Senadores dão luz verde para a votação da nomeação de Brett Kavanaugh
Cinquenta e um senadores votaram a favor de se passar à fase final do processo de nomeação - 49 votaram contra. Só com uma "grande" surpresa não se tornará juiz do Supremo Trubunal, cargo vitalicio. (...)

Senadores dão luz verde para a votação da nomeação de Brett Kavanaugh
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-10-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cinquenta e um senadores votaram a favor de se passar à fase final do processo de nomeação - 49 votaram contra. Só com uma "grande" surpresa não se tornará juiz do Supremo Trubunal, cargo vitalicio.
TEXTO: Actualização: A senadora republicana Susan Collins anunciou esta sexta-feira que votará a favor da nomeação de Kavanaugh para o Supremo Tribunal. O seu voto deixa praticamente garantida a nomeação do juiz. O Presidente norte-americano, Donald Trump, já publicou um tweet em que congratula o Senado pelo voto positivo. A não ser que surja uma “grande” surpresa, o juiz conservador Brett Kavanaugh vai ocupar um lugar no Supremo Tribunal dos Estados Unidos. E por muito tempo — nomeação é vitalícia e o magistrado tem 53 anos. Nesta sexta-feira, o Senado fez a votação preliminar sobre o candidato, que foi aprovado por 51 votos a favor e 49 contra. O que quer dizer que a votação final pode avançar, prevendo-se que aconteça já neste sábado, também no Senado. Apesar da polémica, das dúvidas de alguns senadores do Partido Republicano e dos protestos — perto de 300 pessoas foram detidas na quinta-feira à noite em Washington numa manifestação contra o juiz junto ao Capitólio de Washington —, espera-se uma votação semelhante. O senador republicano Jeff Flake, que no debate no Comité de Justiça — o órgão que dá aprovação aos nomeados — manifestara dúvidas e pediu uma investigação do FBI (a polícia federal) às acusações de tentativa de violação e abuso sexual feitas contra Kavanaugh, votou a favor da confirmação nesta sexta-feira e disse ao The Washington Post que fará o mesmo sábado. A não ser que apareça uma surpresa “grande”, disse, acrescentando logo que não espera mudanças. A confirmação de Kavanaugh significará uma vitória para Donald Trump, o Presidente que escolheu o juiz para ocupar o lugar deixado vago por Anthony Kennedy, que serviu no Supremo desde que foi nomeado (por Ronald Reagan) e confirmado (por unanimidade dos senadores) até que se retirou em Julho deste ano. Apesar de ser um conservador, Kennedy tornou-se, sobretudo a partir de 2005, uma voz moderada cujo voto oscilava (ora para as posições conservadoras, ora para as posições liberais) quando estavam em causa matérias sociais que dividiam ideologicamente os nove juízes. Foi dele o voto que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo (uma votação por 5 a 4), que garantiu que se mantinha a legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez e que não permitiu o fim das restrições ao financiamento das campanhas eleitorais. Ao ser o quinto voto, tornou-se um dos homens mais poderosos dos Estados Unidos. Para o seu lugar entra Brett Kavanaugh, o homem em quem Trump insistiu, um juiz assumidamente conservador, que pode fazer a balança pender sempre para o mesmo lado em temas como o aborto, ou outros que fazem claramente parte da agenda política de Donald Trump, como a imigração ou a presença de pessoas transgénero nas Forças Armadas. A confirmar-se a nomeação, será o segundo juiz do Supremo que o Presidente Trump, que tomou posse em Janeiro de 2017, escolhe — o primeiro foi Neil Gorsuch, confirmado em Abril, aos 49 anos, em substituição de Antonin Scalia, que morreu. A confirmação de Brett Kavanaugh começou a delinear-se na quinta-feira, quando os senadores tiveram acesso à investigação do FBI sobre a conduta do juiz quando era adolescente — uma das mulheres que o acusam, Christine Blasey Ford, foi ouvida na Comissão de Justiça do Senado onde disse ter “100% de certeza” que foi Kavanaugh quem a tentou violar numa festa nos anos de 1980. Jeff Flake indicou que não havia nada de novo na investigação, além do que já tinham ouvido de Ford e do próprio juiz. A senadora republicana Susan Collins, que também estava indecisa, votou a favor na votação desta sexta-feira, que poderia ter travado a nomeação caso o nome de Kavanaugh fosse rejeitado. Como explicaram os analistas, optaram por não provocar o Presidente e pôr em risco o partido a cerca de um mês das eleições para o Congresso — quando os democratas vão tentar recuperar alguma maioria, no Senado ou na Câmara de Representantes. Razões eleitorais levaram também o democrata Joe Manchin (da Virginia Ocidental, onde não quer correr o risco de perder votos), que estava indeciso, a votar a favor de Kavanaugh. A senadora republicana indecisa Lisa Murkowski votou contra. Porque “Kanavaugh não é a pessoa certa para o cargo neste momento”, explicou depois, citada pela CNN. "Acredito que estamos hoje a lidar com assuntos que vão além dos candidatos, e que dizem respeito à forma como lidamos com o que é justo e com a forma como garantimos que a nossa legislatura é respeitada", disse. "É com isto que me tenho debatido. Acredito que Brett Kavanaugh é um bom homem". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No Twitter, Trump escreveu: “Muito orgulhoso por o Senado ter votado SIM ao juiz Kavanaugh”. Antes da votação, tinha escrito: “As malcriadas que gritaram no elevador são profissionais pagas que só querem que o Senado faça má figura. Não caiam na armadilha. Tenham atenção aos cartazes com ar profissional e todos iguais. Pagos por Soros e outros. Não são cartazes que se fazem em casa. Arruaceiros!” Referia-se às manifestações contra Kavanaugh e à mulher que interpelou Jeff Flake num elevador do Senado após o depoimento de Christine Blasey Ford, pedindo-lhe para agir — o senador acabaria a pedir a investigação do FBI, que Trump aceitou. As contas desta sexta-feira podem reflectir-se na votação final no Senado, onde basta o juiz conseguir a aprovação de uma maioria simples. Até 2017 era necessário uma maioria de 60 votos, mas o Partido Republicano, que domina, pôs fim a essa regra para conseguir a nomeação de Neil Gorsuch. O Partido Republicano tem a maioria no Senado de cem membros — 51 contra 49 dos Democratas (em cujo grupo há dois independentes). Em caso de empate, cabe ao vice-presidente, Mike Pence, que é o presidente do Senado, desempatar. Por isso, a não ser que surja uma “grande” surpresa — que Jeff Flake acredita que não irá acontecer —, Brett Kavanaugh torna-se juiz do Supremo neste sábado.
REFERÊNCIAS:
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Próxima heroína da Marvel será uma jovem muçulmana
Kamala Khan tem 16 anos e vive nos subúrbios de New Jersey. É a nova aposta da editora na renovação e chega às bancas em Fevereiro. (...)

Próxima heroína da Marvel será uma jovem muçulmana
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.05
DATA: 2013-11-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Kamala Khan tem 16 anos e vive nos subúrbios de New Jersey. É a nova aposta da editora na renovação e chega às bancas em Fevereiro.
TEXTO: Vive em New Jersey, tem 16 anos e é filha de imigrantes paquistaneses. Kamala Khan é uma jovem muçulmana e em breve estará nas bancas como uma das próximas protagonista das revistas da Marvel. Esta é mais uma revolução no mundo do imaginário depois de a editora mainstream ter no ano passado casado um super-herói gay. Agora chegou a vez de dar de novo o palco às mulheres, com uma estreia significativa: será a primeira de origem muçulmana – o que reflecte a tentativa da revista de ir ao encontro da diversidade de leitores que tem e de abordar temas polémicos que estão no dia-a-dia da sociedade e dos jornais desde que, na década de 1960, criou o Homem Aranha e o X-Men. A criação da heroína muçulmana insere-se na inicativa “All-New Marvel Now” que vai renovar algumas das séries da editora a partir de Dezembro. Kamala vai descobrir que é capaz de mudar a sua forma física e aproveitará esse dote para enfrentar vilões com uma nova identidade: Ms. Marvel. Deverá estar nas bancas em Fevereiro, adianta o New York Times. Kamala vai inspirar-se em Carol Danvers, uma outra heroína que começou como Ms. Marvel e que agora é conhecida como Capitã Marvel. Segundo explicaram ao The Telegraph a escritora G. Willow Wilson e o ilustrador Adrian Alphonam, que estão a trabalhar com a editora Sana Amanat, a série vai reflectir o mundo vibrante de uma jovem que tem de lidar com a adolescência, as expectativas da família conservadora (com uma mãe a querer manter os rapazes longe da jovem e um pai a sonhar com uma filha médica) e, claro, os superpoderes. Dilemas de adolescentePara Amanat esta é uma oportunidade de “explorar a diáspora muçulmana-americana a partir de uma perspectiva autêntica”, juntando ao mesmo tempo os dilemas de uma adolescente. Aliás, a ideia surgiu pela própria experiência de Amanat que cresceu como muçulmana nos Estados Unidos. Por isso, espera que algumas reacções não sejam positivas e que algumas pessoas não gostem da forma como a muçulmana será interpretada. “Queria que a Ms. Marvel fosse real, alguém com quem as pessoas reais se pudessem identificar, particularmente as mulheres mais novas. O secundário foi uma altura muito intensa na minha vida, por isso tirei partido dessas experiências fortes – a entrada na idade adulta, lidar com a escola, as emoções com as amizades que são uma grande parte do que é ser adolescente”, resumiu, por seu lado, Willow Wilson ao mesmo jornal. E a acrescentou que a ideia é que todos os que já se sentiram “geeks” ou que “olharam para a vida através de uma franja” que se divirtam com as aventuras e com a capacidade de Kamala Khan mudar o seu corpo, precisamente um dos principais motivos de insegurança da idade. Wilson já tinha escrito sobre a sua conversão ao Islão no livro The Butterfly Mosque, pelo que achou que faria todo o sentido dar continuidade ao tema.
REFERÊNCIAS:
A faz-tudo a quem só falta uma coisa: transformar Lisboa numa cidade comestível
Adriana Freire criou a Cozinha Popular da Mouraria, um projecto social, em 2012. Não é bem um restaurante nem um "projecto de caridade". “Queremos mudar a vida às pessoas, mas ensinando-as e puxando-as para aqui.” Apesar de “não ser fácil”, a associação não dá sinais de abrandar. Depois do quiosque, das hortas e das frutas, prepara-se para abrir uma escola e plantar uma cidade. (...)

A faz-tudo a quem só falta uma coisa: transformar Lisboa numa cidade comestível
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Adriana Freire criou a Cozinha Popular da Mouraria, um projecto social, em 2012. Não é bem um restaurante nem um "projecto de caridade". “Queremos mudar a vida às pessoas, mas ensinando-as e puxando-as para aqui.” Apesar de “não ser fácil”, a associação não dá sinais de abrandar. Depois do quiosque, das hortas e das frutas, prepara-se para abrir uma escola e plantar uma cidade.
TEXTO: Completou 60 anos há duas semanas e celebrou-os como mais gosta: mesas fartas de petiscos e a casa recheada de amigos. A gastronomia é para Adriana Freire uma paixão de criança – e é nela que o percurso profissional tem tantas vezes desembocado. Na fotografia, na edição de livros, na criação da Cozinha Popular da Mouraria ou, mais recentemente, na luta por uma cidade que seja capaz de se alimentar a si própria. Diz ter começado a cozinhar aos oito anos: fazia “bolos em tachinhos para os baptizados das bonecas”. Mas é a comunhão intrépida à mesa, que invejava nas famílias grandes dos amigos de infância, que a atrai desde sempre no mundo da comida. O ambiente de festa, o barulho, a confusão. A partilha. Ainda que ultimamente mal tenha tempo para comer em casa ou preparar jantaradas, a despensa mantém-se recheada. “Dá-me um certo conforto, acho que me equilibra um bocadinho. ”É no terraço da Cozinha Popular da Mouraria que nos encontramos com Adriana, ao início de uma tarde a meio da semana. Lá dentro, Idália, figura já icónica da casa, vai dando arrumo ao fim dos almoços, enquanto numa das mesas se discute uma nova viagem no prato, um programa de jantares especiais dedicados às gastronomias do mundo. Entre refeições, a Cozinha Popular da Mouraria parece agora adormecida numa penumbra quente e silenciosa, mas foi aquele velho prazer de “ter muita gente à mesa” que esteve na origem do projecto social, em 2012. A gastronomia, acrescenta, está também “muito ligada às memórias e aos afectos”, pormenor “transversal a todas as culturas e línguas”. E Adriana queria ter uma casa cheia que ajudasse a dar rumo à diversidade do bairro que a acolheu há mais de 30 anos: os históricos da Mouraria e as novas comunidades emigrantes, os velhos e os novos, os pobres e os ricos. “Já tivemos situações incríveis em que as pessoas mais improváveis de se aproximarem acabaram a experimentar os pratos uns dos outros”, conta. “Há maior prazer do que provocar isso?”Ao fim de cinco anos e meio, o projecto continua a crescer. “Estou cá para manter a alma, mas temos de ser cada vez mais profissionais e evoluir na vertente de negócio. ” Reconhece que só assim conseguirão “agregar mais pessoas nesta família”. Gente do bairro que quer lançar-se no sector e precisa de uma mão. E gente de fora que, ao vir jantar, “contribui para que seja possível mudar a vida de outros”. A Cozinha Popular da Mouraria não é bem um restaurante nem um “projecto de caridade”. É mais do que isso. “Queremos mudar a vida às pessoas, mas ensinando-as e puxando-as para aqui. ” Apesar de “não ser fácil”, a associação não dá sinais de abrandar. Depois do quiosque, das hortas e das frutas, prepara-se para abrir uma escola e plantar uma cidade. Adriana é assim mesmo: nunca consegue parar quieta muito tempo. Há sempre mais uma ideia, um projecto, um desafio, uma arte a que atirar as mãos e experimentar. Nas Caldas da Rainha, onde nasceu, o Museu José Malhoa foi como uma segunda casa. Pintou, fez teatro de fantoches, barro. Lembra-se de jogar às escondidas com os guardas. “O óleo dos quadros ainda está entranhado nas minhas memórias de infância”, recorda. Quando a família se mudou para Torres Vedras, tinha Adriana 12 anos, a pintura e as artes manuais deram lugar ao cinema e à fotografia. Passou a estar sempre metida no cineclube, onde via os filmes de Fellini, Pasolini, Bergman, dos realizadores franceses da época. Talvez não tenha percebido “metade das coisas” na altura, admite, mas reconhece-lhes inspiração: “A minha grande escola visual foi o cinema. ” As fotografias eram enquadradas na mente como uma sequência em película, conta, desenhando um travelling com os dedos. Só os livros, dirá, ganham aos filmes: as palavras ainda deixam quase tudo por imaginar. Mas voltemos à adolescência, Adriana. Entretanto, contava, dá-se o 25 de Abril e as aulas tornam-se insignificantes perante a revolução que se está a viver no país. De repente, havia uma convulsão de novas possibilidades culturais para organizar na associação de estudantes. O grupo correu as embaixadas estrangeiras a pedir filmes para um ciclo de cinema de animação. Fizeram uma exposição de fotografia onde Adriana apresentou as primeiras imagens. Andava “danadinha” por vir para Lisboa. “Soube que havia um exame de admissão à [escola] António Arroio e foi assim que consegui vir mais depressa”, recorda. Ainda foi professora de Educação Visual em Alcobaça. Até o bichinho da capital voltar a atacar. Era o auge dos anos 1980. “Estava tudo a acontecer em Lisboa” e ela sentia-se “completamente fora do processo. ” Era novamente a fome da confusão, do arregaçar as mangas e fazer coisas novas, sempre diferentes. “Com a idade uma pessoa vai pensando um bocadinho naquilo que é e cheguei à conclusão que tenho um pavor imenso ao tédio e à normalidade”, diz às tantas. Sempre que chega a um sítio tem tendência a “interferir no ambiente”. Mexe na iluminação, traz flores, põe música, muda objectos de estante. E nada lhe dá mais “pica” do que “começar alguma coisa do zero”. Enche inúmeros “caderninhos” de ideias e sonhos que depois acaba quase sempre por perder, esquecida do lugar onde os guarda, diz a rir. Mas muitos planos ficam por ali a remoer, a pairar num futuro que nunca chega para tanta coisa. É assim que, aos 30, Adriana regressa a Lisboa para se reinventar como fotógrafa, recuperando a paixão da adolescência. Tinha “uns amigos que conheciam o Álvaro Rosendo”, da Galeria Monumental, e ela foi oferecer-se para ser assistente dele, recorda. Passou uns “bons tempos” a fazer provas de contacto até que começaram a “achar graça” às fotos dela. Lançava-se numa altura em que os fotógrafos ainda eram “reconhecidos e bem pagos”. Um trabalho levava a outro. Foi assim que chegou à revista Marie Claire, anos mais tarde, onde publicou as primeiras fotografias de gastronomia - e os primeiros textos, ainda com o pseudónimo Clara Castelo. “Tinha a mania que sabia um bocadinho [da área] porque tinha os livros da Maria de Lourdes Modesto e do Pantagruel, que eram as minhas bíblias”, ri-se. Mas tinha “vergonha” de assinar os textos porque quem gosta de ler, “sabe o que é escrever”. E aquilo que ela fazia, acreditava, não chegava ao patamar nobre do verbo. O percurso profissional chegava cada vez mais perto da mesa. Foi acompanhando o trabalho de vários chefs e restaurantes ao longo de décadas. Alguns tornaram-se amigos e têm dado um contributo importante na associação, liderando aulas e jantares especiais ou conseguindo equipamento para a cozinha. Entretanto, Adriana tinha ficado com vontade de fazer livros de cozinha. “Andei a chatear o Gonçalo Bulhosa, que estava a criar a Oficina do Livro, e o Hermínio Monteiro, da Assírio&Alvim. ” Quatro anos depois a insistência dava frutos: chegou o convite para fazer a fotografia e edição d’A Minha Cozinha, de Helena Sacadura Cabral. Depois os livros de receitas de João Carlos Silva, apresentador do programa de culinária Na Roça com os Tachos. Chegou a colher retalhos de roupa de Rui Reininho e digitalizar para compor a capa de um dos livros do vocalista dos GNR. “Cada livro era um desafio e divertia-me imenso. ” Foi por muito pouco que, anos mais tarde, não lançou uma editora especializada em gastronomia. O objecto-livro é algo de que sempre gostou muito. É-lhe difícil entrar num alfarrabista sem se perder. Chega a comprá-los só pelo papel, pelo grafismo, pela capa ou outro elemento que os torne “especiais”. Principalmente os antigos, porque as publicações modernas, confessa, tendem a desiludi-la. “A edição virou quase uma caixa de bombons”, lamenta. A capa tem de sobressair na estante e a impressão ser o mais barata possível. “Até os livros de cozinha já quase deixei de comprar. Já não aguento, toda a gente publicou um. ” A colecção que entretanto foi fazendo chega, no entanto, para preencher uma parede da sala e o próximo passo é com ela criar uma biblioteca especializada no novo espaço da Cozinha Popular da Mouraria, que há-de abrir aqui mesmo em frente. No rés-do-chão que já se adivinha entre as obras Adriana quer abrir uma escola ligada à gastronomia. Mais cedo ou mais tarde, era aí que o projecto teria de ir dar porque, acredita, “só a educação muda o mundo”. Quer disponibilizar cursos para graúdos, para continuar a dar oportunidade a quem quer seguir cozinha e não tem meios para isso, mas pensa cada vez mais nas crianças. É com elas que mais quer trabalhar. “Vejo-as no Jardim da Cerca da Graça a jogar à bola com laranjas ainda verdes. No dia em que elas plantarem uma laranjeira e virem o tempo que leva a crescer e a dar a primeira laranja, não vão olhar para a árvore da mesma maneira. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É lá fora, entre os frutos e as hortas da cidade, que se trilha ultimamente a motivação de Adriana. Há algum tempo que não fotografa. Não que lhe falte vontade ou ideias. Mas toda a energia está agora alocada na associação. “O meu trabalho é a minha vida”, diz, para justificar um percurso sem interruptores que intercalem o lado pessoal e o profissional. “Qualquer projecto que tenha em mãos é vivido intensamente. ” Está num outro processo onde a fotografia não cabe. “Acho que o meu papel agora é conquistar território”, ri-se. É essa a sua próxima luta: “transformar Lisboa numa cidade comestível”. A iniciativa Muita Fruta – que colhe e transforma os frutos das árvores da cidade – é o primeiro passo. Mas Adriana quer ir mais longe. Quer que se aposte na agricultura urbana e se repensem os espaços públicos. Porque é que os jardins hão-de ter canteiros e relvados que não se podem pisar? Porque não podem conviver flores e frutas e hortaliças e pessoas estendidas ao sol? No fundo, diz, quer transformar “as cidades em casas”. Em espaços que “façam parte da vida das pessoas”, de que elas se apropriem e “sintam como seus”. É isso que quer deixar como legado. “Tenho este problema de achar que tenho de deixar alguma coisa feita, por muito pouco que seja – e eu estou a fazer pouquíssimo. Mas acho que cada um de nós deve acrescentar alguma coisa para os outros usufruírem a seguir. ” Nem que seja uma mesa repleta de iguarias com alma e esperança num futuro diferente. Ou um jardim que se pode fruir e comerPorcarias [ri-se]. Torradas com manteiga são das melhores coisas que podem dar-me na vida. Não sei, não tenho nenhum prato preferido. Gosto de comer coisas que me fiquem na memória. Porque não é só o prato, é também o que o envolve. A açorda que comemos no Alentejo não sabe igual quando a recriamos em casa. É o comer algo local, no local, com os produtos locais, feito pelos locais. Uma Disneylândia. Com os turistas a virem cá ver as duas ou três pessoas que ficaram. Viajar é fundamental, devia ser obrigatório na escola, mas o turismo de massas estraga tudo. São os turistas que ficam na bicha do 28 à torreira do sol que matam a vida da cidade. Se calhar vão existir mais casas vazias, prédios sem ninguém e será cada vez mais um bairro fantasma. Mas a Mouraria sempre foi um bairro de excluídos. E essa cultura é importante, essas pessoas são importantes. E esse lado continuará a existir, pelo menos enquanto a Cozinha existir, porque há-de integrá-las sempre e tentar manter a família que é este bairro. Há um livro que descobri já depois dos 30 anos, Sinais de Fogo [de Jorge de Sena], que acho ser um retrato excelente da sociedade portuguesa, muito bem escrito. Esse livro bateu-me, não sei se por também ter vivido na província ou porque o li na altura certa. Depois, entre os livros de cozinha, tenho uma coisa fantástica do Vítor Sobral há anos, de uma colecçãozinha da Editorial Notícias. Chama-se Sabores, como combinar alimentos. É pequeno, mas muito prático e extremamente útil, tem a papinha feita. O Vítor Sobral foi pioneiro em pegar nos ingredientes portugueses e fazer alguma coisa deles. E cozinha, de facto, muito bem.
REFERÊNCIAS:
Uma história de exílio
Tendo como cenário a América do século XIX, Sebastian Barry continua a sua indagação sobre a identidade de uma família irlandesa. (...)

Uma história de exílio
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DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tendo como cenário a América do século XIX, Sebastian Barry continua a sua indagação sobre a identidade de uma família irlandesa.
TEXTO: Em Dias Sem Fim — vencedor do importante Costa Award — o escritor irlandês Sebastian Barry (n. 1955) continua a contar a história da família McNulty — familiares de outras gerações já surgiram em romances anteriores, nomeadamente em Escritos Secretos e em A História de Eneas (Bertrand, 2009 e 2010, respectivamente) — mas desta vez recua ao século XIX e à época da Grande Fome na Irlanda, e escolhe o cenário da guerra americana e do massacre dos índios, mas sempre com a vontade de indagar a identidade irlandesa. Thomas McNulty, a personagem principal e narrador deste romance, alistou-se no exército norte-americano em 1851, com dezassete anos de idade. Chegara da Irlanda havia quatro anos. Viajara sem familiares num barco de emigrantes (“os pobres, os destruídos e os famintos”), durante seis semanas, com destino ao Canadá. Filho de gente pobre de Sligo, vinha de uma família arruinada (o pai era exportador de manteiga para Inglaterra), que morrera nos anos da fome, e à qual apenas ele sobrevivera. “A fome é uma espécie de incêndio, uma fornalha. ” De certa forma escorraçado da sua terra natal, Thomas começa a sua deambulação em busca de uma redenção que talvez nunca chegue. Durante dois anos (antes de se alistar no exército) trabalha, com o seu inseparável amigo John Cole (bisneto de uma índia americana), como dançarino travestido num bar de mineiros; eles eram as únicas ‘raparigas’ no lugar de Daggsville. Mas o passado nunca deixa de ser um terreno minado, porque o passado afinal ainda não passou. O que se segue é uma longa história de exílio, dias de terríveis agruras, de horrores, de perigos, mas também de espanto e vida. Autoria:Sebastian Barry (Trad. de Patrícia Xavier) Bertrand Ler excertoSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sebastian Barry, três vezes nomeado para o Booker Prize — primeiro com A Long Long Way (1995), depois com o belíssimo Escritos Secretos (2009), e a última, em 2011, com Do Lado de Canaã (Bertrand, 2012) — para além de romancista, é também um prolífico dramaturgo e poeta. O lirismo da sua prosa, o estilo elegíaco, e a exactidão poética, associados ao cuidado de atento ourives com que urde as tramas das suas histórias, fazem de Barry um dos mais talentosos autores de língua inglesa da sua geração. Esse virtuosismo é bem notório em Dias Sem Fim, um romance que apesar de ter a América como cenário, não deixa de se remeter para a Irlanda do atribulado Eneas McNulty (a personagem de A História de Eneas, que tinha lugar nos começos do século XX), o mesmo país deste Thomas que emigra, também ele nascido no lugar de Sligo, na Irlanda rural dos “velhos muros sombrios” e das “azinhagas assombradas”. A vida desta espécie de anti-heróis irlandeses, começa sempre de maneira conturbada, como se o destino quisesse que logo bastante novos eles vivam numa espécie de “lado errado” da História e das atribulações dos tempos, com o destino sempre a dificultar. Como num jogo de espelhos, Sebastian Barry serve-se, mais uma vez, de um anti-herói (em jeito de pícaro moderno) para nos mostrar como a história da Irlanda, de maneira maligna, se insinua e pode perturbar e alastrar como uma mancha na vida dos irlandeses quando estes menos esperam. “Reconhece-se um irlandês porque ele o tem escrito na cara. Fala de um modo diferente e não tem muito jeito para cortes de cabelo, e quando bebe, um irlandês não se parece com nenhum outro ser humano. Não me digam que o irlandês é um exemplo de humanidade civilizada. ”Em Dias Sem Fim há um mundo interior que não se mistura com o horror por que passam os protagonistas, esse mundo calmo e quase sagrado tão característico das personagens dos romances de Barry. Curiosamente, neste livro é esse mundo que salva os dois homens, pois numa época como a que viveram, conseguiram como que isolar-se dela e viver o espanto da vida no meio dos terríveis perigos que enfrentam; é assim que Barry nos apresenta o modo como viveram a homosexualidade e a ‘adopção’ de uma menina índia Sioux que tentam salvar a todo o custo. Mais uma vez, o que fascina em Barry é o minucioso trabalho de escrita, a capacidade de descrever tudo intensamente e de maneira bastante visual, ao mesmo tempo que a história vai montando a sua teia diante do leitor.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra filho fome espécie homosexualidade
Já se pode espreitar o biopic de Morrissey
Um trailer de dois minutos abre o véu sobre o aguardado England Is Mine, centrado no início de carreira do carismático vocalista dos Smiths. (...)

Já se pode espreitar o biopic de Morrissey
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170701170612/http://publico.pt/1777545
SUMÁRIO: Um trailer de dois minutos abre o véu sobre o aguardado England Is Mine, centrado no início de carreira do carismático vocalista dos Smiths.
TEXTO: England Is Mine, o biopic de Mark Gill que acompanha a adolescência e juventude de Morrissey, o icónico vocalista dos Smiths, na Manchester dos anos 70, só chegará às salas de cinema inglesas a 4 de Agosto, mas já há um breve trailer do filme para abrir o apetite. Um dos produtores, Orian Williams, que já participara na produção de Control, biopic do malogrado líder dos Joy Division, Ian Curtis, revelou que England Is Mine termina quando Morrissey conhece Johnny Marr, um encontro que dará origem àquela que muitos consideram a melhor banda dos anos 80, The Smiths. Com argumento do próprio Mark Gill e de William Thacker, o filme, que se estreia este domingo, 2 de Julho, no Festival de Cinema de Edimburgo, é protagonizado por Jack Lowden, que encarna o jovem Morrissey. Conhecido pela sua participação na mini-série Guerra e Paz, da BBC, Lowden contracenará com Jessica Brown Findlay, a Sybil Crawley da série televisiva Downton Abbey, que interpreta a melhor amiga do músico, Linder Sterling, e Laurie Kynaston, escolhido para o papel de Johnny Marr. Inicialmente intitulado Steven – o nome de baptismo do ex-líder dos Smiths é Steven Patrick Morrissey –, o filme é a história do triunfo de um adolescente deprimido na Manchester dos anos 70 que se torna uma das mais talentosas e carismáticas estrelas da música pop. Quando o projecto ainda dava os primeiros passos, Mark Gill assumiu que England Is Mine, a sua primeira longa-metragem (foi nomeado para um Óscar pela curta The Voorman Problem, de 2011), seria “uma carta de amor” ao cantor e compositor, e prometeu um filme “tão dirigido ao público em geral como aos fãs incondicionais de Morrissey”. Um desígnio não muito fácil de alcançar, tratando-se de uma personalidade tão idiossincrática e tão pouco consensual. Do seu vegetarianismo militante à sua bissexualidade (ele prefere chamar-lhe “humanossexualidade”: “sou atraído por humanos, mas, claro, não por muitos”) –, das suas críticas à família real britânica às suas disputas legais com Mike Joyce, o baterista dos Smiths, a vida pessoal e as polémicas de Morrissey têm alimentado generosamente as páginas dos jornais. Mark Gill também sugeriu que o filme iria mostrar que o intérprete de Heaven Knows I’m Miserable Now é, na verdade, um homem divertido, apesar do seu historial de depressões e da sua reconhecida visão amarga da vida. Muitas páginas da autobiografia que Morrissey publicou em 2013 confirmam esse seu humor contido, a começar pela passagem em que descreve a sua vinda ao mundo: “Claro que o meu nascimento quase matou a minha mãe, uma vez que a minha cabeça é demasiado grande”. Filho de um casal de irlandeses que emigrara de Dublin para Manchester pouco antes de ele nascer, Morrissey passou a infância num bairro operário e tinha 17 anos quando começou a tomar anti-depressivos, por prescrição médica. Atraído desde muito novo para a música, mas também (a mãe era bibliotecária) para a literatura, Morrissey iria tornar-se não apenas um talentoso compositor e cantor, mas também um dos mais brilhantes letristas de sempre. England Is Mine apanha-o no momento em que se evade do seu quotidiano solitário e tristonho mergulhando na explosão de música punk que então eclodia em Manchester. Vocalista do grupo Nosebleeds no final dos anos 70, colaborou ainda efemeramente com os Slaughter & The Dogs. Foi neste meio que conheceu a artista plástica, cantora e performer Linda Sterling, fundadora da banda de punk-jazz Ludus, que se tornaria a sua amiga mais íntima. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Durante algum tempo, Morrissey ainda manteve uma carreira paralela de crítico de música e cinema, e chegou mesmo a publicar um pequeno livro sobre a banda punk americana The New York Dolls, uma das suas grandes influências, e outro dedicado ao actor James Dean. Em Agosto de 1978, então com 19 anos, foi apresentado a um rapaz de 14, Johnny Marr, durante um concerto de Patti Smith no Apollo Theatre de Manchester. Quatro anos depois, Marr apareceu-lhe em casa a perguntar-lhe se não estaria interessado em criar uma banda com ele. O trailer de England Is Mine termina precisamente com Morrissey a abrir a porta a Marr. A banda, já se sabe, veio a chamar-se The Smiths e lançou quatro álbuns que marcaram a música pop dos anos 80: The Smiths (1984), Meat Is Murder (1985), The Queen Is Dead (1986) – que a revista de música NME considerou, em 2013, o melhor álbum de todos os tempos – e Strangeways, Here We Come, de 1987. Nesse ano, os dois fundadores desentendem-se, os Smiths acabam e Morrissey estreia-se a solo com Viva Hate (1988), início de uma discografia pós-Smiths que já vai em dez álbuns. Mas essa a história que o filme de Mark Gill já não conta.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra humanos filho homem adolescente cantora vegetarianismo
Quem tem direito a erguer uma estátua?
A criação de um Memorial às Pessoas Escravizadas, na Ribeira das Naus, é de uma importância primordial. (...)

Quem tem direito a erguer uma estátua?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.285
DATA: 2018-08-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: A criação de um Memorial às Pessoas Escravizadas, na Ribeira das Naus, é de uma importância primordial.
TEXTO: Quem tem direito a erguer uma estátua? Quem, tomando o pulso ao território, possui autoridade suficiente para fixar um ponto singular, estabelecer aí um centro e, projetando um raio abrangente, dizer: dentro deste círculo, que hoje aqui traçamos, incluímo-nos a todos nós? Em jogo, na forma como damos resposta a esta pergunta, está a construção de um futuro livre de apartheid, em que todos os seres humanos residentes em Portugal, independentemente da forma como sejam racializados, da sua classe social, identidade de género e orientação sexual, ou mesmo do seu grau de acesso formal à cidadania, tomem igual parte no projeto comum de gestão, fruição e salvaguarda do território nacional. As estátuas refundam a nação e religam-na com a terra de onde se destacam, recentrando os polos afetivos das comunidades que se recriam em seu redor. O atual debate em torno da designação do hipotético futuro museu lisboeta, que se ramificou entretanto em muitas e esclarecedoras discussões, é de grande interesse académico e cultural (ver, por exemplo, os artigos de Ângela Barreto Xavier, Afonso Ramos, Pedro Schacht e Rui Gomes Coelho). Porém, a discussão em curso tende a não responder à pergunta inicial. O direito a erguermos uma estátua ou um memorial não é o mesmo que o direito a ter um museu que nos seja dedicado, na sua temática ou funcionamento. Apenas o primeiro necessariamente envolve uma ação ativa por parte dos promotores do futuro monumento, e certifica o reconhecimento por todos do seu estatuto de igualdade cívica e social face aos demais grupos presentes no território. O erguer de um Memorial às Pessoas Escravizadas contesta o privilégio dos grupos que têm dirigido, até há bem pouco tempo em exclusivo, as políticas da memória nacionais. Que debate suscitou a fundação dos muitos ‘Monumentos aos Campinos’ espalhados pelo território português? Ou das ‘Estátuas dos Cavadores’, ‘Monumentos ao Emigrante’ e ‘Estátuas das Varinas’? Sabemos que mesmo estes monumentos, bem menos polémicos que as belicosas estátuas equestres, não nos representam a todos por igual. Contudo, nunca contestamos o direito a erguê-los dos grupos que se recriam em seu redor. Este acesso simbólico fácil, praticamente imediato, ao território nacional é ainda um privilégio branco, nitidamente abusado no caso da implantação da estátua do Padre António Vieira no Largo Trindade Coelho. Seria tarefa simples erguer no território português um monumento ao ‘Jornaleiro Galego’, às comunidades roma ou ciganas, ou mesmo às ‘Trabalhadoras das Limpezas’, na sua grande maioria mulheres negras? Ou, porque não, à ‘Rainha Njinga’, como bem sugere Cláudia Silva?Por este motivo, é vital que a discussão em torno dos projetos museográficos da Câmara Municipal de Lisboa não engula e secundarize a nossa apreciação científica e política do momento histórico de viragem que constituiu a vitória do projeto da Djass – Associação de Afrodescendentes, no âmbito do último orçamento participativo da capital. A criação de um Memorial às Pessoas Escravizadas, na Ribeira das Naus, é de uma importância primordial, e responde a uma necessidade mais básica, afetiva e carnal, do que aquela que dita a refundação epistemológica e metodológica da historiografia e da museologia nacionais, desbloqueando porém o caminho para estas reformas científicas. De forma a garantir que o futuro Memorial às Pessoas Escravizadas permita refundar um ‘nós’ mais vigoroso e inclusivo, é preciso ainda lutar para que a sua concretização não se condicione pelos detalhes logísticos de qualquer hipotético museu. Este memorial que, não sendo materialmente uma estátua, funciona socialmente como as ‘estátuas’ que tenho vindo a analisar conceptualmente, deve constituir um marco. Celebrando o acesso das comunidades afrodescendentes às políticas da memória que garantem vínculos simbólicos estáveis com o território nacional, ele quebra um longo monopólio que tem vindo a ser um dos privilégios da comunidade branca. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Atente-se, por um momento, à forma como as representações monumentais de africanos ou de portugueses negros são, na esmagadora maioria das vezes, o fruto de políticas da memória dominadas pelos interesses imediatos, e por vezes exclusivos, da comunidade branca. Contudo, a presença no território nacional de seres humanos racializados enquanto negros, durante um longo período sujeitos ao opróbrio da escravatura, é antiga, comprovada e contínua. Historicamente, é também permanente a negação do acesso a membros desta comunidade à igualdade plena de oportunidades e direitos, ou a medidas compensatórias e de descriminação positiva. Já no contexto das antigas colónias, depois das sucessivas etapas da abolição do tráfico negreiro (esparsas ao longo de grande parte do século XIX), os sistemas tributários diferenciados, o Código Penal de 1886 e os vários diplomas legais que instituíram o ‘Estatuto do Indígena’ garantiram a generalização do trabalho forçado até ao raiar das independências. Chegando aos nossos dias, o racismo institucional mantém vivo nas estruturas de poder o legado de todas estas iniquidades. As pessoas negras presentes em Portugal são herdeiras de vínculos seculares, estáveis e sofridos com o território, quer havendo estado os seus antepassados diretos cá fisicamente presentes, quer havendo estes contribuído à distância, com o seu trabalho, para o enriquecimento nacional. Têm portanto todo o direito a ver erguido um memorial que celebre esta história, e que refunde a nossa comunidade e os seus laços com o território num sentido mais justo. O Memorial às Pessoas Escravizadas não deve nunca ser uma mera parcela da narrativa museográfica de qualquer futuro Museu das Descobertas, da Viagem ou do Colonialismo. Um museu cumpre funções pedagógicas e científicas fundamentais, mas apenas um memorial é capaz de se constituir enquanto o centro a partir do qual possam irradiar para o território nacional todas as manifestações e lutas por uma cidadania mais justa, inclusiva e emancipatória. Restringir a presente discussão pública apenas à esfera das letras ou da museologia, e insistir em manter a conversa refém da discussão do passado, é uma forma de sofismar e adiar a transformação que este acesso direto ao território desencadeará, prolongando assim velhos privilégios. As acusações de anacronismo, de penitência histórica ou de ataque à memória coletiva meramente desviam a atenção deste simples facto: o que está hoje em jogo é o direito das comunidades afrodescendentes ou racializadas a um vínculo simbólico estável e definitivo com o território português, um que impossibilite e esvazie frases racistas como ‘volta para o teu país’, ou ‘boa viagem’, e que se materialize, de forma perene, numa ‘estátua’ ou memorial capaz de congregar e relançar no futuro a nossa comunidade nacional. O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Em Reguengos os alunos de etnia cigana deixaram de ser uma minoria que vive à parte
Projecto Criar Futuro destina-se a crianças e jovens em risco de abandono escolar. Inclui apoios nos trabalhos para casa, actividades de leitura e pintura, teatro, jogos nos recreios. E também uma horta que, lá mais para o Verão, deve estar mais completa. (...)

Em Reguengos os alunos de etnia cigana deixaram de ser uma minoria que vive à parte
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 18 | Sentimento 0.136
DATA: 2017-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Projecto Criar Futuro destina-se a crianças e jovens em risco de abandono escolar. Inclui apoios nos trabalhos para casa, actividades de leitura e pintura, teatro, jogos nos recreios. E também uma horta que, lá mais para o Verão, deve estar mais completa.
TEXTO: Dalila, 12 anos, está indecisa entre ser professora ou cantora quando crescer. Começou por apontar a primeira profissão, mas não resistiu em juntar logo a segunda. Vânia, nove anos, segue-lhe os passos. Já Francisca, com sete, fica-se pela primeira opção. Todas elas são de etnia cigana, bem como as outras três meninas que na tarde da última sexta-feira acorreram à antiga casa do juiz da comarca de Reguengos de Monsaraz, que agora pertence à câmara municipal. Vão lá quase todos os dias para terem apoio na realização dos trabalhos para casa, para pintarem, lerem, fazerem teatro. “Para aprender coisas novas”, acrescenta Dalila, que está no 4. º ano de escolaridade e vai entoando várias músicas à procura da que dará melhor com a designação Dia do Estudante, que se assinalava naquela sexta-feira. Diz por isso que é também o seu dia. As seis meninas fazem parte do grupo de 70 crianças e jovens entre os seis e os 14 anos que estão a ser acompanhados pelo projecto Criar Futuro, promovido pela autarquia e que é um dos 90 que integram a sexta geração do programa Escolhas. Este programa, apoiado pelo Alto Comissariado para as Migrações, tem como missão “promover a inclusão social de crianças e jovens de contextos socioeconómicos vulneráveis, visando a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social”. Este é também o objectivo do Criar Futuro, que escolheu como público-alvo crianças e jovens com problemas de insucesso e de abandono escolar. Dos participantes actuais, cerca de 20 são de etnia cigana. Ou seja, quase metade dos estudantes desta etnia inscritos no Agrupamento de Escolas de Reguengos de Monsaraz, um dos parceiros do projecto, estão abrangidos. Para já, o principal trunfo do projecto, que arrancou há um ano, é o de estar a “promover activamente a integração”, frisa a vereadora da Educação, Joaquina Margalha. Na escola do 1. º ciclo de Reguengos esta “integração” pratica-se todos os dias por via das actividades que são desenvolvidas durante o recreio da hora do almoço — uma hora para desenvolver jogos e outras actividades que são organizadas pela equipa do Criar Futuro e que aos poucos tem “envolvido toda a comunidade escolar”, conta Rita Cavaco, 32 anos, que é professora do 1. º ciclo e coordenadora da iniciativa. É ela uma das animadoras desta “dinamização do recreio”. Diz que passou a ser hábito a partilha de actividades e experiências entre os alunos de etnia cigana e os outros. “As relações entre eles melhoraram”, frisa. O mesmo se passa no outro eixo do Criar Futuro, que tem praça no Centro de Inclusão Digital. “Já vêm juntos da escola para cá”, refere José Carlos, 29 anos, responsável por este espaço e que faz também parte da equipa técnica. No espaço, que dispõe de seis portáteis e uma impressora, estão dois alunos no dia da visita do PÚBLICO. André de 14 anos, cigano, e Ionel, 15 anos, romeno. Os filhos de imigrantes, que ali são sobretudo da Moldávia e da Roménia, fazem também parte do público-alvo do projecto. André está no 7. º ano, numa turma do Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF), destinado a alunos com um historial de insucesso. Ainda domina mal a leitura e a escrita, embora segundo José Carlos tenha melhorado com a passagem este ano para o PIEF, por este ter uma abordagem mais prática. André corrobora ao mesmo tempo que percorre o seu Facebook. Quando tem dificuldades em escrever uma frase no chat pede a José Carlos que o ajude. Ionel também está à espera de apoio para montar um power point onde vai apresentar um guião de leitura do livro O Cavaleiro da Dinamarca, de Sophia Mello Breyner. O resumo tinha-feito antes, na sede do Criar Futuro. “Os pais [dos alunos ciganos] também começaram a vir aqui, principalmente para tirar músicas para levarem para o culto e para consultarem anúncios e enviarem emails, sobretudo por causa dos seguros dos carros. E eu ajudo-os”, conta José Carlos. Em cima de uma das mesas do centro está um conjunto de folhas A3 com histórias do povo cigano. O trabalho, que envolveu as famílias dos estudantes, foi desenvolvido pelas alunas mais velhas, com o apoio de uma estudante do 12. º ano, Rosa Marques, 21 anos. Ao lado, noutra folha A3, está escrita esta frase: “Ser cigano é ser lutador. ”Para além de aluna do Agrupamento de Escolas de Reguengos, Rosa Marques também dá aulas no conservatório local. A sua perícia musical é uma mais-valia no contacto com estes alunos, que não perdem uma oportunidade para cantar ou dançar. Para participar na equipa técnica do Criar Futuro, Rosa comprometeu-se a concluir o 12. º ano. Falta-lhe fazer Matemática A. “Vais conseguir. Tiveste boas notas!”, anima-a uma das suas parceiras noutro projecto previsto no programa do Criar Futuro, com o objectivo de “promover a integração social e comunitária”: a criação de uma associação de jovens de Reguengos. Foi constituída em Fevereiro passado. “Queremos que os jovens se fixem por cá. Queremos que tenham uma voz no concelho”, resume Sofia Rico, uma das fundadoras da associação, que tem sede também na antiga casa do juiz da comarca. Na sala ao lado, quatro das meninas de etnia cigana estão a terminar os blocos multicores que têm na capa a inscrição Dia Nacional do Estudante. Foi a actividade escolhida para sexta-feira. Há outras duas que estão a fazer os trabalhos para casa com a ajuda de Cátia Godinho, 35 anos, psicopedagoga e que é responsável também por sessões de acompanhamento individual desenvolvidas no agrupamento de escolas com o objectivo de ajudar “a estruturar projectos de vida e trabalhar competências pessoais”. Francisca olha pela janela. “Plantámos alfaces”, diz. Foi uma das últimas actividades no espaço do Criar Futuro. Lá para o Verão esperam ter uma horta completa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Este espaço é mais procurado pelas meninas. Os rapazes também passam por lá, mas ficam menos tempo. O seu local preferido é o Centro de Inclusão Digital. Por ali não há gorros nem bonés nas cabeças. É uma das regras do projecto. Como também o é a pontualidade. As várias actividades diárias têm horas marcadas, que decorrem após o fim das aulas na escola do 1. º ciclo. Terminam às 16 horas e cerca de 15 minutos depois já há alunos a baterem à porta do Criar Futuro. Mal começa a anoitecer regressam ao bairro onde vivem. É uma regra que as crianças de etnia cigana não quebram. Mas para as ter ali foi também preciso desenvolver um trabalho junto das famílias, ganhar-lhes a confiança. Rita Cavaco diz que esta missão tem dado frutos, mas está longe de estar concluída, já que o objectivo é que as famílias se envolvam também nas actividades do projecto. “São famílias que não privilegiam muito a escolarização. Se não as conseguirmos mobilizar para este objectivo as crianças acabam por falhar”, resume Joaquina Margalho.
REFERÊNCIAS:
Étnia Cigano
Celeste Ng e o tempo em que a utopia era possível
Pequenos Fogos em Todo o Lado fala de raça e privilégio num subúrbio quase perfeito. Eram os anos 90 e a época do preconceito parecia estar a chegar ao fim. Foi antes da explosão da Internet e do 11 de Setembro. O livro está a ser adaptado à televisão. (...)

Celeste Ng e o tempo em que a utopia era possível
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pequenos Fogos em Todo o Lado fala de raça e privilégio num subúrbio quase perfeito. Eram os anos 90 e a época do preconceito parecia estar a chegar ao fim. Foi antes da explosão da Internet e do 11 de Setembro. O livro está a ser adaptado à televisão.
TEXTO: Uma cidade nos subúrbio de Cleveland, Ohio, é o cenário do segundo romance de Celeste Ng (o apelido lê-se ing), a filha de imigrantes chineses nascida nos EUA em 1980 que viu o seu nome nos principais suplementos literários americanos e o livro no escaparates e montras das principais livrarias americanas. Pequenos Fogos em Todo o Lado foi uma das sensações de 2017, está traduzido em 30 línguas e põe em confronto duas famílias ficcionais muito diferentes, os Richardsons e os Warren, num lugar bem real: Shaker Heights. “Em Shaker Heighs havia um plano para tudo. Quando a cidade fora criada em 1912 — uma das primeiras comunidades planeadas da nação —, as escolas tinham sido localizadas de forma que todas as crianças pudessem ir a pé para as aulas sem atravessar nenhuma rua principal; as ruas secundárias iam dar a grandes avenidas, com paragens estrategicamente colocadas ao longo da via-férrea para transportar quem trabalhasse no centro de Cleveland. Aliás, o lema da cidade era (. . . ) ‘A maior parte das comunidades limita-se a acontecer; as melhores são planeadas’: a filosofia era a e que tudo podia — e devia — ser planeado e de que, ao fazê-lo, se evitava o inapropriado, o desagradável e o desastroso. ” Celeste Ng cresceu nesse lugar. Autoria: Celeste Ng (Trad. Inês Dias) Relógio d’Água Ler excerto“Não é uma cidade culturalmente muito interessante, fica no meio do país, mas é um lugar muito bom para se crescer; tem escolas públicas muito boas, e foi por isso que os meus pais decidiram mudar-se para lá. E é conhecida por ser muito bonita, muito arborizada, rica, politicamente muito progressista e racialmente muito diversificada. Quando lá vivi, nos anos 90, a população era quase cinquenta por cento branca e cinquenta por cento negra, o que era muito invulgar”, diz ao Ípsilon a escritora que faz parte de um grupo racial minoritário, tradicionalmente designado de “outros”, onde se incluem os asiáticos. “Quando andava no liceu falava-se muito abertamente sobre raça e preconceito, exclusão, falava-se do perigo do estereótipo, e eu achava que essa discussão acontecia no resto do país, que em todo o lado se falava disso abertamente. Até que cheguei à universidade”, conta, com uma gargalhada a remeter para uma ingenuidade perdida e estabelecendo o paralelo com o momento do romance, os anos 90 num país que acreditava ter resolvido parte dos seus problemas e que o único rimo era o progresso não apenas económico mas também de costumes. “Era uma cidade onde se acreditava que todos os problemas seriam resolvidos. Quis olhar para esse idealismo. ”O romance arranca com uma tragédia e um mistério por resolver. A casa onde vivem os Richardsons arde e a família, constituída por um casal e quatro filhos adolescentes, vê comprometido um futuro planeado. O fogo acontece quando outra família, composta por uma mulher e uma filha pré-adolescente, sai da cidade, que passa a ser mais um lugar num percurso feito de permanências fugazes. É a família Warren a viver em permanente itinerância. O acontecimento é o mote para Celeste Ng ir à génese não apenas da comunidade, mas também à causa do incêndio transformador. Ou seja, é um romance que começa pelo fim de uma utopia. No caso de Shaker Heights, ela foi fundada por um grupo conhecido pelos shakers que se organizaram à volta de um ideal de harmonia. Eles foram embora daquele lugar, mas lugar manteve-os no seu nome, génese de uma sociedade ideal. “Eles queriam ser uma utopia, acreditavam na possibilidade de uma sociedade perfeita. Ou seja, a cidade foi fundada na ideia de que se pode planear a perfeição”, continua Celeste Ng, que justifica desta forma a razão de situar a acção nos anos 90. “Eu conhecia aquele tempo, andava no liceu como os filhos das duas famílias. Mas também sabia que aquelas personagens iriam estar a guardar segredos umas às outras e por isso teria de ser uma era antes do boom da Internet, pré-Facebook, pré-telemóveis, em que era possível esconder coisas do passado. Por outro lado, a memória que tenho desses anos é a de que nos Estados Unidos achávamos que estava quase tudo resolvido, que a economia estava bem, a gasolina era barata, uma coisa chamada Internet parecia ser tremenda; tínhamos um presidente liberal, as mulheres estavam a chegar ao poder, estávamos a resolver problemas raciais. Ou seja, tudo estava a ficar melhor. E era o tempo pré-11 de Setembro. Havia um sentimento de complacência. Claro que olhando para trás sabemos que não era verdade. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E há o paralelo entre achar que tudo está resolvido e a família pretensamente ideal do livro, os Richardsons, que também acha que tem tudo sob controlo. “Mas pouco depois vem o escândalo Monica Lewinsky que mostra que o presidente não era quem pensávamos que era, e aconteceu o 11 de Setembro e rebentou a bolha de pensarmos que sabíamos tudo. ” Na ficção há isso e o incêndio que desencadeia rupturas e o fim de uma perfeição que não existia. “O romance começou com os Richardson. Sabia que queria escrever sobre Shaker Heights e tentei imaginar uma família que encarnasse essa comunidade, uma espécie de ‘e se Shaker Heights fosse uma família?’ E depois pensei em quem poderia ter contacto com eles e virasse aquele mundo de pernas para o ar. Teria de ser uma família com outras percurso, uma família que deixa os Richardson confusos e intrigados. Depois foi deixar que entrassem em conflito. ”E tudo parece acontecer com a cadência e o formato próximo de uma série de televisão. O mistério vai-se adensando, com as personagens a revelaram fragilidades pessoais, uma intimidade em que o leitor vai penetrando até se sentir cúmplice, parte da trama que Celeste mostra de modo eficaz. “Não tinha pesando nessa estrutura de série de televisão, mas faz sentido. Pensei antes que quando começo a ler um livro gosto de me sentir implicada no que está a acontecer, sentir que alguma coisa está a acontecer e essa coisa irá representar grande mudança nas personagens. Como autora, quero que esse percurso também seja interessante para mim e quero levar o leitor comigo nessa descoberta. ”À eficácia narrativa junta-se a pertinência política. Escreve sobre raça e privilégio no passado e o que ecoa é o presente em que o livro é publicado. “São os temas a que volto sempre na minha escrita porque são coisas em que penso muito na minha vida. Ser uma americana não branca, ser uma mulher e ser mãe faz-me pensar bastante no modo como o mundo está moldado, faz-me pensar em como será o futuro do meu filho que tem sete anos e é bi-racial. E lidar com raça, em especial na actual atmosfera política, afecta todos os aspectos da minha vida. Nunca me sento com a ideia de que vou escrever um livro sobre mães e sobre raça, mas é o mundo em que vivo e por isso também é o mundo em que vivem as minhas personagens e os assuntos com que lidam vêm desse mundo. Neste momento penso que não é possível ser escritor sem se ser político. Sou mulher, não branca, sou mãe, sou filha de imigrantes; toda a minha existência é política. ”
REFERÊNCIAS:
Devemos ser bilingues?
Pais, professores e bilingues de várias idades contam uma experiência que alerta para os perigos de generalizar quando se diz apenas que saber mais do que uma língua é meio caminho para se ser bem-sucedido. (...)

Devemos ser bilingues?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pais, professores e bilingues de várias idades contam uma experiência que alerta para os perigos de generalizar quando se diz apenas que saber mais do que uma língua é meio caminho para se ser bem-sucedido.
TEXTO: Falar e escrever mais do que uma língua de modo fluente traz benefícios cognitivos e maior agilidade cerebral. Mas a vantagem pode estar a ser sobrevalorizada por estudiosos e educadores quando não fazem entrar nessa equação variáveis culturais, sociais, individuais. Frederico Lourenço, escritor, professor catedrático, começou a falar duas línguas desde os dois anos, quando a família foi viver para Oxford, Inglaterra. “Já falava português, claro, quando partimos, mas como fiz a escolaridade em inglês até aos dez anos, posso dizer que o inglês se tornou a minha primeira língua. Na verdade, eu falava muito mal português até termos voltado para Portugal. Só me tornei bilingue a partir dos dez anos. Antes disso, basicamente eu era uma criança anglófona”, conta, antes de afirmar que agora, aos 51 anos, se sente verdadeiramente bilingue, ou seja, fala e escrita, razão e emoção, desenrolam-se com a mesma naturalidade em inglês e em português. Thomas Manuel tem oito anos e quase desde que nasceu que está exposto a quatro línguas. O português do pai e do país onde vive, Portugal, o holandês — ou neerlandês — em que a mãe sempre lhe falou por ser holandesa, o inglês em que os pais comunicam entre si e o alemão que começou a aprender aos três anos quando por motivos profissionais os pais passaram um período da sua vida em Bamberg, uma pequena cidade no Norte da Baviera, e Thomas foi para uma creche. “Não falava uma palavra de alemão, mas ao fim de dois meses estava integrado e percebia tudo o que se lhe dizia”, conta o pai, o jornalista e escritor José Riço Direitinho (colaborador do PÚBLICO). Quando a família voltou a Portugal, um ano depois, e para “uma integração menos dolorosa”, Thomas entrou para a Escola Alemã de Lisboa onde estuda Alemão como língua-mãe. Agora escreve e fala as duas línguas. Não escreve em holandês, entende inglês, e no português que Thomas fala não se nota o mínimo sotaque. “Eu sou português”, diz sem hesitar ainda que veja na televisão os jogos de futebol do Borussia de Dortmund, mesmo sendo adepto do Futebol Clube do Porto, os desenhos animados sejam em holandês e em tempos tivesse confessado ao pai que sonhava em alemão. “Agora já não”, corrige, “sonho em português”. As infâncias de Frederico e Thomas pertencem a tempos diferentes, com acesso e exposição também diferentes a diferentes línguas, mas na infância de um como na do outro já ecoava o pensamento de Wittgenstein expresso no seu Tractatus Logico-Philosophicus (1922): “Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”, uma frase que serviu à revista New Yorker para lançar uma série de estudos e um artigo publicado no início do ano, em que encetava uma discussão sob o título Ser bilingue é mesmo uma vantagem? Começava por inventariar as vantagens cognitivas de falar várias línguas. Não apenas como ferramenta profissional, social, cultural mas como algo que afecta de forma positiva a actividade cerebral. À partida parece pacífico defender esta ideia sem exclusões de parte, mas muitos professores, terapeutas de fala e educadores com quem a Revista 2 falou juntam-se numa conclusão em coro: “É perigoso generalizar. ”A cientista explicava então o mecanismo de forma simples: “Temos um sistema no cérebro, o sistema de controlo executivo. A sua tarefa é a de nos manter focados no que é mais relevante, ignorando distracções. É o que possibilita guardar duas coisas distintas na mente ao mesmo tempo e escolher entre elas. Quando temos duas línguas e as usamos regularmente, as redes do cérebro que trabalham ao mesmo tempo que falamos activam-se e o sistema de controlo executivo salta por cima de tudo o resto e responde apenas ao que é relevante naquele momento. Os bilingues usam mais esse sistema e é esse uso frequente que o torna mais eficiente. ”É neste pressuposto que muitos especialistas sustentam a teoria de que ser bilingue ou multilingue tem efeitos no atraso da demência, na prevenção de doenças como o Alzheimer ou na ideia de que um bilingue é mais capaz em actividades criativas ou em cálculo matemático. “Isso pode ser ou não verdade”, afirmou à Revista 2 Craig Monaghan, director da St. Julian’s School, uma escola inglesa em Carcavelos. “Se assim fosse, imagino que os rankings PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos, coordenado pela OCDE desde 2000] ligassem os elevados resultados em Matemática ou Álgebra com estudantes multilingues. No nosso caso, não é algo que tenhamos explorado, mas a maioria dos nossos estudantes é bilingue e tem excelentes resultados a Matemática. ” Poderiam concluir de forma um pouco simplista, acrescenta, que “existe uma correlação”. Na Escola Alemã de Lisboa, a maioria dos alunos também é bilingue, mas mais do que ter essa característica ou capacidade, o maior ou menor desafio que se coloca a essas crianças parte dos pais, ou dos educadores; eles são os intérpretes “de uma aprendizagem que é simultaneamente cognitiva relativamente às realidades que se lhes deparam, mas também do próprio fenómeno do bilinguismo”, refere José Valentim, subdirector daquela escola onde é também responsável pelo departamento de Português. “A criança, de início, apresenta uma única representação cognitiva para duas traduções diferentes e quando começa a frequentar o jardim de infância o seu cérebro possui mais do dobro da actividade em comparação com o do adulto. É nessa altura que a criança se apresenta mais aberta a novas aprendizagens, às descobertas e à pesquisa. Embora tenham decorrido muitas décadas, a teoria de Bloomfield [Leonard Bloomfield, 1987-1949, linguista] de que o controlo nativo de duas línguas nos primeiros anos é mais efectivo continua actual”, defende, apresentando dados da sua própria experiência. “Aos cinco anos, a criança que não enveredou por esse processo já domina a sua própria língua. Apresenta-se desde o início com uma flexibilidade cerebral para os registos que lhe são transmitidos. Através da audição repetida, do reforço positivo e do estímulo, e através de uma metodologia motivante e diversificada, reage espontaneamente, estabelecendo-se uma interacção recíproca entre os intervenientes no processo e, não menos importante, entre as línguas faladas e as próprias culturas transmitidas. ”E, mais uma vez, a ressalva: “O sucesso depende muito de outros factores, como as condições sociais, económicas, históricas e psicológicas, mas temos de concordar que, uma vez conseguido, permite alargar horizontes e enfrentar novos desafios”. Tira, no entanto, uma conclusão: “Os alunos bilingues desenvolvem capacidades especiais por se verem confrontados com duas realidades linguísticas em simultâneo, exigindo deles uma estruturação mental e uma predisposição para um pensamento lógico, ainda mais apurado no caso do alemão, por se tratar de uma língua com essas características. As estruturas gramaticais, a construção sintáctica das frases e o próprio léxico da língua, bem como a forma como os alemães estruturam o seu pensamento e apresentam os seus argumentos, organizando, esquematizando e planeando antecipadamente, são contributo importante que favorece e potencia o sucesso desse tipo de alunos. ”Tiveram de ser “um pouco criativos” para conseguir integrar o número cada vez maior de alunos estrangeiros que lhes iam chegando. Várias nacionalidades, vários níveis de identificação com o português, a língua de ensino naquela escola. Além de aulas adaptadas a cada situação, perceberam que o segredo era começar o quanto antes, com alunos que não sabem uma palavra de português e que, muitas vezes, pouco falam ainda na língua onde nasceram. São os casos de Melissa, Tiago e Angelina. Melissa tem quatro anos. Tiago e Angelina, três. São chineses e estão em Portugal desde Janeiro. Todos no jardim de infância do Sagrado Coração de Maria, onde aprendem as primeiras palavras em português. Angelina está impaciente. Canta em mandarim e dança ao ritmo da sua melodia enquanto a terapeuta da fala do colégio, Filipa Ferreira da Costa, mostra imagens às três crianças, pedindo a cada uma que repita com ela a palavra correspondente. Angelina desperta do seu alheamento quando vê a imagem de um boné. “Boooonééé”, vai repetindo em sotaque nasalado com gestos que indicam que é para pôr na cabeça. Esquece por momento o mandarim com que continua a desafiar o primo Tiago. Mostra que também já sabe dizer “menina”, “banana” e “leite”; arrasta o ‘s’ de sopa e fecha as vogais de “casaco” que sai num português quase imperceptível. Melissa já é capaz de construir frases simples, pondo o verbo no tempo certo e Tiago pede a atenção de Angelina. Diz “o menino bebe leite”, imitando a terapeuta e baralha o cartão com as imagens de palavras novas na mesa. Em três meses de escola já são capazes de comunicar em português usando palavras e gestos, “um feito”, considera Catarina André, directora pedagógica do Jardim Infantil do CSCM, tão surpreendida quanto expectante em relação aos resultados de um trabalho que começou agora e só terá efeitos visíveis a médio e longo prazo, à medida que os alunos forem avançando na escolaridade. “O objectivo menos ambicioso é que além de falarem e escreverem sejam capazes de compreender matérias e testes. ” Perfeito, no entanto, seria eles tornarem-se bilingues, isto é, fluentes na língua de origem e, neste caso, no português, sem sentirem o esforço da tradução mental. Melissa, Tiago e Angelina começam agora literalmente do zero nesse percurso. “Onde está o menino a vestir o casaco?”, pergunta Filipa a Angelina. Ela aponta, acerta na imagem do cartão. Todos batem palmas, ela entra em festa. Em mandarim, mais uma vez. “O mandarim é muito mais acentuado em termos nasais, ou de ressonância”, explica a terapeuta, referindo, no entanto, que mais difícil do que isso é a impossibilidade de comunicar com os pais destes meninos, que só falam mandarim. Quero recomendar trabalhos de casa, exercícios, e os pais não me entendem, é impossível. O mandarim é a língua-mãe, ponto. E se houver um irmão mais velho, então serve de intérprete. ”Filipa Ferreira da Costa trabalha em mais escolas, com crianças das mesmas idades e de outras nacionalidades e fala em experiências totalmente distintas. “O que está escrito é que uma criança exposta a duas línguas começa a falar mais tarde, mas, a partir do momento em que o faz, as duas línguas estão dominadas. A grande erupção dá-se aos quatro anos. Com eles, ainda não tenho tempo para dizer, mas em relação ao inglês acho que sim. Em termos cerebrais, nota-se um maior desenvolvimento. Geralmente ficam à frente dos outros. Em termos cognitivos falar mais do que uma língua é um grande estímulo. ” E dá o exemplo de um aluno israelita. “Fala hebraico, inglês, porque está na escola inglesa, e português, porque vive em Portugal. Tem quatro anos, nasceu cá, os pais querem ficar e ele domina as três línguas. A terapia da fala é importante nesta altura, para o português e para a estrutura da língua. ”Em relação ao mandarim é muito difícil porque a estrutura da língua é completamente diferente. “Nesta idade, o que mais nos preocupa é o bem-estar deles, que sejam capazes de se defenderem, de se salvarem e serem felizes. Sem o domínio da linguagem, isso é muito complicado”, conclui por sua vez Catarina André. As irmãs Malou e Luena Gama, seis e três anos, conversam com a mãe entre português e holandês. Quando Malou era pequena, só falava holandês. “Acho que as crianças começam a falar a língua da mãe. Deve ser por isso que se chama materna. Mas sobretudo desde que entrou no 1. º ciclo, este ano, o português domina completamente o modo como comunica. Antes, ela não tinha sotaque quando falava holandês, era como se tivesse vivido sempre na Holanda, mas isso está a mudar. Faz agora mais erros em holandês e sente-se muito portuguesa. Isso é engraçado, apesar de até aos quatro anos falar um português muito menos bom do que os outros meninos da idade dela”, conta Inge Ruigrok, holandesa, casada com um português, a viver em Portugal há dez anos. Essa aparente demora no português levou os pais a tomarem uma decisão. “Teve algumas sessões com um logopedista para corrigir a pronúncia e ver se a fonética dela se adaptava ao português. Isso foi ultrapassado em meio ano. Agora está a experimentar ler livros em holandês, mas é difícil, porque quando se aprende a ler e a escrever isso é feito com uma fonética e a fonética do português é diferente da do holandês. ”Malou está num colégio privado em Sintra onde aprende inglês. “No inglês, ela também está num bom nível. Começou quase desde bebé. ” Luena fala muito holandês. “Ainda precisa muito da mãe”, comenta Inge num português fluente, com sotaque, respondendo aos pedidos das crianças, numa conversa onde surgem palavras das duas línguas. As interjeições são em português, as cores das flores que colhem num parque de Sintra também. Pede a Luena que conte. Ela conta: “um, dois, três, quatro, cinco” em português e faz o mesmo em holandês. “Para ela, contar é sempre em duas línguas”, sorri a mãe. “Acho que é uma sorte para elas poderem crescer com duas línguas. Dá-lhes uma perspectiva das coisas muito mais abrangente. Elas são crianças que crescem no mundo. ” As aventuras do dia, como foi a escola, são contadas em português. As emoções são em português. Luena ouve buzinas na estrada e diz: “É música. ”Frederico Lourenço conta a sua história nessa perspectiva de pertença. “Em Inglaterra, os meus pais falavam entre si em português e a nossa mãe falava connosco em português, mas tanto eu como a minha irmã respondíamos em inglês. O nosso pai começou cedo a falar connosco em inglês, para aprimorar o nosso vocabulário e pronúncia — ele tinha um jeito incrível para línguas. O português estava presente nas nossas vidas, mas tanto a minha irmã como eu não tínhamos a mínima vontade de o falar. ”A relação com uma língua e outra — e mais tarde com o alemão que também fala e escreve de forma fluente — foi-se construindo com a vida e obedece a fases emocionais, racionais, relacionais. “Escrevi a minha tese de doutoramento em inglês. Como namorei durante 18 anos com um inglês, foi também a língua das emoções durante esse período. Não há uma língua que seja racional e outra emocional. Ambas são ambas as coisas. Neste momento, há uma preferência da minha parte pela escrita em português, mas continuo a ler quase exclusivamente em inglês. Leio mais grego e alemão do que português, por exemplo. ” Mas, continua, “só sei contar em inglês. Tabuada e alfabeto só sei em inglês. Os meus sonhos são trilingues: sonho em português, em inglês e em alemão. Mas eu próprio não me posso considerar trilingue, pois embora fale muito bem alemão, o nível não está no mesmo patamar do inglês e do português. Tenho uma grande amiga austríaca e por isso o alemão está muito presente na minha vida actual. Além de que a segunda família do meu pai era também austríaca. O alemão teve desde muito cedo — 12 anos — uma importância fulcral”. Frederico acrescenta um ponto considerado por todos determinante: gostar de falar línguas. E isso é algo que se manifesta cedo e que José Valentim contextualiza desta forma: “O papel da criança na aprendizagem precoce da língua é fundamental. Ela tem de possuir apetência linguística e mostrar permanente curiosidade pela novidade, pelo jogo, por aprender a ‘brincar’, ser organizada e criar mecanismos de autonomia, que acaba por enriquecer nas mais diversas vertentes da sua formação. Ultrapassada essa barreira inicial, aquilo que a priori poderia ser um handicap torna-se um reforço e um processo de evolução gradual de múltiplos estímulos que conduzem ao sucesso”, sublinha. Essas são condições “indispensáveis para que se ultrapassem barreiras, como o facto de o alemão não ser a língua oficial, ser uma língua pouco ouvida no contexto social português e ainda o facto de a criança viver em ambiente estritamente português”. Ana Bayan ensina português a estrangeiros na mesma zona onde está o CSCM, mas numa escola pública, no agrupamento de escolas Nuno Gonçalves, onde está a antiga Escola Secundária D. Luísa de Gusmão, com um população de estudantes que, além de portugueses, tem muitos alunos chineses, eslavos, paquistaneses, nepaleses ou do Bangladesh. A sua função é a de que eles entendam e se façam entender na língua em que estudam. Se conseguir que sejam bilingues, é fantástico, mas sabe que para muitos talvez seja tarde. “Seja pela cultura ou idade, mas sobretudo por causa da predisposição social e cultural para ser fluente em português”, além dos meios de que as escolas dispõem para oferecer um ensino à medida das necessidades. “Os nossos alunos estrangeiros, tanto os adolescentes como os adultos, são um grupo muito heterogéneo ao nível da língua mas também dos estímulos e estilos de aprendizagem. Muitos têm alfabetos completamente diferentes. Quem tem uma língua materna muito afastada da portuguesa demora mais tempo a aprender o português, mas nos eslavos essa diferença atenua-se porque há uma apetência académica maior e um maior acompanhamento por parte das famílias. ”O primeiro passo para se ser bem-sucedido nessa aprendizagem é começar pela rotina e pela identificação, sustenta: “Há que ensinar uma língua estrangeira recorrendo a exemplos da realidade dos alunos. Seja através de textos adaptados à idade, seja com o quotidiano. A prioridade deve ser a da linguagem do dia-a-dia, recorrendo a imagens. A imagem é o grande auxiliar. Se isso não for feito de uma forma progressiva tal qual se ensina a matemática, o aluno não chega aos objectivos”. Ana Bayan ensina português a estrangeiros desde 1987. Primeiro na Guiné-Bissau (onde apesar de a língua oficial ser o português são poucos os que o falam ou escrevem), em Espanha e agora em Lisboa. Implementou o ensino do Português como língua não-materna no D. Luísa de Gusmão, “mesmo antes de ter sido instituído como uma disciplina pelo Ministério da Educação”. Em 2012, para responder às necessidade escolares criadas pelo número de imigrantes em Portugal, o Governo promulgou um despacho que estabelecia aulas de 90 minutos três vezes por semana a alunos de nível de iniciação ou intermédio de Português e uma para o nível avançado, de modo a trabalhar o português “enquanto língua veicular de conhecimento para as outras disciplinas do currículo” e para desenvolver competências literárias. Ana Bayan lamenta a falta de meios provocados por cortes orçamentais para que a sua tarefa e a de outras escolas seja bem executada. “Se estes alunos tiverem um bom acompanhamento e elasticidade cognitiva, os resultados escolares serão muito superiores aos de um aluno que só saiba uma língua. ” Aponta exemplos concretos: “Nos alunos asiáticos, isso vê-se sobretudo em áreas onde já são bons, as ciências exactas. Nos alunos que têm um nível académico mais estruturado, como os eslavos, isso manifesta-se de forma mais transversal. ”“Quem aprende línguas estrangeiras terá um cérebro preparado para aprender qualquer outra coisa”, disse recentemente ao PÚBLICO Pasi Sahlberg, conselheiro do Ministério da Educação finlandês — o sistema de educação da Finlândia é apontado como um exemplo para o mundo e é bilingue, finlandês e sueco. No fórum sobre inovação e ensino da língua, que se realizou em Boston, em Março, Paola Ucelli, professora em Harvard, tal como Sahlberg, afirmou que “a proficiência linguística é um factor-chave para a equidade do sistema educativo”. Ao contrário da OCDE que não estabelece comparação entre aquisição de conhecimento e domínio de línguas, a Education First, organizadora da conferência de Boston, publica um índice de proficiência em inglês. Nele, Portugal aparece em 21. º lugar entre 63 países. Para o ano, a avaliação irá reflectir as alterações efectuadas pelo Ministério da Educação e Ciência, com testes a nível internacional que avaliam os conhecimentos no 9. º ano. Falamos do ensino público em Portugal. A experiência de Craig Monaghan no St. Julian’s é distinta. “A maioria dos nossos alunos são portugueses e muita da nossa cultura informal tem raízes em Portugal e não no Reino Unido”, sublinha, antes de dizer que a principal vocação do ensino naquela escola é a internacionalização. O grande desafio apontado por Craig Monaghan é desenvolver a língua académica numa criança. Na escola que dirige, isso pode conseguir-se com o inglês e ou com o português. Não se faz apenas com a aprendizagem de terminologia, mas com o cultivo de um estilo na escrita. “O nosso maior esforço vai no sentido de assegurar que a linguagem académica se reflicta numa prosa analítica e concisa e que isso se conjugue com uma voz própria da criança”, nota, enquanto faz a distinção dos objectivos que advêm de ter inglês como primeira ou segunda língua, opções que a escola oferece. “Na primeira língua estuda-se muito mais literatura. Na segunda, os estudantes tendem a olhar mais de perto para os mecanismos da linguagem. Contudo, no fim do seu percurso no St Julian’s, todos os estudantes aprenderam literatura na sua segunda língua. ”“Nada pode ser visto a partir apenas de uma única perspectiva”, defende Daniela Santos, que desconhecia as conclusões do estudo de Angela de Bruin, uma holandesa professora na universidade de Edimburgo que ficou fascinada pelo universo bilingue e se doutorou com uma tese sobre a influência do bilinguismo no desenvolvimento cognitivo. Concluiu que por vezes o bilinguismo é sobrevalorizado. “Não digo, de modo algum, que não há vantagens em ser bilingue”, declarou à New Yorker, acrescentado, contudo, que essa vantagem pode ser diferente do modo como muitos investigadores a têm tratado: “Como um fenómeno que ajuda as crianças a desenvolver as suas capacidades, a saltar de uma tarefa para outra de forma mais eficaz, que melhora o controlo executivo das suas funções. ” Para Angela de Bruin, essas capacidades resultam de uma única coisa, “da simples aprendizagem”. Pedro e Yang falam das suas filhas individualmente. A abordagem de uma à linguagem é diferente da outra. A primeira palavra de Ari foi em português, a de Juno em coreano. Juno sabia todas as letras do alfabeto aos dois anos, Ari aos três ainda as vai aprendendo. “Uma não é mais inteligente do que a outra, mas são muito diferentes”, refere Pedro, e acrescenta que “Juno constrói gramaticalmente bem as frases, mas com sotaque estrangeiro em coreano. De vez em quando, constrói frases com traduções literais do português para o coreano”. Yang sintetiza: “É como se falasse coreano com a gramática portuguesa. ”Fala-se em aprender. Seja línguas ou matemática ou expressão plástica. É também com base nisso que Frederico Lourenço confessa ter acima de tudo “um preconceito fortíssimo” contra o monolinguismo. “Acho que toda a gente deve falar pelo menos uma outra língua superlativamente bem. Não é ‘arranhar’ um pouco de inglês ou de francês: é fazer um esforço para atingir um patamar elevadíssimo nessa língua. Ter só uma língua é muito pobre. Por outro lado, não vejo vantagem em saber mal e porcamente seis ou sete línguas, como é o caso de muitos auto-intitulados poliglotas. Dominar fantasticamente três línguas é o ideal. Toda a gente devia tentar. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
REFERÊNCIAS:
Entidades OCDE
O PS de Costa é a estrela no PSE, um partido em luta para não ser irrelevante
O primeiro-ministro português ainda não falou, nem precisou disso, para ser o exemplo que serve de base à estratégia dos socialistas europeus. (...)

O PS de Costa é a estrela no PSE, um partido em luta para não ser irrelevante
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.5
DATA: 2018-12-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: O primeiro-ministro português ainda não falou, nem precisou disso, para ser o exemplo que serve de base à estratégia dos socialistas europeus.
TEXTO: Não será por acaso que os socialistas europeus se juntam pela segunda vez consecutiva em Lisboa. Também não será por acaso que Fernando Medina sugeriu que a contabilização da influência socialista na Europa se fizesse em presidentes de câmara, e não em primeiros-ministros - é que o número destes, apenas seis, é o espelho das dificuldades dos socialistas europeus na conquista do eleitorados e a acção de três desses governantes também não orgulha o partido. Nesta reunião dos socialistas europeus percebe-se que o partido tenta definir uma estratégia para combater o populismo, primeiro; os “conservadores”, depois; e, sobretudo, percebe-se que o Partido Socialista Europeu (PSE) luta, antes de tudo, para não se tornar irrelevante, depois das eleições europeias que ameaçam dar uma machadada na bancada parlamentar da Aliança Progressista dos Socialistas & Democratas (S&D). O PSE encolheu nos últimos anos e receia tornar-se ainda menor nas eleições europeias de 26 de Maio de 2016. Uns após outros, responsáveis do partido foram desfilando pelo palco no ISCTE a defender que esta é uma batalha para a qual têm de ter uma nova abordagem - “radical”, defenderam alguns; sem “ambiguidades”, diria mais tarde Augusto Santos Silva. Para portugueses e estrangeiros, o inimigo principal é o “populismo” que nos discursos aparece com vários nomes, como “nacionalismo”, “extrema-direita” ou aqueles que não defendem o Estado de direito. O Governo de Costa é exaltado, Jeremy Corbyn é o esperado, logo ele que é líder dos trabalhistas do primeiro país que à beira de sair da União Europeia. Talvez por isso seja o melhor exemplo para as centenas de delegados de vários países que se reuniram em Lisboa para definir a estratégia para as eleições europeias. Essa, defendeu Corbyn no seu discurso de 25 minutos, tem de mostrar os erros da austeridade que levou muitos a voltarem costas aos socialistas e sociais-democratas, com “danos na sua credibilidade”, e a votarem ao lado de populistas ou em soluções como o "Brexit", “porque estavam zangados”. O diagnóstico está feito e a cura passa por “políticas progressistas” como aquelas que foram levada a cabo em Portugal, que mostraram que “há um caminho melhor”, defendeu o inglês, e por rejeitar a “ortodoxia” económica, leia-se dos novos liberais. Um caminho que tem de ser “para muitos, e não para alguns”, repetiu. O chavão mais usado pelos socialistas europeus é uma palavra que dificilmente pode ser usada em cartazes. Ser “progressista” não entra nos ouvidos dos eleitores, apesar de dizer muito a estes delegados que em Lisboa defenderam a necessidade de “abrir as portas e janelas”, disse Udo Bullmann, membro do SPD alemão, que se bateu por uma política migratória inclusiva e não “antimigrantes”, ou pela necessidade de adoptar políticas amigas do ambiente, políticas equitativas entre homens e mulheres e respeitadoras dos direitos humanos. António Guterres, aliás, foi um dos portugueses mais referidos, ou não se celebrasse na segunda-feira o 70. º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. A proclamação de valores, mais do que de soluções ou de políticas, ocupou o espaço do congresso deste que foi um dos maiores partidos europeus que agora luta para não ir ao fundo. No campo da política, o inimigo número um dos do PSE tem várias caras. “Não é legítimo que os socialistas democráticos sejam ambíguos no que tem de ser a sua luta básica contra populismos, xenofobia e nacionalismos”, defendeu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Mas não é qualquer populismo ou autoritarismo. São todos. “Não podemos ser ambíguos para com regimes autoritários, venham da direita ou esquerda, sejam da Europa, América Latina, África ou asiáticos. Nós somos socialistas, por isso somos pelas democracias liberais. Temos de lutar contra toda a forma de regimes autoritários”, defendeu o governante numa curta intervenção durante a tarde. Esta luta será, na opinião de Carlos Zorrinho, uma luta de dois combates. “Vão ser travados dois combates fundamentais que não se confundem. O primeiro combate é o da sobrevivência do projecto europeu e dos seus valores, é vencer os anti-europeus. E o segundo combate é mostrar que, dentro dos que defendem a Europa, há uma alternativa”. “Temos de vencer os anti-europeus, consolidar a maioria pró-europeia” e isso será feito se os socialistas conseguirem captar o “voto útil”. “Não haverá voto mais útil do que aqueles votos que forem canalizados para os socialistas e sociais-democratas, e para o PS em Portugal. É o voto útil que serve para salvar o projecto europeu de radicalismos”, disse Zorrinho. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pela mesma bitola alinhou o secretário-geral do PSE, o alemão Achim Post, que defendeu que as eleições de Maio do próximo ano serão uma “escolha entre conservadores e socialistas”. Esta sexta-feira foi o primeiro dia da reunião dos socialistas, que consagrou o holandês Frans Timmermans como o candidato do PSE à Comissão Europeia, uma escolha feita antes da chegada à reunião em Lisboa. Este sábado será a vez de subirem ao palco três primeiros-ministros socialistas, António Costa, o espanhol Pedro Sanchéz e Joseph Muscat, de Malta.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS