Emigrante português na Bélgica despejado numa ruela deserta até morrer
António Nunes Coelho, de 49 anos, ainda esteve vivo “entre 15 minutos e uma hora” depois de ter sido despejado pelo patrão e dois colegas da obra, numa ruela deserta de Bruxelas, onde estava a trabalhar ilegalmente. Depois de ter caído de um andaime, vítima de um ataque cardíaco, em vez de ser socorrido foi transportado de camião e abandonado num local deserto. As autoridades belgas investigaram o caso e a autópsia concluiu que o português foi abandonado ainda com vida, noticiou na terça-feira o jornal belga La Dernière Heure. (...)

Emigrante português na Bélgica despejado numa ruela deserta até morrer
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-02-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: António Nunes Coelho, de 49 anos, ainda esteve vivo “entre 15 minutos e uma hora” depois de ter sido despejado pelo patrão e dois colegas da obra, numa ruela deserta de Bruxelas, onde estava a trabalhar ilegalmente. Depois de ter caído de um andaime, vítima de um ataque cardíaco, em vez de ser socorrido foi transportado de camião e abandonado num local deserto. As autoridades belgas investigaram o caso e a autópsia concluiu que o português foi abandonado ainda com vida, noticiou na terça-feira o jornal belga La Dernière Heure.
TEXTO: O emigrante português, que vivia há 12 anos na Bélgica em situação legal, tinha sido despedido da empresa de construção belga Cassal há cerca de dois anos. Como não encontrava trabalho decidiu aceitar o que seria apenas um pequeno biscate não declarado como estucador, três dias por 500 euros. Levantou-se às cinco da manhã, entrou às 6h e, ao final da manhã, caiu de um andaime vítima de um ataque cardíaco. No estaleiro gerou-se o pânico e o responsável logo chegou para tratar do assunto, noticiou a imprensa. Só que o patrão, em vez de pedir socorro, chamou dois funcionários para ajudarem a transportar o homem para um camião. Depois de uma viagem de duas horas abandonaram o corpo numa ruela deserta de um parque de Bruxelas. De regresso ao trabalho, retomaram a obra. A imprensa noticiou o que se passou este mês, mas o corpo já foi encontrado a 12 de Novembro, por um transeunte. O facto de ser sábado, um fim-de-semana prolongado, e o cadáver estar com roupas de trabalho sujas de tinta e gesso levantou as suspeitas da polícia que, depois de dois meses de investigação, localizou o estaleiro onde tudo se passou, da empresa EG-Batineuf. Foi aberto um inquérito por falta de assistência a pessoa em perigo, ocultação da cadáver. Estão em causa várias infracções laborais, como trabalho não declarado, ausência de documentação social, condições que colocam em perigo a segurança e a saúde dos trabalhadores. Segundo o site informativo Lusófonos na Bélgica o patrão já tinha sido condenado em 2011 por empregar mão-de-obra clandestina. O patrão da obra não só abandonou o operário como, nessa mesma noite, mandou um empregado pressionar a viúva, Lurdes Nunes, para que nada revelasse, oferecendo-lhe 10 mil euros para não ir à polícia, “e mais algum de tempos a tempos”. Lurdes, que vive em Bruxelas com 700 euros por mês, recusou a proposta diz o mesmo jornal. “Nunca iria aceitar aquele dinheiro sujo. Estou muito satisfeita com o trabalho da polícia. Deixaram-no morrer e desfizeram-se dele como se fosse um cão”, afirmou ao La Dernière Heure, no início de Fevereiro. O português, natural de Ervedal (concelho alentejano de Avis) tinha pendente no Tribunal de Trabalho de Bruxelas um processo por despedimento abusivo. O irónico é que depois da sua morte se soube que a justiça lhe tinha dado razão, condenando a empresa a pagar-lhe 14 mil euros, a empresa recorreu. Segundo declarações de Rik Desmet, sindicalista da Federação Geral de construção FGTB, citado pelo site Lusófonos na Bélgica, o trabalho ilegal no país está a crescer: "Três quartos destas pessoas são originários de países lusófonos (portugueses, brasileiros, cabo-verdianos e angolanos). É muito difícil controlar este circuitos de tráfico humano, dado que eles trabalham em muitos locais diferentes. A construção é um sector onde os acidentes ocorrem com frequência. Se um trabalhador ilegal na construção tem um acidente, geralmente os chefes não sabem o que fazer temendo as multas".
REFERÊNCIAS:
A Itália ameaça fechar os seus portos a navios estrangeiros com mais migrantes
As migrações não são uma questão de emergência, mas um problema estrutural. (...)

A Itália ameaça fechar os seus portos a navios estrangeiros com mais migrantes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.187
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: As migrações não são uma questão de emergência, mas um problema estrutural.
TEXTO: A Itália ameaça encerrar os seus portos a barcos não italianos com migrantes socorridos no Mediterrâneo. É um ultimato delicado. Não é uma surpresa. A tragédia das migrações prossegue, embora mais silenciosa. Temos tido menos imagens de afogados lançados às praias. As acções de salvamento são mais eficazes. Mas a repetição produz banalização e a banalização indiferença. A Europa sabe que não se trata de uma “emergência” mas de uma avalancha humana que continuará porque as causas persistem. O que cria dilemas — morais, económicos, sociais e políticos. A Europa precisa de imigrantes e tem de honrar a sua tradição de asilo, mas não pode absorver as vítimas de todas as catástrofes do mundo. Comecemos pela notícia. Após o ano terrível de 2015, houve uma quebra no número de fugitivos à procura da Europa por terra ou a partir do Mediterrâneo Oriental. O acordo com a Turquia susteve a vaga de fugitivos sírios. Mas a rota marítima, a partir da Líbia, não se atenuou. Em 2016 houve 180 mil migrantes a chegar aos portos italianos; e pelo menos 5022 pessoas sepultadas no mar. Entre 1 de Janeiro e 31 de Maio de 2017, chegaram à Europa, via marítima, mais 71 mil migrantes, dos quais 60. 300 desembarcaram na Itália. Vêm da Nigéria, Bangladesh, Costa do Marfim, Gâmbia, Senegal. . . Alguns deles esperavam na Líbia há anos. Em fins de Junho, o fluxo aumentou. Só em três dias desembarcaram em Itália mais 11. 500 refugiados. E, no domingo e segunda-feira, foram resgatadas mais 12 mil pessoas na costa líbia. Ponto críticoRoma queixa-se da falta de solidariedade e, sobretudo, da falta de visão europeia. Declara o Presidente Sergio Matarella: “A imigração é um fenómeno duradouro que não se resolve com muros. É preciso afrontá-lo com seriedade atacando os traficantes e gerindo as chegadas. E isto só a UE, no seu complexo, o pode fazer. Alguns países ainda não o compreenderam. ” O problema não é fundamentalmente de Bruxelas, mas dos Estados e dos cidadãos europeus — a maior parte das competências no campo da imigração ou do asilo é dos países-membros e não da UE. Em 2015-16, houve na Europa mais de dois milhões de pedidos de asilo. Segundo os “regulamentos de Dublin”, a Itália e a Grécia, países da “primeira chegada”, deveriam assumir esta responsabilidade. E o acordo de 2015 para recolocar 160 mil refugiados da Grécia e Itália foi recusado por vários países. A Itália é o país mais exposto. Malta rejeita os pedidos de desembarque. A Espanha defende-se com acordos com países do Magreb e aprendeu a “blindar” as Canárias e as cidades de Ceuta e Mellila. A França aplica à letra as normas de Dublin. A Itália apela à necessidade de intervenção nos países de origem dos embarques e na repressão do tráfico, o que não é realizável por um só Estado. “Internacionalizámos as operações de salvamento mas o acolhimento continua a pertencer a um único país”, resume o primeiro-ministro Paolo Gentiloni. Para Roma, a proibição de acolhimento de navios de bandeira estrangeira é um meio de dissuasão para forçar uma acção conjunta. Na Itália, cuja população manifestou liberalidade em relação aos refugiados, a situação ameaça tornar-se insustentável. A extrema-direita apela à “revolta popular” contra “a invasão”. É um excesso retórico mas não deixa de preocupar o Governo. Daí o ultimato italiano. DilemasO leitor terá reparado que uso nomes sem critério: migrantes, imigrantes, refugiados, fugitivos. Migrante é uma designação genérica e imprecisa onde cabem imigrantes económicos que fogem às fomes e fugitivos de guerras, perseguições e tortura, à procura de um asilo. Refugiado é um termo mais preciso, com valor jurídico, pois habilita ao direito de asilo. Como distinguir todas as situações? Por onde passa o risco divisório?A partir de 2006 aumentou o número de conflitos violentos. A Síria e certas regiões de África são casos paradigmáticos. “A consequência foi o aumento dos fugitivos, dos refugiados, das destruições e tudo o resto”, dizia há tempos um responsável da Cáritas. E tão grave como as guerras é a implosão de Estados. Daí o “tsunami de deserdados”. Os fluxos migratórios da África para a Europa não são uma questão de “emergência”, são um problema estrutural potenciado pelo desespero: os fugitivos dizem-se dispostos a morrer para alcançar a Europa. Falta de visão, acusa o ministro do Interior, Marco Minniti: “[A imigração] não é uma questão de debate político quotidiano. Só pode ser afrontada com um desígnio global e uma coisa é certa: está em jogo uma parte fundamental da nossa democracia, está em jogo a Europa. Nos próximos 20 anos, a Europa joga em África o seu destino. [A África] será cada vez mais o espelho da Europa e não só da Itália. ”A Europa parte-se em termos morais e políticos. Há o dever universalista de acolher todos os refugiados, ponto de vista da Igreja Católica e da maioria das ONG, ou é mais sensato impor uma selecção dos fluxos migratórios? Onde deixam os refugiados de ser um “fardo” para ser um “investimento”? Ao abrir as portas aos refugiados em Agosto de 2015, Angela Merkel fez uma jogada política ousada a pensar no longo prazo. Mas criou a ilusão de um acolhimento universal, o que fez crescer a vaga migrante forçando-a depois a travar as expectativas. Mas não abdicou da sua política. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os que defendem o ponto de vista da selecção lembram os riscos de ruptura dos sistemas de segurança social e o efeito boomerang da xenofobia estimulado pela extrema-direita. No entanto, para seleccionar, é preciso gerir o fenómeno a partir das origens — e, neste caso, para a Itália a prioridade chama-se Líbia. Sem acção europeia conjunta, o debate será submerso pela incontrolável avalancha de refugiados, no meio de explosões xenófobas e da ilusão de aferrolhar as fronteiras, com ou sem “muros”. O encerramento apenas faz crescer a legião dos clandestinos e o poder dos traficantes. Escreveu a analista Marta Dassù, antiga secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros: “Se o fenómeno é estrutural, a pressão migratória continuará com números sem precedentes. E não creio que possa haver uma resposta puramente humanitária (uma Europa aberta, capaz de absorver crescentes fluxos, quanto mais não seja por razões políticas), nem uma resposta puramente ‘securitária’ (uma Europa fechada capaz de devolver os migrantes ao ponto de partida). ”Estas linhas foram escritas há dois anos. De lá para cá, pouco mudou.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Devolvidos a Cabo Verde
Portugal deporta-os porque cometeram crimes ou por falta de documentos. Há pessoas que ficam “à deriva no aeroporto”. Como o caso do senhor expulso ainda com a pulseira de internamento em Psiquiatria no Hospital de Santa Maria. As autoridades cabo-verdianas falam em “violação dos direitos humanos”. (...)

Devolvidos a Cabo Verde
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 11 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Portugal deporta-os porque cometeram crimes ou por falta de documentos. Há pessoas que ficam “à deriva no aeroporto”. Como o caso do senhor expulso ainda com a pulseira de internamento em Psiquiatria no Hospital de Santa Maria. As autoridades cabo-verdianas falam em “violação dos direitos humanos”.
TEXTO: No dia apontado para sair em liberdade condicional, a 20 de Março de 2015, Isolino Tavares Rocha foi deportado para Cabo Verde. Na prisão, regras são regras, ele sabe, com tantos anos que leva atrás de grades — preso há sete, três condenações por tráfico de droga. Quando as portas da cela se fecham, às 19h00, não há nada a fazer. Não pode telefonar a ninguém, à família, à advogada, “não abrem nem para ir ao hospital”. Por isso, não protestou quando lhe disseram: “O SEF vem buscar-te às 4h30 da manhã. Tem as coisas prontas. ” “Vou para Cabo Verde? “Eles é que decidem se ficas ou vais. ”Obedeceu. Arrumou o que tinha na cela, o que as regras deixam que tenha — pouco mais do que duas calças de ganga, dois calções, um casaco e dois pares de ténis — e pôs tudo dentro de um daqueles sacos pretos de pôr o lixo. Na cela não se pode ter malas, é outra regra. Não dormiu, esteve pronto nove horas e meia. Foi no carro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que soube que ia a caminho do aeroporto. Lá, de uma cabine de moedas tentou ligar à advogada, eram seis da manhã, não atendeu. Conseguiu apanhar o primo Orlando, que chegou a tempo de o ver, mas não de lhe ir buscar a mala a casa, como lhe tinha pedido. Isolino pediu ao menos que deixassem que o primo lhe entregasse o relógio, “para saber as horas”. “A tua família depois manda-te o relógio. ” “Quando vou?” Não responderam. Daí a pouco: “Vais agora. ” Ia para a ilha de São Vicente. “Mas eu sou de Santiago”, “lá tens voo de ligação”. “Meteram-me no avião e foram-se embora. ” O passaporte cabo-verdiano, caducado na cadeia, foi entregue à tripulação. Isolino entrou sozinho no avião, sentou-se no número que dizia no bilhete. Não sabia que horas eram, mas pediu, por favor, ao senhor do lado se lhe deixava ligar do seu telemóvel. Estava nervoso mas conseguiu explicar-se: “Eu estava preso, vou para Cabo Verde, não consegui falar com família, não consegui falar com advogada. ” “Era uma pessoa simpática”, perguntou-lhe antes se o número para onde ia ligar era tarifário Moche, era, e ele deixou. A advogada atendeu, dessa vez, eram 8h30, mas ficou confusa, porque sabia que ele era de Santiago e que nesse dia havia voo directo às 20h45. Fez entrar a providência cautelar às 8h58, para tentar suspender a ida, dois minutos antes da hora de início de funcionamento dos serviços dos tribunais. O voo VR 613 partiu às 9h. O tribunal não se chegou a pronunciar. Isolino conseguiu avisar a irmã Vanilda que ia chegar a Cabo Verde quando já estava no país. Depois de todos os passageiros terem saído pela porta da frente, Isolino saiu pela traseira, saco de plástico de lixo com a roupa na mão. A irmã Vanilda estava à espera, 15 anos mais velha. Isolino saiu de Cabo Verde com 18 anos, regressava com 34. A capital, a Praia, agora estava cheia de prédios e estradas de alcatrão que ele não conhecia, o caminho que o levava à aldeia onde nasceu já não era de terra batida, demora-se 30 minutos em vez de uma hora, na aldeia agora havia luz eléctrica o dia inteiro, já não era só à noite, das 19h às sete da manhã. Algumas coisas tinham mudado, outras nem tanto. Quem visita esta parte do interior da ilha de Santiago como turista de certeza que descreveria a paisagem onde fica a aldeia de Isolino com adjectivo de brochura turística, como esplendorosa. A certa altura, na ascensão à serra, há um encontro que parece improvável entre um corvo e um macaco. A estrada, vê-se, é pouco percorrida por carros, há ervas secas a irromper do piso pouco cuidado. Ali no cimo, para quem vai, fica a Loura, uma povoação que é uma rua ao comprido onde viverão umas 250 pessoas. Numa das casas térreas, pintada de amarelo, está Isolino, um homem entroncado. Está sentado num bojudo sofá de lugar único do qual ele parece fazer parte. A Loura de onde Isolino Rocha saiu adolescente está rodeada de uma imensidão de montanhas e escarpas com misturas perfeitas de castanho e verde. Na prisão do Linhó (Sintra) ia ao ginásio todos os dias, para se manter em forma. Ali estava finalmente livre, podia ir correr. Foi o que tentou. “Só dois dias, não consegui mais. Tenho a cabeça muito cheia”, são os seus pensamentos que o imobilizam, que o prendem ao sofá no centro da sala da mãe. Dali se levanta todos os dias, a custo, para fazer o que fazia antes de ir para Portugal ser calceteiro, com o tio José — cuidar de animais. Levanta-se às 6h e regressa às 10h30, é o tempo que lhe demora a dar de comer e mudar a palha à vaca e ao vitelo que são da mãe. Estas poucas horas de trabalho são a retribuição que ele sente que tem de lhe dar, por o ter acolhido de volta, assim, sem nada, sem mesmo nada. A mãe, Teresa Tavares, ouve a conversa, está vestida de preto, não se sabe se porque está de luto por algum familiar, mas a cor condiz com a forma como fala daquele regresso “do único filho macho”. As outras quatro filhas nunca tiveram a oportunidade de sair de Cabo Verde, nem a Vanilda, que atendeu o telefone, nem a Onilda, nem a Milda, nem a Lurdes. Foi ele o único que experimentou emigrar. Soube que o filho ia chegar quando já tinha chegado. “O meu filho veio com roupa dentro de um saco de plástico. Deportado como um cão”, diz pausadamente e em tom baixo. “Ia para uma vida melhor, mas a sorte não deixou. ”Jacinta Almeida, a sua companheira portuguesa de origem cabo-verdiana, está sentada junto a ele no braço do sofá de lugar único, do lado direito, para que se perceba que são como um, “se ele cair, caímos juntos”. Emigrada em Inglaterra, onde é “auxiliar médica”, teve de ir primeiro a Portugal buscar-lhe a bagagem. Veio a Cabo Verde também para se casar com ele, “uma cerimónia simples”, o suficiente para provar oficialmente que o quer com ela e com a filha de ambos, em Inglaterra, onde não tem que contar moedas como em Portugal. 240 Número de cabo-verdianos expulsos de Portugal de 2010 a 2014, de acordo com o SEFJaciara, uma menina de cinco anos, que anda aos pulos pela aldeia-rua, entra de repente na sala onde está o sofá com Isolino e a mãe, mas continua a saltitar, alheia ao peso da conversa de adultos — “foi mandado como um animal, para não dar tempo. . . Para não podermos fazer nada. Foi aqui deixado como um saco de batatas. Não se tratam assim pessoas”, diz Jacinta. Jaciara nunca conheceu o pai em liberdade senão ali. Já lhe foi explicado que o pai, mesmo estando fora da cadeia, não pode ir com elas. Com a expulsão de Portugal, Isolino passou a fazer parte da “Lista nacional de pessoas não admissíveis”. Durante oito anos não pode voltar a Portugal. A decisão inclui “os países de Schengen”, lê-se. Mas ele não sabe o que é isso de Schengen. É a Europa? “Posso ir para Inglaterra?” “Pode perguntar à minha advogada?”A advogada Susana Alexandre não tem resposta para lhe dar. Sabe que Inglaterra não faz parte do espaço Schengen, mas não sabe se, tendo Isolino interdição no restante espaço europeu, o deixarão algum dia entrar naquele país. Jacinta tinha esperança que os 22 dias que tirou de férias chegassem para se casarem, para tratar dos documentos. Mas em Cabo Verde pedem a Isolino um “atestado de residência” e uma declaração que comprove que nunca foi casado, que têm de ir de Portugal. O tempo não vai chegar. Isolino ficará na Loura, à espera, sentado no sofá de couro, todos os dias a ir tratar da vaca e do vitelo, entre as 6h e as 10h30. O advogado José Manuel Ramos, que apresentou queixa do caso de Isolino junto do Observatório dos Direitos Humanos (uma parceria de dez associações, como o SOS Racismo e a Associação Solidariedade Imigrante), diz que uma coisa é avaliar da legitimidade do “afastamento coercivo” — e o observatório considerou-o legítimo à luz da actual lei de estrangeiros, por Isolino ter “cometido actos criminosos e se encontrar irregular” — outra coisa é a forma como se fez a expulsão. E aí este observatório conclui que “foi alvo de um tratamento que colocou em causa a sua dignidade. Foi enviado sem as condições mínimas de bem-estar, uma vez que não lhe foi possibilitado levar os pertences ou despedir-se da família ou amigos”. “Foram buscá-lo pela calada da noite. Há horários, senão isto é o faroeste”, diz José Manuel Ramos. “Os tribunais abrem às 9h” e a legislação prevê que as libertações “sejam durante a manhã”. “Por que é que não se esperou pelo voo directo para a sua ilha de origem, que era nessa noite?”, pergunta Susana Alexandre. A advogada de Isolino diz que era para não dar tempo para a providência cautelar suspender o voo. Isolino foi expulso em 2015 mas o seu processo de afastamento coercivo do território nacional tinha sido aberto ainda em 2004, altura em que o SEF o ouviu. O observatório conclui assim que saiu violado o seu “direito de defesa e de audiência”. “Há uma vida depois disso”, refere a advogada. Teve uma companheira, nasceu-lhe uma filha, ambas portuguesas. O SEF respondeu que “o cidadão não veio ao processo comunicar factos supervenientes com eventual relevância para o processo”. É provável que ao ouvir a história de Isolino Tavares Rocha, condenado por tráfico de droga, reincidente — mesmo com o relatório do Observatório dos Direitos à mistura —, poucos se compadeçam com a sua situação, que se preocupem com o que será da sua vida: Conseguirá Isolino casar-se com Jacinta? Ir viver para Inglaterra com a mulher a filha?A sua advogada já está habituada a esse encolher de ombros, chama-lhe “consciências adormecidas”. Ouve e sente o mesmo por parte da maioria dos que a rodeiam, da polícia, de advogados, de amigos, da família, de pessoas com quem fala. Isolino Tavares Rocha é um traficante de droga cabo-verdiano. Ponto final. Há ligeiras variações, mas a ideia é sempre a mesma: “‘São cabo-verdianos, vão para o vosso país fazer porcaria. ’ ‘Para criminosos, bastam os nossos. ’ ‘Fizeste a cama, tens de te deitar’”, exemplifica. “Destes ninguém quer saber, mesmo que tenham cá filhos. ” São os indefensáveis. “Não são anjos”, diz Susana Alexandre. “Eles estão na cadeia, não se enganaram no caminho para a Igreja. ” “Claro que têm o seu passado, mas têm de ver a pessoa diante deles. Para o SEF, a lei é para ser cumprida, não há equidade, não há casos concretos”, critica o advogado José Manuel Ramos. A legislação portuguesa distingue entre as expulsões administrativas, que são da competência do director do SEF, e as judiciais, decididas pelos juizes, que muitas vezes surgem como penas acessórias ao cumprimento do tempo de prisão. José Manuel Ramos diz que os juízes conhecem o percurso dos reclusos, ouvem os técnicos de reinserção social, “o SEF apenas vê números e crimes”. No caso de Isolino, o juiz de execução de penas concedeu-lhe “liberdade condicional” tendo em conta “o seu percurso prisional pautado por actividade laboral” e “sem qualquer sanção disciplinar”, concluindo: “Ainda há esperança de que possa reorganizar a sua vida de forma socialmente correcta. ”“Achava que tribunal era mais grande que SEF. Se tribunal não te condena a expulsão, é porque não és perigo para a sociedade”, critica José Constantino, condenado por tráfico de droga, expulso administrativamente para Cabo Verde em Outubro do ano passado, a mulher e os três filhos maiores avisados uma hora antes da partida. “O check in já fechou”, disseram-lhes. Não chegaram a tempo. Susana Alexandre vai riscando da sua agenda de papel a lista de 30 clientes que tem neste momento à espera de expulsão. José Constantino foi o último. A alguns consegue impedir a expulsão, a outros não. E é sempre em cima do acontecimento. “Teoricamente, têm 90 dias para impugnar a decisão de afastamento coercivo junto de tribunais administrativos, mas eles sabem lá. ” Mesmo que o fizessem, a impugnação não tem efeitos suspensivos. Por isso, chega a extremos, a providências cautelares. “Cada caso é um filme”, diz José Manuel Ramos. “Já fui buscar dois ao aeroporto”, diz a advogada. Aos que foram para Cabo Verde perde-se-lhes o rasto. Ninguém quer saber o que lhes acontece a mais de três mil quilómetros de Portugal. “Bem-vindo a casa. ” Chamavam-se assim os Gabinetes de Atendimento e Integração dos Deportados. O primeiro abriu em 2002, chegaram a ser quatro, pensados sobretudo para acolher deportados dos Estados Unidos, durante anos o principal país de deportação para Cabo Verde, Portugal surgia como o segundo. Mas, de acordo com os números da Direcção de Estrangeiros e Fronteiras de Cabo Verde, de 2010 a 2014, chegaram a Cabo Verde 324 pessoas expulsas de Portugal, no mesmo período chegaram apenas 39 dos Estados Unidos. Durante este período, Portugal tornou-se assim o país que mais deporta para Cabo Verde, explica Nádia Marçal, responsável pelo dossier do “Retorno Involuntário” no Ministério das Comunidades de Cabo Verde. Desconhecem quantas são as expulsões decretadas pelos tribunais e quantas são administrativas e decididas pelo director do SEF. O que acontece é que o Governo de Cabo Verde deixou de conseguir apoiar os deportados. Os gabinetes acabaram em 2012. Por falta de meios. Não há ninguém à espera. “Talvez essa informação não tenha chegado a Portugal. A algumas pessoas foi dito que teriam um assistente social à chegada. Quando vêem que não há ninguém, ficam revoltados”, diz Nádia Marçal. Agora, o Ministério das Comunidades só intervém mesmo quando “há pessoas à deriva no aeroporto”. Como no caso “do senhor da pulseirinha”. Foi assim que ficou conhecido no ministério. Era na pulseira plastificada que trazia no pulso que vinha parte da sua história, pelo menos a parte final da sua história, a sua última morada em Portugal: “Departamento de Psiquiatra, piso 3, extensão 55173. ”O “senhor da pulseirinha” tinha sido encontrado “a vaguear nas ruas, no Estoril, a 12 de Maio de 2014. Era sem-abrigo”. 302 Número de portugueses deportados de outros países por crime ou indocumentaçãoO SEF levou-o para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde ficou internado um mês, “diagnóstico: episódio depressivo severo com sintomas psicóticos”, lê Nádia Marçal. No dia da alta, a 6 de Junho, o SEF foi buscá-lo, três dias depois, a 9 de Junho, foi enviado de avião para Cabo Verde, conta. “Foi expulso com a roupa do corpo, psicologicamente perturbado e sob efeito da medicação”, estando apenas acompanhado “de relatório clínico, guia de tratamento, três receitas digitais para aviar e uma saqueta com quatro medicamentos”. Tinha sido servente. Estava há 37 anos em Portugal, para onde tinha ido em criança. Passou a noite no aeroporto da Praia. A polícia ligou para o Ministério das Comunidades na manhã de 10 de Junho. Tinham perguntado se tinha família, dizia que tinha nascido em São Tomé e Príncipe. “Não sabia o nome de familiares, nem lugares em Cabo Verde. Estava descompensado. Levámos o senhor para o hospital. ” Passou lá um mês, mas fugiu. “Foi encontrado na rua de forma acidental um mês depois, a 6 de Julho, por uma assistente social do hospital, que o reconheceu. Estava com a mesma roupa. Nunca mais soubemos nada do senhor. ”É a ministra das Comunidades de Cabo Verde, Fernanda Fernandes, quem primeiro fala “do senhor que veio com a pulseirinha. Perturbado psiquicamente. Puseram-no no avião e enviaram-no. Estamos a lidar com pessoas e pessoas são pessoas”. O que está em causa são “situações extremamente desumanas. É enviar o problema para o outro”. Achava que tribunal era mais grande que SEF. Se tribunal não te condena a expulsão, é porque não és perigo para a sociedade“Respeitamos a soberania dos Estados, há situações de criminalidade e de irregularidade documental”, continua a ministra, mas têm-lhes chegado ao conhecimento casos de Portugal em que expulsam pessoas com nacionalidade cabo-verdiana mas que nasceram em Angola, São Tomé e Príncipe. “Nunca aqui estiveram. Como é que vai ser a sua reinserção?” “A deportação acaba por ser uma condenação para a vida. ”“O senhor da pulseirinha” não foi o único caso de uma pessoa que vivia na rua em Portugal e foi deportada para Cabo Verde, conta Nádia Marçal. Em Dezembro de 2014, chegou-lhes o caso de outro sem-abrigo, mas esse nunca tinha estado sequer em Cabo Verde. Também tinha nascido em São Tomé, de onde foi para Lisboa com os pais em criança. ”“Falámos ao telefone com a mãe do senhor, em Portugal. Estava muito aflita, porque ele não tinha qualquer contacto em Cabo Verde. Era um senhor que tinha sido preso em 1996, solto 19 anos depois, vivia na rua. Mandaram-no para cá, porque os pais eram cabo-verdianos. Era indocumentado. ”O máximo que o Ministério das Comunidades conseguiu foi pagar-lhe uma pensão três meses e alimentação durante dois. Também não souberam mais nada deste senhor. Todos os casos mencionados neste artigo foram mandados com antecedência para que o SEF se pudesse pronunciar. O director nacional adjunto do SEF, Carlos Patrício, diz que não comenta casos particulares. Desconhece o caso do “senhor da pulseirinha”, lembra-se apenas de um caso de expulsão administrativa de um sem-abrigo, mas não tinha esses contornos. “Era uma situação humanitária, não pode estar cá sem família, sem assistência, tem de voltar para Cabo Verde. Supostamente, tinha lá família. ”Nádia Marçal diz que está em causa “uma questão humanitária” e que são situações de “violação dos direitos humanos”. Na forma como se deporta. Exemplos: muitas vezes as pessoas não vão até à ilha de destino final — “há nove ilhas habitadas, quatro aeroportos internacionais” — e é Cabo Verde quem tem, por vezes, de pagar as ligações. E é frequente não serem notificados das expulsões. “Há casos em que somos informados no próprio dia ou depois de a pessoa ter chegado, às vezes três dias depois. ”O responsável do SEF admite que “por vezes não há voos para as ilhas de destino, quando existem não são na data certa. O que pode acontecer é haver ligações internas” e que a notificação é feita com “uma antecedência razoável. Não é certamente quando a pessoa já está no avião”, embora admita que possa haver “casos pontuais em que há falhas”. 402 Estrangeiros expulsos de Portugal em 2014 por crime ou indocumentação, um número que está a descerNádia Marçal não sabe nada acerca dos percursos destas pessoas, além do que escolhem contar, mas sabe que quanto mais informação receberem de Portugal melhores hipóteses têm de se conseguir integrar na sociedade cabo-verdiana: ajuda ter referências dos familiares antes de chegarem, para os poderem localizar, saber há quanto tempo estão emigrados em Portugal, que qualificações e experiências profissionais tiveram, dar-lhes condições para trazerem certificados da escola — “algo que lhes permita ter uma vida cá”. Portugal sabe, tem essa experiência com os deportados nos Açores, nota. Quando criaram os gabinetes, foram inspirar-se na experiência do arquipélago português, que foram visitar. “O problema é partilhado mas nós não temos os mesmos meios. Cá não temos casas de acolhimento. Talvez quando estamos a lidar com os nossos a tendência é sermos mais sensíveis do que com os estrangeiros”, admite. Escreveram-se dezenas de notícias sobre os deportados portugueses nos Açores, foi feito um documentário (Deportado), uma peça de teatro (I don’t belong here). Desde 1987 que o arquipélago português recebeu 1292 deportados. Sobretudo dos Estados Unidos. Em 2014 chegaram a Portugal vindos daquele país 49 portugueses, 12 eram originários dos Açores. A maioria (28) tinha antecedentes criminais por crimes graves como "assalto, roubo, violência doméstica e sexual", quatro por tráfico, apenas 11 foram mandados embora por permanência ilegal, refere o Relatório Nacional de Segurança Interna de 2014. O director regional das Comunidades do Governo Regional dos Açores, Paulo Teve, diz que as autoridades americanas notificam que vai haver uma expulsão “pelo menos duas semanas antes”. As associações de emigrantes portugueses vão então aos centros de detenção, em território americano, fazer uma “avaliação psicossocial” antes de as pessoas virem. Aos que não têm família, o governo regional dá alojamento, comida, apoios à renda, e tenta ajudar à sua integração profissional, com o apoio de duas associações locais, cujos técnicos vão ao aeroporto quando alguém pede ajuda, explica. No caso das deportações de Portugal para Cabo Verde, o director nacional adjunto do SEF, Carlos Patrício, explica que é a permanência irregular que justifica as expulsões administrativas, mas que “provavelmente mais de metade das situações de irregularidade serão de pessoas que cometeram crimes. No caso de Cabo Verde, sobretudo tráfico, um crime que causa alarme social”. O SEF respondeu ao PÚBLICO que não tem dados tratados sobre os perfil das pessoas expulsas de Portugal. O único estudo que aborda o perfil dos deportados de Portugal para Cabo Verde é da Organização Internacional para as Migrações e tem números de 2002 a 2012. Revela que, no caso de Portugal, no grosso das situações “desconhece-se os motivos da deportação”. Mas que a indocumentação justifica mais expulsões do que o tráfico de droga. Carlos Patrício sublinha que “o SEF tem de cumprir a lei, da forma mais humana e digna que conseguir”. Mas, “ou as pessoas se podem regularizar ou, se não podem, têm de ser afastadas. Não queremos é pessoas que fiquem num limbo, numa espécie de twilight zone. A pior coisa que pode acontecer é ficarem irregulares, sujeitos a serem vítimas de chantagens, pressões e exploração”. “Eu não sou português, não sou estrangeiro, não sou cabo-verdiano, eu não sou ninguém. ” Daniel Sousa Varela está preso há dois anos na prisão de Setúbal por furto, roubou uma carteira. Nasceu em Setúbal, em 1981. Disseram-lhe que “era o procedimento normal”, abrirem-lhe um processo de afastamento coercivo do território nacional. Significa que o podem mandar para a sua “terra”. Quantas ilhas tem Cabo Verde? “Sei lá, umas dez ou 12, acho que são mais de 12 [tem dez, nove habitadas]. De que ilha é a sua mãe? Acho que é da Praia [nome da capital de Cabo Verde, que fica na ilha de Santiago]. O que sabe de Cabo Verde? “Não sei nada, é só as conversas que ouço. Sei que lá não é fácil. As pessoas vivem mais à base da agricultura, das pescas, que são pastores. ”Eu não sou português, não sou estrangeiro, não sou cabo-verdiano, eu não sou ninguém. ”A mãe de Daniel veio de Cabo Verde para Portugal com seis anos, ainda o país africano, descoberto pelos portugueses no século XV, era colónia portuguesa. Daniel conta que Maria Rosa, que agora já é portuguesa e que o criou a ele e ao irmão sozinha, passou mal, “não lhe dávamos vida fácil, faltávamos às aulas”. Tem o nome dela em letras garrafais envolvido numa farfalhuda rosa tatuada no braço. Com 14 anos foi parar, com o irmão, a um centro educativo na Guarda, bem longe de Setúbal. “Lá amadureci. Foi bom. ” Foi lá que lhe resolveram o problema do bilhete de identidade português, era menos um problema com que a mãe tinha de se preocupar. Mas houve um dia, foi em 2008, trabalhava para a Portucel, em que Daniel perdeu a carteira com o bilhete de identidade lá dentro. Era preta, da Pull&Bear. São daquelas coisas que acontecem a toda a gente. “Nem tinha dinheiro, nem nada, só as coisas normais que uma pessoa tem dentro da carteira, cartão do utente, cartão de contribuinte. ” Deve ter ficado no café Picareta, onde ele passava todos os dias. Nunca ninguém a encontrou. Foi dar baixa na polícia. E foi pedir um novo Bilhete de Identidade (BI). Na Loja do Cidadão recolheram-lhe as impressões digitais, tirou a fotografia. Mas quando lá voltou para ir buscar o novo BI, disseram-lhe que nunca tinha sido português. “A sua nacionalidade não consta em sistema. ” Ele mostrou-lhes a fotocópia do BI português. A senhora olhou para ele e a primeira coisa que disse foi “se teve Bilhete de Identidade é porque era falso”. “Tiraram-me do sério. Expliquei-lhes que “nem tinha sido eu a tirá-lo, que tinha 14 anos, estava num centro educativo”. “A sua nacionalidade não consta em sistema. ” A vida dele mudou desde esse dia. Estava neste imbróglio quando a empresa para quem trabalhava começou a levar homens para ir trabalhar em Inglaterra. Mas para ir “só com o documento original”. Tentou noutra conservatória, talvez encontrasse alguém mais razoável, às vezes depende de quem apanhamos à frente. Ali conseguiu um papel a dizer que estava à espera do BI. Mas teve de sair do emprego por falta de documentos. Desde então não conseguiu mais do que biscates, servente de pedreiro, pintura. “Se me faltava um pacote de leite, de fraldas, dinheiro para pagar a renda, a luz. . . ”, conta Susana Santos, a companheira portuguesa de 29 anos, tinha de sair tudo do seu ordenado, os 618 euros que ganha numa fábrica que faz interiores para Land Rovers e Jaguares, e Daniel sentia-se mal, “dizia-me ‘tu é que és o homem da casa’”. É dessa altura o seu primeiro furto. Pena suspensa. Depois teve pena suspensa por tráfico de droga. “Tivemos grandes discussões, eu e a Susana. ” Voltou a roubar, uma carteira, é por isso que agora está na cadeia. “Eu não o apoio mas não o condeno, porque sei o porquê. Sem documentos não consegue trabalho. ”65% das expulsões de Portugal são processos administrativos do SEF, as restantes são decretadas por juízes“Desde que perdi a carteira, a minha vida descambou. Fiz tudo para ter os documentos. ” Mandaram-no ir à embaixada de Cabo Verde pedir o registo criminal. “Foi dado como desconhecido em Cabo Verde”, um sorriso, “então se ele nunca lá esteve”, diz Susana. Na junta de freguesia, disseram-lhe que era cidadão português e podia votar com o seu cartão de eleitor. Decidiu voltar a pedir a nacionalidade. E agora veio indeferida, “por crime de roubo”. A lei portuguesa prevê que está impedido de pedir a nacionalidade portuguesa quem tenha “prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos”. E está impedido de ter autorização de residência quem tenha cometido um crime com pena de prisão superior a um ano. “Empurraram-me para este lado da minha vida. Estou preso, não culpabilizo ninguém. Errei, estou a pagar o meu crime. Agora, em vez de tentarem ajudar-me, o mais fácil foi contactarem o SEF e instaurarem-me um processo por estar irregular. É mais fácil agarrarem num gajo e mandarem para Cabo Verde do que ajudarem-no. Não quero nada do Estado, não quero dinheiro, só quero o meu BI. ”Dizem-lhe para tratar do passaporte cabo-verdiano. “Não faço nada do que eles dizem, isso é facilitar-lhes a vida, a expulsão. ” Para o SEF, ele é “um indocumentado”. Já pensou em casar com a Susana, mas não conseguem fazer isso porque ele não tem documentos. Quando entrou na prisão, pediu para estudar, tem o 6. º ano, mas foi recusado por não ter documentos. Pediu muito para trabalhar, faz faxina. Quer muito que deixemos esta nota: “Queria agradecer à senhora directora do Estabelecimento Prisional de Setúbal por me deixar trabalhar. ”Uma das coisas que mais o irritam é que nos ofícios do tribunal é sempre Daniel Soares Varela, “titular do bilhete de identidade 14475140”, o que acusaram de ser falso. “Para o tribunal, sou português. Para ser alguém na vida, já não sou. ”A lei de estrangeiros de 2007 previa, no artigo 135, que não podiam ser expulsos de Portugal os cá nascidos, quem aqui vivesse desde antes dos dez anos e aqui residisse e quem tivesse “a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação”. A lei mudou em 2012, por iniciativa do Governo de coligação PSD/CDS. Agora, todos estes limites à expulsão podem ser ignorados, caso esteja em causa “a segurança nacional ou a ordem pública”. A advogada Susana Alexandre chama à expressão “um enorme buraco negro. O entendimento actual do SEF é o de que qualquer pessoa que foi condenada atenta contra a ordem pública”. Esta e outras mudanças que agora fazem parte da lei de estrangeiros 29/2012, cuja polémica esteve sobretudo centrada na criação dos chamados vistos gold, foram apresentadas no Parlamento pelo então ministro da Administração Interna, Miguel Macedo. Ao PÚBLICO, diz agora que desconhece “que aplicação teve a lei em concreto”, relembrando que a introdução dos limites à inexpulsabilidade “decorreu de questões suscitadas pelo SEF. Algumas propostas foram aceites, outras não. ”O ex-governante nota, no entanto, que, para serem expulsos pelo SEF, “têm de estar em situação irregular”, havendo um processo administrativo que concluiu “que a pessoa não tem condições para se legalizar”. “É preciso sublinhar que não são portugueses” e que a anterior legislação já previa que perdia direito a autorização de residência quem tivesse cometido crimes. A lei foi aprovada com os votos a favor do PS e os votos contra do PCP e do Bloco de Esquerda. A presidente da Associação Luso-Cabo-Verdiana de Sintra, Rosa Moniz, que teve um gabinete de apoio a reclusos, diz que “a lei actual veio facilitar muito as expulsões”. “A fragilidade está em não terem capacidade de resposta ao SEF. Às vezes, as situações podiam reverter-se se tivessem advogado. O advogado oficioso não faz nada. ” Assim, tudo “depende da humanidade da pessoa do SEF que pega no processo”. O director nacional adjunto do SEF diz que “há sempre uma ponderação”, mas que as excepções à expulsão “permitiam situações limite insustentáveis, em que nascidos em Portugal podiam ter cometido crimes gravíssimos contra a segurança interna e não podiam ser expulsos”. No caso de expulsos com filhos portugueses, nota que “há famílias desestruturadas, situações de violência doméstica”. A unidade familiar não é um princípio absoluto, sublinha. “As ordens de expulsão falam dos seus antecedentes criminais e três linhas a dizer que não exercem o poder paternal”, conta Susana Alexandre. “Parece óbvio que não pode ser levado literalmente, eles estão na cadeia. ”“Até 2012, havia boa vontade. ” A advogada diz que “enviava para o SEF certidões de nascimento dos filhos, comprovativos de visitas aos pais todos os domingos. Cheguei a mandar poemas e desenhos do Dia do Pai, a provar ligação. Agora isso já não chega. Deixou de haver inexpulsáveis”. Como Daniel seria, ao abrigo da lei anterior. “Vai-te ajudar ser punido duas vezes? Se é para me mandarem para Cabo Verde, mais vale condenarem-me a mais dez anos de prisão. Ao menos fico ao pé da minha família. ”O recluso tem direito a duas visitas por semana. Os domingos são dias em que verdadeiramente não se pode falar de nada importante, de medos e angústias, é o dia de irem as filhas Maria, de três anos, e Bruna, de oito. É o dia de mãe e filhas se levantarem por volta das seis da manhã para conseguirem estar lá às 7h30 e apanharem uma mesa, que é sempre a do canto, para o poderem ver uma hora, a começar às 9h45. Vão comendo o bolo de iogurte fatiado feito de véspera. Há umas 40 pessoas na sala, para se ouvirem acabam por falar aos gritos. Daniel pergunta-lhes como correu a escola, que músicas é que a Maria já sabe cantar, o Patinho, todas as da Violeta, ralha à Bruna, às vezes aplica-lhe castigos, “não vês mais televisão no quarto”. “A Bruna está a passar por uma fase difícil”, explica. É o dia de pai e mãe agirem como se estivesse tudo bem. Se eu for para Cabo Verde, digam-me lá o que eu que vou fazer? Se for é para ser sem-abrigo. Para falarem de coisas sérias, é à quinta, 15h45, vai só Susana, e aí podem falar do que sentem. Ela chora, às vezes brinca, diz que vão todos para Cabo Verde, como aquelas pessoas que vão lá de férias. “É a mesma coisa que pegarem em mim e mandarem-me para França ou Inglaterra. Não é o meu país. Não tem lógica. Não é justo”, diz Susana. Daniel tinha direito a uma saída precária para ir a casa em Janeiro, não lha deram por causa do processo de afastamento coercivo, que ainda não tem decisão de ordem de expulsão. A filha mais velha pergunta muitas vezes: “Qual é o dia em que o pai vem? Mostra no calendário, mãe. ”Na cadeia, aos estrangeiros com processo de afastamento coercivo do território nacional, acontece esta coisa que parece estranha, contranatura para um recluso português — vive-se com “medo da soltura”, do fim da pena, ou do meio da pena, porque podem ter “condicional”, liberdade significa serem livres em Cabo Verde. “Muitos recorrem, muitos têm sorte de ficar cá, outros não tiveram tanta sorte. ” Faz dois terços da pena em Março, Daniel, 27 anos, pode sair em liberdade condicional. “Se eu for para Cabo Verde, digam-me lá o que eu que vou fazer? Se for é para ser sem-abrigo. Então se cá eu não consigo trabalho. Muita gente foge de lá para procurar oportunidades cá. ” A cadeia está cheia deles. Às vezes, Daniel pergunta-se porque é que há tantos cabo-verdianos presos. Quase um quinto dos reclusos nas prisões portuguesas são estrangeiros (17, 3%), a principal nacionalidade (31%) é a cabo-verdiana, quando os estrangeiros legalizados representavam em 2014 apenas cerca de 3, 9% da população residente e a comunidade cabo-verdiana (legalizada) 0, 4%. Olhando assim para os números, parece que é justificada a ideia de que a insegurança está associada à vinda de estrangeiros, a chamada “crimigração”. Jorge Malheiros, investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, remete para um estudo de 2010 que conclui que, em Portugal, os estrangeiros não cometem mais crimes violentos (homicídio, roubo, ofensas à integridade física e violação) do que os portugueses em geral. No seu estudo “Os cidadãos estrangeiros nas prisões portuguesas: Sobrerrepresentação ou ilusão”, avança com algumas possíveis explicações para o facto de haver tantos estrangeiros nas prisões, nomeadamente cabo-verdianos: ausência de visto de residência, maior dificuldade em obter uma boa defesa, menor conhecimento da lei portuguesa, factores que tornam os imigrantes muito vulneráveis quando conduzidos a tribunal, potenciando, dessa forma, a detenção. É neste contexto que Jorge Malheiros se habituou a ouvir o já costumeiro argumento, “pois, mas os portugueses quando emigram são ordeiros”. É “o mito do bom emigrante português”. Que também não é verdadeiro. “Se for às prisões luxemburguesas, também há uma sobrerrepresentação de portugueses. ”“Claro que há uma componente de responsabilidade individual”, mas talvez a principal razão para haver tantos estrangeiros nas prisões radique “em situações de exclusão social”. Cabo-verdianos em Portugal, portugueses no Luxemburgo. Embora os deportados portugueses vindos dos Estados Unidos tenham recebido maior atenção mediática, graças ao caso açoriano, o maior número de deportados portugueses veio, em 2014, primeiro do Canadá (160) e de um dos principais destinos actuais da emigração portuguesa, o Reino Unido, de onde foram expulsos 72 portugueses, refere o Relatório Anual de Segurança Interna desse ano. Há 1658 portugueses presos em todo o mundo. Tal como Portugal é, ao mesmo tempo, um país de emigrantes e que acolhe imigrantes, também é um país que deporta e recebe deportados. Mas deporta mais estrangeiros do que recebe deportados portugueses: em 2014 recebeu 302 deportados de outros países e expulsou 402 estrangeiros (263 foram expulsões administrativas). Segundo os números do SEF, Portugal está, em termos gerais, a deportar cada vez menos, a par com o decréscimo do número de imigrantes a viver no país. O Brasil, a principal comunidade estrangeira a viver no país, mantém-se de longe como primeiro destino de expulsão desde há dez anos, a decrescer; Cabo Verde, o segundo. Uma coisa é castigo, outra é vingança. Joguei, perdi, tem de pagar e eu paguei caro. Não me sinto em dívida com a sociedade. Por que razão tenho de ser expulso?”Mas 2010 marca uma viragem no caso do arquipélago africano, nesse ano, o SEF passa a expulsar mais do que os tribunais. De 2010 a 2014, o SEF expulsou administrativamente 240 pessoas para o arquipélago, quando de 2005 a 2009 tinha expulsado apenas 60. Passa-se de uma média de 12 expulsões por ano para o quádruplo, 48. Apesar de serem cada vez mais, em Cabo Verde ninguém fala dos deportados de Portugal. Nem na rua, nem em jornais, nem em debates políticos. É como se fossem invisíveis. Ao contrário dos deportados vindos dos Estados Unidos. Desses não há quem não tenha ouvido falar. Mal. “Todos, farinha do mesmo saco. ” Foi das primeiras frases que Orlando Barros, deportado dos Estados Unidos, aprendeu em português, ele que continua a exprimir-se em inglês. Eles são supostamente a origem de um fenómeno de criminalidade que em Cabo Verde passou, sintomaticamente, a ser designado pela palavra inglesa “thugs”, ou, em português, “bandidos”, traduz Orlando. A culpa da violência, dos crimes, da chegada dos gangs é atribuída aos thugs e os thugs são, em teoria, os infames deportados dos Estados Unidos. “Mesmo que os deportados de Portugal cometam crimes, a culpa é sempre nossa. Nós destoamos”, diz Orlando, que nos Estados Unidos esteve preso por assaltar bancos e hoje tira parte dos seus rendimentos de um castelo insuflável azul com princesas da Disney, mandado vir dos Estados Unidos para as crianças locais, um “pula-pula”. Deve-o ao empurrão de “Donana”, o nome da fundação de inspiração católica que vai buscar o título à forma como é conhecida a sua presidente, “Dona Ana” Hopffer de Almada, professora universitária de Biologia, benemérita nas horas vagas. Na sede da fundação destaca-se um quadrinho de bordado a ponto cruz “Amar é fazer o bem!. . . Sem olhar a quem” e uma parede repleta de anjos, mais de mil, dados por uma senhora muito pia, vindos de todas as proveniências da emigração cabo-verdiana, há um anjinho em forma de estátua da liberdade, God bless America, um querubim com uma placa “Em Fátima rezei por ti”. “Donana loves her angels”, comenta Orlando, perante a galeria. Ali o termo “deportado” está proibido. “Preferimos falar de retornados. ” Até agora, a fundação só ajudou pessoas dos Estados Unidos, como Orlando. “Nunca nenhum retornado de Portugal veio ter connosco, mas são bem-vindos. Aceitamos qualquer retornado. ” Ela não conhece nenhum. Nem sabia que existiam. É quase como se os deportados de Portugal fossem uma lenda. “Eu já ouvi falar deles”, diz Orlando. Qual é a imagem dos deportados de Portugal? “Qual imagem, eles não têm imagem, eles não existem”, responde. “Toda a gente sabe quem nós somos, os de Portugal ninguém nota. Eles podem esconder-se, falam português, vestem-se como os de cá, nós não nos podemos esconder. ”“É mais fácil passar desapercebido na cidade. Na aldeia ou na vila, é pior. ” José Carvalho de Pina está hoje em negócios na aldeia da sua infância, onde guardava cabras, o Mangue. No meio do campo, abranda o carro para falar com um conhecido de criança vindo do campo, terá a sua idade. “És o filho do Toni. ” “Tens boa memória”, responde José a sorrir, agradado por ainda ser recordado. Mas o diálogo que seguia fluido empanca: “Tu estás em Cabo Verde ou estás fora?” — pergunta normal para um país que tem mais população emigrada do que a viver em Cabo Verde — “Eu estava a viajar, mas já vim há três anos. ” E José Carvalho de Pina interrompe ali a conversa e despede-se. Se ele ainda vivesse no Mangue, talvez fosse mais difícil esconder que é deportado. Ele vive na capital. Mas quem o conhece, vizinhos, família, sabe. Os comentários acerca deles, de regressos misteriosos como o dele, acontecem na sua ausência. “A família tenta esconder. A minha irmã quando me acusam defende-me. ” Os que o conhecem ouviram dizer que esteve preso, no caso dele foram muitos anos, não há como esconder e, claro, as pessoas perguntam-se: o que é que este fez?No caso de José Carvalho de Pina, é uma longa história. “Houve uma situação de envolvência com negócios de amigos. Pediram-me um favor e eu fiz”, maneira enrolada de explicar como, da primeira vez que esteve preso, tinha 21 anos, tinha terminado o liceu, vinha com ideias de ir para a faculdade, se viu envolvido num episódio de tráfico de droga em Faro em que acabou por se entregar à polícia. Apanhou seis anos e meio. “Da prisão ou sais melhor, ou sais pior. Eu não sabia nada. Aprendi tudo lá dentro. Havia lá um português de 17 anos que roubava muito, era o meu melhor amigo lá dentro, ensinou-me muito. ” Por isso, na segunda vez, foi de forma consciente e voluntária que se envolveu em tráfico, com nova prisão, fuga da cadeia com grades serradas com uma lâmina-serra como a que o pai carpinteiro usava, com direito a notícia de jornal, cinco anos fugido, apanhado em França. Prisão de novo, cinco anos, com direito a saída precária em 2010. E, dessa vez, “Eu regressei a correr à prisão, à hora exacta. ” A técnica disse-lhe “achava que não ias voltar”. Três dias depois do pontual regresso, recebeu a ordem de expulsão para Cabo Verde. “Senti-me revoltado. ” Ainda saiu em liberdade, tentou legalizar-se, mas nunca conseguiu. “Uma coisa é castigo, outra é vingança. Joguei, perdi, tem de pagar e eu paguei caro. Não me sinto em dívida com a sociedade. Por que razão tenho de ser expulso?”“Todo o ser humano é um criminoso em potência”, leu num livro da biblioteca da prisão. Decorou a frase. “Não me vejo como um criminoso, tomei uma atitude errada e paguei. A minha mãe sempre me disse: ‘Paga-se com a consciência. ’ Eu não nasci torto, eu nasci direito. ”Nos dois anos que leva de Cabo Verde, depois de 17 em Portugal, conseguiu reorganizar-se. Tem a companheira Amália, e um filho bebé que hoje está febril e que ele quer muito ter ao colo para ficar na fotografia. Faz negócios entre ilhas, trocando o que uma tem com o que a outra não tem. Leva verduras, cebolas, batatas de Santiago para o Sal, e traz de volta búzios para servir de entrada nos restaurantes da Praia. José, camisa de risquinhas impecavelmente engomada, ténis Ralph Lauren, calça de sarja, conta muitos, muitos pormenores sobre o seu negócio, demasiados, e depois se percebe que não está apenas a falar connosco. A minúcia do relato, o bebé Lucas ao colo, fazem parte de uma história que ele quer contar, à distância, à mãe que vive no Algarve e que teve dois ataques cardíacos quando ele estava atrás das grades, que vivia intranquila com as visitas do filho foragido, que faz hemodiálise dia sim, dia não. Através de nós quer dizer que ele, o filho mais novo de 11, o único “cadastrola”, agora faz tudo bem. Constança, a mãe de José, tem 86 anos. A ordem de expulsão impede-o de voltar a Portugal durante sete anos. “Faltam quatro. ”Mas essa é uma contagem interior que partilha com muito poucos. O que ele e os que vieram expulsos de Portugal querem é passar despercebidos. “Os de Portugal vêm e calam-se. É tabu. Conheço um deportado que tinha tanta vergonha que não foi ter com a mãe, andou uns dias na rua e teve de se render e teve de ir ter com a mãe”, “tenho um outro amigo que não sai de casa”. Por mais que tentem camuflar-se, muitos sabem quem eles são. Nota-se. São os que chegam de mãos a abanar. “Por que razão chega uma pessoa de um voo internacional sozinha e sem bagagem sem ser um saco de mão? Se chegas sem nada, é porque és deportado. ” José voltou com 200 euros. É verdade que há a vergonha da expulsão por terem cometido crimes, mas talvez mais pesado do que isso num país como Cabo Verde — meio milhão vive dentro, estima-se que um milhão viva fora — é a vergonha do fracasso. Eles são o sonho da emigração gorado, a viagem ao contrário, eles foram devolvidos sem nada para mostrar pela tentativa. De quem saiu e regressa espera-se que tenha presentes e coisas para dar, como quando ele era pequeno e “os tios a viver na Europa lhe traziam brinquedos. A pessoa sente-se perseguida pelo sonho do emigrante”. Quando aceita falar na escuridão do seu café na cidade da Praia, é quase como se António Lopes tivesse cometido um crime mais grave do que o tráfico de droga. Ele voltou por estar ilegal. O seu crime foi não ter conseguido. Entrou em Portugal com visto de trabalho em 2003, foi expulso a 6 de Dezembro de 2011. Nunca conseguiu ter documentos. Autorização de residência dão ao estrangeiro que dê provas de ter “meios de subsistência” — uma retribuição mínima mensal que ronda os 500 euros com descontos para a segurança social — e ele o máximo que conseguiu “foi biscates nas obras de uma, duas semanas” e a venda de sucata, fogões e frigoríficos velhos. Foi por isso que, quando numa rusga do SEF, o apanharam em Algueirão (Sintra) e o levaram para o aeroporto da Portela com voo directo para a Praia, sentiu um alívio quase inconfessável. Era um álibi. Não tinha sido ele a desistir, tinham-no obrigado. “Fui directo para a minha casa. ”Chegou a tempo de ver o pai morrer. “Se calhar, estava à espera de mim. ” E com a sua morte acabou por herdar pouco, mas o suficiente para montar o seu “café Lapa”, um espaço de paredes toscas e telhado de zinco. “Desculpe de estar tudo velho”, diz sobre o seu café novo. Disseram-me que eu nunca trabalhei em Portugal. ” Como, se ele ajudou a construir o El Corte Inglés, a Gare do Oriente, às vezes jornadas de 19 horas de trabalho“Lá já encontrei a crise. Pelo menos cá estou ao pé da família. Tenho oito filhos em Cabo Verde. Pensei que lá estava melhor. Não quero voltar. Talvez se fosse mais novo. ” Mas isso é António, 50 anos. Assomada é a segunda cidade de Santiago, da Praia demora-se a lá chegar uma hora, numa ilha que leva duas horas a percorrer de uma ponta à outra. É início da tarde de uma quinta-feira e há dezenas de jovens na rua com ar desocupado. Numa esquina há um jovem que destoa dos outros, falta-lhe um dente da frente, mas não é por isso, é pela postura, parece que está pronto a ir em direcção a algum sítio. Tem vestido uns calções pretos e brancos debruados a amarelo, ténis da Reebok. Está trajado para correr, como se estivesse junto a uma meta, pronto a partir para uma prova de atletismo que nunca mais começa. Chamam-lhe Obikwelu, é a alcunha que trouxe de Portugal e que quase apagou o seu nome de baptismo, Nelson Lopes Tavares. Obikwelu foi deportado, em 2010, mas é difícil que acreditem que não foi “por ser bandido. Eu não sou traficante, eu sempre trabalhei”. Foi para Portugal com 17 anos, viver com o tio, “trabalhava até ao sábado, ao domingo ia à missa”. O problema é que em Portugal ele nunca foi Nelson, só foi Obikwelu, que era como o chamavam, por ter a mania das corridas. Francis Obikwelu é um célebre atleta medalhado nascido na Nigéria naturalizado português. A condição imposta pela senhora amiga que aceitou levá-lo para Portugal, em nome do filho Edmilson, foi não poder levar consigo nenhum documento que pudesse contrariar a história de que ele era Edmilson. “Nem passaporte cabo-verdiano. Não levei nada. Não podia levar nada. ”Sempre que alguém saía das obras, ele ficava a substituí-la, descontou para a segurança social “de um tal João, de um tal Edmilson”, como aquele que ele era suposto ser, e trabalhou em obras em que não se importavam que ele não fosse ninguém. Arranjou trabalho no Algarve e conheceu Telma, viviam juntos há sete anos. Tudo certinho, a renda sempre em dia, recibos no nome dela. Era um Dia dos Namorados e foram passear a Faro. “Apanharam-me. Tinha de ser recambiado. ”“Disseram-me que eu nunca trabalhei em Portugal. ” Como, se ele ajudou a construir o El Corte Inglés, a Gare do Oriente, às vezes jornadas de 19 horas de trabalho. “Os patrões conheciam-me e gostavam de mim. Prenderam-me numa segunda, na sexta estava de volta a Cabo Verde. ”“Os meus pais ficaram abalados. Somos dez filhos, estão todos aqui. Fui eu o único que saí, e não consegui. Havia meses que conseguia mandar 50 a 80 euros por mês, umas migalhas, mas ajudava. ”Mas ele e a namorada portuguesa tinham um plano. Ele veio numa semana, a Telma veio na semana a seguir. Casaram-se por procuração. Estava convencido de que bastaria para ele poder regressar, afinal, ele agora era casado com uma portuguesa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Era uma questão de tempo. Obikwelu não tinha fracassado. Não era como os outros “recambiados”. Amigos, familiares, pediam-lhe o que tinha trazido, os ténis Puma, os Nike, os Reebok. “Dei ténis, dei roupa, dei tudo, eu ia voltar. ” Como é que ele podia negar? Ele ia voltar para Portugal, para a Europa, lá ia poder comprar outros Puma, outros Nike, outros Reebok, não era como eles, que iam ficar sempre em Cabo Verde. “Quando vi que não dava para voltar. . . Fiquei sem nada. ”Para continuar a correr em Cabo Verde, um amigo português com quem fala por messenger, o Tiago, mandou-lhe pelo correio os únicos ténis que tem agora, os Reebok pretos e verdes que traz calçados. Treina quatro horas por dia, já tirou passaporte cabo-verdiano no seu nome verdadeiro. Nelson Lopes Tavares está pronto para voltar.
REFERÊNCIAS:
25 anos de Simpsons: recordações da família amarela
A família com mais longevidade da televisão está connosco há 25 anos. Bush, os Ramones, guerras, Stephen Hawking, Elizabeth Taylor ou Family Guy. Todos têm um papel na nossa história com Homer, Bart, Marge, Lisa e Maggie. (...)

25 anos de Simpsons: recordações da família amarela
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: A família com mais longevidade da televisão está connosco há 25 anos. Bush, os Ramones, guerras, Stephen Hawking, Elizabeth Taylor ou Family Guy. Todos têm um papel na nossa história com Homer, Bart, Marge, Lisa e Maggie.
TEXTO: Há 25 anos, as famílias televisivas eram perfeitas. Ou, vá, perfeitas à imagem do seu tempo. Nos anos 1970, Archie Bunker era racista e misógino, mas o resto de Uma Família às Direitas punha em xeque e tornava piada a sua intolerância. Nos anos 1980, os Keaton eram os idealistas baby boomers, os sonhadores de esquerda que provavam que Quem Sai aos Seus tem espaço para um fã de Ronald Reagan no filho mais velho. Nos anos 1990, passou a haver não uma ovelha negra mas várias na família televisiva da década. Homer, Bart, Marge, Lisa, Maggie estão na TV há 25 anos. Uma tem um cabelo azul penteado como A Noiva de Frankenstein e esconde a sua inteligência para não condicionar o marido; esse é um glutão bêbado com responsabilidade e pedagogia zero; a bebé não largou a chucha e mal aprendeu a falar em 25 anos e as outras crianças ou andam de skate e lata de spray a aterrorizar Springfield ou a ser sabichonas eternamente presas nos 8 anos de idade. Começaram a aparecer, menos redondos, mais tremidos mas ainda assim muito amarelos, como um sketch no The Tracey Ullman Show em 1987 (foi transmitido em Portugal pela SIC) e passados dois anos chegavam ao horário nobre de um canal em vias de afirmação nos EUA, a Fox. Hoje são o programa de ficção que há mais tempo está no ar na história da TV norte-americana, têm 31 Emmy, um prémio Peabody e não há história do século XX ou da televisão que não coloque a criação de Matt Groening na lista dos seus melhores produtos – para a Time, foi mesmo a melhor série de televisão de sempre. Os Simpsons eram “um motim existencial sobre os terrores do lar, do trabalho e da escola”, “entretenimento para adultos que é também fixe para os miúdos”, como escreveu o USA Today em 1990, citado pelo site Vulture. Nasceram quando Roseanne apresentara já ao reino das sitcom uma família de três filhos com dificuldades financeiras e ambos os pais a trabalhar fora de casa, lembrou a Newsweek, com uma “irreverência que torna Os Simpsons uma novidade tão promissora no horário nobre”. “Definitivamente uma família para os 90s”, postulava o Seattle Times. A família Simpson, no seu emblemático amarelo (que o criador Matt Groening oscila entre explicar que foi apenas a cor que “parecia certa” quando lhe foi apresentada por um animador ou que era o tom ideal para que todos identificassem o programa ao fazer zapping), chegou ao mainstream antes da televisão-choque. Homer já estrangulava Bart meses antes de Laura Palmer ser assassinada – atenção a um spoiler com 24 anos, mas ainda assim um spoiler – por um pai possuído em Twin Peaks. E Lisa já tocava o seu saxofone no horário nobre dois anos e meio antes de Bill Clinton, ainda candidato ao primeiro mandato como Presidente dos EUA, pegar no saxofone para ganhar votos no talk show de Arsenio Hall. A família amarela era quase mais humana do que a América real. “Basicamente desenhei a minha própria família. O meu pai chama-se Homer. A minha mãe Margaret. Tenho uma irmã Lisa e outra Maggie, por isso desenhei-os a todos. Ia chamar a personagem principal Matt mas achei que não ia ser bem visto numa reunião para tentar vender os desenhos animados por isso mudei para Bart”, lembrou o autor Matt Groening sobre o primeiro esboço, feito a correr, da família para o Tracey Ullman Show, em entrevista à revista da Smithsonian Institution em 2012. Dois anos de popularidade inesperada mais tarde, a família amarela autonomiza-se e ganha o seu próprio programa – e Homer passa a ser a personagem fulcral. “Há mais consequências para o facto de ele ser um idiota”, mais histórias a contar, diz Groening. Pessoas reaisO primeiro episódio é um especial de Natal em que há problemas de dinheiro, asneiras de filhos e suas consequências – e acaba com a adopção do cão escanzelado que até hoje acompanha a família. “As pessoas sentem mesmo que os Simpson são pessoas reais, mas porque somos desenhos animados safamo-nos com muito mais. São [os Simpsons] incrivelmente políticos e não fazem prisioneiros. Isso torna-os cativantes”, disse Yeardley Smith, que faz a voz de Lisa, à revista Time em 2012. Lisa pode ser vista como uma espécie de versão cartoon do “Cabeça de Abóbora” interpretado por Rob Reiner em Uma Família às Direitas, a consciência política de Os Simpsons ao lado da mãe, o seu pilar moral. Do outro lado da barreira moral está Bart, o rebelde sem causa. As t-shirts com Bart começaram a incomodar reitores e o pai da América, Bill Cosby (agora ensombrado por acusações de abusos sexuais), cuja série homónima definira os anos 1980 com a sua alegre família negra de classe média, os Huxtable. “A televisão devia andar para a frente em relação aos Huxtable, e não para trás”, disse à Entertainment Weekly em 1990 sobre as novas séries do horário nobre. Os Simpsons “eram extremamente controversos em alguns quadrantes e durante algum tempo tiveram uma reputação de ser um bocado grosseiros. A escola da minha filha dizia que não se podia usar uma t-shirt dos Simpson. Sempre pensei que a série era muito mais rica do que isso e que tinha um centro moral”, disse ao Guardian o showrunner, argumentista e produtor Al Jean, há 25 anos com a família de Springfield. Pouco tempo depois, a Fox e a sua família disfuncional venciam a NBC e os Cosby na luta pelas audiências. Os Simpsons, cujo primeiro episódio de meia hora foi transmitido no primetime do canal americano FOX há exactamente 25 anos, nasceram para ser comparados com outros. E para simbolizar uma mudança numa década cheia de statements. Chegam no ano em que Reagan se despede e em que a selecção portuguesa de futebol vence o Mundial sub-20. Chegam um mês depois de cair o Muro de Berlim e no ano em que o Kosovo perde a sua autonomia e que começa o fim da antiga Jugoslávia. Chegaram em reacção aos anos 1980. Abrem portas poucos meses depois de Seinfeld se instalar na concorrente NBC e de lá ficar durante toda a década de 1990, a do minimalismo, da imagem anti-yuppie, de No Logo de Naomi Klein e dos violentos protestos na cimeira da Organização Mundial do Comércio em Seattle contra a globalização. A que teve a política do rock feminista do riot grrrl e que rejeitou a decadência do hair metal em prol do rock de flanela. Foi a década da primeira Guerra do Golfo, foi a primeira dama republicana Barbara Bush a dizer sobre a família amarela da classe trabalhadora: “Os Simpsons são a coisa mais estúpida que já vi”. E foi esta a resposta de Marge Simpson, a matriarca cujo nome de solteira (Bouvier) é o mesmo de Jacqueline Kennedy antes do casamento, enviada à Casa Branca em Setembro de 1990: “Tento ensinar aos meus filhos Bart, Lisa e até a pequena Maggie, a dar sempre às pessoas o benefício da dúvida e a não dizer mal delas – mesmo que sejam ricas”; “Se somos a coisa mais estúpida que alguma vez viu, Washington deve ser uma coisa bastante diferente do que me ensinam no grupo de Temas da Actualidade na igreja”. Uma nova animaçãoA mesma década que criaria um espaço confortável para Friends (NBC) e uma montra para maiores de 16 para Sexo e a Cidade (HBO) abraçou fervorosamente a família que geraria estas reacções extremadas e um novo reconhecimento da animação. Sem Simpsons não haveria Family Guy (e este ano finalmente foi para o ar o episódio que cruzou as duas famílias e os seus universos citadinos, Springfield e Quahog, num pingue pingue constante entre as duas principais acusações feitas a cada uma – que Family Guy é uma cópia de Os Simpsons e que Os Simpsons já não têm piada), nem South Park. E talvez Conan O’Brien, argumentista da série entre 1992 e 1993, tivesse seguido outro caminho, ou o realizador Brad Bird, consultor durante as primeira oito temporadas de Os Simpsons, não tivesse dirigido alguns dos maiores sucessos da Pixar. “É o que os fãs de sci-fi dizem de Star Trek: criou uma audiência para o género” da animação televisiva, diz o criador de Family Guy, Seth McFarlane, à Vanity Fair sobre o pioneirismo de Os Simpsons. “Na minha opinião, basicamente reinventaram a roda”, explica o actor e realizador que queria ser animador na Disney e que quando viu Os Simpsons percebeu que era possível juntar humor adulto e cartoons. Já Matt Stone, que com Trey Parker criou o ainda mais abrasivo South Park, admite que “Os Simpsons são a desgraça da nossa existência” porque “fizeram tantas paródias, lidaram com tantos assuntos. . . ‘Os Simpsons fizeram-no!’ é um refrão muito familiar na nossa sala de argumentistas”. Aqueles que os viram abrir caminho e ser contracultura agora saúdam-nos à medida que os vêem gravitar para o centro da cultura popular ao invés de nas suas margens (onde se mantiveram títulos como Ren & Stimpy, nascidos no Nickelodeon em 1991) – a figura de George W. Bush, por exemplo, ridicularizada em canais como a Comedy Central, não foi das mais visadas em Os Simpsons, mas Al Jean diz ao Guardian que o facto de não terem uma boa voz para imitar o segundo Presidente Bush foi parte do problema. Groening diz ter saudades do foco nos problemas financeiros d’Os Simpsons e admite o anacronismo de Marge ser dona de casa. Ensina-se Os Simpsons nas faculdades, expressões Simpson integraram os dicionários (“D’oh!”), mas os novos parecem ir ainda mais longe. Quando viu Family Guy pela primeira vez, Matt Groening teve como primeira reacção “Oh meu Deus, temos concorrência”, contou numa entrevista conjunta com MacFarlane à revista Entertainment Weekly. “E estão a flanquear-nos. Esta série é mais doida e desagradável e indecente. Nós costumávamos meter-nos em sarilhos. Nós costumávamos ser a causa do declínio dos Estados Unidos. ”A série pende assumidamente para o centro esquerda, como já disseram vários dos seus responsáveis. Desde o vegetarianismo e budismo de Lisa à aceitação (não sem resistências) da homossexualidade da irmã por Marge, passando pelos direitos dos animais, pela aparição de Julian Assange no 500. º episódio de Os Simpsons ou pelos ataques à casa-mãe Fox, detida pelo magnata conservador Rupert Murdoch, “conseguimos ir bastante longe”, diz Al Jean ao diário britânico – a Fox, que se fez muito graças à família criada por Groening, é descrita como “o maior bully do bairro” por Yeardley Smith. Ao longo de 25 anos, quase não houve alterações no elenco e a família e a cidadezinha de Springfield sobreviveram a Homer e a um filme blockbuster em 2007. Os Simpsons são também um íman cultural, uma cápsula do tempo de cultura pop. A primeira palavra de Maggie (“papá”) foi proferida por Elizabeth Taylor, Meryl Streep foi a namorada de Bart e o físico Stephen Hawking, que agora quer ser um vilão Bond, já apareceu na série várias vezes. Michael Jackson, George Harrison, Ringo Starr, Paul e Linda McCartney, a realizadora Penny Marshall, os Sonic Youth, os Ramones, os Red Hot Chilli Peppers, o astronauta Buzz Aldrin, a Mrs Robinson Anne Bancroft, Mel Brooks, as estrelas de Ficheiros Secretos David Duchovny e Gillian Anderson, as irmãs tenistas Venus e Serena Williams, os realizadores Michael Moore ou Peter Bogdanovich, o basquetebolista LeBron James, os romancistas Jonathan Franzen, Michael Chabon, Tom Wolfe, Gore Vidal e Tom Clancy, o Monty Python Eric Idle, o ilustrador e argumentista Daniel Clowes, o apresentador Jon Stewart, o chef apresentador Anthony Bourdain, o Breaking Bad Bryan Cranston – todos estiveram com Os Simpsons nestes 25 anos e contam com eles pequenos pedaços da história do último quarto de século. E também houve polémicas, claro. A forma como retrataram o Brasil ou a Austrália, o episódio escrito pelo writer de graffiti Banksy, em que os animadores são ilustrados numa linha de montagem coreana, além das tentativas de Homer para tentar afastar Bart da homossexualidade ficaram entre os mais discutidos dos 561 episódios já transmitidos. A anos-luz de Os Flinstones ou de Os Jetson, a família animada Simpson tem os seus rituais bem oleados – a frase de Bart no quadro e o amontoar da família no sofá do genérico, os piscares de olho à realpolitik (o valor na caixa do supermercado visto por Marge era o custo mensal de criar um bebé em 1989, 847 dólares). Está sempre aberta a discussão sobre a parecença do milionário sovina Mr. Burns com Rupert Murdoch, mesmo sabendo-se que, oficialmente, este foi desenhado como um arquétipo da ganância e como um misto do fundador da Fox Barry Diller e. . . um louva-deus. Tal como outro debate, sempre agitado, sobre onde é a Springfield natal d'Os Simpsons, apesar de Groening ter já deslindado o mistério dizendo que se trata da Springfield do estado de Oregon. Marge foi capa da Playboy, Bart capa da Rolling Stone (e de Nevermind dos Nirvana), um episódio já foi de Lego, a matemática e a ciência têm um papel regular na série e Homer até já foi considerado o pai ideal para 22% dos jovens britânicos. A sua festa de anos oficial fez-se em Setembro com três noites de concerto no Hollywood Bowl e com maratonas e a estreia da 26. ª temporada nos EUA. Em Portugal, a festa faz-se este mês no canal Fox com 25 Anos de Simpsons – 25 Dias de Natal e a estreia da 23. ª temporada da série. Entretanto, no Twitter, a hashtag #TheSimpsons está a servir esta quarta-feira para recordar ou homenagear a série.
REFERÊNCIAS:
A serpente no Planalto: o eterno retorno do fascismo
No maior país de língua portuguesa, deixaremos de vir para a rua denunciar este terrível acontecimento? (...)

A serpente no Planalto: o eterno retorno do fascismo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: No maior país de língua portuguesa, deixaremos de vir para a rua denunciar este terrível acontecimento?
TEXTO: Em O Eterno Retorno do Fascismo, Rob Riemen enuncia algumas das teses que tantos outros intelectuais (de Manuel Castells e Slavoy Zizek a Chomsky, de Habermas a Peter Sloterdijk, de Ian Kershaw a Roger Chartier e Peter Burke) igualmente corroboram. Há dias, um manifesto internacional assinado por inúmeros pensadores, artistas, ensaístas, historiadores, professores, fez chegar (a quantos, na verdade? E sobretudo no Brasil. . . ) o repúdio por a mais que provável eleição (como Hitler, em 1933) de Bolsonaro. . . Nacionalismo, autoritarismo, homofobia, racismo, censura, belicismo, delação, manipulação dos media para efeitos de propaganda e doutrina, enfraquecimento das instituições democráticas (Tribunais, Ministério Público, Escola e Universidades), apelo ao ódio e à violência, desrespeito pela diferença, discriminação absoluta, fomento de um discurso populista e assente na demagogia; aliança com poderes obscuros ancorados no interesse da Igreja Evangélica (Edir Macedo é um dos principais apoiantes de Bolsonaro e é Macedo o dono da TV Record, canal que funcionará para o capitão como a Fox News para Trump), um exacerbado moralismo hipócrita, eis o retrato fiel de Jair Bolsonaro e dos que o acompanham. Estes sinais, que igualmente identificamos em Trump, Putin e Duderte, na nova Itália da extrema-direita; que ouvimos nas palavras e vemos nas acções de Orban e pressentimos no irracionalismo do “Brexit”, deveriam ter fortalecido a resistência das democracias. Foi a indiferença e o individualismo que nos conduziram a este precipício e, como na década de 1930, aqueles que deveriam defender as liberdades e a dignidade (palavra-chave para o ressurgimento dos regimes livres e humanistas) viraram as costas aos povos e, escudados nos seus lugares de poder e de supostos inimputáveis, julgam estar livres do que aí vem. . . Não estão. Servindo-se da Democracia e seus fracassos, Bolsonaro irá eliminar o sistema eleitoral, defenderá a existência dum partido único, destruirá direitos e garantias dos trabalhadores, e, como lembra Rob Riemen, sem uma elite intelectual e massa política impolutas, acabará por encaminhar o Brasil para um modo de vida onde só a ignorância e a superficialidade, o capitalismo mais desenfreado e a corrupção de Estado poderão imperar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pondo em primeiro lugar os interesses do empresariado (a FIESP e o agronegócio, sedentos de destruir a Amazónia para explorar as suas incalculáveis riquezas), as coordenadas por que se rege o programa do candidato do PSL são de fácil leitura para quem não tenha desprezado a História. Estamos perante a vitória de um sistema ideológico global que, desde Reagan e Thatcher, à Terceira Via de Blair, ao primado da economia e da mentalidade estatística dos governos "liberais" ou dos populismos de Esquerda, destruiu a linguagem, o pensamento e a acção política. O ódio aos intelectuais serviu, um pouco por todo o mundo, para defender o primado da opinião. Daí à simpatia que merecem frases de Trump na América profunda, às sentenças de morte e terror pronunciadas por Jair ou Maduro, Putin ou Le Pen, foi um passo. O homem comum, sem escola e ressentido, está sedento de novas formas de paternalismo que o façam sentir mais seguro. Está sedento de vingança e acabará sempre por condenar quem pensa e promove a dúvida, quem faz distinções e compreende que a Humanidade é diversidade. O seu raciocínio é este: se és elitista não és democrata e nós – porque não somos fascistas (é este o engodo) – condenamos quem problematiza, quem pergunta e quem agita os espíritos. Uma globalização pobre em referências histórico-culturais, refém dessa nova Minerva – a Tecnologia (a tese é de Habermas); uma globalização baseada num sistema educativo que no Ocidente e nos países pró-ocidentais conduziu à diversão e ao desconhecimento da Cultura, ao menoscabo da Filosofia, da Música e da Poesia, à banalização dos sentimentos, tudo reduzindo ao lucro e ao resultadismo mais nefando, esse é o real em que estamos atolados. Eis porque Nietzsche estava certo: o niilismo roubou-nos a possibilidade de nos elevarmos acima da animalidade. Bolsonaro obedece apenas a essa animalidade, a única lei que conhece é a lei dos instintos primários. É urgente que não só os intelectuais, mas toda a sociedade civil brasileira – e o mundo – actuem em conformidade com os tempos que se avizinham. Convém, para que conste, saber que Bolsonaro admira Cel Brilhante Ustra, torturador da Ditadura Militar (1964-1985) e que é ele a serpente que do Palácio do Planalto irá destilar o seu veneno. Com Trump e outros usurpadores da Democracia, o que está em causa é a dignidade humana, como bem disseram Chico Buarque e Caetano Veloso numa manifestação pró-Hadddad, a única escolha possível, um académico culto, um homem justo. Se o PT errou – e errou – não podemos esquecer um facto simples: os 87% de aprovação de Lula aquando o seu primeiro mandato; as 17 universidades que se criaram; os diversos programas de inclusão social; a profusão de escolas técnicas e um sistema de quotas para negros e índios, o acesso à educação e o histórico facto de cerca de 35 milhões de brasileiros terem sido retirados da miséria através do "bolsa-família". Se, como disse Millôr, o problema do Brasil é ter "muito passado pela frente", que lições teremos de aprender ainda para que esse passado não se faça presente? Que moral terá o mundo se a serpente chegar ao Planalto? Com que armas teremos de nos defender dos novos tiranos? E Portugal? No maior país de língua portuguesa, deixaremos de vir para a rua denunciar este terrível acontecimento?
REFERÊNCIAS:
Morreu Andy Rooney, a voz da América que encerrava o programa ‘60 Minutos’
Durante 33 anos as frases de Andy Rooney punham o ponto final no programa da CBS News ‘60 Minutos’. Rooney servia-se da agudeza de espírito e de um humor assentes num saber do dia-a-dia, de ideias bem escritas, e de uma moral refilona que podia gerar controvérsia, mas fazia com que fosse adorado pelo público norte-americano. Nesta sexta-feira a voz calou-se para sempre, Andy Rooney morreu aos 92 anos. (...)

Morreu Andy Rooney, a voz da América que encerrava o programa ‘60 Minutos’
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-11-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Durante 33 anos as frases de Andy Rooney punham o ponto final no programa da CBS News ‘60 Minutos’. Rooney servia-se da agudeza de espírito e de um humor assentes num saber do dia-a-dia, de ideias bem escritas, e de uma moral refilona que podia gerar controvérsia, mas fazia com que fosse adorado pelo público norte-americano. Nesta sexta-feira a voz calou-se para sempre, Andy Rooney morreu aos 92 anos.
TEXTO: “É um dia triste para os ‘60 Minutos’ e para todos aqui na CBS News”, disse Jeff Fager, o director do famoso programa de reportagens. “É difícil imaginar não ter o Andy por perto. Ele amava a sua vida e vivia-a segundo os seus princípios. Vamos sentir muita a sua falta”, disse citado pela Reuters. Desde 1978 que o norte-americano sentava-se atrás de uma secretária de madeira feita por ele – um hobby que manteve ao longo da vida –, e durante 1097 edições, no final do programa semanal do canal da televisão, debitou comentário atrás de comentário sobre tudo e nada na sua rubrica “Alguns minutos com Andy Rooney”. Dizia mal do tamanho das embalagens de cereais comparado com a quantidade de produto que vinha lá dentro, ou tinha apontamentos mais simples que sumarizavam ideias que assolam qualquer um: “Não há dúvida”, disse uma vez num dos seus comentários mais famosos. “Os cães são mais simpáticos do que as pessoas. ”Levava para o programa o que Deus lhe tinha dito à noite, refilava sobre a sua velhice, tinha comentários machistas. Criticou os Estados Unidos pela entrada na Guerra o Iraque, mas uma vez estando lá, a única opção seria vencê-la. Disse mal da CBS News, exigiu uma greve dos escritores pelos despedimentos na empresa ameaçando que se demitia. Propôs o fim do embargo contra a antiga União Soviética, com uma tirada onde envolvia a venda de cereais e que lhe valeu o terceiro dos quatro Emmys que ganhou: “Como é que eles nos vão levar a sério como inimigos se pensarem que no pequeno-almoço comemos Cap’n Crunch?”. Mas recorrentemente gerava controvérsia. Uma das polémicas levou-o a ficar afastado do programa durante um mês por declarações homofóbicas. “Em 1989 houve um certo reconhecimento do facto que muitos dos nossos males que nos matam são auto-induzidos. Demasiado álcool, demasiada comida, drogas, uniões homossexuais, cigarros. Tudo isto é conhecido por levar muitas vezes a mortes prematuras”, disse em Dezembro de 1989, num programa especial chamado “Um ano com Andy Rooney”. O comentário, associado com declarações racistas que supostamente Rooney teria dito, mas que nunca chegaram a ser comprovadas e que ele sempre desmentiu, levou a críticas severas que fez com que a CBS News o tirasse do programa durante três meses. Mas o canal, que estava habituado a ver o número de espectadores a subir ao longo de cada edição semanal dos ‘60 Minutos’ à medida que o “momento Rooney” se aproximava, sentiu a perda dos seus comentários com uma baixa de 20 pontos percentuais no visionamento do programa e recebeu centenas de pedidos por parte do público a querê-lo de volta. Por isso a ausência do jornalista acabou por ser só de um mês. Outras das polémicas foi em 1994, quando Rooney criticou Kurt Cobain pelo suicídio, alegando que só poderia falar de sofrimento quem viveu a Grande Depressão ou a Segunda Guerra Mundial. Mas sob todos os queixumes sobre a american way of life, onde incluía as suas próprias falhas, estava um homem que gostava da sua vida. Na última edição do seu programa, no passado 2 de Outubro, Rooney disse isso mesmo: “Queixei-me de muita coisa aqui, mas de tudo o que me queixei, não me posso queixar da minha vida. ”“Por baixo daquele exterior ríspido, estava um interior espinhoso… e mais profundamente, estava um homem doce e gentil, um patriota com um amor por todas as coisas Americanas, como um bourbon de qualidade e um ódio delicioso pelo preconceito e pela hipocrisia”, disse Morley Safer, em comunicado, colega no programa ‘60 Minutos’. Uma vida do século XXAndrew Aitken Rooney nasceu a 14 de Janeiro de 1919, em Albany, Nova Iorque. Foi um aluno médio que acabou por entrar para a Universidade, durante os estudos foi chamado para o serviço militar contra sua vontade, três meses antes de Pearl Harbor.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra suicídio homem cães
Fernando, Gilberto e a água do Bengo
Angola, terra fantástica, deu-me todas as respostas nas idades das perguntas todas. Devo-o aos irmãos Fernando e Gilberto, ao carimbo que me deixaram. (...)

Fernando, Gilberto e a água do Bengo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Angola, terra fantástica, deu-me todas as respostas nas idades das perguntas todas. Devo-o aos irmãos Fernando e Gilberto, ao carimbo que me deixaram.
TEXTO: Às vezes, perguntam-me. Chegaram a confrontar-me politicamente, como se o escondesse. A razão por que não me chamo Santos e Castro é prosaica: quando nasci, a lei proibia que alguém fosse registado com mais de três apelidos. Como o apelido de meu pai era composto (Santos da minha avó, Castro do meu avô) e o da minha mãe binominal (Almeida Ribeiro), os meus pais preferiram respeitar a integridade do apelido da minha mãe a transmitir o nome profissional de meu pai. Assim fiquei com os três apelidos do limite legal: Almeida Ribeiro e Castro — e, na cultura da Faculdade de Direito, fiz o “Ribeiro e Castro”. Tenho orgulho e muita honra nos dois irmãos Santos e Castro, grandes referências e exemplos na minha vida e formação, a que dedico o Dia dos Irmãos que se festeja para a semana (31 de Maio). A minha avó, Santos, e o meu avô, Castro, eram ambos de longa ascendência madeirense, ilhéus mesmo ilhéus — não lhes conheço avoengo doutra terra. O meu pai, Fernando, nasceu no Funchal, em 1922; o meu tio, Gilberto, era angolano, nascido no Lobito seis anos depois. O meu avô Castro fez-se oficial das Alfândegas e concorreu à carreira de África. Colocado como director em São Tomé, quando o meu pai tinha três meses de idade, navegou com a família para África. Poucos anos depois, é colocado em Angola, onde parece que a carreira se fazia de sul para norte: Moçâmedes (hoje, Namibe), Benguela, Lobito e Luanda. O meu tio nasceu na escala do Lobito, mediando seis anos dessa errância africana. Depois, a família rumou a Luanda, onde ficou até 1939, altura em que o meu avô se reformou, por problemas de saúde, vindo para a Amadora e, enfim, Lisboa. Os seis anos de diferença não perturbaram a coesão e cumplicidade dos irmãos Santos e Castro. Sempre me lembro deles assim, desde Mafra ou Lisboa a Luanda, Salazar, Cambambe ou Massangano, ou a Madrid e Lisboa outra vez. O meu tio Gilberto era assaz selectivo nos alimentos. Cunhou esta frase: “Não como camarão, e gafanhoto também não; não como caranguejo, nem aranha. Não como bichos de forma pouco definida, nem animais com asas. Não como caça, nem mamíferos abaixo de vitela. ” Se interrogado sobre o apertado catálogo alimentar, proclamava: “Eu é que sou de ‘boa boca’. Não como de tudo. ”Quando tinha dez anos, num jantar de festa em Luanda, notou que o meu pai, com 16 anos, punha os rabanetes de parte. Era uso, então, decorar pratos e travessas com rabanetes, nomeadamente bifes, carne assada ou quejandos — ainda apanhei esse costume por meus avós. Perguntou o meu tio, que tinha o seu geniozinho inventivo: “Fernando, tu não comes os rabanetes?” Perante o olhar de espanto do meu pai, atalha a minha avó: “Porquê? Gostas de rabanetes?” Resposta pronta: “Eu gosto muito de rabanetes! Como sempre os rabanetes. ” E, para não ser desmentido, comeu os dois rabanetes que tinha no prato. A consequência, reza a lenda familiar, foi a de, por uma semana inteira, só ter, no prato, rabanetes para almoço e jantar. Não acredito que a minha avó, que era brincalhona, fosse tão severa. 24 horas de dieta de rabanete terão bastado para educar o génio do filho mais novo — e completar o seu catálogo alimentar: nunca o vi comer rabanetes. Aliás, a ninguém — rabanete era paisagem. Viveram a infância e a juventude em Angola. Eram angolanos, embora só um nascido lá. Foi por eles que, muito antes de lá ter ido, bebi a água do Bengo, o feitiço que marca os que lá viveram ou por Angola se deixaram tocar. As histórias de juventude que lhes ouvia, as aventuras, as brincadeiras, as paródias, eram de Luanda. Cresci com esse mistério distante. Com a guerra em 1961, o meu tio, que era militar, foi para Angola, onde faria três comissões e fundaria os Comandos. Seguíamos com ansiedade as notícias. Mas lembro, em especial, o Verão de 1963, altura em que o meu tio voltou cá. Eu tinha nove anos. Recordo, ainda maravilhado, os serões na pequena varanda de S. Domingos de Rana, na casa que viria a ser de meu irmão e meus sobrinhos. A casa está muito diferente, a varanda ainda lá está. Era a varanda onde o meu pai gostava de pôr-se literalmente a ver navios, de binóculos assestados sobre a foz do Tejo, lá em baixo, em São Julião da Barra. A varanda que dava para a pequena salinha onde, três anos depois, noutro Verão famoso, o do Mundial 1966, escaqueirei um divã, aos pulos consecutivos de entusiasmo, a partir do terceiro golo de Portugal contra a Coreia do Norte — aquele jogo inesquecível que vencemos por 5-3, depois de estarmos a perder 0-3. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Depois de jantar, o meu pai e o meu tio foram para a varanda, onde só cabiam os dois, à conversa pela madrugada dentro. Eu sentei-me no chão, atrás, já na salinha, a escutá-los. O meu tio falava mais, meu pai punha as perguntas. Também terão falado da guerra, mas disso não me lembro; lembro as memórias da terra. Lembro-me porque eram sítios que nunca vira, apenas podia imaginar, por entre o diálogo dos irmãos, carregado de saudade, episódios, exclamações e gargalhada. O Aero-Clube, a Fortaleza, a Samba, a marginal, a Brito Godins, a Mutamba, as Ingombotas, o São Paulo, a Maianga, Cacuaco, a estrada de Catete, a ilha, o Clube Naval, a alfândega, a Cidade Alta, o Liceu Salvador Correia. . . “E à Restinga, Gilberto, foste?” Sim, o meu tio também tinha ido à Restinga, no seu Lobito natal. Foi por eles que bebi à água do Bengo. Quando, no Verão de 1970, fui pela primeira vez a Luanda com meus pais e meu irmão, pareceu-me que já conhecia, por causa daquele Verão de 1963 e doutros serões assim. Não sonhavam de todo que um viria a ser governador-geral e outro do distrito de Cuanza Norte. O meu tio vivia, então, no bairro de Alvalade, onde moravam alguns militares com suas famílias. Acompanhei, deliciado, os dois irmãos, na romagem pela infância e juventude. Fomos à casa que tinha sido a de meus avós, de que não lembro a morada. Na minha memória, ficou como a casa do “Quitufo”, porque aí ouvi, em directo e ao vivo, a formidável proeza. O “Quitufo” era o gato da minha avó. Foi recrutado pelos dois irmãos, sob a orientação técnica de meu pai, para uma experiência aeronáutica. Subiram ao telhado da casa, enfiaram o gato num saco de pão, com a cabecita de fora, penduraram-no pelos atilhos no cabo de um guarda-chuvas e lá foi o bichano de herói paraquedista até ao chão. A experiência tinha pouco risco, uma vez ser conhecido que os gatos têm sete vidas — e, ali, só arriscava uma. Aterrou, aliás, de boa saúde. Tão boa que, mal os irmãos o libertam do saco, o felino fugiu como um foguete; e só apareceu dois dias depois, para grande inquietação da minha avó. Creio que foi poupada à razão do desaparecimento. Por providência divina, os gatos miam e não falam. Nunca houve denunciante. A marca que tenho de Angola é de histórias entretecidas comigo mesmo, em que as imaginadas são mais fortes do que as vividas. Angola, terra fantástica, deu-me todas as respostas nas idades das perguntas todas. É por isso que tenho tanta pena de não ser angolano. Devo-o aos irmãos Fernando e Gilberto, ao carimbo que me deixaram.
REFERÊNCIAS:
Profetas e lucros
Em África, as Igrejas evangélicas, pentecostais e carismáticas estão a atrair um número crescente de fiéis. No Gana, são tantas e tão variadas que é impossível quantificá-las. Muitas assentam a liderança numa pessoa que, regra geral, faz questão de ostentar a riqueza conquistada em nome da religião. Depois do dinheiro e da fama, há “anjos”, “profetas” e “pastores” ganeses a dominar estruturas sociais, como as universidades e hospitais, e a entrar na política. (...)

Profetas e lucros
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em África, as Igrejas evangélicas, pentecostais e carismáticas estão a atrair um número crescente de fiéis. No Gana, são tantas e tão variadas que é impossível quantificá-las. Muitas assentam a liderança numa pessoa que, regra geral, faz questão de ostentar a riqueza conquistada em nome da religião. Depois do dinheiro e da fama, há “anjos”, “profetas” e “pastores” ganeses a dominar estruturas sociais, como as universidades e hospitais, e a entrar na política.
TEXTO: A igreja está cheia. E três mil pessoas, talvez mais, cantam, dançam e rezam. De pé, no altar, com as mãos atrás das costas, peito para fora e queixo levantado, o “anjo” Obinim contempla os seus fiéis seguidores. Impecavelmente vestido, acena com a cabeça quando alguns membros da congregação se levantam e se aproximam, lançando-lhe notas aos pés. Auto-intitula-se “anjo”, porque o título de “bispo” era insuficiente. Daniel Obinim tinha apenas 40 anos quando fundou aquilo que hoje se pode considerar um império: a Igreja Internacional da Vontade de Deus, um mundo pejado de bens materiais que aquele líder não se inibe de ostentar publicamente. Numa entrevista recente, afirmou que Jesus Cristo lhe concedeu mais de 20 casas, oito Range Rovers, cinco SUV e três Chryslers; os seus fiéis têm autocarros que os levam à igreja, e construiu três dos maiores templos do Gana, em Acra, Kumasi e Tema. Já foi detido mais de uma vez: por ofender e agredir um jornalista que se atreveu a criticá-lo; e por chicotear numa igreja com milhares de pessoas a assistir dois rapazes que tinham uma relação. Apesar destes problemas com a Justiça, três vezes por semana Daniel Obinim vê as suas igrejas a abarrotar de pessoas que deixam generosas oferendas, compram garrafas de “água milagrosa” e testemunham os “milagres” que protagoniza: ressurreição de moribundos, curas inesperadas, profecias. Obinim é uma das mais polémicas figuras do mundo religioso ganês, mas não é a única. Também não é o único a ter acumulado uma enorme riqueza graças à religião, e não é o único a levar milhares de seguidores às suas igrejas. Na verdade, a religião está muito presente em todos os estratos sociais do Gana, com uma população de cerca de 28 milhões de pessoas e um dos vários países africanos onde o cristianismo está a crescer. No entanto, e apesar de aparentemente o coração do cristianismo mundial estar a mover-se para o Hemisfério Sul, em África são as igrejas evangélicas, pentecostais e carismáticas que estão a atrair maior número de fiéis. Nas estradas ganesas, há em todos os cruzamentos anúncios e placas que indicam o caminho para as igrejas, muitas das quais fundadas e geridas por apenas uma pessoa, um “profeta”, um “pastor”. É impossível contá-las a todas. De acordo com o Pew Center de Washington, havia no Gana cerca de três milhões de evangelistas em 2000. Em 2015 eram já cinco milhões e meio. Por seu lado, as igrejas pentecostais e carismáticas tinham cerca de seis milhões e meio de seguidores em 2000, ao passo que em 2015 esse número já ultrapassava os dez milhões. E os números continuam a subir. “Estas igrejas estão a viver um boom, porque dão resposta aos desejos materiais das pessoas”, afirma Akosua Adomako Ampofo, professor do Instituto de Estudos Africanos da Universidade do Gana, em Acra. “A população, especialmente nas partes mais pobres da cidade, procura soluções para as suas necessidades diárias e, portanto, sente-se atraída pelas promessas de riqueza, a que se juntam as curas milagrosas. ”Conhecido por “evangelho da prosperidade”, esta corrente do pentecostismo defende que a fé pode atrair riqueza e benesses, e que as doações e as orações são o caminho para a melhoria das condições de vida do crente. Não é por acaso que os pastores e os profetas destas Igrejas exibem a sua riqueza e prosperidade, e que os devotos estão frequentemente dispostos a fazer doações não só nas cerimónias, mas também ao longo de todo o ano, sob a forma de dízimo – 10% do salário. “As diferenças entre as várias Igrejas são quase imperceptíveis”, diz o professor Adamako, “e, por isso, é muito difícil, senão impossível, categorizá-las como evangélicas, pentecostais ou carismáticas. ” Perante a encruzilhada de credos, é mais simples definir algumas das suas características comuns: uma leitura literal da Bíblia, a ênfase na riqueza e no bem-estar, um forte empenho na divulgação do Evangelho, a fé no poder divino como cura de doenças e lesões e uma crença em milagres, tal como nos tempos bíblicos. As actividades destas Igrejas não se limitam às cerimónias semanais: têm todas um papel muito importante no tecido social, e algumas delas fundaram, ao longo dos anos, universidades, hospitais e escolas, que continuam a crescer e a substituir o Estado onde a sua presença não é suficiente. A África subsariana tornou-se uma das zonas do globo onde mais florescem as universidades cristãs, impulsionadas pela forte procura por educação superior e decididas a institucionalizar o seu sucesso nas sociedades africanas. Igrejas como a Capela da Acção, a Igreja Internacional Central do Evangelho ou a Igreja de Pentecostes – esta com milhares de divisões apenas no Gana – possuem canais de televisão, estações de rádio e editoras, além das universidades e escolas. Estas são as correntes, que têm uma estrutura mais organizada, ao contrário das que depositam numa só pessoa todo o controlo, especialmente da enorme quantidade de dinheiro que vai entrando. “A propagação do cristianismo no Gana e em África tem infelizmente tido também alguns aspectos negativos”, diz o “apóstolo” Opuku Onyinah, número um da Igreja de Pentecostes. “Por exemplo, há quem veja na Igreja um caminho rápido para a riqueza, o que levou muitas pessoas sem preparação teológica e cultural a fundarem as suas próprias Igrejas e a enriquecerem com elas. Há muitos charlatães no cristianismo. ” Um negócio, importa mencionar, livre de impostos. Entre estes líderes religiosos, poucos são os que têm verdadeiros estudos teológicos prévios, e maior parte deles atrai os seus seguidores publicitando curas milagrosas de doenças letais, como a hepatite ou a sida. Um deles é Nigel Gaisie, que fundou a Igreja do Ministério do Fogo Profético e da Verdadeira Palavra em Acra, em 2010. Às quatro da manhã, Nigel está aos microfones da Radio Vision One FM e, com a ajuda de alguns participantes, fala sobre a Bíblia, dinheiro, milagres e doenças. Sem rodeios, afirma ser capaz de curar a hepatite e a sida. Às sextas-feiras à noite repete as mesmas palavras: perante cerca de mil fiéis, garante ser capaz de neutralizar qualquer doença. “Estas doutrinas têm um impacto directo no sistema de Saúde do Gana, nas vidas das pessoas, na cultura”, explica Roslyn Mould, activista feminista de 33 anos, “especialmente nas aldeias mais pobres, onde muitas vezes as pessoas preferem levar os doentes à igreja do que ao hospital, decisão que frequentemente tem consequências trágicas. ” A influência destas Igrejas e destes profetas nas suas comunidades de fiéis é tão forte, que os crentes põem as suas vidas nas mãos da fé, muitas vezes decidindo não recorrer aos hospitais ou interrompendo tratamentos em curso. E é devido ao seu papel na sociedade que estes profetas e as suas Igrejas se tornaram também protagonistas nos meios políticos ganeses e africanos. “Mesmo que não concorram directamente, os profetas e as suas comunidades de seguidores tornam-se inevitavelmente num eleitorado-alvo para os políticos, que fazem questão de aparecer nas primeiras filas nas cerimónias religiosas, prontos a fazer generosas doações e a tirar fotografias com os líderes espirituais”, diz Michael Osei-Assibey, da Federação de Direitos Humanos do Gana. É quando se trata de assuntos como direitos civis e LGBT, maternidade e aborto, que os profetas assumem posições políticas. Há muitas diferenças entre as Igrejas evangélicas, pentecostais e carismáticas, mas há uma questão em que todas concordam: não há espaço sequer para mencionar ou discutir os direitos LGBT. Há os que afirmam ser “uma questão de boas maneiras”. É o caso do “reverendo” Prince Manu, fundador da Igreja das Correntes do Poder, que declara que no Gana “gays e lésbicas não podem ser aceites, não só por razões religiosas, mas também por razões culturais”. Manu, afirma, no entanto, estar “disposto a recebê-los na Igreja para os curar”. Há ainda aqueles que nem sequer tentam esconder a sua homofobia, como Nigel Gaisie: “A homossexualidade é a abominação de Deus, um insulto a Deus. Nunca deixarei um homossexual entrar na minha igreja. Nem os cães do mesmo sexo copulam. A questão dos direitos LGBT é um assunto do Ocidente, são os países europeus que querem que aceitemos algo que não tem nada que ver connosco, com o objectivo de contaminarem a nossa sociedade. ”Opinião que não está longe da de Mike Oquaye, porta-voz do Parlamento do Gana e também ele “pastor”, que esteve na génese de uma campanha para modificar as leis do país e criminalizar a homossexualidade. Tal ainda não aconteceu, mas continua a assistir-se a violência e a ataques contra a comunidade homossexual. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É por isso que pessoas como Michael se continuam a esconder. Têm medo de assumirem a sua homossexualidade por temerem represálias e vivem com um estigma que os persegue até dentro das próprias famílias. “Os líderes destas Igrejas atacam a comunidade LGBT todas as semanas, perante milhares de pessoas”, lamenta Michael. “E depois há quem organize patrulhas para procurar homossexuais, batem às portas todas. Já aconteceu mais do que uma vez, e a polícia nada faz. Pelo contrário, ainda nos humilha. Batem-nos, chicoteiam-nos, roubam-nos. Toda a violência que sofremos é resultado do ódio dessas Igrejas, que estão a espalhar-se cada vez mais e que obrigam os políticos a cavalgarem a onda dos sentimentos humanos mais sinistros que há. ”Esta reportagem foi possível graças ao apoio do Pulitzer Center on Crisis ReportingTradução de António Domingos
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Religiões Cristianismo
Do infortúnio à euforia em ano e meio: o que correu bem a Portugal
Do desporto à cultura, os portugueses têm coleccionado troféus. A economia mostra sinais de retoma. O turismo disparou. O país está melhor e recomenda-se. (...)

Do infortúnio à euforia em ano e meio: o que correu bem a Portugal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento -0.16
DATA: 2017-05-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Do desporto à cultura, os portugueses têm coleccionado troféus. A economia mostra sinais de retoma. O turismo disparou. O país está melhor e recomenda-se.
TEXTO: No sábado, Salvador Sobral ganhou a Eurovisão, o Papa canonizou dois pastorinhos e o Benfica sagrou-se tetracampeão. Nem dois dias depois, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que o PIB tinha crescido 2, 8% no primeiro trimestre do ano. Portugal está melhor e recomenda-se. Aliás, "o que mais pode correr bem?", questionava João Miguel Tavares na sua coluna desta terça-feira. A resposta vinha no editorial de David Dinis: "Portugal está prestes a largar os défices excessivos. E só lhe falta, para fazer bingo, que uma agência de rating tire Portugal do lixo". Já Miguel Esteves Cardoso dizia a 4 de Março, antes da última leva de boas notícias e a propósito do aniversário do PÚBLICO, que "Portugal é o melhor naco da Europa". Compilámos aqui os momentos mais extraordinários do último ano e meio. Se nos tiver falhado algum, acrescente-o nos comentários. A "geringonça", palavra do ano de 2016, é uma solução política portuguesa que tem sido falada pela Europa. Surgiu como resposta à derrota do PS nas eleições legislativas e agrega quatro cores políticas de esquerda: o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e Os Verdes. A tradução do nome não é fácil, nem a criação do tipo de Governo. Em Janeiro de 2017, jovens curiosos do Partido Trabalhista holandês (PvdA) vieram a Portugal aprender com a negociação liderada por António Costa e estudar as políticas que gostariam de implementar nos Países Baixos. António Costa, em Abril deste ano, defendeu que o modelo da “geringonça” — em que o PS governa com base no seu programa e nos acordos escritos com partidos mais à esquerda — se deve manter mesmo que os socialistas venham a ganhar a maioria absoluta nas próximas eleições legislativas. Em Fevereiro de 2017, a "geringonça" fazia manchete na edição europeia do Politico. “A esquerda europeia quer uma peça da contraption ['geringonça'] portuguesa” era título o artigo do jornalista Paul Ames. “Os socialistas europeus andam à procura de uma fórmula que inverta a sua decadência eleitoral e estão a folhear os dicionários para encontrarem uma tradução da palavra portuguesa geringonça”, começa por dizer o texto. Ainda recentemente o ex-secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez, elogiou a solução governativa encontrada em Portugal. O socialista espanhol elogiou a “via portuguesa” e o “acordo vanguardista de esquerdas”, liderado pelo primeiro-ministro português. Mas não só de política é feita a fama portuguesa na imprensa internacional. “Portugal está no meio de algo notável”, começa assim a reportagem especial dedicada a Portugal na edição de Março da revista britânica Monocle, que considera que o país está a ultrapassar a crise, ao manter o comércio tradicional (como o fabrico de sapatos e cortiça) e, simultaneamente, ao inovar no campo da tecnologia, da energia e da mobilidade. António Guterres foi eleito como secretário-geral da ONU no processo mais transparente de sempre, o que lhe dá uma legitimidade comparativa extra. A apresentação da candidatura de António Guterres em Nova Iorque foi elogiada pela imprensa internacional, da BBC ao Guardian (. . . ), da revista Economist à agência EFE. O perfil do antigo primeiro-ministro português combina, segundo estes meios, a solidez das convicções com a capacidade de diálogo, consideradas necessárias para combater os perigos do tempo actual — o populismo, o racismo, a xenofobia. O mandato de Guterres em Nova Iorque começou a 1 de Janeiro de 2017. Economia portuguesa acelera ao ritmo mais forte da década e cresceu 1% durante o primeiro trimestre de 2017. Mário Centeno afirmou que esta aceleração da economia "ocorre num contexto onde o défice das contas públicas atingiu o valor mais baixo da democracia". O Governo sublinha que os valores do PIB superam as expectativas inscritas no Orçamento de Estado. Também no arranque de 2017, a taxa de desemprego desceu para 10, 1%. Os dados do INE mostram que no primeiro trimestre deste ano o desemprego ficou abaixo dos 10, 5% registados no trimestre anterior e dos 12, 4% verificados no período homólogo de 2016. O emprego público aumentou 1% no mesmo período. O Stade de France, em Paris, assistiu à mais épica noite do futebol nacional. Pela primeira vez na história, Portugal conquistou um título num grande torneio e é o novo campeão europeu. Éder foi o marcador do golo que deu o título europeu à selecção portuguesa. O feito alcançado em França seguiu-se a uma época em que o Benfica se sagrou tricampeão. Uma marca pouco comum nos últimos anos para a equipa da Luz, que um ano mais tarde, a 13 de Maio de 2017, conquistou mesmo o "tetra". Uma sequência inédita para os "encarnados" — algo que não é motivo de alegria para todos os portugueses, mas é pelo menos para a multidão que encheu o Marquês, em Lisboa, quatro anos consecutivos (e merece, por isso, estar nesta lista). Cristiano Ronaldo ganhou a quarta Bola de Ouro, troféu atribuído pela revista francesa France Football, e que serve para distinguir o melhor futebolista do mundo nesse ano. Vencedor em 2008, 2013 e 2014, o português do Real Madrid ganha o troféu relativo a 2016 e fica a apenas uma Bola de Ouro do jogador com mais distinções – o argentino Lionel Messi. Do relvado para os pavilhões, Ricardinho foi eleito pelo terceiro ano consecutivo o melhor jogador do mundo de futsal, prémio atribuído pelo site Futsal Planet. Leonardo Jardim foi eleito, na quarta-feira, treinador do ano referente à época de 2016/2017 em França. O galardão é atribuído pelo Sindicato de Jogadores Profissionais que distinguiu o percurso do técnico do Mónaco — que acabou por vencer a Ligue 1, o primeiro português a consegui-lo desde Artur Jorge (1993/94). Nelson Évora contrariou as expectativas e voltou a ganhar um título europeu indoor no triplo salto, na última jornada dos Campeonatos Europeus de Atletismo, que decorreram em Março. Também em Belgrado, Patrícia Mamona obteve a prata na prova do triplo salto, a sua terceira medalha europeia na disciplina, depois das conquistadas ao ar livre em 2012, em Helsínquia (prata), e em 2016, em Amesterdão (ouro). Em Abril, Jéssica Augusto venceu a maratona de Hamburgo, na Alemanha, garantindo mínimos para os Mundiais de 2017, que se vão disputar em Londres. Telma Monteiro conquistou a medalha de bronze na categoria de -57kg, após derrotar a romena Corina Caprioriu nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em Agosto de 2016. Aos 30 anos, a glória olímpica é algo que a judoca pode meter na pilha das coisas que já conquistou, juntamente com cinco títulos europeus e quatro medalhas de prata em Mundiais. Em cinco meses, Portugal foi apontado como um exemplo na Educação pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) por duas vezes. A primeira, em Dezembro de 2016, nos resultados do PISA, os alunos portugueses ficaram pela primeira vez acima da média europeia. O director do departamento de Educação da OCDE, Andreas Schleicher, sublinhou que Portugal teve “progressos incríveis” no programa internacional de avaliação de alunos. Na terça-feira, Portugal voltou a receber elogios no seguimento da iniciativa do Ministério da Educação de ouvir os alunos no âmbito da definição de um novo perfil de competências à saída da escolaridade obrigatória e da flexibilização curricular que está a ser preparada. No que diz respeito ao ensino superior, as faculdades de economia da Universidade Católica Portuguesa e da Universidade Nova de Lisboa estão entre as 50 melhores do mundo, segundo o ranking de programas de formação de executivos do jornal britânico Financial Times, publicado em Maio de 2017 (a Porto Business School também consta da lista, mas está um pouco mais abaixo, em 69. º). O Papa Francisco visitou Portugal, onde permaneceu apenas 23 horas. Em Fátima, canonizou Francisco e Jacinta Marto, que passaram de beatos a santos. O Papa encontrou-se com Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, logo à sua chegada à base aérea de Monte Real, e com o primeiro-ministro, António Costa, no dia 13, já no Santuário de Fátima. Chegou a dizer-se que era impossível e a música foi considerada pouco festivaleira. Mas Salvador Sobral de 27 anos venceu mesmo a Eurovisão, deixando de parte os adereços. O músico colou um país inteiro à televisão, para voltar a ver a Eurovisão, e foi recebido por milhares no aeroporto de Lisboa. No início de 2017, Portugal teve a maior representação de sempre no festival Eurosonic em Groningen, na Holanda. O evento serviu de montra para a música europeia e contou com a presença de 5 mil profissionais da indústria musical. Este ano teve Portugal como país em destaque. Os 23 nomes que fizeram parte da armada portuguesa que atuou na Holanda eram nomes tão diferentes como Glockenwise ou Gisela João, DJ Ride ou Noiserv, Marta Ren ou Rodrigo Leão, The Happy Mess ou Octapush, Batida ou Best Youth. Este acontecimento foi apenas mais um sintoma da cada vez maior presença internacional da música feita em Portugal. Nuno Lopes ganhou prémio de melhor actor em Veneza com São Jorge, filme de Marco Martins que retrata os anos de intervenção da troika. O actor interpreta um boxeur que, no cume da crise financeira em Portugal, trabalha para uma empresa que cobra dívidas difíceis. O Urso de Ouro de Berlim para melhor curta, em 2016, foi para Leonor Teles com a Balada de um Batráquio, uma curta-metragem de dez minutos sobre as superstições, os mal-entendidos e a xenofobia para com a etnia cigana. O mote é a colocação de estatuetas em forma de sapos de louça à porta das lojas para impedir a entrada de ciganos. Este ano, foi a curta-metragem Cidade Pequena a ser distinguida com o prémio Urso de Ouro no Festival de Berlim. O realizador, Diogo Costa Amarante, filma a relação entre uma mãe (Mara Costa Amarante) e um filho (Frederico Costa Amarante) que descobre na escola, aos seis anos, que as pessoas morrem quando o coração delas pára. De Locarno, João Pedro Rodrigues regressou com um prémio — Melhor Realizador, por O Ornitólogo, sucedendo nesta categoria a Pedro Costa, que ganhou na edição de 2014 por Cavalo Dinheiro. Há sete novos restaurantes com estrela Michelin em Portugal e mais dois que alcançam a segunda. A novidade foi anunciada em Novembro de 2016 em Girona, Catalunha. Os restaurantes Alma e Loco, em Lisboa, LAB by Sergi Arola, na Penha Longa, Sintra, Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, Antiqvvm, no Porto, e William, no Funchal, são as novidades absolutas no lote das estrelas do novo guia, aos quais se junta o regresso do L’And Vineyards, em Montemor-o-Novo, que tinha saído da lista na última edição. Os novos duas estrelas são o The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, e o Il Gallo d’Oro, no Funchal. Três vezes nomeado. Três anos eleito. O Porto voltou vencer a competição de melhor destino europeu do ano, promovida pela European Consumers Choice, ficando em primeiro lugar na votação online. Os turistas gastam cada vez mais dinheiro no Porto e no Norte, segundo um estudo elaborado pelo IPDT — Instituto de Turismo, em parceria com o Turismo do Porto e Norte de Portugal (PNP) e o Aeroporto do Porto, o Perfil dos Turistas do Porto e Norte de Portugal durante o Inverno IATA 2016-2017 reporta um aumento de 222 euros no consumo médio por estada face ao mesmo período de 2015/16, altura em que a estada média se situou em seis noites. Portugal também tem a piscina mais bonita da Europa. O site European Best Destinations (EBD) elegeu a piscina do The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, como a mais bonita da Europa. Num ranking com oito lugares está outra piscina situada em solo nacional: a do The Vine Hotel, no Funchal. Depois do título de melhor destino europeu, de melhor praia e de melhor piscina, os prémios do European Best Destinations (EBD) continuam. Desta vez, os Açores foram eleitos a melhor paisagem da Europa. O Vale do Douro ficou em 11. ª posição na lista. A Praia de Galapinhos foi considerada a melhor da Europa. O Prémio European Best Destiantions escolheu a praia de Setúbal, três meses depois da eleição do Porto como melhor destino europeu. A Web Summit decorreu em Novembro de 2016, em Portugal, ao ritmo do crescente ecossistema de startups. Um evento que contou com a presença de mais de 50 mil participantes de 166 países. A cimeira tecnológica que nasceu em 2010 na Irlanda, e que se realizou pela primeira vez em Portugal, vai manter-se em Lisboa até 2020 e poderá prolongar-se por mais dois anos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na cimeira da tecnologia estiveram 66 star-ups nacionais e 15 mil empresas estiveram presentes. E o resultado do ano passado é tão positivo que a organização da próxima edição decidiu ter mais espaço disponível e contará com um programa de voluntariado que vai pôr 500 jovens a acompanhar os mais importantes oradores do encontro. Texto editado por Hugo Torres
REFERÊNCIAS:
“Se Lisboa só pudesse ter um museu, esse museu deveria ser o das descobertas”
Jared Diamond Viveu entre os últimos caçadores-recolectores do mundo e emociona-se com o fim iminente desse modo de vida. Defende que para perceber o mundo actual temos de recuar à pré-história e que há coisas a aprender com as sociedades tradicionais. Para este prestigiado académico, uma das vantagens históricas da Europa é a sua desunião. (...)

“Se Lisboa só pudesse ter um museu, esse museu deveria ser o das descobertas”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jared Diamond Viveu entre os últimos caçadores-recolectores do mundo e emociona-se com o fim iminente desse modo de vida. Defende que para perceber o mundo actual temos de recuar à pré-história e que há coisas a aprender com as sociedades tradicionais. Para este prestigiado académico, uma das vantagens históricas da Europa é a sua desunião.
TEXTO: Jared Diamond não é um académico qualquer. Sereno, empático e de ar saudável, na sua presença sente-se como devem ter sido extraordinários os seus 81 anos, feitos há menos de uma semana. Durante décadas conviveu e fez amigos entre os membros das sociedades tradicionais das ilhas da Nova Guiné, que estão entre os últimos caçadores-recolectores do mundo, um modo de vida com seis milhões de anos, prestes a desaparecer. Quando estava nos “trintas” um novo-guineense chamado Yali fez-lhe uma pergunta: porque é que vocês brancos desenvolveram tantas coisas e as trouxeram para a Nova Guiné, mas nós, negros, tínhamos tão poucas coisas nossas? É uma pergunta avassaladora. Para a responder, não basta dizer que as várias sociedades humanas se desenvolveram de formas diferentes, que algumas chegaram à era espacial no século XX enquanto outras se mantiveram com tecnologia da Idade da Pedra até aos tempos modernos. É preciso tentar explicar porquê. Por exemplo, porque é que a agricultura e as ferramentas de metal apareceram em certos locais e não noutros? Estas são para Jared Diamond as razões últimas, necessárias para responder à pergunta de Yali. Duas décadas volvidas, e já muito depois da morte de Yali, publica um livro com a sua tentativa de resposta, Armas, Germes e Aço. Em três palavras, são estas as razões imediatas para que os europeus e os seus descendentes tenham dominado o mundo num piscar de olhos, de apenas cinco séculos. Mas Diamond tenta chegar às razões últimas, ou seja, aos acontecimentos e circunstâncias que após o fim da última Idade do Gelo fizeram com que as coisas tivessem sido assim. O livro valeu-lhe o prestigiado Prémio Pulitzer em 1998. Tem várias obras de divulgação científica publicadas, todas sucessos planetários. No mais recente “O mundo até ontem” mostra-se grato pelas vantagens da modernidade, mas diz-nos que podemos aprender algumas coisas com as sociedades tradicionais. Não imitá-las, apenas adoptar algumas soluções para problemas específicos que certas sociedades resolveram melhor do que nós. O pai era físico, a mãe linguista, professora e pianista. Jared é professor de Geografia na Universidade de Califórnia em Los Angeles (UCLA), mas ao longo da vida teve vários interesses e carreiras, sucessivas e em paralelo. Fisiologia, ornitologia, ecologia, história ambiental, entre outras. No final dirá que, apesar da importância da colaboração científica multidisciplinar, há uma vantagem em ter muito conhecimento num cérebro só. Veio a Portugal a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos para participar no encontro O Trabalho Dá Que Pensar. Resume aqui de modo dramático a sua resposta à pergunta de Yali, fazendo uso da arte da síntese, desenvolvida ao longo de décadas de contacto com jornalistas. Daí partimos para as descobertas portuguesas e respectiva proposta de criação de museu em Lisboa. Falamos ainda sobre as diferenças na educação, na avaliação de riscos e no envelhecimento, nas sociedades tradicionais e na nossa. E das vantagens e desvantagens da inteligência artificial. Pelo caminho, mandou-me deitar fora o saleiro. Algumas populações humanas permaneceram caçadoras-recolectoras até há pouco tempo. Outras evoluíram para formar sociedades muito complexas. Como é que as coisas aconteceram de maneira tão diferente?As diferenças entre as sociedades humanas modernas resultam de diferenças na geografia e biogeografia, ao longo dos últimos 10 mil anos. Em particular na disponibilidade de espécies animais e de plantas adequadas para domesticação, mais do que em diferenças entre as pessoas em si. Se entendi correctamente, não há mérito de uma sociedade particular por ter evoluído de uma certa maneira. Não há diferenças inatas nas populações, as diferenças estão nos seus ambientes?É verdade. Claro que há diferenças fisiológicas e noutros aspectos. Há razões pelas quais os europeus podem digerir leite e os aborígenes australianos não. Mas diferenças que contam para que algumas pessoas se tornem escritores, empresários e operários metalúrgicos, enquanto outros povos permaneceram caçadores-recolectores, diferenças genéticas nos cérebros, não há provas disso. Muitas pessoas procuram as raízes da desigualdade no mundo de hoje há 500 anos, quando os europeus chegaram à América. Mas no seu livro Armas, Germes e Aço argumenta que as raízes da desigualdade actual estão algures após o fim da última era glacial (há 13 mil anos) porque as sociedades evoluíram de maneira diferente a partir daí. Isso está correcto?É verdade. Se alguém me dissesse que todas as diferenças no mundo moderno começaram a surgir há 500 anos, eu diria: olhem para o estado do mundo em 3000 a. C. Na Ásia ocidental, e a começar no Sudeste europeu, já existiam ferramentas de metal, escrita e reis. Enquanto na Austrália havia apenas caçadores-recolectores. E nas Américas, no México e nos Andes, a agricultura estava só a começar. Se um extraterrestre, uma criatura verde de oito pernas da nebulosa de Andrómeda, tivesse visitado a Terra em 3000 a. C. e lhe pedissem para prever quem iria conquistar o mundo, o visitante faria uma aposta correcta. Claro que seriam aquelas pessoas da Ásia ocidental e os seus descendentes. As diferenças em 3000 a. C. eram já tão grandes que foram essas que produziram o mundo moderno. Escreve a palavra “descobertas” entre aspas, quando se refere às descobertas geográficas ibéricas no século XV. Porquê as aspas?Porque as descobertas geográficas no século XV foram descobertas dos europeus de coisas que eram conhecidas por outros povos há 40 mil anos! O primeiro europeu a descobrir a Austrália foi um holandês em 1606 [Willem Janszoon]. Esse holandês descobriu a Austrália? Não! Os aborígenes da Austrália viviam lá há 60 mil anos. Foram eles que descobriram a Austrália. As aspas significam: descobertas por europeus. O presidente da Câmara de Lisboa quer fazer um museu das descobertas. Algumas pessoas argumentam que a palavra “descoberta” esconde a escravidão e a colonização que se seguiram. Acha que devíamos ter um museu das descobertas em Lisboa?Claro que devíamos ter um museu das descobertas em Lisboa! Possivelmente, a coisa mais importante acerca de Portugal nos últimos 600 anos foram as grandes descobertas feitas por navegadores portugueses. É verdade que Vasco da Gama não descobriu a Índia. Descobriu o caminho marítimo para a Índia. E também não é verdade que um português tenha descoberto o Brasil, já havia um milhão de nativos americanos a viver no Brasil, mas um navegador português foi o primeiro europeu a chegar ao Brasil. E isso teve uma importância enorme para a história mundial, porque levou à colonização europeia do Novo Mundo. Se Lisboa só pudesse ter um museu e tivéssemos de demolir todos os outros, esse único museu deveria ser das descobertas. Mas teríamos de entender o que significa descobertas. Se escrevêssemos apenas uma página sobre Portugal num livro de história mundial, esse deveria ser o tema? Não o tráfico de escravos transatlântico?É verdade. Claro que a coisa mais importante acerca de Portugal na história mundial foi o seu papel na expansão europeia pelo mundo. E a expansão europeia no mundo significou muitas coisas, boas e más. Significou o tráfico de escravos transatlântico, o que é mau. Significou a importação de sementes do Novo Mundo para a Europa, o que foi bom para a Europa. Significou o desenvolvimento de sociedades agrícolas altamente produtivas na Argentina, o que é bom. Uma pessoa pode ser selectiva tanto positiva como negativamente. Se uma pessoa disser que a descoberta portuguesa do Novo Mundo foi a coisa mais maravilhosa dos últimos 600 anos. . . não, disparate! Resultou no tráfico de escravos transatlântico e na matança da maioria dos nativos americanos, o que é mau. Se quisermos dizer que a descoberta portuguesa do Novo Mundo foi inteiramente má. . . não, não foi! Muitas pessoas querem que a vida seja simples. Que seja tudo bom ou mau. Lamento, talvez a vida seja assim na nebulosa de Andrómeda, mas aqui na Terra o bom e o mau misturam-se!O que aconteceu quando os europeus se encontraram com os nativos americanos foi em grande parte inevitável?Infelizmente, sim. Ao longo da história humana quando povos mais poderosos encontraram povos menos poderosos, o resultado foi quase sempre a conquista, a expulsão, às vezes o extermínio dos povos menos poderosos. Foi apenas nos últimos 80 anos que começámos a ter excepções. Quando os europeus “descobriram” as ilhas da Nova Guiné, havia lá populações densas de milhões que viviam com tecnologia da Idade da Pedra. Quando os europeus chegaram, não os mataram todos porque em 1930 já não era considerado aceitável que os europeus exterminassem e expulsassem outros povos. Mas se os europeus tivessem descoberto as ilhas da Nova Guiné 80 anos antes, claro que os teriam matado ou expulsado a todos. Os comportamentos melhores são relativamente recentes. Isto não quer dizer que todos os comportamentos humanos nos últimos 80 anos foram bons. Podemos pensar em várias coisas que aconteceram na II Guerra Mundial que não foram boas. Deveria um chefe de Estado português pedir desculpa pelo papel do país no tráfico transatlântico de escravos?Caramba! Eu oiço esse argumento em relação à Austrália. Não estou familiarizado com os argumentos acerca de Portugal, mas devem ser sem dúvida semelhantes. Devem os australianos modernos pedir desculpa pelo que os europeus fizeram aos aborígenes australianos a partir de 1788, quando os britânicos colonizaram a Austrália? Eles mataram, infectaram com doenças e expulsaram das suas terras os aborígenes australianos. Devem os europeus modernos pedir desculpa pelo que os europeus de 1830, 1880 e 1920 fizeram? Um primeiro-ministro australiano chamado John Howard disse que os australianos modernos não devem pedir desculpa pelas coisas que os seus tetravós fizeram, mas sim pelas coisas que fazem hoje. Outros australianos acham que devem pedir desculpa por coisas que o seu povo, os seus antepassados, fizeram. É semelhante nos Estados Unidos. Devem os americanos brancos modernos pedir desculpa pela escravatura? Alguns americanos dizem que sim, outros dizem que foram os seus tetravós, como é que podem pedir desculpa pelo que eles fizeram? É um debate em aberto. A resposta para Portugal deve ser semelhante. Não foi você ou os seus colegas de escola que fizeram o tráfico transatlântico de escravos. Foram os vossos tetra-tetra-tetra-tetravôs. Sente-se responsável pelos actos deles?Pedir desculpa pela escravatura não é incompatível com o seu argumento de que as causas da desigualdade não são de há 500 anos, mas de há 10 mil anos? Pedir desculpa pela escravatura é pedir desculpa por algo na história recente, mas que não foi determinado pela história recente. Porque é que os europeus estabeleceram um comércio de escravos transatlântico? Porque é que os africanos não fizeram um comércio de escravos trans-mediterrânico, com africanos a escravizarem europeus? A razão para isso são armas, germes e aço; as origens precoces da domesticação de plantas e animais no Sudoeste asiático, porque havia lá muito mais espécies domesticáveis do que em África. Para além disso, é porque a Eurásia tem um eixo Este-Oeste [com latitudes e climas semelhantes], que permitiu que as sementes chinesas chegassem à Europa. Enquanto a África tem um eixo Norte-Sul [com grandes diferenças de latitudes e climas], por isso as sementes do Crescente Fértil nunca chegaram à África do Sul, até os holandeses navegarem até lá. É por causa da geografia e da biogeografia. É verdade. Por outro lado, essa é a razão última, mas as pessoas apesar disso têm responsabilidades morais. Se o povo A está numa posição de poder, hoje em dia nós dizemos que esse povo não deve usar esse poder para exterminar outro povo. Portugal é hoje mais rico e poderoso do que. . . o Congo. Se os portugueses fossem para o Congo e começassem a matar congoleses, devíamos dizer que a culpa não é dos portugueses, é porque tiraram partido da domesticabilidade do gado? Outros poderiam argumentar: sim, os portugueses tiraram partido da domesticação do gado, mas ainda assim têm responsabilidades morais quando decidem ir matar congoleses!No início do século XV, a China tinha capacidade técnica naval para atravessar o Pacífico e chegar à costa oeste dos Estados Unidos? Ou para alcançar a Europa?Por volta de 1432, sem dúvida que sim. Porque a China tinha uma série de frotas, com navios muito maiores do que os navios de Cristóvão Colombo. E eram frotas muito maiores, que a China enviou primeiro para a Indonésia, depois para a Índia, depois para a costa oriental de África. Parecia que as frotas chinesas estavam quase a dobrar o cabo da Boa Esperança e a chegar à Europa. Infelizmente para a China, houve uma mudança de imperador. O novo imperador disse: estas frotas são um enorme desperdício de dinheiro e trazem coisas inúteis para a China, que já tem tudo o que precisa. A China tinha certamente a capacidade tecnológica para chegar à Europa em 1432. E se tivesse assim escolhido teria também tido a capacidade técnica de chegar às Américas em 1432. Mas escolheu não o fazer. Foi a unidade política na China que deu vantagem à Europa? Cristóvão Colombo pediu a vários reis para financiar a sua viagem. Exactamente. Colombo primeiro pediu aos italianos, que disseram que não. Pediu aos franceses, não. Pediu ao rei de Espanha, não. Pediu aos portugueses, não. Pediu aos duques de Espanha, não. Finalmente pediu ao rei de Espanha, que disse está bem, leva estes dois barcos e vai. Na China, não havia seis hipóteses. Na altura não houve uma decisão centralizada que impedisse Colombo de fazer a viagem. Mas hoje há uma União Europeia. Pensa que a União Europeia pode minar esta vantagem histórica da Europa, de não ser politicamente unida?É um grande desafio para a União Europeia. Como é que se conseguem as vantagens da União Europeia, sem perder a vantagem histórica da desunião? Isto é debatido por historiadores, mas eu vejo, entre as vantagens históricas da Europa, a sua desunião. A Europa teve a sorte de ser, de facto, uma península a oeste do Crescente Fértil. Obteve a escrita, ferramentas de metal e agricultura a partir do Crescente Fértil. Mas a Europa era desunida. O que significa que existiam 200 príncipes que competiam uns com os outros. Se um príncipe tomasse uma má decisão. . . houve príncipes que aboliram as armas. E sabe o que aconteceu? Príncipes vizinhos, que não tinham abolido as armas, conquistaram esses principados. Quando um imperador na China tomava uma má decisão, tal como, não há mais navios oceânicos, não havia mais 199 príncipes chineses para dizer que mantinham os seus navios oceânicos. Eu vejo as vantagens históricas da Europa como a sua proximidade ao Sudoeste asiático, estar nas zonas temperadas, ter terras realmente férteis, chuva no Verão e ser politicamente desunida. Para a União Europeia, hoje, o desafio é ter as vantagens de um certo grau de união, preservando a vantagem histórica de desunião. Mas eu não me preocupo com isso, de todo. Parece-me que a Europa está a fazer um excelente trabalho na preservação da sua desunião!Viveu no seio de sociedades tradicionais, na Nova Guiné. Que impacto isso teve em si?Transformou a minha visão da vida em muitos aspectos. Comecei a visitar a Nova Guiné muito antes de ter tido filhos. Tinha quase 50 anos quando os meus filhos [gémeos] nasceram. Eles nasceram em 1987 e a minha primeira visita à Nova Guiné foi em 1964. Eu tinha vivido na Nova Guiné ao longo de 23 anos, quando tive filhos. O meu modelo de como tratar os meus filhos era como os nova-guineenses criavam os seus. Eu não tinha prestado atenção ao modo como os americanos criavam os filhos. Isso é um aspecto. Outro é a minha atitude em relação ao perigo, que é baseada naquilo que eu vi na Nova Guiné. A minha mulher fica exasperada com a minha reacção a qualquer perigo possível. Mas o meu percurso foi na Nova Guiné. E eu sei que se fizer uma coisa mil vezes e de cada vez há o risco de um em mil que corra mal, se a repetir mil vezes, vou acabar morto. Aprendi isso na Nova Guiné. Os europeus não aprendem isso. Diz no seu mais recente livro O Mundo até Ontem que devemos estar gratos pelas nossas sociedades modernas, mas também que podemos aprender e incorporar algumas coisas das sociedades tradicionais. Quais?Para além das duas que já falei [educação e avaliação de riscos], os hábitos alimentares. Tem um saleiro na sua mesa de jantar?Não. Mas uso um pouco de sal para cozinhar. Ok. Quando chegar a casa, deite fora o sal da sua cozinha. A comida já tem sal, não há razão para ter sal na cozinha. A escolha é sua. Se gostava de morrer de hipertensão aos 65, mantenha o sal na cozinha. Se gostava de morrer de cancro aos 103, deite fora o sal!A nossa biologia ainda não está totalmente adaptada ao nosso actual sistema de produção de alimentos? Biologicamente ainda estamos mais bem adaptados a uma dieta de caçadores-recolectores?Em alguns aspectos, sim. Os portugueses, tal como os americanos, morrem principalmente de doenças não contagiosas. Morrem de hipertensão, doenças cardíacas, diabetes, cancro. Dessas, certamente que os nova-guineenses nunca morrem de hipertensão, doenças cardíacas ou diabetes. Isso é por causa do seu estilo de vida. Eles não têm saleiros. É porque não comem tanto como nós. Não comem regularmente alimentos ricos em gordura, não fazem três grandes refeições por dia. Eles comem batatas-doces ao pequeno-almoço, almoço e jantar durante semanas. Depois matam uns porcos e empanturram-se, ficam mesmo gordos e depois voltam a comer as batatas-doces. Não é que eu esteja a dizer que deveríamos imitar o estilo de vida dos nova-guineenses. Eu não como batatas-doces em três refeições por dia. E estou contente por isso. Eu gosto de comer bem e tento regular a boa comida que como. E deitei fora os saleiros para, pelo menos, reduzir o risco de morrer de hipertensão ou AVC. Quanto tempo vivem em média os nova-guineenses que têm essa dieta?Até aos tempos modernos, até à medicina moderna chegar à Nova Guiné, a esperança média de vida dos nova-guineenses seria talvez de 50 anos. Isso é terrível. A razão pela qual a sua esperança de vida era de 50 anos não era porque eles morressem de diabetes, AVC ou doenças cardíacas. Eles morriam porque se matavam uns aos outros. Morriam de doenças infecciosas, que nós tratávamos em Portugal e nos Estados Unidos com antibióticos. Morriam em acidentes, na selva. Se caíam e partiam uma perna, não havia médicos nem hospitais. Morriam de fome. As causas de morte na Nova Guiné tradicional são causas que nós já eliminámos em grande parte. Agora que a Nova Guiné foi trazida para o mundo moderno, os nova-guineenses vivem mais, até depois dos 60. Mas também estão a ficar gordos, diabéticos e hipertensos. Disse que nas sociedades tradicionais da Nova Guiné muitos morriam de doenças infecciosas. Doenças locais ou vindas de fora?Eram doenças infecciosas tradicionais. As doenças infecciosas europeias foram levadas especialmente para as Américas. Mas como a Nova Guiné fica no extremo leste da Indonésia, que é perto da China, as doenças asiáticas foram provavelmente chegando à Nova Guiné. Por isso não houve uma grande mortandade de nova-guineenses com doenças europeias. Eles morriam principalmente de doenças tropicais, especialmente malária e dengue. E de aquilo que nós chamamos “doenças gastrointestinais”. Afirma que as sociedades ocidentais são das mais cruéis para os idosos. O que poderíamos aprender com as sociedades tradicionais em relação aos mais velhos?Muitas sociedades tradicionais proporcionam aos idosos uma vida mais satisfatória do que na Europa. E por outro lado tiram mais partido dos idosos. Os mais velhos têm experiência. Um septuagenário teve muito mais experiência de relações humanas. Claro que um septuagenário não tem mais experiência com isto [telemóvel] do que o meu filho de 30. O facto de eu ter 81 anos não me ajuda nada com isto, peço ajuda ao meu filho. Mas eu e a minha mulher temos muito mais experiência a lidar com pessoas, a tomar decisões e a gerir pessoas. Apenas porque vivemos mais. Isso é algo em que os idosos são bons. Em muitos ou na maioria dos aspectos eu vejo vantagens da vida na Europa quando comparada com a vida nos Estados Unidos. Mas um aspecto em que a vida na Europa é inequivocamente pior do que nos Estados Unidos é que na Europa, muitas vezes, a aposentação é obrigatória. Soube que na função pública, em Portugal, há uma idade de aposentação obrigatória. Se eu fosse o Presidente Kim Jong-un, da Coreia do Norte, e quisesse arruinar-vos, faria exactamente o que os europeus estão a fazer a si próprios. Uma lei de aposentação obrigatória para que deitem fora as vossas pessoas mais experientes. Era igual nos Estados Unidos, mas a aposentação obrigatória foi tornada ilegal há cerca de 30 anos. Pelo contrário, na Nova Guiné, é reconhecido que os mais velhos têm valor. Quando não havia escrita na Nova Guiné, os velhos eram repositórios de conhecimento. É normal na Nova Guiné, quando alguém quer saber alguma coisa, ir perguntar a um velho. Ou se quiser um conselho. Ainda há caçadores-recolectores?Sim. Na Nova Guiné, ainda há alguns grupos. Não muitos, mas ainda há alguns. Na bacia amazónica ainda há caçadores-recolectores e em África também há alguns grupos. Os hadza, da Tanzânia, alguns ainda são caçadores-recolectores. Entre o povo san, do Botswana e da Namíbia, havia caçadores-recolectores até há poucas décadas e provavelmente ainda existem alguns. Os inuítes, os esquimós no Árctico, alguns deles ainda vivem como caçadores-recolectores. Há futuro para os caçadores-recolectores ou eles serão gradualmente assimilados pelas sociedades modernas?Provavelmente, dentro de 20 anos não restarão nenhuns caçadores-recolectores em qualquer lugar do mundo. E isso é notável. Praticamente todos os humanos foram caçadores-recolectores durante os últimos seis milhões de anos. E isso significa que seis milhões de anos de história humana vão acabar nos próximos 20. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os sistemas automáticos tornados possíveis pela inteligência artificial irão libertar os humanos para mais inovação e criatividade?Sim e não. A inteligência artificial irá tornar algumas tarefas inúteis. As máquinas serão capazes de executar essas tarefas. Por exemplo, os computadores. O meu doutoramento foi em fisiologia laboratorial. Nesses tempos, os computadores que usávamos para fazer modelos de como os nervos conduzem impulsos eléctricos eram muito primitivos e demoravam duas semanas a calcular um impulso nervoso. Hoje, o cálculo é feito imediatamente. Com os computadores, conseguimos fazer coisas muito rapidamente. Isso é maravilhoso. Mas também é terrível. Porque, se olharmos para os jovens, estima-se que as pessoas como os meus filhos passam 80% do seu tempo com aparelhos electrónicos com ecrãs. Passam muito pouco tempo a falar com pessoas, a olhar pessoas cara a cara. Se se passa muito pouco tempo cara a cara com pessoas, então não se aprende a ler os sinais, os ligeiros movimentos, a respiração, a linguagem corporal. Simplesmente não se entendem as pessoas tão bem. Acho que é um dos factores que contribuem para o comportamento cada vez mais rude e cruel nos Estados Unidos. Especialmente na política americana, mas é mais generalizado. É mais fácil escrevermos uma mensagem muito rude se virmos uma mensagem num ecrã. É mais difícil para mim olhar para si e dizer coisa terríveis sobre si do que se estiver as escrevê-las num ecrã. Vejo isto como um dos grandes inconvenientes da tecnologia moderna, incluindo a inteligência artificial. Quando a agricultura foi adoptada nalgumas sociedades, muitas pessoas ficaram livres para fazer outras coisas, já que nem todos precisavam de passar o tempo a procurar os seus próprios alimentos. Algumas puderam especializar-se na construção de ferramentas, outras tornaram-se soldados a tempo inteiro, políticos ou burocratas. Explica isto nos seus livros. A inteligência artificial, por libertar os humanos de certas tarefas (por exemplo, guiar carros), é semelhante à agricultura? Vê alguma semelhança entre as duas coisas?Eu vejo exactamente essa semelhança que acabou de mencionar. A agricultura criou novas oportunidades. A inteligência artificial e a tecnologia em geral criam também novas oportunidades. Mas não conheço nenhuma tecnologia que tenha trazido apenas coisas boas. A agricultura é um bom exemplo. Quando foi trazida para a Europa, foi muito marcante. Os primeiros agricultores ficaram cerca de 15 centímetros mais baixos do que os caçadores-recolectores a que sucederam. Inicialmente, a agricultura foi menos nutritiva e forneceu menos vitaminas. Os caçadores-recolectores que viviam em Portugal em 7000 a. C. eram bastante altos. Só depois da I Guerra Mundial é que os agricultores portugueses voltaram a ser tão altos como os caçadores-recolectores de Portugal de 7000 a. C. A chegada da agricultura também esteve associada a muitas novas doenças. A agricultura trouxe grandes benefícios, mas também grandes inconvenientes. Todas as tecnologias têm benefícios e inconvenientes. A inteligência artificial também tem benefícios, mas já está a trazer inconvenientes. Trabalhou em muitos campos, como antropologia, biologia, ornitologia, ecologia, história e geografia. Como vê a especialização actual na ciência, em que muitas vezes os investigadores estão focados apenas numa gama muito estreita de temas e técnicas?A especialização, tal como a agricultura e a inteligência artificial, tem benefícios e desvantagens. Consideremos a especialização da genética moderna. Com as modernas técnicas genéticas, podemos analisar o ADN de esqueletos de caçadores-recolectores portugueses de há 9000 anos. E podemos responder a perguntas acerca da pré-história que eram impossíveis de responder antes de termos estas novas técnicas, dos últimos sete anos. Essa é uma grande vantagem da especialização. A desvantagem da especialização é que é muito complicada e é preciso investir muito tempo a aprender estas técnicas genéticas modernas. Quem aprender estas técnicas, provavelmente, não terá muito tempo para estudar línguas, pintura, a música de Bach, os primeiros exploradores portugueses. Sabe menos. Em ciência, para se tirar conclusões, é preciso colaborar com outras pessoas. Mas há uma vantagem em ter muito conhecimento num cérebro só, em vez de em sete cérebros diferentes. A especialização, tal como a agricultura e a inteligência artificial, traz poder, mas também desvantagens. O que é que podemos fazer acerca disso? Podemos tentar minimizar as desvantagens, colaborando. Especialistas em genética a colaborar com linguistas e com arqueólogos, o que felizmente acontece cada vez mais. Os melhores especialistas sabem que não sabem outras coisas e que precisam de colaborar com pessoas que saibam.
REFERÊNCIAS:
Étnia Aborígenes Asiático