O que talvez não saiba dos 28 desportos olímpicos
Os Jogos Olímpicos vão distribuir medalhas em 41 modalidades, bem mais do que os desportos que serão praticados no Rio 2016. Aqui pode ficar a conhecer algumas curiosidades que talvez desconhecesse sobre os 28 desportos olímpicos. (...)

O que talvez não saiba dos 28 desportos olímpicos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os Jogos Olímpicos vão distribuir medalhas em 41 modalidades, bem mais do que os desportos que serão praticados no Rio 2016. Aqui pode ficar a conhecer algumas curiosidades que talvez desconhecesse sobre os 28 desportos olímpicos.
TEXTO: O andebol surgiu nas Olimpíadas em 1936, em Berlim, ainda no formato 11 contra 11, num campo relvado. Após um longo período de ausência, regressou novamente na Alemanha, nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Este regresso trouxe o actual formato de 7 contra 7, em recinto fechado. Neste desporto, os jogadores canhotos preferem jogar do lado direito e os destros do lado esquerdo. Desta forma, a mão dominante fica com melhor ângulo relativamente à baliza, facilitando o remate e a marcação de golos. No andebol, nenhum jogador pode entrar na área de baliza, onde só está o guarda-redes, de forma a obter alguma vantagem. Se o fizer, será atribuída posse de bola à equipa adversária, com possibilidade de punição técnica. Nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, Usain Bolt tornou-se o primeiro atleta detentor dos recordes do mundo dos 100, 200 e 4x100 metros. A sua alcunha é “Lightning Bolt” e é um dos atletas mais mediáticos do desporto mundial. Bolt tornou-se o primeiro atleta, na história do atletismo, a vencer seis medalhas de ouro em provas de velocidade, tornando-se bicampeão nas três provas que venceu. No Rio, em 2016, o jamaicano pode conquistar o ouro pela terceira vez consecutiva, nas mesmas três provas. Em 2010, foram proibidas as falsas partidas nas corridas de velocidade. Assim, um atleta que saia antes do tiro de partida é desqualificado e a partida é repetida. Nos Jogos Olímpicos da antiguidade, havia uma prova que consistia em correr de um lado ao outro do estádio. A prova chamava-se, precisamente, "estádio". No salto em comprimento, um atleta não pode pisar a tábua de impulsão. O bordo da tábua é feito de plasticina – material moldável e sensível ao “pisão” –, para que a marca deixada pelo atleta seja visível e, dessa forma, o salto seja considerado nulo. Um volante de badminton pesa cerca de cinco gramas e, geralmente, é feito de penas de ganso. Este desporto chegou à Europa no século XIX, trazido por militares britânicos que viram este jogo (mas sem rede a dividir o campo) na Índia. O nome tem origem na propriedade dos Duques de Beaufort, em Badminton House, local onde começou a ser praticado. O badminton é o desporto de raquete mais rápido do mundo e os volantes podem atingir os 400km/h. Apesar de mais de 50 países já terem participado no torneio olímpico de badminton, apenas China, Coreia do Sul, Indonésia, Dinamarca, Malásia, Grã-Bretanha, Japão, Países Baixos, Índia e Rússia venceram medalhas. O badminton estreou-se nas Olimpíadas apenas em 1992, em Barcelona, sendo que apenas em Atlanta 96 foram introduzidos os pares mistos e a disputas por medalhas de bronze. Uma das equipas desportivas mais icónicas da história do desporto mundial – a “Dream Team” – é a equipa dos Estados Unidos da América que se sagrou campeã olímpica de basquetebol, em 1992. Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Scottie Pippen, Karl Malone, David Robinson ou Charles Barkley fizeram parte dessa equipa. O chinês Yao Ming, com 2, 29m, é o atleta mais alto que já participou nos Jogos Olímpicos. Em cada posse de bola, as equipas têm 24 segundos para lançar ao cesto. É considerado lançamento quando a bola entra no cesto ou toca no aro. Ao contrário do futebol, do andebol e dos desportos colectivos mais mediáticos, no basquetebol, quanto maior for a distância ao cesto, mais pontos a equipa marca. Podem ser contabilizados lançamentos a valer 1, 2 ou 3 pontos. A história do boxe remonta aos Jogos Olímpicos da Grécia antiga. O boxe moderno, com regras mais próximas das actuais, surgiu no século XIX. Os Jogos de Londres, em 2012, ficaram marcados como os primeiros em que a categoria feminina foi introduzida nesta modalidade. Os Estados Unidos da América são o país com mais medalhas olímpicas nesta modalidade. Muhammad Ali, falecido em Junho de 2016, é a principal figura deste desporto e chegou a ser campeão olímpico – ainda sob o nome Cassius Clay –, em Roma, no ano de 1960. E no voo para Itália, Ali, com medo de andar de avião, levou consigo um paraquedas. Não se sabe se o trouxe de volta, mas sabe-se que trouxe uma medalha de ouro. As provas de canoagem de velocidade estrearam-se nos Jogos Olímpicos em Berlim, no ano de 1936. Entre Moscovo 1980 e Atenas 2004, a alemã Birgit Fischer conquistou 12 medalhas nesta modalidade (oito de ouro). Os países europeus são, tradicionalmente, os mais fortes nesta modalidade. Dos dez países mais medalhados na canoagem, sete são europeus. Esta modalidade tem duas vertentes: uma “radical” e uma de velocidade. Na primeira – o slalom –, os canoístas descem um rio, tendo de ultrapassar correntes e ondas, enquanto contornam as portas que delimitam o percurso. É uma das provas mais exigentes a nível físico. Já a prova de velocidade é disputada em águas calmas, apelando a técnica, velocidade e coordenação nos movimentos de remo. Peter Sagan é uma das grandes figuras do pelotão internacional de ciclismo de estrada. Apesar disso, nestes Jogos, o eslovaco vai participar na competição de BTT (montanha), modalidade na qual começou o seu percurso como ciclista. Uma curiosidade em torno desta modalidade remete para as diferenças para a prova de estrada. O circuito de montanha não pode ter mais do que 15% de terreno plano e as bicicletas são bastante diferentes das de estrada: são mais resistentes, têm mais e melhores amortecedores e têm pneus mais largos. Tudo para conseguir amortecer o impacto dos saltos e dos terrenos irregulares e montanhosos. A prova de ciclismo de pista esteve presente em todas as edições dos Jogos Olímpicos, com excepção das Olimpíadas de Estocolmo, em 1912. Uma característica das bicicletas de pista é a ausência de travões. Os ciclistas apenas desaceleram – deixando de pedalar –, não travam. A esgrima é um dos cinco desportos presentes em todas as edições dos Jogos Olímpicos da Era Moderna (desde 1986, em Atenas). Os outros são ciclismo, atletismo, natação e ginástica. Este desporto foi um dos praticados pelo barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. O equipamento que os atletas utilizam (máscara, calças compridas, casaco e luva) é à prova de perfuração, para não haver riscos na utilização das espadas. A competição de futebol, ao contrário das outras modalidades, não se disputará apenas no Rio de Janeiro, a cidade anfitriã destes Jogos Olímpicos. Belo Horizonte, Salvador, São Paulo e a capital Brasília também receberão o futebol olímpico. A competição de futebol dos Jogos não está incluída no calendário oficial da FIFA, o que dá aos clubes a possibilidade de recusar “emprestar” os jogadores às selecções presentes nas Olimpíadas. Este facto tem gerado alguma polémica, com alguns treinadores de selecções olímpicas a mostrarem o seu desagrado. Uma das grandes figuras dos Jogos Olímpicos da Era Moderna é Nadia Comaneci. Em 1976, nos Jogos de Montreal, a ginasta romena recebeu a primeira nota 10 da história, recebendo dos jurados um “perfect 10”, que, de início, foi apenas um medíocre “1, 00”, deixando o público de respiração cortada. O placard electrónico só estava preparado para colocar três algarismos, mas Nadia Comaneci, aos 14 anos, acabava de receber um 10, 00. Na ginástica rítmica, os exercícios ocorrem no solo e com música, quase como um musical. No Rio, esta disciplina terá quatro adereços: bola, arco, fita e maças. Os países europeus são os que têm maior tradição nesta modalidade – prova disso são as ginastas russas que, desde 2000, são as únicas a subir ao lugar mais alto do pódio. No entanto, o primeiro ouro olímpico foi para o Canadá, em Los Angeles 1984. O trampolim é a mais recente das disciplinas de ginástica no programa olímpico. Estreou-se apenas em Sidney 2000. Há 112 anos que o golfe não faz parte dos Jogos Olímpicos. Os 18 buracos que estarão na competição do Rio 2016 foram desenhados pelo arquitecto americano Gil Hanse. E a influência dos Estados Unidos não fica por aqui. Das 12 medalhas de ouro já entregues aos atletas, nove foram ganhas por atletas em representação dos Estados Unidos. Na última vez em que esta modalidade esteve nos Jogos, em St. Louis, 74 dos 77 golfistas eram americanos. Em 2008, nos Jogos de Pequim, uma atleta da Tailândia apresentou-se a grande nível. Venceu o ouro na categoria -53kg, mas, quem estava no pavilhão, não pôde ler o seu nome. O nome da tailandesa Prapawadee Jaroenrattanatarakoon não coube no placard electrónico. Diga-se, ainda, que este nome nem é o nome de nascimento da atleta. A mudança foi-lhe sugerida por uma cartomante, em 2007, que lhe garantiu que, se mudasse de nome, teria mais hipóteses de conseguir o ouro olímpico. Acerca da força destes atletas, fica um dado curioso: no conjunto das duas fases da competição – arranque (levantar a barra) e arremesso (quando a barra é erguida) –, os atletas suportam até três vezes o peso do seu corpo. Considerando que a categoria para atletas mais pesados é para acima de 105kg, é só fazer as contas. . . Nesta modalidade, cavaleiro e cavalo devem manter harmonia e sintonia permanentes. Nos Jogos, esta modalidade terá três disciplinas: ensino, saltos e concurso completo. Na prova de ensino, o objectivo é que o cavalo e o cavaleiro atinjam a perfeita harmonia, executando um percurso com movimentos como caminhada, trote ou galope. Na competição de saltos, ambos devem superar obstáculos como lagos, muros ou barras. Se, noutras modalidades, a beleza e elegância dos movimentos são aspectos essenciais, na disciplina de saltos, não é avaliada a forma como o cavalo salta. Interessa apenas que o cavalo conclua o salto, sem derrubar o obstáculo. Os Estados Unidos e o Canadá são os únicos países não-europeus com medalhas no ensino. Como as competições são desgastantes, os cavalos recebem massagens, sessões de fisioterapia e acupunctura entre as provas. O hóquei em campo é o único desporto colectivo que já viu países de todos os continentes conquistarem medalhas. A selecção masculina da Índia dominou as Olimpíadas entre 1928 e 1956, ao passo que, em 1980, em Moscovo, a equipa feminina do Zimbabwe conquistou o ouro. Este desporto é uma mistura de futebol com hóquei em patins. A base é semelhante a este último, mas joga-se num campo relvado, com balizas nas extremidades e jogam 11 contra 11, tal como no futebol. O Judo - que em japonês significa “o caminho para a elasticidade” – é um desporto que foi criado por volta da década de 1880 pelo japonês Jigoro Kano, que misturou diversas artes marciais – em particular do ju-jitsu – eliminando os ataques mais perigosos e desenhando regras em seu redor. A sua primeira escola, ou “dojo”, abriu em 1882. A primeira participação nas Olimpíadas de 1964 em Tóquio para os homens, e apenas em 1992 em Barcelona para as mulheres, sendo criadas sete categorias de peso distintas nas quais os atletas podem competir. O holandês Anton Geesink provou que um judoca habilidoso é capaz de vencer um oponente de qualquer tamanho, ao vencer o então três vezes campeão nipónico Kaminaga Akio em Tóquio 1964. Em 2012, Wojdan Shaherkani tornou-se, aos 16 anos, a primeira mulher da Arábia Saudita a representar o seu país nos Jogos, tendo competido de véu. Numa primeira fase, todos os judocas tinham de competir de branco, de forma a manter a tradição. Contudo, com vista a facilitar a distinção entre os atletas, o azul foi introduzido. Japão e França são os países com maior número de medalhas olímpicas na modalidade, sendo a nipónica Kaori Matsumoto e o gaulês Teddy Riner, os actuais campeões. Com a excepção das provas do atletismo, as lutas são consideradas as modalidades mais antigas do mundo do desporto. Na Era Moderna, as lutas apenas não estiveram presentes em 1900. Na edição de 1904 em Saint-Louis nos EUA, a modalidade livre apenas contou com disputas entre atletas norte-americanos. As mulheres entrariam nos combates precisamente um século depois, em Atenas, sendo que a ucraniana Irini Merleni tornou-se a primeira campeã. Para que tal sucedesse, em 2000 o programa teve de ser alterado das dez categorias de peso para oito. Japão e China possuem nove das 12 medalhas de ouro disputadas pelas mulheres desde a sua génese na capital grega. Até à data, Kristjan Palusalu é o único a ter conquistado a medalha de ouro tanto no estilo livre como na luta greco-romana. Em Estocolmo 1912 o embate entre o russo Martin Klein e o finlandês Alfred Asikainen durou 11 horas. Klein venceu, mas o cansaço foi tal que desistiu do combate decisivo na final. Um desporto que remonta aos tempos da Idade da Pedra, foi introduzido como competição no início do século XIX, quando a Sociedade de Natação Nacional da Grã-Bretanha começou a juntar atletas. Com base no movimento executado nos nativos sul-americanos, o “crawl”, ou estilo livre, foi adoptado como prova em conjunto com o estilo “bruços”. As competições de costas foram adicionadas em 1904. Em 1908 a competição praticava-se já em piscinas olímpicas, dado que a edição de Paris oito anos antes decorreu no rio Sena. Em meados da década de 1940, os nadadores perceberam que seriam mais rápidos se levantassem os braços sobre a cabeça, uma prática que foi abolida no estilo, mas que permitiu a criação da “mariposa”, que surgiu oficialmente em Melbourne 1956. Eric Moussambani tornou-se um ícone da modalidade ao disputar os 100m livres, apenas seis meses depois de aprender a nadar. Os EUA são recordistas na competição, com destaque para Michael Phelps, ainda hoje o atleta mais medalhado da história, com 22, sendo 18 de ouro. O pentatlo moderno sofreu alterações em relação à versão praticada na Antiguidade. A corrida, salto, lançamento do dardo, lançamento do disco e luta livre deram lugar à prova combinada de tiro, esgrima, natação e hipismo. Foi introduzido pelo “pai” dos Jogos Olímpicos, Pierre de Coubertin, que acreditava que as modalidades inerentes ao pentatlo moderno testariam “as qualidades morais de um homem bem como os seus recursos físicos e habilidades, produzindo, assim, um atleta completo”. Até a Atlanta 1996, a prova era praticada ao longo de quatro dias, sendo que hoje decorre num único dia. Antes de Londres a corrida era a primeira etapa, tendo sido combinada com o tiro na última etapa da competição. 2012 ficou também marcado pela introdução das pistolas a laser, por razões de segurança e de preservação do meio ambiente. Ao contrário do hipismo – onde os cavaleiros escolhem os cavalos – no pentatlo os animais são atribuídos através de um sorteio. O húngaro Andras Balczo é o atleta do pentatlo com maior sucesso nos Jogos Olímpicos, com três medalhas de ouro (uma individual e duas em equipa) e duas de prata (uma individual e uma por equipa). O râguebi surgiu na década de 1820, quando uma criança da Rugby School em Inglaterra pegou numa bola de futebol com as mãos e correu disparado com ela em direcção à linha do golo. O râguebi de 7 marcará a sua estreia no Rio 2016. A versão para 15 jogadores foi disputada quatro vezes: Paris 1900, Londres 1908, Antuérpia 1920 e Paris 1924. Ainda que disputado por equipas de sete, o desporto será jogado em campos com as mesmas medidas da versão original, o que provocará uma grande resistência física por parte dos seus atletas. Tanto no torneio masculino quanto no feminino estarão representadas 12 equipas. O remo tem origens nas antigas civilizações do Egipto, Grécia e Roma, em que funcionava com método de transporte. A sua adaptação para o desporto terá ocorrido em Inglaterra, em 1828 com a primeira corrida entre as universidades de Cambridge e Oxford, tradição que se mantém até aos dias de hoje. Nas edições da Era Moderna, o remo apenas não esteve presença em Atenas 1896, visto que uma tempestade impediu a realização da competição, marcando a sua estreia oficial em Paris quatro anos depois. Dada a exigência física da prova, um remador olímpico tem de consumir, em média, 6000 calorias por dia durante os treinos, chegando a percorrer, por ano, 10. 000 km. Para evitar excesso de peso, os remadores costumam ser baixos e relativamente leves, mas foi estabelecido um mínimo de 50kg para as mulheres e 55 para os homens. Steve Redgrave é considerado o melhor remador da história. Campeão do mundo por seis vezes venceu cinco medalhas de ouro em tantas edições das Olimpíadas. Nas mulheres, a campeã é Elisabeta Lipa, que conquistou cinco medalhas entre 1984 e 2004. O tiro com arco é inspirado nas actividades de guerra e de caça nos primórdios da Civilização, tendo ganho popularidade enquanto modalidade a partir do século XVI, em Inglaterra. Estreou-se em Paris 1900 enquanto desporto olímpico, sendo dos primeiros a permitir a participação feminina, quatro anos depois em Saint Louis. 80 anos depois, a neozelandesa Neroli Fairhall fez história ao ser a primeira atleta paraplégica a competir nos Jogos Olímpicos, dado que os Paraolímpicos só surgiram em Roma, em 1960. O tiro com arco esteve ausente durante 52 anos, entre 1920 e 1972. O arqueiro mais condecorado dos Jogos Olímpicos é o belga Hubert Van Innis que, entre 1900 e 1920, obteve nove medalhas, seis de ouro e três de prata. Numa das cerimónias de abertura mais icónicas da história, o espanhol Antonio Rebollo acendeu a tocha olímpica ao disparar uma flecha com a ponta incandescente em Barcelona 1992. Pierre de Coubertin pode ser considerado o grande responsável pela inclusão da modalidade nos Jogos Olímpicos. Campeão francês de tiro com pistola, adicionou a prova logo na primeira edição da Era Moderna, em Atenas 1896. Nos dias que correm, os óculos utilizados na competição – além da segurança – possuem uma tecnologia que coloca o alvo em contraste com o resto do ambiente envolvente, permitindo ainda um maior controlo da respiração para que haja estabilidade no momento do disparo. Paralelamente, os praticantes usam técnicas de relaxamento e de abrandamento da respiração para metade, de forma a garantir um disparo preciso. Gerard Ouelette pode ter tido uma performance perfeita em Melbourne 1956 (60 tiros no centro do alvo, obtendo 600 pontos), mas Karoly Takacs é um exemplo de combate às adversidades. Parte integrante da equipa húngara que se sagrou campeã mundial em 1938, Takacs perdeu a mão direita na sequência de uma explosão desencadeada por uma granada. Dez anos volvidos, aprendeu a disparar com a esquerda, tendo conquistado duas medalhas de ouro na categoria tiro rápido. O “caminho das mãos e dos pés” – significado da palavra em coreano – é um desporto de combate que, ainda que tenha sido disputada em Seoul 1988 e Barcelona 1992, apenas em Sydney 2000 passou a distribuir medalhas. O domínio na modalidade pertence aos sul-coreanos, que conquistaram 10 em 32 medalhas de ouro possíveis, seguindo-se a China com oito. O afegão Rohullah Nikpah fez história em 2008, ao conquistar a primeira medalha (bronze) da história para o seu país, repetindo o feito em Londres. Nos Olímpicos de 2012, a arena de luta foi reduzida, sendo introduzido um novo sistema de pontuação. Com esta alteração, oito países conquistaram as oito possíveis medalhas de ouro. No século XII, muito antes de surgirem as raquetes, o ténis era praticado com as mãos e praticado contra as paredes. Presente em todas as edições da Era Moderna. A estreia feminina decorreu apenas em Paris, mas com um enorme estatuto: a britânica Charlotte Cooper ganhou a medalha de ouro e tornou-se a primeira mulher olímpica da história, em todos os desportos. O britânico John Boland viajou para Atenas 1896 apenas como espectador, mas foi convencido por Dionysios Kasdaglis a participar no torneio. O tenista grego ter-se-á arrependido do convite, já que Boland o derrotou na final. Jennifer Capriati é a mais jovem campeã olímpica do ténis: tinha 16 anos e 132 dias quando venceu o torneio em Barcelona 1992. As irmãs Venus e Serena Williams são as únicas atletas profissionais do ténis a conquistar quatro medalhas olímpicas, todas de ouro. Roger Federer, um dos maiores tenistas da história e recordista em torneios do Grand Slam, nunca obteve o primeiro lugar. Em Londres 2012, foi derrotado pelo britânico Andy Murray na final. O ténis de mesa terá surgido na década de 1880, quando a classe-alta de Inglaterra o praticava, após a hora de jantar, como alternativa ao ténis tradicional disputado em relvados. Ao contrário do ténis tradicional, o ténis de mesa surgiu primeiramente nos Jogos Paraolímpicos em 1960 (Roma) e quase 30 anos depois em Seoul (1988). Até aos dias de hoje, o sueco Jan-Ove Waldner é o único atleta não asiático a conquistar uma medalha de outro na competição. Com os avanços tecnológicos, numa mistura entre raquetes de borracha com cabos de madeira e de fibras de carbono e bolas ocas de celulóide, os esféricos podem atingir velocidades superiores a 150km/h. Vulgarmente conhecido como “pingue-pongue” – devido à adopção de uma empresa norte-americana que cobra o uso da marca – a comunidade desportiva refere-se ao desporto como “ténis de mesa”. O triatlo apareceu nos EUA como uma alternativa de treino aos atletas de alta competição. A primeira prova oficial deu-se em San Diego, em 1974, ano em a prova consistia em 500m de natação, 8km de ciclismo e 10km de corrida. As provas são sempre acompanhadas de emoção. Apenas por uma vez – nas oito competições já realizadas (estreou-se em 2000) - a diferença entre o primeiro e segundo classificados foi superior a 13 segundos. Ainda que a competição não seja eliminatória, os atletas podem ser eliminados do evento se criarem situações perigosas aos adversários. A Austrália é o pais recordista com cinco medalhas, mas é do Canadá que surge o primeiro e único campeão a subir ao pódio mais do que uma vez: Simon Whitfield conquistou o ouro em Sydney 2000 e a prata em Pequim 2008. Já em Londres 2012 foi estabelecido o melhor tempo da história, por intermédio do britânico Alistair Brownlee, que subiu ao pódio com o irmão Jonathan que levou o bronze. As primeiras corridas começaram nos EUA, quando o sindicato do clube de vela de Nova Iorque construíram uma embarcação de 30 metros – apelidado de América – navegou para Inglaterra, onde conquistaria a “Hundred Guineas Cup”. 132 anos mais tarde, os americanos seriam destronados pela Austrália como vencedores da prova. O Rei Carlos II de Inglaterra era um grande fã dos barcos à vela, tendo transformado o “jachtship”, uma embarcação mercantil holandesa, num barco de competição. A primeira participação olímpica deveria ter ocorrido em Atenas 1896, mas o mau tempo na capital grega impediu a realização da prova, que teria a sua estreia em Paris quatro anos depois. As mulheres eram parte integrante da modalidade desde Londres 1908, tendo ganho o direito de competir numa prova independente apenas em Seoul 1988. Durante as regatas, existem regras específicas para ultrapassar os adversários, que estão sujeitas da direcção do vento que os barcos recebem. O basquetebol e o voleibol foram ambos inventados na Springfield College of Massachusetts, com alguns anos de diferença. Em 1895, William G. Morgan, após assistir à criação do basquetebol, decidiu inventar um desporto semelhante, mas que fosse menos agressivo para os mais velhos, inicialmente apelidado de “Mintonette”. No entanto, um professor local após notar que a bola “voleava”, permitiu a alteração para a designação que hoje é conhecida. O Estádio do Maracanã detém o recorde de maior assistência na história, ao juntar 95 mil pessoas para o embate entre o Brasil e a União Soviética. A União Soviética é a equipa com mais medalhas, mas pertence à equipa feminina de Cuba o feito inédito de conquistar a medalha de ouro em três edições consecutivas (1992, 1996 e 2000). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. José Roberto Guimarães é o único tricampeão olímpico brasileiro. O treinador venceu a modalidade nos Jogos Olímpicos de 1992 com a equipa masculina brasileira, e com a feminina tanto em 2008 como em 2012. Corrigido dia 12/08/2016, rectificando as origens do judo.
REFERÊNCIAS:
Chamavam-lhe o "quinto Beatle", George Martin foi muito mais do que isso
Produtor britânico morreu aos 90 anos, anunciou o baterista Ringo Starr. (...)

Chamavam-lhe o "quinto Beatle", George Martin foi muito mais do que isso
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Produtor britânico morreu aos 90 anos, anunciou o baterista Ringo Starr.
TEXTO: O produtor musical britânico George Martin, que transformou os Beatles em estrelas mundiais, morreu aos 90 anos, disse esta quarta-feira o baterista da banda Ringo Starr. "Deus abençoe George Martin. Paz e amor para Judy [a sua mulher] e para a sua família (. . . ). Vamos sentir a falta de George", escreveu o músico na rede social Twitter. "Podemos confirmar que Sir George Martin morreu serenamente em casa na noite de ontem [terça-feira]", escreveu em comunicado Adam Sharp, fundador da CA Management, representante do músico e produtor, sem especificar a causa da morte. "Numa carreira que atravessou sete décadas ele foi reconhecido globalmente como um dos mais criativos talentos na música e como um cavalheiro até ao fim. "Chamavam-lhe o quinto Beatle e a distinção era tão merecida quanto redutora. George Martin foi determinante ao traduzir os desejos da criatividade dos Beatles, ao dar resposta às suas dúvidas técnicas, ao colocar-se na música da banda não só enquanto produtor, mas também enquanto músico – é dele, por exemplo, o solo de piano, inspirado na música barroca, que ouvimos em In my life. Mais velho do que os membros dos Beatles, foi determinante ao aprovar a sua contratação pela Parlophone, em 1962, deixando-se seduzir pelo carisma e pela promessa de futuro que via nos quatro jovens de Liverpool, e não tanto pelos seus talentos musicais, que considerou limitados no final daquela primeira audição nos estúdios da EMI. "Estavam sempre a perguntar-me por novos sons, a querer saber mais. Eu apresentei-lhes uma série de coisas que desconheciam, eles obrigaram-me a oferecer-lhes melhor material", dizia ao Ípsilon em 2006, aquando da edição de Love, o álbum em que, com a ajuda do fillho Giles, reorganizou, quase em modo remistura, toda a obra dos Beatles num fluxo contínuo de música. Concluiu o raciocínio desta forma: "Levaram-me ao limite o tempo todo mas, honestamente, não acho que me tenham ensinado nada. "Quando se deu o encontro que mudaria radicalmente o seu percurso, George Martin já era um técnico respeitado pelo seu trabalho, não só na EMI mas, antes disso, na BBC, onde entrara nos anos imediatamente seguintes ao final da Segunda Guerra Mundial. Músico de formação clássica (piano e oboé), era nesse departamento que o encontrávamos na BBC. Mas não só. Curioso pelo som, pelas possibilidades da sua manipulação que as novas tecnologias ofereciam e pelas vanguardas musicais, trabalhara com Peter Sellers, Peter Ustinov ou Spikey Milligan, assinando as colagens sonoras e outras experiências que se ouviam nos discos editados pelos célebres comediantes nos anos 1950. Esses conhecimentos e esse aventureirismo seriam fundamentais na relação futura com os Beatles. Não lhe chamavam o quinto Beatle por acaso, ainda que George Martin, no momento em que os Fab Four transformavam radicalmente o panorama da música popular urbana (contribuindo para mudar o mundo além dele), não se apercebesse da dimensão do que construía com a banda. "Trabalhei com eles durante quase dez anos, mas num período tão intenso, em que estava tão incrivelmente ocupado, que nunca parei para fazer julgamentos de valor. Fiz apenas que achava correcto e esperei que funcionasse", disse-nos na entrevista supracitada. "Quarenta anos depois, quando já tenho o privilégio do distanciamento, olho novamente e comento para mim próprio: 'Não eram maus, pois não? Eram muito, muito bons'. "Após o fim dos Beatles, George Martin continuou a trabalhar como produtor, assinando não só a produção de álbuns a solo de Paul McCartney ou Ringo Starr, mas também de Jeff Beck, dos Cheap Trick, de Ella Fitzgerald, dos America, da Mahavishnu Orchestra, dos Ultravox e de bandas-sonoras (007 – Vive e Deixa Morrer¸interpretado por Paul McCartney, foi uma delas, o seu segundo crédito no universo James Bond, depois de, em 1964, ter produzido Goldfinger, composta por John Barry e cantada por Shirley Bassey). Foi produtor da nova gravação de Candle in the wind, que Elton John registou em 1997 – um dos singles mais vendidos de sempre, na ressaca da morte de Diana de Gales –, numa altura em que já havia sido tornado Sir por Isabel II. No período pós-Beatles, actuou também ocasionalmente enquanto maestro. Em 1994 esteve no Coliseu de Lisboa e do Porto, dirigindo a Orquestra Clássica do Porto em dois concertos de celebração dos 50 anos da fundação da ONU. George Martin deixa viúva Judy Lockhart-Smith, com quem casou em 1966, depois do divórcio com a primeira mulher, Sheena Chisolm, com que casara em 1968. Sobrevivem-lhe quatro filhos, Giles, Alexis, Gregory e Lucy. “Não temos de tirar uma fotografia, podemos pintar”Nascido a 3 de Janeiro de 1926, em Londres, George Martin era um filho da classe operária britânica. O pai Henry Martin, carpinteiro, e a mãe Beatrice Simpson Martin, empregada de limpeza, desejavam-lhe um futuro confortável enquanto funcionário público. Que o futuro seria diferente do desejado soube-o o adolescente George quando a Orquestra Sinfónica de Londres actuou na sua escola secundária, em Bromley. “Foi absolutamente mágico. Ao ouvir aqueles sons tão gloriosos, senti dificuldade em relacioná-los com os 90 homens e mulheres soprando os metais e as madeiras ou raspando as cordas com arcos de crina de cavalo. Não queria acreditar nos meus ouvidos”, cita-o o obituário do New York Times. Piloto da Aviação Naval Americana durante a Segunda Guerra Mundial, sem nunca ter entrado em combate, mas animando os camaradas enquanto pianista de jazz, seria aceite na prestigiada Guildhall School of Music em 1947. Daí passaria para a BBC e da rádio pública britânica para a Parlophone. Enquanto director do pequeno selo da gigante EMI, cargo a que chegou o mais novo de sempre, com curtos 29 anos, revelaria o seu eclectismo ao trabalhar com nomes do jazz britânico como Johnny Dankworth ou Humphrey Lyttelton e cantoras como Shirley Bassey, ao produzir música de câmara e peças corais ou criando paisagens sonoras para os números cómicos dos supracitados Sellers, Ustinov ou Milligan. Moldado pela música da primeira metade do século XX, mostrou-se desde muito cedo em sintonia com o futuro que ajudaria a definir. Quando iniciou o seu percurso, a qualidade de um produtor media-se pela capacidade para reproduzir da forma mais fiel possível o som tocado pelos músicos em estúdio. Martin considerava-o uma visão limitadora da função. “Pensei, ‘ok, estamos todos a tirar fotografias do que acontece'. Mas não temos de tirar uma fotografia; podemos pintar. E isso levou-me a experimentar. "Alguns anos depois, encontrava-se perante os quatro miúdos de Liverpool com quem levaria ao limite esse desejo de pintura na música. A relação não começou da forma mais auspiciosa. Em 1962, os Beatles, apesar do sucesso regional, tinham sido recusados por todas as editoras discográficas contactadas. Seria a Parlophone a dar-lhes uma oportunidade. Da audição não resultou música que Martin considerasse particularmente promissora. “Tinham umas primeiras canções que eram lixo”, dizia ao Ípsilon em 2016. “O Love me do foi o melhor que conseguimos arranjar desse material inicial e, mesmo assim, não era grande canção. " Ainda assim, não enviou Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Pete Best de volta ao Norte de Inglaterra sem bilhete de regresso. Mostrou-se reticente quanto aos talentos do baterista, o que acelerou a troca de Best por Ringo Starr e, em Setembro de 1962, os Beatles entravam nos estúdios da EMI para gravar o seu primeiro single, Love me do – Martin, receoso de se deparar com o pouco fiável Pete Best, contratara um experiente baterista de sessão, Andy White, e Ringo acabou reduzido a maracas e pandeireta, humilhação que, décadas depois, continuava a recordar ao produtor. O que levara Martin a insistir com uma banda a que não reconhecia talento musical superlativo? Uma curiosa ausência de polidez sonora e as harmonias vocais, pouco habituais nas bandas rock da altura, além de um magnetismo irresistível e um sentido de humor deliciosamente desrespeitoso que logo cativou George Martin. No primeiro encontro em estúdio, o polido produtor de camisa branca e gravata preta, cabelo cuidadosamente penteado, cavalheiro de fleuma britânica imperturbável, perguntou à banda, cortês, se tudo estava montado como pretendiam ou se seria necessária alguma alteração. “Bem, para começar, há essa tua gravata”, disparou o então rock’n’roller vestido de negro George Harrison. Inicialmente, o trabalho de George Martin era “fornecer ideias para o princípio e o fim das canções ou onde incluir os solos. Tudo muito simples”, como nos recordou em 2006. Os anos seguintes seriam, porém, de uma evolução vertiginosa, à medida que a música dos Beatles se complexificava e que George Martin começava não só a ser mais solicitado mas também a abrir os seus domínios – a régie, à época praticamente interdita aos músicos – à curiosidade crescente da banda. Em 1962, sugeriu aos Beatles que acelerassem o ritmo de Please please me, composto por Lennon e McCartney à imagem das baladas de Roy Orbison, e lhe acrescentassem um solo de harmónica como introdução – “senhores, acabaram de gravar o vosso primeiro número um”, disse-lhes através do microfone da régie no final da sessão. Cinco anos depois, tudo havia mudado. Por sugestão dos Beatles ou instigada por eles, a música da banda passara a acolher secções de cordas, como a de Eleanor Rigby, modelada na música de Bernard Herrmann para o Psycho de Hitchcock, incluía a manipulação de fitas, a transformação do som original dos instrumentos, o acolhimento da vanguarda no coração da pop. “A complexidade de canções como I am the walrus ou as sequências do lado B de Abbey Road estavam a milhas da quase 'pastilha elástica' de 1962 e 1963. Em termos de produção, é uma vida. A minha produção foi evoluindo à medida que me tornava mais participante e maestro. Mas, muitas vezes, também eles eram maestros. "Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Com George Martin, o produtor no universo pop deixou de ser mero funcionário das editoras para se tornar num criativo, alguém que também contribuía decisivamente com a sua assinatura para o trabalho final. Não liderou sozinho o processo, mas foi, a par de outros visionários como Phil Spector, responsável por essa emancipação. Enquanto supervisionava o trabalho nos estúdios de Abbey Road (produziu todos os álbuns dos Beatles, com excepção de Let It Be e de parte do White Album), mantinha actividade intensa com outros grupos, produzindo grupos beat como Gerry & The Pacemakers, uma cantora como Cilla Black ou o saxofonista Stan Getz. Durante dois terços do anos de 1963, discos produzidos por ele ocuparam o topo da tabela de vendas. Apesar disso, foi o trabalho com os Beatles que, naturalmente, lhe reservou um lugar na história. Uma relação simbiótica: “George Martin fez de nós o que somos no estúdio. Ajudou-nos a desenvolver uma linguagem com que conversar com outros músicos”, afirmou John Lennon em 1971. No momento da sua morte, enquanto Sean Ono Lennon se declara devastado e o lendário Quincy Jones honrado pelo privilégio de o ter conhecido, enquanto chovem manifestações de pesar e homenagens de todos os quadrantes, do primeiro-ministro britânico David Cameron a David Simon, criador da série The Wire – “se todos nós pudéssemos ter um guia desta dimensão para os nossos trabalhos, o mundo talvez fizesse sentido”, disse –, é possível que o melhor resumo da sua importância e da importância do trabalho com os Beatles tenha chegado através de Mark Ronson. “Nunca deixaremos de viver no mundo que ajudaste a criar”, twitou o músico e produtor de nomes como Amy Winehouse, Adele, Nas ou Bruno Mars. A frase pode ser um cliché, mas no caso de George Martin não há hipérbole à vista. É um facto muito bem documentado. Na sua vida e, agora, para além dela.
REFERÊNCIAS:
Suspensa a travessia do Paraguaçú
José Tavares, economista e ex-gestor, decidiu atravessar o Atlântico num barco a remos. Sozinho. A travessia duraria quatro meses mas acabou por desistir. Esta é a quarta crónica. (...)

Suspensa a travessia do Paraguaçú
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: José Tavares, economista e ex-gestor, decidiu atravessar o Atlântico num barco a remos. Sozinho. A travessia duraria quatro meses mas acabou por desistir. Esta é a quarta crónica.
TEXTO: O elevado grau de incerteza inerente à atividade foi ampliado por alguma desinformação e alarmismo relativos à meteorologia – a sul da Gran Canária os locais falam de ano atípico (tal como o anterior), com ventos fortes de direção irregular, para a época do ano, sem que os alíseos cheguem a estabilizar. Talvez as alterações climáticas sejam, precisamente, o fator que dificulta a progressão do Paraguaçú. Para a decisão contribuíram ainda, de forma decisiva, os problemas técnicos; os problemas orçamentais (ultrapassado o orçamento definido) e de tempo disponível previsto; e a questão logística relativa ao apoio nas aproximações a terra (nas Canárias, inexistente; em Cabo Verde, indeterminado; no Brasil, previsto mas eventualmente insuficiente). Tal como um acidente não se deve, normalmente, a uma única causa mas ao acumular de circunstâncias desfavoráveis, também a decisão tomada não se deve a um único motivo mas à soma de um conjunto de incidentes e condições potencialmente desastrosas. A decisão foi difícil e colocou em confronto um lado racional que quer prosseguir mas reconhece as limitações, e uma parte mais… visceral, que rejeita o enjoo. A travessia fica assim ‘suspensa’ até que se reúnam condições suficientes para prosseguir. Quanto aos objetivos da ação desenvolvida, nem tudo se perdeu. Bem pelo contrário:– O alerta que pretendemos transmitir (a sustentabilidade e a necessidade de maior eficiência energética, o alerta para o excesso de consumo de energias de origem fóssil, a proteção da Amazónia e das florestas em geral) terá porventura beneficiado mais da exposição mediática resultante do episódio do ‘salvamento’ do que teria conseguido com a própria chegada ao Brasil. Esta sede de ‘sangue’ dos meios de comunicação (a agência espanhola de informação fabricou todo um contexto para difundir a ‘noticia’) reduziu-se quando esclarecemos que não houve um resgate – como quem diz “se não há sangue não me interessa divulgar”;– O Paraguaçú está bem posicionado para futura largada;– Obtive uma revelação inesperada, ao largo de Fuerteventura, que, junto com a informação e sensações recolhidas nos dias de navegação, me permitirá terminar o livro Ensaio sobre a solidão (como anotei em dado momento, “em três dias vivi todo um leque de experiências que esperava viver em três meses…&rdquo. Ratifico os agradecimentos a todos os que apoiaram a logística do projeto – Marina de Lagos, CNL, Atelier Gráfico, Nautel, Nivalis, Victory Endurance, Windsurf Point, Paulo César Santos –; aos que contribuíram financeiramente – Euritex, tia Luísa, Amélia H. , Sónia B. , João Correia, ao pai, à Inês, ao João Pedro, ao Quico –; a todos os que seguiram com interesse as notícias e expressaram o seu apoio e motivação; aos que me acompanharam até à largada em Marrocos e àqueles que torciam pela chegada ao Brasil; à gente estupenda e de grande coração da vila piscatória de Castillo del Romeral (Agu, Ramón, Mundito e restaurante Confradia de Pescadores). Para todos, e principalmente para a inexcedível equipa de apoio – Amadeu Garcia e J. C. Viegas – um ‘imenso’ abraço. Reflexão para o livro Ensaio sobre a solidãoA propósito de ‘reflexões’, gostaria de recordar aqui uma interessante passagem que deixei no livro Os novos exploradores e a aventura dos sentidos, sobre Joshua Slocum, o primeiro velejador a navegar em solitário ao redor da Terra. Dizia ele que achava ter rejuvenescido dez anos ao fim dos três anos da sua viagem por mar. No seu livro de 1900, Sailing alone around the world, este americano da Nova Escócia, escreveu a concluir: “Aos jovens que pensam em fazer uma viagem, eu diria 'Vão em frente!'. As histórias infelizes são na maior parte um exagero, tal como as dos perigos do mar. ”Não me fio totalmente nestas últimas palavras, especialmente se tiver em conta os terríveis números dos naufrágios da época dos Descobrimentos (exemplificados no mesmo livro) ou o aumento visível da intensidade e frequência das tempestades tropicais …Roz Savage e Alex Bellini foram outros remadores com cujas histórias me deparei durante a minha pesquisa. Roz estava em ação quando eu comecei a programar a minha travessia… Segui as suas remadas… Foi a primeira mulher a tentar a travessia do oceano Pacífico a remos, e teve que abortar o plano, pouco depois de começar, precisamente devido a uma daquelas tempestades… A 24 de Agosto de 2007, Roz foi recolhida (o barco deixado à deriva) para se recuperar dos ferimentos sofridos durante as voltas que o barco deu dias antes, durante a forte tempestade…
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher consumo
O coleccionador de papéis que se fez guardião das memórias da terra
Acumula documentos há mais de 50 anos como se enchesse uma bóia para salvar a sua terra mineira de São Pedro da Cova do esquecimento. Serafim Gesta Mazola fintou o destino de trabalhador no subsolo, mas dedicou uma vida a dar-lhe luz. (...)

O coleccionador de papéis que se fez guardião das memórias da terra
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Acumula documentos há mais de 50 anos como se enchesse uma bóia para salvar a sua terra mineira de São Pedro da Cova do esquecimento. Serafim Gesta Mazola fintou o destino de trabalhador no subsolo, mas dedicou uma vida a dar-lhe luz.
TEXTO: Guarda o seu reino em papel num pequeno anexo construído no pátio da sua moradia, compartimento de caos assumido com séculos de história dentro. Nas estantes ou empilhados no chão, vivem caixotes de cartão envelhecido, pilhas de papel desalinhado ou atado com fio, recortes de jornais, correspondência, livros. São 11 da manhã e faz horas, uma mão cheia delas, que Serafim Gesta Mazola se levantou, ainda que a sua frescura pareça de um dia ainda agora começado. Separa rapidamente uma pilha de documentos — aqueles que melhor contam a sua própria história — e começa a falar. Sem conceder tempo a um guião que não seja o dele. Sem pausas para perguntas. Tem na voz a pressa de quem acumula muito para ensinar. Genica a trocar as voltas às certezas inscritas no bilhete de identidade onde se atesta 24 de Janeiro de 1936 como a data do seu nascimento. Muito do que preserva no seu anexo-escritório poderia ter sido condenado ao lixo, não fosse a sua “obsessão em juntar papel” há mais de 50 anos. Serafim Gesta nunca viu documento que julgasse inútil. E os que possam não ter valor terão, pelo menos, simbologia, como o anúncio de uma revista brasileira a um azeite de nome “Mazola”. Ali, abriga a vida dos antigos mineiros de São Pedro da Cova para os salvar do esquecimento: fichas de trabalhadores, correspondência trocada na mina, relatórios médicos que são provas de “crimes” cometidos no subsolo, fotografias. E também cartas para ele enviadas por alunos curiosos com o seu arquivo, por escolas que o convidavam para palestras, por universidades que o queriam ouvir e até um escrito da Faculdade de Letras de São Petersburgo, interessada em publicar uma obra dele. Serafim Gesta Mazola fez-se guardião das memórias da sua terra mineira ao perceber que "podia fazer ainda mais", depois de já ter feito o que não estava escrito nas biografias de destino traçado dos filhos de São Pedro da Cova. Mas, de certa forma, talvez não estivesse ali sem um passado vivido naquela geografia. Nasceu numa rua não muito longe daquela onde vive agora, casa humilde do bisavô. No átrio da igreja, rapazinho franzino, foi desde cedo cobiçado pelos seus dotes de jogador da bola de trapos. O talento valeu-lhe o apelido que adoptou como pseudónimo e pelo qual todos o tratam — mulher, filho e neta incluídos. Tornou-se Mazola, como Valentino Mazzola, jogador do Grande Torino, clube dominador do futebol italiano nos anos 40 e símbolo de uma esperança de sucesso num país arrasado depois da II Guerra Mundial. Mesmo depois da morte trágica do craque de Itália e de toda a sua equipa, num desastre de avião na viagem de regresso a casa depois de um jogo com o Benfica, em 1949, nunca abandonou o apelido. Os pais eram trabalhadores nas minas de São Pedro da Cova, em Gondomar, onde o carvão de pedra (antracite) foi descoberto em 1795. Quando o primeiro filho deles nasceu, anos 30 do século passado, era das minas onde laboravam que saía 70% da produção nacional de carvão. Mas a riqueza ali produzida, como escreveria Mazola num poema muitos anos mais tarde, não lhes entrava em casa. Sou de São Pedro da Cova, Terra de imensa fortuna, Mas quem a arrancou do solo, Não tem riqueza nenhuma. Na escola das minas, em Vila Verde, rapidamente se apaixonou pelas letras. A professora via-lhe potencial, dava-lhe jornais para ler. Mas ao completar a 4. ª classe, o fim anunciado aconteceu. Por saberem da dureza das minas, os pais tudo fizeram para fintar esse destino para Mazola e a irmã, um ano mais nova do que ele. Mas não puderam evitar a vida de gente crescida antes do tempo. Aos dez, a criança-adulto começou a trabalhar numa tosca oficina de ourives, em Tadariz. Depois foi marceneiro e serralheiro, mais tarde empregou-se na Fábrica de Tecidos A Invencível, no Porto. Foi a tropa que lhe trocou as voltas. Na viagem de comboio a caminho do destino onde cumpriria serviço, começou a escrever um diário, continuado durante os anos em que lá esteve. No Entroncamento, em Tancos e em Santa Margarida, assumiu a função de escriturário e foi percebendo “outros mundos” para lá do pequeno que era o dele — “De tal maneira que quando saí foi como um pássaro a deixar a gaiola, já não queria voltar à fábrica. ”Mazola cruzou-se com uma vaga de emprego para delegado de propaganda médica. Homem alto, bem falante, voz colocada como se estivesse nos palcos de teatro que tantas vezes pisou, foi conquistando espaço. Apenas com o ensino primário, via-se no papel de receber delegados internacionais, sem saber inglês, francês ou espanhol. “A gente lá se entendia”, recorda de sorriso aberto. Apaixonado por palavras, começa a escrever em jornais da terra. Primeiro n’ A Sopa dos Pobres, depois n’ A Voz de Ermesinde, a seguir no Correio do Douro e no Comércio de Gondomar. Estava ainda a ditadura a velocidade cruzeiro, em 1961, quando com Germano Silva, recentemente feito doutor honoris causa pela Universidade do Porto, funda A Voz Padroense. Sozinho, um ano depois da revolução de Abril, havia ainda de criar O Diálogo, jornal quinzenal indispensável para conhecer a história de São Pedro da Cova. Quanto mais sabia mais queria saber. Foi ganhando espaço em redacções de jornais de destaque, como o Jornal de Notícias ou o Comércio do Porto. Foi escrevendo cada vez mais poesia. E foi acreditando que podia aprender ainda mais. A dada altura, as viagens para o Arquivo Distrital do Porto, para a Casa do Infante e até para a Torre do Tombo tornaram-se rotina. Pesquisava, juntava documentos, escrevia. Estava a nascer um historiador. Como é que do menino com a 4. ª classe nasce um historiador com dezenas de obras publicadas?Com muitos livros por companhia. Sempre gostei de ler e foi isso que me formou. Tinha obras de todos os temas, da filosofia à teologia passando pelo teatro ou pela política. Ia ao Porto, à Livraria Aviz, num tempo em que comprar livros era perigoso. Muitas vezes pedia livros proibidos. O senhor da livraria desconfiava no início. Depois criámos uma senha. Falávamos sobre livros escolares e quando ele me dizia que estavam para chegar “esta semana” já sabia que a encomenda estava pronta. Saía de lá com os livros escondidos na barriga, debaixo da roupa. Nunca os punha na pasta de delegado de propaganda médica, podia ser parado pela PIDE e era problema na certa. Além dos livros, tive os meus mestres. Quem eram esses mestres?Homens da universidade com quem me encontrava nos arquivos e que me ajudavam. Ainda hoje mantenho contacto com alguns. Falava também com homens da igreja, com o bispo do Porto, Domingos de Pinho Brandão. Aprendi tudo com eles. Foi difícil essa aprendizagem?Fazer história não é fácil e meter buchas não é comigo. Mas há uma estrelinha de sorte na minha vida. Uma vez fui ao Arquivo Distrital do Porto, pedi um livro e quando me pus a olhar não percebia nada. Era uma linguagem antiga. Desanimado, fechei o livro e entreguei-o à senhora que lá estava. Mas ela não me deixou vir embora. Disse-me “se não percebe, eu ensino-lhe”. E assim me pus a aprender paleografia. Fez esse percurso sem nunca abandonar o seu trabalho de delegado de propaganda médica. . . Nunca. Era isso que me dava o dinheiro ao fim do mês. Às vezes perdia meios dias a investigar, metido nos arquivos. Sem o patrão saber, claro!Foi ao acumular documentos e sabedoria que Mazola, o auto-didacta, se foi apercebendo que aquilo que descobria não era importante apenas para ele. Vasculhar arquivos era também uma homenagem aos da sua terra, aos do seu sangue. Ele e a irmã foram a primeira geração da família a escapar à vida de humanos-toupeiras. Mas das minas, guarda ainda assim as memórias mais tristes. Por causa delas, morreu-lhe o avô, de nome Serafim também, com uma medalha de mérito ao peito concedida pelo Presidente da República Óscar Carmona, mas pobre, cansado, miserável, tuberculoso. Por causa das minas, viu morrer o pai, tísico, depois de uma vida inteira no subsolo. Por causa das minas, viu a mãe encher os lençóis de sangue: silicose, 100% de pó. No lugar do complexo mineiro onde chegaram a trabalhar mais de 1800 pessoas vivem agora ruínas. Mazola garante já não sentir qualquer emoção ao chegar ali. A poucos metros do cavalete do Poço de São Vicente, monumento de interesse público desde 2010 mas ainda sem plano de recuperação, vai desfiando memórias, mexe-se de um lado para o outro como se revivesse aqueles dias agitados. “O meu pai trabalhava aqui, no cabo aéreo. Quando era catraio trazia-lhe um café e sopas. Era exactamente aqui. Sentia um orgulho imenso por o meu pai ser o comandante do cabo aéreo. ” Mazola sorri, a reconhecer a inocência de menino. E logo retoma: “Mais adiante estava a minha mãe. Trabalhava nas mesas a separar o carvão. Foi para lá com oito anos. ”Uns passos abaixo no terreno, está o que resta do antigo escritório do complexo. “Isto era uma coisa enorme”, vai dizendo para logo de seguida recordar um dos momentos mais importantes da história da freguesia, quando a 22 de Maio de 1975 a população ocupou aquele edifício. “Chegaram aqui e disseram: ‘acabou, agora mandamos nós’. ” Constitui-se, então, o Centro Revolucionário Mineiro (CRM), típica organização do PREC. Por esses anos, por aqueles lados, Mazola escreveria textos para o filme de Rui Simões, São Pedro da Cova, onde também participaria como actor. Ali se decidiu, por exemplo, que as rendas das casas dos bairros mineiros passariam a ser pagas ao próprio CRM, que constituiria um fundo financeiro para ajudar a população. Assim se fizeram obras nas casas, se reconstruíram ruas, se ergueram parque infantil, teatro, posto médico. Assim se descobriram as fichas dos trabalhadores e se comprovaram os índices de silicose que os corroíam aos poucos. Costuma dizer que o 22 de Maio de 75 foi o verdadeiro 25 de Abril em São Pedro da Cova. . . Foi um movimento popular de gente negra de vingança. Tomaram conta da mina e do que estava escondido, os documentos. Foi assim que ficamos a saber que isto era uma coisa realmente monstruosa. Qual era o papel do regime na mina até ao seu encerramento definitivo, em 1972?Tentava controlar os trabalhadores. Colocavam nas chefias os presidentes das juntas, os regedores, os cabos de ordens. Essa oligarquia sustentava o empório mineiro. Depois, as minas aliavam-se a vários movimentos, a Legião [Portuguesa], a União Nacional. A própria PIDE tinha aqui um coio de informadores e de vez em quando mandava trabalhadores para a prisão. Mas ainda assim havia resistência, houve greves, como a de 1946. Houve. Todos quantos trabalharam nas minas foram miseravelmente explorados. E ao contrário do que se dizia, as minas não mataram a fome a ninguém. Andavam a trabalhar a morrer de fome. Isso também os fez ganhar coragem para protestar. Essa dureza do trabalho era muito falada. E, ainda assim, quase todos os filhos da terra trabalhavam nas minas. Porquê?Em São Pedro da Cova passou-se da agricultura para o carvão. O problema dos escravos da terra era o salário. Na lavoura trabalhava-se ao ar livre mas não havia salário. Nas minas havia um ordenado certo. Era esse jardim do éden que produzia todas as felicidades que os atraía. Não podiam estar mais enganados. Vinha até gente de fora. . . Os malteses chegavam de todo o país, muitas vezes sem saber ler nem escrever. Davam-lhes duas tábuas compridas e dois bancos para as pôr em cima e era lá que eles dormiam. Lá ou em carqueja. E mal chegavam perdiam a identidade. Se vinha do Covelo era o Chico do Covelo, se andava mais mal arranjado era o Zé badalhoco. Isto, parecendo uma insignificância, diz muito sobre a forma como eram tratados os trabalhadores. Quando falam desse tempo, alguns homens e mulheres mostram, apesar de tudo, algum saudosismo. Como se explica esse sentimento?Na mina havia uma fraternidade completa, um sentimento de irmandade. Chamavam “manos” uns aos outros. É uma palavra maravilhosa, mano. Conviviam e casavam nas minas, quase tinham os filhos lá dentro. A pobreza não é necessariamente triste. E há ainda a história do homem que sai da mina abraçado a Santa Bárbara, a chorar. . . Foi no último dia da mina. Um homem agarra-se à santa protectora dos mineiros como se de um filho se tratasse. Chora. Sabia que a mina era má mas que depois dela era pó, cinza e nada. Mazola perdeu a conta ao número de livros que escreveu. São umas dezenas publicados e muitos mais por publicar. Um deles, Um Grito Rompe o Silêncio, obra com dezenas de depoimentos de quem trabalhou nas minas, foi reeditado em 2015 pela junta de freguesia local. Mas muitos outros existem: O Culto dos Mortos em São Pedro da Cova, As Minas e o Fado Operário, o Folclore de São Pedro da Cova, Os Alemães em São Pedro da Cova, Vozes do Subsolo. “As minas têm uma imensidão de histórias associadas”, diz. Parte delas estão também contadas nas biografias de muitas sampedrenses. “É uma encomenda que muita gente me faz. E adoro esse trabalho. Pesquisar e depois romancear a história. ” Na sua bibliografia guarda ainda obras que passam as fronteiras da sua terra, quase todas centradas no concelho. Inventário da Igreja de Gondomar, Gondomar: os confrontos sociais no Alto do Concelho ou uma biografia sobre Joaquina Pereira de França, De Gondomar, a Primeira Mulher de Camilo. Nas gavetas, tem prontos a imprimir trabalhos sobre a origem dos sinos em Rio Tinto, as corridas de touros nessa mesma freguesia, o jogo da bola em Fânzeres em 1845, a influência do Concílio de Trento nos registos paroquiais de São Pedro da Cova, um divertido e revelador compêndio dos falares do povo da sua terra, recolhidos durante anos de ouvido à escuta. “Um sem fim de investigações. ” Por escrever, está ainda muita coisa também. Como uma “monografia das minas. ”Para que isso possa acontecer um dia, Mazola já decidiu doar todo o seu espólio ao Museu Mineiro, criado em 1989 com a missão de valorizar e divulgar o património local. “Quero transferir tudo para lá, desde que me garantam que o material vai ser estudado de forma séria por quem sabe do assunto”, comunica. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na freguesia de quase 17 mil habitantes quase todos sabem quem ele é. O homem-herança da história da vila que tem dois séculos de mina gravados, representante do povo no histórico programa de televisão Prata da Casa, em 1989. Ao seu esforço de preservação da memória, surgem alguns reconhecimentos, como um álbum de nome Mazola, com letras de poesias dele, que Vasco Balio, músico apaixonado pela sua vila que teve no poeta a sua primeira referência literária, está a preparar. Ou uma biografia em construção assinada por Daniel Vieira, o actual presidente da junta de freguesia historicamente comunista (está nas mãos do PCP desde 1982, apenas com um intervalo entre 97 e 2001). Mazola envaidece sem perder os pés no chão. “Estou velho, começam a fazer essas coisas por mim”, brinca. Nunca trabalhou para os palcos — e a única mágoa que guarda é a de ver pouco conhecimento sobre a história da sua terra, pouco interesse pelo saber. O canudo, garante, não lhe faz falta. “Não sou doutor e não tenho qualquer complexo por isso. Podem chamar-me amador, já me deram nomes piores”, graceja para logo de seguida abrir o peito para recitar uma poesia:O muito pouco que seiCabe numa mão fechadaMas mais vale saber alguma coisa Do que viver sem saber nada.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE PCP
Guerreiro, carrasco e poeta, diz ele
António Barahona é poeta à margem, Monárquico e Sebastianista, politicamente muito incorrecto. E isso não tem lugar. Ou o lugar é o do coração. (...)

Guerreiro, carrasco e poeta, diz ele
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: António Barahona é poeta à margem, Monárquico e Sebastianista, politicamente muito incorrecto. E isso não tem lugar. Ou o lugar é o do coração.
TEXTO: António Barahona é autor de uma vastíssima obra espalhada por diversas editoras de diferentes dimensões, edições de autor, folhas volantes. Em 2016, edita dois livros. Como se se tratasse de uma urgência, antes da morte. E é, ou era. Um eco trespassa estes versos, não se pode adiar o coração, ou, recorrendo a outro poeta: “não posso, / ainda que o grito sufoque na garganta” (A. R. Rosa, Viagem através de uma Nebulosa). Barahona publica Noite do meu Inverno e a seguir Ocarina. Os títulos são a expressão do que está em jogo: reunião de poemas que percorrem momentos distintos, do surrealismo ao fervor religioso, ora católico, ora muçulmano, sempre absoluto, radical, furioso, fervor que não permite relativizações: o guerreiro não vacila, nem o carrasco. Trata-se de uma antologia e sucessão de poemas que o próprio seleccionou. Ocarina, por seu turno, além de ser título, ou por isso mesmo, é o nome de um instrumento, de sopro. Em subtítulo, ou na segunda página: “o sentido da vida é só cantar (suma poética)”. Sendo que o som, o ritmo, a rima, a musicalidade entranha de raiz a escrita deste autor, estão lá antes de estarem nas palavras que nascem e se evolam já impregnadas de Deus. Do Verbo corânico. As coisas, todas elas, desde a pedra, antes de se tornarem poema já irradiam sons, até o silêncio, o inaudível devem canto. Autoria: António Barahona Editora Averno Ler excertoÀ laia de prefácio que revela: “a conclusão dêste livro (uma e una poesia em setenta poemas) foi-me imposta por uma presença invisível, talvez a de um dos 70000 Anjos que nos rodeiam, ou, em particular, a presença dos dois principais que nos assistem, um sentado em cada ombro; ou talvez a conclusão tenha sido imposta pelo Anjo da morte. A consciência poético religiosa deixa tudo em aberto e arriscado” (Ocarina). Deus é desconhecido e íntimo. Consciência poético-religiosa subsume tudo o que Barahona escreve e é, “um poetaabsoluto” que se apodera do som. Essa consciência ainda faz dele um poeta não marginal, mas à margem, Monárquico e Sebastianista, politicamente muito incorrecto. E isso não tem lugar. Ou o lugar é o do coração. Não cabe nem na Esquerda, nem na Direita, simplesmente um grande poeta, antigo. Absolutamente livre, até porque o poeta não visa a liberdade, ele é por natureza livre, mas sim a libertação que o poema é, e que o poeta visa, e isso, segundo Barahona, tem a ver com o espírito e não um qualquer sistema social. Crente no deus único e não no progresso, nem nos valores tão apregoados pela democracia que secundariza. Comece-se pela ortografia, peculiar, arbitrária, fenómeno para que o autor em cada livro nos alerta, inspirada no critério biológico, estético e prosódico de Pascoaes. Poeta sempre presente, como Camões, na sua poesia e no seu ser. Pátria Minha (Averno, 2014) queria-se como a continuação de Camões e Pessoa. Mesmo antes do Acordo Ortográfico, essa aberração pornográfica (sic), o poeta escreve como quer, cria uma espécie fisionomia ortográfica pessoal, da palavra escrita. Se bem que haja aspectos políticos reiteradamente abordados: na Europa, a ausência de valores em paralelo com a ausência de Deus que já nem é sentida, “só se sente a presença do dinheiro, (. . . )/ Acelera-se o fim agonizante(. . . ) Europa repugnante e sem vergonha, /irmanada no lucro sem fraternidade/ foco corrupto de doença grave/ que torna a morte estranha” (Ocarina). O poeta sobrepõe poesia e religião, leia-se religião islâmica, na sua vertente sufista, mística, esotérica (em As Grandes Ondas: “Deus ordenou ao Poeta que imitasse o Sufi e mais que sintonizasse a linguagem dos pássaros. ”). Irresistível pegar na gravação de uma entrevista acessível no Youtube e que diz essa margem, entre o riso contagiante e provocador de garoto e o voo de uma rola branca (série Arquipélago - Ep. 2) cuja morte há-de ser tema de dois ou três poemas pungentes, muito belos. Vale a pena ouvir: “Sou um heterodoxo, submisso ao Deus único, /discípulo do Velho da Montanha, :/o meu maior prazer é cortar cabeças (felizmente em imaginação), /na paz silente do dever cumprido/ no som, que só no som isto acontece/ Imaginação em sol (felizmente). // Sou um heterodoxo radical e rigoroso/com múltiplas raízes na palavra matemática/ (exactamente colocada no sítio da ferida /cada vez mais profunda) e áspera sabedoria/ de saber que não se sabe nada e que só a fé nos salva/ (livrai-nos Senhor, da crença e dai-nos a fé de cada dia)/ em maviosa orthografia fora de moda. ”Autoria:António Barahona Editora Averno Ler excertoE a fé é totalitária, absoluta, sem exterior nem resto, induz à Guerra Santa, tantas vezes nomeada, em que contra o adverso parte, armado de palavras e cachimbo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O poema, permeável ao som fundamental, “o som do Livro icónico em versículos, / o som de todos os Nomes de Deus, (. . . ) o Som dos sons invictos. ”. A poesia torna presente esse mistério invisível. Mistério que fica preso, que se suspende no paradoxo, da multiplicação de paradoxos de que esta poesia se tece. Como poucos, António Barahona domina a prosódia. Através de paralelismos, repetição trabalhada de sons, arte das sinestesias e mestria no uso das figuras. Acima de tudo sensível ao ritmo que a poesia é, ao som que emana de cada e de todas as peças do mundo, da conjugação das palavras. Isto é, a reverberação do estar-aí de Deus. É a imaginação do som que nos salva. Então o poema é como oração, coincide. O amor permanece a pedra de toque. Soberano como a fé. A missão do poeta continua a ser a de “restabelecer o culto da Mulher, à luz de Deus, mediante o véu e o pudor” (A Noite do Meu Inverno). As de hoje terão perdido algum encanto. Tendo sido música da vida, “dor/ de castidade em f´rida”, hoje, “feministas e toscas//. ”ausentam-se do sagrado do trajar”(Ocarina). Nunca saberemos se o poeta é cúmplice, ou não, de uma história que conta: a da tristeza de um amigo cuja primeira mulher se quis divorciar apenas porque ele teria contraído segundas núpcias. Magníficos alguns dos poemas de amor nestes dois seus últimos livros. Extremos, desesperados. Só o Amor pode sobrepor-se ao Estudo. O Desejo de “refazer-te de sangue de amor louco (. . . ) aberta ao tesão que quer entrar/ p’la tua alma p’ra se vir/ e sorver, nesse orgasmo, o elixir/ d’eternamente amar”. (Ocarina). O campo semântico do sangue e do fogo são recorrentes. O Amor, contra a Morte, que povoa este livro, não sem algum sentido de humor: o último poema - “Vou sentar-me e reflectir, porque não há/ mais nada a fazer. (Não esquecer de rezar, / sobre tapete turco, as orações em árabe). /Acendo o meu cachimbo e deito mel no chá. / Confirmo confiança absoluta em Allah. :”E atenção, prestes a sair “Só o som põe si só”, quarto tomo desta suma poética.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Lulu: o sexo não perdoa e o dinheiro ainda menos
Cem anos após a morte do dramaturgo alemão Frank Wedekind, Lulu tem esta quarta-feira a sua estreia nacional no palco do Teatro Carlos Alberto. Uma personagem tão potente que o encenador Nuno M. Cardoso precisou de duas actrizes e uma bailarina para a tentar conter. (...)

Lulu: o sexo não perdoa e o dinheiro ainda menos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.16
DATA: 2018-06-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cem anos após a morte do dramaturgo alemão Frank Wedekind, Lulu tem esta quarta-feira a sua estreia nacional no palco do Teatro Carlos Alberto. Uma personagem tão potente que o encenador Nuno M. Cardoso precisou de duas actrizes e uma bailarina para a tentar conter.
TEXTO: Lulu é “a primeira peça moderna”, defendeu o dramaturgo britânico Edward Bond, cuja visão do texto de Frank Wedekind (1864-1918) como uma lúcida profecia do capitalismo enquanto sistema de desumanização influenciou a encenação de Nuno M. Cardoso, que se estreia esta quarta-feira, às 19h, no Teatro Carlos Alberto, no Porto, numa produção do Teatro Nacional de S. João. É a primeira vez que se leva ao palco em Portugal este texto escrito há mais de cem anos e que inspirou A Boceta de Pandora (1929), de G. W. Pabst, com a extraordinária Louise Brooks, e a ópera incompleta de Alban Berg, Lulu, postumamente estreada em 1937. Lulu teve várias versões: inicialmente escrita como uma só peça, subintitulada Uma Tragédia Monstruosa, Wedekind acabou por a dividir em duas: O Espírito da Terra (1895) e A Caixa de Pandora (1905), num total de sete actos, cuja representação integral exigiria cerca de oito horas em palco. A dramaturgia concebida por João Luís Pereira e pelo próprio Nuno M. Cardoso, a partir de uma tradução de Aires Graça, reduziu consideravelmente a extensão do texto e prescindiu quase totalmente de dois actos (um de cada peça). “Esta dramaturgia”, assume João Luís Pereira, “quis caminhar com muita impaciência para o final de cada um dos seus cinco actos”, momentos em que, descreve, “encontramos Lulu no seu melhor e no seu pior, a Bela e o Monstro de si mesma, psicopata a desafiar em permanência algumas fronteiras do humano, amorosa e criminosa, incompassiva e letal”. Camaleão sexual que assume todos os papéis em que o desejo masculino a concebe, mas paradoxalmente livre na sua amoralidade. Presa e caçadora. Amante que responde por Lulu, ou Nelli, ou Mignon, ou mesmo Eva, mas não tem nome que seja seu (ou que ela seja). Potência vital, que destrói os que não têm a força necessária para suportar a sua intensidade, mas ela própria refém de um instinto de morte que a levará, no final, a entregar-se nas mãos assassinas de Jack, o Estripador. Esta ambiguidade da figura de Lulu tem originado leituras muito diversas, quando não contraditórias da peça. Exemplo de uma visão misógina que reduz a mulher a uma espécie de tabula rasa onde os homens projectam os seus próprios e diversos estereótipos do feminino ou corajosa crítica da hipócrita boa consciência patriarcal e burguesa? Se esta última hipótese parece mais sustentável, também seria bastante absurdo querer ver um pioneiro do feminismo ou um longínquo precursor do movimento Me Too em Frank Wedekind, que foi, aliás, um mulherengo impenitente, pelo menos até se ter tornado o marido deveras ciumento e possessivo de uma actriz 22 anos mais nova do que ele. “A ideia não foi fazer o percurso de uma personagem, contar a sua história, em sentido narrativo, mas mostrar Lulu como o reflexo de muitas mulheres”, explica Nuno M. Cardoso, que optou por entregar o papel (os papéis) de Lulu a duas actrizes – Catarina Gomes e Vera Kolodzig – e a uma bailarina, Sara Garcia. Numa conversa com a jornalista Mariana Duarte integrada no próprio processo de produção da peça, o encenador afirma: “Lulu não é um ser único nem especial. Não é uma heroína nem uma femme fatale. Nem um ser trágico. É o que está à nossa volta todos os dias. ” É por isso que “este texto escrito há mais de cem anos tem uma terrível actualidade”, dirá depois ao PÚBLICO. “O que é tenebroso é que isto não é o passado, isto continua a acontecer”, acrescenta, assumindo que a sua encenação quer também ser “um gesto que afirme a necessidade de as coisas mudarem”. Para Edward Bond, cuja visão política da peça Nuno M. Cardoso assumidamente partilha, Wedekind é de tal modo presciente na sua intuição de que “a combinação de sexo e capitalismo é destrutiva e está na origem da era da violência” que ele próprio dificilmente poderia perceber tudo o que a sua peça dá a ver. Encarando o capitalismo como um sistema desumanizador e destruidor de culturas, e que não é ele próprio uma cultura, o dramaturgo lê Lulu a esta luz, sugerindo que a protagonista passa pelas “culturas tradicionais” dos seus primeiros amantes rumo a Jack, o Estripador, “o Super-Homem Negativo, o grande engenheiro e empresário, o coração mirrado do capitalismo”. Lulu “é um grito de liberdade”, acredita Nuno M. Cardoso. Mas como mostrá-la na sua objectificação sexual sem que a exposição do que se pretende denunciar corra o risco de se tornar mais cúmplice do que crítica? Explica-o na já referida conversa com Mariana Duarte: “Como se faz? Acho que é sublinhando o corpo como objecto, como produto, como instrumento, para depois retirar tudo isso. O corpo vai desaparecendo, em Londres estamos quase na penumbra. Passa tudo pelo discurso. ”Londres é o capítulo final, a descida aos infernos de Lulu, que vive três vidas muito diferentes em três cidades distintas: Berlim, Paris e Londres. Algo que esta encenação sublinha, desde logo na cenografia (de Nuno Carinhas), mas também ao nível da representação, sublinhando que esses três momentos do périplo europeu de Lulu correspondem a genuínas etapas existenciais. “Há três blocos muito distintos também no plano estético: Berlim é uma coisa muito a preto e branco, mais fechada, Paris é a abertura, com muito dourado, muito brilho, muita luz, e Londres é praticamente a escuridão completa, e quase já não há palavras, como se Lulu atravessasse um pântano até chegar a Jack, o Estripador”, descreve Nuno M. Cardoso. Cada uma das intérpretes representa a protagonista num destes sucessivos cenários: Catarina Gomes em Berlim, Vera Kolodzig em Paris e, finalmente, a bailarina Sara Garcia em Londres, embora as fronteiras não sejam rígidas e o encenador por vezes as conjugue num mesmo local e instante. Nuno M. Cardoso garante que começou a pensar em encenar esta peça há 20 anos. “Antes de ler o texto, a Lulu que eu conhecia era a do filme do Pabst, interpretada pela mítica Louise Brooks”, diz, mas foi no início dos anos 90 que se confrontou com a obra de Frank Wedekind, ao trabalhar como actor numa encenação de Rogério de Carvalho de O Despertar da Primavera, uma peça que o dramaturgo publicou em 1891 e que provocou grande escândalo na época, com as suas cenas de homoerotismo, masturbação em grupo, sado-masoquismo e suicídio. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O interesse pelo dramaturgo levou-o então a embrenhar-se nas múltiplas versões de Lulu. “Vem desde aí uma vontade enorme de fazer este texto”, afirma, desejo que começou a concretizar há dois anos, quando estava já a colaborar com Nuno Carinhas na gigantesca tarefa de encenar Os Últimos Dias da Humanidade, de Karl Kraus. E o escritor austríaco foi precisamente o produtor da célebre estreia vienense de A Caixa de Pandora, em 1905, com o próprio Wedekind a fazer o papel do Apresentador, que introduz as restantes personagens como um domador a mostrar os animais de um circo ambulante, mas também de Jack, o Estripador, cliente (e destino) final de Lulu, que a assassina para lhe roubar e vender o útero. Não por acaso, estas duas personagens, início e fim desta história de sexo, dinheiro e morte, são agora interpretadas pelo próprio Nuno M. Cardoso. “Faço de Apresentador, que se assume como o encenador, e faço de Jack, que é o destruidor. Coloco-me com toda a consciência nesse papel de encenador homem, que é também o destruidor”, explica nos materiais de apresentação da peça.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Pedro Marques escolhe comissão do Desenvolvimento Regional
A delegação socialista aspira à vice-presidência de duas comissões. (...)

Pedro Marques escolhe comissão do Desenvolvimento Regional
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: A delegação socialista aspira à vice-presidência de duas comissões.
TEXTO: Na distribuição dos lugares das várias comissões e subcomissões do Parlamento Europeu (PE) pelos novos eurodeputados portugueses, “calhou” ao socialista Pedro Marques, cabeça de lista do partido do Governo nas eleições europeias, um lugar de titular na comissão do Desenvolvimento Regional, por onde passa a discussão dos fundos estruturais. Uma escolha que parece confirmar o interesse do ex-ministro das Infra-estruturas em projectar-se do Parlamento Europeu para a próxima Comissão Europeia. Mas tirando esse indicador político mais interessante, o processo de selecção e distribuição de lugares pelas diversas comissões parlamentares não teve surpresas. Cumprindo a tradição, os eurodeputados eleitos em Portugal vão concentrar-se principalmente nas comissões dos Orçamentos; Assuntos Económicos e Monetários; Indústria, Investigação e Energia; Emprego e Assuntos Sociais; Agricultura e Desenvolvimento Rural e ainda das Pescas — nesta última, estarão representados todos os partidos excepto o BE. O “veterano” José Manuel Fernandes, do PSD, terá ao seu lado na importante comissão dos Orçamentos dois estreantes: Margarida Marques, do PS, e Francisco Guerreiro, do PAN. O social-democrata voltou a ser escolhido como coordenador do seu grupo político do Partido Popular Europeu na comissão que está envolvida nas negociações do próximo quadro financeiro plurianual. Mas ainda não sabe se poderá chegar a presidente da comissão, uma vez que essas negociações (entre famílias políticas) ainda estão a decorrer. O PÚBLICO sabe que a delegação socialista aspira à vice-presidência de duas comissões. “Depois da eleição de Pedro Silva Pereira como vice-presidente do PE, o objectivo é aumentar a nossa influência na vida do Parlamento”, informou fonte da delegação. Os socialistas, os sociais-democratas e os bloquistas também estão apostados em obter a presidência de delegações do PE. Marisa Matias, do BE, mantém-se na comissão da Indústria, Investigação e Energia (tal como o socialista, Carlos Zorrinho) e na subcomissão dos Direitos Humanos (onde se estreia Isabel Santos, do PS), mas “cede” ao recém-eleito José Gusmão o lugar na comissão dos Assuntos Económicos e Monetários. Lídia Pereira, do PSD, e Pedro Silva Pereira, do PS, também escolheram a mesma comissão. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A delegação do PSD estará representada em mais duas comissões do que no mandato anterior: Indústria, com Maria da Graça Carvalho, e Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar, onde Lídia Pereira será suplente. Essa foi a comissão eleita pela outra jovem eurodeputada que se estreia nesta legislatura, Sara Cerdas, do PS. À chegada ao PE, a socialista Maria Manuel Leitão Marques optou pela comissão do Mercado Interno e Protecção dos Consumidores. Nuno Melo, do CDS, continuará na comissão das Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos. Nos Assuntos Externos, haverá dois portugueses, Isabel Santos (PS) e Paulo Rangel (PSD), que neste mandato prossegue ainda o seu trabalho na comissão de Assuntos Constitucionais. De resto, como também é habitual, as duas regiões autónomas estão representadas nas comissões de Agricultura, com o açoriano André Bradford, do PS, e das Pescas, onde estará a social-democrata madeirense, Cláudia Monteiro de Aguiar. João Ferreira, do PCP, também mantém o seu lugar na comissão das Pescas, mas troca a Indústria pelos Transportes e Turismo. A sua camarada Sandra Pereira ficará na comissão dos Direitos da Mulher e Igualdade de Género.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PAN PSD Partido Popular Europeu PCP BE
5 exposições a não perder no PHotoEspaña
Entre um mar de exposições (a maior parte das quais pode ser vista até final de Agosto) o PHotoEspaña, a comemorar o XX.º aniversário, guarda algumas pérolas. (...)

5 exposições a não perder no PHotoEspaña
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Entre um mar de exposições (a maior parte das quais pode ser vista até final de Agosto) o PHotoEspaña, a comemorar o XX.º aniversário, guarda algumas pérolas.
TEXTO: Não há outra forma de o dizer: El siglo soviético: fotografía rusa del Achivo Lafuente (1917-1972) é uma das exposições mais imponentes do festival. Não estamos a falar de uma imponência de escala das imagens, mas de uma riqueza visual e documental espantosas, tendo em conta a quantidade (e tantas vezes a qualidade) de registos através dos quais é possível viajar desde a Revolução de 1917 até aos julgamentos de Nuremberga (1945/46), passando pela construção do regime soviético e pelo retrato dos artistas de vanguarda que haviam de fundar ou marcar boa parte das correntes artísticas mais influentes do século XX. Os fotógrafos representados captaram um pouco de tudo no agitado século soviético, desde multidões, reuniões, manifestações, desfiles, fábricas, guerras, os sinais da política estalinista de industrialização e colectivização agrárias, a II Guerra Mundial e a vida quotidiana. Há também exemplos dos famosos apagamentos das fotografias de figuras incómodas ao regime, casos de controlo milimétrico da imagem que o poder queria transmitir. Comprada nos anos 70 a um galerista americano por um coleccionador espanhol focado na fotografia europeia de todo século passado, esta colecção surpreende também pela quantidade de provas vintage e objectos relacionados com os fotógrafos que as captaram. Para enriquecer ainda mais este espólio, quase todas as fotografias expostas têm no verso a assinatura dos autores bem como descrições precisas sobre local e circunstância do registo. Entre os nomes que mais surpreendem está o de Georgi Zelma. Ao entrarmos na sala com chão de ripas de madeira a ranger que habitualmente recebe as exposições do PhotoEspaña no Museu Cerralbo, temos a sensação de estar numa divisão da casa até então secreta, muito íntima. Os trabalhos de Carmen Calvo (Valência, 1950) que se estendem pelas paredes, retratos antigos encontrados em feiras da ladra ampliados a um ponto capaz de atemorizar, transformam aquele lugar num espaço habitado não pela memória daquelas figuras, mas pela presença da autora e de todos os seus fantasmas. Em Quietud e Vértigo a artista espanhola apropria-se de imagens para as descontextualizar, e tomá-las como suas, pintando-as, arranhando-as, cravando-lhes os mais variados objectos (cruxifixos, máscaras antigas, pregos…), num exercício que faz lembrar o de uma expiação. Escreve a comissária Oliva María Rubio: Carmen Calvo contruiu um mundo complexo e misterioso não isento de humor e de ironia, onde o feminismo e a crítica social, moral e religiosa se cruzam e onde é uma constante a interrogação sobre as formas de comportamento e de relação entre os seres humanos. ” A acrescentar à força destas imagens que parecem ter existido sempre assim, Calvo inventa legendas que adensam ainda mais o ambiente: “A minha alma está cansada da vida”; “Não consigo distrair-me com a especulação metafísica”; “A mesma ambiguidade e o original”; “A pintura vai deixá-la louca”. Uma das melhores exposições do festival. Para se chegar lá, é preciso percorrer vários corredores de uma cave labiríntica da Biblioteca Nacional de Espanha. O esforço de orientação e a sensação de estar perdido (apesar de todas as setas), é compensado assim que se chega à pequena exposição dedicada a um campo onde a fotografia e a poesia se encontram frequentemente: nas páginas de um livro. Um dos dinamizadores da mostra é Horacio Fernández, crítico, curador, professor e primeiro comissário-geral do PHotoEspaña, suspeito do costume em tudo quanto se relaciona com fotolivros. Depois de se ter dedicado à organização de publicações fotográficas que se focaram em Nova Iorque e de ter erguido uma exposição em Barcelona que problematiza o fenómeno desta área editorial (só para citar os seus mais recentes trabalhos na área), desta vez, com a ajuda do escritor Juan Bonilla, Fernández procurou e isolou alguns dos melhores exemplos de livros ibero-americanos que fundem “a mais poética das artes visuais com o mais fotogénico dos géneros literários”, desde o princípio do século XX até aos nosso dias. Neste labor foram incluídos títulos com diferentes graus de mestiçagem, casos de fotografias que convertem em fotonovela um poema; poemas que invadem as fotografias; fotógrafos que fazem antologias poéticas; poemários fotográficos; fotografias poéticas; conjuntos fotográficos em que os versos não passam de legendas. Cumprindo a tradição de apresentar algumas das melhores exposições do festival voltadas para espaços mais pequenos, a Fundación Loewe — que nos faz passar primeiro pelo requinte das roupas desta marca espanhola — juntou este ano dois nomes essenciais para o conhecimento e entendimento da profunda transformação urbana e sociopolítica de Nova Iorque entre as décadas de 60 a 80: Peter Hujar (1934-1987) e David Wojnarowicz (1954-1992). Um espólio vindo de uma colecção privada juntou-se a obras depositadas no Hujar Archive para uma exposição de cerca de 60 trabalhos de dois nomes que abraçaram de forma apaixonada a vida cultural do seu tempo. Ainda que bem recheada de retratos de personalidades bem conhecidos da cena artística (Merce Cunningham e John Cage, Susan Sontag, naquela que uma das suas imagens para conhecidas em que aparece estendida de costas numa cama, Andy Warhol…), a dupla não ficou encandeada pelo brilho destas estrelas, afirmando-se noutros territórios como a da paisagem, o da ruína urbana ou o dos animais. Hujar, um técnico exímio que imprimiu de forma irrepreensível todo o seu trabalho, gostava de fotografar nus masculinos, imagens que fizeram dele um dos primeiros defensores da liberdade de expressão relacionada com a identidade sexual. Nas suas viagens e estadias em Nova Iorque, Wojnarowicz concentrou-se sobretudo nas franjas que viviam estigmatizadas pela sociedade. Para além de obra fotográfica deixou, filmes, pintura e escritos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O panorama expositivo das dezenas de galerias que animam o Festival Off durante o PHotoEspaña não se mostrou este ano particularmente dinâmico, nem trouxe propostas especialmente estimulantes. Um panorama pobre, tirando um punhado de espaços, como a galeria da La Fábrica, com obras de Xavier Miserachs, a Galeria Juana de Aizpuru, com um novo trabalho de Cristina de Middel, ou a Galeria Silvestre, que conta com um grande leque de artistas portugueses e que, desta vez, mostrou o trabalho de Catarina Botelho, Tercer Paisaje, que aborda a transformação dos espaços urbanos num contexto de precariedade laboral e habitacional. Uma das propostas mais interessantes veio da Galeria Camera Obscura, através de Javier Viver, escultor, fotógrafo designer e editor de fotolivros, autor cujo trabalho propõe “um debate entre a iconografia e a iconoclastia como meio de aparição invisível” (Carlos Aguilera). Partindo do livro Révélations, com vários prémios em 2016, que analisava os usos dos registos visuais do hospital psiquiátrico La Salpêtrière, em Paris, Viver propõe agora uma versão expositiva desse sensível corpo de trabalho. Em Archivo de lo Inclassificable o artista relaciona diferentes imagens daquele espólio para construir dípticos e trípticos, que revelam como o corpo era escrutinado à procura de sinais que pudessem explicar a condição dos doentes. Para além das imagens, Viver reconstruiu alguns dos moldes tirados aos rostos e a outras partes do corpo de doentes. A “Iconografia de La Salpêtrière” (1875-1918) é um dos primeiros arquivos fotográficos conhecidos de psiquiatria clínica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra humanos campo ajuda social sexual corpo feminismo
Morreu Agustina Bessa-Luís, o nosso grande “mistério literário”
Afastada da vida pública, por razões de saúde, desde 2006, a escritora morreu nesta segunda-feira, aos 96 anos. Dizia ser mais conhecida do que lida, apesar das sucessivas reedições de títulos seus, nomeadamente A Sibila. O Presidente da República “curva-se perante o seu génio”. (...)

Morreu Agustina Bessa-Luís, o nosso grande “mistério literário”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.45
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Afastada da vida pública, por razões de saúde, desde 2006, a escritora morreu nesta segunda-feira, aos 96 anos. Dizia ser mais conhecida do que lida, apesar das sucessivas reedições de títulos seus, nomeadamente A Sibila. O Presidente da República “curva-se perante o seu génio”.
TEXTO: Agustina Bessa-Luís morreu nesta segunda-feira de madrugada, aos 96 anos, na sua casa do Porto, confirmou o PÚBLICO junto de um familiar. A escritora estava doente há mais de uma década, mas o seu estado de saúde agravara-se nos últimos tempos. “Há personalidades que nenhumas palavras podem descrever no que foram e no que significaram para todos nós. Agustina Bessa-Luís é uma dessas personalidades”, reagiu Marcelo Rebelo de Sousa. Em memória da “criadora”, “cidadã” e “retrato da força telúrica de um povo”, o “Presidente da República curva-se perante o seu génio e expressa aos seus familiares as mais sentidas condolências”. A missa de corpo presente, celebrada pelo bispo do Porto, D. Manuel Linda, terá lugar na terça-feira, às 16h, na Sé do Porto, onde o corpo estará em câmara-ardente a partir das 10h30. Será depois transportado para o jazigo da família no cemitério de Peso da Régua, onde a cerimónia fúnebre será reservada ao seu círculo íntimo. Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa-Luís nasceu em Vila Meã, Amarante, a 15 de Outubro de 1922. A infância e a adolescência da escritora serão passadas nesta região, que marcará fortemente a sua obra. Estreia-se como romancista em 1948, com a novela Mundo Fechado, mas é em 1954, com o romance A Sibila, desde então sucessivamente reeditado, que se impõe como uma das vozes mais importantes (uma voz “incomparável”, como dirá o ensaísta Eduardo Lourenço) da ficção portuguesa contemporânea. Afastada da vida pública, por razões de saúde, desde que em 2006 sofreu um acidente vascular cerebral, Agustina Bessa-Luís foi distinguida em 2004 com o Prémio Camões, o mais alto galardão das letras em português. Recebeu-o, no Rio de Janeiro, das mãos do então ministro da Cultura brasileiro, Gilberto Gil. Eduardo Prado Coelho (1944-2007), um dos jurados dessa edição do prémio, definiu-a como “uma extraordinária cronista com sentido de humor e uma visão original e, por vezes, desconcertante da literatura”. Vasco Graça Moura (1942-2014), que fez parte do mesmo júri, considerou-a então “uma escritora universal”. O PÚBLICO esteve na Feira do Livro de Lisboa e pediu a alguns visitantes que lessem excertos de "A Sibila"Perante a notícia da sua morte, Hélia Correia, que venceu o mesmo prémio em 2015, não tem meios-termos para a classificar: “Se há génio, é Agustina. Se há mistério literário, é Agustina. Se há alguém que não morre, é Agustina”, disse nesta segunda-feira de manhã ao PÚBLICO. E Agustina, toda essa Agustina, perdurará, acrescenta Hélia Correia sobre uma autora de quem nunca foi amiga de “quotidiano, de tempo ocioso” — não por “temor sagrado” em relação a alguém que tanto admira, mas porque a sua obra é tão importante, tão perfeita que é com ela que se relaciona. “Ela nasceu para a literatura já pronta, não precisou de nenhuma espécie de aleitamento. E se não nasceu, ela também não morre”, insiste. “Há os escritores, e há a Agustina. É única. As condições de existência de Agustina não são as nossas condições humanas. Há outra coisa nela. Portanto também não há morte nela. ”Há alguns anos, num colóquio de homenagem a Agustina Bessa-Luís, Hélia Correia defendia “a improbabilidade de Agustina” — a sua transcendência. Agora, com a obra “muito bem tratada” pela sua editora, a Relógio d’Água, que em 2016 iniciou um extenso programa de reedições, ainda em curso, e pela filha e responsável pelo espólio da escritora, Mónica Baldaque, “o que é preciso é ler, e pasmar perante aquela obra”. Hélia Correia reserva uma última palavra para o derradeiro romance de Agustina, A Ronda da Noite (2006): “Perfeição. ”Apesar das sucessivas reedições de títulos seus, nomeadamente A Sibila — a última das quais pela Relógio d'Água, em 2017, com prefácio de Gonçalo M. Tavares —, Agustina queixava-se de ser mais conhecida do que lida. “Poucos são os que me lêem, mas muitíssimo mais os que me conhecem”, disse a escritora, citada pela Lusa, numa palestra, contando em seguida um episódio passado no Porto, quando uma senhora a interpelou na Rua de Cedofeita e lhe disse: “Sabe, gosto muito de si. Até estou a pensar um dia destes comprar um livro seu. ”A sua obra nunca desapareceu porém verdadeiramente dos escaparates das livrarias. E aí ressurgiu em força desde que, em 2016, a família rompeu o contrato que cedia os direitos da escritora à Guimarães Editora, cedendo-os à Relógio d’Água. A editora de Francisco Vale iniciou o seu programa de reedições com A Sibila e o livro infantil Dentes de Rato; desde então, fez sair os romances Vale Abraão, Fanny Owen, O Mosteiro, Deuses de Barro, A Ronda da Noite, O Manto, Os Meninos de Ouro, Ternos Guerreiros e O Susto, e ainda a peça de teatro Três Mulheres com Máscara de Ferro. Além destes, a bibliografia de Agustina inclui títulos como Os Incuráveis, A Muralha, O Sermão do Fogo, A Dança das Espadas, As Pessoas Felizes, Santo António, O Concerto dos Flamengos, As Pessoas Felizes, Crónica do Cruzado Osb, A Brusca, Aquário e Sagitário, Doidos e Amantes, e os três volumes de O Princípio da Incerteza, entre outros. Várias obras suas foram adaptadas ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, e assim foram vistas, além de lidas: Fanny Owen (1981, adaptado para Francisca), Vale Abraão (1993), As Terras do Risco (1995, adaptado para O Convento) e O Princípio da Incerteza (2002). Ela escrevia, ele filmava: foi uma parceria criativa que durou mais de duas décadas e resultou em quase uma dezena de filmes — com alguns “confortáveis conflitos” pelo meio. A autora escreveu ainda, para Oliveira, os diálogos de Party (1996), a partir da sua peça de teatro Party: Garden-Party dos Açores. Do seu conto A Mãe de Um Rio Oliveira haveria de fazer Inquietude (1998). E também o realizador João Botelho adaptou um romance seu, em 2009: A Corte do Norte. No teatro, é autora d’A Bela Portuguesa, levada à cena na Casa da Comédia, em Lisboa, em 1987, numa encenação de Filipe La Féria, que também adaptou ao teatro o seu romance As Fúrias, em 1995. Em 1997, quando publicou Um Cão Que Sonha, Agustina realçou numa conversa com público, em Oeiras, a importância fundamental que o marido teve na sua carreira de escritora. “Por tudo, do apoio à compreensão, ao incentivo e ao amor incondicional”, afirmou. Alberto Oliveira Luís, que foi o responsável pela fixação do texto da escritora, morreu em Novembro de 2017, aos 94 anos. Foi usando o seu nome como pseudónimo que em 1951 Agustina concorreu aos Jogos Florais do Minho com o conto Civilidade. Antes de o seu nome saltar para os escaparates das livrarias, publicou ainda Os Super Homens (1950) e Contos Impopulares (1951). O conto Civilidade veio a ser publicado em 2012 pelo grupo Babel, que em 2010 absorveu a Guimarães Editores. No mesmo ano foi também publicado outro título inédito, Kafkiana, que reúne quatro textos com reflexões de natureza literária sobre a situação do homem kafkiano face ao mundo e a si próprio. “Quem, como eu, por razões de estudo, se interessou vivamente por um autor (trata-se de Franz Kafka, em que não pretendo doutorar-me, mas de que tirei a licenciatura) durante muito tempo, não pode evitar a sua sombra. Pelo que os meus artigos muitas vezes rodeiam os seus pensamentos, confiam nas suas palavras com esse abandono carinhoso que dedicamos a quem nos deu o pão do ensino”, escreveu então Agustina. Se Kafka fez parte do universo de Agustina, Agustina fez (faz) parte do de Gonçalo M. Tavares. “A Agustina sempre foi para mim um autor essencial, daqueles que estou sempre a reler, de forma caótica. Há nela uma potência da linguagem que secundariza a narrativa. Estamos sempre a ser surpreendidos pelas palavras, atacados pelas palavras, porque ela não tem piedade de nada. ”É esta força da linguagem que faz com que Gonçalo M. Tavares a compare a Clarice Lispector, para em seguida afirmar, peremptório: “Agustina é a maior escritora de sempre da língua portuguesa. ”Nos seus livros, acrescenta o autor de Jerusalém e de Aprender a Rezar na Era da Técnica, Agustina Bessa-Luís destrói pobres e ricos, mas também a classe média, essa dos funcionários públicos a quem classifica, n’A Sibila, como uma “raça extra bíblica”. A escritora não se coíbe de julgar os seus personagens, mas o que diz numa página, pode desdizer passado duas. “A contradição em Agustina é uma forma de liberdade que vem do prazer da linguagem e do prazer do pensamento. ”Gonçalo M. Tavares tem sempre três ou quatro livros de Agustina abertos, “a uso”, geralmente muito sublinhados a lápis, “porque a cada página há coisas que espantam, que importam”, “frases que nos podem fazer querer mudar de vida”. “As pessoas falam sempre de Agustina como a autora de A Sibila, mas eu consigo pensar em dez, 12, 15 dos seus livros que são para mim tão ou mais importantes: Os Meninos de Ouro, Prazer e Glória, que também tem uma personagem feminina extraordinária… Os livros de Agustina formam uma obra única, uma máquina trituradora de grande clareza, inteligência e inconformismo. ”Desengane-se, no entanto, quem pegue num dos seus romances com a intenção de os ler como quem lê uma “novela”: “Ela escolhe os seus leitores. Para ler Agustina, a pessoa tem de se distanciar da ideia de uma história contadinha de forma certinha. Nos grandes livros de Agustina não acontece nada. ”Pedro Mexia, escritor, poeta e crítico literário, autor de Lá Fora e de Menos por Menos, diz o mesmo, mas de outra maneira: “Os textos de Agustina exigem um envolvimento de quem lê. É preciso entrar neles. Não se gosta mais ou menos de Agustina, como não se gosta mais ou menos de Herberto Helder. ”Agustina e Herberto, aliás, fazem parte da galáxia de quatro ou cinco escritores de língua portuguesa que Mexia, que assina o prefácio da reedição de Os Meninos de Ouro, considera “verdadeiramente singulares”. “Ela tem uma característica que não sabemos bem definir e que, à falta de melhor palavra, chamamos ‘génio’. E o génio é aqui uma mistura de talento com algo que é único. E é isso que faz com que quem a lê pela primeira vez tenha uma enorme sensação de estranheza. Uma estranheza que se rejeita ou se aceita sem limites. ” Também por isso, garante, “Agustina tende a gerar incondicionais”. Nos seus livros a história que se conta ou a veracidade dessa história é o que menos importa. A sua singularidade vem, defende Mexia, da mistura de estilos, de imaginários, da combinação “de uma tradição camiliana, mais ou menos portuguesa, mais ou menos regionalista”, com uma tradição europeia do romance com uma “certa dimensão ensaística, vagueante”, própria de “escritores mais selvagens”, como Dostoievski, um dos autores que Agustina nunca dispensava. Se ela parte de pessoas e acontecimentos reais, como parece ser o caso em Os Meninos de Ouro, publicado pela primeira vez em 1983 e inspirado no primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, que morreu num acidente de avião em Dezembro de 1980, é de forma não declarada e para lhes acrescentar, depois, uma boa dose de ficção. E para surpreender, como sempre. “Pelo que conhecemos da carreira de Sá Carneiro, é possível dizer que as passagens [do romance] estritamente políticas são credíveis. Depois há a escolha inusitada de Agustina: a sua empatia é dirigida à personagem que na vida real equivale à primeira mulher de Sá Carneiro, e não a Snu Abecassis, a mulher por quem ele se apaixona. ”Mesmo quando parece aproximar-se, politicamente, de um certo conservadorismo e até mesmo do feminismo, “nada disso é inteiramente verdade”, ressalva Mexia. “Se ela cria personagens femininas extraordinárias, fortes, isso é puro realismo. Toda a gente sabe que os homens são mais patetas. ”Avessa a categorizações em géneros, a obra de Agustina cria híbridos. Nos três livros que escreve logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, por exemplo — As Pessoas Felizes, Crónica do Cruzado Osb. e As Fúrias — há divagações que podiam constar das páginas de um diário, de um ensaio ou de um artigo de jornal, defende. “Os romances de Agustina vão para onde querem ir e a voz que neles queremos seguir aonde quer que ela vá é a da autora. (…) Agustina Bessa-Luís levou a literatura portuguesa a sítios onde ela nunca tinha ido daquela maneira. ”Para a escritora Inês Pedrosa, que em 2008 organizou com João Botelho para o Instituto Camões uma exposição que coincidiu com a estreia de A Corte do Norte, há duas ideias feitas sobre Agustina Bessa-Luís: que era “conservadora e reaccionária” e que era “dura”. A primeira é “desmentida quer pela obra dela, quer pelos actos”. Inês Pedrosa dá como exemplo em A Alma dos Ricos “uma história divertidíssima em que uma senhora muito rica quer que a virgem Maria lhe apareça porque por ser rica, ela pode ser mais útil do que foram os três pastorinhos. E o motorista arranja uma prostituta com um ar muito angelical para ir fazer de virgem Maria e aparecer à senhora. Isto não é obra de uma pessoa conservadora de maneira nenhuma!”, lembra Inês Pedrosa. “Por outro lado, Agustina subscreveu o ‘sim’ à despenalização da interrupção da gravidez e foi apoiante à presidência quer de Freitas do Amaral e de Cavaco Silva mas também de Jorge Sampaio. ” E quanto a ser irascível e dura, “nem uma coisa nem outra”. Inês Pedrosa conta que Agustina era “uma pessoa de extremo bom humor”, encarava os desaires da vida com humor e muita serenidade, e era uma pessoa muito atenta às necessidades dos próximos. “Era muito atenta ao apoio prático de que uma pessoa pudesse precisar. Ela mesma dizia que não era uma pessoa terna porque tinha um lado castelhano arisco. Mas procurava ser uma pessoa com doçura e compreensão pelos outros. ”Uma história engraçada aconteceu quando Inês Pedrosa lançou o romance Fazes-me Falta (2002). Agustina telefonou-lhe e perguntou-lhe se não queria que ela lhe apresentasse o livro. Inês jamais teria a ousadia de lhe pedir isso. Agustina mantinha uma casa em Lisboa, desde a altura em que estava à frente do D. Maria II, e todos os meses visitava a cidade que, dizia, lhe fazia falta. O lançamento era à noite, na discoteca Lux. “Quando entrámos [no Lux] era na época em que em vez de sofás havia camas forradas de plástico. E Agustina disse: ‘Tantas camas, tantas possibilidades. Isto é que era um sítio para ser apresentado um livro meu. ”Na Feira do Livro de Frankfurt, lembra ainda Inês Pedrosa, no ano em que José Saramago ganhou o Prémio Nobel da Literatura, estava uma delegação de escritores na feira. “Fomos todos jantar e estava toda a gente embaraçada para não falar do Nobel diante dela. E ela diz: ‘Eu vou pedir meia lagosta e champagne para celebrar o Nobel do Saramago. ’ Ficou tudo em silêncio durante um segundo e ela disse: ‘Mas pago à parte, não tenham problemas. Só estou a perguntar se alguém me quer acompanhar’. E lá pediu a meia lagosta e o champagne para celebrar o Nobel”. O Prémio Camões foi a mais elevada distinção atribuída à obra de Agustina, mas a escritora recebeu muitos outros prémios ao longo da sua carreira (incluindo, no mesmo ano, o Prémio Literário Vergílio Ferreira da Universidade de Évora). Logo em 1954, A Sibila, romance que a inscreveu quase imediatamente no cânone da literatura portuguesa, valeu-lhe os prémios Delfim Guimarães e Eça de Queiroz. Sobre esse romance, e sobre o que ele anunciava, escreveu então o historiador António José Saraiva: “Agustina será reconhecida quando, com a distância, se puder medir toda a sua estatura, como a contribuição mais original da prosa portuguesa para a literatura mundial. Ainda está demasiado perto de nós para que possamos desenhar o contorno do seu esplendor, que, como acontece em todos os casos de genialidade pura, é ainda invisível a muito dos seus contemporâneos. ”Não era o caso de Eduardo Lourenço. Num texto originalmente publicado em 1963 na revista Colóquio, da Gulbenkian, no qual pressagia que os futuros historiadores da literatura assumirão a publicação de A Sibila como “marco” entre duas épocas literárias, o ensaísta de O Canto do Signo escreve: “Pela primeira vez tínhamos diante de nós (…) qualquer coisa bem próxima de um mundo literário autónomo, quer dizer, não um mundo que reenvia classicamente à vida ou à imaginação, mas que é, em sua imediata realidade literária, emblema de vida e de imaginação, uma da outra indistintas”. Por isso, o “inesperado retrato de mulher” que A Sibila nos dá é na verdade, sugere o ensaísta, “um impossível retrato, que nem nós nem a sua autora podemos distinguir da fulgurante torrente da própria evocação que o inventa”. “Pelo seu simples aparecimento”, a ficção de Agustina “deslocou o centro da atenção literária”, argumenta Lourenço, e significou, “objectivamente, o fim do neo-realismo como fixação quase exclusiva da imaginação romanesca portuguesa” desde que Alves Redol publicara Gaibéus, em 1939. Se a obra de Agustina vem sendo há muito amplamente estudada, só este ano foi lançada uma primeira substancial biografia da escritora, O Poço e a Estrada (Contraponto), de Isabel Rio Novo, à qual se seguirá uma segunda, autorizada pela família, na qual o historiador Rui Ramos trabalha já há algum tempo e que o editor da Relógio D'Àgua, Francisco Vale, que a publicará, admite poder vir a estar concluída dentro de um ano. E havia já a autobiografia O Livro de Agustina (Três Sinais, 2002), na qual a romancista revisita o seu passado, e ainda outros livros mais recentes com textos assumidamente autobiográficos, como O Chapéu das Fitas a Voar (Guimarães, 2008). Entre os muitos prémios que Agustina recebeu, destaca-se o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, pela obra Os Meninos de Ouro, distinção que voltaria a ser-lhe atribuída em 2001, então consagrando O Princípio da Incerteza I — Jóia de Família. A escritora recebeu também o Prémio Ricardo Malheiros em 1966 e em 1977, respectivamente, com Canção Diante de Uma Porta Fechada e As Fúrias. Em 1967, a sua obra Homens e Mulheres valeu-lhe o Prémio Nacional de Novelística e, em 1980, o romance O Mosteiro conquistou o Prémio D. Diniz/Casa de Mateus e o P. E. N. Clube de Ficção. Em 1988, recebeu o Prémio RDP/Antena 1 por Prazer e Glória e, em 1993, o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários por Ordens Menores. Em 1997, recebeu o Prémio União Latina pelo romance Um Cão Que Sonha. A escritora foi distinguida pela totalidade da sua obra com o Prémio Adelaide Ristori, do Centro Cultural Italiano de Roma, em 1975, e com o Prémio Eduardo Lourenço, em 2015. Em 1985, foi mandatária da candidatura presidencial de Diogo Freitas do Amaral e, em finais de 2006, apoiou o “sim” no referendo sobre a despenalização do aborto. Marcada de resto por uma desassombrada intervenção pública, a sua vida passou também pelos jornais (uma intensa actividade que a Fundação Calouste Gulbenkian compilou em 2017, nos três volumes de Ensaios e Artigos (1951-2007), num total de nada menos do que 2791 páginas organizadas pela neta da escritora, Lourença Baldaque): dirigiu mesmo, entre 1986 e 1987, o diário O Primeiro de Janeiro, e protagonizaria em 2005, com a jornalista Maria João Seixas, o programa Ela por Ela. Entre 1990 e 1993, assumiu a direcção do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em 2018, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) concluiu um ano de homenagem a Agustina Bessa-Luís, com a atribuição do doutoramento honoris causa à escritora, que assim se tornou a primeira mulher a ser distinguida com este título honorífico pela UTAD. Agustina foi ainda condecorada como Grande Oficial da Ordem de Sant’Iago da Espada, de Portugal, em 1981, elevada a Grã-Cruz em 2006, e o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, de França, em 1989, tendo recebido a Medalha de Honra da Cidade do Porto em 1988. A sua obra está traduzida em várias línguas europeias, do castelhano ao grego, e o romance A Sibila, que já vai na sua 31. ª edição, é consensualmente considerado um dos clássicos da literatura portuguesa do século XX. com Margarida Gomes e Luís Miguel Queirós
REFERÊNCIAS:
Cristo não desempregou os santos (2)
Estamos no mês dos Santos Populares. Esses santos mais antigos são valores seguros. (...)

Cristo não desempregou os santos (2)
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estamos no mês dos Santos Populares. Esses santos mais antigos são valores seguros.
TEXTO: 1. Não entendo nada do jogo do “monopólio”. Parece que é guiado por uma lógica económica muito simples: para uns jogadores ficarem ricos, os outros vão à falência. Não pretendo encontrar aí uma analogia para a relação entre as religiões, mas sempre ouvi dizer aos críticos do monoteísmo que a sua vitória foi um golpe muito duro no pluralismo religioso da antiguidade. Um Deus único não poderia tolerar concorrentes. Não é essa questão, cheia de falácias, que pretendo abordar nesta crónica. A palavra Deus encobre significações muito diferentes. Lembrei-me desse jogo ao ler uma recente declaração do actual Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Luis Ladaria. Tenta ressuscitar a Carta Apostólica de João Paulo II – Ordinatio sacerdotalis – para reafirmar que o jogo do sacerdócio ministerial foi ganho pelos homens e a falência sacerdotal das mulheres é irremediável. A referida Carta defendia que o sacerdócio ministerial – de padres e bispos – é monopólio masculino e definitivo: sempre assim foi e sempre assim será. Compreendo o zelo do Prefeito L. Ladaria. Perante a arremetida teológica, cada vez mais insistente, contra o monopólio masculino, reagiu segundo a sua função policial: lembra que a lei tem de ser respeitada. Mas não lhe pertencia repetir que esta nunca poderá ser alterada. Que um Papa tenha dito isso, obriga a um acurado reexame do que ele entendia por Igreja e da sua concepção dos seus poderes no futuro. A primeira interrogação é esta: as mulheres não serão Igreja? Não conheço nenhum movimento de mulheres satisfeitas com a sua menoridade eclesial. O sujeito Igreja não será constituído por todas as pessoas baptizadas? Ou será que alguém descobriu na tradição eclesial um Baptismo próprio para homens e outro para mulheres? S. Paulo ficaria indignado com essa loucura [1]. O Papa Francisco, quando chegou ao Vaticano, já tinha o terreno armadilhado com Cartas Apostólicas semeadas de sentenças definitivas, enunciando posições doutrinais que nenhum outro papa ou concílio poderia modificar. Essa arrogância denuncia um estilo, mas talvez não uma exigência divina. Na Praça de S. Pedro, na reflexão sobre o sacramento do Crisma, o estilo de Bergoglio é muito diferente: a missão da Igreja no mundo procede através da contribuição de todos aqueles que fazem parte dela. Alguns pensam que na Igreja existem patrões: o Papa, os bispos, os sacerdotes e depois os outros. Não: todos nós somos Igreja! Todos temos a responsabilidade de nos santificarmos uns aos outros e de cuidarmos de todos. Todos nós somos Igreja! Cada qual tem a sua função, mas, repito, todos nós somos Igreja! Com efeito, devemos pensar na Igreja como num organismo vivo, composto por pessoas que conhecemos e com as quais caminhamos e não como numa realidade abstracta e distante. A Igreja somos nós que caminhamos, a Igreja somos nós que hoje nos encontramos nesta praça. Nós: esta é a Igreja. A Confirmação vincula à Igreja universal, espalhada pela terra inteira, mas compromete activamente os crismandos na vida da Igreja particular à qual pertencem, tendo como cabeça o Bispo, que é o sucessor dos Apóstolos. O jogo deste Papa não é o do monopólio. A sua Igreja não é a dos patrões. 2. Estamos no mês dos Santos Populares: a 13, Santo António, a 24, S. João e, a 29, S. Pedro. Esses santos mais antigos são valores seguros. Mesmo numa era secular e num Estado laico, as autarquias compreendem que são os santos da religião popular que marcam as festas do povo. Quem reconfigura esses santos são os seus devotos, sem pedir licença a ninguém. Têm um traço comum. A sua ocupação e preocupação é a vida e a alegria das populações. A saúde e a guarda das pessoas e dos animais, o êxito das sementeiras e das colheitas, a esperança contra os excessos da seca e da chuva, das ameaças da fome, da peste e da guerra. As promessas, as romarias, as peregrinações, o canto ao desafio e as danças dos grupos e das bandas, a partilha dos merendeiros e de uma boa pinga são a linguagem dos céus e da terra, simbolizados no fogo que leva o mundo às alturas, não o fogo dos incêndios. Os santos populares e as alminhas eram gente de casa com quem se podia contar na saúde e na doença, na tristeza e na alegria. É gente do lugarejo, é gente da freguesia, é gente do Conselho, é gente do mundo todo. Fez-se uma imagem de santos canonizados, fixos nos altares, depois de processos canónicos, mais ou menos morosos, para apanhar pó. Os Santos Populares foram canonizados pelo povo. Esses estão sempre no activo, venerados ou a quem se pede contas pelos desleixos. Deus não vive no céu e numa eternidade aborrecida e os que vão para o céu também não se vão aborrecer. Todos activos. Pouco importa a biografia histórica de cada um desses santos preferidos. Por exemplo, de Sto. António, teólogo e pregador, ficou muito pouco. Sempre com o menino ao colo, existem poucas imagens de Santo António cansado, de menino pela mão. Conta-se tanto com ele que, no dia ou na noite em que ele não atende os seus devotos, é posto de castigo. Quem acompanhar as orações a este santo, no seu Mensageiro, tem sempre uma página que lhe é dedicada. O estilo não varia muito: "Meu Santo Amigo, já me salvaste da morte. Agradeço reconhecido. Ajuda a minha família e em especial a minha filha mais velha, tu sabes quem é. Que os médicos que a seguem descubram de que padece, os assuntos da mente e do espírito são complicados. Mas confio em Ti, meu Santo António. As bênçãos de Deus para quem mais precisar. Ámen. José. "3. Os santos populares não se passeiam todos em andores. O Papa Francisco prefere ver a santidade nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e nas mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Vejo aí a santidade da Igreja militante. É a santidade "ao pé da porta", daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus ou, por outras palavras, a classe média da santidade. A santidade não consiste em ter visões, recitar orações elevadíssimas ou mostrar cara de santinho. Não é reserva da terceira idade ou de jovens que a esperam sentados. A santidade do jovem é ir em frente, ser desassossegado [2]. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Cristo não se reconhece em nenhum jogo de monopólio da santidade. O seu empenhamento é levar todos os seres humanos, seja qual for a sua idade, povo, cultura ou religião à plenitude da vida. Os santos não são concorrentes, são associados, todos membros do seu corpo místico. [1] Gl. 3, 23-29[2] As referências aos santos e à santidade foram inspiradas em Gaudete et Exsultate, do Papa Francisco, 2018, e nas recentes Audiências Gerais de 6 e 13 de Junho
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens guerra filha lei humanos cultura fome ajuda doença mulheres corpo