Silêncio de Maputo sobre rapto de português gera mal-estar em Lisboa
Marcelo Rebelo de Sousa fez nova diligência sobre o português desaparecido há meses em Moçambique, desta vez por escrito. Para incredulidade de muitos, nem isso fez mudar a atitude das autoridades (...)

Silêncio de Maputo sobre rapto de português gera mal-estar em Lisboa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Marcelo Rebelo de Sousa fez nova diligência sobre o português desaparecido há meses em Moçambique, desta vez por escrito. Para incredulidade de muitos, nem isso fez mudar a atitude das autoridades
TEXTO: Há meses que Portugal se desdobra em pedidos de informação a Maputo sobre o português raptado em Moçambique no Verão passado, mas a única resposta que obteve até agora foi o silêncio. Perante o prolongado e insólito mutismo das autoridades moçambicanas, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa enviou há duas semanas uma carta ao seu homólogo, o Presidente Filipe Nyusi, para pressionar Maputo e, mais uma vez, pedir informação sobre o desaparecido, um empresário agrícola que há anos trabalha na Beira, no centro do país. Para espanto de diplomatas e políticos que acompanham o processo, o Presidente Nyusi ainda não respondeu à carta do chefe de Estado português - mais de duas semanas depois de esta ter sido enviada. Por desejo da família do empresário desaparecido, o caso tem sido gerido em segredo e com enorme discrição. Mas passados sete meses sem informação, sem respostas, sem sinais de que há uma investigação em curso e sem, sequer, uma resposta de cortesia diplomática às missivas de Lisboa, do lado português houve uma clara evolução: o que começou por ser um desconforto e uma desilusão, deu lugar à incredulidade e ao mal-estar. As démarches portuguesas têm sido feitas ao mais alto nível: gabinete do primeiro-ministro, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Procuradoria-Geral da República e Palácio de Belém fizeram contactos formais e informais, diligências por escrito e por telefone, directas e indirectas. O resultado tem sido apenas um: "Nada de nada", resume uma fonte que conhece bem o processo. O primeiro-ministro António Costa já falou algumas vezes com o seu homólogo Agostinho do Rosário sobre o caso e, no fim do ano passado, ofereceu mesmo a disponibilidade de a Polícia Judiciária portuguesa cooperar com a moçambicana na investigação do misterioso desaparecimento. Mas também essa proposta caiu no vazio. "Não há uma explicação. Não há um sinal de vida. Não há um corpo. Não há abertura para investigar. . . ”, lamenta outra fonte que acompanha o caso há meses. “São não-respostas que respondem a muita coisa. ”Este silêncio não só é invulgar nas relações entre países amigos, como é visto com particular estranheza por Moçambique ter sido o país onde Marcelo Rebelo de Sousa fez a sua primeira visita de Estado, logo em Maio, dois meses depois de tomar posse. Além disso, Filipe Nyusi foi um dos poucos chefes de Estado que Marcelo quis convidar para as cerimónias da sua investidura. Ainda todos se lembram das fotografias desse dia na varanda do Palácio de Belém: o rei de Espanha, o antigo Presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso e ao centro, a rir para Marcelo, o Presidente Nyusi. A relação de Marcelo com Moçambique é especial mesmo a nível privado. "Foi o melhor lugar da vida política” do seu pai, Baltazar Rebelo de Sousa, Governador de Moçambique durante o Estado Novo, escreveu o Presidente num livro que publicou há uns anos. Contactada na sexta-feira de manhã e, de novo, no sábado, a embaixadora de Moçambique em Portugal não respondeu ao pedido do PÚBLICO para comentar a questão. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, fez uma breve declaração ao PÚBLICO: “H�� casos em que as famílias preferem que as diligências oficiais sejam feitas de forma discreta e não pública. Este é um desses casos e eu, obviamente, respeitarei essa vontade. Por isso não tenho mais nada a dizer. "Dentro e fora do ministério, no entanto, adensam-se as especulações sobre a razão do silêncio moçambicano. Um dos cenários considerados mais plausíveis é Maputo querer proteger alguém do topo da sua própria hierarquia, na polícia ou no próprio Executivo. “Em Moçambique, não há decisões tomadas a nível intermédio”, diz um profundo conhecedor da realidade do país. “É tudo ao nível superior. ”O rapto do empresário português, no fim de Julho de 2016, está envolto em características invulgares e não segue o padrão clássico: houve um primeiro contacto dos raptores mas nunca houve um pedido de resgate (regra geral, isso acontece nas primeiras 48h, no máximo 72h, após o desaparecimento da vítima) e não ocorreu em Maputo, mas na Gorongoza, onde a Renamo tem as suas bases. Há anos que há raptos em Moçambique e há anos que são conhecidas as ligações directas entre as redes de raptores e a Polícia Nacional moçambicana. Entre 2001 e 2013, houve mais de 60 raptos no país, mas foi a partir de 2011 que o problema se intensificou. Só no fim de 2013, houve 30 raptos em seis semanas. Nessa altura, um tribunal de Maputo condenou três polícias a 16 anos de prisão por envolvimento em raptos e, pouco depois, mais dois polícias foram detidos por suspeita do mesmo crime. "Há polícias em tribunal por envolvimento nos raptos, mas é sempre a arraia-miúda”, nota um empresário português. “Há casos em que as pessoas são raptadas pela polícia e libertadas pela polícia e em que se percebe claramente que é tudo a mesma gente. ”Dívida tóxicaDepois do escândalo da dívida tóxica, Moçambique está a fazer um enorme esforço diplomático para tentar recuperar a confiança da comunidade internacional e normalizar o relacionamento com os parceiros estrangeiros. Mas até Março nada deverá mudar de forma decisiva. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A ocultação de um buraco financeiro de 2, 2 mil milhões de dólares deixou os países doadores de boca aberta - mesmo os mais habituados aos padrões de corrupção africanos -, e levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a suspender o pagamento de uma tranche de 300 milhões de dólares. Maputo escondeu do FMI um complexo negócio que envolve um banco suíço e outro russo, que terão emprestado 2, 2 mil milhões para projectos de pesca de atum que era afinal foram usados na compra de material militar e a troco de garantias consideradas suspeitas. Além disso, grande parte do empréstimo terá simplesmente desaparecido. A Suécia está a financiar uma auditoria internacional ao negócio, entre à consultora britânica Kroll. Depois de um pedido de prolongamento do prazo, o relatório final deve ser entregue no fim de Março. Quem está a pensar investir em Moçambique - como é o caso da Exxon - está à espera desta avaliação.
REFERÊNCIAS:
Entidades FMI
Jean-Marie Le Pen quer o seu blogue de volta
Agrava-se a guerra entre pai e filha na extrema-direita francesa provocada por comentários anti-semitas do fundador da Frente Nacional. (...)

Jean-Marie Le Pen quer o seu blogue de volta
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501223750/http://www.publico.pt/1639541
SUMÁRIO: Agrava-se a guerra entre pai e filha na extrema-direita francesa provocada por comentários anti-semitas do fundador da Frente Nacional.
TEXTO: Jean-Marie Le Pen vai escrever esta quinta-feira uma carta aberta à sua filha, Marine, para pedir o “restabelecimento da situação anterior”, ou seja, o regresso do seu blogue vídeo ao site da Frente Nacional (FN). “Será uma proposta de paz”, disse o presidente de honra do partido de extrema-direita francês ao Le Monde. Na terça-feira a direcção da FN anunciou que o blogue vídeo semanal de Jean-Marie Le Pen deixaria de ser publicado no site do partido. Foi neste espaço que o fundador da FN declarou, a propósito da recusa do cantor Patrick Bruel (judeu) em actuar em cidades dirigidas pela FN, bem como a propósito de outras críticas de várias personalidades: “Da próxima vez fazemos uma fornada. ” Uma tirada anti-semita que foi qualificada pela sua filha, e actual presidente da FN, como uma “falha política”. Na carta que vai escrever à filha, Jean-Marie Le Pen diz que se vai “queixar da injustiça” de que se considera vítima e “da qual as pessoas da FN se tornaram cúmplices”. O castigo a que foi sujeito pelos seus pares é, segundo explicou ao Le Monde, “ilegítimo”. “O facto de criticar um judeu ou de lhe dar uma resposta não é ser anti-semita. Eles são cidadãos como os outros. Quando eles nos agridem, respondemos sem complexos. ”“Há um grupo de pessoas sempre à caça da mínima falha no nosso partido. São os cães de caça do anti-semitismo”, diz Jean-Marie citando organizações como o SOS racismo. “Na FN temos medo de ser acusados do crime absoluto do anti-semitismo”, explicou para justificar a reacção da sua filha e do companheiro desta, Louis Aliot. “Mas eu reajo com o meu temperamento. ”A forma como Marine Le Pen responder à carta do pai vai, segundo ele, determinar a “sua aptidão para governar”. E o fundador da FN vai avisando que não desiste de lutar para ser cabeça de lista da FN nas regionais de 2015 e que dará orientações de voto para o comité central do partido por ocasião do congresso da FN marcado para Novembro.
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu
Os visitantes procuram a Lisboa "centro do mundo", a polémica é questão lateral
A Cidade Global - Lisboa no Renascimento inaugurou sexta-feira, enquanto continuava o debate em volta da datação de dois dos quadros nela expostos. Na tarde de Sábado, os visitantes procuravam uma cidade que não conheciam. A polémica fica "para os historiadores e especialista de arte". (...)

Os visitantes procuram a Lisboa "centro do mundo", a polémica é questão lateral
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2017-03-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Cidade Global - Lisboa no Renascimento inaugurou sexta-feira, enquanto continuava o debate em volta da datação de dois dos quadros nela expostos. Na tarde de Sábado, os visitantes procuravam uma cidade que não conheciam. A polémica fica "para os historiadores e especialista de arte".
TEXTO: Os olhos da mãe estão concentrados na metade inferior do quadro, na Praça do Rossio renascentista, com o monumental Hospital de Todos os Santos em destaque, cortejo fúnebre a atravessar a praça e um condenado a sofrer as sevícias da justiça. Procura pontos de contacto com aquela mesmo praça cinco séculos depois, na Lisboa de 2017. A seu lado, o filho criança tem outras preocupações. Quer saber quantas nuvens preenchem o céu azul pintado naquele Vista da Praça do Rossio de autor desconhecido. Apostamos que nada lhe diz a polémica que tem rodeado A Cidade Global – Lisboa no Renascimento, a exposição inaugurada esta sexta-feira no Museu Nacional de Arte Antiga MNAA, em Lisboa, e que estará patente até 9 de Abril. A polémica prende-se com a a autenticidade de duas obras, Rua Nova dos Mercadores e Chafariz D’El Rey, cuja datação vem sendo alvo de debate entre historiadores, conservadores de arte e investigadores (no caso da segunda, a discussão é longa de duas décadas). Honório Gomes, 63 anos, está precisamente a comentar o cenário que se nos apresenta em Chafariz D’El Rey, com as gentes diversas retratadas e os edifícios nele desenhados. “Naturalmente” consciente da polémica, não tem posição sobre a discussão. "Deixo-a para os historiadores e especialistas de arte”. Interessa-lhe aqui descobrir a “cidade global” que a exposição tem para revelar, um conceito que, comenta, está aberto a discussão, principalmente se o virmos à luz da leitura que dele fazia “o antigo regime, com a ideia do luso-tropicalismo”. Entre os visitantes abordados pelo PÚBLICO, a polémica era uma questão lateral. António Dias, 55 anos, entrou no MNAA após sugestão da esposa, que o pôs a par do caso no caminho para o museu. Lisboeta e filho de lisboetas – “o que não é assim tão comum em pessoas da minha geração”, comenta –, quis vir descobrir esta “cidade diferente que era o centro do mundo” – “um pouco como sucede agora, por causa do turismo, em que Lisboa não sendo o centro do mundo, também acolhe gente de todas as proveniências”. Divertido, comenta o realismo das gravuras representando animais exóticos que vira numa das salas. “Muito fidedignos e com o mesmo realismo das que", na mesma sala, "representam unicórnios”. Ao início da tarde de sábado, o intenso debate a correr na imprensa não tem repercussão nas salas do MNAA. Os visitantes, com tempo e espaço para a lenta deambulação, demoram-se junto aos quadros, olham o rosto beatífico do santo cujo tronco sofre as flechas disparadas com besta e arco, no Martírio de São Sebastião de Gregório Lopes, vêem sentados nos bancos o vídeo que contextualiza a exposição, surpreendem-se com a autoria d’Auto das Regateiras – “olha o [António Ribeiro] Chiado!” –, comentam os olhos rasgados da Virgem com Menino criada na China ou as dimensões do rinoceronte que Muzufar, sultão de Guzarate, ofertou a D. Manuel I, esse que os lisboetas de quinhentos viam banhar-se no Tejo e que Albrecth Dürer imortalizou em tela. Ana Maria e Francisco Marques Fernando, 66 e 73 anos, já analisaram gravuras que desconheciam em vários dos livros expostos, admiraram os mapas cartográficos e deliciaram-se com essa curiosidade que é ver a Lisboa do passado pelos olhos de outros – principalmente, referem, os pintores flamengos. Estão de visita a A Cidade Global para cumprir um hábito. “Gostamos de visitar museus”. Não é o caso de Ludivine e de Thomas Filloque. O jovem casal (têm ambos 26 anos) veio com um propósito definido. “Viemos por isto”, diz Ludivine, historiadora de arte, enquanto aponta para o Cofre Relicário contendo as relíquias do Mártir São Vicente. No dia anterior, haviam passado pela Sé de Lisboa e encontraram vazio o lugar da relíquia que procuravam, semelhante, mas com maiores dimensões, a uma que Ludivine muito aprecia e que se encontra no Louvre. Vieram ver o Cofre Relicário ao MNAA e acabaram a fazer paralelismos com outras realidades. “Vimos recentemente em Paris uma exposição de arte exótica, sobre a influência da arte africana no Ocidente e vice-versa”. Ficou-lhes na memória um saleiro do Benim. “Já vimos aqui um semelhante. É curioso ver como tudo se liga”, comentam. Cidade global, mundo globalizado.
REFERÊNCIAS:
João Salaviza rappa
Com Altas Cidades de Ossadas, regressa à competição de curtas de Berlim que venceu em 2012. Um filme que se afasta da cidade e dos subúrbios para filmar, através do rapper Karlon, aqueles que não costumam ter voz no cinema (...)

João Salaviza rappa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0
DATA: 2017-02-15 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170215070109/http://publico.pt/1760704
SUMÁRIO: Com Altas Cidades de Ossadas, regressa à competição de curtas de Berlim que venceu em 2012. Um filme que se afasta da cidade e dos subúrbios para filmar, através do rapper Karlon, aqueles que não costumam ter voz no cinema
TEXTO: Quando a sua primeira longa-metragem, Montanha (2015), estreou, João Salaviza disse – ao PÚBLICO, mas não só – que tão cedo não lhe apetecia “voltar a filmar adolescentes em Lisboa”. O seu primeiro filme depois dessa longa, Altas Cidades de Ossadas, com estreia esta semana no concurso de curtas de Berlim, confirma-o: protagonizado e co-escrito pelo rapper luso-cabo-verdiano Karlon, desenha em 20 minutos uma misteriosa rêverie nocturna à volta de um homem que parece viver numa “selva” africana que, na verdade, se esconde junto ao subúrbio. Altas Cidades de Ossadas – que retira o seu título à escrita do poeta e activista da Martinica Aimé Césaire - afasta-se das paisagens urbanas que o realizador explorou nas curtas que fizeram o seu nome, Arena (2009, Palma de Ouro de Cannes) e Rafa (2012, Urso de Ouro de Berlim) e na sua longa. Ao telefone do Brasil, onde está em pleno processo de rodagem junto do povo indígena Krahô, Salaviza reitera como a última coisa que lhe passou pela cabeça era, mesmo, voltar a filmar o que já tinha filmado. Com um possível problema à mistura: Altas Cidades de Ossadas surgiu de um convite ao realizador feito pela Terratreme Filmes, para um filme colectivo onde se pretendia “distorcer as narrativas mais convencionais sobre os bairros sociais periféricos de Lisboa, desafiar a narrativa oficial que reproduz sempre os mesmos estigmas e estereótipos”, como explica Salaviza. “Ir à procura das histórias verdadeiras de alguns lugares que não têm direito à representação. Quando o Pedro Pinho me fez o convite, fiquei um bocadinho angustiado quando comecei a pensar, porque não me apetecia, mesmo, voltar a estes lugares para os filmar da mesma maneira, voltar a filmar prédios, esta coisa meio estéril da cidade. . . ”A solução acabou por nascer, segundo o realizador, “dos impulsos da vida” - do encontro com Karlon, “do fascínio e de uma espécie de paixão imediata por alguém”, no mesmo momento em que Salaviza começava a viajar para o Brasil para conhecer os Krahôs com a sua companheira, Renée Nader Messora. Como se os movimentos que o levaram a cruzar-se com Karlon e os Krahô tivesse, nas suas palavras, “um paralelo acidental com o meu movimento de me afastar das cidades. ” “Tudo aquilo que é contado no filme nasce de histórias que o Karlon partilhou comigo e que nos levaram a começar a pensar no filme num lugar diferente, ” explica o cineasta. “No filme há uma longa conversa da personagem com um amigo, nascida de experiências reais pelas quais ele passou. Há uma espécie de viagem mental, mas também física, que o Karlon de tempos a tempos decide realizar, num movimento de fuga da cidade que está próximo também daquilo que eu estava a fazer com a minha vida. Um abandono do lugar urbano, de regresso a um lugar mitológico que é Cabo Verde, mas que é um Cabo Verde que no fundo não existe, visto que a maioria dos cabo-verdianos da idade dele, que já nasceram em Portugal, nunca lá foram. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pus-me a pensar no rapper como se ele fosse Jesus Cristo a falar para duas dúzias de pessoas que não o queriam ouvirParte dos diálogos de Altas Cidades de Ossadas são “rappados” por Karlon em crioulo a capella, sem acompanhamento, evocando a tradição milenar africana do griot, misto de xamã e memória viva. “Pus-me a pensar no rapper quase como se ele fosse o princípio do cristianismo, Jesus Cristo a falar para duas dúzias de pessoas que não o queriam ouvir…”, diz Salaviza. “E achei muito forte esta proposta de o filmar a rappar sozinho no mato. É uma viagem a um espaço quase mítico, ancestral, imaginário, uma espécie de raiz da negritude e da africanidade mas que é expressa através de elementos extremamente contemporâneos. E o cinema português tem uma tradição de se ancorar sempre em histórias 'antigas' que se relacionam com o contemporâneo. Nunca o cinema português conseguiu ser tão atento à contemporaneidade como no começo do Cinema Novo, com os primeiros filmes do Paulo Rocha e do Fernando Lopes, que contam histórias muito quotidianas e aparentemente frívolas, e conseguem meter o país inteiro dentro de uma caixa de sapatos. ” Ou, neste caso, comunidades africanas de língua portuguesa que não passam de “construções que não existem”: “Existem 200 mil cabo-verdianos em Portugal que estão ligados muito mais por questões quotidianas do que por uma falsa ideia de nacionalidade, e o cinema português filmou muito pouco esses 200 mil cabo-verdianos. O Pedro Costa é o único cineasta que tem filmado nestes lugares. O rap saíu do bairro e deu um grito que pôs os afro-descendentes no mapa, mas o cinema não. O Karlon disse uma coisa muito bonita: que gostava imenso que um dia as pessoas do bairro não fossem só empregadas domésticas, trabalhadores da construção civil, jovens de 20 e 30 anos desempregados ou a trabalhar em centros comerciais ou call centres. ”Altas Cidades de Ossadas tem estreia mundial na competição de curtas de Berlim (a primeira de seis passagens é hoje) – é o regresso do realizador à competição que ganhou faz agora cinco anos, o primeiro filme desde que Montanha estreou em Veneza (na Semana da Crítica, em 2015). Mas Salaviza, que sempre mostrou um saudável distanciamento daquilo a que chama “o circo dos festivais”, diz que o que mais lhe agrada neste regresso ao certame alemão é “poder estrear o filme acompanhado pela equipa e pelo Karlon, é o que me dá mais alegria”. “Nunca me deslumbrei muito com a questão dos festivais e dos prémios, ” avança. “Sei que, se tenho estado a fazer filme após filme, com alguma continuidade, isso se deve também ao facto das curtas terem corrido bem. Mas, sinceramente, às vezes incomoda-me esse estigma dos filmes serem vistos à luz dos adereços que carregam, que são os prémios. Acho que isso lançou uma espécie de poeira, que não permite que eles sejam vistos nas condições ideais. Agora que já fiz uma longa, e volto a Berlim com outro filme, espero que o consigam ver como outro filme qualquer e não como «o filme do rapaz que ganhou o prémio tal e tal». ”
REFERÊNCIAS:
O cacau ainda mexe em São Tomé?
Foi um dos símbolos do colonialismo português, foi o produto rei de São Tomé, continua a ser o que mais se exporta. Quarenta anos depois da independência, o cacau já não tem o poder que tinha — mas ainda mexe. O que é que o cacau nos conta sobre estes últimos 40 anos? (...)

O cacau ainda mexe em São Tomé?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-12-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi um dos símbolos do colonialismo português, foi o produto rei de São Tomé, continua a ser o que mais se exporta. Quarenta anos depois da independência, o cacau já não tem o poder que tinha — mas ainda mexe. O que é que o cacau nos conta sobre estes últimos 40 anos?
TEXTO: Na Avenida Marginal 12 de Julho há dois palcos preparados para celebrar este domingo o dia da independência de São Tomé. A festa avizinha-se com ensaios de som, e alusões à data com as cores da bandeira nacional espalhadas como logótipo das festividades: verde, amarelo e vermelho. Atrás do palco está o mar. Nazaré Ceita, historiadora, 50 anos, aponta para a avenida e lembra uma memória da sua infância: o cheiro a cacau que vinha dos armazéns onde era depositado um dos produtos que mais ficou associado a estas ilhas a partir dos finais do século XIX. "Tudo isto que está em fila, até à ponta, era cacau", diz, debaixo de um Sol intenso. "O cacau que a roça trazia era para escoamento, com serviçais que faziam o descarregamento". Horas antes, Nazaré Ceita está a guiar-nos por uma das mais conhecidas roças de São Tomé, a Roça Agostinho Neto, antiga Rio do Ouro. Mal o jipe entra pelo terreno adentro sente-se o cheiro a cacau. Os edifícios onde antes se fazia a secagem estão abandonados. A madeira das portas está partida. Crianças percorrem a enorme "avenida" que liga o antigo hospital à casa da administração. Por essa estrada espalham-se casas do tempo colonial em madeira e casas novas, algumas já com telhas e cimento, há gente na rua, estendais imensos de roupa. José, 61 anos, jardineiro que ali viveu toda a vida, faz de guia e explica que é a comissão de moradores que se ocupa da roça, onde vivem milhares de pessoas. Há 40 anos, quando se deu a independência de São Tomé e Príncipe, seria adoptado um regime socialista, de partido único (o MLSTP, que durou até 1990), e todas as plantações de cacau foram nacionalizadas. Esta também. Depois "cada um tomou pequenas células", explica "Zé", sobre os terrenos. Os antigos donos das roças deixaram para trás uma produção que chegou a atingir as 12 mil toneladas por ano: hoje não chega às três mil. O país foi em tempos o maior produtor mundial de cacau, diz-nos António Dias, director da CECAB, Cooperativa de Produção e Exportação de Cacau Biológico e ex-ministro da Agricultura. Ainda hoje o cacau representa cerca de 90% ou mais do valor total das exportações, segundo o economista Adelino Castelo David, ex-ministro, ex-governador do Banco Central. "O valor do cacau exportado foi sempre superior ao de serviços até 1992, período em que a situação começou a inverter-se até o aumento dos serviços, que compreende também viagens e turismo, que vêm crescendo gradualmente. " Hoje a grande fatia do emprego no sector agrícola é no cacau. Aqui na Agostinho Neto ninguém produz cacau, nas dependências como a Caldeira sim. "Como é que vocês deixaram o hospital cair?", pergunta Nazaré Ceita a José, apontando para o edifício que foi ocupado por várias famílias. De perto vê-se bem que este bloco cor-de-rosa, de arquitectura do século XVIII, está completamente abandonado. Andamos na estrada em direcção à cascata por onde os serviçais não passavam, explica José. O que mudou com o fim do colonialismo, o que mudou nestes 40 anos?, perguntamos a José. "Mudou muita coisa. Liberdade. " Liberdade é o que repete. Na roça mudou muito pouco. "Falta mão-de-obra e construir casas de trabalhadores". O abandono das roças é algo que são-tomenses como o economista Jorge Coelho, 56 anos, ex-candidato à Presidente da República, criticam. Poderia ter sido feita uma "certa negociação da parte económica da independência", mas as plantações foram abandonadas, "então teve que se fazer uma tomada à força", comenta. "Com a influência do comunismo e com a estatização da economia na altura, toda a produção de cacau ficou na mão do Estado. Mas o Estado tentou gerir a produção de cacau de forma centralizada e foi ineficiente", considera o também professor de História económica que deu aulas em várias universidades americanas. Nos anos 1990, continua o economista, distribui-se a terra pelos são-tomenses que começaram a trabalhar uma terra que seria parcelada, sob ordens do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), explica. "Mandaram distribuir as roças pensando que ao distribuir as pessoas iam trabalhar e ficar donos. Esqueceram-se que temos uma população que tem muita dificuldade em assumir-se como dono, é o nosso ponto fraco. " O programa estrutural está a ser aplicado "há 20 anos, eles vêm cá e dizem que há mudanças mas nós que somos economistas não vemos mudança nenhuma", comenta. Uma das figuras históricas de luta pela independência, e mais tarde pela democracia, o jurista Filinto da Costa Alegre, diz que a intervenção do BM e do FMI nesta matéria tratou-se de uma imposição das premissas do pacto colonial, porque "era continuar a monocultura do cacau". "Estava-se a tentar fazer reviver algo que já não tinha sustentabilidade, era preciso uma reforma agrária no país, e repensar a diversificação para a modernização do sector agrícola, melhoria de gestão. Era preciso formarem-se verdadeiros agricultores e empresários agrícolas. O desenvolvimento não foi nesse sentido, foi um fracasso total. "Dependência externaO cacau era o petróleo de São Tomé, a sua maior fonte de riqueza, mas ao longo destes 40 anos a produção quase que morreu, sublinha o artista plástico Kwame de Souza, 35 anos. "Esqueceu-se que se criou uma sociedade à volta do cacau" e que as comunidades que viviam da agricultura empobreceram, empobrecendo assim o país, que passou a depender da ajuda externa. A quase totalidade do Orçamento do Estado depende da ajuda externa. O país continua a receber vários apoios, da educação à saúde, e ainda no ano passado acordou implementar uma estratégia para reduzir a pobreza, que está acima dos 60%. Porém, o BM prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) deverá crescer de 4, 1% em 2014, para 4, 4% em 2016 e que o país tem tido uma melhoria significativa na área do desenvolvimento humano: está em 144. º lugar entre 186 países, no Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), acima da média dos países da África Subsariana. Mas se o principal produto de exportação são-tomense é o cacau, a quantidade (três mil toneladas em 2014) é irrisória, lembra Jorge Coelho, que defende que tem potencialidade para "ser um país riquíssimo em África". Em 2014, a venda de cacau rendeu nove milhões de dólares, representando 93, 9% das exportações de produtos agrícolas. Kwame de Souza lembra, por outro lado, que a marca da produção de cacau em São Tomé é tão grande que faz parte do desenho da arquitectura do país. "Em todas as zonas encontramos casas coloniais, feitas pelos colonos, onde produziam cacau e essas empresas estão hoje num estado lastimável, no limiar da pobreza. As pessoas que viviam lá — cabo-verdianos, moçambicanos, angolanos que vinham contratados — ficaram sem educação, saúde, saneamento e ainda por cima continuaram a ser estrangeiros durante muitos anos", critica. Hoje o cacau não é prioridade, "então o Estado o que faz?", interroga, retoricamente. "Trabalha com grandes empresas que consomem e compram todo o cacau produzido em São Tomé. " Contra a nacionalização das roças, Kwame de Souza critica também a falta de gestão pela parte do Estado. "Neste momento o cacau consegue ter muito pouco poder, não mexe com nada". Houve um período em que o cacau tinha poder e muito durante o colonialismo. Filinto da Costa Alegre fala do papel que o cacau teve como instrumento de colonização e de desigualdade. "Conquistada a independência, devíamos ter ultrapassado o anátema do cacau, devíamos ter caminhado para uma diversificação agrícola de modo a não estarmos nesta dependência de importarmos quase tudo o que necessitamos". A produção foi decaindo, não só por causa da velhice das plantações e das infra-estruturas como porque "não somos capazes de dominar a tecnologia". Apostar na qualidadeEm vez de acrescentar valor ao cacau, São Tomé continua a apostar na "parte menos rentável": no cultivo, na produção e na secagem. "Toda a rentabilidade vem depois de se colocar o cacau lá fora; por isso é que não avançamos. " Como vários são-tomenses ouvidos, também Filinto da Costa Alegre defende que se deveria apostar na qualidade e não na quantidade. "O nosso cacau é usado para melhorar os lotes que vêm de outros países; então era preciso que se tivesse atenção particular a isto, preservar a qualidade". Exemplo da falta de investimento é que há séculos que se cultiva cacau em São Tomé e, por exemplo, "não existe uma escola para ensinar as crianças a fazerem cacau", nota. A produção de cacau não vai poder resolver os problemas económicos de São Tomé e Príncipe e como é tão baixa não está em condições de contribuir, como se desejaria, para a economia local, diz, por outro lado António Dias. "Há muitas vozes que dizem que se trata do fim de um ciclo", comenta. "São Tomé representa uma gota no oceano, temos a Costa do Marfim que produz acima de um 1, 5 milhões de toneladas de cacau, logo a aposta tem que ser na qualidade. É essa aposta que se tem vindo a fazer para que seja o primeiro produtor na qualidade do cacau; mesmo ao nível dos mercados internacionais existem nichos e fazendo apostas estou convencido que pode contribuir um pouco mais para economia". Exemplos como a empresa do italiano Claudio Corallo, que produz um chocolate que já foi várias vezes considerado um dos melhores do mundo, são para seguir — assim como o de outras empresas como a Satocau que está a fazer um esforço de reabilitação de cacueiros. Memória da escravaturaMas para historiadores como Isaura Carvalho há uma questão mais complexa associada ao cacau: a memória da escravatura. Muitos dos trabalhadores agrícolas até aos anos 1960 estavam em regime de trabalho forçado e isso é um peso que "ainda paira" no ar. "O que as roças transmitem é a degradação de um património em que a maior falha foi não conseguir inverter a nosso favor toda uma História ligada a estas estruturas. Continuamos a manter quase que a relação de uma ideia colonial com os espaços". Hoje o cacau não deveria, porém, ser perdido de vista na economia de São Tomé e Príncipe, mas devia-se apostar nas cooperativas e nos mercados externos para escoar o produto, defende Nazaré Ceita. "De facto é preciso que o governo faça apostas, por exemplo no cacau de qualidade, evitando-se a super-produção, e investindo na criação de estruturas fabris que transformasse o cacau em chocolate. Falta trabalho de casa", resume a historiadora, especialista no período colonial. Caminhos? Apostar na diversificação agrícola, produzir culturas alimentares, e "produzir coisas e produtos que facilitassem a nossa integração na região", propõe Filinto da Costa Alegre. "São Tomé está colocado no Golfo da Guiné mas a sua balança comercial não tem trocas mínimas com a região porque o seu sector produtivo está virado para satisfazer outras. Qualquer programa de desenvolvimento teria que olhar para a questão da agricultura, das pescas — temos um mar com algum peixe mas não temos o equipamento necessário para capturar, conservar, transformar o peixe. O que São Tomé faz é vender licenças de pesca para os que têm frotas. Os co-culpados somos nós: em 40 anos não sabemos definir o que queremos ser. As relações internacionais são absolutamente desiguais e injustas e da nossa parte não tem havido a ponderação necessária para definir o caminho e tentarmos segui-lo. "Teotónio Torres, economista, um dos dirigentes da Associação dos Economistas de São Tomé e Príncipe, e um homem que tem denunciado alegados casos de corrupção na gestão do dossier do petróleo, discorda que se deva apostar no cacau porque exige um tipo de trabalho violento. E a população de 180 mil são-tomenses é escassa, "deve ser aproveitada no que der mais rendimento". Não o vê como um produto que possa melhorar a vida dos são-tomenses, ao contrário da pesca, do turismo, do petróleo. No fundo acha que os esforços deveriam ir para outros sectores que beneficiariam mais o povo. Embora a produção de cacau continue a ser uma das alternativas económicas, não está a ter a produção desejável, nota Isaura Carvalho. Não há mão-de-obra, técnicos formados para fazer o acompanhamento, falta a maquinaria de suporte, a tecnologia. "Há todo um conjunto de factores que emperram este processo e fazem com que não seja viável. Supondo que queríamos que a nossa economia vivesse do cacau: tínhamos que olhar para ele como um produto especial. ""Economia artificial"A viver há 20 anos em São Tomé, o italiano Claudio Corallo foi dos exemplos mais referidos nestas entrevistas: acrescentou valor ao cacau produzido na ilha, transformando-o em chocolate e apostando na qualidade. Fazê-lo não é uma receita para o destino do cacau do país, comenta-nos. "Claro que numa terra pequena assim é melhor ir para a qualidade do que para a quantidade. Mas aqui há uma economia totalmente artificial" — fruto dos projectos de cooperação que duram um curto período de tempo e não criam autonomia. "Aqui temos o problema da falta do Estado, não há lei, a lei não é respeitada", queixa-se ele que já teve várias pessoas a construírem casas nos seus terrenos. "A última casa começou a ser construída há dias e já decidimos que não merece queixas: perco dinheiro em advogados, tempo. . . é gente que recebeu terrenos para construir casa mas prefere ficar na nossa roça porque está limpa e etc. ". Num país tão pequeno, um projecto altera profundamente a economia, alerta. O mercado é extremamente difícil, até porque globalmente as chocolaterias de médio tamanho estão a desaparecer: "Ou é Nestlé, ou é super-qualidade; a confeitaria é outro trabalho. Verdadeiramente: é muito difícil. "É preciso mudar de paradigma, defende, por seu lado, João Carlos Silva, fundador da Bienal de São Tomé, do centro de artes Cacau e da Roça de São João dos Angolares, também autor do programa de televisão Na Roça com os Tachos. "O cacau condicionou a nossa vida, não vamos deixar que ele morra. Mas temos que olhar de outra forma, temos que ver que o próprio modo como era produzido está associado a um determinado tipo de sistema que não se compadece com a democracia. São Tomé nunca foi pensado como país que pode ter viabilidade económica mas como país que pode continuar de mãos estendidas. Quarenta anos depois temos que voltar a olhar para as roças como pequenos pólos de desenvolvimento local e de uma forma integrada" — algumas dessas roças, sugere, poderiam avançar para futuras vilas e cidades do país. "Temos que olhar para os próximos anos, pensar no que fazemos com as vulnerabilidades e com o património imenso que temos, olhando para o meio rural que é fundamental para a sobrevivência deste país. "De volta à roça de Agostinho Neto, o senhor "Zé" defende que se devia apostar e produzir mais cacau. Porque é que isso não acontece? "Tinha que ter gente para tomar conta disto. E não tem. A mata toda está abandonada". Esta reportagem foi feita com o apoio da Fundação Francisco Manuel dos Santos
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“Autoritarismo” e “programação fechada ao mundo” levam Pinto Ribeiro a demitir-se da Gulbenkian
Programador deixa a fundação a 15 de Setembro, dia em que acaba o Próximo Futuro. E garante que a Gulbenkian precisa de inovar a sua oferta cultural, tornando-a mais contemporânea e cosmopolita. (...)

“Autoritarismo” e “programação fechada ao mundo” levam Pinto Ribeiro a demitir-se da Gulbenkian
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Programador deixa a fundação a 15 de Setembro, dia em que acaba o Próximo Futuro. E garante que a Gulbenkian precisa de inovar a sua oferta cultural, tornando-a mais contemporânea e cosmopolita.
TEXTO: António Pinto Ribeiro vai deixar de ser consultor da Fundação Calouste Gulbenkian e director do Programa Próximo Futuro. Uma reviravolta depois de, no início de Fevereiro, a fundação ter anunciado que o programador cultural iria assumir o cargo de coordenador de todos os serviços da casa com oferta artística. Num breve email enviado ao PÚBLICO, Pinto Ribeiro justifica a sua saída em três pontos e revela que a sua decisão decorre de “um conjunto de episódios de autoritarismo tomados por alguns membros do Conselho de Administração” impossíveis de “aceitar numa sociedade livre e democrática” e de opções em relação à programação com as quais não concorda: “As orientações tomadas para a programação artística para os próximos anos colidem frontalmente com o que eu considero ser uma programação artística inovadora, internacional, de apoio à criação portuguesa e cosmopolita que uma fundação com os recursos da Gulbenkian deve oferecer aos portugueses”, escreve o programador. Em conversa telefónica, Pinto Ribeiro preferiu não dar exemplos do “autoritarismo” a que se refere mas, ao que o PÚBLICO apurou, entre esses episódios estará a ordem para que não se vendesse na livraria da fundação o álbum de BD Papá em África, do sul-africano Anton Kannemeyer (cidade do Cabo, 1967), um dos autores que a Gulbenkian recebe a 15 de Maio, num debate promovido pelo Próximo Futuro. O livro, que o crítico do PÚBLICO José Marmeleira classifica como ácido e feroz em histórias e imagens, começa por parecer um pastiche de Tintin no Congo, de Hergé, mas acaba por se revelar, através de uma sátira mordaz ao autor belga que aqui é representado envelhecido a abater animais e até um africano negro, uma crítica violenta ao colonialismo e à sociedade afrikaner em que o próprio Kannemeyer cresceu. Foi editado em Portugal pela Chili com Carne. Elisabete Caramelo, directora de comunicação da fundação, confirmou ao início da tarde desta sexta-feira que Pinto Ribeiro pediu a desvinculação da fundação, o que foi aceite pela Administração. Quanto ao livro, garantiu que já está à venda e que foi apenas “retirado temporariamente para que se pudesse identificar que se trata de uma Banda Desenhada para adultos”. Junto ao livro, confirmou mais tarde o PÚBLICO, está efectivamente um aviso que indica que os conteúdos do álbum - texto e imagem - não são apropriados para crianças. Desencontro total“Autoritarismos” à parte, Pinto Ribeiro diz que a sua decisão se deve sobretudo a um “desencontro total” naquilo que são – ou, na sua opinião, devem ser - os objectivos da oferta cultural de uma instituição como a Gulbenkian. “Inovação” e “internacionalização” deveriam ser ingredientes-chave na oferta artística da casa, disse ainda ao telefone: “A Gulbenkian não pode continuar a fazer uma programação fechada ao mundo, que não tem uma dimensão contemporânea, internacional. ”Como coordenador-geral para a programação da Gulbenkian, Pintor Ribeiro deveria vir a supervisionar a oferta do Centro de Arte Moderna, da responsabilidade de Isabel Carlos; do Serviço de Música de Risto Nieminen, que inclui a orquestra e o coro e gere o maior dos orçamentos da fundação na área cultural; e do Museu Gulbenkian, para o qual foi recentemente nomeada uma directora, a inglesa Penelope Curtis. No seu email, o programador, que até aqui não fizera quaisquer declarações públicas sobre a sua nomeação para o cargo, garante ainda que se afasta porque estas funções de coordenador-geral que deveria vir a desempenhar com efeitos a partir da temporada 2016-2017 decorrem, na sua opinião, de uma “figura de retórica”, já que “as programações continuariam a ser da responsabilidade dos directores e dos administradores”. Quando confirmou a nomeação de Pinto Ribeiro para coordenador-geral da programação – um cargo que até aqui não existia na Gulbenkian -, a directora de comunicação da fundação fez questão de sublinhar que a ideia não era tê-lo a substituir os directores dos serviços. O que se esperava do director do Próximo Futuro era que fosse "um coordenador de programadores", e não um megadirector artístico. Ora, Pinto Ribeiro não se revê num cargo que classifica como o de “técnico de coordenação”: “Não posso aceitar que, tendo sido convidado para este cargo, encontre já a maior parte da programação definida e, no caso das exposições, praticamente desenhada até Junho de 2017. ”
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Partidos LIVRE
Gulbenkian rescinde ligação com António Pinto Ribeiro “com efeitos imediatos”
Comunicado do conselho de administração diz que houve uma "uma quebra de confiança institucional". (...)

Gulbenkian rescinde ligação com António Pinto Ribeiro “com efeitos imediatos”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Comunicado do conselho de administração diz que houve uma "uma quebra de confiança institucional".
TEXTO: O comunicado tem apenas dois breves parágrafos, mas deixa claro que o conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian não tenciona prolongar, mesmo que seja só até Setembro, a sua ligação ao programador António Pinto Ribeiro, que era até à passada sexta-feira seu consultor e director do programa Próximo Futuro. “O Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian deliberou rescindir, com efeitos imediatos, a ligação do Dr. António Pinto Ribeiro com a Fundação, no seguimento das declarações por ele prestadas à Agência Lusa”, lê-se no documento publicado no site da instituição. As declarações feitas à agência na sequência de uma notícia do PÚBLICO em que Pinto Ribeiro (Lisboa, 1956) confirmava ter pedido a demissão de funções devido a “um conjunto de episódios de autoritarismo tomados por alguns membros do Conselho de Administração”, precisavam que as “atitudes autoritárias” tinham partido do próprio presidente da fundação, Artur Santos Silva, e classificava-as como “inapropriadas numa sociedade livre e democrática". “O teor dessas declarações configura, para o Conselho, uma quebra de confiança institucional que inviabiliza o prosseguimento da relação como coordenador do Programa Gulbenkian Próximo Futuro”, diz ainda o comunicado. O documento não revela se a próxima edição do programa coordenado por Pinto Ribeiro desde 2009 irá ou não realizar-se. Contactada pelo PÚBLICO, Elisabete Caramelo, directora de comunicação da Gulbenkian, não acrescentou qualquer informação: “Por agora, não há mais nada para dizer além do que está no comunicado do Conselho de Administração. ”Prevista para arrancar a 18 de Junho, embora já lhe esteja associado um debate a 15 de Maio com três autores de BD, a edição do Próximo Futuro deverá terminar a 15 de Setembro, data em que o programador cultural contava deixar, em definitivo, de ser consultor da casa. “Devido aos compromissos assumidos com os participantes e à divulgação feita, pedi ao conselho de administração que autorizasse a próxima edição e o conselho autorizou. Saio no dia em que o Próximo Futuro acaba”, disse ao PÚBLICO na sexta-feira. Entre as “atitudes autoritárias” estaria – Pinto Ribeiro não o confirmou na altura – a ordem para que não se vendesse na livraria da fundação o álbum de BD Papá em África, do sul-africano Anton Kannemeyer (cidade do Cabo, 1967), um dos autores que a Gulbenkian deverá receber no debate de 15 de Maio (com Posy Simmomds e Marcelo D'Salete). Editado em Portugal pela Chili com Carne e classificado pelo crítico do PÚBLICO José Marmeleira como um livro ácido e feroz em histórias e imagens, Papá em África é uma crítica violenta ao colonialismo e à sociedade afrikaner em que o próprio Kannemeyer cresceu, mostrando o Tintin de Hergé, bastante mais velho, a abater animais e um africano negro. O programador cultural, que está em Paris na montagem de Modernidades: Fotografia Brasileira (1940-1964), exposição que já passou por Lisboa no Próximo Futuro, respondeu esta terça-feira às perguntas do PÚBLICO a meio da tarde e por email, confirmando que falou com Artur Santos Silva de manhã e que foi nessa ocasião que o presidente da Gulbenkian lhe perguntou se dissera à Lusa que ele tinha “tomado atitudes autoritárias”: “Respondi afirmando que o acto de ter censurado a venda do livro de Anton Kannemeyer Papá em África não podia deixar de ser considerado uma atitude autoritária (o livro foi posto à venda dois dias depois face às perguntas insistentes da comunicação social). ” A directora de comunicação da Gulbenkian explicou na sexta-feira que o livro fora apenas “retirado temporariamente para que se pudesse identificar que se trata de uma banda desenhada para adultos”. Perante a resposta, escreve ainda no email Pinto Ribeiro, Artur Santos Silva “considerou que tal lhe era ofensivo e que produzia uma quebra de confiança” entre os dois, sobretudo tendo em conta que o programador era colaborador da fundação. “Nenhuma outra questão me foi colocada”, acrescenta. “Acabo de ver no site da Gulbenkian que a fundação decidiu rescindir o contrato de consultor que tinha comigo há vários anos. ”Entretanto, Artur Santos Silva numa declaração enviada ao PÚBLICO, desmente que Pinto Ribeiro não tenha sido informado da sua saída na conversa que tiveram. “O Dr. António Pinto Ribeiro foi claramente informado esta manhã que a sua colaboração com a Fundação Gulbenkian cessaria imediatamente, a partir do momento em que confirmou o teor das suas declarações à Agência Lusa. O Dr. António Pinto Ribeiro não pode ter sabido da decisão pelo site da Fundação, uma vez que a sua saída lhe foi transmitida na conversa que o próprio refere ao PÚBLICO. ”SurpreendenteA notícia da sua saída, na sexta-feira, revelou-se uma surpresa porque, além da direcção do Programa Gulbenkian Próximo Futuro, a terminar no final de 2016, Pinto Ribeiro deveria vir a assumir o cargo de coordenador de todas as áreas da fundação com oferta artística, do museu ao Centro de Arte Moderna, passando pelo prestigiado serviço de música com o seu coro e orquestra, que gere o maior orçamento da casa no domínio da cultura. O anúncio de que Pinto Ribeiro viria a ser “coordenador-geral da programação” foi feito em Fevereiro pela própria Gulbenkian, salvaguardando, no entanto, a autonomia dos actuais directores dos serviços. Uma das razões que Pinto Ribeiro evocou no final da semana passada para se afastar foi precisamente uma divergência de opiniões em relação ao que a fundação esperava do seu novo coordenador-geral, defendendo que o conselho de administração queria apenas um “técnico de coordenação”, função para a qual garantia não estar disponível: “Não posso aceitar que, tendo sido convidado para este cargo, encontre já a maior parte da programação definida e, no caso das exposições, praticamente desenhada até Junho de 2017”, disse o programador, lembrando que, caso viesse a aceitar a nomeação, ela deveria produzir efeitos logo em 2016. Em negociações para assumir a coordenação-geral desde o Verão do ano passado, António Pinto Ribeiro fez ainda notar o “desencontro total” entre a sua visão e a do conselho de administração sobre o que deve ser a oferta cultural de uma instituição como a Gulbenkian que, na sua opinião, precisa de se inovar e de se internacionalizar. A fundação, defende, “não pode continuar a fazer uma programação fechada ao mundo, que não tem uma dimensão contemporânea”. O cargo de coordenador-geral, que António Pinto Ribeiro não chegou a assumir embora tenha sido anunciado como tal, é novo na estrutura da Gulbenkian. Ainda não é claro se a fundação tenciona substituí-lo ou se esta função desaparece com a saída do programador. Notícia actualizada às 17h30 e às 19h
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Partidos LIVRE
É a primeira bolsa europeia para a história da cartografia. E vem para Portugal
Mais de um milhão de euros acabam de ser atribuídos a Joaquim Alves Gaspar pelo Conselho Europeu de Investigação, ou ERC. É uma das cobiçadas bolsas europeias, selo de qualidade. O dinheiro destina-se ao estudo de cartas náuticas antigas, usando métodos inovadores. (...)

É a primeira bolsa europeia para a história da cartografia. E vem para Portugal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.125
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais de um milhão de euros acabam de ser atribuídos a Joaquim Alves Gaspar pelo Conselho Europeu de Investigação, ou ERC. É uma das cobiçadas bolsas europeias, selo de qualidade. O dinheiro destina-se ao estudo de cartas náuticas antigas, usando métodos inovadores.
TEXTO: Joaquim Alves Gaspar tem uma história pessoal curiosa, como se tivesse tido uma vida antes e agora outra. Foi mesmo por aí – apresentando-se – que começou a exposição do seu projecto científico a um júri do Conselho Europeu de Investigação (ERC), em Bruxelas. “Sou comandante da Marinha Portuguesa, reformado ao fim de 36 anos de serviço. Além da actividade operacional, parte significativa da minha carreira foi dedicada a assuntos técnicos e científicos, nomeadamente no Instituto Hidrográfico português e na Escola Naval”, disse às 16 pessoas do júri que tinha à frente, em Junho. “Em 2002, reformei-me para começar uma carreira na investigação. ” A nova vida de Joaquim Alves Gaspar ganhou agora um estímulo de peso, ao ser-lhe atribuída a bolsa ERC a que se tinha candidatado – 1, 2 milhões de euros – para o estudo de cartas náuticas medievais e do Renascimento, ao longo de cinco anos. Tem agora 67 anos. Depois de passar à reserva em 2002 (para ser mais exacto), aos 53 anos, Joaquim Alves Gaspar quis estudar mais. Licenciado em ciências militares na Escola Naval, com um mestrado em oceanografia física pela Naval Postgraduate School em Monterey (nos EUA) e especializações em navegação, hidrografia e cartografia matemática, foi fazer, em 2004, uma pós-graduação em ciência e sistemas de informação geográfica na Universidade Nova de Lisboa, e ficou interessado pela história da cartografia. “Apercebi-me de que o estado da arte nos aspectos ligados à construção e ao uso de cartas náuticas antigas era extremamente pobre. Pior ainda, era afectado por graves concepções erradas originadas por não se terem em conta princípios essenciais de navegação e cartografia”, explicou aos membros do júri, a quem mostrou uma fotografia do navio militar onde foi navegador pela primeira vez, nos anos 70. E ainda que diferentes, e sucedendo-se, a vida anterior de Joaquim Alves Gaspar como oficial superior da Armada (é capitão-de-mar-e-guerra) e a nova vida como investigador têm pontos de contacto. Porque, antes de mais, o Instituto Hidrográfico é a instituição responsável por produzir as cartas náuticas dos dias de hoje, ainda que Joaquim Alves Gaspar não estivesse lá directamente ligado à sua produção (chefiou o Centro de Dados Oceanográficos e a Divisão de Navegação e comandou a frota de navios hidrográficos). E, também, porque a sua actividade profissional como navegador e comandante de navios lhe deu experiência no uso operacional das cartas náuticas e motivou-o para escrever dois livros sobre esse tema, Cartas e Projecções Cartográficas (2000) e Dicionário de Ciências Cartográficas (2004). “Sempre me interessei pela cartografia – em particular pela cartografia matemática [relativa aos aspectos ligados à concepção e construção das cartas] –, que está muito imbricada na navegação”, resume. A partir de 2006 passou do interesse pela história da cartografia para a investigação propriamente dita nesta área. Era como investigador que queria olhar para as cartas náuticas do passado, e a sua experiência de navegação era valiosa. “Esse foi o pecado capital dos historiadores do passado: olharam para as cartas náuticas antigas e não as entenderam”, nota. Entre 2006 e 2010, na Universidade Nova de Lisboa, dedicou-se então à sua tese de doutoramento Da carta-portulano do Mediterrâneo à carta de latitudes do Atlântico: Análise Cartométrica e Modelação. Para este trabalho, desenvolveu novas ferramentas de análise cartométrica e de modelação numérica e aplicou-as a cartas antigas. A seguir ao doutoramento, foi convidado para fazer parte do (agora) Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), no pólo na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Renascia agora como historiador da ciência. É aí que se mantém ainda hoje. A atribuição desta bolsa europeia tem alguns “inéditos”. “A nível internacional, é o primeiro projecto ERC especificamente dedicado à história da cartografia. Um dos seus objectivos é precisamente dinamizar a disciplina e colocá-la no âmbito mais geral da história da ciência, o que foi entendido pelo painel de avaliação”, sublinha. “A nível nacional, é o primeiro projecto da FCUL, em todas as áreas, aprovado pelo ERC”, prossegue Joaquim Alves Gaspar, que realça ainda dois aspectos da bolsa. “O efeito dinamizador que terá, desejavelmente, na FCUL e junto dos investigadores que se dedicam à história da cartografia. E o facto de este projecto colocar Portugal, e a cartografia portuguesa antiga, na primeira linha da investigação internacional. ”Para chegar a uma das bolsas ERC, criadas pela Comissão Europeia e sinónimo de financiamento milionário e selo de qualidade, Joaquim Alves Gaspar já teve de ter dado algumas provas. Ao júri, além da criação das “poderosas” ferramentas para o estudo de cartas antigas, o investigador mencionou alguns resultados da sua aplicação a cartas do início da modernidade, como os planisférios de Cantino (de 1502) e de Juan de la Cosa (de cerca de 1500). O que permitem então fazer essas ferramentas? “As ferramentas de análise cartométrica destinam-se a analisar a geometria das cartas, e o modelo numérico a simular a sua construção”, explica-nos. “A caracterização da geometria das cartas permite tirar conclusões sobre os métodos de construção, a sua exactidão e, em alguns casos, sobre a informação utilizada. Por exemplo, é possível identificar no planisfério de Cantino as missões de exploração que estiveram na base do desenho da costa de África”, especifica. “O modelo numérico baseia-se nas descrições das fontes textuais, que explicam como eram feitas as cartas, e usa informação de navegação (direcções, latitudes e distâncias) para simular a sua construção, tal como se fazia na época. ”Sobre o planisfério de Cantino, na entrada do dicionário de Joaquim Alves Gaspar sobre ciências cartográficas, podemos ler que é uma “carta elaborada por um cartógrafo português desconhecido, em 1502, e levada para Itália por um agente do duque de Ferrara, Alberto de Cantino”. Mais: “Trata-se da primeira carta antiga a reflectir as descobertas do fim do século XV no continente americano, separando-o claramente da Ásia, bem como a viagem de Vasco da Gama à Índia, muito embora esta última só viesse a ser publicamente divulgada em 1506”, escrevia o autor no seu dicionário de 2004. “É de realçar a notável exactidão com que a costa africana se encontra representada, indicação segura de que os resultados dos trabalhos hidrográficos, aí realizados pelos portugueses no final do século XV, foram utilizados. ”Ainda sobre o planisfério de Cantino, agora o investigador realça que a análise cartométrica já possibilitou “descobertas importantes”: “Por exemplo, toda a costa de África se baseia em observações astronómicas de latitude dos lugares. Provei que, de facto, esta carta foi baseada em observações astronómicas. É a carta de latitudes mais antiga que se conhece”, diz. “Ou que os erros cometidos pelo cartógrafo parecem negar a tese de que a carta foi copiada do padrão real, um modelo cartográfico de onde as outras cartas eram todas copiadas e que era melhorado à medida que chegavam novas informações das descobertas. ”Quanto ao planisfério de Juan de la Cosa, navegador espanhol que acompanhou Cristóvão Colombo nas suas viagens, a partir de 1492, essa é a carta que representa pela primeira vez a América. Neste caso, as Antilhas, onde Cristóvão Colombo tinha chegado em 1492. “Mostrei que o planisfério de Juan de la Cosa não se trata de uma carta de latitudes, como os historiadores espanhóis afirmavam. Mas que é uma carta baseada nos velhos métodos utilizados para fazer as cartas o Mediterrâneo – isto é, baseadas em rumos e distâncias estimadas. ”Além dos planisférios de Canino e de Juan de la Cosa, os novos métodos vão ser aplicados a um grande número de cartas náuticas, de vários períodos e origens, para se construir uma imagem histórica mais fina do nascimento, da evolução e do uso destas cartas entre os séculos XIII e XVI. Embora não tenha uma lista exacta, o historiador da ciência tenciona estudar à volta de uma centena (“a maior parte será analisada através das suas imagens digitais de alta resolução, e algumas, que estão em França, Itália, Alemanha, Estados Unidos ou Reino Unido, terão de ser analisadas in situ”). É provável que na lista venha a estar a carta náutica mais antiga que se conhece – a carta pisana (assim designada por ter sido encontrada na cidade de Pisa), do final do século XIII. Esta carta do Mediterrâneo e de parte da costa atlântica até à Flandres, em pergaminho, encontra-se em Paris, na Biblioteca Nacional de França. A data em que foi construída tem sido alvo de grande debate. Datações por radiocarbono recentes (as primeiras), por uma equipa da Biblioteca Nacional de França, ainda não resolveram o mistério de vez. Confirmou-se, ainda assim, que o animal (cabra ou ovelha) cuja pele serviu para fazer o pergaminho morreu por volta de 1230 a 1250. Mas a carta pisana terá sido construída mais tarde. “Ainda não é completamente claro, mas não pode ter sido feita antes de 1270, por razões históricas”, explica Joaquim Alves Gaspar. As razões históricas são a referência a uma cidade na carta – Palamós, em Espanha – que não existia antes de cerca de 1270. Seja como for, o hiato temporal entre a morte do animal e a construção da carta pisana continua a causar estranheza por não ter sido logo usado, visto que o pergaminho era um material caro. Outra das cartas a que Joaquim Alves Gaspar poderá “voltar” é a carta mais antiga conhecida com linhas a representar o magnetismo da Terra. Já a tinha estudado em conjunto com outro colega do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, o historiador Henrique Leitão. O que os dois descobriram foi precisamente que esta carta – feita pelo cartógrafo português Luís Teixeira, entre 1572 e 1592 – tem linhas isogónicas, que representam num local a declinação magnética (a diferença em graus entre o norte magnético e o norte geográfico). Ora a carta de Luís Teixeira (para uma zona do Pacífico) foi feita mais de um século antes da carta com linhas isogónicas de Edmund Halley (para o Atlântico, por volta de 1700), geralmente considerada na literatura científica a primeira do género. Em mau estado de preservação, a carta de Luís Teixeira está no Museu de Marinha, em Lisboa. Agora os 1, 2 milhões de euros da bolsa vão permitir criar um grupo de trabalho de sete pessoas dedicado às cartas náuticas antigas. A Joaquim Alves Gaspar, o investigador principal do projecto, juntar-se-á Henrique Leitão como investigador sénior e irão recrutar-se outros quatro investigadores e um gestor de projecto. “Espero cativar pessoas multidisciplinares”, diz Joaquim Alves Gaspar. Até porque ele próprio esteve durante dois anos a aprender latim, para poder ler muitas das fontes históricas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além dos métodos cartométricos e de modelação numérica, complementados com os métodos tradicionais de investigação histórica, no projecto irão submeter-se as cartas náuticas a análises multiespectrais. A ideia é ver o que está por baixo do que é visível aos nossos olhos: “Para saber se um pergaminho, que era caro, é um palimpsesto: se já tinha sido usado antes, foi raspado e usado outra vez. Saber o que está debaixo da sujidade. E ver as marcas de construção ou uso de uma carta. ”No comentário ao projecto, o painel de avaliação considerou-o “de grande importância” e “altamente inovador”, dizendo que poderá contribuir não só para a investigação da construção de mapas mas também para a própria história da ciência e do conhecimento. Em resultado desta avaliação, aos 67 anos Joaquim Alves Gaspar vai ter uma bolsa que costuma ser atribuída a jovens investigadores, doutorados no máximo há sete anos, para criarem o seu grupo de investigação (uma starting grant, ou subvenção de arranque). Assim começa uma nova etapa da vida de Joaquim Alves Gaspar. “Estou radiante. Mas, ao mesmo tempo, sinto o peso da responsabilidade. ”
REFERÊNCIAS:
Documentos internos do Facebook revelam inconsistências no tratamento de temas sensíveis
Os moderadores da rede social são submetidos a grande pressão. Em média, têm dez segundos para decidir se retiram ou não conteúdos problemáticos. (...)

Documentos internos do Facebook revelam inconsistências no tratamento de temas sensíveis
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os moderadores da rede social são submetidos a grande pressão. Em média, têm dez segundos para decidir se retiram ou não conteúdos problemáticos.
TEXTO: Como é que o Facebook gere temas sensíveis como a violência, o discurso de ódio, a pornografia, o terrorismo, o racismo ou a automutilação? O jornal britânico The Guardian analisou mais de 100 manuais internos da rede social, entre tabelas e organogramas, para tentar responder a essas perguntas e concluiu que existem incongruências nas directivas e muita dificuldade da parte dos moderadores em decidir no momento, perante o volume de trabalho a que são submetidos. Os moderadores – que decidem o que continua publicado – têm apenas dez segundos, em média, para tomar a decisão de retirar ou não conteúdos, perante critérios que nem sempre são claros e coerentes. Com quase dois mil milhões de utilizadores, o Facebook permite, por exemplo, que sejam transmitidas ao vivo tentativas de automutilação, com a justificação que não quer censurar ou punir pessoas que já estão em perigo. Quanto a vídeos de mortes violentas, é proclamado que nem sempre têm de ser apagados. O princípio defendido é o de que essas imagens podem ser perturbadoras, mas também podem ajudar a criar consciência sobre esses temas, devendo os adultos ter a possibilidade de escolher vê-las. Estes pressupostos surgem na investigação do The Guardian, numa altura em que o Facebook se encontra sob pressão dos órgãos reguladores europeus e norte-americanos, e por defensores da liberdade de expressão e críticos da rede social, que solicitam à empresa maior transparência e clareza. A maneira de lidar com as fronteiras entre violência credível ou ameaças genéricas não dirigidas a ninguém em particular, por exemplo, nem sempre é clara. Se alguém escrever “matem Trump” isso pode ser lido como uma incitação à violência e deve ser apagado, por se tratar “de um chefe de Estado” e de se encontrar, por essa razão, numa categoria protegida. Mas se a frase for “espero que alguém te mate”, a mesma não será tida como uma ameaça. Da mesma maneira, alusões genéricas como “vai-te lixar e morre” são permitidas. Fotografias ou outras imagens de abusos de crianças nem sempre são apagadas com o argumento de que podem ajudar a identificar e a socorrer as vítimas. O mesmo pode suceder com vídeos de mortes violentas, fotos de abuso a animais, vídeos de abortos ou de bullying. Apesar de marcadas com um aviso de conteúdo “perturbador”, essas imagens não são necessariamente apagadas, a não ser que tenham uma intenção sádica ou laudatória. A nudez ou a pornografia são também analisadas, com os vídeos colocados por vingança a terem de reunir três condições para serem retirados de imediato – serem privados, mostrarem nus totais ou parciais e revelarem pessoas em actos sexuais. Em paralelo às directrizes reveladas pelo Guardian, existe o problema do controlo da enorme quantidade de conteúdos. Fontes da empresa disseram ao jornal que o Facebook cresceu demais e que “não consegue manter o controlo” de tudo o que é publicado na rede social, salientando que os moderadores operam sob pressão. A empresa, através de Monika Bickert, responsável pelas políticas de utilização do Facebook, ripostou que não são uma companhia tradicional, argumentando que a empresa se sente responsável pela forma como a tecnologia que cria é utilizada. No entanto, ressalvou: “Não escrevemos as notícias que são lidas na plataforma”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência racismo social abuso
Malta, um recanto no Mediterrâneo
O leitor Helder Taveira partilha a sua experiência pelo arquipélago. (...)

Malta, um recanto no Mediterrâneo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O leitor Helder Taveira partilha a sua experiência pelo arquipélago.
TEXTO: A viagem a Malta, que se estendeu às ilhas de Gozo e Comino, surpreendeu-nos de forma muito positiva, quer pela diversidade da paisagem, quer pelo património cultural. Malta é um pequeno país mediterrânico, com apenas 360 km2, e que se situa entre a costa da Sicília e a 290 km da Tunísia no continente africano. Com um clima mediterrânico e gente simpática, foi uma agradável surpresa. Sempre presente a influência que sobre essas ilhas exerceu a Ordem dos Templários, mais conhecida como a Ordem de Malta, ninguém fica indiferente ao rico património arquitectónico das ilhas. Malta tem uma cultura riquíssima graças às ocupações árabes, francesas, italianas e inglesas. Tem cerca de 7000 anos de história. Foi colonizada pelos fenícios em 800 a. C. , pelos cartagineses em 480 a. C. , romanos em 218 a. C. Em 1530 chegaram os Cavaleiros de São João, ordem religiosa e militar pertencente à igreja católica, que ficaram conhecidos como Templários que tiveram aí grande influência. Napoleão conquistou Malta àquela ordem religiosa e depois perdeu-a para os ingleses, que a tornaram numa colónia até 1964. O nome Malta tem origem na palavra Malet, que significa abrigo, ou seja, era um porto seguro para o comércio fenício. Sinal de boa sorte, ainda hoje, no belo porto de Marsaxlokk, são visíveis nos barcos de pesca, pintados na proa, uns olhos grandes e rasgados. Neste simpático porto piscatório, podemos encontrar um mercado e restaurantes que servem o que é considerado o melhor peixe da ilha. No ano de 60 d. C. o barco do Apóstolo São Paulo naufraga na ilha e esta converte-se ao cristianismo. Seguiu-se o domínio bizantino, os árabes e o islamismo e a sua influência na língua maltesa. Agradável também em termos de temperatura, com clima mediterrânico temperado. Cenário de muitos filmes, desde logo a Guerra dos Tronos, passando pelo Gladiador com Russel Crowe ou Troia, com Brad Pitt. Podemos ainda visitar a aldeia construída como cenário para o filme Popeye. Localizada na ilha de Malta, a Popeye Village foi criada inicialmente com a ideia de ser cenário do filme de 1980. O local acabou por se tornar residência para algumas pessoas, e hoje, 30 anos depois, é uma vila e um ponto turístico no Sul da ilha. La Valetta é um encanto. Património Mundial da UNESCO desde 1980, é uma capital cheia de história e belos monumentos de vários estilos arquitectónicos e onde é visível em cada canto a influência da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, aqui chegada em 1530. Capital Europeia da Cultura 2018, a cidade está cheia de cores e obras de arte espalhadas pelas ruas. Belos palacetes que foram pertença de famílias nobres. O porto acolhedor e que inspira segurança aos muitos cruzeiros que cruzam o Mediterrâneo e que por aqui atracam. Em termos arquitectónicos, não há nada mais típico em Malta que o inconfundível balcão maltês. Diz-se que o primeiro exemplar terá sido instalado no Palácio do Grão-Mestre, popularizando-se a partir daí o seu uso, mas ainda há dúvidas sobre a sua origem, sendo possivelmente o resultado da influência dos inúmeros escravos de origem turca que por aqui viveram. Ninguém melhor que Eça de Queiroz a descreveu, quando por aí passou a caminho do Egipto, onde iria assistir à inauguração do Canal de Suez, em Novembro de 1869. “As paredes brancas, claras, imensas, desenhando linhas severas de muralhas, têm um aspecto misterioso, e fazem pensar ao mesmo tempo no Oriente e na Renascença Veneziana. Grandes balcões envidraçados e salientes dão às ruas um perfil pitoresco. De ambos os lados erguem-se casas enormes, de fisionomia altiva e impenetrável, longas arcadas misteriosas, terraços sucessivos, fragmentos de esculturas, detalhes admiráveis que parecem italianos pelo mistério e orientais pela fantasia. Todo aquele mundo pitoresco e bárbaro nos trazia à memória os seus cavaleiros brancos, altivos, trazendo a cruz vermelha ao peito. ”A ilha de Gozo, com a sua cidadela, transporta-nos para outros tempos e merece sem dúvida uma visita. A famosa Janela Azul, arco de rocha com vista para o mar, muito embora já não exista por se ter desmoronado, continua a ser o “ex-líbris” da ilha, aparecendo em todos os guias turísticos, enganando assim os menos atentos, que ainda se deslocam a Gozo com intenção de a ver. O coração de Gozo é a cidadela, no topo da colina que ganhou importância na Idade Média, sendo já ocupada por povos pré-históricos. Circundada por muralhas datadas do século XV e que foram construídas pelos fenícios. Os ferryboats que diariamente fazem a travessia tornam a ilha acessível. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A ilha de Comino, com apenas cerca de 3km2, é um lugar que não poderemos deixar de visitar, quanto mais não seja pela beleza da lagoa Azul, cenário de alguns filmes. A viagem a Malta foi curta, mas proveitosa. Ficamos com a sensação que muito ficou ainda por ver e será um local onde, certamente, voltaremos. Helder Taveira, com Luísa Matos e Sara Grácio
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo Islamismo