António Ramos Rosa candidato português a Prémio de Poesia Rainha Sofia
O poeta António Ramos Rosa é o candidato português à XVII edição do Prémio de Poesia Iberoamericano Rainha Sofia, por proposta da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). O galardão, de cujo júri a SPA faz parte, tem por objectivo distinguir o conjunto da obra poética de um autor vivo que, pelo seu valor literário, constitua uma contribuição relevante para o património cultural partilhado pela comunidade iberoamericana. O vice-presidente da cooperativa, José Jorge Letria, pôs em relevo a representatividade da obra do autor de "O incêndio dos aspectos" nas Letras portuguesas dos últimos 50 anos. "Ramos Rosa - disse ... (etc.)

António Ramos Rosa candidato português a Prémio de Poesia Rainha Sofia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2008-03-14 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20080314152319/http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1322518
TEXTO: O poeta António Ramos Rosa é o candidato português à XVII edição do Prémio de Poesia Iberoamericano Rainha Sofia, por proposta da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). O galardão, de cujo júri a SPA faz parte, tem por objectivo distinguir o conjunto da obra poética de um autor vivo que, pelo seu valor literário, constitua uma contribuição relevante para o património cultural partilhado pela comunidade iberoamericana. O vice-presidente da cooperativa, José Jorge Letria, pôs em relevo a representatividade da obra do autor de "O incêndio dos aspectos" nas Letras portuguesas dos últimos 50 anos. "Ramos Rosa - disse - é, sem dúvida, um autor com muito amplo reconhecimento em Portugal, mas não tem o reconhecimento internacional que merecia ter". Entre os autores já distinguidos com este prémio figuram João Cabral de Melo Neto, Álvaro Mutis, José Ángel Valente, Mario Benedetti, Pere Gimferrer, Nicanor Parra, Sophia de Mello Breyner, José Manuel Caballero e Antonio Gamoneda. Ramos Rosa, 84 anos, nascido em Faro, é um dos mais conceituados poetas portugueses, autor de uma vasta obra poética em que avultam títulos, muitos deles premiados, como "O Grito Claro", "Sobre o Rosto da Terra", "Estou Vivo e Escrevo Sol", "A Construção do Corpo", "A Pedra Nua", "Ciclo do Cavalo" "O Incêndio dos Aspectos", "Figuras solares", "O que não pode ser dito" e "Génese seguido de Constelações". Dos livros de ensaio que publicou destacam-se "Poesia, liberdade livre" e "Incisões oblíquas: estudos sobre poesia portuguesa contemporânea".
REFERÊNCIAS:
A menina que cresceu num jardim de 12 hectares
Carina Costa, 32 anos, engenheira agrónoma, é responsável pela classificação das plantas no Parque Terra Nostra, em São Miguel, nos Açores. Ter crescido ali, de janela aberta para aquele verde imenso, moldou-lhe o futuro. (...)

A menina que cresceu num jardim de 12 hectares
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Carina Costa, 32 anos, engenheira agrónoma, é responsável pela classificação das plantas no Parque Terra Nostra, em São Miguel, nos Açores. Ter crescido ali, de janela aberta para aquele verde imenso, moldou-lhe o futuro.
TEXTO: Ouve-se o grasnar dos patos e o chilrear dos pássaros ao longe. Serão priolos, as aves típicas dos Açores? “Não dá para ver”, responde Carina Costa, tesoura de poda numa mão e telemóvel na outra, pronta a fotografar plantas e flores, pinceladas com as mais variadas cores e feitios. Aos 32 anos, a engenheira agrónoma é responsável pela classificação destas plantas e flores. E cria muitos dos jardins que deixam os visitantes de boca aberta nas visitas guiadas que faz ao Parque Terra Nostra, um ex-líbris da ilha de São Miguel, nos Açores, com 12, 5 hectares. O último jardim que Carina fez foi o das flores cinerárias rosas e roxas, que lhe demorou mais de dois meses a desenhar. Também criou o novo Jardim da Flora Endémica e Nativa dos Açores “para dar a conhecer às milhares de pessoas que visitam o parque a flora endémica deste arquipélago”, conta, olhos grandes brilhantes de entusiasmo fixos na paradisíaca paisagem montanhosa do Vale das Furnas. Conta no currículo ainda com a reconstrução, em 2015, do Jardim de Flores que é constituído por plantas anuais. “O pico da floração é o Verão, tornando-se uma das maiores atracções do parque”, explica, enquanto segue pela alameda de ginkgo biloba, uma das mais bonitas do parque. O projecto de remodelação dos viveiros, em 2017, também teve a sua assinatura. “É uma área de desenvolvimento do parque, onde são produzidas novas plantas para o jardim e também aromáticas e hortaliças para consumo do restaurante e bar do Terra Nostra Garden Hotel”, onde o parque está integrado. A planta milenar ginkgo biloba, por exemplo, é utilizada num dos tratamentos com assinatura própria do spa do hotel: o ritual de recepção com as mãos mergulhadas em água e óleo essencial. (O Terra Nostra Garden foi considerado o melhor Hotel Boutique português nos World Travel Awards, os “óscares” do turismo mundial, em 2014 e 2016. )Entre a classificação das plantas e jardinagem do parque, a engenheira ainda arranja tempo para criar o site deste parque botânico e lá colocar roteiros e textos científicos. Um dia normal de Carina é passado entre “trabalhos científicos” a escrever e a classificar as muitas árvores, arbustos e herbáceas, e consequente criação de uma base de dados com informações sobre as diferentes espécies. “Esse foi um trabalho moroso, que até então nunca tinha sido feito, e que continua a ser desenvolvido”, conta, entusiasmada. Também introduz novas espécies no parque, como “o eucalipto de arco-íris, que é muito interessante, porque, quando ele atinge os 14 anos, se consegue ver as cores do arco-íris”. “É mesmo muito bonito. ” E quais são as plantas típicas dos Açores? “A uva-da-serra, a erica azorica e o louro-da-terra, por exemplo”, elucida, de olhos fixos no último jardim que desenhou. “Dou especial atenção e estudo as colecções de plantas existentes, como as camélias, cicadales, fetos e bromeliáceas”, acrescenta. Carina licenciou-se em 2010 e tornou-se parte da equipa do Parque Terra Nostra em 2011, mas dois anos depois foi estagiar no Ventnor Botanic Garden, em Isle of Wight, Inglaterra. Em 2014, concluiu o mestrado em Engenharia Agronómica, que resultou no livro Problemas fitossanitários nas cameleiras da Ilha de São Miguel. Quase tudo o que sabe de plantas, Carina aprendeu-o com o pai, Fernando Costa, que é jardineiro-chefe há três décadas neste parque botânico que conta já com 200 anos. “Em pequena via-o a fazer os muitos jardins, como o da colecção de fetos e de camélias”, lembra. “E ainda de bromeliáceas, que já são cerca de uma centena. O ananás, por exemplo, que é muito produzido cá, é uma bromélia”, explica Carina. Nessa altura, só queria correr pelo parque com os amigos e brincar no seu “jardim particular”, porque morava ali mesmo. Nem lhe passava pela cabeça que, um dia, iria seguir as pisadas do pai e herdar dele o gosto pela arte de jardineiro. Hoje, não se imagina “a trabalhar noutro local”. Carina teve uma infância feliz rodeada daquilo de que mais gosta: plantas e flores. “Sei bem a felizarda que sou por trabalhar aqui num dos jardins mais bonitos e ricos do mundo”, diz, sorriso de lés-a-lés, enquanto mostra uma camélia amarela, das poucas que restam nesta época, que já não é a delas. “Já não estão a dar flor. Mas costumamos ter cerca de 800 camélias cultivares”, elucida, referindo que já valeram ao parque o prémio Jardim de Camélias de Excelência, pela International Camellia Society (ICS). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Carina já não vive na casa dos pais desde os 29 anos. Mas tem saudades de acordar com as janelas abertas para um parque com 1800 plantas diferentes classificadas. Ou de, manhã cedo, ainda com a neblina no ar, tomar banho no tanque de água termal, a uma temperatura entre os 38 e 40 graus. E com a paradisíaca paisagem montanhosa do Vale das Furnas como pano de fundo. A engenheira agrónoma ainda se lembra de levar os amigos a banhos “naquela água quente de cor amarelada, com ferro, que tem propriedades terapêuticas”. Por essa altura, era quase um ídolo na freguesia. Conseguia entradas à borla para os amigos. Era o jardim de Carina, que bem lhes fazia lembrar a canção: “Fui ao jardim da Celeste, giroflé, giroflá. (. . . ) o que foste lá fazer? (. . . ) Fui lá buscar uma rosa giroflé, giroflá (. . . ). ”Carina não só foi buscar uma rosa, como já plantou centenas de flores com ou sem a ajuda do pai. E vai desfiando memórias das escondidinhas atrás das árvores e das cabanas de paus de madeira que fazia com os amigos. Das traquinices de miúda, lembra-se ainda da vez em que tanto queria mostrar aos colegas que conhecia bem “o jardim pessoal”, que acabaram por se perder e teve de pedir ajuda a um turista. “Hoje isso nunca aconteceria”, garante, enquanto solta uma gargalhada só de se lembrar do episódio que a “deixou ficar mal com os colegas”. “Conheço o parque como as palmas da minha mão. ” A paixão de Carina pelo jardim não se mede. Sente-se só de a ouvir falar como gosta de por ali estar. O jardim de flores cinerárias cor-de-rosa e roxas que fiz há pouco tempo, naquela área enorme. E ainda a colecção de fetos e de cycadales. Acaba por ser tão natural que é como se fosse o meu jardim particular. Dizia aos meus colegas na escola que era o jardim da minha casa e era bem vista nas Furnas. Criar sempre novas zonas verdes e floridas. E depois ver a reacção de espanto e satisfação das pessoas quando as vêem. As pessoas ficarem a apreciar o nosso trabalho.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola ajuda consumo estudo aves
Quem disse que a renda de bilros não pode ser doce?
Há ciência, tradição e coração por trás destas bolachas que nasceram da cabeça de duas universitárias que quiserem criar um doce embrulhado em renda de bilros de Peniche. (...)

Quem disse que a renda de bilros não pode ser doce?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.35
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há ciência, tradição e coração por trás destas bolachas que nasceram da cabeça de duas universitárias que quiserem criar um doce embrulhado em renda de bilros de Peniche.
TEXTO: É uma arte com mais de quatro séculos que terá chegado a Peniche, terra à beira-mar plantada, pelas relações comerciais entre marinheiros e pescadores vindos dos portos de Bruges e Antuérpia, na Flandres. A renda de bilros acabaria por se transformar no exemplo maior do artesanato desta comunidade piscatória pelas mãos das mulheres dos pescadores, que assim tentavam ganhar mais algum quando a pescaria dos homens não corria de feição. Só que com o tempo, a arte foi perdendo importância, e as almofadas, as linhas, os alfinetes e os bilros foram perdendo rendilheiras. Na tentativa de dar a conhecer a tradição, a câmara de Peniche bateu à porta da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, em 2015, para divulgar a renda de bilros junto dos alunos. “Era para mostrar a renda às pessoas da idade deles. Quando se pensa em rendas lembramo-nos dos naperons de casa da avó”, diz Carla Lobo, professora da escola de design. Foi assim que se lembraram de desafiar os alunos a criar peças inspiradas em Peniche, que promovessem os produtos e as actividades económicas locais. O desafio colheu entre os estudantes, que lhes apresentaram ideias de todo o tipo: de passadeiras a licras de surf, ou uma capa de telemóvel para se treinar o ponto da renda enquanto se espera o barco para as Berlengas. No ano seguinte repetiram a chamada. Nessa altura, Joana Sousa e Beatriz Barros, que estavam no final do primeiro ano do curso de Design de Produto - Cerâmica e Vidro, passaram as férias de Verão a matutar no que fazer com as rendas. Pensaram em biquínis e cestos para bicicletas, mas lembraram-se que o que vinha mesmo a calhar era adoçar o bico a turistas (e aos da terra). “Queríamos uma receita que fosse original e se distanciasse dos restantes doces tradicionais”, diz Beatriz Barros ao PÚBLICO. E que tivesse dentro o mar. Foi daí que surgiu a ideia de incorporar no novo doce as algas que existem em Peniche. A partir daí, as duas jovens, que hoje estão já a terminar a licenciatura, começaram a pensar na forma que dariam à "Renda Doce de Peniche". A responsabilidade de criar a receita e os sabores da massa passaram depois para a Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar do Politécnico de Leiria. O Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE - IP Leiria) tratou das algas. E associaram-se depois à Pastelaria Calé para que o produto pudesse ser comercializado. “As algas têm benefícios para a saúde e têm entrado a pouco e pouco na alimentação dos portugueses”, diz Susana Mendes, professora no pólo de Peniche. Podem ter antioxidantes, alto teor de fibras ou ácido fólico. As macroalgas utilizadas nas bolachas são produzidas numa aquacultura sustentável pela única empresa do país que produz algas em sistema aberto, a Algaplus, sediada em Ílhavo. Deste modo, garante-se a sustentabilidade do produto sem depender da sazonalidade das algas, explica a docente. A receita final das bolachas ficou pronta em Abril. Testaram-se vários sabores, até chegar aos três finais. Depois houve uma sessão de degustação em que a população de Peniche pôde escolher os sabores preferidos: caramelo com flor de sal, lima e gengibre. Na cozinha da pastelaria, em Peniche, a massa faz-se de açúcar, ovos, farinha, manteiga, algas, pasta de caramelo ou lima ou gengibre, consoante o sabor que se pretende. Diana e Rute, funcionárias da Calé, passam-na pelo laminador. À medida que a massa é estendida notam-se os finos fios das macroalgas que ali chegam secas e com muito cheiro a mar. O segredo da receita é mesmo a delicada cobertura açucarada, branca imaculada, como se de uma renda se tratasse. Ali não se mexem nos bilros de madeira (peças onde está enrolado o fio) para que os fios brancos se entrelacem como manda o pique, onde os alfinetes marcam o desenho que se quer fazer nascer. Sabe-se apenas que o glacé (cobertura para doces feito à base de açúcar e claras) é colocado em moldes para ficar com aspecto de renda. “Foi muito difícil chegar ao ponto”, assume o pasteleiro. Caso o glacé não esteja no ponto, é o suficiente para as “rendas” não saírem do molde, acabando por haver bastante desperdício. As rendas são depois “coladas” às bolachas, com uma espécie de calda de açúcar. Mal abrem a caixinha das bolachas (que foi também desenvolvida por uma aluna, Rita Veiga, da escola de design), é comum os clientes perguntarem-lhe se aquela cobertura, que replica a textura dos fios da renda, se pode comer e que é uma pena "destruir" à dentada um trabalho tão artesanal. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Todos os dias há bolachas na montra das pastelarias em Peniche e nas Caldas da Rainha. Por semana, Luís Calé estima que sejam vendidas à volta de 200 caixas. Cada uma leva 12 bolachas – quatro de cada sabor – e custa sete euros. As vendas, admite Luís, têm "superado as expectativas". "Há dias em que não conseguimos responder [a todos os pedidos]", diz. A Renda Doce de Peniche não é a primeira parceria do Politécnico de Leiria com o Grupo Calé. Têm já a andar alguns projectos de investigação que incorporam macroalgas marinhas em alimentos tradicionais, como é o caso do pão de algas, que não leva qualquer tipo de sal.
REFERÊNCIAS:
“No Brasil, a polícia acredita que o povo preto é o povo suspeito. E que ele deve ser executado”
Cineasta, activista e educadora, Rosa Miranda integra uma nova geração de realizadoras negras brasileiras que fazem do cinema independente uma arma de intervenção política e de afirmação identitária. O presente (e futuro) do Brasil está a passar por aqui. O P2 conversou com a cineasta na recta final da sua primeira tour em Portugal. (...)

“No Brasil, a polícia acredita que o povo preto é o povo suspeito. E que ele deve ser executado”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento -0.16
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cineasta, activista e educadora, Rosa Miranda integra uma nova geração de realizadoras negras brasileiras que fazem do cinema independente uma arma de intervenção política e de afirmação identitária. O presente (e futuro) do Brasil está a passar por aqui. O P2 conversou com a cineasta na recta final da sua primeira tour em Portugal.
TEXTO: Rosa Miranda filma o Brasil que as elites do país tendem a querer apagar. O Brasil LGBTQI, o Brasil da juventude negra activista, o Brasil das tensões raciais e das opressões de género. Um Brasil que existe e resiste apesar das forças reaccionárias, que nos últimos anos têm sido em parte personificadas pelo governo do Presidente Michel Temer (“presidente golpista”, sublinha Rosa); nos últimos meses por Jair Bolsonaro, candidato de extrema-direita à presidência nas eleições de 7 Outubro. Fundadora e directora do Kbça D’Nêga Produções, colectivo militante e produtora audiovisual independente nascida em 2014 no Rio de Janeiro, Rosa Miranda é a primeira mulher negra formada na licenciatura em Cinema & Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (UFF). A cineasta, educadora e curadora do Cineclube Atlântico Negro passou por Portugal entre Julho e Agosto numa tour de 19 dias, com paragens no Avanca Film Festival, Porto e Lisboa, para apresentar o seu último documentário, Privilégios (2018), participar em debates, orientar uma masterclass e dar a conhecer os filmes das realizadoras negras brasileiras Leila Xavier, Marise Urbano, Milena Manfredini e Ethel Oliveira. Encontrámo-nos com ela dois dias depois da sessão esgotada na Casa do Brasil, em Lisboa. Conta-nos como conheceu a vereadora Marielle Franco, meses antes de ter sido assassinada no Rio de Janeiro. As palavras de Rosa têm muita força, muita urgência. Muita vida e muita visão. Faz questão de sublinhar a importância do sistema de quotas raciais introduzido pelo governo de Lula da Silva, medida que permitiu aumentar o acesso às universidades de estudantes negros, pardos e indígenas de classes baixas. Num país onde há “um genocídio do povo preto”, diz Rosa, a educação é sinónimo de “ascensão social” e empoderamento. Também por isso está a fazer um mestrado em cinema. Quer ser a primeira professora negra do Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF. Em breve começa a preparar o seu novo filme, uma curta-metragem de ficção inspirada na mãe e na avó e com uma equipa só de mulheres. Porque a representatividade e a mudança passam por quem está “por trás da câmara, não apenas à frente dela”. Tudo conta. “É preciso ter mulheres negras na direcção dos filmes, mas também é preciso ter um olhar sobre a nossa oralidade e sobre a fotografia do negro – a luz do cinema está pensada para o corpo branco, as próprias câmaras são calibradas pelo corpo branco”, nota Rosa Miranda. “No Privilégios inverti essa lógica: usei uma luz feita especialmente para os corpos negros serem valorizados. ”Como começou a estudar cinema?Fiz um curso numa favela, no Morro da Babilônia, chamado Viajando na Telinha, de 2005 a 2006. Aí comecei a entender como era o cinema, mas ainda o cinema hegemónico, norte-americano e europeu, mais voltado para o mainstream. O curso era de graça, todos os dias das 18h às 22h. Eu saía do trabalho às 18h, chegava lá entre as 19h e as 20h. Comecei a ficar muito cansada e afastei-me do cinema até 2008, quando faço o vestibular [prova de acesso ao ensino superior] para o Estácio, uma universidade privada no Rio de Janeiro. Consegui uma bolsa para o primeiro ano. No segundo ficou complicado, tinha de pagar. Mas continuei a estudar e a trabalhar. Entretanto descobri a licenciatura em Cinema & Audiovisual na Universidade Federal Fluminense [UFF], que é pública. Na época ainda não havia quotas raciais e consegui entrar. Sou a primeira mulher negra formada nessa licenciatura. A licenciatura era muito focada na epistemologia branca? Livros, filmes, professores…Sim, tudo. Mesmo hoje, o instituto de que esse curso faz parte [Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF] não tem professores negros. E no que toca aos alunos, mesmo com as quotas raciais ainda é um campus muito branco. Existe uma enorme quantidade de fraude nas quotas. Pessoas que dizem ser negras mas não são. Como é que pessoas brancas passam por negras?É através de uma autodeclaração, por escrito. A pessoa faz uma marcação. Depois, dentro das secretarias, não se confere, não se pergunta ‘você é preto, mesmo?’. Agora, na UFF, foi constituída uma comissão para averiguar estes casos de pedido de quota racial. Fizeram-se entrevistas presenciais e gravadas com as pessoas que se declararam negras e essas pessoas faziam coisas absurdas para passarem por negras. Por exemplo?Bronzeamento artificial antes da entrevista. As entrevistas eram previamente marcadas. As pessoas iam bronzeadas, faziam blackface, entrançavam o cabelo, faziam rastas. Na hora em que tinham de afirmar ‘eu sou negro’ para a câmara, não saía. Essas fraudes acontecem também noutras universidades, em todo o Brasil?Em todo o Brasil. Fico enraivecida. Isto é um crime e tem de ser encarado como um crime. As pessoas têm de entender que [o sistema de quotas raciais] é uma reparação histórica em relação a um povo a quem sempre foi negado o direito de chegar às universidades, incluindo com políticas públicas. Chegou a ser proibido o negro entrar na universidade e ainda hoje entrar lá é um tabu. Isso vem de um discurso racista enraizado e legitimado politicamente de que as pessoas negras e indígenas têm um lugar secundário na sociedade?Tem tudo a ver com a construção de nação do Brasil a partir da negação do negro. A total exclusão de uma população que é maioritária no país. Quando essa maioria não consegue ter acesso a dinheiro, a única possibilidade de ter ascensão social é através da educação. Quais são hoje as expectativas de um jovem negro favelado no Rio Janeiro? Ou vai para jogador de futebol ou vai para o tráfico. E as meninas? Vão para o tráfico também, ou tentam uma carreira como modelo, ou vão para a prostituição. Precisam de dinheiro, a fome não espera. Estas pessoas têm a pior educação, as piores escolas; não têm acesso a teatros, a museus. As quotas são uma das formas de essas pessoas ascenderem socialmente. Não se pode, portanto, falar em meritocracia. Pegando nas palavras da escritora brasileira Conceição Evaristo numa entrevista à BBC Brasil: “O discurso da meritocracia e os exemplos de pessoas negras que se acabam constituindo uma excepção são perigosos. Porque cria-se esse imaginário de que se a pessoa estudar, trabalhar, se esforçar, ela consegue. Isso é mentira. ”É mentira porque a corrida é desigual logo à partida. E nem todo o preto tem um amigo com dinheiro para investir na ideia dele. Nem todo o preto tem uma pessoa que vai dizer “tu vais conseguir”. Pelo contrário, as pessoas passam o tempo todo a dizer que não vais conseguir. É preciso uma força sobre-humana para acreditarmos em nós mesmos. Como é que conseguiu?Com muito post-it. Tenho vários post-its a dizer “você é capaz”, “você é linda”, “você é maravilhosa”. Na minha casa, no espelho, na cozinha. E assim sigo o meu dia. Cada “não” que ouço vai ser um “sim”. Eu sei da minha capacidade e quero que as pessoas negras saibam da capacidade delas. Trouxe várias mulheres negras a Portugal através dos seus filmes porque elas são capazes, e muitas outras também o são. Foi também por isso que criou o Kbça D’Nêga?O Kbça é um colectivo que surgiu a partir de um site que eu ia fazer com portefólio meu. Chamei alguns amigos para fazer uma sessão de fotos numa tarde de domingo. Aí surgiu a ideia de fazer um filme. Avançámos. Mais tarde, em 2016, descobri através da comunicação social que um amigo meu, Diego Vieira Machado, tinha sido assassinado dentro do campus da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Fiz então o filme Da Minha Pele [2016], em homenagem ao Diego. O filme estourou, foi para vários festivais de cinema no Brasil. E foi também nesse momento que o Kbça estourou. Nesse processo, um amigo meu, que também integra o Kbça, descobre que tem sida. 21 anos, negro, tinha acabado de conseguir entrar na universidade. Eu queria registá-lo, eternizá-lo. Então fizemos o Bixa Preta [2016]. Seguiram-se outros filmes, sempre numa produção colectiva feita no amor. Não recebemos dinheiro. Tendo em conta a falta de recursos financeiros e as barreiras raciais, de género e de classe, quais são as estratégias desta nova geração de realizadoras negras brasileiras para fazer o seu cinema e para o divulgar?As estratégias são as produções colectivas. E associações como a APAN [Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro], que mobiliza e divulga eventos sobre cinema negro, bem como os cineclubes. Mas ainda há resistência por parte das curadorias em apostar em filmes negros. No Kbça a distribuição é feita através de inscrições em festivais, mas é complicado. É um trabalho de formiguinha. Fazer estes filmes é uma questão de sobrevivência?Sim. É necessário. Não é mais permitido que estes assuntos não sejam debatidos. E quando chegamos a um determinado patamar, outras pessoas negras pensam: “Se ela conseguiu, eu também sou capaz”. A representatividade. É extremamente importante. Se não temos uma referência fica ainda mais difícil conseguir. Hoje sei que temos, pelo menos, mais de 30 realizadoras negras no Brasil, mas quando eu comecei não tinha referências. Elas existem, mas não lhes é dada visibilidade. E quando nós reivindicamos um lugar, é vitimização, ou é porque somos combativas – outro estereótipo da mulher negra. A mulher negra tem de ser guerreira, tem de aguentar qualquer coisa. Se aguenta qualquer coisa, aguenta até partos sem anestesia. Esse tipo de violência reprodutiva contra mulheres negras ainda é recorrente no Brasil?É. As mulheres negras têm prescrição para receber menos anestesia porque supostamente são mais fortes. É este tipo de mitos eugenistas que sustentam o genocídio do povo negro no Brasil. A maioria das mulheres que morrem durante o aborto são mulheres pretas – as mulheres ricas e brancas vão fazer numa clínica particular, em segurança. As mulheres vítimas de maus-tratos durante o parto são sobretudo mulheres negras. Só na minha família conto, pelo menos, cinco casos de mulheres que morreram durante o parto. Sei de alguns casos que estão a acontecer agora, em São Paulo, de mulheres que chegam ao hospital para ter o filho e depois laqueiam-lhes as trompas. Quem são essas mulheres? São mulheres analfabetas, de populações muito pobres. Mandam assinar um documento sem elas saberem ler, no meio da dor do parto. Esse genocídio de que fala estende-se também ao sector da política, como vimos com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, em Março. A Marielle… [suspiro profundo]. Lutamos tanto para ter alguém a representar-nos politicamente e essa pessoa é arrasada. Eu conheci a Marielle em Novembro, quando estava a fazer assistência de câmara do filme As Filhas de Lavadeiras. Depois, em Março, vejo que ela levou quatro tiros na cabeça. E até hoje os culpados ainda não foram presos. Toda a gente sabe que foi um crime político. O Brasil é o país onde mais se mata pessoas LGBT. É o país onde mais se mata pretos – a cada uma hora são assassinados três jovens negros. Quando soube do assassinato da Marielle fiquei uma semana sem sair de casa, com medo. Não consegui ir às manifestações. Às vezes parece que não adianta ter um post-it a dizer que você é maravilhosa quando a pessoa que representava tudo isso é assassinada. E quando no dia seguinte à morte dela é executada uma criança de um ano. E quando dois dias depois é assassinada mais uma jovem negra, de 20 e poucos anos, numa favela onde há helicópteros a atirar balas lá de cima. Ainda em Junho, Marcos Vinícius, um menino de 14 anos, foi baleado na Maré [favela no Rio de Janeiro] quando ia para a escola, durante uma operação da polícia com o apoio do Exército. O que é que essa criança fez de mal? Não é bala perdida, é bala certa. No Brasil, a polícia ainda acredita que o povo preto é o povo suspeito. E que ele deve ser executado. A maioria da população brasileira encarcerada é negra. O feminicídio de mulheres negras aumentou, enquanto o das mulheres brancas diminuiu. Como é que a gente consegue respirar? É um desespero. Sente que ser activista negra no Brasil é estar sempre à beira da morte?Mas também com esperança de que algo vai mudar. Eu não quero ser mártir. Ninguém quer. Só queremos que essa mudança aconteça o mais rápido possível. Eu tento fazer as pessoas reflectirem através da minha arte. Não sei se vou conseguir, mas estou a tentar. E quando vejo uma Casa do Brasil [em Lisboa] lotada, sei que estou no caminho certo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nota algum progresso na consciencialização da população branca brasileira em relação à violência sobre as populações negras e indígenas?Podem ter consciência, mas poucas pessoas brancas falam sobre isso. Têm dado algumas aberturas, mas, quando mexe com o privilégio delas, é difícil. É a questão da branquitude crítica, que critica esse sistema mas não revê o seu. E ainda há empresas que vendem esse país como um país branco, quando não é. Relativamente às eleições que se aproximam: como explica, num país maioritariamente negro, que um político de extrema-direita e com um discurso racista como Jair Bolsonaro lidere as intenções de voto na primeira volta?No Brasil existe uma junção entre a religião evangélica e a política. A bancada evangélica está a dominar, e muitos deles são grandes empresários também, o que prejudica ainda mais o acesso a informação independente nos media. Vemos um crescimento absurdo dessas igrejas. Muita da população que frequenta esses espaços é negra e não percebe o quão racista é essa religião. E há também a questão da milícia, que ameaça subliminarmente ou coage os moradores de favelas para votar em determinados candidatos. “Vou dar-te 50 reais para votares em mim”. Ou “se votares em mim dou emprego ao teu filho”. As pessoas são tão pobres que aceitam, por uma questão de sobrevivência. Henrique Vieira é um pastor evangélico de esquerda, militante do PSOL, que se assume como feminista, anti-racista, activista pelos direitos LGBT e pela legalização do aborto. Segundo ele, se a esquerda não cultivar o diálogo com os evangélicos, não conseguirá ter um projecto popular. Concorda?Estive numa conferência com Henrique Vieira e acho-o muito coerente. A sua figura é importante neste momento em que há tantos extremos. Porém, acredito que religião e política não se devem misturar, já que o Estado brasileiro é laico. [Como] o Henrique pode haver outros, mas não se posicionam [politicamente]. Como dizia Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem carácter, dos sem ética. . . O que me preocupa é o silêncio dos bons. ”
REFERÊNCIAS:
Catarina Martins: Metro e meio de contestação, teatro e garra
Há quatro anos, António Costa e Catarina Martins não eram líderes partidários. Passos Coelho prometia não cortar salários. Paulo Portas foi a votos sozinho. Jerónimo de Sousa foi a Havana falar com Raúl Castro. Este é o primeiro artigo da série "Quatro anos que mudaram a vida deles (e a nossa)." (...)

Catarina Martins: Metro e meio de contestação, teatro e garra
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.16
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há quatro anos, António Costa e Catarina Martins não eram líderes partidários. Passos Coelho prometia não cortar salários. Paulo Portas foi a votos sozinho. Jerónimo de Sousa foi a Havana falar com Raúl Castro. Este é o primeiro artigo da série "Quatro anos que mudaram a vida deles (e a nossa)."
TEXTO: "O habitante do número 667 daquela rua era um homem absolutamente normal: pai de família, bom profissional, empreendedor. Apenas uma coisa perturbava o doce correr dos seus dias: a estranheza que emanava da casa ao lado, o aspecto bizarro e as movimentações suspeitas do seu vizinho. Este vizinho do lado transforma-se lentamente na personificação de todo o mal. ” A sinopse da peça, de que Catarina Martins é co-autora, foi à cena no Rivoli, em 2003, mas diz muito sobre o que se passa hoje. A porta-voz do Bloco de Esquerda, que também a interpretou e encenou na companhia Visões Úteis, escolhe-a para personificar os últimos quatro anos políticos em Portugal e na Europa. “O pai passa a vida a olhar para a janela e a fazer especulações; e com medo do que há-de vir lá de fora deixa deteriorar completamente a vida dentro de casa e desfazer-se a família. O medo contamina todas as decisões, normalmente as piores decisões. Isso lembra a forma como a Europa se está a comportar”, descreve Catarina. Deixou o teatro em 2009, quando foi eleita pela primeira vez deputada do Bloco, mas é actriz que ainda se sente. A passagem entre os dois mundos não foi assim tão estranha, afinal, “teatro é política”. “Há alguma coisa mais política do que as pessoas estarem juntas numa sala a ver uma parte ou uma leitura do que é a vida colectiva, a reflectir sobre o momento de uma forma colectiva? Não há nada mais político do que isso!” E a Visões Úteis, que ajudou a fundar em 1994, no Porto, é uma companhia com uma “visão política e de esquerda e ‘dos de baixo’, tanto pelo tipo de reflexão e de autores, como pelo tipo de trabalho” — em teatros mas também no espaço público, incluindo aldeias do interior transmontano, do Alentejo ou das Beiras, prisões, bairros sociais, mas também na Galiza, descreve Catarina. No palco como na política, por muita companhia e generosidade que se tenha em volta, “há um momento em que se está sozinha frente à responsabilidade”. Foi o teatro que a levou para a política formal. E demorou quatro vezes mais tempo a tornar-se militante do que a chegar à liderança do partido. O espírito de contestação de Catarina Martins já vinha desde a malograda PGA, a prova geral de acesso obrigatória para o 12. º ano no arranque da década de 90. Continuou na luta contra as propinas, em Coimbra; acompanhou-a até ao Porto, onde fundou uma associação teatral com forte pendor social. Andou perto do PSR, mas nada de orgânico, e aproximou-se do Bloco de Esquerda nos primórdios do partido. Lembra-se de enviar por email, em 2002, uma ficha de inscrição de militante no Bloco, que terá acabado perdida no buraco sem fundo em que a Internet parece às vezes transformar-se. E nunca mais se preocupou com isso. Nem mesmo quando em 2009 redigiu boa parte do capítulo sobre cultura do programa eleitoral bloquista. “Só não era militante por acidente”, desvaloriza, encolhendo os ombros. Em 2010, já com o cartão de deputada do BE à Assembleia da República no bolso, decide que não faz sentido continuar como independente, sem fazer parte da discussão política em estruturas como a comissão política ou a mesa nacional, quando a sua intervenção era já tamanha. E alistou-se. Apenas dois anos depois era indicada por Francisco Louçã, o carismático líder bloquista, para lhe suceder numa coordenação paritária com João Semedo. Agora, integra a comissão permanente (de seis dirigentes) e é a porta-voz do partido. Contas feitas, está à frente do partido há três anos — talvez os mais complicados da vida do Bloco. Mas já lá vamos. Lá por casa, em Aveiro, os corredores sempre respiraram política. À esquerda, bem à esquerda. O pai e o irmão até estiveram na fundação do Bloco, mas Catarina garante que não foi isso que a influenciou — aliás, nem se chegaram a cruzar no partido porque quando ela entrou o pai já não estava no activo. A jovem estudante que aos 18 anos seguiu para Direito em Coimbra e no 3. º ano se perdeu de amores pelo teatro diz ter feito sozinha as suas opções políticas. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas — o ideal para seguir dramaturgia —, fez mestrado em Linguística e tem um doutoramento suspenso (falta a tese) sobre Linguagem e Envelhecimento. Quem a levou para o partido foi o sociólogo e então deputado João Teixeira Lopes. Já a conhecia das andanças culturais no Porto quando a convidou para número dois da sua lista à autarquia portuense, em 2005. Não foi eleito, mas a ligação não mais se quebrou. “Espero que o marido e as filhas um dia me perdoem por a ter roubado para a política”, ri-se o antigo deputado. Conhecia Catarina da Visões Úteis mas também da Plateia — Associação de Profissionais das Artes Cénicas, onde ela tinha funções directivas. Foi essa polivalência que o impressionou. “Fez-se um click quando li algumas peças que escreveu. Porque ela era dramaturga, actriz, encenadora, produtora cultural e gestora. É muito difícil encontrar alguém que faça a ponte entre a parte programática da gestão e a criatividade e tenha a capacidade de liderança que ela mostrava. Quem está nos activismos sabe que estes são perfis especializados e que nem sempre comunicam entre si. ”Desafiou-a para a lista do BE pelo Porto em 2009, atrás de João Semedo e José Soeiro, dizendo que podia partilhar a vida entre Lisboa e Porto. Catarina diz rindo que “sabia que estava a ser enganada” e demorou apenas um dia a acertar a resposta com a família. Foi eleita e teve de mudar parte da sua vida para Lisboa — ela, o marido e as duas filhas (Pedro Carreira continua a ter trabalho no Porto e a família anda constantemente em viagem, “temos sempre o Alfa Pendular”). Deixou a gerência e passou para a sogra a quota maioritária de uma sociedade de turismo rural em Gaia (ficou com apenas 4%) e encerrou a actividade como actriz. No Parlamento, acompanhava sobretudo as áreas sociais, culturais e educação. O que se seguiu foi um percurso “rápido mas natural”, considera Teixeira Lopes. “Nunca teve nenhum tipo de apoio aparelhístico nem apadrinhamento. Impôs-se pelo seu talento e trabalho. ”Os últimos quatro anos foram os mais atribulados na curta vida de década e meia do Bloco de Esquerda. Depois do máximo histórico de 16 deputados em 2009, as legislativas antecipadas de Junho de 2011 foram um desastre, elegendo apenas oito. Não conseguiram chegar ao Parlamento nomes fortes como José Manuel Pureza, José Gusmão, Helena Pinto (que entraria para substituir Louçã) ou José Soeiro (o terceiro pelo Porto, que substituiu depois João Semedo). O partido teve “os votos que o povo entendeu que merecia”, assumiu Francisco Louçã. A sua demissão não estava em cima da mesa, assegurou. Acabaria por sair um ano e três meses depois, já com a sucessão pensada: uma coordenação paritária de Semedo e Martins — uma solução, diz Louçã à Revista 2, não de sua autoria, mas de Miguel Portas, que importou um modelo que funciona na Alemanha e na Suécia para aligeirar a carga pesada que tem a figuração única na liderança de um partido e acentuar a participação igual de homens e mulheres. Ela era dramaturga, actriz, encenadora, produtora cultural e gestora. É muito difícil encontrar alguém que faça a ponte entre a parte programática da gestão e a criatividade e tenha a capacidade de liderança que ela mostravaA expressão vai integrar a lista de termos endógenos do Dicionário do Bloco de Esquerda que será lançado dentro de duas semanas — depois, seguir-se-ão os dicionários dos outros partidos. “Tem uma entrada para ‘coordenação paritária’, com o historial do processo no Bloco, explicando que surgiu com o intuito de estabelecer alguma novidade no panorama político nacional, mas também admite que não fomos bem-sucedidos, embora na teoria tenha sido um bom modelo”, conta João Teixeira Lopes, que coordena a obra com José Soeiro. Foi uma “tentativa de modernizar a política” que não resultou, admite Louçã e espeta a agulha: às críticas internas e externas, os bloquistas respondem com as “vistas curtas” que Portugal ainda tem nestes assuntos. Houve um problema comunicacional, reconhece a eurodeputada Marisa Matias; a envolvente política não ajudou, acrescenta Fernando Rosas. A que se somou a doença de João Semedo, que o obrigaria a retirar-se do Parlamento. A ideia de serem precisas duas pessoas para substituir Louçã dava uma imagem de incompetência. Em Novembro de 2012, Catarina e João não receberam uma herança fácil. Louçã tinha uma liderança “afirmada e carismática”, reconhece Rosas. E os tempos eram de “derrota para as esquerdas na Europa, com a imposição de programas de austeridade em vários países, e um refluxo social e político das posições antiausteridade que se reflectiram mais no Bloco do que no PCP”. Houve uma “relativa incapacidade de reagir”, admite o historiador e fundador do BE. Mas era uma mudança de liderança necessária — “Os partidos de esquerda não podem passar a vida a dizer que é preciso mudar e depois não o fazerem. Mas ninguém abandona as causas nem o partido”, assegura Rosas. O processo da sucessão levantou celeuma entre as várias facções que compõem o Bloco (PSR, Política XXI e UDP). Ainda antes, em Junho de 2011, Rui Tavares e Louçã desentenderam-se nas redes sociais por causa dos nomes dos fundadores do Bloco — o eurodeputado deixou a delegação do partido no Parlamento Europeu e mudou-se para os Verdes. E em Abril de 2012 o partido ficou órfão de um dos fundadores, com a morte de Miguel Portas. O “caminho das pedras” ficou ainda mais difícil quando o Bloco perdeu também força nas autárquicas e mais ainda nas europeias de 2014, elegendo apenas Marisa Matias. Além de Tavares, foram saindo do partido nomes como Joana Amaral Dias, Ana Drago, Daniel Oliveira ou Gil Garcia. João Semedo resume: “Desde o desaire eleitoral de 2011, o Bloco esteve debaixo de fogo dos adversários, que não perderam a oportunidade de tentar apagar-nos do mapa político, promover a divisão e estimular a formação de outras forças para enfraquecer o campo da esquerda. Tudo serviu para atacar o Bloco. ” Tavares e os quatro últimos envolveram-se na criação de movimentos e partidos à esquerda, parte deles defendia um rumo de aproximação do Bloco ao PS, que Catarina sempre recusou — “Não fazemos parte do pântano, do rotativismo. Nascemos para romper o bipartidarismo. ”Este é o reduto do Bloco, aponta precisamente o marketeer Pedro Bidarra. “Ninguém espera que o BE vá governar; é um partido de contestação. Catarina Martins é uma óptima actriz que veste a personagem dos movimentos e com ela o Bloco ainda triunfou mais nessa linha do teatro da contestação. Ela encarna muito bem essa esquerda que só luta: tem a energia, o espírito e o histerismo contestatário. Só lhe falta a boina basca. ” Bidarra realça que os movimentos se fazem “à volta de um líder e um grupo de fanáticos iniciais que traçam uma linha na areia para dizer ‘nós somos isto e nunca vamos passar para o lado de lá’”. Por isso, quando apareceram no Bloco militantes a defender uma aproximação ao PS, foram apontados como os traidores à matriz original do Bloco. E a solução foi a saída, acrescenta o especialista em marketing. Sobre as saídas de alguns militantes, Catarina Martins não se alonga. Diz não ter privado com Rui Tavares, mas era próxima de Ana Drago. Profissionalmente, entenda-se, porque o seu círculo de amizades “não se confunde com o Bloco” nem estimula as relações pessoais no partido. Não se zangaram, mas afastaram-se. De quem se aproximou foi de Marisa Matias, que antes fora crítica da coordenação dupla. Não fazem vida social nem trocam prendas, mas partilham ideias sobre livros. Olhando para os últimos quatro anos, Louçã encontra explicação para as dificuldades do Bloco não só interna como externamente. “Foram tempos terríveis para Portugal, ficámos numa situação de grande vulnerabilidade social e com um sistema político incapaz para dar respostas aos problemas”, que acentuou a desmoralização e aumentou a divisão à esquerda, numa pulverização de movimentos que não ultrapassarão o 1% nas eleições. Apesar de tudo, Semedo continua a acreditar que a coordenação a dois foi uma decisão acertada, tal como também o foi, em Novembro de 2014, na última convenção, mudar o modelo de representação. Perante o impasse com uma votação empatada entre a sua lista e a de Pedro Filipe Soares, o médico propôs o modelo que está em vigor: uma nova direcção com seis nomes, representando todas as sensibilidades, Catarina como porta-voz e Pedro Filipe Soares na presidência da bancada. Paz, finalmente?“Decisões acertadas não quer dizer que não tenham tido ou trazido problemas. Mas tudo isso é passado, o saldo é francamente positivo: o Bloco tem uma direcção eficaz, unida e muito activa. E a Catarina Martins, vencendo o marialvismo que há na política portuguesa, tem afirmado muito bem o projecto e a proposta do Bloco, seja sobre o país, seja sobre a política da União Europeia”, realça João Semedo. Rosas, Louçã, Marisa Matias e Teixeira Lopes são unânimes nos elogios rasgados a Catarina Martins e no que representa para a recuperação do Bloco. Dela dizem que tem aprendido e afinado bem o discurso, é clara, prepara-se bem e tem nervos de aço. Prova disso foi o desgaste e a pressão de que Catarina e Semedo foram alvo durante a liderança paritária. E na passagem para o novo modelo, como porta-voz, ela foi capaz de “sarar algumas feridas”, “estabelecer pontes e comunicação entre as várias sensibilidades do Bloco”, unir os dirigentes, apresentando-se como alguém que dialoga com todos, mas que tem firmeza e que “tem uma visão do campo de esquerda”. Isso já se nota nas sondagens, com o partido numa tendência sistemática de subida, destacam os bloquistas. Louçã realça a contribuição de Catarina para a emergência de novos dirigentes e a ajuda da “rock star” Mariana Mortágua. “Foi tudo bom, foi tudo perfeito? Claro que não, mas julgo que o Bloco esteve muito bem naquilo que conta: defender as pessoas da austeridade e da pobreza, combater os credores, os mercados, a troika e o Governo”, resume Semedo. A Catarina Martins, vencendo o marialvismo que há na política portuguesa, tem afirmado muito bem o projecto e a proposta do BlocoCom um Bloco em 2015 tão diferente do de 2011, não foram só os nomes que foram mudando. O pensamento do partido também. Se Catarina Martins não defende a saída do euro e prefere centrar a questão na renegociação da dívida, Louçã defende que Portugal “não tem alternativa que não seja preparar-se sistemática e competentemente” para a saída da moeda única. Porque “o tempo corre contra nós” e se a Grécia tivesse tomado essa iniciativa há meio ano teria mais possibilidades de enfrentar Angela Merkel. O Bloco sempre olhou com enlevo para o percurso do Syriza, é o seu “partido irmão”, tomou-lhe a alegria das vitórias e as dores das derrotas. Enchia os discursos dentro e fora do Parlamento com a coragem helénica quando Atenas se rebelou contra o plano de austeridade no dia a seguir à vitória de Alexis Tsipras. Afinal, havia outro caminho, gritaram insistentemente Catarina, Marisa e outros bloquistas que foram repetentes em manifestações de apoio ao Syriza na Grécia. Louçã concorda que “não procurar uma aliança [do Bloco ao Syriza] era uma forma de cobardia política que não tem sentido na Europa, porque são precisas ideias novas à esquerda, soluções europeias”, e subscreve a aposta do Bloco em como a Grécia poderia ajudar Portugal a enfrentar a questão da dívida, servindo de candeia. Ainda assim, Louçã e Semedo, contidos, defendem que a posição bloquista devia ter sido “menos efusiva”, sobretudo no referendo. O fundador do Bloco e a porta-voz admitem a desilusão quando Tsipras, mesmo depois do redondo “não”, aceitou o novo resgate em troca de mais austeridade. Entre os bloquistas, recusa-se a ideia de “capitulação”; Marisa diz que a opção era entre a peste e a fome e que o Syriza subestimou a vontade real da Europa de não negociar. Agora que boa parte da chama se apagou em Atenas e até Tsipras se demitiu, o megafone no Bloco foi-se calando. Catarina diz que não gostou que o chefe do Governo grego aceitasse o resgate e muito menos que se demitisse. “O Syriza foi confiante demais. Devemos ter prudência”, disse à Revista 2 poucas horas depois de se saber da demissão. Sem as bandeiras do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou o aborto e com a co-adopção metida na gaveta pela direita, o Bloco conseguiu ainda assim algumas vitórias. Catarina, Marisa e Semedo lembram os pedidos de inconstitucionalidade de normas dos orçamentos que o tribunal foi aprovando, que o Bloco começou sozinho arregimentando alguns deputados socialistas. Mas também houve, por sua iniciativa, avanços na criminalização da violência doméstica, trabalho reconhecido em comissões de inquérito como as dos submarinos, PPP [parcerias público-privadas], estaleiros de Viana e sobretudo do GES/BES. Apresentou uma moção de censura e votou a favor das outras cinco. E o que foi o pior? “Não conseguir travar a austeridade. ” Marisa Matias recusa a perda de bandeiras e de espaço de influência do partido. “O Bloco foi o partido que se empenhou fortemente em todos os espaços de luta contra a austeridade, a troika e o Governo PSD-CDS, sem qualquer sectarismo ou controleirismo. Estivemos na Auditoria Cidadã à Dívida, no Congresso das Alternativas, nas gigantescas manifestações do Que se Lixe a Troika, nas Aulas Magnas, nas greves gerais e outras lutas sindicais, nos movimentos sociais e populares contra as privatizações, os ataques à escola pública e ao SNS [Sistema Nacional de Saúde], contra os cortes nos salários, nas reformas e nos apoios sociais. O Bloco esteve na rua e no Parlamento, tanto na luta como na proposta alternativa, no protesto mas também no projecto de esquerda”, descreve João Semedo. O trabalho parlamentar é planeado na reunião semanal dos coordenadores e deputados; as intervenções de Catarina Martins no plenário são trabalhadas com os assessores Catarina Oliveira e Pedro Sales. Trocam-se ideias, informações sobre os temas quentes e os que o Bloco suscita. E tenta pensar-se fora da caixa, com acções diferentes, como quando a bloquista criticou o executivo por governar constantemente contra a Constituição e, em pleno debate quinzenal, ofereceu a Passos Coelho uma edição em miniatura da Lei Fundamental que o Parlamento estava a oferecer aos alunos que o visitavam. Para ver se o primeiro-ministro finalmente a lia e compreendia, justifica Catarina. Ou quando os deputados bloquistas, há semanas, empunharam cartazes de apoio à Grécia. Mas a linguagem forte, crítica e directa é preparada apenas pela porta-voz. Admite que escolhe um tipo de discurso e cadência da linguagem consoante a situação — e os debates quinzenais, transmitidos em directo na rádio e TV, alvo de análise pelos comentadores e com repetição certa nos ecrãs, valem pelas frases bombásticas, pelos dedos em riste, pelos trocadilhos que agradam ao povo. Já chamou mentiroso a Passos Coelho sob diversas formas. Uma delas provocou celeuma. Disse-lhe que a sua palavra não valia nada e colocou-lhe uma questão. Na volta, o primeiro-ministro disse-lhe que se o que dizia não valia nada então não lhe respondia. Os deputados bloquistas protestaram, abandonaram a sala e pediram uma conferência de líderes especial sobre a condução dos debates. A presidente do Parlamento rejeitou. Sorriso largo, ar de miúda num corpo que faz 42 anos de amanhã a uma semana. Com uns olhos verdes brilhantes que a escassa maquilhagem diária não realça, é apenas nas idas à televisão que Catarina Martins tem ido variando o estilo. Ora um cabelo mais armado que lhe dá um ar mais conservador, ora um penteado escorrido que lhe dá uma aparência moderna. No gabinete da caracterização dos canais de televisão, lá vai mudando o estilo, mas depois de sair do ar Catarina Martins mete os dedos nos cabelos, vira a cabeça para baixo, e lá os vai puxando, amachucando, soltando a laca para tentar voltar ao seu estilo descontraído. Das mãos da maquilhadora, porém, sai sempre com os olhos verdes realçados a lápis e rímel. Apesar da sua aparente despreocupação com a aparência, uma vista de olhos pelas fotografias revela, por exemplo, que passou a pintar os cabelos brancos que já pontuavam sobretudo a franja, e deixou de aparecer em público com um pequeno rabo-de-cavalo apanhado de forma descuidada. Mas manteve a regra de acompanhar a blusa com um colar de artesanato. Vestidos ou saias são peças raras, aparece de botas de cano alto no Inverno, e no Verão permite-se sandálias de salto largo. Pensar que pode ser questionada sobre a sua vida pessoal deixa-a de pé atrás. Tem uma actividade profícua nas redes sociais, sobretudo no Twitter, Facebook e Instagram. Por ali coloca fotos da sua vida extra-Bloco, sempre sem identificar as duas filhas, de 13 e 9 anos, outras pessoas com quem esteja ou até os locais. Também aparece Carlier, uma das personagens de A Frente do Progresso, de Joseph Conrad, que Catarina traduziu e adaptou para a Visões Úteis — e de que o marido, Pedro Carreira, foi um dos intérpretes. O pequeno boneco recortado em papel ora se encosta a um ferro de engomar antigo ou a um avião de Lego, ora acompanha a caveira do esqueleto Jeremias, a quem já falta um dente. Nas férias, publicava imagens de uma lagoa, um pinhal, uma praia, um castelo, e a resposta a quem perguntava onde era acabava por ser evasiva. Há também imagens das duas gatas — a Gema adora colares como a dona — e até uma de Catarina a pintar um portão de ferro trabalhado, junto a um muro de granito, no último dia de férias deste ano, antes da maratona de comícios nocturnos no Algarve nestas duas semanas. Terá sido no Sabugal, a terra do marido. E fotografou um livro que levou para férias: La Coca, de Rentes de Carvalho — dono de uma escrita que é em simultâneo simples e muito densa, justifica. As filhas já têm noção do trabalho da mãe. Não falam muito do assunto, mas isso não significa que estejam distraídas. Há tempos, a mais velha ralhou com a mãe porque num debate com Passos Coelho falou em tudo menos nos exames que estavam a decorrer e que puseram de pantanas as rotinas dos alunos. Catarina Martins tenta compensar de manhã as chegadas tardias a casa: é ela quem as levanta, tomam o pequeno-almoço juntas e leva-as à escola. E se os fins-de-semana com o partido se acumulam, o calendário na parede da sede do Bloco, na Rua da Palma, ao Martim Moniz, passa a ter uns dias a vermelho à frente do seu nome — e são intocáveis. Há pouco tempo criaram uma rotina: pais e filhas escolhem à vez um filme. Os primeiros escolhem obras antigas como O Feiticeiro de Oz original ou Roger Rabbit; elas iniciaram-nos nos Mínimos e nos musicais infantis como Annie (a nova versão). Na televisão vê informação e séries, como se percebeu em Fevereiro num debate quinzenal em que se referiu à série dinamarquesa Borgen — que retrata um governo de coligação de três partidos e um quarto que os apoia no Parlamento, um exemplo extremo de cordialidade governativa, portanto. Catarina pretendia aconselhar Passos a escolher melhor os aliados de Portugal na Europa. O calendário à frente do Bloco secou o tempo para as artes e as viagens. É quando se lhe pede que recorde uma última “saída” que percebe que foi ao teatro pela última vez em Abril para ver O Fim das Especialidades, encenado por Fernando Mora Ramos. Também recorda com agrado O Senhor Ibrahim e as Flores do Corão, pelo Teatro Meridional, no ano passado. Quase todas as manhãs coloca nas redes sociais um “bom dia” acompanhado por uma música, uma fotografia ou a imagem de um quadro. Guarda as críticas políticas para quando “linka” alguma notícia da TV ou imprensa ou sobre as actividades do Bloco. Nas páginas do Facebook ou no Twitter estão também fotos suas em comícios, arruadas, congressos, conferências, visitas a hospitais, mercados, pescadores, e também há ligações para vídeos de entrevistas nos vários canais de televisão, ou reportagens como as realizadas em Atenas. Analisando o perfil comunicacional de Catarina Martins, o marketeer Carlos Coelho faz uma analogia com a gestão de uma marca. Transforma as iniciais da deputada em “Cara de Mãe”. “É uma actriz política a desempenhar o papel de mãe de um partido que ficou sem pai. É um C de colectivo, tem um papel difícil de cara agregadora, desbloqueadora dos conflitos, e com um estilo executive freak: ora maternal, ora acutilante, mas de uma forma doce. ” Coelho considera que ela “tem muito o sentido da performance, ao contrário do radicalismo de Louçã. Sabe que importa tanto o que diz como a forma como o diz. Ela é uma esquerda serena, intelectualmente honesta, uma marca mais madura que Louçã (que era muito radical na forma), mas mais contemporânea que João Semedo (que é mais ‘jurássico’)”. Em comparação com 2011, “está um pouco menos freak, mais madura, mais organizada no seu pensamento e na forma como se veste. Sabe que não pode aparecer a dizer que quer ser primeira-ministra com muitos colares de madeira”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Catarina Martins diz que na rua ouve cada vez mais incentivos e palavras amigas, embora ainda apareçam os pouco agradáveis “vai p’ra casa” ou “são todos iguais, querem é tacho”, gritados aqui ou além. Mantendo a tradição de ter mulheres bonitas na bancada bloquista, há quem faça confusão com os nomes das mulheres do partido, conta Catarina rindo, referindo-se às vezes em que tem aparecido ao lado de Marisa Matias — e para a qual perde atenções: “Pudera, apareço eu de metro e meio e ela altíssima ao meu lado…” Tenta passar a ideia de não ser dada a ciúmes, como quando se pergunta se Mariana Mortágua não lhe tirou protagonismo pela forma como brilhou na comissão de inquérito ao BES. Responde ao lado — que é bom o partido ter várias caras, pessoas variadas capacitadas nos assuntos, que possam brilhar nos diversos palcos, e, vinca, a Mariana fez um excelente trabalho na comissão. É uma actriz política a desempenhar o papel de mãe de um partido que ficou sem pai
REFERÊNCIAS:
As muitas facetas da arte de amar
Chegada de Marselha, a exposição Quel Amour!? abriu no Museu Colecção Berardo, em Lisboa. Amor, paixão, enamoramento, mas também inveja e ciúme, a exposição dá-nos a ver estas e outras formas de tratar este tema universal. (...)

As muitas facetas da arte de amar
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.55
DATA: 2018-10-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Chegada de Marselha, a exposição Quel Amour!? abriu no Museu Colecção Berardo, em Lisboa. Amor, paixão, enamoramento, mas também inveja e ciúme, a exposição dá-nos a ver estas e outras formas de tratar este tema universal.
TEXTO: Eric Corne, o curador da exposição, conta que ela estava a ser montada no dia em que Helena Almeida (1934-2018) morreu. Por coincidência, algumas das obras desta artista tinham sido escolhidas para uma das entradas na exposição. Além disso, Helena Almeida integrara também já a montagem do Musée d’Art Moderne de Marseille, a primeira instituição onde Quel Amour!? foi mostrada, entre Maio e Setembro deste ano. Uma das suas peças foi mesmo escolhida para tema da imagem da exposição: a fotografia de um estranho bailado onde a artista e o marido andam juntos, com dificuldade e as pernas unidas por um cabo grosso de plástico. Em Lisboa, nas duas grandes salas paralelas do piso zero do Museu Colecção Berardo, bem como noutras duas no andar de baixo, encontramos dezenas de obras de outros tantos artistas sobre este tema vastíssimo que é sem dúvida o mais importante na vida de cada um de nós. Eric Corne, segundo nos conta, não quis realizar uma abordagem diacrónica e historicista, nem, por outro lado, anedótica: quando lhe perguntamos porque é que a exposição não mostra, por exemplo, uma peça que seja de Picasso, ele que representou sempre o amor como desejo predatório, quase animal , apenas nos responde que “não quis muito ir por aí”; e que preferiu levantar questões, suscitar aproximações surpreendentes, mostrar, enfim, o que só raramente se vê do que desenvolver uma tese ou criar núcleos bem delimitados de obras definidas por critérios cronológicos ou estilísticos. O tom está dado. Não vamos aqui ter, de todo, telenovelas com final feliz ou o sentimentalismo delico-doce com que a sociedade de consumo em que vivemos nos quer vender este tema. Museu Colecção Berardo, Piso -1 e Piso 0 LISBOA. Centro Cultural de Belém. Praça do Império. De 3ª a domingo, das 10h às 18h. Até 17 de Fevereiro. Eric Corne, ao invés, vai buscar O Banquete de Platão, entre outras referências maiores sobre o tema — citemos, numa primeira leitura dos textos do catálogo, Kerouac, Benjamin, Marsilio Ficino, Ronsard e Jodelle, Roland Barthes e Lacan —, e retoma o ensinamento da sábia Diotima sobre o amor: “Já que o amor ensina todas as artes, sigamo-lo como a um mestre. ” Diotima referia-se a Ágape tanto como a Eros, ao amor espiritual como ao amor erótico. Em ambos, destacava o estabelecimento de uma ligação, de uma conexão entre dois seres. É por aqui que chegamos de novo a Helena Almeida e aos critérios do curador para a exposição. De facto, logo na primeira sala, o núcleo de peças assinadas por esta artista é provavelmente o maior de toda a exposição, se exceptuarmos as montagens de desenhos e fotografias de pequeno formato de outros artistas, como Gonçalo Pena ou Mattia Denisse. Na artista portuguesa, Corne quis destacar sobretudo o trabalho em conjunto com o marido, tanto na imagem que já referimos, de 2011, como na generalidade da sua obra, já que foi este, Artur Rosa, quem sempre a fotografou. Um excelente contraponto a estas imagens são as provas de contacto de Ernesto de Sousa, mostradas um pouco mais adiante na montagem, onde o corpo da mulher amada é exaustivamente fotografado, uma obra que recebeu o nome de Revolution my body. Ou ainda, num registo mais mediático, Marina Abramovic e Ulay, percorrendo aqui, em vídeo, a muralha da China a partir de extremidades opostas no espaço. Mas Helena Almeida não é a única entrada para a exposição. Na realidade, há duas possibilidades de a percorrer, consoante se escolhe um dos dois corredores paralelos do piso zero do edifício. Num vestíbulo que os precede passa-se um filme de William Kentridge onde um personagem principal olha melancolicamente a lua, ao passo que uma figura feminina nua, que evoca a imagem de todas as Vénus jamais representadas, o abraça. Nesse mesmo espaço, sobre uma mesa, há uma colecção de cartas de amor de escritores famosos, e um pouco mais longe um dos lençóis bordados de Lourdes Castro com a silhueta de um casal deitado. É uma excelente forma de introduzir a exposição, já com uma abertura de sentidos que confirma aquilo que o curador desejava que o espectador experimentasse. A partir daqui, encontramos inúmeras surpresas, obras e autores que, nos achados da montagem, permitem leituras complexas que vão dos fantasmas à dor: Pierre Klossowski, por exemplo, ou Francis Bacon e David Hockney, esses mestres na representação da solidão e da ausência dos corpos em dissolução, mas também Anette Messager, que tem uma obra de parede construída com materiais têxteis e intitulada Jalousie/Love (ciúme/amor); ou Albuquerque Mendes que se representa como crucificado, ou mesmo Paula Rego. Outras tratam da complexidade da relação com o próprio corpo, do amor de si – Kiki Smith, Ana Mendietta ou Francesca Woodman, entre outros artistas; ou mesmo, como hoje é já obrigatório, na inclusão de discursos que entretecem o afecto com as questões de género ou orientação sexual. Nan Goldin é decerto um dos exemplos mais fortes sob este ponto de vista, cuja obra continua a dar-se a ver obrigando-nos a nós, espectadores, a assumirmos a nossa condição de voyeur. Mas também a iraniana Shrin Neshat, de quem se pode ver o duplo vídeo Turbulent, de 1998. Há três vestidos de noiva nesta exposição. O primeiro, tradicional numa fotografia clássica de um casamento nas escadarias de uma igreja, integra uma daquelas narrativas de Sophie Calle em que a ausência é o grande tema: tratar-se-á, ao que a artista dizia, de uma encenação sem noivo, apenas feita por vontade de usar esse símbolo da condição da mulher que o vestido de noiva representa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O segundo, construído com materiais heteróclitos – entre os quais muitos bonecos minúsculos, quais “filhos” da noiva que aqui está – é a escultura de Nikki de Saint-Phalle, muito próxima da arte pop, que integra a Colecção Berardo. E finalmente o terceiro, que não é propriamente um vestido de noiva mas tão só duas túnicas brancas, é usado pela dupla de artistas João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, numa fotografia em que surgem caracterizados como palhaços e usando grinalda de flores. Ou seja, dito de outra forma, nenhuma destas três peças materializa aqui a celebração do amor romântico que o dia do casamento supostamente significa na sociedade ocidental moderna. Essa tarefa deixa-a Eric Corne para um casal gay que se faz pintar sentado num sofá, de rosto tapado por um lençol, como se de fantasmas se tratasse. No andar inferior, para além da escultura de Saint-Phalle e de dois grandes desenhos de Paula Rego, celebra-se a fugacidade, com a convocação de imagens realistas do erotismo (Fromanger e John de Andrea) que se conjugam com as magníficas esculturas de rostos fragmentados (incompletos?) do holandês Mark Manders, naquela que será provavelmente a primeira apresentação da obra deste artista em Portugal. Finalmente, aquele amor que não era referido até aqui, também surge na exposição: trata-se do amor pela arte, pela pintura, na espessura matérica de Monticelli, um artista do século XIX que era o preferido de Van Gogh. Foi por causa dele, da sua obra quase informal, que este pintor se instalou em Arles e que aí criou uma parte importantíssima da sua obra.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher consumo género sexual corpo casamento gay feminina animal
Punk is not dead
Michael Clark revolucionou a dança britânica da cabeça aos pés, cruzando o ballet clássico com o rock, o pós-punk, a moda e as artes visuais. Sábado e domingo, em Serralves, vamos ver o que lhe andou a passar pela cabeça nestas últimas semanas – em versão minimalista. (...)

Punk is not dead
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0
DATA: 2016-03-18 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20160318193416/http://www.publico.pt/n1726165
SUMÁRIO: Michael Clark revolucionou a dança britânica da cabeça aos pés, cruzando o ballet clássico com o rock, o pós-punk, a moda e as artes visuais. Sábado e domingo, em Serralves, vamos ver o que lhe andou a passar pela cabeça nestas últimas semanas – em versão minimalista.
TEXTO: 20 de Setembro de 1988, Londres. Está a acontecer algo no palco do Sadler's Wells que nunca tinha acontecido antesThe Fall a tocar ao vivo num espectáculo de dança, com a guitarrista Brix Smith em cima de um hambúrguer gigante; Leigh Bowery, figura vulcânica, excessiva e irrepetível da moda e da performance britânicas, a escudar-se por trás de uma lata de Heinz Baked Beans; um smiley virado do avesso, subvertendo o símbolo do acid house e das raves, como parte da cenografia; bailarinos vestidos de jogadores de futebol, entre várias mudanças de figurinos. E, sobretudo, uma linguagem coreográfica singular que, sem sabotar a formalidade e as geometrias do ballet clássico, dinamitava com os seus limites, transportando-o para o circuito underground da música, da moda e dos clubes londrinos. O que se estava a passar no respeitadíssimo teatro de Londres era I am Curious, Orange, peça icónica de Michael Clark, coreógrafo e bailarino escocês – que se encontra, aqui e agora, numa residência em Serralves com a sua companhia. No início da década de 80, de crista punk, pulseira de picos, beleza apolínea e uns tenros 20 anos, começou a revolucionar a dança britânica da cabeça aos pés. O espectáculo, para o qual The Fall criaram o álbum I Am Kurious Oranj, assinalava o tricentenário da subida ao trono inglês do protestante William of Orange, o que se tornou numa desculpa para coreografar um jogo de futebol em palco entre os Rangers e o Celtic e, assim, abordar o sectarismo político e religioso na Escócia. Fazer citações históricas e estéticas de forma atrevida e astuta, jogar com as regras do espectáculo com ironia, desfaçatez e liberdade, trabalhar com uma rede de colaboradores da música, moda e artes visuais, cruzar a pop e a alta cultura – não para as usar como muletas estilísticas mas para edificar um discurso e uma identidade próprios –, são características transversais à obra de Clark, o grande iconoclasta da dança britânica. E que na antecâmara de I am Curious, Orange já tinha feito acontecer uma série de coisas que nunca tinham acontecido antes. Entre elas: foi considerado um dos maiores prodígios da Royal Ballet School, qual Nijinsky do punk, mas recusou um lugar na companhia como bailarino principal, aos 17 anos. Fundou a sua própria companhia aos 22, em 1984, já com um currículo de 16 criações originais. Apresentou as suas peças em clubes gay e discotecas, como a mítica Haçienda, em Manchester, sem nunca ficar de fora das programações de teatros, óperas e outros espaços institucionais (a porosidade entre a cultura de elite e as manifestações artísticas mais subterrâneas eram a sua maneira de empregar a ideia de democratização do movimento da Judson Dance Theater). Dançou no videoclip de Wood Beez, dos Scritti Politti. Injectou na dança o rock, o punk e, sobretudo, o pós-punk, órgãos executivos das suas coreografias, que muitas vezes surgiam conjugados com música erudita. Nas suas peças ouviam-se os Public Image Ltd e os T-Rex, The Wire e The Fall, estes últimos os seus colaboradores mais próximos durante os 80s, a par do cineasta Charles Atlas (com quem continua a trabalhar) e de Leigh Bowery e Trojan, duas aves raras da moda britânica que Clark conheceu (e depois perdeu, o primeiro por causa da sida, o segundo por causa de uma overdose) nos clubes de Londres, que tanto serviam de laboratórios de experimentação artística como de passerelles, com sexo e drogas à descrição. Uma contracultura narrada em directo nas páginas da The Face, onde Michael Clark apareceu uma série de vezes, com dildos, plataformas prateadas nos pés e lábios azuis. Não era deboche instantâneo nem gongorismo. Clark criou um continuum entre a sua vida e o palco, entre o individual e o colectivo. E inscreveu nas suas coreografias, permeáveis à energia do seu tempo, momentos transformativos da sociedade e da arte britânicas e da cultura pop. Presente vs. anos 80Março de 2016, Porto. Michael Clark, 53 anos, hoje mais coreógrafo do que bailarino, figura esfíngica com alfinete na orelha, há muito que não é o rapaz de tutu branco, crista, pulseira de picos e T-shirt de Vivienne Westwood. Mas a postura punk continua lá. É jocoso, espontâneo e corrosivo. Não gosta que lhe controlem os horários. Desvia-nos várias vezes do guião da entrevista, e a certa altura já se fala sobre feminismo, a falta de representação das mulheres nas artes performativas e visuais (“pensava que o mundo das artes estava mais evoluído”, atira) e as eleições americanas. Pede sugestões de bandas recentes. “Tenho uma aversão a quase tudo o que ouço agora, tudo parece ter um som genérico e produzido. ”Michael Clark está em Serralves numa residência artística com o actual núcleo duro de bailarinos da sua companhia, que ficaram também responsáveis por orientar um programa de masterclasses com alunos do Balleteatro e do Ginasiano. Arrancou a 29 de Fevereiro e culmina nas apresentações públicas que vão decorrer ao longo deste sábado e domingo na Casa de Serralves. “O que estou a planear apresentar são duas coisas: os primeiros passos de uma nova peça que irá estrear em Outubro no Barbican [a sede da Michael Clark Company desde 2005] e algo ligado à música de [Erik] Satie, que tem a ver com trabalhos anteriores e que combina muito bem com a arquitectura da Casa”, adianta. “Uma situação destas, em que posso responder genuinamente ao espaço, é muito rara. ”E é também raro ter um convidado assim. Afinal, Clark operou uma mudança paradigmática e libertária na dança contemporânea. No entanto, a sua ausência dos palcos durante parte de década de 90, para resolver o vício em heroína e metadona (por causa da primeira chegou a adormecer em palco, confessa), contribuiu para o afastar da histórica mais canónica da dança e “fez com que o seu impacto saltasse uma geração, começando a sentir-se mais recentemente na dança e nas artes visuais”, explica Suzanne Cotter, directora do Museu de Serralves e autora da monografia Michael Clark (2011, Violette Editions), o único livro sobre o escocês. O convidado é especial, mas para não defraudar expectativas convém reforçar que estas (curtas) performances vão funcionar como um momento de laboratório aberto ao público, e não como um espectáculo normal (no caso de Clark, isso implicaria uma grande produção). Uma forma engenhosa de lidar com as restrições orçamentais e o posicionamento que um museu de arte contemporânea deve ter perante as artes performativas e a sua história, abrindo espaços de descoberta, reflexão e (re)interpretação, em sintonia com a dinâmica programática envolvente. Num momento em que a programação cultural da Câmara Municipal e respectivos equipamentos monopolizam atenções, é bom lembrar que o programa de dança e performance de Serralves tem sido particularmente pertinente e coerente nesse sentido. E é de facto possível estabelecer ligações entre Michael Clark, as exposições correntes do Museu – a de Wolfgang Tillmans e a colecção Sonnabend – e o próximo performer a apresentar-se em Serralves, Adam Linder, que foi bailarino de Clark. “Se tivéssemos dinheiro para programar o reportório do Michael, programávamos. Mas o nosso trabalho também é perceber de que maneira podemos contribuir com algo diferente para o circuito de artes performativas da cidade e do país”, justifica Suzanne Cotter. “Este museu é um lugar de experiência, de procura, de investigação. Não temos só de produzir e apresentar”, reforça Cristina Grande, programadora de artes performativas da instituição. Uma outra lógica de produção e consumo que desafia a forma mercantilizada e acelerada de lidar com a arte e com o processo de criação. E que está alinhada com o modus operandi de Clark. “Ele quer continuar a trabalhar como trabalhava, sem se comprometer e a fazer as coisas à sua maneira, ao seu ritmo. Não é uma incapacidade em se comprometer, é uma recusa”, aponta Cotter. Há uma questão que se levanta na actual conjuntura, em que as políticas culturais e as programações são fortemente controladas e regulamentadas: seria possível Clark e os seus amigos e colaboradores fazerem hoje tudo o que fizeram nos anos 80? “Nessa altura havia um desinteresse generalizado e não se questionava tanto a programação como hoje, por isso havia algo tão livre como o Riverside Studios” [onde Clark teve a sua primeira residência como coreógrafo, em 82], considera Suzanne Cotter. “Mas acho que a questão principal é que ninguém prestava atenção e por isso eles podiam fazer o que quisessem. Tal como os YBAs [o grupo Young British Artists, de Damien Hirst, Sarah Lucas e companhia]. ”Mesmo as bandas mais radicais do pós-punk, como os Public Image Ltd e The Fall, passavam nas rádios inglesas e apareciam no programa de televisão Top of The Pops – coisa que não acontecia nos EUA, nota Simon Reynolds na sua bíblia do pós-punk Rip It Up and Start Again. De certa forma, Michael Clark, Leigh Bowery e Mark E. Smith, entre outros, testemunharam o fim de uma era. Clark, contudo, nunca quis ligar o seu trabalho a um determinado período histórico. “Isso parecia-me muito limitado e eu não queria limites”, afirma. “Havia artistas a fazer coisas contra a Thatcher mas eu não precisei de uma desculpa para fazer o que fazia. ” Diz que continua a “fazer o que quer”, mas concorda que o circuito artístico está mais regulamentado do que antes – e que é um “desafio constante” arranjar dinheiro para fazer espectáculos. “Se calhar faz parte de crescer… Há um sentimento de regulamentação ligado a isso, o que não é propriamente agradável. ”Música, sempreO trabalho de Michael Clark foi alvo de várias interpretações redutoras e superficiais, focadas na exuberância dos figurinos, nos dildos, nos fatos com os rabos à mostra e nos detalhes sumarentos da sua vida pouco beata. O que muitos viam como provocador e carnavalesco era, na verdade, uma reacção inteligente a um ethos da dança (e a uma ideia de minimalismo e despojamento muito pós-modernista) que rejeitava o espectáculo, o humor, o sexo, o virtuosismo e a narrativa visual. Clark quis dizer que sim a tudo isto, e continua a fazê-lo. Hoje está menos disruptivo, mais discreto, mas longe de estar domesticado. Nas suas coreografias, a estrutura e a elegância do ballet clássico são – sempre foram – conjugadas com uma vitalidade, espontaneidade e jovialidade punk, criando-se uma espécie de dissonância cognitiva que faz nascer novas formas (sim, é possível dançar a distorção de uma guitarra). A pulsão sexual, a abordagem não-binária ao género através dos figurinos e as referências sem pudor à homossexualidade (como pôr um bailarino pelvicamente sinuoso a dançar “Boys, boys, it’s a sweet thing”, de David Bowie) são outros dos elementos que sobrevivem na sua obra. Para Clark, a dança contemporânea “continua a ser conservadora”, diz, depois de perguntarmos se não acha estranho que o rock seja tão pouco usado em coregrafias. “A dança contemporânea não vale nada (risos). Há excepções, mas no geral é tão divorciada da realidade… É meio embaraçoso estar envolvido nela. As pessoas estabeleceram uma ideia estranha do que deve ser a dança contemporânea, inclusive musicalmente. Acho que também tem muito a ver com o facto de se treinar os bailarinos dentro de uma lógica muito limitadora. ”Conciliar a dança com a música das bandas que ia ver depois das aulas na Royal Ballet School (onde os professores já escreviam nos relatórios que tinha uma musicalidade nos movimentos fora de série) foi, desde a adolescência, o seu objectivo maior. “Na altura não conseguia arranjar uma maneira de fazer coexistir as duas coisas, foi um processo um pouco moroso”, revela. Teve aulas com Merce Cunningham e com John Cage, mas foi com a coreógrafa americana Karole Armitage, a “bailarina punk”, que Clark conseguiu o que queria. Foi através desta abertura referencial, matéria vital da própria identidade do pós-punk (os The Fall acarinhavam os seus cartões da biblioteca tanto quanto o LSD e a música) que Michael Clark conseguiu introduzir à dança um novo público, mais plural e democrático. “Sobretudo durante os anos do Riverside Studios, havia todo o tipo de gente a ver as suas peças: punks, cabeleireiras, designers de moda, pessoas que trabalhavam em discotecas. Através do seu trabalho, ele tocou em imensas e diferentes pessoas. É completamente fascinante”, diz Suzanne Cotter. Nos últimos anos, continuou a privilegiar as colaborações com artistas de outras áreas, de Alexander McQueen a Jarvis Cocker, dos Pulp. Na música, vai trabalhar em breve com Kim Deal (Pixies e The Breeders). Michael Clark diz que não se arrepende de nada do que fez no passado. E isso é notório nas suas últimas criações, onde se auto-referencia. Em come, been and gone (2009) reavivou Heterospective (1989) no corpo da bailarina Kate Coyne, solo em que dançou Heroin dos Velvet Underground numa galeria de arte, com um fato adornado de seringas. “Quero continuar a tentar viver a minha fantasia de que tudo é livre. Fazer o que quero. Tem a ver com a forma como cresci”, diz no final da conversa. “Live till your rebirth and do what you will, Oh by jingo”, dançou ele em come, been and gone, ao som de After All de David Bowie. E parece que esta canção nunca fez tanto sentido.
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Partidos LIVRE
Nova versão de A Bela e o Monstro será o filme da Disney "mais gay de sempre"
O remake do filme de animação de 1991 inclui uma personagem, LeFou, que se debate com a sua sexualidade e com os seus sentimentos pelo antagonista Gaston. (...)

Nova versão de A Bela e o Monstro será o filme da Disney "mais gay de sempre"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 16 | Sentimento 0.136
DATA: 2017-03-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: O remake do filme de animação de 1991 inclui uma personagem, LeFou, que se debate com a sua sexualidade e com os seus sentimentos pelo antagonista Gaston.
TEXTO: Célebre pelo extenso repertório de contos de fadas com príncipes e princesas, a Disney prepara-se para explorar novo território na nova versão live-action de A Bela e o Monstro. O filme conta com Emma Watson e Dan Stevens nos papéis principais e mostra, pela primeira vez, um personagem que se vai confusamente apercebendo da sua homossexualidade. LeFou (Josh Gad) é o braço-direito de Gaston (Luke Evans), o antagonista da história que quer ganhar o afecto de Belle a qualquer custo. Ao contrário do que acontece no original de 1991, no filme de Bill Condon, a obediência de LeFou ao seu senhor vai além da lealdade. “Num dia, LeFou quer ser o Gaston e no outro já quer beijá-lo”, revela o realizador em entrevista à Attitude Magazine que na capa desta edição revela "a verdadeira história que inspirou o filme da Disney mais gay de sempre". Bill Condon refere que esta dinâmica não é esquecida no desfecho da história e, sem querer adiantar muito, diz apenas que “é um bom momento exclusivamente gay num filme da Disney”. LeFou é o maior aliado do mulherengo Gaston e está sempre pronto a alinhar nas suas peripécias. Para quem viu o filme original, o criado é mais conhecido por entoar “Gaston”, uma canção destinada a animar o seu senhor depois de este ser rejeitado por Belle. De acordo com o jornal britânico The Telegraph, versos como “For there’s no man in town half as manly / Perfect, a pure paragon” e “Everyone’s awed and inspired by you / And it’s not very hard to see why” já haviam gerado especulação por parte de alguns fãs sobre se a relação entre os dois seria algo mais do que companheirismo. Matt Cain, editor-executivo da Attitude, refere que a representação da atracção entre pessoas do mesmo sexo no filme é um ponto de viragem para os estúdios da Disney. “[Esta decisão] passa a mensagem de que [a homossexualidade] é normal e natural – e essa é uma mensagem que será ouvida em todo o mundo, mesmo em países onde é socialmente inaceitável ou até ilegal ser gay”, explica em declarações ao Telegraph. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os sentimentos de LeFou por Gaston oferecem um olhar renovado sobre o clássico da Disney e mostram uma preocupação em alargar a representatividade e a diversidade das suas personagens. Também Emma Watson levou o seu activismo – é Embaixadora de Boa Vontade das Nações Unidas desde 2014 e impulsionadora da campanha #HeForShe – para a sua interpretação da protagonista, desenhando-a à medida do seu feminismo. No original, Belle é a assistente do pai, mas no remake é ela própria inventora. Em declarações à revista Vanity Fair, a actriz revelou que trabalhou com a figurinista Jacqueline Durran para incorporar bolsos no seu vestido, “como se fosse um cinto de ferramentas”. Além disso, na versão animada, Belle monta a cavalo num vestido longo e sapatilhas de seda, mas na nova versão, a princesa tem, em vez disso, um par de botas de equitação. “Ela não vai conseguir fazer nada de muito útil com sapatilhas de ballet no meio de uma aldeia do interior francês”, explica a actriz. Questionada pela Entertainment Weekly sobre a influência da Síndrome de Estocolmo no romance – Belle é aprisionada pelo Monstro logo no início do filme – Emma Watson refere que a princesa mantém um espírito rebelde que lhe permite estar encarregue do seu destino. “Ela mantém a sua independência e a sua liberdade de pensamento”, reconhece. A Bela e o Monstro estreia-se nos cinemas portugueses a 16 de Março e conta com Ewan McGregor, Ian McKellen e Emma Thompson no elenco principal.
REFERÊNCIAS:
Gays e lésbicas em campanha contra bullying homofóbico
Psiquiatra Gabriela Moita diz que a homofobia "é muitas vezes validada em família". Júlio Machado Vaz preferia campanha para todos. (...)

Gays e lésbicas em campanha contra bullying homofóbico
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-12-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Psiquiatra Gabriela Moita diz que a homofobia "é muitas vezes validada em família". Júlio Machado Vaz preferia campanha para todos.
TEXTO: Num dos cartazes, três rapazes adolescentes surgem abraçados, quadro de ardósia em pano de fundo, com a frase "Ele é gay e estamos bem com isso". Na versão feminina, repetem-se os elementos, mas a frase muda, claro, para "Ela é lésbica e estamos bem com isso". A primeira campanha contra o bullying homofóbico está nas escolas desde Outubro, numa iniciativa que custou 50 mil euros, financiados em 85 por cento pela Comissão Para a Cidadania e Igualdade de Género. Os adolescentes que aparecem nos cartazes "são jovens portugueses que, em regime pro bono, decidiram dar a cara pela campanha", como enfatizou ao PÚBLICO Sara Martinho, coordenadora do Projecto Inclusão da rede ex aequo, a associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes responsável pela iniciativa, inédita em Portugal. Além dos 20 mil cartazes, a campanha compreende a edição de 123 mil postais onde os jovens são desafiados a denunciar situações de discriminação, física ou verbal, por homofobia ou transfobia, através do site www. rea. pt/observatorio. "Em 2006, vinte queixas; em 2008, o número subiu para mais de noventa; e, no relatório deste ano, as queixas de situações de bullying homofóbico ou transfóbico já são da ordem das centenas", precisou Sara Martinho, para quem o aumento das queixas decorre, não tanto de um agravamento do problema, mas de uma maior sensibilização das pessoas. Queixas de vários tiposÀ rede ex aequo chegam queixas de vários tipos. Sobre um professor de uma escola de Lisboa que quis baixar a nota dada a um aluno depois de ter percebido que ele era gay. De alguém que viu um rapaz apedrejar duas raparigas de 16 anos por serem lésbicas. De insultos, de ameaças, de segregação. "Durante dois anos consecutivos, sofri tortura psicológica. Gozaram comigo, fizeram pouco de mim, falaram mal e fizeram-me sentir abaixo do pior animal que pode existir", queixou-se, sob anonimato, alguém de 15 anos, residente em Aveiro. O que distingue a homofobia em contexto escolar da praticada noutros meios é que aquela tem como vítimas "jovens que ainda estão em processo de crescimento e que, muitas vezes, não têm maturidade nem ferramentas para se defenderem", sublinha Sara Martinho. "Uma das coisas que costumo dizer quando vou às escolas é que muitas crianças ainda não sabem o que é ser homossexual, mas já sabem que ser lésbica ou gay é uma coisa negativa e suja, do campo do insulto". Claro que a partir daqui "fica muito mais difícil conseguir que lidem com isso e com a sua própria sexualidade de forma saudável e natural", acrescenta Martinho. Porque é assim e porque "este tipo de bullying acaba muitas vezes por ser validado pelas próprias famílias", a psicóloga Gabriela Moita - com uma pós-graduação em psicoterapia da criança e um doutoramento sobre a homossexualidade em contexto clínico - aplaude de pé esta campanha. "Todas as campanhas contra o bullying são fundamentais e, no caso da homofobia ou transfobia, a iniciativa tem a vantagem de mostrar que isso também é bullying porque se trata de um nicho menos cuidado, e o que se passa, muitas vezes, é que quando o menino chega a casa e comenta que o miúdo tal é gay o que os pais fazem é reforçar o preconceito. " Questionado quanto à pertinência de campanhas como esta, o sexólogo Júlio Machado Vaz é menos categórico. "Compreendo que determinados grupos sintam a necessidade, atendendo à xenofobia de que ainda são alvo, de chamar a atenção para o seu caso específico, mas prefiro que as campanhas sejam dirigidas ao público em geral". Porquê? "Porque o bullying contra homossexuais é apenas uma triste variante do bullying em geral e também aqui devemos ir por um caminho que nos leve cada vez menos ao acentuar das diferenças e cada vez mais ao acentuar das semelhanças".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola campo criança igualdade género sexualidade homossexual gay feminina animal discriminação xenofobia homofobia lésbica
"As universidades estão cheias de radicais de esquerda"
É um dos polemistas do momento. Professor de Psicologia na Universidade de Toronto, fala sobre género, minorias, esquerda/direita, homossexualidade, religião, o papel matriarcal... A suas palestras online têm dezenas de milhões de seguidores e enche salas de conferências por onde passa. 12 Regras para a Vida, o seu último livro, é um fenómeno de vendas. (...)

"As universidades estão cheias de radicais de esquerda"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 14 | Sentimento 0.35
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: É um dos polemistas do momento. Professor de Psicologia na Universidade de Toronto, fala sobre género, minorias, esquerda/direita, homossexualidade, religião, o papel matriarcal... A suas palestras online têm dezenas de milhões de seguidores e enche salas de conferências por onde passa. 12 Regras para a Vida, o seu último livro, é um fenómeno de vendas.
TEXTO: Jordan B. Peterson dá uma entrevista atrás de outra e estas começam a atrasar-se. O P2 chega antes da hora, mas tem de esperar que o professor catedrático de Psicologia da Universidade de Toronto termine a terceira que dá na manhã de quinta-feira. Quando sai da sala, percebe-se que está cansado. Distante, informa a editora que precisa de parar para comer. Qualquer coisa? Não, o almoço. Esperamos e só uma hora depois de marcada é que a entrevista começa. Pelo meio ficamos a saber junto do editor José Prata da Lua de Papel, que a conferência que este professor — um fenómeno do YouTube com mais de 1, 5 milhões de seguidores — dará naquela noite teve de mudar de sala, de uma com capacidade para 80 lugares para outra com 600, e depois para o hall do campus de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa, com capacidade para mil lugares sentados. Aqui, quem quisesse podia ver e ouvir Peterson de pé e sabe-se que alguns bilhetes gratuitos (obtidos mediante uma inscrição prévia) foram vendidos. As perguntas que seriam feitas naquela noite foram votadas numa aplicação. As três mais populares foram as escolhidas e àquela hora da manhã já tinham mais de 600 votos cada uma. São sinais de que o sucesso deste professor canadiano é grande. E há que lembrar que as suas conferências, bem como as entrevistas, são, regra geral, rodeadas de polémica. A saber: é acusado de ser misógino; questiona por que continua a comunidade LGBT a exigir coisas quando já tem tantos direitos; não acredita que haja disparidades salariais entre homens e mulheres; condena-as por criarem filhos fracos. No campo da política, a direita olha para Peterson com admiração. Afinal, lembra os crimes perpetrados pelo comunismo, mas o professor salvaguarda que também não esquece as atrocidades nazis. Ao final da tarde, a plateia está completa e é constituída, sobretudo, por jovens que aclamam Peterson quando este desce a imponente escadaria para chegar ao palco. A sala de pé, palmas e gritos como se de uma estrela de rock se tratasse. Apesar do entusiasmo geral, não se vislumbra qualquer sorriso no rosto fechado do conferencista. A palestra durará quase hora e meia e o professor faz uma ligação entre o seu anterior livro Maps of Meaning que, diz o editor, “revolucionou a psicologia das religiões”, e o novo, o que veio lançar e é já o número um nos tops de venda nacionais, 12 Regras para a Vida. Embora pareça ser um livro de auto-ajuda — Quer ser uma pessoa melhor? “Levante a cabeça e endireite as costas” é a regra n. º 1 —, Peterson percorre a história da humanidade, recorrendo à biologia, à psicologia, à religião (a Bíblia é sobejamente citada), à literatura e até aos filmes da Disney. Mas voltemos ao final da manhã do dia em que o psicólogo andou a promover os seus livros em Portugal. Peterson almoça com a sua mulher, Tammy Roberts. São adeptos da dieta carnívora. Só comem carne de vaca e foi a filha Mikhaila a primeira a começar esta dieta por razões de saúde. É no último capítulo do livro que ficamos a saber que em criança Mikhaila sofreu de artrite reumatóide, teve problemas com as articulações e que, por isso, teve de ser submetida a várias operações. Neste capítulo (cada um corresponde a uma das 12 regras), Peterson escreve: “As pessoas podem sobreviver a muita dor e perda. Mas, para perseverar, devem ver o bem no Ser. Se perdem isso, estão verdadeiramente perdidas. ”No seu último capítulo fala da doença da sua filha e termina dizendo: “As coisas estão bem. Por agora. ” Como está a sua filha?Muito melhor. É por causa da dieta carnívora? Funciona?Parece que sim. Ela não tem sintomas. Mas é uma dieta controversa, sobretudo quando tanta gente está a deixar de comer carne. Eu não a recomendo. É muito monótona, torna as viagens difíceis, é má para a nossa vida social e é chata. Já se sabia que o jejum faz bem a quem tem artrite, li muito sobre isso, quando a minha filha era criança, mas começámos a perceber que ela reagia [mal] a quase tudo e foi assim que chegámos a esta dieta. Nesse último capítulo parece que a relação que tem com a sua mulher é muito equilibrada, que ambos estão presentes na tomada de decisões em relação à educação dos vossos filhos. . . Foi sempre negociado. . . . no entanto, no seu livro é muito crítico em relação às mães, à forma como estas educam os filhos. Até escreve sobre as mães de Hitler e de Estaline. Onde estavam os pais?Boa pergunta! Um bruto alcoólico, o pai de Estaline, e o de Hitler. . . bem, não me recordo. Hipoteticamente, algo não estava bem naquelas famílias — embora Estaline tenha mantido a relação com a sua mãe toda a vida, sem nunca se ter tornado mais brando. E a culpa é das mães?Não necessariamente. Porque no seu livro começa no Génesis [o primeiro livro da Bíblia] lembrando que a culpa da expulsão do Paraíso é de Eva, simbolicamente a mãe de todos. Bem, Adão também teve problemas, escondeu-se de Deus, o que é muito cobarde da sua parte. Não penso que a culpa seja especificamente das mães, mas penso que as crianças são vulneráveis à privação de cuidados maternos, especialmente nos primeiros dois anos de vida, embora não tenha de ser a mulher a providenciá-los. Mas a infância é muito vulnerável e precisa de uma ligação forte. E de toque?De toque, de brincadeira. De leitura?Sim. E de atenção? Hoje quando vamos a um restaurante vemos crianças muito pequenas com gadgets nas mãos. Que consequências têm nessa ligação de que fala?Bem, é complicado, porque ainda não sabemos. E não interessa quais são as consequências porque [os gadgets] estão a evoluir muito rapidamente. Isso é um problema quando não conseguimos manter-nos a par da evolução da tecnologia. Mas penso que o primeiro perigo não é o que está nos aparelhos electrónicos, mas como é que estes interferem na vida das crianças. Quando estão ao telefone, não estão a interagir umas com as outras. A minha suspeita é que [o smartphone] está a ocupar um espaço que poderia estar ocupado com outra coisa. A interacção com as máquinas vão tornar-nos mais inteligentes, mas a questão é com o que estão a interferir. O mesmo aconteceu com a televisão. Quando os meus filhos eram pequenos, 4 a 6 anos, púnhamo-los a ver filmes da Disney com outras crianças da mesma idade e não tem nada de mal, mas eles deviam ter brincado. Só que quando brincam são barulhentos. E se estiverem à frente de um ecrã estão sossegados. Sim, porque estão ocupados. Mas há algo que tem que ver com o brincar e o fazer de conta que não deve ser opcional, porque as crianças aprendem com o fazer de conta, imaginam o que querem ser, criam papéis. Acho que algumas das questões, como as confusões que sentem em relação ao seu género, no final da adolescência, parece-me que foi por que não brincaram nem fizeram de conta quando eram crianças. Por isso, pergunto-me se foi por que não brincaram e fantasiaram em pequenos e é quando chegam à universidade, quando têm mais liberdade, que começam a explorar e a experimentar. Chegam à universidade com menos maturidade?São tratados assim por toda a gente. Incluindo os pais, que querem que eles continuem a ser bebés?Esse é o arquétipo da mãe devoradora. Muita compaixão. . . E voltamos à culpa das mães!Bem, é uma representação simbólica. A culpa não é das mães, porque se os pais estiverem lá devem encorajar a autonomia, mas os pais também podem ser muito protectores. Penso que é mais comum serem as mães, porque as mulheres estabelecem laços tão apertados com os seus filhos que há um conflito entre a protecção e a promoção da autonomia. É difícil de gerir, muito difícil: protegê-los q. b. e deixá-los ir q. b. O casal precisa de encontrar um equilíbrio. O casal deve ser constituído por um pai e uma mãe?Dois é melhor do que um. Perguntava se o casal tem de ser heterossexual?Não sei. Há pessoas que são criadas pela avó e pela mãe. Por isso, não estou preocupado com isso em termos psicológicos. Não há estudos de confiança que olhem para o efeito nas crianças das famílias de casais do mesmo sexo. O problema são as famílias monoparentais, porque é esmagador para esses pais, pois têm de trabalhar 40 horas por semana e cuidar dos filhos. Defende que devemos criar filhos fortes. E as filhas?Seria bom, porque, se não for forte, a vida engoli-lo-á. A vida é muito difícil e quanto mais resiliente e competente, melhor. E não é importante criar filhos que sejam, por exemplo, bondosos, solidários, compreensivos para com os outros?Mas ser forte não significa ser cruel. Se for forte, um dos maiores indicadores é que os outros confiam nele. Não significa ser egoísta ou autocentrado, isso pode levar à brutalidade e à crueldade. Mas, se for forte, as pessoas confiam nele e isso é bom, seja rapaz ou rapariga, seja homem ou mulher. Mas a regra n. º 3 diz que devemos fazer amizades com quem quer o melhor para nós. A páginas tantas, aconselha que devemos deixar para trás os amigos que não nos fazem bem. Muitas vezes, esses são os mais frágeis. Não devemos ser compassivos para com eles?O amor é uma combinação de misericórdia e justiça. Se a misericórdia for muita, as pessoas abusam e isso não é saudável. Eu não recomendo que se abandonem as pessoas, mas se elas desistiram de si próprias, então não podem arrastar-nos com elas. Por exemplo, os nadadores-salvadores quando fazem um salvamento de alguém que está em pânico não se aproximam demasiado, porque senão correm o risco de se afogarem. Não ajuda. Por isso, dizem: “Mantenha a calma, para que eu possa ajudá-lo. ”Há muitas situações na vida em que os pais têm de tomar decisões difíceis — por exemplo, quando expulsamos um filho de casa quando já tem 26 anos. É horrível, porque temos medo do que vai acontecer, mas tem de ser feito para que se torne autónomo. Há sempre uma tensão terrível quando temos de encorajar o outro e, ao mesmo tempo, queremos protegê-lo. Por vezes, a compaixão não é suficiente. É preciso disciplina?Misericórdia e justiça. Há um antigo dizer religioso que refere que a misericórdia e a justiça são a mão esquerda e a direita de Deus. Se for só misericórdia, toda a gente abusa; se for só justiça, então ninguém sobreviverá, porque todos cometemos erros. Portanto, tem de haver um equilíbrio entre a misericórdia e a justiça. É crítico em relação à escola. Qual deve ser o seu papel na sociedade?[Silêncio, seguido de uma pequena gargalhada] Bem, o papel da escola [hoje] é ser um armazém de crianças, enquanto os pais estão a trabalhar! Se a pergunta for qual deveria ser o papel da escola, então não seria tão cínico e diria que é um espaço de socialização, onde as crianças aprendem a estar, fazem amigos, e isso é importante e necessário. E talvez aprendam alguma coisa, mas não estou convencido. Ao sistema escolar é exigido tanto que não é surpresa que não funcione bem. As crianças deveriam ser ensinadas em casa?O ensino doméstico na América do Norte é adoptado por famílias que são extremamente religiosas, por outras que suspeitam do sistema ou não estão contentes com as orientações ideológicas do sistema público. Por exemplo, a frequência de escolas católicas por famílias que não professam aquela religião acontece porque as famílias não se identificam com as ideologias niilistas e neomarxistas das escolas públicas. Por exemplo, as escolas básicas de Ontário têm orientações para ensinar literatura do ponto de vista da opressão: quem foi oprimido por quem? Não há uma justificação para esse tipo de ensino, quando estamos a introduzir as crianças na literatura, porque isso é uma subversão da literatura. Mas não é uma forma de ensinar a diferença, o respeito e a tolerância para com o outro?É complicado. O que queremos promover?A igualdade?Mas a igualdade de género, a de rendimentos? Temos de decidir. Os estudos mostram que as diferenças entre homens e mulheres aumentam à medida que as sociedades se tornam mais ricas e têm mais igualdade de género. Não confio em nenhuma ideologia que procure promover igualdade, porque é tecnicamente impossível. Porquê?Porque as variáveis são muitas. Vamos definir: o que queremos é que em todas as profissões estejam representados todos os grupos, de acordo com a sua prevalência na população. Isso seria o ideal. Então temos dezenas de nichos e todos têm de ser preenchidos respeitando os grupos identitários. Quais? O sexo, a etnia, a idade, o grupo socioeconómico, a atractividade, o temperamento, a inteligência, a deficiência. . . Portanto, podemos duplicar o número de grupos sem limite e, de cada vez que acrescentamos um, vamos aumentar a complexidade do processo, o que levaria à criação de uma burocracia maciça. Não podemos simplificar e ficar só pelo sexo?Homens e mulheres escolhem profissões diferentes. Nesse caso, vamos forçá-los a que escolham ocupações proporcionalmente à representação do género na sociedade [para cumprir a regra da equidade]? Portanto, nunca conseguiríamos aplicar. Vamos esquecer os CEO [haver mais homens em cargos de liderança do que mulheres], que a meu ver é só uma questão de inveja. Vamos aos níveis mais baixos, por exemplo, pedreiros e operadores de máquinas — 99% são homens. O que fazer? Vamos obrigar as mulheres a fazer esses trabalhos?Mas essas profissões não podem ser uma carreira para as mulheres?Talvez sim. Há mulheres fisicamente fortes!Sim, mas tendencialmente não são pedreiros ou operadoras de máquinas. Habitualmente são médicas ou enfermeiras. Ser enfermeira não é um trabalho fácil e é fisicamente exigente. Nos países escandinavos, as mulheres são encorajadas a fazer outros trabalhos e o que se observa é que homens e mulheres não escolhem os mesmos. Escreve sobre as diferenças de género mesmo na escolha do nosso parceiro. Enquanto as mulheres procuram homens fortes, poderosos e ricos, os homens querem companheiras jovens. Não é o factor biológico a funcionar: a questão da sobrevivência da espécie, mais do que a ambição?As mulheres ricas só se casam com homens ricos, logo, as disparidades são cada vez maiores, porque o dinheiro está nas mãos de cada vez menos pessoas. A razão por que o fazem é porque quando engravidam e têm filhos ficam vulneráveis e precisam de alguém em quem confiar. Fazem-no porque querem alguém competente comparando com os outros homens e comparando consigo mesmas. À medida que as sociedades se tornam mais igualitárias, as diferenças entre as personalidades dos homens e as das mulheres tornam-se maiores, assim como diferem mais os seus interesses. Então é uma questão biológica, como o exemplo das lagostas de que fala no primeiro capítulo [as mais fortes podem escolher o melhor território, a melhor comida e as melhores fêmeas]?Acontece com muitas espécies, mas não com todas. O que nos torna diferentes dos outros animais é que as mulheres são selectivas em termos sexuais e muito selectivas. E isso é mau?Não, não me estou a queixar. É um facto que contribuiu para a nossa rápida evolução e foi o que nos tornou aquilo que somos, mas é duro para os homens que não encontram uma companheira; é duro para mulheres que estão em hierarquias mais altas e não encontram alguém à sua altura. Há estudos sobre a relação entre o QI [quociente de inteligência] e a probabilidade de se casar — as probabilidades de as mulheres com um QI superior se casarem é menor. É uma consequência de terem menor escolha. Podemos ver isso na perspectiva dos homens — estes sentem-se intimidados por essas mulheres. Por exemplo, ela é jovem, bonita, inteligente e tem uma boa carreira. São quatro dimensões de intimidação, porque as probabilidades de serem rejeitados são enormes. E não é intimidante para uma mulher estar ao lado de um homem jovem, bonito, inteligente e bem sucedido profissionalmente?Provavelmente vai sentir-se intimidada, mas a probabilidade de ser rejeitada é menor. Há experiências sobre isso: foi pedido a alunos universitários para perguntarem a pessoas do sexo oposto se queriam ter sexo com eles. Se for um homem a perguntar a várias mulheres, a resposta será invariavelmente “não”. Se for uma mulher, os homens dirão que “sim”. Portanto há diferentes taxas de rejeição entre homens e mulheres. Parte da explicação é ser uma questão biológica, mas a outra é que o custo potencial do sexo é maior para as mulheres. Em muitos dos capítulos, usa a Bíblia como forma de fundamentar as suas ideias. É religioso?Penso que todos somos. Mesmo os ateus?Sim. As pessoas têm uma hierarquia de valores através da qual vêem o mundo e no topo dessa hierarquia está Deus. Mesmo que Deus esteja “morto”, como afirma Nietzsche?A questão é: vamos substituí-Lo por quê? Quando Moisés sai do Egipto, quando o [seu] povo está no deserto, [este] começa a adorar ídolos atrás de ídolos. Isso é o que acontece quando Deus morre — fragmentámo-Lo em ídolos e as pessoas vão atrás deles. Em termos psicológicos, existe a tendência de tornar a estrutura de valores uma unidade com um valor muito forte no topo, uma força que unifica. Essa “coisa” no topo o cristianismo representa-a numa trindade: há o pai, o que significa que, se for uma pessoa bem estruturada, esse será a personificação da sua cultura; depois há o filho, porque a cultura não é suficiente e precisa da juventude e da visão; e o espírito, que será a propensão dentro de nós para encontrar um eco entre o pai e o filho. Isto não é algo que se aceite como facto científico. Podemos perguntar: o que é a fé? É a vontade de aceitar as consequências do agir. Se tiver fé em alguma coisa, vai agir. Cristo diz que nem todos os que gritam “Senhor, Senhor” serão salvos. Isso significa que a mera profissão da crença, a afirmação “Eu acredito em Deus” não é suficiente — e é por isso que, em parte, não gosto de responder a essa pergunta. O que diz é que, mesmo não sendo religiosos, somos um ser religioso, a religião nasce connosco?É interessante perguntar isso. A predisposição que temos para a crença religiosa e a possibilidade da experiência religiosa é algo com que definitivamente nascemos. Porquê? Podemos responder “porque há provas de que Deus existe”. Mas não necessariamente. Contudo, há provas de que as experiências religiosas são universais. Não há nenhum antropólogo ou neurocientista sério que tenha dúvidas sobre isso. Se olharmos em termos psicológicos para o cristianismo, vemos a abstracção daquilo que nós admiramos, um ser messiânico, alguém a imitar, mas é mais do que isso, porque é a separação entre o que é admirável e o seu oposto, a eterna batalha entre Cristo e Satanás ou a batalha entre o bem e o mal. E podemos perguntar: reflecte a estrutura da realidade? E a resposta é: não sabemos. Eu não excluiria essa possibilidade, porque nós reflectimos a estrutura da realidade. Penso que a biologia reflecte a metafísica, a confirmação está nos dois hemisférios do cérebro, a dinâmica entre caos e ordem. Não acredito que exista uma maneira melhor de interpretar o mundo do que como a batalha entre o bem e mal, a batalha entre o caos e a ordem. E este é um conceito religioso. Ao longo do livro refere muito o pecado e o sofrimento. Não nascemos para ser felizes?Creio que não devemos buscar a felicidade, mas buscar significado. Uma das razões por que as minhas palestras são tão populares é porque nunca sugiro que devam buscar a felicidade. Sugiro que, se surgir, devem ficar profundamente gratos, porque é uma derrota da miséria; e, se está a acontecer, então devem gozar essa sorte. Se o Sol brilha, aproveite. Mas porque não há-de o Sol brilhar sempre?Porque as pessoas são frágeis. Há momentos extraordinariamente difíceis. Cometemos erros, temos de lidar com catástrofes morais, podemos ficar doentes ou um membro da nossa família, perder o emprego, envelhecer. As coisas mudam de maneira imprevisível. . . Portanto, tudo é sofrimento?Sim, é isso mesmo!Mas não devia. Bem, essa é a questão. As grandes tradições religiosas dizem que há uma motivação que permite que tenhamos opções, apesar das nossas limitações. O sofrimento e a maldade estão lá e temos de lidar com elas. Aceitar sem ressentimento, o que é muito difícil. Aceitar com amor, o que é difícil. Mas é o que fazemos quando amamos uma criança, ela é frágil e porta-se mal com frequência, mas a nossa atitude para com ela é positiva, decidimos que, apesar das suas limitações, vale a pena. Portanto, essa deve ser a nossa atitude para com a própria existência. Queremos pensar: “Isto vale a pena. Vale, apesar da luta, do sofrimento, da morte. ” Daí a ideia de que devemos imitar os valores mais altos. É uma exigência enorme para as pessoas, mas todas as outras alternativas que existem levam-nas a viver um inferno. Entre esses valores está a verdade, plasmado na regra n. º 8: “Diga a verdade, ou, pelo menos, não minta. ” Quando aqui cheguei, lembrei-me dos Dez Mandamentos. Não continuam actuais? Não são preferíveis às suas 12 regras?Bem, o propósito do livro é traçar regras para uma conduta ética que todos já conhecem. Há momentos em que aquilo que assumimos como verdade é posto em causa, o que traz instabilidade. Temos de lembrar às pessoas aquilo que já sabem, é verdade. Há duas coisas que me dizem constantemente, nas palestras, nos aeroportos: as pessoas contam-me sobre como a sua vida melhorou, com as decisões que tomaram depois de ler o livro; a segunda é que lhes dei palavras para expressar coisas que já sabiam que eram verdade. Ainda sobre a verdade: esta não se tornou ainda mais importante num momento em que as fake news ajudam a eleger presidentes?É sempre importante. A regra diz para dizer a verdade ou pelo menos não mentir. A verdade transforma o caos em ordem, diz o Génesis. As fake news não contribuem para o caos?Só a ideia de que as notícias são falsas contribui para o caos, porque algumas são só uma questão de opinião. Mas de cada vez que um jornalista escreve algo que sabe que não representa os factos, especialmente se for para chamar a atenção, está a corromper o diálogo e torna as coisas piores. No Ocidente, a palavra é sagrada e a estabilidade do mundo depende do carácter sagrado da palavra. Temos de nos dar bem uns com os outros e isso não acontecerá se trairmos e decepcionarmos os outros. Não é um problema para o mundo existir um presidente como Donald Trump que usa o Twitter para mentir ou para agredir os seus opositores?É um problema quando qualquer pessoa faz isso. E não diria que todas as mentiras são geradas no cenário político norte-americano. O presidente Trump está envolvido num jogo propagandístico muito complexo que está a ser jogado por diferentes jogadores. Acho que é um erro terrível pensar que ele é a fonte primária das fake news, há muito spin político. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Que mensagem transmite Trump quando expulsa um jornalista da Casa Branca?É sempre perigoso para alguém que está numa posição de poder como o Presidente interferir com a autonomia jornalística. É para isso que existe a imprensa livre e um dos riscos de ser Presidente dos EUA é aturar os jornalistas. O que está a acontecer é que, à medida que os media tradicionais enfrentam uma crise competitiva com o YouTube, podcasts e jornalismo online, a tentação de “sensacionalizar” leva a que se criem muitas fake news. É uma má estratégia, porque se perde a credibilidade. No seu livro afirma que os homens são pressionados a ser femininos e que isso leva a que se interessem pelo fascismo. Movimentos como o #MeToo ou os dos direitos dos homossexuais são uma forma de ditadura ou induzem-na?Qualquer organização tem tendência para a tirania, à medida que o tempo passa. É possível fazer uma analogia entre os primeiros passos do movimento LGBT e o movimento dos direitos civis norte-americanos e ver que houve um aumento, até ao infinito, do espectro da expressão sexual e de como as coisas podem ser levadas demasiado longe. A comunidade LGBT já ganhou uma guerra cultural: o cidadão comum não desaprova a homossexualidade e, se o fizer, não o diz. O casamento é legal. Ponto. Claro que ainda há preconceito, sim, mas não o suficiente que justifique o nível de activismo, especialmente ligado à ideologia niilista e neomarxista. Parece mais preocupado com o comunismo do que com o crescimento dos movimentos fascistas. Quando os meus alunos chegam à universidade, nunca ouviram falar das mortes causadas pelo comunismo. Falo sobre isso, mas também sobre o fascismo — tenho várias conferências no YouTube sobre isso. O que me preocupa é que as universidades estão cheias de radicais de esquerda e não os há de direita.
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo