fora, fica lá para memória futura”, comenta. Mais do que venda directa do almanaque, a drogaria de Rohit Himatlal funciona sobretudo como ponto de distribuição. Vende para quiosques ou papelarias. Marina Antunes, 58 anos, é uma das compradoras. Está sentada em frente ao seu quiosque nos Restauradores onde se empilham livros antigos, cromos, calendários dos vários clubes de futebol e de animais, mapas, livros aos quadradinhos, lenços de papel e o Borda d’Água. Passam vários turistas, mas poucos param. “A minha mãe já vendia. Começou do chão, depois em tabuleiros e depois no quiosque. ”É caso para dizer que Marina Antunes está no negócio desde que nasceu. “Só tive três dias em casa, vinha todos os dias para a venda com a minha mãe”, conta. Fez a quarta classe e seguiu depois as pisadas da mãe na rua. As coisas amontoam-se desordenadas dentro do quiosque, algumas publicações são visivelmente antigas. Ela, doente, lamenta não conseguir ter as coisas arrumadas. O negócio do quiosque está em declínio, mas dá para ir sobrevivendo. “O Borda d’Água foi sempre o mesmo, foi sempre vendável. A maioria das pessoas que compram são as pessoas antigas. Já se vendeu mais, mas vende-se na mesma”. Marina Antunes também é leitora e garante que é uma “mais-valia” para tudo. “Se chove ou não, bate quase sempre certo. ”Narcisa Fernandes, a editora e directora do Borda d’Água, sabe que a venda do almanaque ajuda muitas pessoas. Inclusive ajuda alguns a pagar a renda, comenta, na Rua da Alegria, onde o almanaque é impresso, dobrado e empilhado moda antiga, com cordéis. As receitas correspondem a uma grande fatia do lucro da Editorial Minerva - pode mesmo dizer-se que também ajuda a editora a sobreviver. Criado para agricultores, o Borda d’Água é hoje lido por vários tipos de leitores, explica a directora. Hoje pode não ter tiragens de 350 mil exemplares como um dia chegou a ter, mas não deixa de ser menos popular - agora são cerca de 270 mil. “Ainda não temos as máquinas [a imprimir] e já nos estão a telefonar”, comenta. De Julho e até Dezembro são os meses em que vende mais. A partir do Carnaval, as vendas caem. Na capa do Borda d’Água há um senhor com um chapéu, óculos, bengala e fraque. Um detalhe: a ferradura vermelha distingue o original dos falsos, explica Narcisa Fernandes, que está na Editorial Minerva há 52 anos, ou seja, desde os 14. Tem havido muita contrafacção com fotocópias. “Já perdi a conta dos processos em Tribunal”, comenta. “Agora ponho uma cor por trás [uma bola a simbolizar a Lua cheia] que é difícil de fotocopiar. ”A directora começou como aprendiz, a carimbar os Borda d’Água, acompanhando Artur Augusto Campos, que esteve à frente do Borda d’Água durante cerca de 40 anos. Ela ia batendo à máquina e fazendo as correcções. Foi ela quem decidiu por à frente do almanaque uma mulher em 2008. Há quatro anos assumiria a edição. “Tem dado certo. O meu receio era nas previsões do tempo. Em 2018 disse que o ano ia correr como antigamente e o que é certo é que este ano tivemos Primavera, Verão, Outono e agora o Inverno. ”Para 2019, prevê que o ano será parecido com 2018, isto pelas “contas que fez com as fases da Lua” e com os sete dias da semana. A fórmula para calcular a meteorologia? “É segredo. ”Mas comenta: “A nossa vida é uma bola. Se formos ver o passado e o tempo se calhar vamos encontrar novamente as mesmas coisas. ”As previsões do Borda d’Água dão um 2019 auspicioso. O “Juízo do Ano”, texto que vem sempre na contracapa, diz que vai ser o planeta Marte a reger o início de 2019, e isso quer dizer que estarão presentes “sentimentos competitivos e de conquista”. No horóscopo chinês, o ano pertence ao Porco, ou seja, chega ao fim um ciclo de 12 signos daquele zodíaco e por isso espera-se um “ano feliz”. Será também o Ano Internacional das Línguas Indígenas e o Ano Internacional da Moderação. A 1 de Janeiro o Sol nasce às 7h55 em Lisboa e no Porto cinco minutos depois. Aumentam os dias naquele mês em 43 minutos - se for Lisboa - e em 47 minutos - se for no Porto. O ditado deste primeiro mês é “em Janeiro: sete casacos e um sombreiro”. Ficamos também a saber que faltam por “vencer” 334 dias até final do ano quando o mês chegar ao fim. Que a 21 vai estar frio, e é noite de Lua cheia. Se tiver uma horta pode semear couve, repolho e rabanete ou então alface. Em Janeiro, não haverá chuva segundo aquele almanaque, tirando dia 14 e dia 27. Mas se por acaso nevar no mês seguinte, em Fevereiro, “não faz bom celeiro”. Abrindo uma folha ao acaso, sai “Setembro molhado: figo estragado”. Os dias diminuem 1h12 em Lisboa e no Porto 1h18. Na horta é de semear agrião, cenoura, chicória, feijão, nabo, é plantar com as primeiras chuvas morangueiros e regar até pegarem, aconselha. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Criado sobretudo para os agricultores, o Borda d’Água tem como grande farol a Lua, explica a directora Narcisa Fernandes. O quarto crescente e o quarto minguante são as duas fases importantes para a agricultura. Cortar madeira é no quarto minguante. Se quer que algo cresça, planta no quarto crescente. Já as tabelas sobre eclipses que aparecem nas últimas folhas, por exemplo, são fornecidas pelo Observatório Astronómico de Lisboa: em 2019 haverá três eclipses do Sol e dois da Lua. Os oráculos que Narcisa Fernandes escreve são uma combinação do tradicional e do novo, o que diziam antigamente sobre os signos e o que dizem agora, conta. É também ela quem escolhe os ditados. Agora que estamos a chegar ao fim do ano, lembramos : “Em Dezembro descansar, para em Janeiro trabalhar”.
REFERÊNCIAS:
A comichão faz comichão aos cientistas
Em menos de um mês, três equipas de cientistas publicaram estudos sobre a comichão e a vontade de coçar. Desde uma revisão das causas da comichão crónica à identificação de um grupo de neurónios que tem um papel importante neste ciclo, passando ainda por uma possível forma de travar a comichão usando a luz. (...)

A comichão faz comichão aos cientistas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em menos de um mês, três equipas de cientistas publicaram estudos sobre a comichão e a vontade de coçar. Desde uma revisão das causas da comichão crónica à identificação de um grupo de neurónios que tem um papel importante neste ciclo, passando ainda por uma possível forma de travar a comichão usando a luz.
TEXTO: Para a maioria das pessoas não há um grande mistério na comichão e na vontade de nos coçarmos. É simples: se sentimos comichão, coçamos e a comichão passa. Mas o tema é bem mais complexo. Os cientistas têm tentado esclarecer os diversos mecanismos que são activados na incómoda comichão, principalmente na sua versão crónica associada a algumas patologias da pele. Prova do interesse por este assunto é que, em menos de um mês, houve três estudos publicados em revistas científicas sobre a comichão. Acreditem ou não mas existe uma unidade de investigação chamada Centro para o Estudo da Comichão, criada em 2011 na Universidade de Washington, nos EUA. Os investigadores deste centro publicaram recentemente um artigo sobre a “biologia do ciclo comichão-coçar”, que apresenta uma revisão das causas conhecidas para a comichão crónica. Não são os únicos interessados no tema. Uma equipa de investigadores financiados pela Fundação Nacional de Ciência Natural da China também publicou um artigo este mês na revista Neuron, do grupo Cell, que nos mostra alguns detalhes sobre como o cérebro nos diz para coçar o que nos faz comichão. Por fim, foi publicado ainda um terceiro trabalho sobre o mesmo assunto e, desta vez, os cientistas do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL, na sigla em inglês) colocaram o foco numa possível forma de travar a comichão usando a luz. A universal e incómoda comichão é uma questão bem mais complicada do que pode parecer à primeira vista. Logo para começar, há múltiplas causas como, por exemplo, reacções alérgicas a produtos químicos irritantes ou a parasitas, ou doenças de pele (como a dermatite atópica). Se, por um lado, estamos perante um instinto de protecção contra um agente invasor – coçamo-nos para afastar a ameaça e limpar a pele – por outro lado, o facto de nos coçarmos também pode tornar-se em si mesmo um problema. Isso acontece quando nos coçamos ao ponto de nos agredirmos. O irritante ciclo quando estamos perante uma comichão crónica “pode prejudicar significativamente a qualidade de vida e levar a sérios danos na pele e nos tecidos”, avisam os investigadores que tentaram perceber como é que o cérebro nos dá a ordem de coçar uma comichão. “Ainda não existe um tratamento para a comichão crónica, o que em grande parte se deve ao nosso conhecimento limitado sobre o mecanismo neuronal da comichão”, diz Yan-Gang Sun, investigador da Academia Chinesa de Ciências e um dos autores do artigo publicado na revista Neuron, num comunicado de imprensa sobre o seu trabalho. “O nosso estudo fornece um ponto de partida para decifrar como a comichão é processada e modulada no cérebro. Isto acabará por levar à identificação de novos alvos terapêuticos. ”Estudos recentes já tinham identificado subtipos específicos de neurónios no circuito da medula espinhal associados à comichão. Mas ainda pouco se sabe sobre as regiões do cérebro envolvidas no processamento desta sensação. Yan-Gang Sun e sua equipa suspeitaram de que a substância cinzenta periaqueductal (ou substância cinzenta central) poderia estar envolvida neste ciclo da sensação de comichão e do acto de coçar. Porquê? Esta região cerebral, explicam os investigadores, tem um papel crítico e bem conhecido no processamento de outras informações sensoriais relacionadas, como a dor. Como veremos mais à frente com os resultados dos outros estudos, a comichão e a dor têm mais pontos em comum. No estudo em ratinhos, os investigadores confirmaram que a actividade de um pequeno subconjunto de neurónios, localizados nesta região do cérebro, acompanha o comportamento de coçar evocado pela comichão. Como é que foi possível chegar a essa conclusão? Os animais foram induzidos a coçar-se através de injecções de histamina (substância produzida pela nosso organismo para resposta imunitária) ou de um fármaco usado no tratamento da malária chamado cloroquina. Nas experiências, os investigadores vigiaram a actividade de um conjunto específico de neurónios que produz determinados neurotransmissores, um chamado glutamato e um neuropeptídeo chamado taquicinina 1 (Tac1). Quando os investigadores desactivaram os neurónios que expressam a Tac1, o coçar induzido pela comichão diminuiu significativamente. Em contraste, a estimulação desse mesmo grupo de neurónios desencadeou o comportamento espontâneo de coçar, mesmo sem histamina ou cloroquina, activando ainda os neurónios do circuito da medula espinhal que tinham sido identificados em estudos anteriores. No comunicado de imprensa do grupo Cell, Yan-Gang Sun reconhece que se sabe muito pouco sobre a evolução deste circuito, apesar da sua importância para a sobrevivência dos animais. “A sensação de comichão desempenha um papel fundamental na detecção de substâncias nocivas, especialmente aquelas que estão ligadas à pele”, lembra o cientista que adianta ainda que, em alguns casos, a lesão causada por coçar-se pode desencadear respostas imunitárias que, por sua vez, podem ajudar a combater as substâncias invasoras. O próximo passo deste trabalho será investigar quais as moléculas neste grupo de neurónios cinzentos periaqueductais (que expressam a Tac1) que podem ser alvo de fármacos. A equipa vai também procurar outros pontos de ligação a esta sensação na complexa rede do cérebro. “Estes estudos vão ajudar a desenvolver novas abordagens ou novos medicamentos para o tratamento de doentes com comichão crónica”, conclui Yan-Gang Sun. O estudo em ratinhos dos investigadores do EMBL também é dedicado às pessoas que sofrem de prurido persistente. “A comichão é seguramente uma das sensações mais irritantes. Para doenças de pele crónicas como o eczema, é também um sintoma importante. Embora garanta algum alívio temporário, coçar só piora as coisas, pois pode causar danos na pele, inflamação adicional e até mais comichão”, começam por justificar os autores do trabalho publicado na revista Nature Biomedical Engineering. O título do comunicado do EMBL é esclarecedor: “Usar a luz para travar a comichão”. Linda Nocchi, Paul Heppenstall e outros membros da equipa de Roma do EMBL desenvolveram uma substância química sensível à luz que se liga apenas às células nervosas que estão na superfície da pele e que normalmente detectam a comichão. “O efeito do tratamento pode durar vários meses. E os outros tipos de células que existem na pele – que transmitem outras sensações como dor específica, vibração, calor ou frio – não são afectados pelo tratamento com luz”, referem no comunicado. Nas experiências, aquele método mostrou bons resultados em ratinhos com eczema (dermatite atópica), e com uma doença de pele genética e rara chamada amiloidose. “A parte mais emocionante deste projecto foi ver as melhorias na saúde dos animais”, diz Linda Nocchi, primeira autora do estudo, que participou num outro trabalho que já tinha usado um método semelhante para controlo da dor através da luz. Por seu lado, Paul Heppenstall espera que, um dia, o método desenvolvido “seja capaz de ajudar os seres humanos que sofrem de uma doença como o eczema”. Para já, sabe-se que os ratinhos e os humanos partilham a mesma molécula-alvo para esta terapia da comichão crónica: uma proteína chamada interleucina 31 (IL-31). Um dos próximos passos será assim testar a terapia da luz em tecidos humanos. Por fim, há ainda o artigo do Centro de Estudo da Comichão, publicado na revista Trends in Immunology, também do grupo Cell. “Podemos pensar que as nossas respostas imunitárias terminam no sistema imunitário. Mas o ciclo comichão-arranhão liga o sistema imunitário com todo o corpo, interagindo com o comportamento e o ambiente também”, refere Brian Kim, dermatologista e imunologista da Escola de Medicina da Universidade de Washington e um dos autores do artigo que quis fazer uma revisão das causas conhecidas para a comichão crónica. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mais uma vez, os especialistas sublinham que o problema não é tão trivial como pode parecer à primeira vista. “Num distúrbio como o eczema, um problema que faz com que a pele seque, a irritação é constante. Infelizmente, coçar-se apenas exacerba a comichão. ” Ou, como diz a sabedoria popular, “no comer e no coçar o mal está em começar”. A coagulação em resposta à irritação da pele danifica as células mais externas, libertando proteínas de sinalização, como as citocinas, que activam os neurónios sensíveis à comichão na pele, explicam os cientistas, acrescentando que esses neurónios produzem, por sua vez, sinais que desencadeiam inflamações e arranhões. E, de novo, a relação próxima com a dor. “Acredita-se que algumas vias sensoriais de comichão e dor se sobreponham no sistema nervoso”, refere o comunicado de imprensa. O laboratório de Brian Kim dedica-se especificamente ao estudo das moléculas que poderiam ser os melhores alvos para terapias do prurido crónico. “As citocinas são alvos óptimos, mas não sabemos realmente se são os melhores alvos”, diz o investigador que também está a investigar se um equivalente do ciclo comichão-coçar no sistema imunitário pode estar por trás dos distúrbios intestinais causados pela inflamação dos intestinos. Quem diria que a comichão era um assunto tão complexo?
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
"Não compre este carro" – a nova abordagem da indústria automóvel
Fabricantes apostam nas subscrições. Chegam a clientes que não querem ser donos e eliminam intermediários. Volvo introduz modelo em Portugal em 2020. (...)

"Não compre este carro" – a nova abordagem da indústria automóvel
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Fabricantes apostam nas subscrições. Chegam a clientes que não querem ser donos e eliminam intermediários. Volvo introduz modelo em Portugal em 2020.
TEXTO: A publicidade dos fabricantes de automóveis já não é o que era. Nos anos 80, ainda exaltavam as características dos carros. Nas décadas seguintes, apostaram nos valores da marca e como estes se alinham com estilos de vida. Até que chegou 2018, com uma nova abordagem: se gosta deste carro, não o compre. Subscreva-o. Foi com esta mensagem que a Volvo começou a promover em Outubro o programa Care by Volvo na Alemanha. A marca quer colocar os carros que produz directamente na mão do cliente, que paga um valor mensal fixo (a “subscrição”) em vez de comprar o veículo. O pagamento mensal cobre uma série de despesas, num modelo de negócio em tudo semelhante ao que praticam empresas de outros sectores como o Netflix ou Spotify. “Queremos que, em 2025, metade dos carros da Volvo seja entregue por subscrição”, afirma o chief digital officer (CDO) deste construtor, Atif Rafiq, em entrevista ao PÚBLICO. “É uma meta bastante ambiciosa e por isso estamos a dar passos bastante grandes”, acrescenta este gestor da Volvo, que vendeu 526 mil carros entre Janeiro e Outubro de 2018, cerca de 50% dos quais na Europa, o maior mercado. Depois de um teste nos EUA, onde “foi muito bem recebido” segundo garante Rafiq, o programa foi introduzido em diversos países europeus, incluindo Reino Unido e Espanha. Deve chegar ao mercado português em 2020, disse fonte da marca em Portugal ao PÚBLICO. Para um Volvo XC40, em Espanha, a subscrição começa nos 466 euros mensais. Na Alemanha, começa nos 498 euros, segundo a mesma fonte da Volvo Portugal. No Reino Unido, custa 532 libras (590 euros ao câmbio actual). Todos os preços referem-se àquele modelo, na configuração e com as opções mais baratas. Ou seja, contrato por três anos e limite de 15 mil quilómetros por ano. O período mínimo de subscrição é de dois anos. A mensalidade cobre impostos, seguros, assistência, manutenção e mais um conjunto de serviços que variam de mercado para mercado mas que podem incluir desde pneus de Inverno à renovação da carta de condução ou levantamento e entrega do veículo em casa após passagem pelas oficinas. Ao fim do primeiro ano, o cliente pode trocar de carro, fazendo uma nova subscrição de dois anos. Toda a gestão é feita a partir de uma app. O CEO da Volvo acredita mesmo que o modelo de subscrições vai “ajudar a construir relações mais fortes com os consumidores” – traduzindo por miúdos, a Volvo vai saber quem é o cliente - porque pode eliminar intermediários - e vai acumular muito mais dados para o seu perfil, graças à digitalização. A Volvo não está sozinha nesta aposta. A Ford vende subscrições em São Francisco e Los Angeles, a partir dos 405 dólares (mais impostos) por mês. A Porsche lançou o Porsche Passport, com preços a partir de 2000 dólares mensais. A Cadillac (do grupo General Motors) tinha uma experiência semelhante, Book by Cadillac, en Los Angeles, Dallas e Nova Iorque, para modelos premium. Mas o insucesso desta abordagem levou a GM a cancelar o programa, que tinha uma mensalidade de 1800 dólares. Tinha sido lançado em Março de 2017, abrindo um caminho que nenhum fabricante tinha desbravado ainda. O seu fim chegou a 1 de Dezembro. Razão? O serviço era mais caro do que a Cadillac esperava. A BMW também está a testar o Access by BMW. Como outros programas, é ainda uma experiência-piloto, só aplicável em Nashville, EUA. Os preços vão dos 1099 dólares mensais aos 2700 dólares. A Mercedes, por seu lado, está a testar desde Junho, em Nashville e Filadélfia, o programa Collection. Também funciona por subscrição, apenas para “modelos de luxo”, com preços a começar nos 1095 dólares, segundo uma simulação feita pelo PÚBLICO. Este programa não existe noutros mercados, de acordo com fonte da Mercedes Portugal contactada pelo PÚBLICO. O cenário actual sugere duas coisas: que os fabricantes vêem o centenário modelo de negócio "vende-e-repara" ameaçado pelas novas empresas globais de partilha de transporte e mobilidade eléctrica; e que o modelo de subscrição ainda está numa fase muito inicial, com experiências geograficamente circunscritas. A Hyundai, por exemplo, tinha começado um programa do género (Hyundai Ioniq Electric Unlimited+) para um modelo eléctrico, mas voltou atrás, prometendo relançar as subscrições num novo programa melhorado. O que difere este modelo de subscrição de um renting? E justifica-se, em termos financeiros, face a alternativas como a compra a crédito, o leasing ou o aluguer de longa duração (que pressupõe a aquisição do carro no fim do aluguer). Em relação ao crédito para compra e ao leasing, as diferenças do modelo de subscrições começam logo na propriedade do carro que, na nova opção de negócio, fica sempre nas mãos da marca. Face ao leasing, a diferença essencial é que este não cobre os custos incluídos na subscrição mensal (impostos, seguros, assistência, manutenção). No fim do contrato de locação, pressupõe-se ainda a aquisição do carro pelo valor residual que é fixado e dado a conhecer ao cliente no início do contrato. As contas têm de ser feitas com cuidado – e como o modelo ainda não chegou a Portugal, é difícil fazer uma comparação fiável. Mas para se ficar com uma ideia das diferenças, o PÚBLICO contactou uma locadora que trabalha em Portugal e pediu uma simulação para um contrato de renting. A simulação envolve um Volvo XC40 com motor 1. 5 a gasolina com 156 cavalos, também disponível no Care by Volvo. Num contrato de renting a 24 meses, sem opção de compra no final, a mensalidade é de 645, 07 euros, mais do que os 568 euros anunciados no programa da Volvo para Espanha. Porém, a simulação do renting cobre muitos dos mesmos serviços (como impostos, seguro, manutenção e pneus) e permite mais quilometragem: 20 mil por ano, contra apenas 15 mil no programa da Volvo. Aumentar de 15 mil para 20 mil (o máximo previsto no site da marca) eleva o custo mensal para 580 euros, aproximando a mensalidade do valor mensal fornecido na simulação solicitada pelo PÚBLICO. E se for 25 mil quilómetros por ano, a Volvo cobraria em Espanha 610 euros por mês. Se a opção em Portugal for um renting a 36 meses, sem aquisição da viatura no final, a mensalidade fica em 605 euros, contra 487 euros propostos pela Volvo em Espanha, com o mesmo limite de quilometragem (20 mil/ano). Para o mercado norte-americano, o site cars. com fez as contas no Verão e chegou à conclusão de que os programas de subscrição então existentes não são alternativas convincentes ao leasing ou renting. “Os primeiros sinais são óptimos”, diz Atif Rafiq, pensando nos resultados: em quatro meses de vigência nos EUA cumpriram-se as projecções feitas para um ano inteiro. Agora, há uma lista de espera pelos XC40. E para os concessionários, esta abordagem ao mercado cria “ansiedades”, porque perdem receitas, além de verem o cliente a dirigir-se directamente à marca. “Começámos nos EUA, onde disponibilizámos milhares de carros neste programa. Noventa por cento dos clientes são novos na Volvo, por isso consideramo-los conquistas”, continua o CDO da Volvo, alegando que este modelo de subscrição “é mais consistente com a forma como as pessoas hoje olham para certos bens”. Dá o exemplo dos telemóveis, exalta as capacidades do XC40 para atrair “os millennials” e argumenta que é o modelo certo para chegar a outras faixas de consumidores. “Em termos demográficos, estes novos clientes são em média dez anos mais jovens do que o nosso cliente habitual, que tem em média 50 anos”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Estamos a chegar àquelas pessoas que querem conveniência em todos os aspectos da vida delas, incluindo na forma de terem um carro em mãos”, sustenta o mesmo responsável que, antes de chegar à marca sueca (comprada por chineses em 2010), trabalhou na Amazon, na Yahoo, na AOL e tutelou a pasta do digital na McDonald’s. “Passa-se a encarar o carro como um dispositivo”, prossegue, insistindo na ideia de que este é o caminho para quem acha que ser dono de um carro deixou de fazer sentido. Há outros exemplos. Muitas marcas, como a VW, a Mercedes ou a PSA (Peugeot-Citroën), têm programas de car sharing. É outro modelo de negócio alavancado nas aplicações móveis, que também passa a mensagem de que não é preciso comprar um carro e que é dirigido aos que não querem ser proprietários. Atif Rafiq salienta que o mundo está a encarar os carros de outra forma. “Olhamos para o carro como um dispositivo, como qualquer outro, como um telemóvel”, anota. “Há novo hardware e software a sair a cada dois anos. A subscrição é a melhor maneira de beneficiar dessas actualizações. A cada ano ou dois anos podemos renovar o contrato, ou mudar de carro, porque não se fica agarrado a nada. ”
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Entidades EUA
Em 2019 os andróides não vão sonhar
Estamos a chegar ao ano negro do icónico Blade Runner. O mundo não é igual ao do filme – mas há semelhanças. Quer saber onde a ficção esteve perto de ser tornar realidade? (...)

Em 2019 os andróides não vão sonhar
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181231180056/http://publico.pt/1856169
SUMÁRIO: Estamos a chegar ao ano negro do icónico Blade Runner. O mundo não é igual ao do filme – mas há semelhanças. Quer saber onde a ficção esteve perto de ser tornar realidade?
TEXTO: Em 2019, um detective faz uma perseguição a tiro pelas ruas escuras e permanentemente chuvosas de Los Angeles. Dispara a primeira vez e falha. Dispara outra vez e acerta na fugitiva, uma mulher que trabalhava como dançarina num bar. Ensanguentada, e seminua por baixo de um impermeável transparente, a mulher continua a correr. Na fuga desenfreada atravessa montras e portas de vidro. Cai morta dois tiros depois, num chão coberto de estilhaços cortantes. A polícia chega de imediato. A mulher não era humana. O corpo estendido era resultado de uma invenção genética. A missão do detective era abatê-la e o incidente não era digno de grande registo, apesar de a “mulher” – como acontecia com os outros modelos mais avançados da sua espécie – ser capaz de sentir emoção, medo, dor e empatia. O homem regressou ao seu carro voador e foi comer numa banca de rua. Naquela cena do filme Blade Runner, Zhora é um andróide criado em laboratório à semelhança dos humanos e concebido para o tipo de tarefas que estes não querem fazer. O trabalho de Rick Deckard é matar quatro replicantes que fugiram de uma colónia espacial e regressaram à Terra com um propósito desconhecido. O filme, uma adaptação de um livro de Philip K. Dick, desenrola-se num 2019 ficcionado há muitos anos. Estamos prestes a entrar no verdadeiro 2019 rodeados de máquinas cada vez mais inteligentes e capazes de alguns comportamentos autónomos. O telemóvel sabe onde estamos e dá dicas úteis mesmo sem lhe perguntarmos nada. Os algoritmos de empresas como o Google e o Facebook antecipam e condicionam comportamentos – em alguns casos, conhecem-nos a fundo. Discutimos quem deve ser sacrificado pelos carros que se conduzem sozinhos em caso de acidente. Debatemos os impactos da inteligência artificial no trabalho e quão dispensáveis se tornarão alguns humanos. Armas robóticas, como as que vigiam a fronteira entre as Coreias, trazem dúvidas sobre quem está a matar no momento em que a bala é disparada. E chegamos a este novo ano com a notícia ainda fresca de que um cientista chinês manipulou embriões geneticamente. Apesar do ritmo do desenvolvimento científico e tecnológico, o 2019 de Blade Runner, com os seus replicantes de poderes sobre-humanos, as colónias espaciais e os carros voadores, está longe do 2019 do mundo real. Em alguns casos, é muito mais sofisticado. Noutros, e como muitas vezes acontece na ficção científica, o filme imagina uma realidade menos tecnológica do que aquela em que boa parte das pessoas hoje habita. Blade Runner chegou aos cinemas em 1982, pela mão do realizador Ridley Scott, que dois anos mais tarde assinou um famoso anúncio publicitário da Apple ao primeiro computador Macintosh. Naqueles anos, começava a revolução dos computadores pessoais. Os avanços da Apple, da IBM e da Microsoft haveriam de colocar uma destas máquinas em cada secretária. Mesmo naquela altura, e excepção feita a alguns entusiastas como Bill Gates e Steve Jobs, já não seria fácil antecipar a explosão de computação que se seguiu. O mundo do filme, porém, foi imaginado muito antes. Remonta ao tempo em que os computadores eram máquinas do tamanho de grandes armários, usadas em algumas universidades, empresas e ocasionais organismos públicos. Blade Runner é uma adaptação do livro Do Androids Dream of Electric Sheep?, de Philip K. Dick ("Será que os andróides sonham com ovelhas eléctricas?"). Foi publicado em 1968. Naquelas páginas, a narrativa distópica numa Los Angeles pós-nuclear passava-se em 1992. Como muita da ficção científica escrita em torno da era de ouro da exploração espacial (Neil Armstrong pisou a Lua em 1969), Do Androids Dream With Electric Sheep? (tal como Blade Runner) mostra-se muito mais confiante no desenvolvimento das viagens no espaço e da robótica do que no avanço das tecnologias de comunicação e informação. Se Philip K. Dick tivesse acertado, a Humanidade estaria hoje espalhada por colónias noutros planetas e à procura de uma cabine telefónica quando quisesse falar com alguém. E continuaríamos todos a fumar dentro de escritórios com a naturalidade de quem toma um café. Quanto aos carros voadores de Blade Runner, há sinais de que podem vir a ser realidade. A Uber tem planos para pôr a voar uma espécie de helicópteros que eventualmente acabarão por fazer as viagens sem piloto humano. Também já existem alguns “carros voadores”, um misto de automóvel e avioneta – mas são diversões para excêntricos com fortuna e não veículos produzidos em massa. No Dubai, já foram testados uma espécie de drones capazes de transportar passageiros e foi até feita uma demonstração de uma moto voadora para equipar a polícia. São ainda experiências. Não vale a pena procurar demasiado em Blade Runner visões prescientes do quotidiano hiperconectado e digital em que hoje vivemos. Há uma cena em que Deckard (interpretado por Harrison Ford) pega em fotografias em papel e as coloca dentro de um aparelho semelhante a um pequeno televisor. Numa coisa essa cena acertou: o detective dá comandos de voz ao aparelho, antecipando uma das mais recentes apostas da indústria tecnológica, que tem invadido o mercado com assistentes digitais e colunas inteligentes, como a Echo, da Amazon, e a Home, do Google. Numa outra cena, o detective faz uma chamada de vídeo com Rachel, uma replicante a quem foram implantadas memórias humanas e com quem Deckard desenvolve uma relação amorosa. Mas o ecrã está embutido numa parede. Não há nada naquelas cenas nada que se assemelhe sequer a um telemóvel dos anos 1990, quanto mais a um smartphone moderno. Também entramos em 2019 com as vozes da comunidade científica a avisarem que as alterações climáticas trarão danos profundos ao ambiente. Não é a catástrofe nuclear que mergulhou a Los Angeles de Blade Runner numa chuva permanente, mas o impacto para a vida no planeta poderá ser semelhante. No filme, a maioria dos animais está extinta e os humanos criam réplicas, sejam feitas de plástico e metal, ou de material genético. No livro de Philip K. Dick, este tema é mais explorado: Deckard tem uma ovelha eléctrica e, como a generalidade das pessoas, sonha com o dia em que tenha dinheiro suficiente para comprar um animal de carne e osso. Ao contrário do que acontece no filme, estamos hoje muito longe de ter colónias no espaço para onde os humanos (os mais abastados, pelo menos) possam fugir da devastação climática. Por ora, a colonização espacial é ainda um sonho de super-ricos como Elon Musk, o criador da Tesla, e Jeff Bezos, o fundador da Amazon. Ambos têm gasto muitos milhões a desenvolver foguetões. No caso de Bezos, o investimento já lhe valeu críticas por parte de trabalhadores da Amazon descontentes com as condições laborais. A desigualdade social também é visível nas ruas de Blade Runner, onde um estrato economicamente inferior fica confinado à vida deprimente e poluída na Terra enquanto é bombardeado com publicidade a uma vida melhor no espaço. Entre os ricos está o magnata Dr. Tyrell, dono da corporação que cria os replicantes. Em Blade Runner, os replicantes são criados para fazer os trabalhos difíceis e perigosos, para combaterem em batalhas e para serviços sexuais. Os modelos mais avançados (os Nexus 6) não têm apenas mais força e rapidez do que os humanos, mas são também capazes de desenvolver emoções. Fora da ficção cinematográfica, o século XXI tem assistido a um crescendo de inteligência artificial. Na maior parte dos casos, são robôs ou sistemas informáticos concebidos para serem muito eficazes numa determinada tarefa: montar uma peça de um automóvel, transportar prateleiras nos armazéns da Amazon, decidir que anúncio publicitário mostrar ou a quem conceder crédito bancário. Tal como no filme, há também quem esteja a vender bonecas (e bonecos) sexuais dotados de alguma inteligência artificial. Não são exactamente Pris, a replicante criada para prazer dos militares em serviço fora da Terra, mas estas bonecas são capazes de entrar em jogos (básicos) de sedução – e até têm suscitado debate sobre a forma como os humanos se devem relacionar com elas. Por outro lado, algumas empresas – como a Deep Mind, do Google – pretendem desenvolver uma inteligência artificial genérica: não um sistema informático eficaz numa tarefa determinada, mas uma inteligência mais versátil e, nesse aspecto, semelhante à dos humanos. Entre outros feitos, os cientistas da Deep Mind criaram programas de computador capazes de aprenderem sozinhos a jogar xadrez e Go (um jogo de tabuleiro chinês). O programa é capaz de se tornar melhor jogador do que os humanos com apenas algumas horas de treino. No filme, Roy, um dos Nexus 6 que Deckard tem de abater, demonstra que a inteligência da criação superou a do criador ao derrotar Tyrell numa partida de xadrez. A aproximação entre humanos e andróides é um dos temas do filme. “A adaptação ao ecrã opta por focar-se mais directamente do que o livro na relação entre comércio e tecnologia, e no estreitamento drástico da separação entre humanos e máquinas”, explicou o académico Douglas Williams, que escreveu um artigo sobre o filme publicado na revista científica International Political Science Review. “Na verdade, os andróides supersofisticados, ou replicantes, estreitaram a tal ponto a separação que lançam sérias dúvidas sobre a possibilidade de manter o próprio fundamento daquela distinção. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Blade Runner, os testes Voight Kampff permitem distinguir um humano de um replicante, analisando as reacções a perguntas concebidas para provocar uma reacção emocional. Quando os replicantes começam a ser capazes de desenvolver emoções e empatia, a fronteira torna-se mais ténue. Porém, em 2019, ainda estamos muito longe dos replicantes e ninguém sequer confunde Aibo, o cão robótico da Sony, com um cão verdadeiro. “Se nos considerarmos o único agente inteligente que é capaz de fazer algo, e depois vem uma máquina que o faz melhor, então quem somos nós?”, questionava, numa entrevista ao PÚBLICO, o filósofo Luciano Floridi, especialista em filosofia da informação. “A questão é: de que forma a humanidade é única se tudo o que fazemos pode, em princípio, ser feito por uma máquina?”Numa das cenas finais do filme, Roy – num monólogo muito aclamado e que foi parcialmente improvisado pelo actor Rutger Hauer – revela o lado humano do replicante. Após salvar a vida de Deckard, e angustiado com a morte iminente, recapitula alguns momentos dos seus quatro anos de vida, antes de concluir: “Todos esses momentos vão perder-se no tempo. Como lágrimas na chuva. É altura de morrer. ” Também a última frase de Deckard no livro de Philip K. Dick é sobre a vida das coisas artificiais: “As coisas eléctricas também têm as suas vidas. Por insignificantes que essas vidas sejam. ”
REFERÊNCIAS: