E que mal há em dizer isto?
Ganhou fama nas redes sociais e a sua influência chega a todos os cantos do mundo. Suspeita-se de que Mizanur Rahman seja um dos grandes recrutadores do Estado Islâmico. (...)

E que mal há em dizer isto?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ganhou fama nas redes sociais e a sua influência chega a todos os cantos do mundo. Suspeita-se de que Mizanur Rahman seja um dos grandes recrutadores do Estado Islâmico.
TEXTO: Mizanur Rahman está sentado num café de Palmers Green. Debaixo da sua longa túnica preta, tipicamente muçulmana, está escondida uma pulseira electrónica. As autoridades britânicas suspeitam de que ele seja um dos recrutadores do autoproclamado Estado Islâmico, por isso vigiam de perto todos os seus movimentos e confiscaram-lhe o passaporte. Está proibido de se encontrar com mais de duas pessoas ao mesmo tempo, e todas as noites tem recolher obrigatório para a sua casa no norte de Londres, onde é obrigado a pernoitar. E, o que é mais difícil para Rahman, está proibido de tocar em qualquer aparelho com ligação à Internet. Rahman é conhecido pelos discursos longos e fervorosos de exortação ao Estado Islâmico, que publica na Net. Apoia declaradamente um califado global, uma pátria governada pela sharia (a lei islâmica), que segundo ele é um sistema económico, jurídico e político superior à democracia. Pretende que o Reino Unido adopte a sharia e diz que um dia a bandeira preta do EI esvoaçará na Casa Branca. Enquanto bebe uma chávena de chá Earl Grey com leite, comenta que provavelmente os islamistas irão conquistar Washington pela força militar, mas garante que isto não significa que ele defenda a violência. Ainda assim, argumenta, o conceito de espalhar o islão pela força não é menos nobre do que os países ocidentais invadirem o Iraque e o Afeganistão para espalharem a democracia. Numa conversa telefónica, na semana passada, Rahman comentava que os atentados do EI em Paris, a 13 de Novembro [que fizeram 130 mortos], foram “uma consequência inevitável” da participação francesa nos ataques aéreos da coligação contra Raqqa, a cidade síria declarada capital pelos islamistas. “Acho que ninguém pode ficar realmente surpreendido com aquilo que aconteceu”, diz. “Na guerra, as pessoas bombardeiam-se umas às outras. Acho que esta é uma oportunidade para os franceses sentirem empatia com as pessoas de Raqqa, que sofrem um impacto bastante parecido sempre que os ataques franceses as atingem — as vítimas civis, o choque, o stress. A raiva que devem estar a sentir neste momento contra o Estado Islâmico é o mesmo tipo de raiva que as pessoas da Síria e do Iraque sentem em relação a França. ”Rahman não tem uma presença impositiva. Ligeiramente encorpado, um metro e 65 de altura, uma barba negra rala. É calmo, articulado e charmoso — mesmo que argumente que decapitar jornalistas americanos, como faz o Estado Islâmico, não é pior do que os Estados Unidos matarem muçulmanos civis em ataques de drones. “Eu promovo a sharia porque acho que é o melhor [sistema]”, comenta o antigo contabilista e web designer durante a entrevista no café londrino. “Acho que é melhor do que aquilo que temos. E que mal há em dizer isto?”Muito, dizem as autoridades em Londres e Washington, que acreditam que este homem de 32 anos é uma figura central do círculo mundial de pregadores, professores e verdadeiros crentes, cuja eficaz propaganda online é fundamental para o poder de atracção do Estado Islâmico. Dizem que os seus milhares de tweets e posts no Facebook e as leituras inflamadas no YouTube pretendem inspirar jovens vulneráveis — de Londres, a Chicago, até Nova Deli — a juntar-se ao grupo que decapita, crucifixa, queima e afoga inimigos em nome de Deus. Num sermão no ano passado, publicado no seu canal no YouTube, Rahman manifestou-se contra os EUA e exortou os muçulmanos a “acordarem e unirem-se pelo califado!” Mas sem nunca dizer explicitamente a ninguém para cometer actos violentos. “Parem de jogar e de ficar à margem, simplesmente a olhar: ‘Oh, os americanos estão a matar os nossos irmãos [no califado]. O que é que eles vão fazer?’”, lançou num tom de voz crescente. “Façam alguma coisa em relação a isso!”Em Agosto, o Reino Unido acusou-o de “instigar ao apoio” ao Estado Islâmico, e se for condenado enfrenta uma pena que pode ir até dez anos de prisão. Agora está a aguardar o julgamento em liberdade, com uma caução e duras restrições, incluindo a pulseira electrónica. Os governos ocidentais dizem que confrontar os responsáveis da propaganda é vital para combater o recrutamento e, consequentemente, derrotar o Daesh. Por isso a pressão sobre Rahman e outros proselitistas tem aumentado. “Ele é perigoso porque cria as condições para que a ideologia extremista seja vista como normal”, comenta Peter Fahy, um polícia de Manchester que recentemente passou à reforma e que tem ajudado a polícia britânica a tentar conter a radicalização. “Ele é o início da rampa de lançamento no percurso para o extremismo. ”Um alto responsável da agência americana de combate ao terrorismo, que pede para não ser identificado de forma a poder falar sobre questões altamente sensíveis dos serviços secretos, descreve Rahman como alguém que exerce uma “influência significativa” e que faz parte de uma rede mundial de promotores do EI. No café, Rahman afirma que as acusações contra ele são ridículas e antimuçulmanas. Diz que não fez nada a não ser pregar as virtudes do islão e que nunca recrutou ninguém para se juntar especificamente ao Estado Islâmico, nem apelou a ninguém para cometer actos violentos. “Eu não faço recrutamentos para o ISIS. Não faço parte deles”, afirma Rahman, que nasceu em Londres e tem uma pronúncia britânica perfeita. “Isto é uma caça às bruxas. Se temos uma ideologia diferente de como o governo ou o país devem ser geridos, eles atacam-nos e rotulam-nos terroristas. ”O caso de Rahman ilustra bem os desafios que os países que defendem a liberdade de expressão enfrentam na sua tentativa de levar a tribunal os defensores do EI. Como impedir que se ultrapasse a linha cinzenta que separa a liberdade de expressão do incitamento à violência?“Ele leva-os à beira do abismo e depois são eles que têm de decidir se dão o passo em frente — e as autoridades têm uma extrema dificuldade em lidar com isso”, diz Peter Neumann, presidente do Centro Internacional para o Estudo do Radicalismo do King’s College, em Londres. Segundo Neumann, Rahman é um dos poucos “faróis” das redes sociais, servindo de guia para as pessoas vulneráveis que procuraram respostas. Adianta que Rahman é habilidoso na persuasão de muçulmanos de que é seu dever religioso jurar obediência ao líder do Estado Islâmico, argumentando que Deus quer o mundo reunido sob um califado — sem sequer apelar abertamente a que eles se mudem para a Síria ou o Iraque [onde o EI domina um território superior à área do Reino Unido]. “Se tivermos em conta tudo o que ele diz, é óbvio que está a defender que se vá para lá, mas ele não diz ‘Vão para lá’”, adianta Neumann. Rahman nem sempre conseguiu manter-se no lado certo da lei. Passou dois anos na prisão, entre 2006 e 2008, por ter feito um discurso condenando a publicação de cartoons do profeta Maomé por parte de um jornal dinamarquês. Numa manifestação, afirmou desejar que os soldados britânicos no Iraque “voltassem para casa em sacos” e que queria “ver o seu sangue a correr pelas ruas de Bagdad”. Afirma que mantém o que disse, mas admite que as declarações foram proferidas num momento “tenso” em que muçulmanos de todo o mundo se sentiam atacados pelos cartoons e a guerra no Iraque. Adianta que pedir a Deus que os soldados britânicos fossem mortos no que considerava uma guerra injusta contra o islão foi incendiário, mas que não incitou os rebeldes de Bagdad à violência. “Não acho que eles fossem orientar as suas políticas com base no que dizia um miúdo de 22 anos que ninguém conhecia, durante um comício em Londres”, declara. Mas, para frustração das autoridades britânicas, Rahman tornou-se uma estrela das redes sociais desde que foi para a prisão. E tem sido mais cuidadoso em relação à lei quando lança a sua verborreia de apoio ao califado. Quando lhe perguntamos se gosta de “brincar” com a linha que separa o discurso legal do ilícito, Rahman sorri e responde: “Isso é uma boa caracterização daquilo que eu realmente faço. ” “Tendo a conhecer a lei melhor do que a polícia”, adianta. A polícia acusa-o de radicalizar jovens muçulmanos, sendo ele profundamente influenciado por um pregador mais velho. Rahman nasceu em Londres em Junho de 1983, filho de pais que emigraram do Bangladesh. Cresceu a jogar basquete, a ouvir música pop e a divertir-se com videojogos. A família era muçulmana mas não muito religiosa, e ele frequentou escolas protestantes da zona, geridas pela Igreja Inglesa. Quando se tornou adolescente, o pai, engenheiro, começou a pressioná-lo sobre o que ele queria fazer da sua vida. Disse-lhe para estudar Medicina, como o irmão, ou Direito — nenhum dos cursos o atraía. Sentiu-se desnorteado, até que um dia, em Janeiro de 2001, aos 17 anos, conheceu Omar Bakri Mohammed. Bakri, nascido na Síria, tornar-se-ia depois um dos pregadores islamistas mais famosos de Londres; em 2004, garantiu que os muçulmanos dariam ao Ocidente “um 11 de Setembro a cada dia que passa”. Foi a força motriz por trás de dois grupos que acabariam por ser proibidos pelo Governo britânico: o Hizb ut-Tahrir e o al-Muhajiroun. Está preso no Líbano, onde procurou exílio depois de lhe ter sido recusada entrada no Reino Unido em 2005, por se considerar que a sua presença “não conduzia ao bem público”. Quando Rahman ouviu pela primeira vez Bakri pregar numa mesquita perto da sua casa de infância em Palmers Green, sentiu-se inspirado. “Descobri todo um mundo de islão. Vi quão vasto era, quão incrível era”, diz Rahman. “Apercebi-me de que desperdicei toda a minha vida a aprender coisas que eram inúteis para mim, a fazer desenhos em [disciplinas de] Arte. É preciso dizer uma coisa sobre a arte. Ainda gosto, mas não é isso que é importante na vida. Não responde ao sentido da vida. ”Anulou os seus planos de ir para a universidade e em vez disso começou um curso intensivo de cinco anos com Bakri. Diz que isso lhe deu um conhecimento profundo e agora considera-se um especialista em teologia islâmica e na sharia. “O islão é muito mais do que um livro com uma história antiga. É na verdade um código para a vida”, defende, acrescentando que o islão contém as instruções para tudo, desde a higiene pessoal às relações internacionais. “Não são apenas longos discursos medievais. ”Afirma que o pai ficou preocupado quando ele começou a falar em espaços públicos com o seu novo fervor e roupas conservadoras, e prevendo que “o Governo não iria gostar”. Rapidamente se comprovou que estava certo. A primeira detenção foi em Fevereiro de 2002, quando foi multado em 50 libras (64 euros) por arrancar um póster de uma banda pop que tinha a imagem de mulheres com pouca roupa, o que ele considerava uma indecência. Na Primavera de 2005, durante as eleições legislativas, foi novamente multado por colocar cartazes a dizer “Muçulmanos não votem” na sede do Partido Trabalhista. Na sua opinião, os muçulmanos não deveriam aceitar nenhuma lei redigida pelo homem ou participar em nenhuma forma de governo que não seja regido pela sharia. Quando em 2006 foi condenado à prisão, depois da publicação dos cartoons dinamarqueses, já se tinha tornado uma inspiração para outros muçulmanos radicalizados. Um jovem nigeriano convertido ao islão, Michael Adebolajo, foi preso por ter atacado dois polícias à porta da sala de audiências de Old Bailey, onde decorria o julgamento de Rahman. Em 2013, Adebolajo e outro homem mataram o soldado britânico Lee Rigby, quase o decapitando numa rua de Londres. “A coisa mais importante que aprendi na prisão foi a ser paciente”, diz Rahman. “A paciência é muito subvalorizada. Aprendemos a lidar com as coisas, a resistir. ”Os analistas apontam para uma mudança geracional entre os pregadores mais radicais da capital britânica, que nos últimos anos se tornou um dos principais centros de proselitismo islâmico em língua inglesa. Neumann adianta que o herdeiro de Bakri é Anjem Choudary, que também estudou com ele durante vários anos, e que tem sido um amigo próximo e mentor de Rahman. Mas agora que Choudary está quase com 50 anos, diz Neumann e outros analistas, a tocha irá passar para Rahman. Consideram que ele representa a nova geração de discípulos com conhecimentos em tecnologia, imersos nas redes sociais e na cultura da juventude, levando a mensagem de Bakri e usando ferramentas modernas para inspirar os jovens. “Ele é o príncipe herdeiro”, diz Neumann. O seu alcance é global: uma mulher indiana, Afsha Jabeen, que está a ser investigada por promover o Estado Islâmico, disse às autoridades indianas que seguia os discursos e textos de Rahman, segundo notícias publicadas na Índia. Depois de o Daesh ter declarado o califado, em Junho de 2014, Rahman usou os seus sermões online para saudar os que “derramaram o seu sangue” e “lutaram a jihad” para criar o primeiro califado desde que o califado otomano foi abolido, em 1924. “Há 90 anos que as pessoas esperavam um califado”, comentou num discurso a 2 de Julho de 2014, publicado no YouTube. “Algumas pessoas estiveram à espera e algumas pessoas estiveram a trabalhar pelo califado. Esta é a diferença entre aquele que esteve sentado à espera na mesquita, rezando e esperando que ele caísse do céu, e aqueles que se têm sacrificado e derramado o seu próprio sangue, a sua saúde, e que vão para a prisão, viajam para os territórios, combatem a jihad, trabalham para estabelecer o califado na Terra!”Rahman diz que também ele adoraria levar a família para o califado, mas queixa-se de que as autoridades britânicas lhe tiraram o passaporte. Numa quinta-feira, a 7 de Agosto de 2014, Rahman estava ao computador publicando a sua torrente habitual de tweets e posts no Facebook. Criticou os EUA, twitando “As pessoas têm visto demasiados filmes de Hollywood e acham que os EUA são imbatíveis”. Depois, chegou-lhe uma mensagem de @lionofthed3s3rt, a conta no Twitter de Mohammed Hamzah Khan, um adolescente americano de um subúrbio de Chicago. Khan, de 19 anos, estava a pensar ir para a Síria com a irmã e o irmão mais novos para se juntar aos combatentes radicais. Mas primeiro queria fazer umas perguntas a Rahman sobre o autoproclamado Estado Islâmico. Usando uma mistura de árabe e inglês, Khan perguntou se era suficiente pregar sobre o califado a muçulmanos que não estavam disponíveis para se juntarem: “o q dizes [às] pss q defendem [que pregar] é mais importante agora?” A resposta de Rahman foi imediata e directa, e nos 40 minutos seguintes enviou oito tweets ao adolescente, dizendo-lhe que era seu “dever” como muçulmano “aceitar” e “obedecer” ao “califa” — o líder do EI, Abu Bakr al-Baghdadi. “É [preciso] declarar e prestar [um juramento de obediência] imediatamente. ”Os seus tweets davam a justificação religiosa para a obrigação de obediência ao califa. Mas nenhum deles dizia especificamente a Khan que devia ir para a Síria. E acrescentava que jurar obediência era uma questão de “cada um, de acordo com as suas próprias capacidades”. Menos de dois meses depois, Khan e os irmãos mais novos, de 17 e 16 anos, foram detidos no Aeroporto Internacional de O’Hare a caminho da Síria. No mês passado, Khan deu-se como culpado de dar apoio material a uma organização terrorista e enfrenta uma pena de 15 anos de prisão. Charlie Winter, investigador da Quilliam Foundation, diz que os tweets se encaixam perfeitamente no padrão de Rahman. “Ele está a dar a justificação ideológica para a adesão a um grupo como este”, afirma Winter. “Faz a pessoa com quem está a falar sentir-se muito especial porque ele é muito conhecido. O acesso a líderes importantes do EI faz com que a sua estratégia de alcance seja muito mais eficiente. ”No café de Londres, quando lhe mostramos uma cópia da sua troca de tweets com Khan, Rahman diz lembrar-se dele. Faz notar que em parte alguma diz a Khan para ir para a Síria. Perguntamos-lhe o que sente por, dois meses depois de ter dito a Khan para prestar obediência a Baghdadi, o jovem americano tenha tentado chegar à Síria. “Fico indiferente”, responde. “Não estou a responder a perguntas para tentar ou inspirar as pessoas nem nada desse tipo. Falo por dever islâmico. Falo por dever a Deus. ” Diz que não se sente culpado pela detenção de Khan. “Não tenho nada que me sentir culpado”, afirma. “Fizeram-me uma pergunta, eu respondi a uma pergunta. Se isso te inspira a ir viver para lá, é contigo. ”Rahman foi preso em Setembro de 2014 acusado de “incitar ao terrorismo” e de pertencer a um grupo proibido; diz que nunca o informaram de que grupo se trata. Foi detido juntamente com Choudary e com o seu amigo de infância, Siddhartha Dhar, também conhecido como Abu Rumayasah. Pouco tempo depois, Dhar saiu sob caução e deixou secretamente o país juntamente com a mulher e os filhos pequenos. Em Novembro de 2014, postou no Twitter uma fotografia dele na Síria, com o filho recém-nascido num braço e uma espingarda no outro. Rahman apresentou Dhar a Bakri e encorajou a sua conversão ao islão. Agora, Dhar é um importante porta-voz na Internet e propagandista do Estado Islâmico, e o seu velho amigo saúda-o através do Twitter. Há dois meses, as autoridades britânicas voltaram a deter Rahman e Choudary e juntaram novas acusações de “incitamento ao apoio” ao Estado Islâmico através de sermões divulgados na Internet. Depois de um mês na prisão, Rahman pagou uma caução e aguarda o julgamento em liberdade. Diz que chegou a ter um pequeno negócio em que ajudava as pessoas em contabilidade e web design, mas que a sua fama torna impossível angariar clientes. Ele e a mulher, e os seus três filhos, voltaram a viver com a mãe, na pequena casa onde ele cresceu. O Governo do primeiro-ministro David Cameron anunciou recentemente um novo combate ao extremismo e aos que radicalizam fiéis. O executivo tem sido louvado por muitos, mas também criticado por privilegiar a segurança em nome da liberdade de expressão e das liberdades pessoais há muito consagradas. “Vemos a frustração nos olhos deles: ‘Estes tipos não violam a lei, por isso como é que conseguimos travá-los?”, lança Rahman. “Acho que houve muita pressão para se dizer ‘Ouçam, temos de acusar estes tipos de alguma coisa’. ”Doug Weeks, investigador convidado da London Metropolitan University, que entrevistou exaustivamente Rahman e Choudary, é da opinião de que a acusação será o “grande teste” numa altura em que o Reino Unido tenta equilibrar segurança e liberdade de expressão: “Este julgamento pode ser um momento definidor da lei britânica. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Exclusivo PÚBLICO/The Washington PostCom Adam Goldman, em Washington, e Karla Adam, em Londres
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
"É ilusório pensar que o Estado-nação constitui um casulo protector contra a globalização"
Sandrine Kott é professora de História Europeia Contemporânea na Universidade de Genebra e é uma das mais reputadas especialistas na história do Estado social e das relações de trabalho na Europa. (...)

"É ilusório pensar que o Estado-nação constitui um casulo protector contra a globalização"
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sandrine Kott é professora de História Europeia Contemporânea na Universidade de Genebra e é uma das mais reputadas especialistas na história do Estado social e das relações de trabalho na Europa.
TEXTO: Sandrine Kott tem uma obra extensa e de referência na história do Estado social e das relações de trabalho na Europa, sobretudo em França e na Alemanha. Recentemente co-editou Globalizing Social Rights. The International Labour Organization and Beyond (2013) e Nazism across Borders (2018). É ainda autora de Day to Day Communism. State Enterprises in East German Society (2014). O internacionalismo tem sido um tópico negligenciado na história. Tal tem mudado recentemente. O que explica uma e outra coisa?Durante muito tempo, os historiadores cujas carreiras e redes profissionais se organizavam estritamente à escala nacional, negligenciaram o internacionalismo como realidade ideológica, social e política. Hoje, os estudos em torno deste tema têm-se multiplicado e assumido várias formas, reflectindo não só a internacionalização da profissão, mas também novas preocupações. Em resposta à globalização económica que vivemos, os historiadores da economia têm produzido múltiplos trabalhos sobre as interligações económicas e sobre a financeirização global. Na realidade, estes trabalhos inscrevem-se numa corrente já antiga que, desde a Segunda Guerra Mundial, se foca nas “economias-mundo”, sobretudo em épocas mais recuadas. Os trabalhos sobre o Mediterrâneo de Fernand Braudel (1949) ou sobre Sevilha e o Atlântico de Pierre Chanu (1959) constituem fontes de inspiração, apesar de frequentemente esquecidos pelos nossos colegas norte-americanos. Ainda assim, é verdade que os historiadores da economia contemporânea trabalham muitas vezes sobre períodos mais recentes e interessam-se mais pelas questões financeiras do que pelas trocas comerciais. C’est dans l’air du temps. Onde se nota mais esse interesse recente?É sobretudo no campo da história social, cultural e política que a atenção dada à dimensão internacional levou a uma forte renovação das abordagens analíticas. Certos temas tradicionalmente estudados no contexto nacional, como a imigração ou as guerras, passaram a ser tratados do ponto de vista internacional. Os historiadores privilegiam cada vez mais o estudo de fluxos migratórios a partir dos países de origem, ou de fenómenos de hibridização, relativamente às análises das legislações nacionais sobre a imigração ou às formas de integração num espaço nacional delimitado. Da mesma maneira, as guerras, tradicionalmente estudadas sob o ângulo duma expressão agudizada do nacionalismo, que elas de facto são, podem também ser vistas como momentos de troca internacional. Numa perspectiva de “conhecer o seu inimigo”: os governos dos países em guerra inspiraram-se mutuamente na planificação das suas economias de guerra, por exemplo. Por outro lado, a constituição de organizações internacionais após as guerras decorre certamente do objectivo de preservar a paz, mas é também fruto das trocas que tiveram lugar entre as forças beligerantes durante os conflitos. As associações e organizações internacionais que durante muito tempo foram negligenciadas pelos historiadores tornaram-se, por isso, objectos ou terrenos de investigação particularmente populares. O internacionalismo nunca foi incompatível com projectos nacionalistas e com a ideia de um “mundo de nações”. Porquê?O século XIX marcou a emergência e a consolidação das nações na Europa ocidental, tanto na definição daquilo que elas incluíam como daquilo que elas excluíam. Ora, é neste mesmo período que se difundem os projectos internacionalistas, como as associações e organizações internacionais. Esta concomitância revela de facto uma relação complexa entre o nacionalismo e o internacionalismo. O nacionalismo é ele mesmo um projecto internacional, na medida em que se impõe como um modelo universal de organização política durante o século XX. É, aliás, a generalização do modelo de Estado-nação que torna possível, mas também necessária, a criação de associações e de organizações internacionais. O carácter internacional destas associações e organizações define-se pelo facto de elas constituírem espaços onde representantes (oficiais ou não) de estados diferentes se encontram de forma regular para discutir questões que vão além do perímetro nacional. Nestes espaços internacionais, as lógicas nacionais estão duplamente presentes: por um lado, os representantes nacionais defendem os interesses específicos dos seus governos nacionais, por outro, funcionários, especialistas internacionais, e até mesmo activistas obtiveram as suas formações em espaços nacionais, onde não raramente se ligaram de forma estreita a redes nacionais de origem. Isto não impede, contudo, a emergência de projectos e lógicas internacionais. Estes inscrevem-se na formulação de causas cuja dimensão internacional está menos ligada ao facto de elas serem defendidas por actores de várias nações do que ao facto de elas apresentarem uma mensagem que é global: as associações contra a escravatura no final do século XVIII são disto um caso exemplar. Na sua maioria de origem anglo-saxónica, elas defendem uma mensagem que é universal e que as torna “internacionais”. Hoje, as associações de defesa dos direitos humanos ou do ambiente, de um modo geral centradas no Ocidente no que à criação e composição diz respeito, assumem-se como “internacionais”. Além disso, tanto nas organizações intergovernamentais como nas associações internacionais, funcionários, especialistas internacionais e activistas elaboram análises e métodos de trabalho que se inspiram em diferentes culturas nacionais e se enriquecem mutuamente. Criam-se assim normas e soluções internacionais que podem posteriormente servir de inspiração aos decisores nacionais, e das quais diferentes grupos sociais, em contextos nacionais diversos, se podem apropriar. São, portanto, realidades interdependentes?De tudo isto decorre claramente que o nacionalismo e o internacionalismo são realidades co-construídas e que, contrariamente ao que certos discursos nacionalistas afirmam, o internacionalismo não constitui de forma nenhuma uma ameaça contra o Estado-nação ou contra as identidades nacionais. Pelo contrário, permite um espaço de expressão e de enriquecimento. O internacionalismo tem sido tradicionalmente associado a projectos “liberais” ou “socialistas”, mas existiram (e existem) várias modalidades de internacionalismo. Pode falar-nos um pouco sobre esta diversidade de processos históricos?Os historiadores trabalharam inicialmente sobre os projectos liberais e socialistas porque, surgindo de certa forma com os Estados-nação, são os primeiros a apresentar-se aberta e claramente como internacionalistas. São, aliás, o espelho um do outro. Se Marx propunha que os proletários não tinham pátria e que se deviam organizar internacionalmente, isso decorria de o capitalismo liberal ser, também ele, internacional. Estes dois projectos organizam-se em modalidades políticas precisas: grandes associações internacionais multiplicam-se ao longo do século XIX. Do lado socialista, está a Associação Internacional de Trabalhadores, criada em 1864, e mais tarde a Internacional Socialista, criada em 1889. Do lado liberal, verificamos uma multitude de congressos, movimentos e associações que geram, a partir do século XIX, mas sobretudo no início do século XX, grandes organizações internacionais. Como a Sociedade das Nações. . . A Sociedade das Nações (SDN), fundada em 1919, no seguimento da Primeira Guerra Mundial, e que precede a Organização das Nações Unidas, exclui inicialmente a então nova União Soviética e todos os países colonizados (excepto a Índia) da possibilidade de adesão. O seu internacionalismo era estritamente limitado pela forma como as grandes potências ocidentais vitoriosas o concebiam. A SDN é rodeada por uma multitude de organizações e associações internacionais que se inspiram igualmente duma visão liberal do mundo e que são dirigidas pelas elites sociais desses mesmos países. Neste contexto, os comunistas criam um internacionalismo concorrente fortemente centrado na defesa da União Soviética como primeiro país comunista. O movimento comunista internacional organiza, ademais, populações trabalhadoras numa miríade de organizações e permite a participação aos povos colonizados. Esse internacionalismo concorrente, que consegue atrair uma parte dos países recentemente descolonizados, constitui uma verdadeira alternativa e abre a porta à contestação do projecto liberal, favorecendo soluções de terceira via. Contudo, ao longo da década de 1970, as patentes falhadas da economia planificada, assim como a denúncia repetida de desrespeito pelas liberdades e direitos humanos, enfraquecem consideravelmente o projecto universalista comunista. O projecto internacionalista que dele decorre perde assim, e de forma definitiva, a sua força de atracção. Os projectos internacionalistas não começam ou terminam nessas duas manifestações. Pode dar exemplos?Há outras formas de internacionalismo. O mais antigo e mais poderoso é o internacionalismo cristão que se organiza de maneira centralizada no catolicismo (podemos mesmo considerar o catolicismo como a mais antiga organização internacional) ou em redes mais difusas no caso do protestantismo. Além da mensagem universal largamente difundida no mundo, o cristianismo ou o islão, que são religiões prosélitas, também inspiraram a criação de múltiplas associações internacionais, especialmente de carácter caritativo, mas não só. Ao longo do século XIX, por exemplo no campo sindical, estas associações podem mesmo produzir um internacionalismo rival dos dois primeiros. A sua força vai-se intensificando, especialmente nas últimas décadas do século. Finalmente, os historiadores têm-se debruçado mais recentemente sobre o internacionalismo fascista e de extrema-direita. Eles mostraram, como demonstram hoje as iniciativas de Steve Bannon, que, apesar do seu nacionalismo declarado, os movimentos de extrema-direita estão estreitamente ligados e que os seus líderes mantêm diálogo constante entre si. Os movimentos e governos populistas ou de extrema-direita inspiram-se também uns nos outros na formulação das suas agendas políticas. O salazarismo português serviu de inspiração a outros regimes cristãos e conservadores a partir dos anos 30. É o caso do marechal Pétain, em França, durante a Segunda Guerra Mundial. Os nazis, por seu turno, criaram organizações e movimentos internacionais que eles utilizaram sobretudo para tentar difundir o seu modelo de organização política e social. O internacionalismo nazi é uma forma disfarçada de imperialismo, como mostram as organizações internacionais que ele inspira, todas centradas em torno da celebração do Grande Reich alemão. Esta diversidade lembra-nos que o internacionalismo é, tal como o nacionalismo, um instrumento de inclusão, mas também de exclusão, e até de discriminação. É por isso importante ficar atento às formas precisas que o projecto internacional assume. Nas últimas décadas tem trabalhado sobre a história da “globalização dos direitos sociais”. Quais são os seus aspectos fundamentais?A questão dos direitos sociais constitui uma belíssima ilustração da dialéctica complexa que une o nacionalismo e o internacionalismo e dos efeitos perversos do discurso nacionalista. A partir do primeiro terço do século XIX, alguns grandes industriais, preocupados com a necessidade de uma mão-de-obra qualificada e em boa saúde, procuraram limitar e enquadrar o trabalho das crianças e das mulheres, dois grupos excluídos das organizações políticas e sindicais e por isso impossibilitados de se fazer ouvir. Eles consideraram, contudo, que a regulação do trabalho num só país iria prejudicar a concorrência entre as empresas e defenderam por isso uma legislação social de cariz internacional. Na segunda metade do século XIX, os países industrializados da Europa ocidental adoptaram progressivamente medidas sociais que protegiam os trabalhadores assalariados, a fim de evitar uma exploração excessiva da mão-de-obra, que poderia colocar em perigo a população e, portanto, o próprio Estado-nação. Eles exploraram medidas legislativas que favorecessem o desenvolvimento do diálogo social e que evitassem revoltas e revoluções. Através de programas de segurança social e diferentes formas de responsabilização do estado por necessidades fundamentais, acabaram por gerar processos de redistribuição social. Que explicam a emergência dos Estados sociais. . . Estas legislações sociais nacionais deram origem aos Estados sociais, os quais permitiram o reforço dos laços sociais entre os que eram beneficiados pelos programas de protecção, além de contribuírem fortemente para a construção nacional, incluindo as populações beneficiárias e excluindo as outras. É com este pano de fundo que os discursos populistas actuais insistem no facto de o Estado-nação constituir um casulo protector para as populações fortemente afectadas pela globalização, ao mesmo tempo que rejeitam quem, segundo eles, beneficiariam de forma ilegítima das vantagens desse casulo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quão “nacional” é o direito laboral de cada país?Importa lembrar que as legislações nacionais na Europa e no mundo foram elaboradas numa conversa internacional. As soluções implementadas diferem entre países, mas organizam-se em torno de um número de modelos simples, elaborados através de discussões em arenas internacionais e posteriormente difundidos. A concorrência virtuosa entre as nações tem aqui um papel muito importante. É verdade que as normas sociais internacionais, como as da Organização Internacional do Trabalho ou as mais recentes da Comissão Europeia, não se impõem de forma automática aos governos nacionais, mas servem de quadro de referência e grupos nacionais podem apropriar-se delas. Pode dar um exemplo?É o caso da recente convenção da OIT sobre os trabalhadores e trabalhadoras domésticos em 2011. Esta convenção regula um grupo fortemente feminizado e que inclui uma proporção considerável de migrantes. Estes trabalhadores são por isso duplamente marginalizados nos espaços nacionais e por essa razão são mais dependentes da protecção internacional que outros. A maneira através da qual os grupos de activistas se envolveram nesta questão é reveladora da importância simbólica, mas também prática, que uma regulação internacional pode ter para estes trabalhadores, que são indispensáveis à prosperidade económica dos países em que trabalham. Se é verdade que a redistribuição social se faz essencialmente num quadro nacional ou infranacional (regional ou local), é falso dizer que não há redistribuição internacional. Os fundos regionais europeus contribuíram fortemente para a elevação do nível de vida das populações mais desfavorecidas na Irlanda, nos países do Leste e no Sul da Europa. Enfim, num mundo em que as empresas multinacionais escapam maciçamente às regulações sociais nacionais e, pela evasão fiscal, não participam na redistribuição social é ilusório pensar que o Estado-nação constitui ainda um casulo protector contra a globalização. Tradução de Tiago Moreira Ramalho
REFERÊNCIAS:
As noites e lágrimas de Mihai pedem um plano e abrigo
Câmara apresentou na terça-feira o seu plano de apoio aos sem-abrigo. Nesse dia, começava a saga de Mihai Corfu para escapar à rua. A luta de um assistente social, as mãos atadas de instituições lotadas. E um email para Marcelo. Mihai já tem um tecto. Será suficiente? (...)

As noites e lágrimas de Mihai pedem um plano e abrigo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Câmara apresentou na terça-feira o seu plano de apoio aos sem-abrigo. Nesse dia, começava a saga de Mihai Corfu para escapar à rua. A luta de um assistente social, as mãos atadas de instituições lotadas. E um email para Marcelo. Mihai já tem um tecto. Será suficiente?
TEXTO: O sobressalto tornou-se cicatriz profunda nos dias de Mihai. Quando a saúde enfraqueceu, o álcool anestesiou inquietações. Pouco a pouco, doença e bebida foram cavando o afastamento do trabalho. O biscate como vendedor em feiras ambulantes foi-se, os poucos euros que garantiam a sobrevivência desapareceram, a relação com os “patrões” complicou-se. Mihai Victor Corfu perdeu o seu tecto improvisado, ora em carrinhas de vendedores, ora em tendas. Caiu na rua. Doente, a milhares de quilómetros de Tulcea, a sua cidade romena junto à fronteira com a Ucrânia. Sozinho. José António Pinto foi dar com ele choroso num colchão junto a um dos blocos habitacionais do Lagarteiro. Era terça-feira, o assistente social fazia o atendimento semanal no bairro, e vieram falar-lhe de um homem caído por ali. Nessa manhã, na reunião camarária, o vereador da Habitação e Coesão Social, Fernando Paulo, apresentava o plano de contingência e política para os sem-abrigo. O município prometia uma equipa a trabalhar nas ruas, a garantia de acolhimento de emergência, uma rede de restaurantes solidários e aposta em alojamento de longa duração. E a vida de Mihai Victor Corfu, caberia naquele quadro?O assistente social de Campanhã - a quem a Assembleia da República deu, em 2013, a medalha de ouro da Declaração Universal dos Direitos do Homem - levou o romeno de 45 anos ao Hospital de São João ainda na terça-feira, deixando-o na sala de espera ao final da tarde. Mas a madrugada chegava e Mihai não tinha resposta. Foi-se embora. Na manhã seguinte, bateu à porta da junta de freguesia. José António Pinto agarrou no telefone e disparou para todos os lados. Segurança Social, Santa Casa da Misericórdia, Hospital Joaquim Urbano, Centro São Cirilo, quartos de pensões, albergues nocturnos. As respostas repetiam-se: não há vagas, tem de aguardar vez. A noite de quarta-feira ia caindo e o recurso ao 144, linha nacional de emergência social, era já a última esperança. Novamente um não. “Onde está a equipa multidisciplinar de que fala a câmara? Onde está a Segurança Social?”, questiona. A ajuda veio de uma moradora do Lagarteiro. Abriu-lhe as portas de casa para deixar Mihai tomar um banho. Lavou-lhe a roupa, cedeu-lhe o sofá. Não foi a primeira vez que o fez. Mihai Victor Corfu já não guarda ilusões de felicidade. Sabe da composição de cristal da vida desde menino, percebeu cedo que tudo se pode perder num soluço. Aconteceu-lhe pelos 16 anos, quando o pai se deixou morrer numa linha de comboio e a mágoa com a mãe, divorciada dele tempos antes, desaguou numa separação irremediável. “Fui criado pela minha irmã mais velha”, diz Mihai Corfu, olhos vibrantes a acumular lágrimas. Estudou 12 anos, fez tropa, depois entregou-se ao mundo de trabalho. Na construção civil aprendeu a fazer um pouco de tudo. Aguentou-se. Teve um filho. O abalo veio quando o emprego tremeu. “O país estava podre, ninguém tinha trabalho”, conta. Na angústia do dinheiro escasso para pagar contas, dois amigos falaram-lhe de Portugal: iam emigrar e Mihai podia juntar-se a eles. Fez-se à estrada sem planos definidos. Foi há dez anos. Mihai Corfu nunca tratou de papelada para se legalizar porque nunca conseguiu um emprego certo. Mas a pele de vendedor chegava-lhe como abrigo: “Conseguia uns 30 euros quando vendia bem, já dava para alguma coisa”, relata num português já bem afinado. Agora que o “doutor Pinto” lhe deitou a mão, Mihai Corfu decidiu-se a fazer uma desintoxicação. “Preciso de ficar internado uns sete ou oito dias”, diz decidido, as mãos a tremer pela falta de álcool, as lágrimas a cair: “Se me curar não bebo mais. ” Para ser acolhido na Unidade de Alcoologia do Porto tem de levar documentos de identificação e exames médicos que, diz José António Pinto, custariam umas centenas de euros. “Onde está a lei que diz que um cidadão estrangeiro sem documentos não pode ter assistência médica em Portugal?”, questiona o assistente social. A história de Mihai Victor Corfu ganhou lastro. Nas redes sociais, as partilhas do texto do assistente social chegaram aos três dígitos. E à assessora de Marcelo Rebelo de Sousa chegou também um email. Se o Presidente da República “gosta de vir ao Porto comer com os sem-abrigo, tirar selfies e dizer aos órgãos de comunicação social que se preocupa com esta gente”, pensou, então devia saber da história de Mihai: “A política social da cidade é de uma profunda hipocrisia”, acusa. Questionado pelo PÚBLICO, o gabinete de comunicação do executivo de Rui Moreira esquivou-se de responsabilidades, argumentando que “as situações de sinalização, acolhimento e alojamento de emergência são da responsabilidade da Segurança Social, que coordena o Eixo de Acompanhamento Social do NPISA Porto - Núcleo de Planeamento Intervenção Sem-Abrigo do Porto”. Mas o documento apresentado pelo vereador Fernando Paulo tem outra versão. É o NPISA quem está no terreno, mas a câmara passou a assumir em Fevereiro deste ano “o compromisso da sua coordenação que era da responsabilidade da Segurança Social”. No Porto, o plano de apoio a quem vive nas ruas está integrado na Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo de 2017 a 2023. Os últimos dados da autarquia apontavam para a existência de 158 sem-abrigo sinalizados, 22 realojados e seis em comunidade terapêutica. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para responder ao problema, o plano tem disponíveis o Hospital Joaquim Urbano, para situações de emergência, e com capacidade para 25 utentes; dois apartamentos para “acolhimento de média duração” com cinco lugares (todos ocupados); sete fogos no Bairro das Artes Gráficas, numa parceria com a Misericórdia do Porto; 285 camas em albergues, na Santa Casa e em centros de acolhimento. Em curso, está também um plano municipal da igualdade e de combate à violência. A meio da tarde de quinta-feira, a resposta da Segurança Social surgiu. Mihai Victor Corfu podia ir para o albergue da Praça da República. Mas José António Pinto não descansava. O local, diz, é conhecido pelas fracas condições (“ninguém aguenta ficar lá por muito tempo”). E ver as estruturas funcionarem apenas sob ameaça é uma “triste realidade”: “Não tenho dúvidas de que se não tornasse isto público ele ia dormir na rua de novo. ”Há muito que Mihai deixou de imaginar o dia de amanhã, como se ao viver no presente pudesse pôr uma capa ao medo. Sente já não ter lugar em Portugal, pensa em regressar a Tulcea. Há quase um ano o filho de 28 anos, polícia na fronteira com a Ucrânia, enviou-lhe pelo Facebook uma fotografia da neta acabada de nascer. “Com quatro quilos e meio, a cara muito gordinha”, diz sorridente e emocionado. O filho conhece apenas parte da vida do pai. Mihai Corfu recusa-se a enredá-lo nos problemas dele. Não admite pedir ajuda: “Quero que ele guarde o dinheiro para ele e para a minha netinha”. E se ainda for permitido sonhar, só pensa voltar um dia à Roménia e pegar na menina ao colo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos lei violência filho ajuda homem comunidade social doença igualdade medo
Montalegre mentalizado para o dia do jogo impossível de perder
O Benfica será recebido em Trás-os-Montes pelo único representante dos escalões não profissionais ainda ?em prova na Taça de Portugal, em ambiente declaradamente de festa. (...)

Montalegre mentalizado para o dia do jogo impossível de perder
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.53
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Benfica será recebido em Trás-os-Montes pelo único representante dos escalões não profissionais ainda ?em prova na Taça de Portugal, em ambiente declaradamente de festa.
TEXTO: Terminou a espera. Montalegre cumpre, finalmente, o grande desígnio em dia de redesenhar o mapa-mundo. A diáspora barrosã converge para o castelo, cuidadosamente engalanado para a recepção ao Benfica, adversário dilecto na única competição em que os sonhos e a alma ganham corpo. Indelevelmente marcada pela emigração, a terra fria de Barroso — paredes-meias com a Galiza — reúne em plena época natalícia os filhos oriundos das sete paragens do mundo. Dos Estados Unidos ao coração da Europa não faltaram pedidos de bilhetes para encher um estádio que triplicou a capacidade de dois mil lugares, encerrando aí a grande vitória do clube transmontano: escrever o mais bonito capítulo da história, independentemente do que acontecer nestes oitavos-de-final da Taça de Portugal. Montalegre apresenta-se ainda como o último bastião do futebol não profissional, símbolo de uma resistência que será posta à prova pelo recordista de conquistas de um troféu que a última edição vincou ser possível derrubar os maiores mitos. Benfiquista assumido, condição partilhada por muitos dos poucos habitantes da vila raiana, José Manuel Viage garante o distanciamento emocional necessário para colocar a “águia” em sentido. O treinador do Montalegre nem sequer precisa de aprofundar o conhecimento natural que possui da equipa de Rui Vitória, pois, sempre que possível, acompanha-a na qualidade de adepto, como sucedeu em Munique, na penúltima ronda da fase de grupos da Liga dos Campeões, precisamente três dias antes de receber a prenda mais desejada no sorteio da quinta eliminatória da prova-rainha. Nessa noite fria em solo germânico, não esperou pelos últimos 20 minutos, perdendo o golo de Ribéry, que confirmou a goleada (5-1), algo que agora não quer sentir na pele. “Só espero que não nos aconteça na Taça o mesmo que sucedeu com o Benfica frente ao Bayern”, insinua, resumindo os argumentos do clube presidido pelo irmão mais novo, Paulo Viage, a uma vontade insuperável de conseguir uma partida “de paixão, sem medos”, transferindo toda a pressão e responsabilidade para o campo do adversário. “Se perdermos, ninguém nos vai recriminar. No dia seguinte volta tudo ao normal e guardaremos esta experiência como algo valioso. Mas também sabemos que temos 2% ou 3% de probabilidades de contrariar o destino. O Benfica já foi eliminado em casa pelo Gondomar! E é isso que temos de ter presente: encarar o jogo como uma festa, sem pressões, retirando o máximo de prazer, mesmo sabendo que para a maioria dos nossos jogadores esta será a primeira e provavelmente a última vez que disputam um encontro rodeado de tanto mediatismo”, insiste, consciente das diferenças entre o oitavo classificado da Série A do Campeonato de Portugal e o, actualmente, quarto da I Liga, posição que denuncia algumas fragilidades, ainda que irrelevantes perante a diferença de potencial dos dois contendores. Dignificar o nome do clube e da região é ponto de honra, se possível com a qualidade que o terceiro escalão nacional vem reclamando, até por considerar que este “é o jogo mais fácil” que o Montalegre disputará na presente campanha. Na verdade, para Montalegre — vila e clube — este é um jogo impossível de perder. “Antes de entrarmos em campo, já ganhámos. Provámos ser capazes”, assume o treinador, porta-voz de todos quantos se empenharam nesta empreitada, orgulhoso pelo esforço e pela capacidade de mobilização demonstrados e indispensáveis para vencer todos os obstáculos que desaconselhavam a organização no Estádio Dr. Diogo Vaz Pereira, a desafiar a lógica da casa emprestada que vai imperando em situações semelhantes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Montalegre era conhecida, essencialmente, pela feira do fumeiro e pelas sextas-feiras 13. Organizar um jogo destes no nosso estádio, na nossa terra, é algo que nunca será apagado nem esquecido”, remata um José Manuel Viage que preparou toda a estratégia sem saber se poderia sentar-se no banco para liderar a equipa, situação que se arrasta praticamente desde o arranque da época, na sequência de uma suspensão de 45 dias logo após a primeira jornada, na deslocação a Fafe. Um castigo cuja data de início demorou cerca de dois meses a ser fixada, motivando um mal-entendido relativamente ao período de suspensão, que levou mesmo o técnico e os responsáveis do clube a pensarem que tinham a folha disciplinar limpa. . . com o pormenor de estarem, involuntariamente, a antecipar o prazo determinado pelo Conselho de Disciplina (CD) e que só ontem foi verdadeiramente atingido, mais de quatro meses depois do encontro com o Fafe. Para agravar a situação, o CD instaurou novo processo por suposta “violação” da área técnica na quarta eliminatória da Taça de Portugal, frente ao Águeda (de que o Montalegre recorreu, alegando que o técnico se limitou a entrar na rouparia para pedir um casaco), o que poderia ditar novo afastamento de José Manuel Viage do banco, com a agravante de coincidir com o jogo frente ao Benfica, deixando a equipa sem timoneiro. Isto porque, para além do “adjunto” Ricardo Chaves (expulso no sábado em Felgueiras), apenas o médio João Fernandes possui curso de treinador (nível I), embora seja habilitação insuficiente para assumir o “cargo” numa emergência. Em terra célebre pelas sextas-feiras 13, pelo culto do oculto, pelas jornadas de medicina popular promovidas pelo padre Fontes — na vizinha e famosa Vilar de Perdizes —, depois de o início do treino de segunda-feira ter sofrido um atraso considerável, motivado pela avaria da carrinha que transportava jogadores e material desportivo para Vila Pouca de Aguiar, é caso para dizer que, mesmo não acreditando em bruxas, é bem possível que elas andem à solta.
REFERÊNCIAS:
Alemanha pondera contratar cidadãos da UE para as suas Forças Armadas
A falta de efectivos é um dos problemas de uma força militar em "péssimo" estado. (...)

Alemanha pondera contratar cidadãos da UE para as suas Forças Armadas
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A falta de efectivos é um dos problemas de uma força militar em "péssimo" estado.
TEXTO: O Exército alemão está a considerar recrutar especialistas de países da União Europeia para tarefas específicas, por exemplo na área da informática ou da medicina, disse o inspector-geral das Bundeswehr, Eberhard Zorn, numa entrevista aos jornais do grupo de media Funke. É “uma opção”, disse o responsável das Forças Armadas. As Forças Armadas alemãs sofrem de subfinanciamento e de falta de material e pessoal especializado. O comissário do Parlamento alemão para as Forças Armadas, Hans-Peter Bartels, comentou ao mesmo grupo de media que esta possibilidade não seria nada de extraordinário, argumentando que há já bastantes militares com dupla nacionalidade. A ideia terá já sido abordada na União Europeia, onde não foi encarada com muito entusiasmo, dizem os jornais do grupo Funke. Vários países de Leste, especialmente a Bulgária, expressaram reservas, temendo que a medida levasse os seus jovens a emigrar para a Alemanha. A ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, disse numa entrevista ao jornal Rheinische Post que as Forças Armadas empregam actualmente 182 mil pessoas, um aumento de 6500 em dois anos, com um peso de 12% de mulheres. As Forças Armadas querem conseguir mais 21 mil efectivos até 2025. O Governo tem recorrido a várias medidas para tentar fazer aumentar o número de efectivos: admitiu no início do ano que as Forças Armadas estão a recrutar cada vez mais menores – 2128 recrutas, o triplo do número de 2011, quando o país acabou com o serviço militar obrigatório. Para seguir em frente com a ideia de integrar cidadãos da UE em certas áreas especializadas, seria preciso alterar a lei que data do final da II Guerra Mundial, e que restringe a participação no Exército a cidadãos alemães. Depois da guerra, o país tentou mudar a tradição militar criando um exército baseado no conceito de “cidadãos em uniforme”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A ideia terá já sido abordada na União Europeia, onde não foi encarada com muito entusiasmo, dizem os jornais do grupo de media Funke. Vários países de Leste, especialmente a Bulgária, expressaram reservas, temendo que a medida levasse os seus jovens a emigrar para a Alemanha. O relatório anual do Parlamento, feito no início do ano, sobre o estado das Forças Armadas resumia: é “péssimo”. Submarinos, carros de combate e aviões estão muitas vezes avariados, o que impede os militares de cumprir as horas de treino necessárias. Até faltava material básico como tendas. A falta ficou também evidente na última cimeira do G20, quando a chanceler, Angela Merkel, aterrou na Argentina num voo comercial, depois de falhas técnicas nos dois únicos aviões de longo curso.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Se a França cair
A revolta francesa nasce sobretudo numa “pequena classe média” branca, que se viu afectada pelas consequências sociais da globalização. (...)

Se a França cair
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A revolta francesa nasce sobretudo numa “pequena classe média” branca, que se viu afectada pelas consequências sociais da globalização.
TEXTO: 1. É um clássico: os franceses não fazem reformas, apenas revoluções. É também um exagero, que serve apenas para descrever a particular identidade de um país com uma História que olha como gloriosa, que se vê, em momentos de euforia, como sendo ainda o centro do universo. Que alterna cada vez mais com uma profunda “malaise”, sempre pronta a explodir numa fúria incontida que normalmente derruba governos, desfaz reformas, mas raramente despede o ocupante do Palácio do Eliseu. É esta a história da V República, moldada pela personalidade do General De Gaulle e pela sua visão do poder – “La France c’est moi” -, onde a figura do Presidente da República Francesa funciona com o centro da vida política da França em redor do qual se organiza o poder, reservando ao primeiro-ministro o custo e a impopularidade da governação, um lugar secundário que pode ser sacrificado em caso de crise económica e social. Jaques Chirac, apesar do seu estilo caloroso e afável, ainda cumpriu este figurino. Alain Juppé, o seu primeiro-ministro, foi sacrificado quando a reforma das pensões levou milhões de franceses às ruas. Lionel Jospin, primeiro-ministro socialista que governou com Chirac em coabitação, tentou enfrentá-lo sem grande resultado. Quando resolveu desafiá-lo nas presidenciais de 2002, sofreu a tremenda humilhação de não passar à segunda volta, abrindo espaço a um confronto dramático entre o Presidente e o líder da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen. O resultado mostrou ainda uma França firme perante o desafio do nacionalismo e do extremismo. A disciplina republicana funcionou em pleno dando a Chirac uma vitória de 82% dos votos e anulando qualquer ambiguidade perante a ascensão da Frente Nacional. 2. Nicolas Sarkozy quis quebrar o molde, com uma presidência combativa e irreverente e um estilo que se afastava da figura que tinha o dever de encarnar a grandeza da França. Foi um Presidente de um só mandato. Acabou derrotado por um candidato socialista sem brilho e sem carisma, que chegou ao Eliseu com o propósito expresso de ser um “Presidente normal”. Mudou o estilo, mudaram os rituais, não mudou a sorte. François Hollande cumpriu apenas um mandato, com alguns actos simbólicos para agradar à esquerda mas de muito pouca substância. Não conseguiu reequilibrar a aliança franco-alemã, que está na base da integração europeia. Não conseguiu reformar. O seu “ministro-prodígio” haveria de impedir a sua recandidatura, fundar um partido a partir do zero, avançar para o Eliseu prometendo um “centrismo radical”, sem qualquer cedência à extrema-direita de Marine Le Pen ou à extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon, destruindo pelo caminho o Partido Socialista e abanando fortemente a direita de Os Republicanos. Tudo em menos de um ano. Macron foi eleito numa onda de euforia. Prometeu uma revolução em França e uma refundação da Europa. Animou os governos europeístas da União Europeia. Berlim saudou-o como a oportunidade de ter finalmente o parceiro que tanto desejava: reformista, aberto e europeu. A boa e velha Europa, amarfanhada pela ascensão dos populismos e dos nacionalismos, dividida pela crise do euro e sobre o seu destino, rejubilou. Emmanuel Macron, 40 anos, intelectual brilhante, Júpiter de regresso ao Eliseu para restaurar o prestígio da França, acaba de descer à Terra. A esperança durou um ano. Não há a menor razão para regozijo. Quando Paris se incendeia, a Europa sofre um abalo profundo. Um desastre político e social em França seria, porventura, um golpe mortal. 3. O alcance europeu da crise francesa é evidente. Macron é o inimigo jurado dos movimentos e dos governos populistas, de Viktor Orbán a Matteo Salvini. Aliás, o próprio nunca enjeitou esse papel. “Macron deixou de ser meu adversário. Deixou de ser um problema meu. É um problema para os franceses”, disse Salvini. A popularidade do líder da Liga e vice-primeiro-ministro de Roma está em alta. A do Presidente francês em queda. Há um ano, a sua juventude e o seu dinamismo eram saudados por banhos de multidão na Europa. Trump é, ele próprio, a voz dos populistas, incluindo de muitos “coletes amarelos”. Disse ele: “Os contribuintes americanos [ao contrário dos franceses] não têm de pagar para limpar a poluição dos outros. ” Antes tinha tweetado que o seu “amigo Macron” já tinha percebido “as razões pelas quais ele se tinha oposto ao Acordo de Paris [sobre o clima]. ” De Moscovo e de Ancara, suprema ironia, chegam os apelos para que a França “se abstenha de qualquer tipo de recurso excessivo à força”. 4. A revolta francesa não vem, como em 2005, dos banlieues das grandes cidades onde vivem várias gerações de imigrantes, muitos de origem magrebina. Não é a revolta dos excluídos ou dos desempregados, como diz o historiador francês Pierre Ronsavallon ao Le Monde. É a dos assalariados de salários modestos, pequenos empreendedores, artesãos e pequenos comerciantes. E de muitas mulheres. Nasce sobretudo numa “pequena classe média” branca, que se viu afectada pelas consequências sociais da globalização, que não vê a imigração com bom olhos, não por uma razão étnica ou religiosa, mas porque teme que ela a substitua nos empregos da indústria, do comércio ou de proximidade. Coincide, em boa parte, com os movimentos populistas que emergiram por quase toda a Europa. São os que ficam para trás, mesmo que vivam razoavelmente, que têm medo do futuro que já tiveram por certo e que hoje têm por incerto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sarkozy prometeu melhorar o nível de vida dos “franceses que trabalham”. Hollande prometeu a penalização dos ricos para uma melhor distribuição da riqueza. O imposto sobre as fortunas que decretou não enchia os cofres do Estado, mas tinha um efeito psicológico. Macron aboliu-o, justamente porque era apenas simbólico e afastava o investimento. Não basta dizer que o Presidente francês é arrogante, distante das pessoas, indiferente à realidade em que vivem. A arrogância pode alimentar momentaneamente a cólera e unificar os protestos. Mas há uma diferença: os manifestantes exigem a sua demissão. No primeiro ano de mandato, Macron fez aprovar todas as reformas que prometeu, depois de as negociar com patrões e com sindicatos. A sua ideia era libertar a economia e a sociedade francesa de espartilhos que cerceavam o crescimento e mantinham o desemprego elevado. A contestação nas ruas foi menor do que a que enfrentaram alguns dos seus antecessores quando quiseram mudar alguma coisa. Mas as percepções passaram a contar cada vez mais. De repente, o que muitos franceses viram foi um Presidente que “governa para os ricos”. As redes sociais desempenham o seu papel: dispensam a comunicação social, os partidos políticos, os sindicatos, o poder local, as organizações sociais. “Hoje é a palavra directa que se impõe como forma democrática; mas é, ao mesmo tempo, uma expressão confusa, que dificilmente se unifica e que é extraordinariamente vulnerável às teorias do complot e às fake news”, diz Rosanvallon. Um vídeo de disseminação veloz no Facebook diz que o Pacto Global para as Migrações, que a França se prepara para subscrever, visa “abolir as fronteiras para os imigrantes e promover a mistura racial em proveito de um supergoverno mundial”. “Macron prepara-se para vender a França à ONU e para aceitar a vinda de 480 milhões de imigrantes para a Europa. ” Outros falam de um “governo paralelo” que ninguém vê, ou reivindicam a VI República (uma ideia de Mélenchon), uma democracia directa (como o 5 Estrelas de Di Maio). Outros ainda querem “uma mão de ferro para governar a França”. De novo Rosanvallon: “O termo ‘desigualdade’ não chega para traduzir este enorme passivo social e moral. (…) Esta revolta obriga-nos a olhar para a sociedade com um novo olhar. Precisamos de indicadores de dignidade e de desprezo, de guetização e de afastamento social, de apreensão dos medos e dos fantasmas, para apreender a realidade. ” A heterogeneidade é tanto sociológica como ideológica. Há os activistas e os que os seguem. Mas há também “a câmara de eco e uma câmara de escuta”, muito mais ampla – a que permite que 70% dos franceses apoiem, em maior ou menor grau, esta revolta. O que vem a seguir ninguém sabe. 5. Entretanto, a elite europeia parece anestesiada. Em Bruxelas, os eurocratas preocupam-se com uma situação de excepção que leve Paris a não cumprir as regras do Pacto de Estabilidade. Um amigo contou-me que participou há três dias numa conferência em Bruxelas sobre a “autonomia estratégica” da Europa. O que se passa em Paris não constou de nenhuma das intervenções.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Partido Republicano perde domínio do Congresso, mas a "nação Trump" mantém-se firme
O Partido Democrata ganhou a maioria na Câmara dos Representantes e pode agora travar a agenda da Casa Branca e deixar o Presidente em sentido. Mas o Partido Republicano também tem motivos para sorrir. (...)

Partido Republicano perde domínio do Congresso, mas a "nação Trump" mantém-se firme
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.25
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181231180318/https://www.publico.pt/n1850240
SUMÁRIO: O Partido Democrata ganhou a maioria na Câmara dos Representantes e pode agora travar a agenda da Casa Branca e deixar o Presidente em sentido. Mas o Partido Republicano também tem motivos para sorrir.
TEXTO: Quem ficou acordado na madrugada de quarta-feira à espera de ver uma onda azul do Partido Democrata a engolir o mapa eleitoral dos Estados Unidos, num claro repúdio da presidência de Donald Trump, deve ter sofrido um arrepio na espinha quando percebeu que o resultado final soou mais a um empate do que a outra coisa qualquer. Mas a verdade é que o sistema eleitoral norte-americano não depende de vitórias estrondosas para que haja mudanças profundas. Que o diga Hillary Clinton, que perdeu a corrida à Casa Branca em 2016 apesar de ter recebido mais três milhões de votos do que Donald Trump. E foi isso que aconteceu, mais uma vez, nas eleições de terça-feira. Apesar de o Partido Democrata ter ficado ainda mais fragilizado no Senado, o facto de ter roubado a maioria ao Partido Republicano na Câmara dos Representantes representa uma mudança profunda na forma de se fazer política no país. A partir de Janeiro, e até às eleições presidenciais de 2020, o Partido Democrata terá campo aberto para matar as propostas mais emblemáticas do Partido Republicano e do Presidente Trump à medida que elas forem chegando à câmara baixa do Congresso. Entre elas, a continuação das reformas fiscais defendidas pela Casa Branca – que os críticos dizem ser benéficas apenas para os mais ricos – e as polémicas medidas para limitar a imigração. Por outras palavras, o muro na fronteira com o México – que o Presidente Trump continua a usar nos comícios para agitar a sua base de apoio – caiu mesmo antes de começar a ser construído. Para além disso, a Casa Branca tem agora de se preocupar com um cenário muito mais desfavorável do que quando beneficiava da maioria do Partido Republicano nas duas câmaras do Congresso: com a maioria na Câmara dos Representantes, o Partido Democrata ganha também poderes para intimar o Presidente a revelar as suas declarações de impostos, por exemplo, e para reabrir as investigações sobre a Rússia através das comissões de inquérito. Neste caso, é possível que algumas figuras importantes ligadas à campanha de Donald Trump em 2015 e 2016 sejam intimadas a depor, pela primeira vez, na Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes – um processo que é controlado pelo partido que tem a maioria. E se a principal investigação sobre a Rússia, chefiada pelo procurador especial Robert Mueller, assim o justificar, a maioria do Partido Democrata poderá também lançar um processo de impeachment contra o Presidente Trump. É um jogo arriscado, e muitos responsáveis nos dois partidos lembram o falhanço do impeachment do Presidente Bill Clinton, em 1999, e o triste destino do então presidente da Câmara dos Representantes, o republicano Newt Gingrich. Em vez de conquistar lugares nas eleições de Novembro de 1998 por causa desse processo de impeachment, o Partido Republicano perdeu cinco lugares na Câmara dos Representantes e Gingrich foi forçado a afastar-se da liderança pelos seus pares. Como o processo de impeachment começa na Câmara dos Representantes (com uma maioria simples) mas é julgado no Senado (sendo precisos dois terços para o afastamento do Presidente), o Partido Democrata terá muitas dificuldades para convencer dezenas de senadores do Partido Republicano a destituírem o Presidente Trump. E, mesmo que isso fosse possível, não é claro se interessa ao Partido Democrata que o vice-presidente, Mike Pence, assuma a cadeira principal da Casa Branca e que se apresente em 2020 como o candidato do Partido Republicano nas eleições presidenciais. Ainda assim, poucos dirão que a conquista do poder para lançar o impeachment de Donald Trump é outra coisa que não uma vitória para o Partido Democrata. O mais provável é que a divisão se aprofunde ainda mais e que o processo legislativo fique bloqueado, já que o Partido Democrata consegue impedir que o Partido Republicano aprove as leis que quiser, mas continua a precisar de fazer alianças com os seus adversários no Senado para fazer avançar a sua própria agenda. E o Presidente Trump já avisou o seu partido que espera pagar na mesma moeda uma eventual ofensiva de inquéritos e investigações contra ele na Câmara dos Representantes. "Se os Democratas pensam que vão gastar dinheiro dos contribuintes investigando-nos na Câmara, então nós seremos forçados a investigá-los no Senado por causa de todas as fugas de informação classificada e muitas outras coisas. Ambos podemos jogar este jogo!", disse Trump esta quarta-feira, numa mensagem publicada no Twitter. Mas também é verdade que o Partido Republicano tem razões para sair da noite eleitoral com um sorriso. Ou, pelo menos, pôde adormecer na madrugada de quarta-feira aliviado por não ter sido varrido do mapa – um receio apenas partilhado pelos mais optimistas no Partido Democrata e pelos mais pessimistas no Partido Republicano, já que todas as sondagens apontavam para o resultado que acabou por acontecer. O Partido Republicano só poderia perder a maioria no Senado num cenário de proporções históricas, já que este ano tinha de defender apenas nove dos seus 51 lugares – um capricho do mapa eleitoral, que determina que apenas um terço dos 100 lugares no Senado estão em jogo de dois em dois anos. (Como cada um dos 50 estados elege dois senadores para mandatos de seis anos, foi preciso fazer aquela divisão para que nem todos estejam em campanha ao mesmo tempo. )Do outro lado, o Partido Democrata tinha de manter, este ano, 26 dos seus 49 lugares no Senado e, para além disso, roubar dois dos nove do Partido Republicano. Era muito difícil que isso acontecesse, mas também é verdade que o Partido Democrata não podia ver a sua minoria reduzir-se ainda mais, para se poder apresentar ao país como o grande e único vencedor da noite eleitoral. No final, o Partido Republicano não só manteve a sua maioria de 51 senadores como até deverá reforçá-la para 53 ou 54. E foi este resultado que deu ao Presidente Trump razões para dizer que a noite foi um "tremendo sucesso". Afinal, há décadas que o partido do Presidente não ganhava lugares no Senado em eleições a meio do primeiro mandato na Casa Branca, e este ano o Partido Republicano ganhou pelo menos três ao Partido Democrata – Indiana, Dacota do Norte e Florida. Mas as vitórias nestes três estados também podem ser mais facilmente explicadas do que se tivessem acontecido em estados como a Califórnia, por exemplo. Trump venceu no Indiana, no Dacota do Norte e na Florida em 2016, e cada um destes estados tinha outras particularidades que os deixavam mais vulneráveis a uma reviravolta: o Indiana é o estado do vice-presidente, Mike Pence; no Dacota do Norte, a senadora Heidi Heitkamp, do Partido Democrata, foi penalizada por ter votado contra a nomeação do juiz Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal; e na Florida o senador Bill Nelson teve de enfrentar Rick Scott, o governador do estado. Com este resultado, o Partido Republicano e o Presidente Trump ficam com uma margem ainda mais confortável para nomear e confirmar juízes para os vários tribunais federais e para o Supremo Tribunal. Mesmo que não se abra nenhuma vaga entre os quatro juízes mais à esquerda nos dois próximos anos, é possível que um dos cinco juízes mais à direita, como Clarence Thomas, se reforme dando lugar a uma escolha ainda mais à direita – fala-se de Amy Coney Barrett, uma juíza de apenas 46 anos filiada no grupo anti-aborto Faculty for Life. Mas a forma como ambos os partidos garantiram as suas vitórias na Câmara dos Representantes e no Senado também pode lançar pistas para as eleições no país nas próximas décadas. Por um lado, a forma como o Partido Democrata conquistou a maioria na Câmara dos Representantes mostra que o partido está cada vez mais a garantir um ascendente nos subúrbios das grandes cidades, muito graças ao forte aumento da participação das mulheres brancas com estudos superiores – zonas e eleitorados que em tempos davam vitórias ao Partido Republicano. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por seu lado, o Partido Republicano mostra que a sua linha de defesa nas zonas rurais manteve-se sólida, apesar de muitos candidatos do Partido Democrata terem mantido os seus lugares em estados do Midwest. Ou seja, o Partido Republicano tem um ascendente em zonas que estão a perder habitantes e em eleitorados menos diversificados, num país cada vez mais diversificado; e não provou que as vitórias à tangente de Donald Trump na Pensilvânia, no Wisconsin e no Michigan, em 2016, podem ser facilmente repetidas em 2020. E há outro resultado das eleições de terça-feira que pode vir a beneficiar o Partido Democrata a partir de 2020. Na Florida, foi aprovada uma proposta que devolve o direito ao voto aos antigos reclusos – uma população estimada em 1, 4 milhões de pessoas, excluindo os condenados por homicídio ou crimes sexuais. Num estado que decidiu as eleições presidenciais em 2000, após uma série de recontagens de votos entre George W. Bush e Al Gore que deu a vitória ao candidato do Partido Republicano, e em que quase todas as eleições se decidem por margens curtas, a entrada de centenas de milhares de novos eleitores nas eleições de 2020 – a maioria negros – pode mudar esse cenário.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto homicídio imigração campo tribunal minoria mulheres
Contratos a termo, a nova realidade do mercado de trabalho português?
Dez anos depois da crise, o mercado de trabalho português é uma ferida ainda aberta. (...)

Contratos a termo, a nova realidade do mercado de trabalho português?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dez anos depois da crise, o mercado de trabalho português é uma ferida ainda aberta.
TEXTO: A OCDE prevê um abrandamento económico global, explicando que este ciclo de expansão já atingiu o limite. Em Portugal, prevê-se um crescimento de 2, 1% em 2019 e 1, 9% em 2020, depois de um crescimento de 2, 2% este ano. Contudo, o desemprego vai continuar a baixar, e depois de uma média anual de 7, 1%, prevê-se ser de 6, 4% em 2019 e 5, 7% em 2020. O aumento do emprego é um dos principais objetivos 2020 da União Europeia e, em 2017, 73, 4% dos portugueses entre os 20 e os 64 anos já estava empregado, cada vez mais perto da meta dos 75%. Mas a descida do desemprego em Portugal esconde uma realidade de precariedade, que afeta principalmente os jovens e as mulheres. Em 2008, a taxa de emprego na Europa foi de 70, 3%, superior ao ano precedente, mas começou a descer até atingir 68, 4% em 2013, afetando principalmente os grupos etários entre os 15 e os 24 anos, homens, trabalhadores temporários e imigrantes. A crise do subprime sentiu-se mais nos países onde a legislação de proteção do emprego era mais forte, nomeadamente nos países “sob stress” [1]. Verificava-se na Europa uma “dualidade” nessa legislação, caracterizada por maior fragilidade dos contratos temporários. Um estudo conduzido pelo BCE mostrou que políticas laborais implementadas principalmente nos países sob stress entre 2011 e 2013 facilitaram os despedimentos e flexibilizaram os horários de trabalho. No caso português, foram aplicadas medidas como a redução da indemnização em situações de despedimentos, assim como a diminuição dos salários. Entre dezembro de 2014 e dezembro de 2015, em Portugal, os contratos a termo cresceram 6, 66%, contra um aumento de apenas 2, 08% nos contratos permanentes, criando uma maior instabilidade e aumentando a probabilidade de cair no desemprego. Em 2017, segundo o Eurostat, 18, 5% dos trabalhadores dos 20 aos 64 anos estavam em situação de contrato a termo, bastante acima da média dos 11, 3% e 12, 7% da UE e da Zona Euro, respetivamente. Contudo, em 2006, antes da crise, este número já era de 15, 7% no nosso país. De facto, segundo o INE, a proporção de contratos a termo já tinha aumentado 5, 5 pontos percentuais entre 1998 e 2008. Recorde-se que esse tipo de contrato tinha sido flexibilizado em 2003 no Código de Trabalho através do prolongamento do seu limite temporal, mas a revisão feita em 2009 reverteu essa alteração. Os trabalhadores com contrato a termo foram também os mais afetados do ponto de vista salarial e, por isso, são mais expostos ao risco de pobreza, representando o seu salário hoje apenas 72% do daqueles em situação de contrato permanente, segundo o Observatório das Desigualdades. A crise de 2008 revelou, assim, a vulnerabilidade dos trabalhadores com contratos a termo, mas a recuperação económica não foi acompanhada por uma descida da precariedade laboral. É certo que as políticas implementadas foram uma das causas, mas o Observatório das Crises apontou que a dinamização económica, que afetou principalmente serviços ligados ao turismo caracterizados por menores níveis de qualificação, também contribuiu para a já apontada flexibilização do mercado de trabalho. Os jovens têm sido particularmente afetados, revelando o Eurostat que, em 2017, enquanto que a média europeia era de 41, 3%, 63, 2% dos trabalhadores portugueses entre os 15 e os 24 anos estava em situação de contrato a termo. Também as mulheres mostram níveis de precariedade contratual elevada, até porque são mais expostas ao trabalho a tempo parcial. Em 2017, Portugal é o sétimo país europeu com mais trabalho a tempo parcial involuntário, constituindo 47, 5% do total dos empregados a tempo parcial. Mais uma vez, a subida do emprego não foi acompanhada por medidas que assegurassem a sua qualidade e respondessem adequadamente à oferta de trabalho existente. É verdade que os contratos a termo constituem um instrumento da vida empresarial, principalmente na fase inicial mas não só, necessários para eventos tão simples como a substituição de um trabalhador ausente ou no caso de um acréscimo excepcional das atividades, e portanto não deixam de ter um papel importante na nossa economia. Mas é igualmente fundamental que o uso dos mesmos responda sempre às necessidades da empresa. Os contratos não permanentes também podem ser uma solução ao desemprego de longa duração, mas que será sempre temporária, não devendo ser renovada vezes sem conta. Dez anos depois da crise, o mercado de trabalho português é uma ferida ainda aberta. O perfil contratual do emprego é uma das causas da precariedade, que deixa muitos portugueses empregados numa situação de grande insegurança e vulnerabilidade aos choques económicos. É certo que já se deram alguns passos com vista a melhorar o emprego, nomeadamente no combate à utilização indevida de contratos de prestações de serviços, mas o abrandamento do crescimento que se prevê nos próximos anos exige medidas eficazes, de criação de trabalho menos precário, para resolver um problema com que o país já se confronta há duas décadas. A autora escreve segundo o novo Acordo OrtográficoVox Nova é uma parceria entre o PÚBLICO e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics. Um membro deste grupo escreve quinzenalmenteSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. [1] Países sob stress: a Grécia, a Irlanda, a Eslovénia, Itália, o Chipre, Portugal e Espanha.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE OCDE
Para tirar a Andaluzia ao PSOE, PP e Cidadãos distribuem cargos. Até pelo Vox
Liberais ficam com a chefia do parlamento e populares com a presidência da Junta – detida pelos socialistas há quatro décadas. Acordo à direita inclui oferta de cargos na mesa da assembleia a todos os partidos, incluindo a extrema-direita. (...)

Para tirar a Andaluzia ao PSOE, PP e Cidadãos distribuem cargos. Até pelo Vox
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Liberais ficam com a chefia do parlamento e populares com a presidência da Junta – detida pelos socialistas há quatro décadas. Acordo à direita inclui oferta de cargos na mesa da assembleia a todos os partidos, incluindo a extrema-direita.
TEXTO: Partido Popular (PP) e Cidadãos anunciaram esta quarta-feira ter chegado a um compromisso para pôr um ponto final em 36 anos de governação ininterrupta do Partido Socialista (PSOE) na Andaluzia. O segundo e o terceiro partidos mais votados nas eleições do início do mês acordaram que caberá aos Cidadãos assumir a presidência da mesa do parlamento e ao PP ficar com a presidência da Junta da mais populosa comunidade autónoma de Espanha. A solução terá a bênção do Vox, o primeiro partido de extrema-direita a entrar num parlamento autonómico espanhol, a quem foi oferecido um cargo na mesa do parlamento – o órgão responsável pela definição, calendarização e controlo dos trabalhos na assembleia andaluz, à volta do qual se centraram nos últimos dias as negociações entre partidos. O PSOE foi o vais votado das eleições autonómicas (33 deputados), seguido por PP (26), Cidadãos (21), Adelante Andalucía (17) – uma coligação de esquerda que inclui o Podemos – e Vox (12). A proposta dos populares e dos liberais para alcançar os 55 votos necessários para a maioria, essenciais para impedir a renovação do mandato da socialista Susana Díaz, investir um novo presidente da Junta e aprovar a nova composição da mesa, passa pela distribuição de pelouros, neste último órgão, por todos os partidos. Para além de presentear o Cidadãos com a liderança da mesa, o plano prevê a distribuição das suas vice-presidências por PP, PSOE e Adelante Andalucía e das secretarias por PSOE, PP e Vox. E confirma a opção dos partidos de direita de não erguer um cordão sanitário para afastar a extrema-direita do diálogo e dos cargos políticos. Até porque sem os 12 deputados do Vox, será praticamente impossível a PP e Cidadãos conseguirem uma maioria – teriam de virar-se para a esquerda em busca de votos. O Vox logrou entrar na arena política espanhola sem apresentar uma única proposta para a Andaluzia. Em vez disso, divulgou um programa de “100 medidas urgentes para Espanha”, que abarca, entre outras propostas, a supressão dos poderes autonómicos, a deportação imediata de todos os imigrantes ilegais, a revogação da lei sobre a violência de género ou o fim do imposto sucessório. “A proposta garante que toda a gente fica representada na mesa do parlamento, com voz e voto, em conformidade com os resultados das eleições andaluzes”, justificou Juan Marín, cabeça-de-lista do Cidadãos nas eleições, na linha do líder do partido Albert Rivera, que já tinha defendido ser “irresponsável descartar seja quem for” das negociações, incluindo o Vox. Em conferência de imprensa, Marín sublinhou que o pacto com o PP, tornado público esta quarta-feira, “não é sobre o presidente” da Junta, mas apenas sobre a mesa. Porém, afiançou que o Cidadãos não será “um obstáculo” à investidura de um presidente popular. E deixou uma certeza: “Haverá governo de mudança. E o PSOE vai para a oposição”. Pouco depois destas palavras, o próprio Juan Manuel Moreno, candidato do PP ao cargo de Susana Díaz – que também se vai apresentar à investidura – assumiu: “É mais do que previsível que o próximo presidente da Junta seja eu”. Moreno e Marín pretendem agendar o debate de investidura para o dia 16 de Janeiro do próximo ano e esperam apresentar a composição do governo “cinco ou seis dias antes” dessa data. Fontes dos dois partidos disseram ao El País que as negociações sobre o executivo “estão muito avançadas”, mesmo não tendo arrancado “oficialmente”. Até porque na terça-feira foi divulgado um programa de governo conjunto, assente em 90 medidas que, de acordo com Rivera, “desmantelarão a rede clientelar montada pelo PSOE durante 40 anos”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “É o projecto reformista mais ambicioso nesta terra deste a transição democrática [pós-1975]. Espero que os restantes partidos estejam à altura dos andaluzes e não bloqueiem a legislatura”, escreveu o líder do Cidadãos no Twitter. A resposta do PSOE foi célere e de olhos postos na ‘aliança’ com a extrema-direita. “Esse acordo só é possível com os votos do Vox. Sem a extrema-direita não têm governo. Porque é que o esconde? Envergonha-o?”, questionou Susana Díaz na mesma rede social.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei violência comunidade social género deportação
Cidadãos garante presidência do parlamento andaluz com a ajuda da extrema-direita
Marta Bosquet foi eleita presidente do parlamento da região autonómica, com os votos do PP e do Vox, no primeiro passo para a tomada da Andaluzia ao PSOE. Extrema-direita terá um lugar na mesa. (...)

Cidadãos garante presidência do parlamento andaluz com a ajuda da extrema-direita
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.080
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Marta Bosquet foi eleita presidente do parlamento da região autonómica, com os votos do PP e do Vox, no primeiro passo para a tomada da Andaluzia ao PSOE. Extrema-direita terá um lugar na mesa.
TEXTO: Os partidos da direita deram esta quinta-feira o primeiro passo para tirar a Andaluzia das mãos do Partido Socialista (PSOE), ao unir forças para eleger Marta Bosquet para a presidência do parlamento da região autonómica espanhola, controlada pelos socialistas há 36 anos. A deputada do Cidadãos contou com o apoio do Partido Popular (PP) e do Vox para dirigir a mesa, que terá um membro da extrema-direita como secretário. O passo seguinte é a formação de um governo liderado pelo PP. Segundo e terceiro classificados nas eleições regionais do dia 2 de Dezembro, ganhas pelo PSOE, populares e liberais já tinha anunciado na véspera ter chegado a acordo para dar a mesa ao Cidadãos e a presidência da Junta ao PP. Um compromisso que só seria possível com o apoio do Vox, o primeiro partido de extrema-direita a entrar num parlamento autonómico em Espanha. Juntos, PP (26 deputados), Cidadãos (21) e Vox (12) somam 59 lugares – quatro acima da maioria –, precisamente o número de votos que Bosquet obteve na eleição desta quinta-feira, na inauguração da legislatura no parlamento em Sevilha, contra Inmaculada Nieto, a deputada da coligação de esquerda Adelante Andalucía (17), que recebeu o apoio do PSOE (33). A estratégia dos principais partidos à direita para afastar os socialistas e a presidente cessante Susana Díaz dos dois principais órgãos de poder na região, passou por uma proposta que, entre vice-presidências e secretarias, oferecesse a cada uma das formações políticas eleitas um lugar na mesa do parlamento – o órgão responsável pela definição e controlo dos trabalhos. O Vox aceitou e o deputado Manuel Gaviria foi eleito terceiro secretário da mesa, convertendo-se no primeiro membro da força de extrema-direita a deter um cargo institucional em Espanha. Um triunfo histórico para o partido que defende a supressão dos poderes autonómicos, a deportação de todos os imigrantes ilegais e a revogação da lei sobre a violência de género, e que elegeu 12 deputados sem apresentar uma única medida para a Andaluzia – divulgou apenas um programa de “100 medidas urgentes para Espanha”. Por outro lado, a Adelante Andalucía rejeitou a oferta do eixo Cidadãos-PP e não apresentou qualquer candidato à mesa. Ao fazê-lo, a coligação que integra o Podemos e a Esquerda Unida quis tornar ainda mais evidente que o plano dos partidos à direita só foi possível graças ao conluio com a Vox. “Por coerência não participamos em alianças entre as direitas e as extremas-direitas andaluzas. Têm de apresentar-se como são: uma aliança tripla. E nós seremos a sua oposição mais firme durante os próximos quatro anos”, justificou Teresa Rodríguez, coordenador do Podemos na Andaluzia, citada pelo site Publico. es. Estratégia semelhante foi adoptada pelo PSOE, quando optou por não apresentar ninguém para competir com Bosquet pela presidência do parlamento. Até porque, mesmo sem os 55 votos necessários para o efeito, os socialistas vão propor a investidura em Susana Díaz e forçar os partidos à direita a terem de depender, novamente, do apoio da extrema-direita. Que já anunciou que não facilitará o processo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Não nos sentimos responsáveis nem obrigados pelos acordos que tenham sido alcançados PP e Cidadãos. As negociações [para a formação do governo] serão claras, transparentes e leais, mas também serão difíceis, porque queremos tratar de muitos temas”, afiançou o secretário-geral do Vox Javier Ortega, citado pelo El País, sem revelar, no entanto, se vão ser exigidas mudanças ao programa de governo conjunto revelado na terça-feira pelos dois partidos. A votação do presidente da Junta da Andaluzia deverá acontecer em meados de Janeiro e terá, quase seguramente, como candidatos, a actual presidente socialista e Juan Manuel Moreno, do PP. “É mais do que previsível que o próximo presidente da Junta seja eu”, afirmou na quarta-feira o dirigente popular.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei violência género deportação