África do Sul: Há verdade, falta reconciliação
Brancos com medo de negros. Negros com raiva de brancos. Raparigas que trocam sexo por dois euros e não têm coragem de exigir preservativo. Quase seis milhões de seropositivos, sobretudo jovens, sobretudo pobres. Milhões ainda em bairros de lata. Depois do apartheid, a África do Sul viu a verdade. Foi um milagre humano não ter explodido. Mas a reconciliação é urgente. Há homens e mulheres a trabalhar nisso. Desmond Tutu acredita que o país vai dar a volta e o Mundial será um orgulho. (...)

África do Sul: Há verdade, falta reconciliação
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 5 Africanos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-06-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Brancos com medo de negros. Negros com raiva de brancos. Raparigas que trocam sexo por dois euros e não têm coragem de exigir preservativo. Quase seis milhões de seropositivos, sobretudo jovens, sobretudo pobres. Milhões ainda em bairros de lata. Depois do apartheid, a África do Sul viu a verdade. Foi um milagre humano não ter explodido. Mas a reconciliação é urgente. Há homens e mulheres a trabalhar nisso. Desmond Tutu acredita que o país vai dar a volta e o Mundial será um orgulho.
TEXTO: 1. Na estrada com LaviniaUm arcebispo faz testes de HIV? Na África do Sul faz. Mais, dentro de uma clínica ambulante com o seu próprio nome. Aqui está ela, estacionada nos arredores da Cidade do Cabo, contrariando as nuvens de Maio. Quando os vizinhos vêem sair um arco-íris sobre rodas, já sabem: é o Tutu Tester. Dentro desta carrinha há testes de HIV, rastreio de doenças e objectos como pénis de madeira para ensinar a pôr preservativos. Aos 79 anos, o arcebispo anglicano Desmond Tutu, Prémio Nobel da Paz, encara tudo isto como parte do seu longo trabalho pela África do Sul. "Se derrotámos o apartheid, podemos derrotar o HIV", tem dito ele. A luta contra a sida é a grande causa pós-apartheid. Mas nos primeiros dez anos a seguir às eleições livres, o Governo não acreditou na pandemia. Muita gente morreu e continuou a morrer porque o Presidente Thabo Mbeki duvidava de que o HIV causasse sida e impediu a distribuição de retrovirais. Isto aconteceu até 2003. Ontem. Hoje, nenhum país do mundo reúne tanta gente infectada, 5, 7 milhões, sobretudo jovens, sobretudo pobres. A cada dia há duas mil novas infecções. Cerca de 350 mil sul-africanos já perderam a vida. Um deles era filho de Nelson Mandela. Não se espantem se virem fotos de Mandela com uma T-shirt a dizer "HIV Positivo". É uma guerra a sério, esta, e toda a gente faz falta em campanha. Estamos a falar de um país em que milhões continuam a viver nas townships (os bairros, grandes como cidades, onde o apartheid concentrou negros e mestiços). E as townships prolongam-se em bairros de lata, com graves problemas de saúde pública. É para uma dessas townships que a carrinha Tutu arranca agora. A Fundação Desmond Tutu HIV, que faz investigação, rastreio e prevenção, lançou esta clínica móvel há dois anos. Em Outubro passado, o próprio arcebispo se sentou lá dentro a fazer o teste. E como ele, antes e depois, mais 15 mil pessoas. Se os mais pobres não vêm à clínica, a clínica vai até eles. Hoje, a novidade é que também vão os Freshly Ground, banda pop sul-africana. O mundo vai vê-los em breve ao lado de Shakira, a abrir e a fechar o Mundial. E esta manhã, darão a cara pelo Tutu Tester, a partir das dez. Ainda são nove, mas a equipa clínica já vai a sair da fundação. Estamos nas instalações de um antigo orfanato, a meia hora da Cidade do Cabo, e daqui até à township são mais 45 minutos. Lavinia Browne - a mulher que durante 22 anos foi a assistente pessoal de Desmond Tutu - ofereceu-se para levar a Pública no seu carro, só de falarmos ao telefone. Cá está ela, cabelo curto todo branco. Uma daquelas avós inglesas de calças e impermeável, capazes de dar a volta ao mundo sempre com a mesma voz clara e doce. E ela deu mesmo. - Então vamos lá - sorri. Aos 65 anos guia um daqueles carritos de cidade que os estudantes compram em terceira mão. - A township que vão ver crescer de forma desordenada, com cada vez mais pessoas a chegar - explica, parada num cruzamento entre bairros de lata. O visitante que vem de Joanesburgo e aterra na Cidade do Cabo a achar que deixou a pobreza para trás encontra mais barracas aqui. Não é que esta província, Cabo Ocidental, seja mais pobre. É que não estava preparada para receber tantos pobres. - Aqui as townships são piores porque tradicionalmente os negros não viviam tão a sul - diz Lavinia. - Tínhamos muitos mestiços, mas não muitos negros. Enquanto em Joanesburgo sempre houve negros, e foram construídas estruturas. É por isso que o problema da habitação aqui é pior. E somos vizinhos do Cabo Oriental, onde vivem os xhosa, que vêm para cá à procura de melhor vida. Os xhosa (pronuncia-se "kóza") são a etnia de Nelson Mandela, ele mesmo um nativo do Cabo Oriental. O que divide as duas províncias, com Atlântico de um lado e Índico do outro, é o Cabo da Boa Esperança. E na verdade, o caminho que estamos a fazer é o caminho para chegar lá, a essa ponta de África que as naus do Gama dobraram. Hoje, os emigrantes que aqui chegam por terra vêm não só da costa oriental, como de toda a África subsariana. E nesta sobrepovoação precária, a tuberculose é um rastilho. - As defesas dos seropositivos quebram e é aí que a tuberculose ataca - resume Lavinia. - A maior parte das pessoas que morre de sida morre de tuberculose. Esta zona do Cabo Ocidentalé a pior do mundo em infecção de tuberculose, o que tem a ver com o facto de as pessoas viverem tão juntas, nas barracas. 2. Sinfonia de lataNa township vamos ver isso. Mas há pior. Deixemos então Lavinia no carro por um momento. Recuemos dois dias. A Pública acaba de chegar à Cidade do Cabo. Ao fundo, a bela Table Mountain, esse grande animal castanho contra um céu transparente. Sim, ainda parece Verão, embora seja já o Outono nesta parte do mundo. E mal baixamos o olhar, um mar de barracas, lata, zinco, madeira, plástico. Os nomes na estrada anunciam os subúrbios de Philipi, Nyanga, Samora Machel, Delft. Nomes com algumas das mais violentas taxas mundiais de homicídio, violação, roubo, droga. E atravessando tudo isto chegamos a Blikkiesdorp. Em afrikaans, a palavra quer dizer algo como Cidade Caixa de Lata. Não é o nome oficial, mas é rigoroso, porque Blikkiesdorp são mil caixas de lata todas perfeitamente alinhadas num descampado de areia que parece o fim do mundo, com o sol a bater. Não há árvores, não há verde. Tudo é cor de cinza e pó. O metal ferve, e cada casa tem um número toscamente pintado, como uma cela. Ferve no Verão e daqui a dias choverá. O Cabo não é Joanesburgo, chove mesmo. Chuva na lata, mil caixas. A placa à entrada anuncia o nome oficial. Lê-se duas vezes e mal se acredita: Symphony Way. A Câmara do Cabo criou-a como "área de realojamento temporário" há dois anos. E nos últimos meses tem concentrado aqui centenas de pessoas que viviam em semibarracas na estrada, e não queriam sair de lá. Foi por isso que essas pessoas criaram a Campanha Antidespejo, com a ajuda de activistas que têm acesso à Net. E uma das líderes locais é esta negra que agora recebe a Pública à porta da caixa de lata M49, Jane Roberts. - Estamos aqui há cinco meses e meio - conta ela, convidando a entrar. Cá dentro há um pequeno fogão encardido, um bidão com água, uma cortina de pano, atrás da qual está uma rapariga com um bebé. - Fomos forçados a vir para aqui, não tivemos opção. Isto é por causa do Mundial. Estávamos há dois anos na estrada e de repente deslocam-nos para aqui? Porquê? A prima, Padronisa Morris, entra na conversa:- Queriam-nos fora da vista. E Jane:- As pessoas vinham de avião e viam-nos na estrada, com as nossas barracas de plástico e madeira. E não era mau viverem assim?- Aqui é pior! - exclama Jane. - É um campo de concentração. Lá na estrada, a comunidade era próxima. Aqui, às oito da noite não podemos andar à volta, revistam-nos, espancam-nos. Quem?- A polícia. Quando nos estava a dar instruções ao telefone sobre como chegar, Jane dissera para irmos até à esquadra de Delft e aí pedir que nos indicassem Blikkiesdorp. A polícia indicou, sem fazer perguntas. A relação não parecia má. - Mas é má - diz Jane. - Insultam-nos. Não podemos fazer uma fogueira, fazem-nos apagá-la. - Eu preferia estar na estrada - insiste Padronisa. Jane acena. - Na estrada éramos felizes. - Cobríamo-nos com plásticos na chuva, mas aqui a chuva entra e o chão fica todo molhado - diz Padronisa, mostrando a folga na porta. Onde está a casa-de-banho?- Lá fora - responde Jane. - É uma casa-de-banho para quatro famílias, 20 pessoas. Saem as duas para mostrar: um lavatório, e, dentro de um compartimento de zinco, a sanita. Onde está o duche?- Duche! Não há duche! - ri-se Jane. - Este é o nosso duche. E agarra num alguidar de plástico. Estamos nas traseiras da barraca dela, onde fazem esquina mais três barracas. Chão de pedras, areia, lama. Um penico. Lixo ao canto. Jane, 54 anos, três filhos, nasceu na Cidade do Cabo, mas aqui há gente que veio de longe. - Refugiados da Somália, do Congo, da Nigéria, talvez 50 famílias. Nem de propósito aproxima-se uma belíssima adolescente negra-negra, túnica e lenço muçulmano. Encosta-se à placa de zinco e fica a escutar. Não há mesmo nada para fazer aqui. - Vê? Ela é somali - diz Padronisa. Encostam-se as duas à barraca do lado, que faz sombra. - Não sinto nada em relação ao Mundial - diz Jane. - Não é para nós, para os pobres. Os pobres vão ficar mais pobres. O desemprego é um dos problemas maiores da África do Sul. E aqui, em Blikkiesdorp, diz Jane, anda nos 70 por cento. Ela trabalhou numa fábrica de roupas e depois num sindicato. - Agora trabalho para a comunidade de graça. Mas como vivem?- Partilhamos o que temos. De dentro da barraca vizinha sai Kareema, cabelo atado e túnica. Também é muçulmana. - Vivemos todos misturados, muçulmanos e cristãos - diz. Há mesquita?- Sim, uma. E igreja?- As igrejas são na casa das pessoas - diz Jane. - A maioria é religiosa. Uma rapariga passa com um recém-nascido. Aos 37 anos, Kareema acaba de ser avó. Onde nasceu o bebé? - No hospital. Há algum posto de saúde aqui?- Não, vem uma clínica móvel para as crianças. - A tuberculose é um grande problema - acrescenta Jane. - Mais de metade das pessoas tem tuberculose, e as crianças também. Quando estávamos na estrada, as crianças estavam bem. Apanharam tuberculose aqui. - Vamos fazer uma marcha até à Cidade do Cabo! - anuncia um homem de calções e boné a dizer Win with us. Chama-se Jerome e também é militante da Campanha Antidespejo. Mas a esta hora da tarde caminha num vapor de álcool. E quando pára, fica a oscilar. - Vamos tentar que nos ouçam!Padronisa confirma. - No primeiro dia do Mundial, vamos fazer uma marcha legal. - E senão será ilegal! - brada Jerome. - Sabemos que nos vão tentar prender, mas não nos importamos - acrescenta Jane. - Estou há 19 anos à espera de casa! - anuncia Jerome, a oscilar, com os seus calções, e o boné. - Sinto que estou na prisão e a polícia está sempre a controlar - diz Kareema. - Não podemos fazer uma festa, uma fogueira. Na estrada, cada família tinha feito a sua casa-de-banho, o seu espaço. Aqui não podemos nem construir um quarto. Não precisamos de um estádio que custou milhões. Para que servirá? Deviam construir casas, e nós não devíamos viver como animais. À saída, homens sentados em caixas a olhar para nada, e novamente a placa com aquele nome, Symphony Way. 3. Desfazer o duche De volta ao carro de Lavinia, dois dias depois. Cá vamos, às curvas, entre árvores, a caminho da township, para os testes de HIV a bordo do Tutu Tester. - Temos quatro clínicas fixas, e outra móvel quase pronta. Um pequena equipa, pois: 10 médicos, 25 enfermeiros, ao todo 165 empregados para uma tarefa gigante. - Durante Mbeki foi muito difícil - lembra Lavinia. - Milhares de pessoas morreram, um desastre total. Crianças deixadas sem pais. E há townships onde um quarto da população ou mais está infectada. Ainda é muito difícil por causa de Mbeki. As pessoas cresceram a acreditar nas coisas que ele dizia. Aquele que as pessoas viam como o Presidente-intelectual levou a sua dúvida metódica ao ponto de escrever a Clinton a anunciar uma abordagem africana da sida. Achava que os retrovirais eram mais uma maquinação colonialista do Ocidente. Os extremos unem-se, e o cepticismo de Mbeki uniu-se a crenças africanas segundo as quais a sida era uma maldição dos brancos e se podia curar dormindo com uma virgem. Neste ponto, não ajudou o actual Presidente Jacob Zuma dizer que tomara um duche depois de ter tido sexo (consentido ou à força, não está provado) com uma seropositiva. - Ter três mulheres também não ajuda - acrescenta Lavinia. - E todos achámos que seria melhor ele não ter anunciado o resultado do teste de HIV. Mas o HIV negativo de Zuma foi manchete há dias. E muitos pensarão: se o Presidente se safou com um duche, eu também posso. Quando Barack Obama, ainda senador, visitou a África do Sul e a então ministra da Saúde questionou a ciência ocidental quanto à sida, Obama disse simplesmente: "Não é uma questão de ciência ocidental versus ciência africana. É só ciência. "Num país com tantos desequilíbrios sociais, e em que o vírus chegou tarde, o próprio Nelson Mandela se penitenciou por não ter actuado mais cedo. Ele tinha ideia da ameaça. O ex-correspondente do Financial Times Alec Russell recorda-se de um discurso de Mandela em 1994, ainda antes de ser Presidente, em que ele tentou dizer à juventude do ANC que a sida podia "destruir" o país. E avisou: "Temos um problema na nossa sociedade porque não falamos de sexo. Quando uma criança pequena pergunta: "Mãe, de onde venho?", o que vem a seguir é uma bofetada. " Começou um sururu na sala, recorda Russell, mas ainda assim Mandela prosseguiu, falando de sexo seguro e preservativos. No fim vieram ter com ele: "Como pode falar assim? Quer que as nossas raparigas vão dormir com os rapazes?"Russell foi testemunha disto, mas o ANC perdeu o registo do discurso e durante anos Mandela manteve-se calado. "Muito mais tarde admitiu que as pessoas o tinham avisado de que o ANC perderia votos se ele pressionasse as pessoas a mudar o seu estilo de vida e a usar preservativos", escreve Russell no livro After Mandela (Hutchinson, 2009). "É uma lembrança de que até um político tido pelos seus muitos admiradores como um santo vivo tem de fazer escolhas políticas. Mas o seu fracasso a lidar com a sida quando era Presidente não deve obscurecer o facto de que ele disse o que pensava perante a hostilidade profunda dos seus apoiantes, antes de a sua presidência começar. " E já na fase da presidência Mbeki, a situação chegou a tal ponto que Mandela o contrariou em público. Depois, empenhou-se activamente, e em 2005 anunciou que o seu filho Makgatho morrera de sida. Nas fotografias em que aparece com a tal T-shirt HIV, está ao lado de Zackie Achmat, um seropositivo que se recusou a tomar retrovirais até que toda a população pudesse ter acesso a eles, e combateu as multinacionais em favor de genéricos. Hoje, meio milhão de sul-africanos toma retrovirais. É o maior programa do mundo. A township aparece numa curva da montanha, do lado esquerdo. Barracas a descer pela encosta. Lavinia estaciona cá em baixo. O Tutu Tester está mais adiante, bem visível da estrada e da township, com as suas cores de arco-íris, a acabar de montar os materiais. Além da carrinha, há duas tendas para aconselhamento. As pessoas que fazem o teste de HIV recebem o resultado na hora. Aos negativos, dão-se conselhos de prevenção. Os positivos fazem rastreio de tuberculose e são reencaminhados para tratamento. - Para além disso, rastreamos as crianças em relação à prevalência de tuberculose - diz Lavinia, apertando o seu impermeável. O céu está cai-não-cai, com frio e vento. Não é o melhor dos dias para uma acorrência em massa. Mas também não é essa a ideia. - Não fazemos muita publicidade. Se vierem 150 pessoas ao mesmo tempo, não conseguimos trabalhar. Conseguimos fazer 60 testes num dia, porque não é só o teste, é o aconselhamento, que pode ser exaustivo. 4. Sexo por dois euros- Desmond Tutu. . . Conheço o nome, mas não sei quem é - diz o rapaz, a meio caminho entre as primeiras barracas e a carrinha Tutu. Chama-se Somdaka, tem 27 anos, é negro, polícia, solteiro. Não se lembra exactamente quem é Tutu, mas sabe exactamente o que é HIV. Desdobra a sigla num ápice. - É um problema, há muita gente infectada. Um dos vários problemas da township. - Aqui muitas crianças não vão à escola. Há dagga [haxixe] e tik [metanfetamina que se fuma misturada com haxixe]. Há roubos. Somdaka não vai fazer o teste de HIV, e portanto segue para a sua vida, cruzando-se agora com um par de jovem negros que vem a descer pela township. Ele chama-se Isaac e tem 23 anos, ela chama-se Nomsa e tem 20. Vieram ambos do Zimbabwe nos últimos dois anos. Vêm ambos fazer o teste. Ela é namorada do irmão dele. São bonitos e lacónicos. - Não uso preservativo - diz Isaac. - A maioria não usa preservativo. Porquê?- Compra-se sexo por 20 ou 30 rands [dois ou três euros], e as pessoas estão com pressa, não vão usar preservativo. É difícil arranjar?- Não é difícil. Dão-nos. Distribuições maciças, mesmo. Nomsa tenta explicar:- Se o homem te paga, pode dizer que não quer preservativo. Se não, é difícil para ele, vai perder dinheiro. A maioria das raparigas faz isso por 20 rands. Sorri, dentro do seu capuz subido contra o vento. - Eu tenho o meu marido, ele não vem fazer o teste porque está a trabalhar. Isaac já fez o teste duas vezes e continuou sem usar preservativo. Nomsa vai fazer pela primeira vez. - Alguns nem sabem como usar o preservativo - diz ele. Que pensam do duche do Presidente? - As pessoas acreditam - diz Isaac. Nomsa acena. E nos sangomas, os curandeiros tradicionais, acreditam?- O sangoma pode fazer coisas, mas não te pode curar da sida - responde Nomsa. Entretanto Isaac foi descendo para a carrinha. - As raparigas começam a ter sexo com 14 anos - conta ela, agora sozinha. Mas como é isso dos 20 rands? É uma prática comum?- Um rapaz vem ter contigo e quer sexo. E tu pedes-lhe que dê algo para ajudar. Nomsa não está a falar de prostituição, está a falar do meio que conhece na township. Como fazem as mulheres para não engravidar, se não usam preservativo?- Tomam injecções. Eu não tomo nada, quero ter cinco filhos, e tenho sexo com o meu marido. Mas não sei o que ele fez antes, e por isso quero fazer o teste. Conheci-o em 2007, quando ainda estava na escola. No Zimbabwe, pagam-te tão pouco que não consegues viver. Desde o colapso económico do país, nas mãos de Robert Mugabe, um êxodo de gente atravessou a fronteira, para tentar a vida na África do Sul. Nomsa veio como asilada e o marido trabalha como jardineiro. No Cabo há muito trabalho para jardineiros porque grande parte da classe média mora em casas com jardins. Por exemplo, o rapaz que agora se segue trabalha para uma companhia de jardinagem como condutor, e também é de fora, neste caso do Malawi. Chama-se Stanley, tem 25 anos, fala como um entusiasta. - Vim em 2008 como asilado. Trabalho cinco dias por semana e ganho 2400 rands por mês [240 euros]. Vive num quarto com a namorada, também do Malawi. -É a primeira vez na vida que venho fazer o teste. Vivo na escuridão e preciso de saber! Só faço sexo com ela, mas não usamos preservativo, ela usa a pílula. Estou preocupado porque tive outras mulheres antes e eu também não sou o primeiro homem dela. Estão juntos desde 2006. - Nos últimos dois anos fui fiel. Ouve-se alguém a chamar na estrada. Stanley vira-se. - Ah, já está ali o meu patrão! Tenho de o ir avisar que ainda não fiz o teste. E corre para uma camioneta com um emblema de jardinagem. O patrão ainda vai ter de esperar. Junto ao Tutu Tester já há fila. 5. As cores unidasE os Freshly Ground, os tais que vão acompanhar ao vivo Shakira em Waka Waka - Time for Africa, canção oficial com que abre e fecha o Mundial?- Ah, já chegaram - diz Lavinia, apresentando a jovem manager da banda. - Mas estão ali dentro daqueles dois carros enquanto não é o momento de fazerem o teste. Porque está um vento de cortar. A manager abre a porta de um dos carros, apresenta a repórter, que se senta no lugar livre atrás. A porta fecha-se e somos cinco pessoas num carro parado, com os vidros a ficarem embaciados. À esquerda, no banco de trás, Solani, a alegre vocalista de 28 anos, uma negra de Port Elizabeth, e ao lado dela o guitarrista Júlio, de 35 anos, moçambicano de Maputo, desde 2003 na África do Sul. À frente, o teclista Seredeal, 33 anos, um mestiço de Port Elizabet, e ao lado dele o baixista Josh, 40 anos, um branco da Cidade do Cabo. Faltam três que estão no carro do lado, mas só aqui já estão as cores que compõem grande parte da população da África do Sul: negros, mestiços e brancos. Esta banda podia chamar-se cores unidas, e ainda inclui um imigrante. - Quem começou a banda já não está cá - explica o louro Josh, um falador desafiante. - Esta é a formação que tem estado junta nos últimos sete anos. Quando as políticas anti-retrovirais ainda estavam em curso. - Há quem fale em 300 mil mortos por causa de Mbeki, mas eu não posso dizer porque não sei - atalha Josh. - O que sei é que o Governo agora está a fazer o maior projecto de saúde pública do mundo. Até ao próximo ano 15 milhões de pessoas vão fazer o teste, um em cada três sul-africanos. Prevê-se que dois milhões sejam positivos. Haverá mais trabalhadores na área da saúde que polícias! A suspeita entre brancos e negros era suposto ter acabado no apartheid. Mas há quem veja a sida como uma conspiração dos brancos. Faz parte de uma série de teorias. Por exemplo, a recessão ter acontecido quando Obama se tornou Presidente. As pessoas interrogam-se. Há quatro anos que os Freshly Ground se envolveram nas campanhas contra a sida. - Todos já fizemos testes antes - diz Solani, a mais jovem. -É uma forma de mostrar responsabilidade, na esperança de que outros assumam responsabilidade - diz Josh. - Também é uma forma de dizer que se uma pessoa faz o teste e é seropositiva não é uma sentença de morte, porque com o tratamento certo de retrovirais pode sobreviver - acrescenta Solani. - Todos sonhamos com uma geração livre da sida. E se todos dermos o passo de fazer o teste, é um passo nessa direcção. Aqui estão eles, unidos. Um carro que é um microcosmos do que a África do Sul sonhou ser. E ainda sonha?- Os brancos perderam o seu poder - diz Josh. - Os agricultores estão a ser mortos, as casas estão a ser assaltadas. Há pessoas que são mortas nas suas casas. E quando Julius Malema [polémico líder da Juventude do ANC, por vezes acusado de racismo negro] fala, os brancos ainda se sentem mais ameaçados. A percepção geral nos brancos é que há medo. Fala um branco do Cabo que pouco tem a ver com os bóeres do Norte, muito menos com a extrema-direita que era liderada pelo defunto Terre"Blanche. - Tudo isto tem a ver com encontrar o nosso lugar no mundo. Há a sensação de que os negros têm poder político mas que a economia e a ciência continuam na mão dos brancos. É por isso que o que Malema diz ecoa nas pessoas. Eu não acho que ele seja um idiota, como muitos dizem. Ele diz coisas astutas. Diz coisas que as pessoas realmente pensam e as pessoas ficam contentes por alguém as dizer. Então a suspeita entre brancos e negros continua no centro de tudo?Josh torce-se no banco da frente para olhar bem para trás. - A suspeita começou quando os portugueses chegaram. Os brancos sempre pensaram que os negros os iam matar na cama à noite. Qual é a história da família dele?- O meu pai descende de escoceses que vieram para o Cabo em 1850. E a minha mãe é radiografista e veio trabalhar no primeiro transplante de coração do mundo. Que aconteceu na Cidade do Cabo, em Dezembro de 1967. Tudo isto é a África do Sul. A manager vem abrir a porta. Chegou a hora. Meio engripada, Solani sorri tiritante, enquanto lhe medem a altura no Tutu Tester. As meninas da township aparecem com telemóveis, a tirar fotos. 6. E a reconciliação?Uma das tendas inclina-se ao vento, com o pénis de madeira estoicamente vertical em cima da mesa. As pessoas esperam à porta da carrinha com autocolantes na mão, depois de se terem inscrito. Os rapazes da banda fazem tudo como se não custasse nada, e não custa. E afinal não choveu. Lavinia vai voltar à Cidade do Cabo, dando-nos boleia. Falamos de reconciliação. Depois do apartheid, era a grande tarefa, disse Mandela. Verdade e Reconcliação. O arcebispo Desmond Tutu pôs às costas o impossível: a Comissão da Verdade e Reconciliação, ele que baptizara a África do Sul como Nação Arco-Íris. E de 1996 a 1998 os membros da comissão percorreram a África do Sul a ouvir relatos do horror. Gente amarrada em grelhas até denunciar gente. Mortos, torturados, desaparecidos. Carrascos diante de vítimas. Perdão em troca de verdade. Houve verdade. Cada um pôde ver-se ao espelho, no que sabia e no que não quis saber. Muito disso está no Museu do Apartheid, perto de Joanesburgo. É preciso ir lá ver. Aquilo é a chave do futuro. A maioria dos brancos avançou para o novo país, mas muitos nunca pediram desculpa, e só uma pequena parte dos negros enriqueceu. "O que me espanta é como as pessoas podem viver nestas condições", disse Desmond Tutu em entrevista a Alec Russell, em 2008. "Acordam de manhã e vão para os subúrbios brancos, ricos, saudáveis, e trabalham em casas que têm todas as conveniências modernas. E à noite voltam para a sordidez e a privação. E uma pessoa pergunta-se como mantêm a paciência que têm mostrado. " É um milagre, um contínuo milagre dos homens, a África do Sul não ter explodido. Houve verdade, mas falta reconciliação. Então a propósito de tudo isto Lavinia, a mulher que durante 22 anos trabalhou com Tutu, não pode fazer nada para nos meter dentro da agenda do arcebispo, mas acha que devíamos falar com o genro dela, um ex-reverendo da Igreja Reformada Holandesa, a principal entre os afrikaners. O trabalho dele é a reconciliação. E quando lhe telefona, e ele diz que está na Universidade da Cidade do Cabo, por onde justamente agora vamos passar, está visto que a conversa tem de acontecer. Então Deon Snyman surge ao cimo da rampa, Lavinia despede-se e ele leva-nos para o primeiro edifício disponível, por acaso um centro de estudos judaicos. 7. Este é o momentoTeólogo, Deon está agora, aos 44 anos, a fazer um mestrado em Justiça. Lembra Mia Couto sem olhos azuis e com cabelo à escovinha. Um Mia Couto austero. A Fundação da Restituição, na qual trabalha, defende que não pode haver uma igreja pobre e negra e uma igreja branca e rica. O lema é restituir, e isso passa por reconhecer o que não se deu, e passa por dar. - Queremos mobilizar as pessoas brancas para perceberem que foram beneficiadas, e que muita da riqueza que reuniram foi de forma injusta. Eu cresci numa cidade perto de Ventersdorp [zona da fazenda de Terre"Blanche] e estudei na Universidade de Pretória nos anos 80. Venho de uma família tradicional afrikaner. Acabei Teologia quando o ANC deixou de ser banido e Mandela foi libertado. E tive de responder a isto: "Quero ser padre de uma congregação branca? Este país vai mudar tanto. . . " Então tornei-me padre nas zonas rurais do KwaZulu Natal. E pela primeira vez na vida tive de construir relações com pessoas de cor e cultura diferentes. Isso mudou a minha vida. Depois de construir relações, gostamos uns dos outros. Na África do Sul, as pessoas não se gostam porque não se conhecem. O que aprendeu Deon no KwaZulu Natal?- Descobri como o apartheid afectou a vida deles. A sida estava a tornar-se num grande problema. Tive de enterrar muitos jovens. Muitos tinham sida por causa do apartheid, porque os pais não estavam em casa [no apartheid, os homens eram deslocados para as zonas de trabalho, deixando para trás as famílias], porque não tinham sonhos para o futuro, e então não tinham cuidado com o que faziam. As infra-estruturas nas zonas rurais são más, e a possibilidade de estas pessoas se erguerem é escassa. Por isso, têm comportamentos de risco. Não há cinema, não há lazer, nada. Há sexo. E não se importam com o futuro por o presente ser tão mau. Foi isto que levou Deon à restituição. - Se queremos ter uma reconciliação na África do Sul, temos de nos dirigir às injustiças do passado: "Os brancos beneficiaram, isso foi injusto, o que vão fazer quanto a isso?" Muitos brancos não entendem isto. Vêem os negros a beneficiar nesta nova África do Sul. Mas têm de perceber que o apartheid foi um crime contra a humanidade. O que é que nós, brancos, podemos fazer para inspirar os negros, para os fazer perceber que lamentamos realmente o que se passou? Não é preciso ter sido perpetrador. Por sermos brancos, todos fomos perpetradores. Os brancos têm de perceber que a vida deles é muito fácil na África do Sul, que a qualidade de vida que têm é muito alta, em comparação com a Europa. Olham para Malema, para a corrupção, para o crime, e sentem-se desencorajados. Mas olharam o suficiente para o mal do apartheid e para o que fizeram?Que devem então fazer, na prática?- Reparações. As vítimas têm de dizer o que precisam. Um exemplo: um negro de meia-idade começa a limpar jardins. Depois compra um carro velho, progride. Precisa de uma pick-up mas o banco não lhe dá empréstimo porque ele nem tem casa a sério. Então os brancos podem ir com ele ao banco, podem pagar o juro. Não é caridade. Ele vai pagar o empréstimo. Mas ajuda. A caridade não implica responsabilidade, mas a restituição sim. Deon vê a restituição como meio para a reconciliação. - Dar de volta pode realmente abrir as portas para um novo processo. A reconciliação na verdade ainda não começou, o que é normal. Agora é que é o tempo. Olhando para Malema, os brancos devem perguntar por que é que este homem está tão zangado, porque ele fala por muita gente que está zangada e não diz, e isso é perigoso. Há negros sul-africanos tão zangados que nos últimos anos houve agressões anti-imigrantes africanos. - Começaram a dizer que os estrangeiros eram o nosso problema. Não dizem que os brancos são o nosso problema, mas esse risco existe. Os brancos têm de ser espertos e sensatos. Falta boa liderança na comunidade branca. É muito difícil, às vezes sinto-me desencorajado, mas não posso fugir da oportunidade, quando os negros me convidaram para as suas vidas, e vi tantos dos meus amigos morrerem de sida. Há cinco anos que trabalha nisto, e acha que o momento actual é particularmente decisivo. - Desmond Tutu disse que chegaria um tempo em que os negros ficariam impacientes e começariam a perguntar em que beneficiavam nesta nova África do Sul. E julgo que é isso que está a acontecer. Há muito boa vontade na comunidade negra. Sei do que falo. Se eles sentirem que os brancos realmente lamentam, compreenderão. Talvez as pessoas precisem de um choque. Talvez Malema seja necessário. É um oportunista, mas talvez seja uma oportunidade. Os negros pobres também devem perguntar a Malema aquilo que o jornalista da BBC [insultado por Malema] perguntou: se está tão preocupado com os pobres, por que vive em Sandton [subúrbio mais rico de Joanesburgo]? Foi aí que Malema mostrou a sua vulnerabilidade. Vai ser interessante ver como o ANC lidará com ele. E os brancos têm de fazer com que Malema não se torne Mugabe. Parece uma tarefa gigantesca, quando cada pessoa antes de mais está precupada com a sua casa, a sua família, os seus. Mas em África há uma tradição, o ubuntu. Nelson Mandela definiu ubuntu como "o sentimento profundo de que só nos tornamos humanos através da humanidade dos outros". E talvez seja a necessidade de colectivo que levou Desmond Tutu a dizer isto sobre o Mundial, em entrevista recente ao diário britânico The Guardian: "Acredito que as pessoas vivem de algo mais do que apenas pão. Poderemos dizer que conseguimos fazer o Mundial. É a primeira vez que este torneio se realiza no continente africano, e por isso é importante para quem somos, para a nossa auto-estima como continente e como sul-africanos. As infra-estruturas que têm sido desenvolvidas vão beneficiar-nos bem depois de o Mundial ter começado e acabado. "Fala um sobrevivente de tuberculose, que não teve dúvidas em fazer o teste de HIV, depois de ter ajudado a derrubar o apartheid. (Terceira reportagem de várias até ao início do Mundial)
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Estudo revela que dentição das crianças está a desenvolver-se mais cedo
Os dentes das crianças portuguesas estão a desenvolver-se mais cedo do que há um século atrás, como resultado da melhoria na nutrição, cuidados de saúde e salubridade, revela um estudo a que a Lusa teve hoje acesso. (...)

Estudo revela que dentição das crianças está a desenvolver-se mais cedo
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-12-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os dentes das crianças portuguesas estão a desenvolver-se mais cedo do que há um século atrás, como resultado da melhoria na nutrição, cuidados de saúde e salubridade, revela um estudo a que a Lusa teve hoje acesso.
TEXTO: “É o primeiro estudo a demonstrar de forma clara e consistente a influência dos factores ambientais na maturação dentária”, afirmou Hugo Cardoso, antropólogo e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), que liderou o projecto. O trabalho envolveu investigadores da FMUP, da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto (FMDUP) e da Universidade do Estado da Pensilvânia (EUA), tendo permitido avaliar uma amostra de mais de 500 crianças portuguesas, com idades entre os 6 e os 18 anos, de classe socioeconómica média a baixa, recrutadas nas consultas da FMDUP. A maturação dos dentes destas crianças foi comparada com a de esqueletos de 114 crianças, com características semelhantes, nascidas entre 1887 e 1960, que faleceram entre 1903 e 1972. Os esqueletos integram as colecções dos Museus de Antropologia de Coimbra e de História Natural de Lisboa. Hugo Cardoso, que pertence também ao Museu Nacional de História Natural, sublinha que “o aceleramento do desenvolvimento dentário está a par do aumento pronunciado na estatura das crianças portuguesas registado nas últimas décadas”. Num trabalho científico anterior, o investigador demonstrou que, entre o início e o fim do século XX, as crianças tornaram-se mais altas, mais pesadas e atingiram a maturidade sexual mais cedo. Os resultados revelaram que, nas crianças da amostra moderna, o desenvolvimento dos dentes surgiu 1, 22 anos mais cedo nos rapazes e 1, 47 anos nas raparigas, em média, comparativamente à amostra histórica. O investigador salientou que o aceleramento do desenvolvimento dos dentes tem início depois do final do regime ditatorial em Portugal, altura em que se registaram melhorias consideráveis em termos económicos e se investiu em sistemas de saúde e acção social. “Entre as décadas de 60 e 80 também se registaram melhorias importantes na dieta dos portugueses, nomeadamente no que se refere ao aumento das calorias ingeridas por dia e do consumo de produtos de origem animal, como carne e leite”, sustentou. Outros trabalhos já tinham sugerido a aceleração no desenvolvimento dentário, mas esta hipótese nunca foi cientificamente testada por falta de amostras de crianças contemporâneas, com alguma antiguidade. Os autores explicam que estas conclusões vão ter implicações na prática clínica, uma vez que sugerem que a idade de referência para realizar tratamentos ortodônticos nos adolescentes dos países mais desenvolvidos pode estar desactualizada, devendo ser antecipada. Consideram que também os métodos utilizados para estimar a idade através dos registos dentários podem não ser as melhores para avaliar crianças refugiadas e jovens imigrantes ilegais provenientes de países em desenvolvimento. “Isto porque se demonstrou que os factores ambientais têm uma influência maior do que a esperada na maturação dos dentes, o que indica que devem ser usadas referências distintas para os naturais de países desenvolvidos e os de países em vias de desenvolvimento”, explicou Hugo Cardoso. O estudo foi publicado na última edição do American Journal of Human Biology.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Quem são os novos ministros?
António Costa desenhou um Governo com 17 ministros, quatro dos quais mulheres. Eis os perfis. (...)

Quem são os novos ministros?
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.136
DATA: 2015-11-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: António Costa desenhou um Governo com 17 ministros, quatro dos quais mulheres. Eis os perfis.
TEXTO: Aos 57 anos, o investigador Manuel Heitor torna-se ministro da Ciência e do Ensino Superior – pasta que conheceu bem como secretário de Estado durante seis anos, entre 2005 e 2011, período em que José Mariano Gago foi o ministro responsável por essas duas áreas nos governos socialistas de José Sócrates. Professor catedrático, Manuel Heitor era até agora director do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento (do Instituto Superior Técnico de Lisboa, ou IST), que fundou em 1998. Foi no IST que se licenciou em engenharia mecânica, em 1981. Quatro anos depois, doutorou-se no Imperial College, em Londres, também em engenharia mecânica, a que se seguiu um pós-doutoramento na Universidade da Califórnia em San Diego, em 1986. Depois da formação e estadia no estrangeiro, desenvolveu a sua carreira académica e de investigação no IST, na área de mecânica de fluidos e combustão experimental. A partir do início da década de 1990 dedicou-se também ao estudo de políticas de ciência, tecnologia e inovação, incluindo políticas e gestão do ensino superior. Foi pela primeira vez para um governo com o antigo ministro Mariano Gago, como secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Mariano Gago, que morreu em Abril deste ano, já antes disso tinha sido ministro da Ciência, entre 1995 a 2002, nos governos de António Guterres, e foi quem em Portugal deu peso político à investigação científica. Para pôr a ciência na agenda política, Mariano Gago escreveu o livro Manifesto para a Ciência em Portugal, apresentado há 25 anos, em 1990, e que era um programa de governo para esta área. É a partir deste legado que, ao longo deste ano, Manuel Heitor tem estado envolvido na organização de várias homenagens a Mariano Gago e no lançamento de um novo manifesto para a ciência como um desígnio nacional (“O conhecimento como futuro – Uma nova agenda política para a ciência, a tecnologia e o ensino superior em Portugal”), no qual se defende o aumento do dinheiro do Estado para a investigação. “Passados 25 anos sobre o Manifesto para a Ciência em Portugal é imperativo reafirmar que a ciência é necessária, para todos; apostando nas pessoas, na sua formação exigente e motivada, prosseguindo o sucesso do desenvolvimento científico e tecnológico; urge, em suma, reclamar a ideia forte de que Portugal é país de ciência (…)”, escreveu num artigo de opinião em Maio no PÚBLICO, em co-autoria com Maria Fernanda Rollo, da Universidade Nova de Lisboa. “Investir na ciência é, como há 25 anos, investir no futuro de Portugal. ”Agora que está à frente da pasta da Ciência, Manuel Heitor vai decidir se vai desfazer muitas das políticas científicas dos últimos quatro anos do Governo Pedro Passos Coelho – a começar pela avaliação muito polémica que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) fez aos centros de investigação do país (o programa eleitoral do PS prometia um novo processo de avaliação) e a acabar nos cortes nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Teresa FirminoÉ um regresso a casa. Manuel Caldeira Cabral volta ao Ministério da Economia, já não como assessor, mas agora na qualidade de ministro, aos 47 anos. Professor na Universidade do Minho, o economista esteve no grupo de peritos que elaboraram o cenário macroeconómico do PS antes das eleições. Mas a sua ligação ao PS é anterior a isso. Não só trabalhou com Manuel Pinho e de Fernando Teixeira dos Santos entre 2009 e 2011, como fez parte do grupo de conselheiros económicos de António José Seguro quando este era secretário-geral do PS. Durante o último Governo de José Sócrates, pertenceu ao Conselho para a Promoção da Internacionalização e participou no grupo de acompanhamento da estratégia 2020. Não tem cartão de militante, mas a ligação ao PS manteve-se. Até Abril dividiu as aulas na Universidade do Minho com a elaboração do conjunto de propostas em matéria de economia e finanças que serviram de base ao programa eleitoral de Costa. E nas eleições de 4 de Outubro, foi o cabeça-de-lista, como independente, no círculo de Braga. Do grupo dos 12 economistas, Caldeira Cabral é um dos três que chegam a ministro (a par com Mário Centeno e Vieira da Silva). No rescaldo das negociações do PS com os partidos à esquerda, apareceu a falar como putativo ministro, sublinhando recentemente à Antena 1 a convicção de que os investidores “sabem que o PS tem políticas macroeconómicas estáveis”. Caldeira Cabral licenciou-se em 1992 em Economia na Universidade Nova de Lisboa, onde viria a fazer um mestrado em Economia Aplicada em 1996, e mais tarde concluiu o doutoramento na Universidade de Nottingham. Em 2004, precisamente o ano em que se doutorou, foi para Timor-Leste dar aulas na universidade, num projecto de cooperação da Fundação das Universidades Portuguesas. E três anos depois voltaria a Timor, de novo como professor. Antes de se dedicar à carreira académica a partir de 1993, o economista chegou a trabalhar como assessor na Associação Portuguesa de Seguradores e, antes, como jornalista. Sempre com a economia em pano de fundo: escreveu no Diário Económico e no Semanário Económico. No currículo tem vários projectos de investigação sobre comércio internacional e exportações. Um trabalho recente, elaborado com outros colegas da Universidade do Minho, centrou-se no tema Internacionalização do Sector da Saúde Nacional nos Mercados de Angola, Brasil, EUA e Alemanha. Pedro CrisóstomoJá desde a anterior liderança socialista de António José Seguro que esta deputada navegava pelos assuntos do Mar. Foi uma das pessoas que prepararam as matérias relacionadas com o tema no documento programático que Seguro apresentou antes das eleições europeias. E teve de partilhar essas competências quando António Costa assumiu a liderança do PS. A sua relação com as questões marítimas já vem de trás. Com a sua passagem pela secretaria de Estado dos Transportes teve de tratar de temas paralelos. Essa tutela fez sentido para quem é licenciada em Engenharia Civil, com um mestrado em Transportes. Mas que foi interrompida quando entrou em conflito com o seu ministro, Mário Lino. Foi directora de uma revista sobre o Mar, denominada Cluster do Mar. Mas nestes primeiros meses terá de convencer os peritos do sector, que ainda a encaram como uma nomeação suportada mais pela confiança política do futuro primeiro-ministro do que pela sua competência nesta área. Nuno Sá LourençoA nomeação de Eduardo Cabrita para ministro adjunto resulta muito da proximidade e confiança que tem com o líder do PS. Foi colega de António Costa na universidade e seu secretário de Estado adjunto de quando o futuro chefe de Governo tutelou a Justiça no último Governo de António Guterres. Depois disso, esteve ainda no Governo de José Sócrates, como secretário de Estado adjunto, com a tutela da Administração Local. A sua escolha para um ministério sem pasta resulta da intenção de Costa poder contar com Cabrita para a gestão das questões políticas no quotidiano do Governo. As últimas vezes que o cargo surgiu num organigrama governativo foi com Santana Lopes, que nomeou Rui Gomes da Silva para o cargo e Durão Barroso, que escolheu José Luís Arnaut para o posto. Com António Guterres, o cargo pertenceu primeiro a José Sócrates e depois a António José Seguro. Nuno Sá LourençoO seu cargo mais mediático foi o de presidente da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, entre 2006 e 2011, precisamente durante governos socialistas, porém, é na área do Direito que José Azeredo Lopes tem feito toda a sua carreira académica. Actualmente é chefe de gabinete do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, de quem foi também o mandatário da candidatura, em 2013 – e fora um dos primeiros subscritores do movimento Dar o Porto ao Manifesto que incentivaram Moreira a avançar para a autarquia. É comentador televisivo e em jornais e gosta de se apresentar como boavisteiro. Licenciou-se em 1984 na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto, onde se mantém como professor desde então em disciplinas de direito internacional, primeiro como assistente, depois professor auxiliar, agora associado. Tem leccionado sobretudo nas áreas do direito internacional público e criminal. Foi ali que se doutorou em Ciências Jurídico-Políticas com a tese Entre Solidão e Intervencionismo. Direito de Autodeterminação dos Povos e Reacções de Estados Terceiros, em 2002. Do seu currículo consta uma longa lista de artigos e participações em júris de mestrados e doutoramentos essencialmente com temas jurídicos – mais em questões de diplomacia mas poucas relacionadas com a Defesa. Diplomado no Institut Européen des Hautes Études Internationales (Nice) em 1985, no início da década de 90 foi auditor da International Law Academy, em Haia, tendo participado em diversos grupos de trabalho e missões internacionais – foi relator das missões dos observadores internacionais da consulta popular em Timor-Leste e do sector judicial do Banco Mundial a Timor, ambas em 1999. A sua ligação aos media começou em 2002, quando foi convidado para integrar o grupo de trabalho sobre o serviço público de televisão, criado por Nuno Morais Sarmento (PSD), coordenado por Helena Vaz da Silva. Em representação do mesmo ministro negociou em 2003 um acordo de auto-regulação entre as televisões e acompanhou a sua execução até ao final de 2005. Maria LopesFilho de enfermeiros, começou a sua vida política como animador cultural da Comissão de Moradores da Ramada Alta, no Porto. Aos 58 anos, é um dos mais experientes ministros deste Governo. Foi secretário de Estado da Administração Educativa (1999-2000), ministro da Educação (de 2000/2001), ministro da Cultura (2001/2002), dos Assuntos Parlamentares (2005/2009) e da Defesa (2009/2011). Integrou o “núcleo político” dos Executivos de José Sócrates. É adepto do Salgueiros, professor universitário (da Faculdade de Economia da Universidade do Porto), especialista em sociologia da cultura contemporânea, foi cronista do PÚBLICO e comentador da TVI, de onde saiu agastado com a forma como a estação o tratou. As suas críticas são, em regra, duras. Gosta de polémicas. Em 2010 escreveu um livro chamado Os Valores da Esquerda Democrática, em que afirmava que o diálogo do PS com a sua esquerda não deveria ser “preferencial”. A sério? “Sim [risos]. Espero boa polémica a esse propósito. . . ”, respondeu, divertido. Agora que vai chefiar a política externa, aqui fica um sinal do que pensava, em plena crise do Euro: “Portugal não pode fazer outra coisa que não seja o consenso na Europa e na zona euro. Nós queremos Europa, queremos o euro, faremos o que for necessário. Com a simplicidade e a clareza que as linhas políticas devem ter. ” Paulo PenaDa Segurança Social para as Infra-estruturas e Planeamento. As reformas da segurança social que ajudou a implementar na altura do primeiro governo de José Sócrates, quando foi secretário de Estado de Vieira da Silva, é talvez o aspecto mais relevante do currículo do economista que vai tomar posse como ministro do Planeamento e Infra-Estruturas do governo liderado por António Costa. Com 39 anos de idade, esteve nos dois governos de José Sócrates, e também foi eleito deputado nas eleições de 2011, pelo distrito de Portalegre. Em Outubro do ano passado, e numa altura em que era vice-presidente da bancada socialista e responsável pelas áreas de orçamento e finanças, renunciou ao cargo por razões “profissionais”, e para se dedicar à actividade privada na área da consultoria. Pedro Marques fez então saber que suspendeu a sua intenção de se afastar da actividade política activa, que lhe havia surgido mais cedo, apenas para colaborar com o esforço de vitória de António Costa, quando este desafiou Antonio José Seguro para eleições primárias no partido. Luísa PintoConstança Urbano de Sousa é uma aposta pessoal de António Costa, com quem este trabalhou quando foi ministro da Administração Interna, entre 2005 e 2007. Nas últimas legislativas, Constança Urbano de Sousa foi eleita deputada pelo círculo do Porto já com o objectivo de integrar o Governo no caso de António Costa ser primeiro-ministro. Num momento em que a Europa vive problemas como o terrorismo e os refugiados, António Costa aposta numa especialista em assuntos de justiça, segurança, asilo e emigração. Constança Urbano de Sousa é professora na Universidade Autónoma e foi conselheira e coordenadora da Unidade Justiça e Assuntos Internos da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia. Durante a presidência portuguesa da UE, presidiu ao Comité Estratégico Imigração, Fronteiras e Asilo (CEIFA) da União Europeia. São José AlmeidaToca piano e é especialista em Direito Económico. Doutorada, com agregação, e catedrática da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Maria Manuel Leitão Marques tem 63 anos e é conhecida por ter sido a criadora do Simplex, o ambicioso plano de modernização administrativa, cuja unidade de missão coordenou, quando António Costa era ministro de Estado, em 2005. Chegaria a secretária de Estado da pasta. Nasceu em Quelimane, Moçambique, mas aos 17 dias de idade já estava a caminho da metrópole. Gosta de viajar. Já subiu, de barco, todos os rios portugueses navegáveis. Já teve um blogue (Causa Nossa), alimentado agora pelo marido, Vital Moreira. A burocracia, diz, “ameaça a nossa competitividade internacional e o nosso bem-estar”. De esquerda, do Benfica e da Académica, inscreveu-se no MES, logo após o 25 de Abril, e terminou aí, “sem grandes saudades”, a sua militância partidária. Agora ocupará uma das pastas mais relevantes do novo Executivo. E garante que não gosta “de falhar”. Paulo PenaFrancisca Van Dunem nasceu em Luanda há 60 anos e é a primeira mulher negra a assumir um cargo de ministra em Portugal. Conhece a Justiça por dentro. Procuradora há mais de 30 anos, ocupou nos últimos oito anos um dos cargos mais importantes do Ministério Público, como procuradora-geral distrital de Lisboa, responsável pelo maior dos quatro distritos judiciais do país. Acreditando que a Justiça deve ser transparente e prestar contas, foi pioneira ao criar um site onde se reporta diariamente a actividade do Ministério Público. Dirigiu igualmente o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, onde antecedeu Maria José Morgado, e esteve, nos anos de 1980, na Alta Autoridade contra a Corrupção. É casada com o professor catedrático da Universidade de Lisboa, Eduardo Paz Ferreira, especialista em Direito Fiscal e Finanças Públicas, e antigo sócio do ministro socialista Sousa Franco, com quem fundou um escritório de advogados. “É uma magistrada altamente qualificada e de uma honestidade a toda a prova”, resume Alberto Pinto Nogueira, antigo procurador-geral distrital do Porto, que trabalhou com Francisca Van Dunem na Alta Autoridade contra a Corrupção e no Conselho Superior do Ministério Público. A violência contra os idosos e a violência doméstica são dois temas que lhe são caros. Apesar das funções de relevo que tem vindo a ocupar nos últimos anos, Van Dunem tem primado sempre pela discrição. Veio para Portugal aos 18 anos, para tirar o curso de Direito. No ano passado concorreu aos lugares existentes no Supremo Tribunal de Justiça para procuradores e ficou no terceiro lugar, podendo ainda vir a ocupar um lugar de juíza conselheira se entretanto abrirem vagas. Um dos poucos perfis sobre Francisca Van Dunem, feito pela revista Visão em 2007, dá conta de que a magistrada coordenou megaprocessos relacionados com o tráfico de armas na PSP e a corrupção na Marinha. Gosta de cozinhar, de arte — cinema incluído — e de música clássica, mas nem todos lhe apreciam a distância que mantém para com os subordinados. Foi representante de Portugal no Comité Europeu para os Problemas Criminais no Conselho da Europa. A procuradora-geral distrital de Lisboa chegou a ser representante do governo português junto do conselho de administração do Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia no início dos anos 2000. Em 2012, em entrevista ao PÚBLICO, dizia: "No discurso político, a questão racial continua a ser tabu, manifestamente. Percebo que a abordagem não é fácil. Construiu-se a ideia de que os portugueses eram propensos à miscigenação, misturavam-se culturalmente e que, portanto, isso era um indicador de que não discriminavam racialmente. Eu digo 'não'. "Apesar de, na altura, confessar que nunca tinha sentido discriminação no local de trabalho, e que não achava que a justiça portuguesa discrimine, não tinha dúvidas quanto ao facto de existir racismo em Portugal. "Falta a abordagem franca da questão. Era importante encararmos isso como um problema que, se calhar, nem é assim tão difícil de resolver. Há uma componente educacional, mas é preciso investir nela. ” Mariana Oliveira e Ana Henriques, com Joana Gorjão HenriquesO nome do novo ministro do Ambiente parece ter sido escolhido a dedo para levar a cabo uma das promessas do Governo de António Costa: reverter as reformas no sector da água e dos resíduos que acabam de ser concretizadas pelo executivo de Passos Coelho. João Pedro Matos Fernandes era, desde Janeiro de 2014, presidente das Águas do Porto, a empresa municipal responsável pelo abastecimento e saneamento na Cidade Invicta. E o Porto é um dos municípios que se têm manifestado contra a reforma do sector das águas, que resultou na fusão de 19 sistemas que gerem a água “em alta” – ou seja, da fonte até aos reservatórios municipais – em apenas cinco, para harmonizar preços entre o litoral e o interior. Matos Fernandes, de 47 anos, é engenheiro civil e já teve uma passagem pelo Ministério do Ambiente, durante o primeiro Governo de António Guterres. Foi adjunto e depois chefe de gabinete do secretário de Estado Ricardo Magalhães, quando o ambiente estava nas mãos da ministra Elisa Ferreira, entre 1995 e 1999. Antes disso, tinha trabalhado na Comissão de Coordenação da Região Norte, entre a conclusão da sua licenciatura em Engenharia Civil na Universidade do Porto e a de um mestrado na área das infra-estruturas de transportes, no Instituto Superior Técnico. Não voltou a integrar os quadros do ministério no segundo Governo de Guterres, mas ainda foi nomeado, em 2000, como coordenador de uma equipa para acompanhar a colocação em prática dos planos de ordenamento da orla costeira – que, até hoje, não estão cabalmente concretizados. Nessa altura, já estava no sector privado, na Quaternaire Portugal, uma consultora para projectos de desenvolvimento local e regional, da qual foi administrador até 2005. Voltou aos cargos públicos um mês depois do regresso do PS ao Governo, com José Sócrates, depois dos curtos governos de Durão Barroso e Santana Lopes (PSD). Assumiu, em Abril de 2005, a posição de vogal da Administração dos Portos do Douro e Leixões (APDL). Entre 2008 e 2012 foi presidente da APDL. Depois de uma passagem por Moçambique, foi convidado a assumir a presidência das Águas do Porto em Janeiro de 2014, pelo recém-empossado presidente da câmara municipal, o independente Rui Moreira. Além do dossier do sector das águas, o novo ministro do Ambiente terá também de desfazer outra das medidas emblemáticas do seu antecessor, Jorge Moreira da Silva: a privatização da Empresa Geral de Fomento, o braço da administração central na área do tratamento do lixo. A reversão da privatização e das fusões na água são duas das medidas que estão nos acordos que o PS fez com os demais partidos de esquerda. Ricardo GarciaQuando o secretário-geral do PS, António Costa, o convidou para integrar as listas por Viana do Castelo às eleições legislativas de 4 de Outubro, Tiago Brandão Rodrigues pensou em dizer que não. Foi esse “o primeiro impulso”, confessou ao PÚBLICO em entrevista neste Verão. Aos 38 anos — e apesar de nunca ter sido militante em nenhum partido —, o cientista doutorado em Bioquímica pela Universidade de Coimbra é o novo ministro da Educação do Governo liderado por António Costa. Nasceu em Paredes de Coura e sempre se considerou “um homem de esquerda”. Madrid, Dallas e Cambridge são cidades que conhece bem: viveu, estudou e trabalhou em todas elas — 15 dos últimos 16 anos foram passados no estrangeiro. Para concorrer como cabeça de lista do PS pelo distrito de onde é natural, Tiago Brandão Rodrigues deixou para trás um lugar de investigador na Universidade de Cambridge, em Inglaterra. Há cinco anos que se dedicava a estudar, no laboratório Cancer Research UK, técnicas de detecção precoce do cancro. No fim de 2013, apresentou na revista Nature Medicine uma técnica de ressonância magnética que provou conseguir detectar mais cedo e com maior precisão esta doença. Saltou para os noticiários, foi capa de revista, deu muitas entrevistas sobre a investigação que o apaixona, ganhou visibilidade e reconhecimento nacional. Vê na escola pública e na educação para todos dois “dos pilares-mores da democracia”, sem esquecer a ciência, pasta para outro ministro. Em campanha pelo Alto Minho, Brandão Rodrigues notou “alguma resignação” por parte das pessoas. Acreditava, contudo, que o PS conseguiria “criar as condições para construir melhor”. “Não temos que baixar as expectativas de ter um Estado que as assista, um Serviço Nacional de Saúde com esperança e uma escola que as eduque”, sublinhou. A um mês das legislativas, garantiu estar preparado para fazer parte de um meio “aparentemente não tão consensual”. Acredita que a cultura científica pode ter um contributo importante na política, “que não é um quadrado fechado”. Ana Maria HenriquesEra um quase-desconhecido até António Costa o ir buscar para coordenar o cenário macroeconómico que serviu de base ao programa eleitoral do PS, mas rapidamente se tornou num “ministro-sombra” das Finanças. Em pouco tempo já era dado como muito provável num elenco governativo socialista. O papel que Mário Centeno assumiu nos últimos meses, em particular nas negociações do PS com os partidos à esquerda, colou-lhe ainda mais essa figura à pele. Centeno, doutorado em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), fez carreira no Banco de Portugal. Entre 2004 e 2013 foi director adjunto do Departamento de Estudos Económicos, até Carlos Costa o indicar como conselheiro especial da administração depois de o economista tentar, sem sucesso, chegar à liderança daquele importante departamento. Centeno, especialista na área do trabalho, professor no ISEG (Lisboa) e na Universidade Nova, fez parte, em 2006-2007, da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais. Quando o seu nome surgiu como coordenador da equipa dos “12 apóstolos” do programa económico do PS, foi de imediato cunhado como “liberal”, um “rótulo” em que Mário Centeno não se revê. “Culturalmente, sou de esquerda”, comentava o economista à Visão há poucas semanas, já eleito deputado independente pelo PS. Numa série de conversas publicadas pelo PÚBLICO em 2011 — as Entrevistas sobre o futuro —, Centeno foi um dos protagonistas. A reforma do mercado de trabalho era o tema incontornável, num ano que viria a ficar marcado pela chegada da troika e o início de uma série de alterações na legislação laboral. A ideia-chave: “A lei [do trabalho] protege, mas as pessoas não se sentem protegidas. ”As entrevistas que deu nos últimos meses não foram isentas de polémica. Ao Financial Times — que no desfecho das negociações do PS com o Bloco de Esquerda, PCP e Os Verdes já o apresentava como o mais do que provável ministro das Finanças —, o economista tentava tranquilizar as dúvidas sobre o cumprimento das metas orçamentais e motivaria mesmo uma alfinetada do Bloco de Esquerda, por dizer que “ninguém com bom senso pensará em não pagar as dívidas que contraiu”. “Vamos continuar a reduzir o défice e a dívida, mas a um ritmo mais lento”, assegurava ao jornal britânico, no mesmo dia em que no Parlamento afirmara: “[O PS] assume as suas responsabilidades europeias e honrará todos os compromissos do país. ”Quando voltar a falar no Parlamento, tudo o que ali disser, mesmo que nos próximos dias antes de ser empossado, já terá por baixo a responsabilidade explícita da assinatura de ministro. Pedro CrisóstomoO nome de João Soares para ministro da Cultura foi uma surpresa. Depois da morte recente de Paulo Cunha e Silva, vereador da Cultura do Porto, ter afastado aquela que era apontada como a solução mais evidente para a pasta, António Costa faz regressar este socialista de 66 anos a um passado longínquo. No currículo do filho de Mário Soares e de Maria Barroso na área da gestão da cultura destaca-se, entre 1990 e 1995, a vereação desse pelouro na Câmara de Lisboa, que depois veio a presidir (1995-2002). Como vereador, deve-se a João Soares a criação da Videoteca de Lisboa, em 1991, da Casa Fernando Pessoa, em 1993, ou a abertura ao público do Arquivo Fotográfico Municipal em 1994. Foi durante o período em que foi vereador que se deu Lisboa Capital Europeia da Cultura em 1994, na altura presidida por Vítor Constâncio, numa sociedade de capitais públicos que juntava a autarquia e a Secretaria de Estado da Cultura. “Não percebo” foi a primeira reacção que o PÚBLICO ouviu quando começou a testar esta escolha de António Costa junto dos meios culturais. Mas também houve quem observasse que a aposta não era assim tão surpreendente: um gestor cultural de Lisboa reconheceu que a expectativa das pessoas da área é que “dentro do padrão que conhecem, seja nomeado um agente cultural”, mas notou que isso não tem resultado nas últimas experiências, quer as da coligação de direita, quer as do PS. “O que é importante é que seja alguém com peso no Governo e no partido”, acrescenta, lembrando que João Soares – ex-candidato a líder do partido e ex-presidente da Câmara de Lisboa – é, além do mais, “uma pessoa combativa”. De facto, João Soares foi o primeiro dos apoiantes de António José Seguro que saiu em defesa do actual líder do PS, quando se começava a desenhar o acordo à esquerda. Foi Costa, aliás, que o repescou para as listas do PS. Uma leitura possível é também a de que Soares não chegou ao Ministério da Defesa porque o futuro primeiro-ministro deu prioridade à pasta da Cultura, onde precisava de um peso pesado para substituir a malograda hipótese de Cunha e Silva. E João Soares terá sido a solução. A par do seu trajecto no PS, João Soares nunca escondeu a sua ligação à Maçonaria, à qual aderiu em 1974, e que vê como um corolário natural da "tradição republicana e laica" em que se enquadra. Di-lo numa entrevista de 1999 ao Expresso, acrescentando que é "muito pouco assíduo" e que não aprecia os rituais maçónicos. Mas é com a profissão de editor que aparece registado na página do grupo parlamentar do PS. Foi no final de 1975 que João Soares lançou, com Victor Cunha Rego, a editora Perspectivas & Realidades, da qual ainda hoje é proprietário, e que inaugurou a sua actividade com a publicação de O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, uma sátira à União Soviética de Estaline. I. S. /L. C. /L. M. Q. Médico, gestor e coordenador do programa político do PS para a área da saúde, o nome de Adalberto Campos Fernandes para a pasta da Saúde não surge como uma novidade, já que fez toda a campanha ao lado de António Costa e manifestou disponibilidade para eventualmente vir a ser ministro. Licenciado em Medicina e especialista em Saúde Pública, o também professor da Escola Nacional de Saúde Pública foi presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria e Hospital Pulido Valente) e esteve também à frente do Hospital de Cascais. De momento, liderava a comissão executiva do SAMS — Prestação Integrada de Cuidados de Saúde, o sistema de saúde dos bancários. Pelas instituições em que passou, ficou conhecido por conseguir equilibrar as contas. Trabalhou também no Millennium BCP, na área de seguros de saúde. Além da licenciatura em Medicina, Campos Fernandes fez várias formações posteriores, sobretudo na área da gestão, nomeadamente na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa e na Universidade Católica Portuguesa. Completou também o Programa de Alta Direcção de Unidades de Saúde da Escola de Direcção e Negócios da AESE. Na ENSP, leccionava cadeiras relacionadas com Administração Hospitalar, Gestão em Saúde e Políticas de Saúde. Menos de uma semana antes de integrar o Governo de António Costa, o agora ministro da Saúde defendeu a sua dissertação de doutoramento em Administração da Saúde, dedicada a um tema muito actual: a relação ou combinação entre público e privado na saúde. O título da tese é A Combinação Público-Privado em Saúde: Impacto no desempenho no sistema e nos resultados em Saúde no contexto português. Segundo descreveu o economista da Saúde Pedro Pita Barros, no seu blogue, a dissertação “reflecte a experiência profissional do autor, além de ter tido uma recolha de informação própria (questionários e entrevistas)”. “A pergunta crucial que é natural surgir é ‘deve o sector privado crescer mais?’, interessante em si mesma e também pelo que possa ter de implicações para políticas futuras no campo da saúde. A resposta não foi evasiva (como poderia ter sido), tendo o autor defendido que o sector privado deve ter as características, incluindo aqui a dimensão, que melhor sirva o serviço público”, descreveu Pita Barros. Em Junho, Campos Fernandes, numa sessão de apresentação dos programas sectoriais dos partidos, garantiu que, caso o PS viesse a formar Governo, daria prioridade, na área da saúde, ao tema das doenças crónicas, do envelhecimento e da inovação. Uma das ideias passava por transformar a Linha Saúde 24 numa espécie de “centro de contacto” do SNS, através do qual os cidadãos conseguissem facilmente garantir o acesso a consultas, exames complementares e cirurgias. Campos Fernandes defendia que é também urgente rever as taxas moderadoras — ideia que acabou por ser agora incluída no programa do Governo, com os contributos do BE e PCP. Os socialistas não defendem o fim das taxas, mas Campos Fernandes adiantava, na altura, que a ideia é isentar do pagamento quem chega a um hospital referenciado pelos cuidados primários, Linha Saúde 24 ou INEM. Romana Borja-SantosJosé António Vieira da Silva, de 62 anos, regressa à Praça de Londres para assumir o cargo de ministro da Segurança Social e do Trabalho. O deputado já tinha ocupado a pasta no primeiro Governo de José Sócrates (2005-2009) e foi o rosto da reforma da Segurança Social de 2006, conseguida com o acordo das confederações patronais e da UGT e muito elogiada pelas instituições internacionais. Embora o programa de Governo do PS fale na necessidade de diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social e de discutir o assunto na concertação social, nesse domínio Vieira da Silva considera-se “conservador”. Numa entrevista ao PÚBLICO em 2014, o deputado criticava um eventual alargamento do desconto das empresas à riqueza produzida: “Não creio que seja um bom sinal dizer que paga mais a empresa que cria mais riqueza. Se cria mais riqueza, tem um papel de arrastamento na economia que vai gerar salários noutros sítios”. Mas já fazer depender a taxa social única da natureza dos contratos (a prazo, definitivos) “é uma medida justa”, mas “difícil de aplicar” num contexto de crise. Vieira da Silva foi o ministro que, em 2006, promoveu um acordo para o aumento do salário mínimo nacional , assinado na Comissão Permanente de Concertação Social pelas quatro confederações patronais (CIP, CCP, CAP e CTP) e pelas duas centrais sindicais (UGT e CGTP). O seu mandato à frente do Ministério da Segurança Social ficou ainda marcado por alterações à legislação laboral muito criticadas pela CGTP. É uma das figuras de destaque do PS e vai ter nas mãos vários dossiers importantes. No imediato, terá de apresentar à concertação social a proposta de aumento do salário mínimo, mas é também pelo seu ministério que passará a redução da taxa social única dos trabalhadores que ganham até 600 euros. No acordo assinado com o Bloco de Esquerda, o PS propunha-se ainda criar um grupo de trabalho para elaborar um plano nacional contra a precariedade e outro para estudar as pensões não contributivas e as medidas de combate à pobreza. Licenciado em Economia e professor universitário, Vieira da Silva já tinha sido secretário de Estado da Segurança Social na primeira legislatura de António Guterres (1999-2001), depois secretário de Estado das Obras Públicas (2001-2002) e, mais recentemente, no último mandato de Sócrates, ministro da Economia ((2009-2011). Raquel MartinsO novo ministro da Agricultura de António Costa é um repetente no cargo. Luís Manuel Capoulas Santos, de 64 anos, foi titular deste ministério entre 1998 e 2002, depois de, entre 1995 e 1998, ter assumido a Secretaria de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e das Pescas. O actual deputado do PS, licenciado em Sociologia, tem trabalho feito no Parlamento Europeu (PE), onde esteve entre 2004 e 2014, e pelo qual recebeu o prémio de melhor deputado na área da agricultura, atribuído pela revista de actualidade política The Parliament. O seu nome está em, pelo menos, sete relatórios e recomendações do PE. Amigo de José Sócrates, Capoulas Santos foi relator de medidas emblemáticas do sector como a proposta do PE que estabeleceu regras para os pagamentos directos aos agricultores, no âmbito da Política Agrícola Comum. Ana Rute Silva
REFERÊNCIAS:
Marcha das Mulheres: resistência, política e humor
O desafio de um grupo de mulheres apareceu nas redes sociais e a resposta foi avassaladora: 673 marchas no mundo inteiro em nome dos direitos humanos, da justiça social, da igualdade, da tolerância, da paz. O que se viu e sentiu a 21 de Janeiro foi a cumplicidade que se politiza para resistir. (...)

Marcha das Mulheres: resistência, política e humor
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O desafio de um grupo de mulheres apareceu nas redes sociais e a resposta foi avassaladora: 673 marchas no mundo inteiro em nome dos direitos humanos, da justiça social, da igualdade, da tolerância, da paz. O que se viu e sentiu a 21 de Janeiro foi a cumplicidade que se politiza para resistir.
TEXTO: No sábado 21 de Janeiro de 2017, foram 175 mil as pessoas que se juntaram no mais antigo jardim público dos EUA, no centro de Boston. Foi mais uma das 673 “marchas-irmãs”, que se organizaram por todo o mundo para acompanhar a principal, que teve lugar na capital norte-americana, em Washington D. C. , um dia depois de Donald J. Trump se ter tornado Presidente. O movimento Women's March (Marcha das Mulheres) nasceu de baixo para cima, pouco depois da eleição de 8 de Novembro de 2016 que surpreendeu grande parte da América com a vitória de Trump. Tal como as raízes das ervas que nascem da terra, é um movimento de base, politizado mas não partidário, que partiu da vontade de acção de cidadãos comuns – neste caso, de mulheres comuns – construírem uma democracia participativa. Um pequeno grupo de desconhecidas lançou o desafio através das redes sociais. A resposta foi avassaladora e a prova disso foi aquilo que aconteceu em Washington, nos Estados Unidos e no mundo inteiro no dia 21 de Janeiro e levou milhões de pessoas a saírem de casa para, unidas, se manifestarem. Já é considerada a maior manifestação que alguma vez aconteceu no país. Nenhuma rede social teria substituído a força da presença humana. Mas não chega. E a partir daqui tudo regressará às redes sociais onde nasceu – a marcha foi apenas o primeiro passo de muitas acções e iniciativas no sentido de dar continuidade ao espírito, às ideias e políticas da Women's March. O que é que defendem as pessoas de todas as idades e origens étnicas – mulheres, sobretudo, mas também, homens, crianças – que no sábado se juntaram no centro de Boston e em tantos outros lugares? As únicas palavras que poderiam reunir a multiplicidade de causas são os direitos humanos, a justiça social, a igualdade, a tolerância, a paz. Todos valores que se sentiram postos em causa pelas palavras e políticas anunciadas por Donald Trump durante a intensa campanha eleitoral e que se viram, realmente, ameaçados pela sua eleição. Aquilo que se tornou visível nas milhares de frases escritas à mão em cartazes, folhas de papel, cartões reciclados, erguidos por entre a multidão de cabeças (cor-de-rosa) foi precisamente essa diversidade de ideias e causas. Os cartazes diziam coisas diferentes, mas todos dialogavam uns com os outros. “Women's rights are human rights”, defender os direitos das mulheres é defender os direitos humanos e vice-versa. Os benefícios para uns são os benefícios de todos. No dia 21 de Janeiro, defenderam-se os mais frágeis e marginalizados, os “ilegais”, os imigrantes ameaçados pela deportação devido às novas políticas, as mulheres vítimas de violência, o planeamento familiar, os direitos LGBT, as pessoas com deficiência, tal como os direitos reprodutivos ou a desigualdade salarial entre homens e mulheres, ainda tão tolerada nos Estados Unidos como noutros lugares do mundo democrático. “Trabalho igual/salário igual. ” Contra o racismo, a desigualdade, a discriminação e a intolerância. “Em vez de muros construam-se pontes”, lia-se em vários cartazes. São múltiplos os cruzamentos entre as diferentes esferas, da justiça à igualdade ou à ecologia. E mesmo que algumas pessoas se sintam mais identificadas com umas causas do que com outras, cada vez existe mais consciência de como todas se cruzam. Esta foi sem dúvida uma marcha “interseccional”, em que muitas causas se juntaram, na sua pluralidade e diferença. “Interseccionalidade” é uma palavra difícil, muito usada nos estudos de género, que quer apenas dizer que há muitos aspectos das nossas identidades que se cruzam, que estão interligados e são indissociáveis uns dos outros. Um feminismo “interseccional”, por exemplo, reflecte sobre os cruzamentos entre género e raça, entre género e orientação sexual, ou entre género e meio social. Muitas das questões que afectam uma mulher negra norte-americana pobre, sem educação superior e sem um seguro de saúde são semelhantes às de uma mulher branca em iguais condições. E são muito diferentes dos desafios de uma mulher afro-americana que tenha estudado em Yale, talvez até graças às políticas de quotas em vigor para tentar combater a enorme desigualdade racial que ainda afecta o acesso às universidades de prestígio. Mas estas duas mulheres, negras, também têm identidades comuns. Como já disse o ex-Presidente Barack Obama, se ele tivesse tido um filho rapaz, teria todos os privilégios de afecto, educação e condições materiais, mas seria muito parecido com aqueles rapazes negros e não armados que têm sido mortos por polícias em vários lugares dos Estados Unidos. E ao andar na rua a pé, a cor da pele seria a mais visível das suas identidades. As políticas de identidade implicam que as pessoas assumam os aspectos das suas identidades que as podem tornar mais vulneráveis ou alvo de discriminação, óbvia como inconsciente. Ex-alunos da Harvard Business School, negros, contaram ao jornalista Ellis Cose, também negro, porque é que evitaram as políticas de identidade: “Uma chave para o sucesso de uma pessoa que não seja branca nem do sexo masculino é nunca falar de raça ou de género a não ser para declarar que a raça e o género não têm relevância nenhuma. ” Na ironia destas declarações está a versão simplificada das atitudes possíveis. Fingir que é uma não-questão ou – como aconteceu na Marcha das Mulheres – declarar bem alto que existem diferentes identidades. E que para que não sejam motivo de discriminação ou de desigualdade é preciso falar nelas. Para muitos, no sábado, dia 21, era a primeira vez que viviam algum tipo de activismo. Muitas das mulheres presentes nunca se tinham sentido envolvidas nas causas dos “direitos das mulheres”, muito menos participado numa manifestação. Num New York Times de há uns dias, um artigo acompanhava um grupo de mulheres no seu primeiro ritual de passagem feminista. Altas funcionárias em Wall Street, em Nova Iorque, da finança à advocacia, tinham crescido profissionalmente a tentar que a sua identidade de género passasse despercebida. Já chegava serem poucas num mundo dominado pelo masculino, onde qualquer posição antidiscriminatória poderia catalogá-las de “feministas”. A palavra, afinal, não é apenas incómoda para muitos homens, mas para muitas mulheres, que temem, e não por acaso, que as suas conotações negativas perturbem a sua afirmação pessoal. Algumas colegas de Wall Street não foram a Washington por temerem repercussões profissionais ou de clientes apoiantes de Trump. Mas muitas partiram, aos milhares, em autocarros, de Nova Iorque (a cidade onde Trump fez toda a sua carreira de homem de negócios, mas onde poucos votaram nele), para a capital do país, Washington, onde se juntou quase um milhão de pessoas. Uma das causas da Marcha das Mulheres, também muito presente nos cartazes, foi o movimento Black Lives Matters (http://blacklivesmatter. com), criado em 2012, que muitos consideram uma segunda vaga do movimento de direitos cívicos que teve em Martin Luther King a sua principal figura. Mas, agora, à palavra “matter” – “importa"/"interessa” – associaram-se novas palavras: “Muslim women matter”, “Illegal immigrants matter”, “Transwomen matter”. Inspirados na mais icónica imagem gráfica de Obama e com uma legenda a dizer “We the people”, viam-se reproduzidos por todo o lado três retratos a representar três tipos de mulheres americanas: num deles, uma mulher com a cabeça coberta por um véu com a bandeira americana representava as mulheres muçulmanas; no outro, uma menina afro-americana; e no terceiro, uma mulher “latina”, em nome da comunidade que mais tem crescido nas últimas décadas nos EUA, e aquela que está mais fragilizada em muitos aspectos, pela ilegalidade como pela pobreza. Um homem levantava o seu cartaz feito à mão: “Make America IMMI-great again”. Os oitos anos da presidência de Obama foram, sem dúvida, um sinal de força e de esperança para os afro-americanos e para todos aqueles que acreditam na possibilidade da igualdade, mas os problemas raciais nos Estados Unidos continuam a ser muitos e a afectar demasiados. O movimento Black Lives Matter tem muitas razões para continuar vivo. As vidas negras continuam a valer menos. Um estudo recente revelou como nos Estados Unidos morrem muito mais mulheres negras do que mulheres brancas com cancro de colo de útero. As razões, claro, são múltiplas e começam logo no acesso aos cuidados de saúde, da prevenção ao tratamento, um assunto especialmente delicado que foi uma das principais batalhas de Barack Obama. Mas as provas mais gritantes desta desvalorização estão nos nomes e números daqueles que têm sido mortos pela polícia porque estão a passar na rua, porque é noite ou porque é dia. E porque a cor da pele é vista como uma ameaça que legitima o abuso da força e do gatilho das autoridades. E voltamos ao hipotético filho de Obama. Igual a muitos dos que têm sido injustamente maltratados por alguns membros das forças policiais. marchas por todo o mundo para acompanhar a principal, em Washington D. C. , onde se juntou quase um milhão de pessoasEste é apenas o lado mais visível da discriminação racial nos Estados Unidos contemporâneo. O mais invisível é aquele que está atrás das grades ou mesmo em celas de isolamento, daquelas que só associamos a ditaduras de países distantes ou a tempos históricos remotos. Ironicamente, fala-se mais deles quando são mortos do que quando estão vivos mas não têm voz. A encarceração maciça de homens negros nos Estados Unidos, o país do mundo com a maior percentagem da população presa, pode ser vista como uma nova forma de escravatura. Este é o principal argumento do recente documentário produzido pela Netflix, 13th, realizado por Ava DuVernay, uma mulher afro-americana. Quem quiser saber mais poderá ler os impressionantes artigos de investigação que têm saído nos últimos tempos na revista New Yorker ou no jornal New York Times. O racismo do sistema judicial norte-americano pode manifestar-se em várias fases: do momento em que um homem negro é apanhado numa rusga policial e não tem dinheiro para contratar um advogado ou para pagar uma caução, e os 30 anos que ele poderá passar na prisão, em condições inumanas, para muitas vezes sair sem culpa provada. Ou mesmo depois, já livre, quando mesmo inocente, fica impossibilitado de votar. Para sempre. Depois de Obama, o movimento Black Lives Matter é mais necessário do que nunca, num país onde a geografia da escravatura continua a marcar as rotas e territórios do racismo contemporâneo. No sábado, dia 21, também voltou a marchar nas ruas. Racismo e sexismo cruzam-se de inúmeras formas. Faz todo o sentido que os activismos que os contestam também andem de braço dado. Há outras vidas que importam mas sobre essas notei um inquietante silêncio. Talvez porque ninguém acredite nas possibilidades de uma mudança real. Refiro-me às vítimas da pena de morte, ainda efectiva em tantos estados do país, e às vidas daqueles que são mortos pelos tiroteios em massa que, de quando em quando, relembram ao país a sua estranha forma de se relacionar com as armas. Barack Obama bem tentou durante oito anos mexer num dos maiores tabus americanos, salvaguardado na Constituição, mas as resistências foram demasiadas, do Partido Republicano à National Rifle Association (NRA), que defende o fácil acesso a armas e que tem em Trump um grande adepto. Em Boston, apenas vi um cartaz a tocar na ferida: “Gostava que este país se preocupasse tanto com os meus direitos como se preocupa com as suas armas”, acompanhado do desenho de um círculo sobre uma cruz, o símbolo astrológico do planeta Vénus, que foi apropriado nos anos 1960 pelo movimento feminista, tornando-se o mais icónico dos seus símbolos. “I cannot believe I still have to protest this shit!”, diziam vários cartazes. Afinal, pensávamos que estes direitos já estavam mais do que adquiridos. Os movimentos de mulheres dos anos 1970, como os movimentos contra a discriminação racial, o “civil rights movement”, dos anos 60, já estão de facto arrumados nos manuais de história dos adolescentes norte-americanos. Mas foram muitos desses mesmos adolescentes que – à hora a que o Presidente Trump fazia o juramento na sexta-feira, dia 20 – saíram das aulas em uníssono e se dirigiram para as praças públicas para manifestarem o seu desagrado. Adolescentes, bebés, crianças, muitas, aprendiam com os pais e avós a linguagem do activismo, vivido em comunidade e de modo pacífico. A ausência, visível, de polícia favorecia o ambiente descontraído. Uma menina negra, de uns dez anos, usava uma cartolina como um colete, “I am a feminist”, pintada com lápis de cor. Uma menina branca de cinco, seis anos pintara “Eu gosto da Hillary, P. S. : e de cães. ” O cartaz de um rapaz adolescente repetia o título da famosa TED Talk, depois transformada em livro, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie – “We should all be feminists. ”Olhando à volta, via-se a massa humana, mas também um mar de cartazes – criatividade, originalidade e individualidade – onde cada pessoa tinha posto, em poucas palavras ou num desenho, aquilo que queria dizer publicamente. Palavras escritas. Não nas redes sociais, mas ao vivo, feitas à mão e partilhadas numa marcha em que a cumplicidade foi o sentimento de ordem. Um casal branco, alto e elegante, de mais de 70 anos, empunhava: “Still marching after all these years” com uma fotografia – dela? – numa manifestação feminista na década de 1970. O Still crazy after all these years, de um dos ícones da época, Paul Simon, transformado numa constatação, triste e irónica. Sim, ainda há razões para estarmos aqui. Barbara Lee, uma filantropa próspera de Boston, muito envolvida politicamente, usava uma faixa original das sufragistas do princípio do século XX – “Votes for Women”. Tem esperança – ainda – de ver uma mulher na presidência dos Estados Unidos. Muitas mulheres e alguns homens, de várias gerações, subiram a uma plataforma para falar, da senadora Elizabeth Warren ao presidente da Câmara de Boston, Martin J. Walsh. Mas o que esta marcha revelou, sobretudo, foram os milhares de voluntários, mulheres, e também homens, que dedicaram muito do seu tempo nos últimos meses a preparar este movimento de pessoas “normais”, politizadas mas não políticas. E que agora continuam activas. Algumas frases vinham de outros momentos históricos mas soavam ainda estranhamente contemporâneas. “Feminism is the radical notion that women are people”, “Smash the Patriarchy”, “The future is female”. Outras falavam ao presente numa paródia onde a frase original era subvertida do seu significado: “A woman's place is in the house, the senate, and the oval office!” Alguns homens levavam cartazes com setas apontadas em todas as direcções “Eu estou com ela, com ela e com ela”. Ou seja, com os milhares de “elas” que o rodeavam. Afinal, como também se lia, “Men of quality, don't fear equality” ou “I'm a man, I stand with women, does this disqualify me for president of the US?” Os homens, aliás, estavam por todo o lado – pais, avós, namorados, maridos, amigos, filhos. Alguns caminhavam de mãos dadas. Afinal, os objectivos dos movimentos LGBTQI estão também ameaçados pelas novas políticas, e isto quando só há um ano e meio, no Verão de 2015, é que o casamento entre pessoas do mesmo sexo se tornou constitucional. O Kevin, jovem e giro (sei como se chama, porque toda a gente lhe perguntava o nome), trepou para uma das colunas altas do jardim com um barrete cor-de-rosa e uma bandeira arco-íris, simbólica dos movimentos sociais LGBT. A diversidade de cores estava de facto por todo o lado. Literal e simbolicamente. Na diversidade etária, religiosa, sexual e étnica (mesmo que em Boston dominasse uma maioria branca). Nos barretes cor-de-rosa tricotados à mão, na bandeira multicolor, ou nos cartazes originais de todas as cores. Mesmo na diversidade política. Em Washington algumas apoiantes de Trump foram às cerimónias do Presidente mas ficaram mais um dia, para a das mulheres. Afinal, todos os seres humanos são contraditórios e os resultados eleitorais também – 53% das mulheres brancas votaram nele (as mulheres negras, dizem as estatísticas, foram muito mais sensatas, mas não foram tão eficazes). Apenas um grupo organizado de mulheres manifestou não se sentir integrada na convocatória para a Marcha, aquelas que integram os movimentos anti-aborto e que têm em Trump um grande apoiante. A religião também esteve presente. Uma família divertida levava um enorme cartaz “Jesus is a feminist”, um grupo católico empunhava um “Caminhamos com as mulheres do mundo”, uma das igrejas protestantes, no caminho da marcha, tocava os sinos e servia de refúgio para quem quisesse descansar. Muitas frases falavam de direitos humanos, em geral, e dos perigos dos abusos de poder. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”, “Não interessa quem somos, merecemos ser bem tratados”, “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça para a justiça em todo o lado”, ou “Se queres saber a verdadeira natureza de um homem, repara na forma como ele trata os seus inferiores, não os seus iguais”, frase posta na boca de uma personagem de Harry Potter, por J. K. Rowling. Esta como outras frases estavam assinadas por nomes simbólicos de movimentos pelos direitos das mulheres, dos negros ou pela paz, de Gandhi a Luther King, Angela Davies e Susan B. Anthony, uma das mais famosas norte-americanas defensoras dos direitos das mulheres e antiesclavagista da segunda metade do século XIX. “Feminism is back by popular demand”, lia-se noutro sítio. “Os criminosos sexuais não podem viver em edifícios governamentais”, dizia um cartaz a propósito do novo inquilino da Casa Branca. Jane Fonda, que foi à Marcha das Mulheres em LA, trata-o por “Predator-in-chief”. A marcha não era só contra Trump. Havia da parte de múltiplas organizações o empenho em que fosse muito para além disso. Mas claro que também foi contra ele. Foi ele que dominou os cartazes, sob a forma de nome ou em caricatura, até porque, neste caso, o musa inspirou as artistas. Desde as frases mais simples, “Not my president”, “Not in my name”, “Untrump the world”, “Love Trumps Hate”, até ao “Emperor Trump isn't wearing clothes”, “History has its eyes on you” ou o “Make America think again”. “Love not hate makes America great” uma alusão à frase mais abundante dos seus discursos – “Make America great again” via-se escrita, tal como se ouvia, cantada em uníssono. Um cartaz que provocava gargalhadas em quem passava era o “Free Melania”, uma referência à primeira-dama cujo maior gesto público de emancipação foi não se mudar já para a Casa Branca. Num enorme cartão, Trump dava um beijo na boca de Putin (uma imagem do programa de humor Saturday Night Live, onde o actor Alec Baldwin é ainda melhor do que o caricaturado). Em cima, as palavras “Pussy Riot”, uma alusão ao grupo de rock feminista e russo que se manifestou contra Putin, e pagou o atrevimento com a prisão. “You’re so vain, I bet you think this march is about you”, dizia um cartaz inspirado na música da Carly Simon. O problema é que também era sobre ele. Muitas palavras escritas respondiam directamente a ideias de Trump – “a ciência não é uma conspiração liberal”, “Não temos um planeta B” ou “As alterações climáticas são reais”. “Nenhum ser humano é ilegal”, li em português, ao longe. O espanhol estava mais presente, a assinalar a gigantesca comunidade latino-americana dos Estados Unidos. O metro de Boston tem tudo escrito em inglês e em espanhol, tal como grande parte da informação oficial em muitos lugares dos Estados Unidos, nas escolas ou nos hospitais. Mas quem lê muitas dessas frases são imigrantes ilegais que temem agora ser deportados. “Say loud, say clear, immigrants are welcome here” foi uma frase muito gritada. O muro que Trump quer construir, na fronteira entre o México e os Estados Unidos, tornou-se um “muro” metafórico feito para simbolizar todas as formas de opressão. As palavras que usou ao longo de toda a campanha – violentas, discriminatórias, intolerantes – voltaram-se, na marcha, contra ele. No fim da manifestação, penduraram-se todos os cartazes nas grades do parque de Boston, como numa exposição de arte ao ar livre. Muitos deles a esta hora já foram recolhidos em museus e arquivos históricos, conscientes de estarem a preservar para o futuro a cultura material do presente. O Smithsonian National Museum of American History, em Washington, teve muito que se entreter com os despojos da manifestação-mãe. Em Londres, o Bishopgate Institute lançou logo um apelo para o seu arquivo de história radical e activismo. Fotografias e cartazes de Janeiro de 2017 para uma colecção que começa em 1800. Numa oportuna coincidência, na sexta-feira passada, dia 27 de Janeiro, foi inaugurada em Nova Iorque no International Center of Photography a exposição Perpetual Revolution: The Image and Social Change, que explora os modos como a cultura visual – a fotografia, o filme, o documentário – se têm politizado. É mais uma das várias mostras que nos últimos anos têm explorado as relações entre política, conflito, resistência e imagem. Muitos têm afirmado que a Marcha das Mulheres foi a maior manifestação simultânea e global que alguma vez aconteceu na história. A mais bem documentada visualmente foi de certeza. O humor foi e é uma característica do movimento feminista. As Guerrilla Girls, ligadas às artes, museus e universidades, activas desde a década de 1980, altura em que se constituíram em movimento em Nova Iorque, foram especialmente criativas nos modos de associar feminismo e humor. A apropriação de insultos como uma forma de subversão ao agressor também já foi usada como resistência – “nigga”, reclamado pelos afro-americanos ao insulto racista “nigger”, é apenas um exemplo. Na Marcha das Mulheres, o humor voltou a dominar, dando o protagonismo a uma palavra e a uma história que resumem bem a consideração que Trump tem pelas mulheres. Aliás, talvez tenha mesmo sido essa história aliada ao facto de não o ter impedido de ganhar – em tudo o que isso revela sobre a tolerância colectiva face à violência contra as mulheres – uma das grandes motivações desta Marcha. A palavra “pussy”, em inglês, tem muitos significados e muitos deles propensos a ambiguidades e duplos sentidos. Quer dizer gato, “pussycat”, mas também fraqueza ou cobardia como características associadas ao feminino. Mas é também uma palavra pejorativa para “vagina” e foi a palavra que Donald Trump usou quando descreveu aquilo que fazia às mulheres sempre que lhe apetecia: “I grab them by the pussy. ” “Grab” quer dizer “agarrar”, “pegar”. A violência das palavras de Trump, proferidas há uns anos mas tornadas públicas pouco antes das eleições, teve um enorme efeito perturbador. Para ele, não passou de uma “conversa de balneário”. Para a sua mulher Melania, não passou de uma “conversa de rapazes”. Para muitas mulheres e homens norte-americanos, no entanto, foi uma “conversa” de um agressor sexual, um homem que abusava do seu poder e que falava com orgulho e banalidade, “entre homens”, dos actos de violência – crimes – que praticava. A brutalidade sexual das palavras que descreviam gestos pôs a América a falar de um assunto vivido por uma quantidade avassaladora de mulheres, de todas as gerações e meios sociais. Surgiram várias que, há 30 anos como há três, tinham sido objecto das suas agressões, mas Trump humilhou-as publicamente e ameaçou-as com processos judiciais, tal como ameaçou Hillary Clinton de a enviar para a prisão. Na Marcha das Mulheres, o feitiço virou-se contra o feiticeiro e aquilo a que se assistiu foi a uma desforra carnavalesca das palavras – e gestos – do Presidente. “Grab them by the president, it's Powder Room talk”, “This Pussy fights back”, “Try and grab this pussy”, muitas vezes acompanhadas com imagens de gatos. Em Boston, como por essa América fora, viam-se “Nasty women” [mulheres mazinhas] ou “Angry women” [mulheres zangadas] por todo o lado. A primeira expressão foi usada por Trump para insultar Hillary Clinton. A segunda, remete para “angry black woman”, uma expressão sexista e racista surgida na América dos anos 1930, de que Michelle Obama também já foi objecto. O nome de Michelle aparecia aqui e ali. Afinal, foi ela a fazer o mais poderoso discurso contra a forma como Trump falou das mulheres. E é nela que muitos falam quando pensam numa futura candidata à presidência dos Estados Unidos. Mulher e negra sim, mas, para a brigada do antipoliticamente correcto, também inteligente, eficiente e humana. Mas o elemento mais marcante, entre os milhões de cabeças de pessoas que desfilaram, foi o mar de barretes rosa-choque tricotados à mão. Mais uma vez, a inspiração veio de Trump. O gorro em vez de ser redondo tem duas “orelhas”, uma alusão às orelhas de gato que lhe deram o nome, “Pussycat hats”. É feito à mão, tricotado, uma prática tradicionalmente feminina que assim se vê investida de um novo poder subversivo. É cor-de-rosa – não o cor-de-rosa bebé com que se vestem as meninas à nascença, mas uma cor especialmente forte. “Forte” foi outra das palavras de ordem. O barrete serviu também como símbolo de apropriação dos muitos significados da palavra “pussy”, revertendo-a a seu favor. O insulto transformou-se num instrumento de resistência. A vítima transformou-se na força e na voz. Ainda por cima bem visível naquele cor-de-rosa gritante. Muitos homens também empunhavam os gorros. Alguns não por opção. As estátuas em bronze dos homens históricos de Boston – as cidades também têm género – estavam todas encapuçadas. Muitos outros, de carne e osso e contemporâneos, também. Como o condutor dos camiões de serviços urbanos. De óculos escuros, colete fluorescente e sentado no tejadilho do camião, além do gorro enfiado na cabeça, segurava um cartaz: “Girls just wanna have fundamental human rights”, mais uma canção, de Cyndi Lauper, a servir de mote ao humor activista. O gorro já está na capa da revista Time, sozinho, e na capa da New Yorker acabada de sair. Na cabeça de uma mulher negra, reinventa o cartaz de 1943 que incentivava as mulheres operárias a aumentar a produtividade em tempos de guerra e que só na década de 1980 foi apropriado por movimentos feministas. Um homem desfilava na marcha de Boston com um enorme cartaz cor-de-rosa – “Hey, Donald look where I found your inauguration crowd!” – e despertava sorrisos por onde passava. O principal tema das notícias nos telejornais norte-americanos no dia 21 de Janeiro, primeiro dia de Trump na presidência, versava sobre “multidões”. Por um lado, as multidões evidentes das Women's Marches, quase 500 mil em Washington, muitos milhares em Chicago, Boston, Nova Iorque, mas também Denver, Austin, capital do Texas, ou até no Alasca. Por outro lado, a ausência de multidões nas cerimónias de inauguração de Donald Trump, tornadas visíveis numa imagem dupla que se tornou viral nas redes sociais. Do lado esquerdo, uma fotografia aérea das multidões que foram a Washington para a inauguração presidencial de Obama em 2009. No lado direito, a imagem da inauguração de Trump, a deixar em evidência os espaços vazios. A questão aqui não foi a da legitimidade da imagem ou a relevância dos números, mas sim a da importância que lhe foi dada pelo novo gabinete de imprensa da Casa Branca que a julgou merecedora da sua primeira aparição pública. A questão do tamanho das multidões talvez não seja assim tão importante. Afinal, quem votou em Donald Trump não foi em massa às cerimónias de inauguração. E quem não votou nele, e se opõe àquilo que ele representa, foi, sim, para as ruas, participar nas quase 700 marchas de mulheres que aconteceram em todo o mundo. A questão determinante agora é a de saber qual o tamanho das multidões que as suas políticas irão afectar de forma negativa. Quantos irão perder o direito a cuidados de saúde e a uma morte digna? “Obama cared” dizia um cartaz. Quantos serão deportados por ser ilegais? Quantos imigrantes deixarão de se reunir com as suas famílias? Quantas mulheres não sofrerão com a ameaça do novo Governo em cortar os apoios às organizações de apoio a vítimas de violência doméstica? Quantos muçulmanos serão impedidos de entrar nas fronteiras norte-americanas? Quantos homens negros é que irão para a prisão injustamente (ou serão mortos a tiro pela polícia) no afã de limpeza da pobreza urbana? Quantas mulheres perderão o direito ao planeamento familiar acessível ou aos direitos reprodutivos? Quantas pessoas serão afectadas pela desvalorização das políticas ambientais? Quantas mulheres não verão posta em causa a igualdade salarial com argumentos de produtividade industrial? Quantos investigadores verão o seu trabalho posto em causa por quem não acredita na ciência e acha Barack Obama um “académico” (em oposição ao suposto “realismo” do homem de negócios)? E quantas mais mulheres terão de ser “grabbed by their pussies” e transformadas por Trump em patéticas invenções da imprensa? Essa imprensa – o New York Times, o mais demonizado – que ele menospreza, como um bando irresponsável de desonestos. Uma coisa é certa, aquilo que aconteceu no dia 21 de Janeiro reconciliou-me com a América. Vi e senti na rua aquilo que já se intuía desde o dia 9 de Novembro, um dia depois de acontecer o que tantos julgavam ser impossível. Hillary Clinton não ganhou mas há uma América que reagiu ao choque e que se está a mexer, a associar, a politizar e que vai resistir. Do desespero ao envolvimento. Em prol dos direitos humanos, da igualdade, da justiça social. A vitória de Trump teve esse, único, benefício, de politizar, nas bases, aqueles que de outra forma não o teriam feito. No seu discurso de despedida em Chicago, no dia 10 de Janeiro, o Presidente Barack Obama encorajou "o povo" à acção. Mas as mulheres já tinham respondido ao apelo de cidadania activa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Trump não está a perder tempo. A primeira semana de trabalho já fez muitos estragos. Num dia começou a desmantelar o programa de saúde acessível que Obama conseguira montar com tanto custo. No outro, viu-se livre dos refugiados e começou a tratar da construção do muro. O website da casa branca já retirou referências a alterações climáticas, direitos cívicos e violência contra as mulheres. Mas do outro lado, também não estão a perder tempo. 21 de Janeiro foi o dia da solidariedade, do optimismo, dos contactos, da criação de novas redes e ideias, mas foi no regresso a casa que o verdadeiro trabalho começou. Um dia depois da Marcha das Mulheres, a organização anunciou logo as 10 acções a serem postas em prática nos próximos 100 dias. Podem lê-las em https://www. womensmarch. com. Historiadora, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
REFERÊNCIAS:
A Europa continua em estado de negação
Num mundo globalizado, as fortalezas são hoje praticamente impossíveis. (...)

A Europa continua em estado de negação
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Num mundo globalizado, as fortalezas são hoje praticamente impossíveis.
TEXTO: 1. “Temos de ir à raiz do problema”. Esta foi, provavelmente, a frase que mais se ouviu na União Europeia nos últimos 15, 20 anos sobre a imigração ilegal com origem na margem sul do Mediterrâneo, vinda também da África subsariana. A “raiz” do problema era, teoricamente, ajudar ao desenvolvimento económico nos países de origem da imigração e tentar resolver os conflitos que obrigavam as pessoas a fugir à guerra. A frase não podia faltar nas conclusões do Conselho Europeu desta quinta-feira: é a única que põe toda a gente de acordo, desde que fique tudo na mesma. Se o seu resultado até agora foi muito limitado, basta olhar para o que se passa no Magrebe, no Médio Oriente e na África subsariana para perceber que a missão se tornou ainda mais complexa. A culpa não é só da Europa, naturalmente. A União fartou-se de insistir na necessidade da cooperação regional. Os países da região só estavam interessados em acordos directos com Bruxelas, de preferência com poucas condicionalidades (nomeadamente, democráticas) e muito dinheiro. A União tem acordos de associação com vários países do Magrebe, mas as convulsões internas limitam os seus efeitos. Hoje, a região está em profunda desordem. Apesar disso, a União Europeia continua a não ter uma política comum para a imigração ilegal e para os refugiados que hoje enfrentam o mar para fugir à morte certa e arriscar a morte apenas provável. “Há alguma coisa de profundamente errado na forma como a Europa trata a imigração ilegal”, escreve Camino Mortera-Martinez, investigador do Center for European Reform de Londres. Nos últimos anos, diz ainda o autor, “a imigração e o asilo criaram uma divisão Norte-Sul dentro da União”. A questão fundamental é que nenhum país quer abrir mão do controlo das suas políticas de imigração. E mesmo a política comum de asilo, adoptada há dois anos por insistência de Bruxelas, é tão pouco ambiciosa que permite que haja países onde 70% dos pedidos de asilo sejam concedidos (a Suécia é um exemplo) e outros, como a Grécia, que apenas os concedam a um por cento. A questão do asilo coloca-se hoje com muito maior premência quando os conflitos na Síria, no Iraque, o caos na Líbia, as crises no Mali, na Nigéria, na Eritreia, fomentadas pelos grupos jihadistas, estão na origem da fuga de milhares e milhares de pessoas em direcção à Europa. 2. Num dos últimos grandes picos de refugiados, em Outubro de 2013, o ainda primeiro-ministro de Itália, Enrico Letta, decidiu lançar a operação Mare Nostrum para fazer frente à catástrofe que esperava os imigrantes deixados à sua sorte pelos “negreiros do século XXI”, como lhes chamou Matteo Renzi. Salvou cerca de 150 mil pessoas. Em Outubro de 2014 apelou ao apoio europeu, que não veio. Suspendeu a missão. Nessa altura, os governos do Reino Unido, da Alemanha e da Holanda chegaram ao ponto de criticar o esforço italiano, acusando Roma de estar a incentivar a vaga de gente que fugia para a Europa. Desde então, o ambiente europeu só piorou, com a emergência de partidos políticos nacionalistas e xenófobos, que colocam a maioria dos governos na defensiva. Foi preciso, agora, mais uma sucessão de catástrofes humanas para levar os governos a sentar-se à mesa em Bruxelas. As medidas adoptadas ontem podem tentar responder a uma situação de emergência, mas o espírito dominante manter-se-á: cada país quer ter a sua própria política, para que tudo fique mais ou menos na mesma. “ Os governos actuais de centro-esquerda ou de centro-direita têm medo [de tomar qualquer posição comum] porque a imigração é um dos mais tóxicos e incendiários tópicos nas políticas nacionais de muitos países da União”, escreve Ian Traynor, editor do Guardian para a Europa. 3. O Conselho Europeu aprovou o reforço da Agência Frontex, responsável pela segurança das fronteiras externas da União Europeia, triplicando o orçamento de 2, 9 milhões mensais. Basta lembrar que o Governo de Roma gastava na operação Mare Nostrum mais de 9 milhões. Os líderes europeus acabaram por aceitar a extensão da sua missão às operações de busca e salvamento. Mesmo assim, esta mudança só foi aceite há dois dias por Londres e por Berlim, que continuavam na mesma linha da “dissuasão”, que muita gente considera como verdadeiramente “imoral”. David Cameron em voz alta. A chanceler em voz mais baixa. O primeiro-ministro britânico, que enfrenta eleições a 7 de Maio, não resistiu à indignação da opinião pública e anunciou o envio de barcos e helicópteros para reforçar a operação europeia, aceitando a sua extensão às operações de salvamento. A Alemanha tem pelo menos a seu favor ser o país que mais vistos de asilo tem dado aos refugiados. Merkel já disse que há ainda espaço para mais sírios. A Suécia bate todos os recordes em termos relativos. A Dinamarca, mesmo ao lado, tem das políticas mais restritivas. Também não é evidente como é que a Europa vai pôr em prática uma missão militar para a destruição dos barcos utilizados pelas máfias na costa líbia. “Como é possível distinguir um barco desses e um barco de pesca normal”, pergunta ainda Mortera-Martinez. A medida mais radical da Comissão, criar um sistema de quotas que distribua os imigrantes e refugiados, não terá sido aprovada. E, no entanto, basta uma conta de dividir para se perceber que o número de pessoas que chegam ao lado de cá, se dividido por 28, ajuda a colocar o problema na sua real dimensão.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra imigração ajuda medo ilegal
Migrantes do navio Aquarius chegam a Portugal em Setembro
O ministro do Interior de Itália acusa alguns países da UE, entre os quais Portugal, de não cumprirem as promessas de acolher migrantes resgatados do mar. (...)

Migrantes do navio Aquarius chegam a Portugal em Setembro
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O ministro do Interior de Itália acusa alguns países da UE, entre os quais Portugal, de não cumprirem as promessas de acolher migrantes resgatados do mar.
TEXTO: Os migrantes do navio Aquarius que Portugal vai receber deverão chegar em Setembro, num processo que exige procedimentos com Itália, registo das pessoas e resolução de alguns casos de saúde, anunciou esta terça-feira o Ministério da Administração Interna. "O grupo de 50 migrantes provenientes de Itália [recolhidos pelo Aquarius] deverá chegar em Setembro", avançou o Ministério liderado por Eduardo Cabrita, em resposta a questões da agência Lusa. "O processo para a vinda destas pessoas envolve procedimentos por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em articulação com as autoridades italianas. A deslocação destas pessoas só poderá efectuar-se após o seu registo, além de que existem, nalguns casos, questões de saúde que é preciso acautelar", refere. O ministro do Interior de Itália, Matteo Salvini, citado pela agência EFE, acusou alguns países da União Europeia (UE), entre os quais Portugal, de não cumprirem as promessas de acolher migrantes resgatados do mar que chegam a Itália. Salvini evocou o caso de 450 migrantes que desembarcaram em Julho em Pozzallo, na Sicília, afirmando que, dos seis países que se comprometeram a receber migrantes, apenas França cumpriu o compromisso. "A Alemanha ia receber 50 e acolheu zero, tal como Portugal, Espanha e Malta, enquanto a Irlanda prometeu 20 e também não recebeu nenhum", apontou o responsável italiano. O ministro italiano falava a propósito dos 177 migrantes que estão no navio Diciotti, no porto de Catânia, na Sicília, sem autorização para desembarcar, e ameaçou reenviar o grupo para a Líbia. "Ou a Europa começa a defender seriamente as suas fronteiras e partilha o acolhimento dos imigrantes, ou nós começamos a levá-los para os portos de onde partiram", escreveu Salvini, que é também vice-primeiro-ministro e líder da Liga (extrema-direita), no Twitter. Itália pediu a Malta que recebesse o navio, mas este país recusou e acusou os italianos de terem recolhido os migrantes em águas maltesas "só para os impedir de entrar em águas italianas". Além da articulação entre os dois países, do registo dos migrantes e da resolução de questões de saúde que possam apresentar, o Ministério da Administração Interna português refere que a vinda do grupo do Aquarius também "depende de agendamento de voo em rotas comerciais, o que nem sempre é possível com grupos grandes de pessoas, como é o caso". "Portugal tem vindo a defender uma posição global a nível europeu para a questão do acolhimento de refugiados, mas tem participado em soluções ad hoc a pedido da Comissão Europeia em articulação com França e Espanha", refere ainda. O MAI recorda que 30 pessoas do navio Lifeline, provenientes de Malta, já se encontram em Portugal desde 29 de Julho. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A 14 de Agosto, Eduardo Cabrita disse que Portugal estava disponível para acolher 30 dos 244 migrantes que se encontram no Aquarius e noutras pequenas embarcações que estão a atracar em Malta. "Portugal, Espanha e França articularam-se e, tal como já tinham feito em casos anteriores, mostraram uma disponibilidade comum para acolhimento e Malta autorizou a atracagem do navio. Haverá uma operação semelhante à que foi feita há um mês com o Lifeline", explicou na altura Eduardo Cabrita. A maioria (73) dos 141 imigrantes a bordo do Aquarius são menores de idade e 70% são naturais da Somália e da Eritreia, mas também há cidadãos do Bangladesh, Camarões, Gana, Costa do Marfim, Nigéria, Marrocos e Egipto.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE MAI
A grande cowboyada europeia
Um olhar, um gesto, uma maneira particular de mexer as ancas (como nos westerns…) pode ser toda a razão de ser de um plano. É um muito, muito bom filme. (...)

A grande cowboyada europeia
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20180621140516/http://publico.pt/1835094
SUMÁRIO: Um olhar, um gesto, uma maneira particular de mexer as ancas (como nos westerns…) pode ser toda a razão de ser de um plano. É um muito, muito bom filme.
TEXTO: Valeska Grisebach é uma cineasta que se faz demasiado rara. Western é o seu terceiro filme (e o primeiro a chegar ao circuito comercial português), e interrompe um silêncio de mais de dez anos a seguir às duas óptimas obras iniciais (Mein Stern e Sehnsucht), entre 2001 e 2006. Associada àquilo a que os críticos, nessa época, chamaram a “escola de Berlim” (e que designava mais um ar de família entre cineastas de temas e estilos bastante diferentes do que propriamente um movimento concertado e coerente), ainda é hoje próxima de outro nome dessa geração, Maren Ade, a autora do bem conhecido Toni Erdmann. Grisebach colaborou nesse filme, assim como Ade colabora em Western. Há mais em comum entre os dois filmes, um movimento geográfico semelhante: Toni Erdmann mostrava os alemães (e o seu poder económico) na Roménia, Western mostra os alemães (e o seu poder económico) na Bulgária. Realização:Valeska Grisebach Actor(es):Meinhard Neumann, Reinhardt Wetrek, Syuleyman Alilov LetifovE é isso, o western, título que o filme enverga com uma plétora de significados. Seguimos um grupo de trabalhadores alemães algures nos confins da Bulgária, perto da fronteira, a sul, com a Grécia, que aí se deslocam para trabalhar na construção de uma central hidroeléctrica. Para a maioria deles, tudo aquilo é como território selvagem, longe da lei e da civilização, e o sentimento de superioridade é quase congénito. São como um reflexo distorcido (ou não tão distorcido assim) dos pioneiros que no século XIX avançaram na “conquista do Oeste” americano, convictos duma espécie de superioridade cultural sobre os autóctones – e não é por acaso que um dos gags mais divertidos deste filme (que pode ser descrito como uma comédia muito ao retardador, que faz sorrir no geral sem fazer sorrir em quase nada de particular) envolve uma bandeira alemã (até porque muitos dos habitantes locais se lembra ainda, e conta histórias sobre isso, de quando os alemães marcharam sobre os Balcãs). O olhar de Grisebach é, nesse aspecto, duplamente irónico: dá uma visão, mais ou menos caricatural, do olhar dos alemães sobre a Europa antigamente chamada “de Leste”, e devolve o olhar dessa Europa sobre os alemães. Olhares que não coincidem nem comunicam, e quando comunicam é pela violência e pela prepotência, como na cena do rio em que um dos operários importuna uma banhista. Porque o olhar sobre os alemães é também o olhar de uma mulher sobre os homens, retratados num caldo de violência e bazófia machista, que Valeska se diverte a descrever até nos seus aspectos inadvertidamente (?) homoeróticos (a cena, quase “romântica”, em que cuidam do cabelo uns dos outros). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Podíamos ainda acrescentar as referências aos refugiados (estamos naquele corredor da imigração vinda do Médio Oriente que são os Balcãs) para reforçar a quantidade de “comentário”, sempre obscuro (quer dizer, sem retórica), sempre mordaz, que um filme como “Western” contém. Mas há que falar do seu “herói positivo”, Meinhard (um actor amador, Meinhard Neumann, que partilha o nome real com o da personagem), e que é outra forma de declinar o western, agora como género. Com o seu rosto escavado e endurecido, com o seu bigode nada cool, Meinhard é um misto daqueles heróis proletários que desapareceram do cinema europeu (mas que podia estar num Fassbinder, por exemplo) e de uma allure de cowboy, solitário e lacónico (mais Gary Cooper do que John Wayne), provido de um sentido de justiça e moralidade que o recorta da nuvem dos seus compatriotas (como os cowboys cavalheirescos de antanho, não suporta, por exemplo, ver uma mulher ser maltratada). Valeska oferece-lhe mesmo um cavalo, para que o jogo dos ecos com o western e os cowboys vá tão fundo quanto possível. Meinhard é o único a relacionar-se com o meio ambiente, como naqueles westerns (o Forte Apache ou o She Wore a Yellow Ribbon de Ford, por exemplo) em que uma personagem, para além das pressões políticas e militares, se interessa pelos índios e os trata como iguais. Essa personagem, aqui, é Meinhard, e sem que o olhar sobre ela abandone uma certa duplicidade (há um mistério naquele homem, reforçado pelo laconismo e pelas alusões ao passado) é ela que serve de intérprete do ponto de vista da câmara de Valeska Grisebach, que descobre o território a partir dele e das suas deambulações. Com estes elementos, e num ambiente novo, a realizadora constrói aquele tipo de cinema que já conhecíamos dos primeiros filmes, uma espécie de realismo entre a contemplação e a atenção a “micro-acontecimentos” – um olhar, um gesto, uma maneira particular de mexer as ancas (como nos westerns…) pode, em muitas ocasiões, ser toda a razão de ser de um plano. É um muito, muito bom filme.
REFERÊNCIAS:
Ganhadores e perdedores
É nesta Europa, e nesta França, que Macron — se ganhar, como se espera — vai ser testado. Bonne chance. (...)

Ganhadores e perdedores
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.2
DATA: 2017-05-11 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170511073519/https://www.publico.pt/n1771196
SUMÁRIO: É nesta Europa, e nesta França, que Macron — se ganhar, como se espera — vai ser testado. Bonne chance.
TEXTO: 1. Haverá uma lição principal a tirar sobre as eleições francesas? A julgar pelo comentário político dos últimos dias, a lição é que “esquerda” e “direita” terão deixado de fazer sentido. Uma divisão “descartada” ou “desintegrada”, escreve-se no Guardian. No Economist sugere-se, mais moderadamente, que “a velha divisão entre a esquerda e a direita está a tornar-se menos importante”. E se não há esquerda nem direita, o que haverá então? Duas fontes diferentes, que só muito raramente deverão estar de acordo, parecem convergir. Enquanto Nicolas Bay, secretário-geral da Frente Nacional, defende que tudo se resume a “patriotismo versus globalização”, o Economist fala numa nova divisão entre "abertura e fechamento". Será esta a divisão? Se sim, até que ponto é nova? E em que consiste? Vale a pena inspeccionar. 2. O tema da “Europa” parece ser aquele em que a divisão tradicional esquerda/direita foi mais obviamente desafiada nesta eleição. A posição genérica dos partidos ou dos eleitores nessa divisão não tem uma relação linear com as suas posições sobre a Europa. Pelo contrário, a oposição à integração europeia cresce quanto maior a distância em relação ao centro. Mais de metade dos eleitores de Le Pen dizem que sentiriam “um grande alívio” se fosse anunciado amanhã o abandono da União Europeia. A percentagem não é tão alta quando olhamos para o eleitorado de Mélenchon, mas é mesmo assim bastante maior do que entre os eleitores de Hamon, Fillon ou Macron. Contudo, isto não é novo. Para a direita radical que emergiu nos anos 80 com alguma relevância eleitoral na Europa — a Frente Nacional, o Bloco Flamengo, o Partido da Liberdade na Áustria e outros —, a luta principal começou logo por ser, nessa altura, por uma “Europa das pátrias”: soberania, supremacia da lei nacional, combate à liberdade de circulação e redução dos poderes da Comissão e do Parlamento Europeu, tudo bastante regado com preocupações conservadoras tradicionais, a segurança e a imigração. A extrema-esquerda europeia também sempre se opôs à integração europeia, mas por razões distintas: a Europa era o cavalo de Tróia do capital, da liberalização económica e da “mundialização”. Ao centro, a viragem europeísta em França remonta também aos anos 80: ao passo que Chirac conduzia definitivamente o RPR para longe do dirigismo económico e do eurocepticismo gaullistas, Miterrand operava a “tournant de la rigueur” em nome da permanência no sistema monetário europeu. Chegados ao final do século passado, em França como na maior parte dos países europeus, mapear as posições “esquerda-direita” dos partidos políticos contra a sua posição sobre a integração europeia resultava numa curva em U-invertido: menor apoio à integração nos partidos dos extremos, maior nos partidos do centro. E nada desde então contribuiu para modificar este mapa. O referendo de 2005 à Constituição Europeia foi um momento particularmente polarizador e clarificador à esquerda: Mélenchon faz campanha pelo “não”, abandona o PS em 2008, apela em 2012 a uma “refundação de uma união monetária democrática e social”, e acaba, agora, com “l’UE, on la change ou on la quitte”. 3. Mas o que torna a integração europeia já não “um tema entre outros”, mas sim naquilo a que Bruno Cautrés chama o “centro de gravidade da vida política francesa”? No início do século, Lisbet Hooghe, Gary Marks e Carole Wilson defendiam a ideia de que, apesar de persistir uma oposição à integração à esquerda, a clivagem europeia tinha-se tornado mais uma clivagem cultural e identitária do que em torno das consequências económicas e distributivas da integração: “a maior reserva de oposição [à integração europeia] vem dos partidos radicais tradicionalistas, autoritários e nacionalistas. ”Mas esse passado recente parece hoje distante. Na noite da sua passagem à segunda volta em 2002, Jean Marie Le Pen já evocava “o povo vítima do euro-mundialismo de Maastricht”, e o seu programa eleitoral falava na “obsessão com a disciplina orçamental”, na “pressão para baixo sobre os nossos sistemas sociais” e na “abertura de fronteiras a importações de baixo custo” causadas por Maastricht. Desde então, a FN foi dando uma crescente saliência aos temas económicos no seu discurso e moveu-se claramente para a “esquerda” no plano redistributivo. Adopta hoje um tipo particular de welfarismo, desenhado para alargar a sua base ao operariado conservador sem perder a pequena-burguesia em que se apoiava inicialmente: um “chauvinismo de bem-estar”, que critica a liberalização económica e defende a progressividade fiscal e a preservação de benefícios sociais, ao mesmo tempo que apresenta a imigração e a integração europeia como “armas ao serviço do capital” e ameaças à sobrevivência do Estado social. Por outras palavras (e em paralelo ao que se passou em muitos outros partidos de direita radical europeus, como mostram Alexandre Afonso e Line Rennwald num estudo recente), o discurso da Frente Nacional fundiu conservadorismo, antieuropeísmo e anti-capitalismo. O seu eleitorado proletarizou-se: na primeira volta destas eleições francesas de 2017, Le Pen alcançou 21, 3% dos votos, mas quase 40% entre o operariado e um terço dos eleitores cujo rendimento familiar é inferior a 1250 euros. Do lado da extrema-esquerda, os “três milhões de trotskistas” que, em 2002, tinham votado em Laguiller, Besancenot e Gluckstein, já eram principalmente movidos por uma agenda “materialista”, não “pós-materialista”, e a sua pertença social predominante era à camada menos qualificada dos assalariados não industriais, aquilo a que já se chamou o “proletariado dos serviços”: trabalhadores administrativos rotineiros no sector público, empregados do comércio ou caixas de supermercado, por exemplo. Nas últimas décadas, os seus números aumentaram, mas não, pelo menos do ponto de vista relativo, os seus níveis de rendimento, condições de vida ou segurança no emprego. Mélenchon parece ter agora herdado e ampliado esta base eleitoral, atraindo o que destes segmentos ainda restava no eleitorado do PS. Apesar de estar certamente menos dependente das classes mais desfavorecidas do que Le Pen, Mélenchon terá mesmo assim triunfado entre os desempregados, e foi o segundo mais votado entre o operariado, os assalariados no sector dos serviços e os eleitores de mais baixos rendimentos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os paralelos com o voto na extrema-direita acabam aqui? Para já, sim. Como dizia Francisco Assis neste jornal, e é verdade, “subsiste um mundo de referências filosófico-políticas a separar a extrema-esquerda da extrema-direita”. E, no entanto, a força gravitacional desta nova clivagem europeia, agora simultaneamente identitária e distributiva, vai-se manifestando nalgumas pequenas grandes coisas, tais como a visível ambiguidade de Mélenchon sobre o tema da imigração nesta campanha, demarcando-se, por exemplo, da receptividade do governo alemão em relação aos refugiados e multiplicando-se em avanços e recuos sobre a liberdade de circulação, o direito de asilo, a cidadania europeia e questões conexas. Como terá dito sob anonimato um quadro da França Insubmissa — um título que, se visto de fora, já é todo um programa —, “é preciso ser realista. Se adoptarmos a mesma linha que as formações de extrema-esquerda, no contexto actual, vamos ser mortos politicamente”. Julgo que percebemos todos perfeitamente. De resto, é este mesmo “realismo” que, com o objectivo de consolidar a sua hegemonia na esquerda, impede Mélenchon de apoiar Macron na segunda volta. 4. Num contexto destes, a candidatura de Hamon foi uma peça de um puzzle perdida dentro da caixa errada. A social-democracia enfrentou vários dilemas ao longo da sua história. Um deles, identificado desde cedo por Lipset no seu famoso Democracia e autoritarismo da classe operária, era o saber como preservar simultaneamente o apoio das classes mais desfavorecidas mas culturalmente conservadoras e o das classes médias com elevadas qualificações e culturalmente liberais. Sucede que, infelizmente para Hamon, este já não era o dilema certo para o PS francês. O seu eleitorado, assim como os dos seus congéneres europeus (o Sul da Europa permanece uma excepção), reconfigurou-se completamente nas últimas décadas, passando a ser composto por uma clara maioria de eleitores da nova classe-média — gestores, profissionais socioculturais e assalariados com altas qualificações na indústria e nos serviços. Não é por estes lados que vamos encontrar os “perdedores” da liberalização económica ou da liberalização cultural. Hamon ofereceu-lhes quase tudo da segunda mas quase nada da primeira. Esta base eleitoral do PS ponderou e migrou em massa para Macron. 5. Num texto publicado em 2014, Paul Statham e Hans-Jörg Trenz?perguntavam o que realmente determina hoje a competição política na Europa: a política da identidade (“who we are”) ou a política dos interesses (“who gets what”)? A resposta que dão é que a maneira como em cada país se foi construindo o conflito sobre as consequências políticas e económicas da crise do Euro tornou a questão identitária e a questão distributiva praticamente indistinguíveis. “Esta crise tornou evidente que ‘what you get’ (redistribuição) está fortemente ligado a ‘who you are’ (identidade)”, seja entre países — credores e devedores, “responsáveis” e “gastadores”, “impiedosos” e “vítimas” —, seja entre grupos sociais no interior de cada país — os ganhadores e os perdedores da “globalização”. E não serve de muito argumentar que uns e outros vivem hoje em sociedades mais prósperas e pacíficas do que viveriam se não tivesse havido “Europa”. Deve ser verdade, mas ninguém vive em contrafactuais, e a privação que conta é quase sempre a relativa. É nesta Europa, e nesta França, que Macron — se ganhar, como se espera — vai ser testado. Bonne chance.
REFERÊNCIAS:
O pior de tudo será desvalorizar os resultados
Se, depois disto, os políticos europeus ainda acreditam que tudo vai acabar bem, então a Europa corre mesmo o risco de ser derrotada. (...)

O pior de tudo será desvalorizar os resultados
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -1.0
DATA: 2014-05-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Se, depois disto, os políticos europeus ainda acreditam que tudo vai acabar bem, então a Europa corre mesmo o risco de ser derrotada.
TEXTO: 1. A vaga extremista e populista de direita confirmou-se. Haverá cerca de uma centena de deputados contra a Europa no Parlamento Europeu. O PPE volta a ganhar, embora com perdas. A social-democracia perde menos, mas volta a perder. Se somarmos o facto de a França ter sofrido um terramoto político, os resultados das eleições europeias são um péssimo indício para o futuro europeu. Que será ainda maior se os governos e os partidos europeus caírem na tentação de desvalorizar a vaga extremista, justificando-a com a abstenção ou considerando-a um fenómeno conjuntural explicado pela crise. O problema é que quando um país como a França vê a Frente Nacional vencer as eleições europeias a uma distância razoável da UMP de Nicolas Sarkozy e remetendo os socialistas para um valor quase irrisório, alguma coisa está a funcionar mal não apenas na França, mas no coração da própria União Europeia. A França ficou ainda mas fraca. A Alemanha parece um país de outra galáxia: Angela Merkel soma e segue. E quando a social-democracia, que está na oposição em muitos países, não consegue sequer capitalizar o voto contra a austeridade, então a paisagem política europeia entra necessariamente numa fase nova. 2. A Europa mudou radicalmente desde as últimas eleições europeias, em 2009, quando os líderes europeus ainda diziam que a crise era “americana”. Começou com um problema da dívida soberana dos países mais vulneráveis da periferia. Chegou a contagiar a Espanha e a Itália. Pôs em causa o euro. Criou as condições para o “momento unipolar” da Alemanha. Submeteu os países que tiveram de pedir auxílio a programas de ajustamento violentos. Abriu feridas que se julgavam enterradas para sempre. Há razões de sobra para justificar a onda antieuropeia, cujos partidos não são todos da mesma estirpe, é necessário sublinhar. Alguns reclamam contra a imigração e a globalização (como, aliás, a extrema-esquerda) e querem uma Europa mais fechada ao mundo. Outros são partidos nacionalistas, cuja primeira prioridade é derrotar o próprio projecto europeu. Outros ainda rejeitam o regime democrático, como o Aurora Dourada, que foi o terceiro partido mais votado na Grécia. Não se trata apenas das vitórias que arrecadaram, mas da influência que já conseguirem. Algumas das suas bandeiras foram integradas, mais ou menos disfarçadamente, pelos partidos europeus. Em Londres ou Berlim, aprovam-se novas leis para poder expulsar, não apenas os imigrantes e refugiados que vêm de fora, mas os que imigram de outros países da União e que não têm trabalho. Merkel disse que a “União Europeia não era uma união social”. Com 26 milhões de desempregados, o medo da imigração tornou-se mais fácil. Em Paris, o novo primeiro-ministro Manuel Valls ganhou fama por ter mão dura contra os imigrantes ilegais. Nicolas Sarkozy exigiu a suspensão imediata de Shengen e a redução dos poderes da Comissão. O ministro da Economia do novo governo francês, Arnauld Montebourg (da ala esquerda do PSF e “desglobalizador” assumido), apresentou uma medida legislativa que dá novos poderes ao governo para exercer o “patriotismo económico”. Isto tudo porque a GE (americana) quis comprar a Alsthom (francesa). “Marine já ganhou”, escreveu o Monde. E ganhou mesmo: a Frente Nacional arrecadou 25% dos votos, deixando a UMP muito para trás (21%) e os socialistas numa posição miserável (14%). Nova derrota estrondosa para François Hollande, que não consegue convencer os franceses que há coisas que têm de mudar, mesmo na França. O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte (liberal em coligação com os trabalhistas), publicou dois dias antes das eleições uma carta conjunta com o seu parceiro do FDP alemão para dizer que é preciso devolver aos Estados-membros uma boa parte do poder que está nas mãos da União. A campanha andou à volta disso. Geert Wilders, que fez da imigração o seu cavalo de batalha (primeiro contra os islâmicos, depois contra os polacos), teve uma relativa derrota: apenas 12%, menos 6 do que em 2009. David Cameron quis adiar a questão europeia com a promessa de um referendo “dentro ou fora” depois das próximas legislativas. Vergou-se à chantagem dos “eurocépticos” do seu próprio partido. Não lhe serviu de nada. “O que vai fazer casta política que dominou a agenda europeia no último meio século”, pergunta Gavin Hewitt, o analista da BBC para a Europa. “O mais provável é que desvalorize [os resultados doa extrema-direita], chamando-lhes nomes feios e acreditando que desaparecerão com a crise. ”3. O segundo argumento dos partidos europeus é que, mesmo que a extrema-direita aumente a sua representação no Parlamento Europeu (aumentou e de que maneira), a maioria ainda pertence aos partidos pró-europeus (PPE, socialistas, liberais), mesmo que possam descer de 70 para 60% dos eurodeputados. A questão é que as consequências desta vaga extremista vão ser sentidas sobretudo a nível nacional. “Vão influenciar ainda mais as agendas dos respectivos governos e da sua acção no espaço europeu”, diz Jean Techau, do Carnegie Europe. ” “[Os partidos europeus] tenderão a agir cada vez mais em função das opiniões públicas nacionais, dificultando ainda mais o consenso europeu”.
REFERÊNCIAS:
Campanha dos pequenos em todo o país, com alguns a optar só em Lisboa e Porto
Algumas forças políticas sem assento parlamentar apostaram em acções diárias em todo o país durante a campanha, enquanto outros preferiram iniciativas pontuais concentradas em Lisboa e Porto, mas todas com o objectivo de serem alternativa aos grandes partidos. Dos 12 partidos sem assento parlamentar que se candidatam às legislativas, o Livre/Tempo de Avançar, Partido Democrático Republicano (PDR) e PCTP/MRPP foram aqueles com mais visibilidade, ao realizarem várias iniciativas diárias em todo o país durante a campanha eleitoral, que termina na sexta-feira. Em sentido oposto, as forças políticas com menos iniciati... (etc.)

Campanha dos pequenos em todo o país, com alguns a optar só em Lisboa e Porto
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.12
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
TEXTO: Algumas forças políticas sem assento parlamentar apostaram em acções diárias em todo o país durante a campanha, enquanto outros preferiram iniciativas pontuais concentradas em Lisboa e Porto, mas todas com o objectivo de serem alternativa aos grandes partidos. Dos 12 partidos sem assento parlamentar que se candidatam às legislativas, o Livre/Tempo de Avançar, Partido Democrático Republicano (PDR) e PCTP/MRPP foram aqueles com mais visibilidade, ao realizarem várias iniciativas diárias em todo o país durante a campanha eleitoral, que termina na sexta-feira. Em sentido oposto, as forças políticas com menos iniciativas públicas foram o Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP), o Partido Popular Monárquico (PPM) e o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC), que arrancou na segunda semana da campanha e tem como originalidade não concorrer em Lisboa e Porto. Estreante nas eleições legislativas, o Livre/Tempo de Avançar defendeu, nas últimas semanas, a renegociação da dívida, uma união de esquerda, a regionalização e um fundo de resolução e humanização da insolvência, tendo-se ainda manifestado contra as privatizações. Também a concorrer pela primeira vez, o PDR, que tem Marinho e Pinto como presidente, centrou a sua campanha no combate à corrupção e nas críticas ao PSD, CDS e PS, apesar de ter admitido a possibilidade entendimentos pós-eleitorais para constituir uma maioria parlamentar. Já a campanha do PCTP/MRPP ficou marcada pela suspensão do material de campanha que continha a frase "Morte aos Traidores", depois das objecções suscitadas pela mandatária nacional para a juventude. Após a suspensão da frase, que chegou a ser analisada pela Comissão Nacional de Eleições, o líder do partido, Garcia Pereira, afirmou que esta decisão não isenta os traidores da morte certa. A coligação Agir/PTP fez-se notar pelas fotografias da cabeça de lista por Lisboa, Joana Amaral Dias, tendo defendido um referendo revogatório para "demitir políticos corruptos", durante um protesto em frente à casa de Ricardo Salgado. Por sua vez, o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) marcou a campanha ao defender um estatuto jurídico dos animais e a abolição de espetáculos com sofrimento ou morte de animais, tendo ainda viajado até ao Tua, no distrito de Bragança, para alertar para o "crime" causado pela construção da barragem. Ao concentrar a campanha na Grande Lisboa e na Madeira, o Juntos Pelo Povo (JPP) assumiu-se, durante a campanha, como um partido que está ao lado do povo ao defender os seus interesses e prometeu e fazer política de forma diferente. Centrada na defesa dos valores "humanista, ecologista e liberal", o Partido da Terra (MPT) defendeu, nas duas últimas semanas, novas políticas metropolitanas de transportes e uma política de consensos na Assembleia da República. Outra estreia nas legislativas é o Nós, Cidadãos!, que pretende ser a voz dos cidadãos indignados no parlamento ao defender um Governo com diferentes forças, destacou-se por denunciar as ilegalidades nas votações dos emigrantes ao admitir impugnar a eleição pelo círculo Fora da Europa. A campanha do Partido Nacional Renovador (PNR) apostou a campanha na questão dos refugiados, ao considerar que o seu acolhimento "põe em perigo" a segurança do país. Assumindo-se um partido que defende a agricultura e o trabalho, o Partido Popular Monárquico (PPM) trocou a campanha nas ruas pelas vindimas no Alentejo e juntou-se à luta dos taxistas contra a empresa de transportes que utiliza a aplicação Uber. O também estreante PURP esteve mais ausente das acções de campanha, mas, durante as iniciativas de apelo ao voto, defendeu os direitos dos reformados e a reposição dos cortes salarias e das pensões. O partido Cidadania e Democracia Cristã, que só no domingo realizou a sua primeira acção de rua na campanha, destacou a protecção da família ao propor a redução do IMI em função do número de dependentes, propinas e alojamento estudantil subsidiados, isenção de taxas moderadoras a grávidas e deslocalização do aborto do Serviço Nacional de Saúde.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PAN PSD LIVRE MPT PPM