Nem toda a Espanha vira costas ao Rochedo
Enquanto Madrid e Londres trocam ameaças, milhares de espanhóis atravessam a fronteira todos os dias para fugirem ao desemprego. Em La Línea de la Concepción, muitos preferem que Gibraltar permaneça território britânicoA Guardia Civil aperta o controlo na porta de entrada em Gibraltar. A poucos metros dali, dezenas de jovens fixam o olhar na porta de saída, nas inspecções aos veículos que deixam a colónia britânica para voltarem a entrar em Espanha. Sentados no chão, refugiados na sombra, mas à vista de todos, dividem a atenção entre a fronteira e o telemóvel. São "vigias", explica uma agente da Guardia Civil, co... (etc.)

Nem toda a Espanha vira costas ao Rochedo
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-19 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20130819160357/http://www.publico.pt/j1742712
TEXTO: Enquanto Madrid e Londres trocam ameaças, milhares de espanhóis atravessam a fronteira todos os dias para fugirem ao desemprego. Em La Línea de la Concepción, muitos preferem que Gibraltar permaneça território britânicoA Guardia Civil aperta o controlo na porta de entrada em Gibraltar. A poucos metros dali, dezenas de jovens fixam o olhar na porta de saída, nas inspecções aos veículos que deixam a colónia britânica para voltarem a entrar em Espanha. Sentados no chão, refugiados na sombra, mas à vista de todos, dividem a atenção entre a fronteira e o telemóvel. São "vigias", explica uma agente da Guardia Civil, com um encolher de ombros e um sorriso que transformam tudo num dado adquirido. Estão ali para garantir que quem entra em Gibraltar para fazer contrabando não regressa a Espanha com a desculpa de que o tabaco foi confiscado. A fronteira entre La Línea de la Concepción e Gibraltar é isto: uma questão de soberania para Madrid e Londres, com navios de guerra e ameaças de queixas nos tribunais internacionais, e um quotidiano de dependência entre dois mundos que não podem e não sabem viver um sem o outro. La Línea de la Concepción é também a fronteira que separa Espanha do sonho de recuperar Gibraltar à Coroa britânica. Com mais de 64. 000 habitantes, vive de frente para o Rochedo e de costas para o desenvolvimento. É uma das cidades com mais desempregados da província de Cádiz, uma das mais afectadas pelo desemprego em todo o país, com taxas superiores a 30%. "Olha, entre trabalhares num supermercado a ganhar 400 euros por mês e fazeres contrabando para alimentares melhor a tua família e pagar as contas, o que preferias?", pergunta um linense, que aceita falar sobre o clima de tensão entre Espanha e o Reino Unido, mas prefere manter-se anónimo - "Podia dar-te um nome, mas iria mentir. "Tem 62 anos, quatro filhas e seis netos. Mais a mulher e quatro genros, são pelo menos dez os que podiam contribuir para pôr mais comida na mesa. "De todos, só trabalham dois dos meus genros. Tenho duas filhas a tirar uns cursos profissionais, para não ficarem sem ocupação. Aqui não há trabalho. Não há indústria, não há turismo, não há comércio", diz. Depois de uma pequena pausa, tenta acomodar a ideia de contrabando à economia local: "Bem, comércio até há, se o comércio é comprar e vender. . . "Enquanto o navio britânico HMS Westminster cruza os mares para aportar em Gibraltar e Madrid ameaça levar a contenda para os tribunais, linenses e llanitos (como em Espanha se designam os habitantes de Gibraltar) preferiam que a tensão desse lugar ao bom senso. Porque o bom senso é bom para o negócio. David tem 38 anos e é taxista na cidade espanhola. À primeira abordagem torce o nariz a falar sobre "isso de Gibraltar", mas acaba por dizer mais do que o Governo de Madrid gostaria de ouvir. "Se aquilo fosse espanhol, nem os macacos lá ficavam. Gibraltar sempre deu de comer a este povo. Madrid está desligada da realidade desta cidade", acusa. Recusa-se a dizer o apelido, que "até é português", mas deixa uma ideia a Mariano Rajoy, que ouvimos da boca de outros habitantes de La Línea: "Se querem resolver isto, que façam uma zona franca aqui também, para podermos competir com eles. " Quanto à guerra de palavras entre Madrid e Londres, o espanhol é pragmático. "Cada um defende o que é seu. Entre os povos daqui, não há nenhum problema. "Política sem diálogoDo outro lado da fronteira, o Rochedo cresce muito para além das suas limitações geográficas. Com quase 30. 000 habitantes, Gibraltar está ligada a Espanha por um istmo, mas fica muito distante da crise financeira. Em contraste com as taxas de 30% e 40% no Sul de Espanha, o desemprego em Gibraltar não chega aos 3%. O Governo de centro-direita de Mariano Rajoy e o Governo de centro-esquerda gibraltino, liderado por Fabian Picardo, têm explicações diferentes para este fenómeno. Em inglês, chama-se "jurisdição vibrante e atractiva para o investimento europeu", mas Madrid prefere reduzir a eloquência a duas palavras: paraíso fiscal. A rivalidade entre Espanha e o Reino Unido por causa de Gibraltar tem 300 anos, mas a causa directa do recente clima de tensão começou em Julho, com o lançamento de 70 blocos de cimento na baía de Gibraltar, que o governo local descreve como um recife artificial para a preservação dos recursos piscatórios. Madrid acusa a colónia britânica de violar águas territoriais que considera suas e de prejudicar os pescadores espanhóis, que têm agora de evitar aquela zona para não verem as redes danificadas. Mesmo os habitantes de La Línea de la Concepción que admitem uma certa dependência do turismo em Gibraltar preferiam que o governo de Fabian Picardo tivesse dialogado com Madrid antes da criação do recife artificial, mas a diplomacia não é uma actividade bem-sucedida em nenhum dos lados da fronteira quando o assunto é o Rochedo. Questionado pelo PÚBLICO sobre as possibilidades de diálogo para ultrapassar a actual situação, Stuart Green, assessor de imprensa do governo de Gibraltar, não deixa espaço a esperanças: "Desde que o PP [espanhol] chegou ao poder, tem-se recusado a honrar as conversações tripartidas. Recusam-se a comunicar directamente com Gibraltar. E por que haveríamos de falar com Madrid sobre o que fazemos nas nossas próprias águas territoriais?"Controlos de surpresaPor estes dias, a aventura de atravessar a fronteira a pé ou de carro é uma lotaria. As autoridades espanholas dizem que o reforço do controlo é uma obrigação perante um território que não faz parte do espaço Schengen e uma medida para travar o contrabando. O Reino Unido e o governo de Gibraltar afirmam que é uma medida com intenções políticas. Seja como for, ninguém sabe o que vai acontecer quando se põe a caminho de Gibraltar, para trabalhar, passear ou fazer "comércio". Recostado numa cadeira num pequeno cubículo, um agente da Guardia Civil esforça-se para mostrar que se interessa pelos documentos de identificação de quem passa a fronteira a pé. O contraste entre estes dois mundos é evidente desde que se põe um pé em Gibraltar. Uma típica cabine telefónica vermelha marca o início da Avenida Winston Churchill, que corta o pequeno aeroporto a meio. A entrada para o centro da cidade, no sopé do Rochedo, avisa-nos que aquela era "a única entrada em Gibraltar sem ser por mar, reconstruída em 1727, depois de ter sido palco de duras batalhas em 13 cercos". O som monocórdico de uma harmónica e a agitação de turistas por causa das proezas dos famosos macacos servem de banda sonora a uma paragem para café no bar Landport, o primeiro a dar as boas-vindas a quem chega ao centro. Uma oportunidade para perceber se as relações entre os gibraltinos e os vizinhos de La Línea são vistas da mesma forma deste lado da fronteira. Seth Corvus tem 34 anos e trabalha no Landport a servir às mesas. Nasceu em Gibraltar, mas os pais levaram-no para Inglaterra aos sete anos. Regressou há três meses, para encontrar uma Gibraltar "maior". "Quando saí daqui, não existia a Ocean Village [um complexo que inclui a marina, um casino, apartamentos e empresas]. Era só água. Mas, no essencial, as pessoas não mudaram", diz. O gibraltino confirma as impressões recolhidas do outro lado da fronteira, mas não se detém apenas na reflexão sobre os povos. "As relações entre as pessoas de La Línea e de Gibraltar são boas. As relações com o Governo [espanhol] e com a Guardia Civil não são nada boas. Eles causam problemas na fronteira com regularidade. Fazem isso uma ou duas vezes por ano", acusa. E desta vez há uma diferença. "Estão muito mais agressivos, mas a Inglaterra também está a responder, enviando navios de guerra", referindo-se ao exercício militar no Mediterrâneo que tanto o Reino Unido como Espanha já fizeram saber que estava programado antes do recente clima de tensão. Seth Corvus prefere acreditar numa outra versão. Os ingleses estão a "mostrar os dentes" a Espanha e usam o argumento do exercício militar como um "encobrimento para chegarem a Gibraltar". Mas a ideia de que o conflito entre Londres e Madrid não beneficia ninguém na região mantém-se no discurso. "Os habitantes de La Línea beneficiam muito com o turismo em Gibraltar. É assim que eles conseguem encher os hotéis, porque ficar lá é muito mais barato do que ficar aqui", afirma. A conversa é bruscamente interrompida pelo choro estridente de uma criança. A sua avó acabara de cair num degrau do Landport, depois de a proprietária, uma gibraltina, lhe ter recusado o acesso à casa de banho por não estar a consumir. Depois de todas as conversas sobre boa vizinhança, sobe à superfície uma camada de tensão que simboliza o conflito entre Espanha e o Reino Unido. Há ameaças de queixas à polícia por parte da família espanhola e acusações de que a queda foi simulada. Que um sabe falar a língua do outro, mas que ambos fingem não saber. Saímos para a praça central de Gibraltar, onde o cheiro a "fish and chips", as casas de apostas e uma exposição sobre os The Beatles fazem com que qualquer britânico se sinta em casa. Sentado ao lado da mostra sobre os Fab Four de Liverpool, Joe Brugada, nascido no Rochedo há 74 anos, promove a venda de um CD com música tocada pela banda do Regimento Real de Gibraltar. A música que dá nome ao álbum tem como título "Stand Firm" ("Mantenham-se firmes") e o coro transpira orgulho: "Mantenham-se firmes, gibraltinos/Firmes como o Rochedo que guarda o mar. "A história repete-se: a firmeza a que Joe Brugada apela não é contra o povo de La Línea. "Eles dependem de nós para arranjarem trabalho e nós dependemos deles para termos trabalhadores", afirma. Mas a frase seguinte é também um aviso, que traz à memória os tempos do bloqueio imposto pelo general Franco em 1969, que só viria a ser levantado em 1982: "Quando as relações com o regime [de Espanha] se complicam, a força de trabalho é substituída por marroquinos ou por portugueses. "O orgulho de ser gibraltino nota-se em cada palavra, mas nenhuma delas é uma seta apontada ao povo vizinho. O problema é com "o regime espanhol". Aconteça o que acontecer entre Madrid e Londres, para Brugada a firmeza do Rochedo não é questionável: "A situação actual é má, mas não será pior do que na época do bloqueio. E nós sobrevivemos. "Na manhã seguinte, também a Guardia Civil mostrou a sua firmeza no cumprimento das ordens de Madrid, com o reforço das inspecções na fronteira. São 10h27 e Jessica Piedad desespera ao volante do automóvel na única fila que dá acesso a Gibraltar. Chegou a La Línea há uma hora, para começar a trabalhar às 10h no Rochedo. Um dia antes, 30 minutos chegaram para deixar a bandeira de Espanha no retrovisor e dar início a mais um dia de trabalho em território britânico; desta vez, Jessica estima que a fronteira de que tanto se fala por estes dias está ainda a hora e meia de distância, separada por uma rotunda e pela orquestra de buzinas em que se especializa quem pouco mais pode fazer do que esperar. Só falta uma rotunda, mas por aqui não há referência que sirva para medir a distância entre dois mundos que só vivem de costas voltadas nos discursos de Madrid e de Londres.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra mulher criança desemprego
Português Daniel Rodrigues é o fotógrafo ibero-americano do ano
Fotógrafo recebe prémio principal da secção ibero-americana do concurso Picture of the Year. E fica em segundo na categoria de retrato. Portfólio mostra o Irão contemporâneo, refugiados na Turquia e albinos no Malawi e em Moçambique. (...)

Português Daniel Rodrigues é o fotógrafo ibero-americano do ano
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Fotógrafo recebe prémio principal da secção ibero-americana do concurso Picture of the Year. E fica em segundo na categoria de retrato. Portfólio mostra o Irão contemporâneo, refugiados na Turquia e albinos no Malawi e em Moçambique.
TEXTO: Harrison Molcoshomi, nove anos, foi o que ficou. Quando dois homens entraram na casa onde dormia, a meio da noite, em Fevereiro de 2015, e levaram o seu irmão gémeo, ele teve sorte. Agredida com uma faca, a mãe, Edna, não conseguiu proteger os dois filhos. Ainda hoje o rapaz pergunta pelo irmão. Não vai à escola porque Edna acredita que os sequestradores são da região e hão-de voltar. Harrison Molcoshomi vive no Malawi e é um dos albinos que Daniel Rodrigues, 30 anos, registou com as suas câmaras e que fazem parte do portfólio que valeu a este português o prémio de fotógrafo ibero-americano do ano do concurso Picture of the Year Internacional – Iberoamérica 2017 (POY – Latam). Um portfólio que tem, por exemplo, mais albinos em Moçambique, onde a perseguição tem vindo a aumentar, refugiados na Turquia, jovens progressistas no Irão e pescadores na Mauritânia. As fotografia de Daniel Rodrigues foram escolhidas entre mais de 40 mil imagens concorrentes ao POY – Latam. Os retratos que fez de albinos no Malawi e em Moçambique são particularmente eficazes como instrumentos de denúncia de uma situação de perseguição e discriminação que tem vindo a agravar-se nestes dois países desde 2014, explica o fotógrafo numa das legendas que acompanham estas imagens que, com frequência, contam histórias dramáticas como a de Electério João, um homem de 23 anos da região de Nampula, um dos muitos casos em que é a própria família a responsável por pôr albinos em risco. Foi o cunhado quem organizou o seu rapto e tentou vendê-lo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O albinismo é uma anomalia genética que pode afectar qualquer raça e que decorre de uma insuficiência de produção de melanina. As pessoas por ele afectadas têm uma ausência total ou parcial de pigmentação da pele, dos cabelos e dos olhos, o que pode conduzir a problemas de visão. Em muitos países os albinos são perseguidos e marginalizados. Uns acreditam que são perigosos e manifestações demoníacas, outros que algumas partes do seu corpo podem trazer riqueza, sorte e até a cura de doenças. Daniel Rodrigues vive hoje em Portugal mas viaja pelo mundo como freelancer. Nascido em 1987, começou a carreira no diário Correio da Manhã, passando a trabalhar depois para a agência Global Imagens (Diário de Notícias, Jornal de Notícias e O Jogo). Entre as publicações que já recorreram ao seu trabalho estão The New York Times, The Wall Street Journal, Courrier International, Expresso, Folha de São Paulo e The Washington Post. Em 2013, Daniel Rodrigues ganhou o primeiro lugar na categoria “Daily Life” (quotidiano) do World Press Photo, o maior concurso de fotografia do mundo. A fotografia a preto-e-branco que lhe valeu o prémio foi tirada durante uma missão humanitária na Guiné-Bissau, em Março de 2012, e mostra um grupo de crianças descalças a jogar à bola. Quando ganhou o prémio estava desempregado e vira-se obrigado a vender a máquina fotográfica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens escola homem corpo humanitária perseguição raça discriminação rapto
Sitiado de Chelas entregou-se à PSP ao fim de dez horas de cerco
Ao fim de dez horas de cerco, o homem de 28 anos que se encontrava refugiado em sua casa, em Chelas, Lisboa, acabou por se entregar à PSP. (...)

Sitiado de Chelas entregou-se à PSP ao fim de dez horas de cerco
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 3 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-11-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ao fim de dez horas de cerco, o homem de 28 anos que se encontrava refugiado em sua casa, em Chelas, Lisboa, acabou por se entregar à PSP.
TEXTO: A detenção aconteceu cerca das 11h15 depois de as autoridades terem reforçado a presença da polícia no local para afastar os vizinhos que se juntavam à porta do prédio onde o jovem estava barricado desde a noite de terça-feira. A captura foi feita sem recurso a arrombamento, tendo o jovem aberto a porta de casa e sido levado no meio de vários elementos da polícia para um carro que o conduziu à esquadra. A PSP estava desde a meia-noite de terça-feira a cercar a casa do jovem no bairro da Boavista, em Chelas, sendo que no interior do apartamento estava igualmente o seu pai, o seu irmão e dois cães pitbull, disse à Lusa fonte policial. A mesma fonte revelou que os indivíduos cercados possuem uma caçadeira e que os agentes aguardam a autorização de um juiz para entrar em casa e executar o mandado. Ao início da madrugada, um agente da PSP foi ferido quando tentava executar um mandado de detenção, disse fonte dos bombeiros. O polícia terá perseguido o homem depois de o ter localizado na rua e por saber que o mesmo tem pendente um mandado de detenção para cumprimento de uma pena efectiva de dois anos de cadeia. O elemento policial, que ficou ferido num pulso, foi transportado para o hospital de São José, tendo sido suturado com 15 pontos.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
A divisão europeia sobre os refugiados vê-se nos dezenas de milhares que saíram à rua
Multidões em Londres e Copenhaga exigiram aos seus governos que façam mais. Aos apelos do Ocidente, responderam concentrações nacionalistas e anti-imigração nos países do Centro da Europa. (...)

A divisão europeia sobre os refugiados vê-se nos dezenas de milhares que saíram à rua
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 18 Migrantes Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Multidões em Londres e Copenhaga exigiram aos seus governos que façam mais. Aos apelos do Ocidente, responderam concentrações nacionalistas e anti-imigração nos países do Centro da Europa.
TEXTO: O dia da defesa dos refugiados foi também o dia das grandes divisões europeias. Quarenta mil pessoas em Londres e 30 mil em Copenhaga exigiram este sábado que os seus governos fizessem mais para acolher as centenas de milhares de refugiados que chegaram este ano à Europa. No Ocidente, dezenas de cidades europeias fizeram eco destes dois epicentros da reivindicação por uma Europa inclusiva. Mais a Leste, porém, sobressaiu o tom anti-imigração. Os protestos enquadram as divisões europeias à entrada para uma semana de decisões importantes em Bruxelas. E, nos casos de Londres e Copenhaga, são dedos apontados a governos conservadores que resistem em abrir portas. O Reino Unido anunciou na semana passada que vai dar asilo a 20 mil refugiados sírios ao cabo de cinco anos, mas só os que estão agora em campos de países vizinhos à Síria. Na sexta-feira, o Governo dinamarquês disse que não faria parte do novo sistema de quotas proposto pela Comissão Europeia. Copenhaga espera receber 20 mil refugiados este ano, embora o novo Governo conservador tenha recentemente cortado nos benefícios sociais a requerentes de asilo. A multidão de Londres recebeu em ovação o recém-coroado líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn. Corbyn e o seu partido defendem que o Reino Unido pode receber mais refugiados do que os que diz estar pronto para aceitar. “São seres humanos, tal como vocês, tal como eu. Vamos lidar com esta crise de refugiados com humanidade, com apoio, com a compaixão de tentar ajudar pessoas que estão a tentar chegar a segurança”, afirmou, na Praça do Parlamento, em Westminster. “Estou aqui para apoiar os refugiados que foram arrastados de suas casas pelo que está a acontecer na Síria, pelas bombas e a matança”, dizia em Copenhaga um homem identificado como Harra, nascido em Marrocos. Ao lado, a vizinha Suécia espera receber 80 mil pedidos de asilo este ano. Assistiu-se ao mesmo tom em várias cidades francesas, em Haia marcharam centenas em silêncio e, em Viena, ponto-chave do fluxo de refugiados na Europa, cerca de 6000 pessoas repetiram as palavras de ordem que chegaram às redes sociais: “Refugiados bem vindos”. Em Berlim esperavam-se 5000 pessoas para uma vigília à luz das velas e, em Hamburgo, onde se proibiu um protesto da extrema-direita, mais de 10 mil pessoas apoiaram quem foge à guerra, fome, perseguição e discriminação. A Alemanha já recebeu 450 mil pedidos de asilo este ano e prepara-se para quase o dobro. Só neste fim-de-semana devem chegar 40 mil pessoas ao país. Segundo o Der Spiegel, escolas, hospitais e centros de acolhimento estão no limite. Europa anti migranteA Leste nada de novo. Às marchas de solidariedade em Praga, Bratislava e Varsóvia, corresponderam protestos contra a chegada de refugiados à Europa. Em alguns casos, os protestos são comparáveis, mas noutros, como em Varsóvia, lideraram as marchas nacionalistas. “Isto é guerra! Guerra entre duas civilizações”, ouviu-se da boca de “vários milhares” de pessoas na capital polaca, segundo escreve o Gazeta Wyborcza. A pequena multidão de mil pessoas que pedia um melhor acolhimento não se comparava à massa de cartazes negros, bandeiras vermelhas e brancas e os gritos que acusavam a Alemanha de lhes roubar a soberania. O mesmo tom em Bratislava. “Atraiçoaram a Europa”, lia-se num cartaz da marcha nacionalista. Nele, as caras da chanceler alemã, Angela Merkel, e do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Ou, como eram retratados, “Frau Sharia” e “Mohamed Juncker”. Os movimentos de protesto na Europa Central não se comparam às demonstrações a Ocidente, mas vincam as grandes divisões europeias. Segunda-feira reúnem-se os ministros europeus do Interior e, nos dois dias seguintes, encontram-se os líderes dos Vinte e Oito. Discutem as propostas do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que, para além da revisão das regras de asilo na Europa, sugere um novo sistema de quotas que distribua 160 mil refugiados. Tem por diante as oposições da Hungria, República Checa e Eslovénia, e a ambiguidade do Governo polaco. A proposta de OrbánAs cisões parecem ter resistido a um encontro na sexta-feira entre os ministros dos negócios Estrangeiros do bloco dos menos inclusivos com o líder da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeier. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, líder informal do movimento anti migração na Europa, insiste em dizer que o que está em causa são pessoas que querem “uma vida alemã, ou talvez sueca”, e não refugiados. E este sábado avançou com uma proposta alternativa ao “mundo de sonho” em que diz viver a Europa Ocidental. Em entrevista ao tablóide alemão Bild, um dos jornais que mais activamente faz campanha pelo acolhimento de refugiados na Europa, Orbán defendeu a sua postura não inclusiva: para quem vem para a Europa, “as condições de vida na Grécia, Macedónia, Sérvia, Hungria e Áustria não são boas o suficiente”. E, dizendo Orbán que as mais de 430 mil pessoas que atravessaram este ano o Mediterrâneo estavam “protegidas” em países “como o Líbano, Jordão e Turquia”, em campos de refugiados, a sua solução é a União Europeia enviar “um gigantesco apoio financeiro aos países vizinhos da Síria para reduzir o número de refugiados”. Como? “Sugiro que cada país dê mais 1% ao Orçamento da União Europeia e que ao mesmo tempo reduzamos a despesa para outros propósitos”. Hungria e Áustria são os grandes canais do interior europeu para a massa de gente que quer chegar à Alemanha. Mas as práticas de Viena e Budapeste são muito diferentes. Enquanto na Áustria há organizações de apoio humanitário nas estações de comboio sobrelotadas e equipas que recebem quem atravessa a fronteira a pé, na Hungria, onde se ergue um novo muro de quatro metros e arame farpado na sua fronteira Sul, milhares de refugiados são enviados todos os dias para centros de identificação. Uma voluntária austríaca acusou estes centros de tratarem refugiados "como se fossem animais". Tanto que, neste sábado, o chanceler austríaco comparou o tratamento húngaro de refugiados com as deportações nazis. “Pôr refugiados em comboios e enviá-los para um local completamente diferente do que o que esperavam lembra-nos do capítulo mais negro da história do nosso continente”, diz Werner Faymann, numa entrevista publicada este sábado na revista Der Spiegel.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra humanos imigração fome negro homem perseguição discriminação
Chipre é a grande barreira ao acordo sobre os refugiados com a Turquia
Na cimeira de Bruxelas, a Comissão Europeia propõe medidas para que o processo de devolução seja legal. Prevê acelerar análise dos pedidos de asilo e criar centros de detenção nas ilhas gregas. (...)

Chipre é a grande barreira ao acordo sobre os refugiados com a Turquia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 18 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-10-25 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20161025003625/https://www.publico.pt/1726377
SUMÁRIO: Na cimeira de Bruxelas, a Comissão Europeia propõe medidas para que o processo de devolução seja legal. Prevê acelerar análise dos pedidos de asilo e criar centros de detenção nas ilhas gregas.
TEXTO: Convencer Chipre a aceitar o acordo da União Europeia com a Turquia para impedir que os refugiados da guerra da Síria continuem a chegar à Grécia é a grande tarefa da Comissão Europeia, que tenta o tudo por tudo para o fazer passar na cimeira de quinta e sexta-feira. Sublinhando o seu carácter “extraordinário e ao mesmo tempo temporário”, e que “não há alternativa” a esta proposta, a Comissão mobilizou-se numa ofensiva diplomática para tentar afastar as dúvidas sobre a sua legalidade. O Presidente cipriota, Nicos Anastasiades, ameaçou vetar qualquer progresso nas negociações de acesso da Turquia à UE – uma contrapartida do acordo para Ancara receber todos os migrantes que a Europa recusar. Só não o fará se a Turquia abrir os portos e aeroportos turcos aos aviões e navios cipriotas, reconhecendo a República de Chipre. Desde 1974 que a ilha está partida ao meio, quando o Norte, após uma invasão turca, declarou a independência. Anastasiades resiste a esta pressão. “É despropositado, contra-produtivo, para não dizer inaceitável, colocar o peso da responsabilidade da crise dos migrantes às minhas costas, ou às costas da República de Chipre”, afirmou. Mas é isso que a diplomacia europeia está a fazer – embora esteja também a insistir com Ancara para que apoie as negociações de reconciliação em Chipre, que pela primeira vez em muitos anos parecem bem encaminhadas. A Comissão Europeia divulgou vários documentos, antes da cimeira, para concretizar a proposta de Ancara, que tem como ideia central a devolução à Turquia de quem tenha chegado à Grécia por vias ilegais, ainda que seja sírio. Por cada pessoa mandada para trás, a UE compromete-se a receber um refugiado que esteja na Turquia legalmente. O objectivo desta troca por troca será acabar com “os fluxos irregulares de migrantes a viajar no mar Egeu, substituindo-os por um processo legal e ordeiro de reinstalação”, afirmou o principal vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. Em Bruxelas, considera-se que com as fronteiras da Europa fechadas, e com os migrantes que entrem de forma irregular na Grécia a serem mandados para trás, mata-se a galinha dos ovos de ouro dos traficantes. “Temos a oportunidade de pôr fim de uma vez por todas ao modelo de negócio dos traficantes e acabar com o sofrimento humano ligado a estas actividades criminais”, afirmou. No entanto, a Comissão Europeia quer garantir que cumprirá a lei. “As devoluções só podem ocorrer de acordo com o quadro legal internacional e da UE”, disse Timmermans. Só que para mandar para trás alguém com necessidade de protecção internacional, é preciso ter a certeza de que vai para um país seguro. E é preciso garantir que, antes, teve a possibilidade de pedir asilo na Grécia, que o seu caso foi apreciado de forma individual, e que pôde recorrer da decisão, no caso de a resposta ter sido negativa. Tudo isto leva tempo, muito tempo numa situação normal. O que a Comissão propõe é uma grande aceleração desse processo na Grécia, ao abrigo de um ponto da Directiva de Procedimentos de Asilo que reconhece que, “em algumas circunstâncias, pode aplicar-se um processo expedito em que não é necessário examinar a substância de um pedido”, explicou Timmermans. Isto pode acontecer se a pessoa já foi reconhecida como refugiada, se puder ter protecção considerada suficiente “num primeiro país de asilo” ou se vier para a UE a partir de “país terceiro seguro” que possa garantir protecção, sublinhou o comissário europeu. Essa descrição aplica-se à caracterização que está a ser feita da Turquia. Centros de detençãoA Grécia e a Turquia precisarão de fazer alguns ajustes na sua legislação, diz um dos relatórios divulgados esta quarta-feira. Muitos têm a ver com a aceleração dos processos de reenvio dos migrantes em situação irregular para a Turquia – com custos estimados em 20 milhões de euros por mês em transportes. De Atenas espera-se ainda que aumente, muito, a capacidade de resposta do Serviço Grego de Asilo “para possibilitar o reenvio expedito, bem como a rápida aceitação das requisições de asilo”, diz o relatório, desta vez sem quantificar os custos. Nada é dito sobre a possibilidade de Ancara reconhecer plenamente o estatuto do refugiado, aprovado após a II Guerra – aplica-o apenas a refugiados da Europa. “A Turquia devia acabar com todas as restrições à Convenção de Genebra”, disse à Reuters Zeid Ra'ad Al Hussein, o Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. “Temos muitas preocupações com a situação dos direitos humanos na Turquia. ”Zeid Ra'ad Al Hussein alertou que os hotspots nas ilhas gregas se podem tornar “centros de abuso”, ainda antes de o relatório da Comissão ter reconhecido que os actuais centros de registo dos refugiados vão ter de ser muito ampliados e mudar de carácter. Terão de ter “espaço de detenção suficiente para os indivíduos que apresentam um risco de evasão. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Se os oceanos ficarem mais quentes e ácidos, o bacalhau irá tornar-se um refugiado climático
Cientistas da Alemanha e Noruega criaram três cenários para saber como o bacalhau reagirá às alterações climáticas. Para que não mude a sua casa mais para norte, temos de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa – problema que começou no domingo a ser discutido na conferência da ONU sobre alterações, este ano na Polónia. (...)

Se os oceanos ficarem mais quentes e ácidos, o bacalhau irá tornar-se um refugiado climático
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 13 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cientistas da Alemanha e Noruega criaram três cenários para saber como o bacalhau reagirá às alterações climáticas. Para que não mude a sua casa mais para norte, temos de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa – problema que começou no domingo a ser discutido na conferência da ONU sobre alterações, este ano na Polónia.
TEXTO: Cozinhado de infinitas formas, o bacalhau é um hábito em muitas mesas portuguesas. Mas, devido à pesca excessiva, poluição e ao aquecimento global, tem vindo a ficar cada vez mais vulnerável. Preocupados (sobretudo) com as consequências das alterações climáticas no bacalhau-do-atlântico – o que se consome mais em Portugal – e no bacalhau-do-árctico, cientistas da Alemanha e Noruega criaram cenários sobre o que lhes acontecerá caso as emissões de gases com efeito de estufa continuem a subir. Os resultados não deixam dúvidas: caso essas emissões continuem a aumentar, as populações de bacalhau poderão diminuir e mudar o seu habitat mais para norte. Ou seja, podem tornar-se refugiados climáticos, como ilustra esta equipa de cientistas. Viajemos até às águas do Atlântico Norte e do Árctico. Nelas encontramos o bacalhau-do-atlântico (Gadus morhua) e o bacalhau-do-árctico (Boreogadus saida). Ambos gostam de águas bem frias durante a sua reprodução: o bacalhau-do-árctico reproduz-se em águas entre os zero e os 1, 5 graus Celsius, já o bacalhau-do-atlântico prefere águas um pouco mais quentes (mesmo assim muito frias para nós) entre os três e os sete graus Celsius. Como gostam de águas tão geladas, estas espécies ficam vulneráveis às alterações climáticas, que podem tornar as águas do Atlântico Norte e do Árctico mais quentes como resultado da emissão de gases com efeito de estufa. Há ainda o problema da acidificação dos oceanos: quanto mais dióxido de carbono (CO2) houver na atmosfera, mais dióxido de carbono se dissolve nos oceanos. Simplificando: o CO2 e a água ligam-se e formam ácido carbónico, o que acidifica os oceanos. “Isto significa que o bacalhau-do-atlântico e o bacalhau-do-árctico poderão ter um stress duplo no futuro: o seu habitat ficará simultaneamente mais quente e mais ácido”, aponta Flemming Dahlke, ecólogo marinho do Instituto Alfred Wegener (Alemanha) e autor do trabalho publicado na revista científica Science Advances, num comunicado da sua instituição. Foi com estas preocupações que Flemming Dahlke e a sua equipa iniciaram uma investigação para saber quais as consequências das alterações climáticas nessas duas espécies. Para isso, fizeram experiências com ovos do bacalhau-do-atlântico e do bacalhau-do-árctico. Primeiro, apanharam peixes já adultos no mar de Barents e transportaram-nos para instalações no Norte da Noruega. Através deles, tentarem perceber como o bacalhau reage à acidificação e ao aumento da temperatura dos oceanos. E porquê fazer esta experiência durante o desenvolvimento embrionário? Porque nesta fase o bacalhau está particularmente sensível à mudança das condições ambientais. Por exemplo, o bacalhau-do-atlântico adulto aguenta temperaturas dentro dos 20 graus Celsius, enquanto os seus ovos só suportam temperaturas por volta dos três graus Celsius. Já o bacalhau-do-árctico adulto tolera três graus Celsius, mas os seus ovos ficam-se pelos zero e os 1, 5 graus. Voltemos à experiência. Os cientistas observaram como os ovos de bacalhau são sensíveis: um pequeno aumento na temperatura pode provocar a morte de ovos ou causar deformações nas larvas. A situação ainda é mais preocupante quando a água é ácida. Se a água tiver um nível de pH de 7, 7 (mesmo quando as temperaturas são mais baixas), o número de embriões que não sobrevive aumenta entre 20% e 30%. Mas a experiência não terminou aqui. A equipa criou três cenários climáticos para prever como é que os ovos de bacalhau sobreviverão nos oceanos em 2100. No cenário mais gravoso (RCP8. 5) não haverá uma redução de gases com efeito de estufa até ao final do século. Por sua vez, no cenário intermédio (RCP4. 5) existirá uma ligeira redução desses gases. Já num cenário menos gravoso (RCP2. 6) os gases com efeito de estufa serão fortemente reduzidos. “No cenário mais gravoso, ambas as espécies serão muito afectadas porque o aquecimento e acidificação dos oceanos excederão os limites de tolerância dos ovos. As espécies não se poderão reproduzir mais nos sítios onde agora habitualmente o fazem”, diz ao PÚBLICO Flemming Dahlke. “Estas espécies serão forçadas a movimentarem-se para regiões mais frias, o que será difícil para o bacalhau-do-árctico porque prefere temperaturas à volta dos zero graus Celsius. ”Relativamente ao cenário intermédio, os impactos no bacalhau-do-atlântico poderão ser minimizados, mas o bacalhau-do-árctico continuará em perigo. As duas espécies só ficarão a salvo no cenário menos gravoso, ou seja, se a temperatura média global não ultrapassar os 1, 5 graus Celsius em relação ao período pré-industrial e até ao final do século (tal como apontado no relatório divulgado em Outubro do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) e ficar bem abaixo dos dois graus Celsius (como sugerido no Acordo de Paris de 2015, durante a 21ª Conferência das Partes, COP21, da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas). A propósito, começou no último domingo e termina a 14 de Dezembro a COP24 em Katovice, na Polónia. As novas tecnologias favoráveis ao clima, a população humana como factor de mudança, o papel da floresta e a adopção de uma decisão que garanta a plena execução do Acordo de Paris são alguns dos assuntos em cima da mesa. “O pacote de implementação dará ao Acordo de Paris uma forma realista, definindo um caminho que cada país decidirá seguir para intensificar os esforços para proteger o clima. Para simplificar, não há Acordo de Paris sem Katovice”, diz a organização da conferência citada pela agência Lusa. Na parte final da conferência, Portugal estará representado pelo ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes. Ao longo da iniciativa também participarão especialistas e ambientalistas portugueses. A indústria, os transportes, os oceanos, as zonas costeiras energia, uso da terra, finanças, consumo responsável, inovação, desporto ao turismo são alguns dos temas que estes especialistas discutirão. Temas que – por estarem relacionados com as alterações climáticas – terão influência na situação do habitat e reprodução do bacalhau. “A tolerância reduzida dos ovos representa um problema crítico para a reprodução do bacalhau-do-atlântico e do bacalhau-do-árctico quando estão sob influência das alterações climáticas”, alerta Flemming Dahlke. “Se as alterações climáticas não forem combatidas, a probabilidade de sobrevivência dos ovos destas espécies poderá reduzir-se em mais de 50%, levando possivelmente a mudanças na distribuição e abundância [das suas populações]. Mas uma ambiciosa redução dos efeitos das alterações climáticas poderá evitar impactos perigosos nestas importantes espécies. ”Portanto, o bacalhau tem um desafio fulcral: encontrar águas com uma temperatura que lhe permita desenvolver os seus ovos. Actualmente, o bacalhau-do-atlântico reproduz-se perto do arquipélago de Lofoten, no Noroeste da Noruega. Depois, as correntes dão uma ajudinha e levam os ovos e as larvas mais para norte, onde há condições de vida ideais para o seu desenvolvimento. “Se as populações de bacalhau-do-atlântico e as suas zonas de reprodução mudarem no futuro mais para nordeste, este peixe irá reproduzir-se, muito provavelmente, num sistema de correntes completamente diferente”, prevê o ecólogo marinho. “Isso pode acontecer, mas ainda não podemos avaliar esses efeitos. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ao longo dos tempos, o bacalhau tem tido uma importância determinante. O bacalhau-do-árctico é o peixe mais abundante no Árctico e é um recurso alimentar essencial para aves, focas e baleias. Já o bacalhau-do-atlântico tem um elevado valor comercial e, em cada ano, são capturadas um milhão de toneladas. Aliás, uma descrição da pesca (e importância para os portugueses) deste peixe foi feita por Alan Villiers, especialista em assuntos náuticos, no livro A Campanha do Argus. “Já só temos isco para mais um dia – disse o capitão Adolfo, fixando o Creoula, ancorado perto de nós. Finalmente, fazia bom tempo e havia bacalhau com fartura”, lê-se numa edição de 2014 da Cavalo de Ferro. Para que o bacalhau não se torne um refugiado climático – além de reduzirmos as emissões de gases com efeito de estufa –, Flemming Dahlke aponta que se deve fazer uma gestão sustentável das pescas para se evitar assim uma pesca excessiva. “Devemos ainda proteger potenciais habitats de refúgio no Árctico da exploração de petróleo e de outras formas de intervenção humana”, avisa o ecólogo antes que seja demasiado tarde.
REFERÊNCIAS:
“São pessoas iguais a mim, que tinham uma vida mais ou menos normal"
Jorge Sá, de 34 anos, e a companheira, Milica, de 38, passaram o mês a ajudar sírios, afegãos e iraquianos, na Sérvia. (...)

“São pessoas iguais a mim, que tinham uma vida mais ou menos normal"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.161
DATA: 2015-09-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jorge Sá, de 34 anos, e a companheira, Milica, de 38, passaram o mês a ajudar sírios, afegãos e iraquianos, na Sérvia.
TEXTO: Cheguei a Belgrado, à Sérvia, a 10 de Setembro. Vim de férias. A minha companheira, Milica, é daqui. Fomos ver os pais dela e dois ou três dias depois estávamos a repartir bens de primeira necessidade entre as pessoas que passam pela cidade a caminho da União Europeia. Impossível ficar indiferente. Juntei-me à equipa de voluntários da CZA, uma organização não governamental local, de que a Milica já fazia parte. Duas vezes por dia, um grupo distribui pastas dentífricas, escovas de dentes, gel duche, champô, cuecas, meias, calçado – coisas pequenas; as pessoas estão em viagem, não podem carregar coisas grandes. Sou enfermeiro há oito anos – tenho experiência de trabalho em São Tomé, no Reino Unido, em Portugal. Não me lembro de me ter emocionado com as pessoas com quem lidei como profissional de saúde, mas emociono-me aqui. São pessoas iguais a mim, que tinham uma vida mais ou menos normal, um trabalho, uma casa, um cão, um gato, sei lá, e que, de um momento para outro, deixaram tudo para trás, fizeram-se ao caminho, quase sem nada, a não ser aquela força – uma força incrível. Tenho lido o que alguns têm escrito nas redes sociais. Há gente solidária e gente que não percebe o que está a acontecer, que não percebe que estas são pessoas que lutam pela vida delas, pela vida dos filhos delas quando os têm, e esbarram em obstáculos. Há um país que tem o exército à espera delas. Há um país que primeiro diz que deixa passar e depois diz que não. Há países que discutem se os acolhem ou não. Tenho ido a duas áreas, no centro de Belgrado, perto da estação de camionetas. Não são campos de refugiados no sentido clássico. É um parque com relva e árvores e outro com chão de alcatrão, que por norma é usado para feiras. As pessoas chegam aqui de camioneta e ficam umas horas, uma noite, à espera de uma mensagem, de uma chamada, de um sinal qualquer, e voltam a partir de camioneta. Não são todos sírios. Tenho conhecido pessoas oriundas da Síria, mas também do Afeganistão e do Iraque. Não falo árabe, curdo nem pastó. Falo inglês, gesticulo. Umas pessoas falam inglês, outras não. Recordo-me, por exemplo, de um grupo grande de afegãos, seriam uns 20 ou 25, só com um elemento que falava inglês. Eu falava com ele e ele traduzia para os outros e vice-versa. Nem todos querem falar. Tem de se dar espaço. Nem sempre dá tempo. É tudo mais ou menos rápido. Pergunto se precisam de alguma coisa, como está a correr, de onde vêm, para onde querem ir, se sabem para onde querem ir. Quando a Hungria decidiu erguer muros de arame farpado na fronteira com a Sérvia e a Croácia anunciou que deixaria toda a gente passar, tentámos dizer isso às pessoas, aconselhá-las a mudar a rota. Elas tinham saído dos países de origem há cinco, seis, sete dias. Não sabiam o que estava a acontecer. Estavam às escuras. Dissemos-lhes que não valia a pena irem por lá, que só iam gastar dinheiro, tempo, mas elas insistiam. A realidade muda de dia para dia, mas as pessoas continuaram a passar por aqui, vindos do Sul, da Grécia, em direcção ao Norte. Alguns não fazem ideia do que é a União Europeia. Não sabem que é uma união económica e política de 28 países. Só sabem que querem ir para “a Europa”. Quase todos querem chegar à Alemanha. Não sei se é pelo discurso da chanceler alemã, Angela Merkel, se pelo efeito de multidão. Não sei quantas pessoas estão aqui agora. Com tanta gente, a relva desapareceu do parque relvado. Ficou terra. Tem estado sol. No primeiro dia que vim ajudar tinha chovido. Era um lamaçal. O parque alcatroado tem um parque de estacionamento com dois pisos. As pessoas ocuparam o piso inferior. O estado sérvio tenta ser prestável. Há sempre água potável. Instalaram casas de banho portáteis num lado e noutro. Funcionários públicos limpam tudo várias vezes por dia. Há sempre uma equipa médica a trabalhar. Há sempre polícia. Os guardas não têm uma postura agressiva. Não sei o que dizem. Não falo servo-croata. Só posso avaliar a linguagem corporal. Sinto que o ambiente não é tenso. Não há muito para distribuir. Quase tudo o que aqui chega é doado por sérvios e os sérvios não têm muito para doar. Há uns dias chegou uma carinha da Cruz Vermelha com donativos de uma escola da Bósnia. Chegaram a tempo do nosso turno da noite. Estivemos a distribuir tudo o que eles trouxeram. Volto para Portugal na próxima terça-feira, dia 29 de Setembro. Quando chegar ao Porto, vou logo organizar uma recolha. Vou começar pelo círculo de amigos. Quero entrar em contacto com pessoas que já fizeram isto, Caravana Aylan Kurdi, e com outras que não fizeram mas querem fazer (jorgyte@gmail. com). Falta tudo aqui. Temos de nos mexer. Parece que é uma coisa muito distante, que passa nas televisões, com pessoas estranhas, mas não é, são pessoas como nós, à entrada da União Europeia.
REFERÊNCIAS:
Abuso sexual de crianças: "Molduras penais deviam ser muitíssimo maiores”
Anabela Neves defende o polémico acesso dos pais às listas de predadores sexuais de menores, cuja criação deverá ser aprovada em breve em Conselho de Ministros. (...)

Abuso sexual de crianças: "Molduras penais deviam ser muitíssimo maiores”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.083
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501195124/http://www.publico.pt/1678698
SUMÁRIO: Anabela Neves defende o polémico acesso dos pais às listas de predadores sexuais de menores, cuja criação deverá ser aprovada em breve em Conselho de Ministros.
TEXTO: É médica do Instituto de Medicina Legal especializada em abusos sexuais. O seu trabalho consiste em fazer exames médicos aos abusadores de crianças e às suas vítimas, que chegam a necessitar de cuidados cirúrgicos. Está também a fazer uma tese de doutoramento em neuropsicologia na Faculdade de Psicologia na Universidade de Salamanca sobre as alterações neuronais que surgem no cérebro das crianças abusadas. O predador é um sedutor, um manipulador, avisa. “Nós gostamos de pensar que são feios porcos e maus, mas não é verdade. ”Por que começou a interessar-se por abusos sexuais de menores?Das primeiras coisas que vi, quando era estagiária no Hospital de Santa Maria, há 31 anos, foi uma criança de meses contra quem tinha sido perpetrada uma cópula, que acabou por falecer. Eu nem sonhava alguma vez ir para medicina legal. Qual é a idade a partir da qual uma criança sobrevive a um abuso sexual com penetração?A partir dos nove anos. Até aos seis, particularmente nas raparigas, a cópula pode provocar lacerações graves a nível perineal e hemorragias mortais. E nos meninos?Os esfíncteres anais são muito mais extensíveis. Mas estamos a falar de crianças que não desejam o acto – e cujos órgãos são mais pequenos. Contudo, o risco de morte é menor no rapaz do que na menina até aos seis anos. Agora os predadores são espertos. Sabem perfeitamente o que vão fazer e não querem pôr em risco a vida da criança, que os faria correr o risco de serem identificados. Portanto, estes casos são pouquíssimos. Ao longo da sua carreira lembra-se de casos que a tenham marcado mais?Muitos. Muitos. A comunicação social falou bastante do indivíduo que cloroformizava crianças para ter contactos sexuais com elas. Foi dramático. O clorofórmio é muito tóxico. Neste caso, à incapacidade de resistência somou-se o dano corporal grave. Os crimes sexuais provocam traumas diferentes de outros crimes ?Numa criança são comparáveis ao trauma de guerra. Mas as consequências dependem do tipo de abuso, da sua frequência e da relação da vítima com o predador. E ainda do suporte que essa criança tem, quer na sua esfera familiar quer a nível psicoterapêutico. A minha tese de doutoramento é, aliás, sobre a forma como o abuso sexual afecta as funções executivas do lobo frontal [do cérebro]. Nem todas as pessoas abusadas vão desenvolver stress pós-traumático, consubstanciado no recordar dos factos, em pensamentos recorrentes, angústia…Já falou com muitos predadores?Sim. E muitas vezes descupabilizam-se: “Ah, bom! Também dei prazer à criança (ou à adolescente). E da maneira que andava vestida estava mesmo a querer que as coisas acontecessem!”. Também alegam que é uma maneira de iniciar sexualmente a criança. Infelizmente, tenho mesmo ouvido algumas mães dizer: “Isto não teria acontecido se ela não andasse assim vestida. ” Está a esquecer-se de uma coisa que é o raciocínio e o juízo crítico – que nos diferencia dos outros animais. Naturalmente que temos impulsos. Mas não é por isso que passamos à acção. Há diferenças entre predadores e pedófilos?Dentro dos predadores, temos os pedófilos. O pedófilo é aquele que, por definição, tem actividades sexuais com crianças pré-púberes – ou seja, sem caracteres sexuais secundários, não têm sequer pêlos púbicos, e, no caso dos rapazes, que ainda não têm alterações da voz . Qual é o perfil do predador?Tem uma personalidade anti-social. É aquele tipo de pessoa que não tem resguardo dos direitos dos outros. Para obter poder, dinheiro, sexo, passa por cima de tudo. Normalmente é um sedutor, simpatiquíssimo. É doce, toda a gente gosta dele – dá-se bem com Deus e com o diabo. Alicia as pessoas, é um manipulador. É aquele amigo da família que é querido, que vai oferecer um Ipad ao nosso filho mesmo quando ele não precisa de outro tablet, numa interacção abusiva. Nós gostamos de pensar que são feios porcos e maus, mas não é verdade. Que percentagem dos predadores são pedófilos?Uma percentagem bastante substancial. Destes pedófilos, 70% têm outras parafilias, como o exibicionismo ou o voyeurismo. Há os que procuram ajuda psiquiátrica e por isso não chegam à acção. Mas são uma percentagem pequena. É possível um pedófilo alegar em tribunal que é doente e não ir para a cadeia?Tenho para mim que na pedofilia não há inimputabilidade. Mas quem estabelece isso é a psicologia forense, que determina se a pessoa, naquele preciso momento, estava capaz de avaliar o seu acto e mesmo assim passou à acção. Para mim, a pedofilia não é um termo da esfera criminal, mas da esfera psiquiátrica. O psicólogo forense tem de ouvir a vítima e o predador para determinar se este último é um pedófilo ou tem uma personalidade anti-social.
REFERÊNCIAS:
Menina e Moça, uma livraria-bar no coração da boémia lisboeta
Novo espaço no Cais do Sodré quer levar os autores lusófonos aos locais e aos turistas, num ambiente que evoca essa boémia onde a literatura tantas vezes floresce. (...)

Menina e Moça, uma livraria-bar no coração da boémia lisboeta
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Novo espaço no Cais do Sodré quer levar os autores lusófonos aos locais e aos turistas, num ambiente que evoca essa boémia onde a literatura tantas vezes floresce.
TEXTO: Entrar na Menina e Moça, a nova livraria-bar do Cais do Sodré, é ser convidado a rever velhos amigos e a travar conhecimento com novos – uns feitos de papel, outros de carne e osso –, enquanto tomamos um café ou beberricamos um copo de vinho. O espaço agora inaugurado na Rua Nova do Carvalho, em Lisboa, tem como regra única a língua portuguesa e quer aproximá-la de lisboetas e estrangeiros. “Esta é uma homenagem aos autores portugueses, à gastronomia portuguesa e à cidade de Lisboa”, diz a proprietária, Cristina Ovídio, que tem vindo a criar uma relação próxima com a literatura portuguesa ao longo da sua carreira na edição, primeiro na Oficina do Livro, depois na Planeta e, mais recentemente, na Clube de Autor, onde trabalha com autores como Mário Zambujal, Miguel Sousa Tavares ou Clara Ferreira Alves. “Queremos que este seja um espaço de animação cultural, de leitura e de tertúlias e que se proporcione um encontro entre as diferentes gerações”, explica. À primeira vista, pode parecer inusitado ver surgir uma livraria numa conhecida rua da noite lisboeta, mas foi o frequente casamento entre a literatura e a boémia que Cristina Ovídio quis explorar. "Seria difícil encontrar outro lugar que estivesse associado à boémia, aos turistas, à divulgação de autores portugueses aos turistas, mas também à lusofonia e ao vinho”, esclarece, acrescentando que “é bom que exista aqui um espaço que suscite alguma provocação”. Também as estantes da Menina e Moça são um tributo ao Cais do Sodré, estando envoltas de cima a baixo numa rede de pesca que tem a função dupla de “proteger os livros em caso de enchente”. A cor é uma constante na livraria projectada pelos arquitectos Henrique Vaz Pato e Pedro Quintas, mas o olhar de quem a visita prende-se especialmente no tecto, onde navegam barcos e voam balões da autoria do ilustrador João Fazenda. A vasta selecção de livros oferecida pela Menina e Moça - cujo nome evoca a célebre novela pastoril de Bernardim Ribeiro - abrange autores portugueses clássicos e contemporâneos, mas a livraria pretende dar prioridade à literatura traduzida para poder chegar a um público mais amplo. Para já, encontram-se nesta secção escritores como Fernando Pessoa, José Saramago, Cesário Verde, António Lobo Antunes e José Rodrigues Miguéis. “Muitos destes livros estão só em inglês, mas queremos apostar também no francês, porque há muitos franceses que vivem em Lisboa e que são amantes não só de Pessoa como de Lobo Antunes”, explica Cristina Ovídio. Muitos destes livros estão só em inglês, mas queremos apostar também no francês, porque há muitos franceses que vivem em Lisboa e que são amantes não só de Pessoa como de Lobo AntunesÉ essa ligação que a editora pretende fazer entre a língua portuguesa e o resto do mundo, exemplificando com um episódio em que um visitante norueguês comprou poesia de Maria Teresa Horta ou um outro em que um grupo de irlandeses levou o romance Caim, de Saramago, e O Livro de Cesário Verde. “Falando-lhes deles [dos autores] é engraçado, porque levam-nos para a mesa, começam a folhear e acabam por escolher”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A livraria também homenageia a cidade onde nasceu através de livros como a colectânea Lisboa Desaparecida, de Marina Tavares Dias, que recupera a série de textos jornalísticos publicados sobre a história da capital, e da venda de postais que mostram a Lisboa antiga. Além de contar com obras de autores como Raul Brandão, Carlos Drummond de Andrade, Mário Sá-Carneiro, Ruy Belo, Herberto Helder, José Luís Peixoto, Daniel Faria ou Miguel-Manso, a livraria tem ainda uma pequena secção dedicada aos clássicos da literatura internacional, como Charles Dickens, George Orwell, Gabriel García Márquez, Umberto Eco ou Aldous Huxley. Cristina Ovídio quis que a Menina e Moça fosse, acima de tudo, um aconchego onde a única inquietação é “o livro como algo que nos desassossega” e, para isso, decorou as estantes com a presença tutelar de alguns mestres da literatura portuguesa, retratados em imagens do arquivo fotográfico de João Francisco Vilhena. A lusofonia é o prato principal servido na Menina e Moça e nem o menu da casa escapa à literatura. As “vírgulas” são os petiscos, como as tábuas de queijos e os cestos de pão, os “contos” são as sopas, como o caldo verde e a canja de galinha, os “protagonistas” são os pratos principais, como folhado de galinha e saladas, e os “pontos finais” são as sobremesas, como o pastel de nata ou o leite-creme. No que diz respeito à carta das bebidas, Cristina Ovídio destaca a “poesia”, isto é, os diversos cocktails dedicados aos diferentes países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa: “Temos bebidas tipicamente portuguesas como o medronho e a ginja e outras provenientes de países como Cabo Verde, São Tomé, Angola e Moçambique”, acrescenta a proprietária. Para Cristina Ovídio, que cresceu rodeada de livros (é filha do físico e divulgador científico António Manuel Baptista 1924-2015 e tem na livraria expostos alguns dos livros que pertenciam à biblioteca do pai), o mundo alucinante e tecnológico em que vivemos hoje é uma realidade preocupante que condiciona os nossos hábitos de leitura. “Tudo o que exige silêncio e estarmos com nós próprios acaba por nos assustar”, reitera a editora, elaborando que “ninguém sente os sons da cidade nem olha a arquitectura ou sequer nos olhos do outro”. É essa a missão da Menina e Moça – recuperar esse deslumbramento quase infantil pelas palavras e pelos mundos de sonho e aventura a que nos podem transportar.
REFERÊNCIAS:
Bill e Hillary, Hillary e Bill: dois pelo preço de um?
Hillary Clinton teve sempre de provar que a sua relação com Bill era uma relação entre iguais. A não ser o facto, incontornável, de ser uma mulher. E às mulheres, mesmo quando estão no topo do mundo, exige-se sempre mais. Toda a gente sabe quem é Bill. Quem é ela ainda é a pergunta que a persegue. (...)

Bill e Hillary, Hillary e Bill: dois pelo preço de um?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Hillary Clinton teve sempre de provar que a sua relação com Bill era uma relação entre iguais. A não ser o facto, incontornável, de ser uma mulher. E às mulheres, mesmo quando estão no topo do mundo, exige-se sempre mais. Toda a gente sabe quem é Bill. Quem é ela ainda é a pergunta que a persegue.
TEXTO: “Compre dois pelo preço de um”. A frase remonta à campanha presidencial de 1992, quando Bill Clinton se apresentou pela primeira vez ao eleitorado nacional, desafiando um Presidente que tinha acabado de conduzir o mundo no caminho seguro do fim da Guerra Fria. A frase vale muito mais do que um mero slogan de campanha. Marca uma época. Resume uma mudança radical. Anuncia o início de uma “parceria” que dominou a política norte-americana nas últimas décadas e que só agora vai escrever o seu capítulo final. O que Bill queria dizer nessa altura era que a futura Primeira-Dama tinha uma capacidade política e intelectual igual à sua e que não iria para a Casa Branca apenas para apoiar a família e dedicar-se a causas sociais. Pela primeira vez, a geração que nascera para a política com a guerra do Vietname, a reivindicação de direitos iguais para as mulheres e os negros, a luta por uma sociedade menos hierarquizada, tinha a Casa Branca ao alcance da mão. Os conservadores odiavam esta nova imagem do futuro casal presidencial. Hillary, criada numa família republicana da classe média alta de Chicago e na fé metodista, começou a ganhar consciência política numa das mais sofisticadas escolas superiores de Massachusetts apenas para raparigas. Rapidamente virou à esquerda, mesmo que sem extremismos. Bill, nascido numa família pobre de um dos mais pobres estados americanos, evitou envolver-se na radicalização da sua geração porque queria, acima de tudo, fazer uma carreira política. Começou no Arkansas, concorreu ao Congresso e falhou, ganhou o cargo de Procurador-Geral e, finalmente, o de Governador. Pediu a Hillary que abandonasse a sua carreira promissora em Washington para acompanhá-lo em Little Rock. Nessa altura, tudo parecia ainda possível. Começou por ser Hillary Rodham. Fez o sacrifício de acrescentar o Clinton, mantendo o apelido de nascença. “Aprendi da maneira mais dura que alguns eleitores do Arkansas estavam realmente ofendidos pelo facto de manter o nome de solteira. ” Só mais tarde, na Casa Branca, acabou por adoptar o nome que hoje a define: Hillary Clinton. Com menos Bill e mais Hillary, mas cumprindo a mesma maldição que a perseguiu ao longo de 40 anos de carreira política e de exposição pública: para ela tudo foi sempre difícil; para ele, tudo foi sempre muito mais fácil. “Se frequentassem a mesma classe, ela iria a todas as aulas, leria todos os livros do programa e estudaria afincadamente para os exames. Ele passaria por algumas, leria alguns dos livros e escolheria outros, estudaria alguma coisa para os exames. No fim teriam os dois o mesmo A”, diz a sua antiga chefe de gabinete na Casa Branca. Na casa onde nasceu era mais ou menos a mesma coisa. Quando chegava com a caderneta escolar apenas preenchida por As, o pai dizia-lhe que a escola não devia ser muito exigente. Da mãe, que viveu uma vida amargurada e solitária, recebeu o conselho que mais viria a aplicar ao longo da vida: “Se caíres, volta a levantar-te”. Foi o que fez até hoje. O que é mais extraordinário na história desta mulher que quase ninguém duvida que saberá exercer o cargo supremo com capacidade e segurança, que tem uma experiência imensa sobre todos os dossiers, que aguentou ao longo da vida todos os vícios privados de Bill, que enfrenta agora a sua última oportunidade de provar que é tão capaz como ele, é que verdadeiramente ninguém ainda a conhece. Não são separáveis, porque cada um deles é a influência dominante do outro”Quem é Hillary Clinton? Em que é que acredita realmente? Depois de dezenas de biografias, milhares de artigos nos jornais, continua a ser inacessível, mesmo para os que gostam dela. Não faltam as explicações, ainda que todas sejam apresentadas com reserva. Bill, que foi uma figura “paternal” (demasiado) na sua primeira campanha para a Casa Branca, em 2008, desta vez ficou mais vezes em casa. Mas o fantasma das suas aventuras persegue-a em cada debate. Com todos os “escândalos” (uns reais outros ficcionados por uma direita religiosa que sempre os odiou) que envolveram o seu segundo mandato, continua a ser um dos Presidentes mais populares da América. Ela tem de vencer uma barreira invisível, que não é apenas o último tecto de vidro, mas aquele que parece estar entre ela e o comum dos mortais. Acumulou desde Little Rock o peso de várias “histórias”, nunca totalmente provadas, sobre os meios nem sempre transparentes com que os dois quiseram construir uma pequena fortuna, num país em que o dinheiro conta demasiado para a carreira política. A forma como lidou com as inúmeras “aventuras” do marido parecem revelar uma mulher implacável, disposta a engolir muita coisa para manter o casamento a funcionar. Há algum voto feminino que não lhe perdoa esta “fraqueza”. As sombras que sobrevoam ainda hoje a Fundação Clinton em matéria de financiamento, também não são muito abonatórias. Curiosamente, a maior ajuda vem-lhe, desta vez, não de Bill mas do seu rival de 2008. Barack Obama e Michelle estão ao seu lado quase todos os dias. Coube a Michelle, cuja popularidade é estratosférica, reagir ao vídeo ordinário de Donald Trump com uma força e uma sinceridade que Hillary não consegue transmitir. Teimosamente, os americanos regateiam-lhe a empatia. A mesma que nunca regatearam ao marido. Mesmo assim, 40 anos depois, Hillary e Bill mantêm a mesma parceria, assente no respeito mútuo pelas respectivas capacidades, forjado em muitas guerras, e sustentado por uma eterna história de amor. “Não são separáveis”, diz Carl Bernstein, autor de uma das mais completas biografias de Hillary (A Woman in charge, 2008) , numa recente entrevista à CNN, “porque cada um deles é a influência dominante do outro”. Mas esta longa história precisa de mais palavras para ser compreendida. Encontraram-se na Yale Law School em 1970, onde ela chegara depois do Wellesley College para estudar Direito e para onde ele regressou depois de dois anos em Oxford, com uma bolsa de estudo. No ano anterior, coube ao senador (republicano e negro) Edward Brook, do Massachusetts, pronunciar o discurso principal na cerimónia de abertura do ano lectivo no Wellesley College, a escola de elite que ela frequentara. O movimento antiguerra já tinha invadido os campus universitários. Martin Luther King fora assassinado um ano antes. Robert Kennedy também. O senador resolveu fazer um discurso condescendente sobre o movimento antiguerra nas universidades, considerando-o um mero e compreensível devaneio de juventude. Hillary, que já estava de partida mas a quem incumbia falar em nome dos estudantes, deixou as notas de lado para enfrentar o senador, dizendo-lhe que a sua geração já estava farta de condescendência e que ela, em consciência, não podia deixar passar as suas palavras. Deve tê-lo feito tão bem que o discurso teve uma enorme repercussão. A Life quis fazer um perfil dela. Quando Bill chegou a Yale já sabia quem ela era. Foi uma espécie de amor à primeira vista. Hillary seguiu para Washington, para trabalhar na Comissão de Justiça que estava a tratar do impeachment de Richard Nixon (Bill tinha sido convidado primeiro, mas indicou-a a ela), preparando-se para entrar num dos mais famosos escritórios de advogados da capital. Começara republicana mas, nessa altura, já tinha mudado de campo. A influência de um jovem pastor da Igreja Metodista (ainda em Chicago), ajudou-a a superar a eterna questão que carregava consigo: como resolver o dilema entre ser “uma conservadora pela razão e uma liberal pelo coração". O pastor levou-a a cumprimentar King e “apresentou-lhe” Bob Dylan. Bill também daria uma ajuda. Também ele evitou uma participação demasiado visível nos movimentos estudantis que revolucionaram (como na Europa) as universidades americanas, contra uma sociedade insuportavelmente hierárquica, pelos direitos iguais para as mulheres e para os negros. Tinha um objectivo: fazer uma carreira política. Enquanto ela rumava a Washington, ele regressava ao Arkansas, o pobre e distante estado onde nascera, para começá-la. Queria que ela fosse com ele. Decidiu segui-lo. Quando os seus amigos lhe diziam que estava a cometer um erro enorme, ela respondia: “O que querem, eu amo-o. ” Acabou por revelar-se fundamental para a carreira de Clinton. Foi ela que não o deixou desistir, quando perdeu as eleições para um segundo mandato de Governador. Bill andava pelas ruas de Little Rock a perguntar às pessoas porque não gostavam dele. Ela tratava de organizar o seu regresso. Candidatou-se a um terceiro mandato e ganhou. “Chelsea second birthday, Bill second chance”, escreveu ela no seu diário. Meteu mãos à obra para lançar uma reforma da educação cujos efeitos ainda perduram. Quanto ao destino de ambos, era naturalmente a Casa Branca. Bill anunciou a candidatura em 1991. Foi uma campanha duríssima, graças aos sucessivos escândalos de Bill no que respeitava às mulheres e que Hillary já tivera de enfrentar no Arkansas. Hillary tratou de esmagar as pretensões das alegadas amantes do marido, como se a culpa fosse delas. O carisma de Bill e a sua inesgotável capacidade de comunicação fizeram o resto. Ela seguiu para Washington declarando que não ia ficar o tempo todo a fazer bolos. Acabou por ter de desafiar Barbara Bush para um concurso de receitas lançado por uma revista de culinária. Teve de fazer concessões para tentar encaixar no modelo de Primeira-Dama que estava na cabeça da maioria dos americanos. O Rodham acabou por cair. Hillary passou a ser apenas Clinton. A sua heroína era Eleanor Roosevelt, pela sua independência em relação ao Presidente Roosevelt, e a sua intervenção política. Ainda no Arkansas, e por causa dos escândalos de Bill, os dois chegaram a admitir que poderia ser ela a candidatar-se a um terceiro mandato como Governadora. Dick Morris, o seu guru das sondagens, concluiu que ela não tinha uma identidade suficientemente separada da de Bill para poder ganhar. Ficou furiosa. Eram estranhos à elite de Washington e tiveram de enfrentar uma guerra sem quartel dos republicanos, que viam neles uma espécie de “anticristo”. Os seus biógrafos lembram que é preciso olhar para eles do ponto de vista da “guerra cultural” que dividia a América. “Eles estão no centro dessa guerra”, diz Bernstein. Para uma parte dos americanos eram “demónios da esquerda radical”. Isso e mais os devaneios de Clinton tornaram esta “guerra” implacável. Bill representava uma mudança geracional profunda em Washington. Levou para a Casa Branca uma radical transformação do programa do seu partido, designada os “Novos Democratas”, filhos e netos de Ronald Reagan. Tinha um conhecimento infindável e uma extraordinária capacidade de comunicação. Era, sobretudo, um grande sedutor. Quando se candidatou, muita gente achou que era impossível vencer George Bush, o Presidente que conseguiu terminar a Guerra Fria sem turbulência nem conflitos. Merecia um segundo mandato. Esqueceu-se de um pormenor: a economia estava em recessão. Como as corridas de cavalos, odiar Hillary transformou-se num desses passatempos nacionais que unem a elite e o lúmpen. ”“É a economia, estúpido”, a frase de James Carville inscrita nas paredes do quartel-geral da campanha de 1992 em Little Rock, e que se tornou na mais repetida do mundo, garantiu-lhe a inesperada vitória. Quando ambos chegaram ao nr. º 1600 da Pennsylvania Avenue, ela instalou-se na Ala Oeste, preparando-se para uma espécie de “co-presidência”, como escreveu o diário francês Le Monde. Bill deu-lhe a reforma que a sua geração considerava a mais emblemática de todas: a saúde. Rodeou-se de peritos, elaborou um programa de milhares de páginas, esqueceu-se de que tinha de negociá-lo com o Congresso, bastando-lhe a convicção de que estava certo. Foi obrigada a desistir. Com a aproximação das eleições para o segundo mandato, o staff do Presidente não a queria ver por perto. Era ela, diziam, que alimentava o rótulo de “esquerdistas” que a direita tentava colar ao casal presidencial. Escrevia a revista New Yorker em Fevereiro de 1996: “Como as corridas de cavalos, odiar Hillary transformou-se num desses passatempos nacionais que unem a elite e o lúmpen. ”Hillary não perdeu tempo a chorar sobre o leite derramado. Dedicou-se aos direitos das mulheres por esse mundo fora. Na China, em 1994, num congresso mundial, proclamou que “os Direitos Humanos são direitos das mulheres, e os direitos das mulheres são Direitos Humanos”. Nem tudo o que rodeava a Primeira-Dama era perfeito. Já trazia consigo do Arkansas algumas dúvidas mal explicadas sobre negócios de terrenos. Esteve envolvida num escândalo que abalou a agência de viagens da Casa Branca. Ainda estava para vir o "escândalo Lewinsky". Bill ganha o segundo mandato facilmente. Continuava a ser a economia. Criou mais de 10 milhões de empregos (no computo final, foram 20 milhões), transformou um enorme défice num muito confortável excedente, para o qual também contribuiu a redução do orçamento da Defesa. Reformou a segurança social, do conceito de welfare para o de workfare. Foi ele o grande inspirador da “terceira via” europeia. Conduziu uma política internacional que o fim do confronto Leste-Oeste tornava possível: promover o avanço dos mercados e da democracia num mundo cada vez mais interdependente. Travou as guerras nos Balcãs em nome da “responsabilidade de proteger”. Criou um movimento internacional, a “Progressive Governance”, atraindo os líderes de centro-esquerda da Europa e do resto do mundo. De Tony Blair a António Guterres, passando por Fernando Henrique Cardoso. Faltava ainda o 11 de Setembro e a crise financeira para provar que o mundo de Clinton era apenas uma transição. Henry Kissinger, o patrono da realpolitik americana, chamava à sua política externa de “assistência social”. Quando estalou o "escândalo Lewinsky" e ficou provado que o Presidente mentira ao povo americano, o próprio confessou a alguns amigos: “Não estou aqui mais do que uma semana”. As vozes a exigir a sua demissão eram cada vez mais fortes. Foi ela que, de novo, decidiu salvar a “parceria política” que os dois encarnavam, para “o bem da América”. Na televisão, disse que continuava a amá-lo e a respeitá-lo. “A grande história, aqui, é esta vasta conspiração de direita contra o meu marido desde o dia em que se apresentou como candidato. ” Admitem os seus próximos que ela chegou a acreditar na versão dele. Geriu a batalha contra o impeachment, que acabou derrotado no Senado. Foi ela que se humilhou perante a opinião pública. Logo que pôde, rompeu o cerco asfixiante que a envolvia, candidatando-se a senadora de Nova Iorque, antes mesmo do fim do mandato de Bill. “A popularidade de Bill junto da opinião pública mantém-se alta. A sua popularidade para mim bateu no fundo” (2003). Acrescentou mais tarde: “A decisão mais difícil da minha vida foi continuar casada com Bill e candidatar-me a senadora de Nova Iorque”. Ganhou e voltou a ganhar. Chegara finalmente a sua vez. Enfrentou com determinação o 11 de Setembro, negociando apoios extraordinários para ajudar a cidade a reconstruir-se física e moralmente. Votou a favor da guerra do Iraque, mais a pensar no seu futuro político do que na justificação apresentada por George W. Bush ao Congresso. Com os olhos já na Casa Branca, considerou que o apoio a Bush era importante para uma mulher que queria ser “comandante-em-chefe”. A grande história, aqui, é esta vasta conspiração de direita contra o meu marido desde o dia em que se apresentou como candidato. ”Não deixou nenhuma marca legislativa digna de registo mas participou na Comissão das Forças Armadas com o mesmo objectivo. E mudou de comportamento, graças às lições que aprendera da pior maneira. Mostrou-se humilde com os seus colegas mais velhos. Pediu-lhes conselhos. Deixou de ser intelectualmente arrogante. Bill criara, entretanto, a sua Fundação, envolvendo-se em causas humanitárias louváveis. Mas, mais uma vez, a forma como a financiava, nomeadamente enquanto Hillary chefiava o Departamento de Estado, estava, e está, envolvida em alguma nebulosidade. Os dois partilharam à sua maneira um pecado original: convenceram-se que políticos do seu calibre não tinham necessariamente de fazer as coisas como os outros mortais. “Ambos partilham apaixonadamente a convicção de que estão predestinados a fazer a diferença no mundo”, diz Betsey Wright, que trabalhou com ela. O destino ainda lhe voltaria a colocar mais algumas provações. Em 2008, acreditou que chegara finalmente a sua vez. Bush saía da Casa Branca com o fracasso das guerras no Iraque e no Afeganistão, somado a uma crise financeira sem precedentes que abalou a economia americana e a economia mundial. As sondagens garantiam-lhe uma vitória fácil. Capaz, inteligente, experiente. Quase perfeita. Estava preparada para entrar na Sala Oval e decidir sobre uma crise internacional na primeira hora do primeiro dia do seu mandato. Também ela confessa que ficou impressionada com o célebre discurso do actual Presidente na Convenção democrata de 2004, que escolheu John Kerry como candidato. Mas Obama era apenas uma promessa para o futuro. Depois foi o que se viu. Os americanos queriam mesmo uma mudança. Preferiam a esperança à experiência. Barack Obama oferecia-lhes essa possibilidade. “Épocas excepcionais, por vezes, engendram líderes excepcionais”, escrevia o académico francês Dominique Moisi, quando toda a Europa discutia se era melhor Obama ou Clinton. Ela era já a face da “aristocracia” que governava a América, dos Bush e dos Clinton. Como descreveu Carl Bernstein, esteve sempre na “bolha política”, na “bolha de Washington” e a “bolha dos media”. Na mesma biografia (2008), o autor revela coisas que pouca gente poderia sequer imaginar. Já na Casa Branca e em plena “guerra” sem quartel dos republicanos contra os Clinton, “ela frequentava pequenos-almoços de oração com as mulheres desses mesmos republicanos radicais” O mesmo aconteceu quando foi eleita para o Senado. Bernstein defende que a sua fé metodista é, porventura, a primeira explicação para a sua personalidade. Bill pertencia à Igreja Baptista, compartilhada por uma maioria negra do Sul. Mais festiva e menos exigente. Nessa altura, os republicanos cada vez mais encostados ao Tea Party mas ainda com um candidato moderado, John McCain, conseguiam odiá-la ainda mais do que ao seu rival democrata. “Temiam Obama porque podia ser o caminho mais rápido para o fim da guerra no Iraque”, diz o biógrafo. Odiavam Hillary porque sobrevivera “ao assassínio de carácter que orquestraram” contra Bill. Ambos representam a geração que culpavam da derrota da América no Vietname. Hoje, a pergunta continua a persegui-la: quem é verdadeiramente Hillary Clinton? Alguns dos seus amigos confessam que, por vezes, acreditam que “a gente que faz parte da sua vida é apenas um meio para atingir o seu objectivo”. “Deus está do meu lado, pode ser uma forma de arrogância”. Serviu lealmente Obama durante quatro anos no Departamento de Estado, onde fez um trabalho notável. O Presidente centralizou no seu gabinete as decisões de política externa mais importantes e, algumas vezes, diferentes das que ela defendia. Executou-as com enorme competência. Os militares gostam dela porque ela sabe do que está a falar. Regressava agora para a sua batalha final, para cumprir o único tabu que ainda falta vencer. Depois de um negro na Casa Branca, uma mulher. Parecia fácil. As contas acabaram por sair todas erradas. Primeiro, foi Bernie Sanders, da ala radical dos Democratas, classificando-se a si próprio como socialista (um conceito muito pouco americano), a quem as sondagens davam um único dígito no início das primárias. Perseguiu-a de perto em toda a campanha, provando o cansaço de muita gente contra as elites de Washington. Sou a única coisa que se entrepõe entre vocês e o apocalipse”Depois foi Donald Trump, o mais improvável dos candidatos republicanos, um populista brutal e primário, mas que parece traduzir a revolta das classes que se sentem abandonadas e cujos destinos foram duramente afectados pela globalização. Xenófobo, nativista, isolacionista e proteccionista. Um cocktail que não poderia ser mais perigoso. Mais uma vez, Bill esteve “presente” na campanha por péssimas razões. Mais uma vez, ela teve de subir a pulso até onde quer estar. Teve em Obama o mais leal e eficaz dos defensores. O mundo inteiro espera que ela ganhe. Ela própria disse há meia dúzia de dias ao New York Times: “Sou a única coisa que se entrepõe entre vocês e o apocalipse”. É verdade mas, para muitos americanos, não parece evidente. Já é avó. Bill continua a ser o seu companheiro e, porventura, o seu melhor conselheiro. Diz Maggie William, uma velha amiga, que “ela e o marido têm um acordo privado que se baseia na partilha do poder – ela é igual a ele e ele aceita isso. ” Mas é também a história de um grande amor. Nestes dias que faltam para a eleição, talvez Hillary se lembre do desafio que lançou ao senador do Massachusetts quando tinha apenas 21 anos. “O desafio hoje é fazer política com a arte de tornar possível o que parece impossível”. A vida já lhe ensinou que a política é, afinal, a arte do possível. Ainda pode ser uma grande Presidente, num dos momentos mais conturbados da ordem internacional. A única vez que alguém lhe viu lágrimas nos olhos foi no final das primárias de New Hampshire contra Obama, quando uma jornalista lhe perguntou como é que conseguia estar sempre tão bem arranjada. Quando dirigiu o Departamento de Estado escreveram-se longos artigos sobre se lhe ficava bem o cabelo mais comprido. Esta é a parte da história em que faz toda a diferença quando se é uma mulher. 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REFERÊNCIAS:
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