Maajid Nawaz entrou na rede jihadista. E saiu
Um jovem britânico de origem paquistanesa entrou para organizações islamistas e para a luta para erguer um Estado Islâmico. Hoje tenta desconstruir a narrativa que leva milhares de jovens a chegar à Turquia para combater em nome do califado, como explica à Revista 2. (...)

Maajid Nawaz entrou na rede jihadista. E saiu
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um jovem britânico de origem paquistanesa entrou para organizações islamistas e para a luta para erguer um Estado Islâmico. Hoje tenta desconstruir a narrativa que leva milhares de jovens a chegar à Turquia para combater em nome do califado, como explica à Revista 2.
TEXTO: Houve um momento decisivo na vida de Maajid Nawaz. Envolveu o seu irmão, Osman, um grupo de skinheads e uma mochila verde. Desta, o importante era o conteúdo, puramente imaginário, mas com um poder imenso sobre a discriminação, a intolerância, o racismo, as injustiças no mundo. Era impossível não se render ao prodígio do que viria a designar por “momento mochila verde”, e fazê-lo repetir-se ao longo da vida, sob várias formas. Maajid era um miúdo de origem paquistanesa nascido e criado em Southend, uma cidade do condado do Essex, no Reino Unido. Fazia graffiti e ouvia música hip-hop, numa altura, os anos 1980, em que o racismo era algo natural e quotidiano nas escolas britânicas. Maajid lembra-se de a funcionária da cantina o obrigar a engolir as salsichas que o pai lhe dissera para evitar, por serem feitas com carne de porco, interdita aos muçulmanos. Lembra-se de o amigo Tony, quando as primeiras notícias sobre a sida começaram a vir a público, lhe ter dito: “A sida é culpa tua. Foram pessoas como tu que causaram a doença. Vocês fazem sexo com macacos. Foi assim que a sida começou. O meu pai disse-me. ”E não poderá nunca esquecer o momento em que tentou entrar num jogo de futebol, no intervalo do almoço, e nenhuma equipa o escolheu, apesar de haver vagas. Aproximou-se do amigo Patrick, um dos capitães de equipa, para lhe perguntar o que se passava. A resposta de Patrick foi um brutal murro no estômago, em frente de todos. A seguir veio a resposta: “Este jogo não é para pakis! Não voltes a pedir para jogar!”O que Maajid recorda deste episódio não é a dor, mas o sentimento de solidão, ao ver que era o único que não podia jogar. “Foi este incidente, mais do que qualquer outra coisa, que destruiu a minha inocência da infância”, escreveria no livro O Radical, publicado em 2012 no Reino Unido e agora editado em Portugal pela Texto. “Nunca mais joguei futebol. Aqueles miúdos da escola primária não me deixavam. Quando cheguei ao liceu, senti-me envergonhado por não poder jogar, a rejeição ecoava nos meus ouvidos e nem sequer tentei entrar para as equipas. Sem a vantagem de jogar futebol, teria de me esforçar o dobro. ”O futebol era um universo de afirmação fundamental para as crianças britânicas. Maajid tinha de substituí-lo por qualquer outro instrumento de integração e pertença, e o que havia disponível na altura para um filho de imigrantes como ele era o hip-hop. Ouviu uma faixa intitulada Fuck The Police, dos Niggaz With Attitude, e depois começou a gostar dos Public Enemy, onde identificou não apenas a atitude contestatária contra a autoridade, mas também a visão política. Eles controlam a narrativa. Em todas as comunidades muçulmanas no Reino Unido e na Europa, domina a ideia de que está em curso uma guerra de civilizações, do Ocidente contra o islão. O Professor Griff, elemento dos Public Enemy, fazia samplings dos discursos de Malcolm X, veiculava uma mensagem nacionalista negra nos guetos dos Estados Unidos, mas não deixava de manifestar a sua simpatia pela Nation of Islam, o movimento religioso supremacista negro chefiado por Louis Farrakhan. Para Maajid, esta música fazia o facto de ser muçulmano parecer cool, pela primeira vez na sua vida. Antes, quando ia à mesquita, às sessões para crianças, via o imã tentar transmitir os seus ensinamentos em árabe, usando um pau para punir os meninos que não respondiam acertadamente às suas perguntas. Agora, nas vozes dos rappers americanos, e depois britânicos, o islão já não parecia uma coisa antiquada, de que só podia envergonhar-se. Foi-se envolvendo cada vez mais profundamente na cultura hip-hop, usava calças largas de bombazina, lenço amarelo, boné dos Redskins, ténis Adidas e todas as marcas rigorosamente adequadas à sua imagem de B-boy, tornou-se artista urbano, pintando tags e “bombas” pelas paredes de Southend, sob o nome de Slammer. Esta nova identidade permitia-lhe afirmar-se e juntar-se a grupos com afinidades, que garantiam alguma segurança face aos ataques racistas. Mas no início dos anos 1990 surgem e multiplicam-se nas cidades britânicas os gangs skinhead. São uma ramificação dos mods, a tribo que combatia os rockers, nos anos 60 e 70, e tornam-se progressivamente racistas e violentos. Um grupo em particular, os Combat 18, transforma-se numa organização paramilitar neonazi. Em Southend, andavam armados de facas e bastões de basebol, à caça de jovens imigrantes, para os espancar, ou matar. Maajid e os amigos hip-hop também passaram a usar facas, mas ficavam sempre a perder nas lutas com os skinheads e os C18, em particular o bando de Mickey, um dos jovens brancos nazis do bairro, cujo único entretenimento era perseguir os “pakis” como se fossem animais. Mas esta era a época em que vários acontecimentos internacionais faziam emergir nas novas gerações uma consciência de pertencer a uma comunidade muçulmana, antes de a qualquer nacionalidade. A guerra na Bósnia, segundo Maajid, foi determinante para essa viragem. As televisões mostravam todos os dias bósnios louros de olhos azuis a ser massacrados, o que mostrava que não era a raça ou a nacionalidade que fazia deles vítimas, mas o simples facto de serem muçulmanos. Entre as comunidades de imigrantes no Reino Unido, o efeito foi o exacerbar das identidades religiosas. Os jovens passaram a definir-se como muçulmanos, em detrimento das origens nacionais. E os que sentiam mais preocupações com o que se passava no mundo globalizado passaram a definir-se como politicamente muçulmanos, admitindo que havia uma condição comum e interesses comuns às populações islâmicas de todo o planeta. Esta ideia surgiu e disseminou-se com os grupos islamistas do Médio Oriente e Ásia do Sul pós-coloniais. Adoptaram uma visão política do islão, perceberam que essa abordagem seria muito mais poderosa do que o socialismo árabe e espalharam as suas ideias pela Europa, através de árabes que pediam asilo político e dos imigrantes do Sul da Ásia. Foi neste ambiente, em que o islamismo político aparecia como uma ameaça em vários cenários internacionais, que Maajid viveu o seu “momento mochila verde”. Estava em frente da sua casa, com o irmão, Osman, e outro amigo, de ascendência grega, quando se aproximou o bando de Mickey. Os nazis, que os tomavam todos por paquistaneses, incluindo o grego, devido à tez morena, mostravam as facas e batiam com os tacos de basebol nos pilares da beira da estrada. Estavam em superioridade numérica e iam massacrar os pobres imigrantes hip-hop, mas, de repente, Mickey hesitou. Avançou um pouco e pediu uma trégua, para falar. Ele, que nunca tinha dirigido a palavra a nenhum “paki”. Osman, que trazia uma grande mochila verde às costas, fez-lhe sinal para atravessar a rua e dirigiu-se a ele. Maajid ficou a observá-los durante uns dez minutos, enquanto conversavam, até apertarem as mãos e se afastarem em direcção aos respectivos grupos. “Já chega, rapazes”, disse Mickey aos amigos. “Não vamos armar mais confusão aqui. ”Maajid quis saber qual fora a táctica do irmão em relação ao nazi. “Disse-lhe que somos muçulmanos e não temos medo da morte”, respondeu Osman. “Somos como aqueles terroristas palestinianos que ele vê na televisão a fazer explodir aviões. Somos bombistas suicidas. Aprendemos a fazer bombas e eu tenho uma na minha mochila. Se tentares alguma coisa, faço-a explodir. Acredita, não me custa nada. Se tivermos de morrer para acabar convosco, é o que faremos. Se tivéssemos medo da morte, estaríamos a fugir de vocês. Porque é que estaríamos aqui parados, quando vocês são muitos mais do que nós?”A mochila de Osman estava obviamente vazia, mas o bluff resultou, porque se alimentou do próprio racismo de Mickey. A propaganda do Combat 18 retratava os muçulmanos como terroristas e assassinos. As ameaças de Osman confirmaram portanto os preconceitos do outro. “Se ele se tivesse dado ao trabalho de questionar a propaganda racista que engolira, talvez não se tivesse deixado enganar”, escreveu Maajid, que, após o incidente, decidiu assumir a sua nova identidade e tornar-se islamista. “Esta identidade tinha feito o que anos de lutas com facas não tinham conseguido. Ganhou a guerra psicológica e derrotou o nosso inimigo. Foi aquela tarde no parque e o medo que vi nos olhos de Mickey que me fizeram decidir a levar as coisas mais longe (…) Numa conversa, o islamismo fez o que o hip-hop nunca conseguira fazer. ”Este discurso era altamente apelativo para os jovens, porque lhes falava de política, de problemas concretos, dos dramas que se viam na televisão e apontava um caminho, uma solução, conta agora Maajid Nawaz à Revista 2 numa entrevista telefónica, de Londres. O hip-hop, que passou a só falar de carros, sexo e drogas, já não correspondia às expectativas dos jovens imigrantes. O islamismo fazia-os sentirem-se parte de um todo solidário, temido e respeitado pelos poderosos do mundo. “Era uma narrativa constituída por meias verdades”, diz Maajid. “Apontava situações injustas herdadas do colonialismo e situações concretas e pontuais de opressão, que são reais. Mas explicava tudo como uma guerra global que estaria em curso contra os muçulmanos, o que é um absurdo. ”A formação das ideias islamistas tem pouco que ver com o Corão, explica Maajid, mas antes com uma imitação das concepções fascistas e nazis, que surgiram na Europa. “Alguma base teórica foi repescada nos textos islâmicos, mas misturada com noções de Estado e de preocupações sociais próprias, por exemplo, do regime de Mussolini. É uma herança que tem portanto mais que ver com o colonialismo do que com os ensinamentos do profeta. ”Na altura fazia sentido para os milhares de jovens que frequentavam os cursos e reuniões do HT e organizações afins. Tratava-se porém, explica Maajid, de uma ideologia do islão político, que nada tinha de fundamentalismo religioso. Os integristas têm a sua genealogia no salafismo e na visão literalista do Corão dos sauditas e em grupos como a Irmandade Muçulmana do Egipto. A estes não interessava a política, mas apenas a pureza religiosa. E os primeiros islamistas eram bastante relapsos em relação à prática religiosa. A fusão entre estas duas correntes (integrismo e islamismo) só se dará muito mais tarde, para originar o jihadismo que existe hoje. No islão tradicional, a corrente secularista sempre foi muito forte, explica Maajid. Mas foi ficando para trás, porque era preciso apresentar aos modelos ocidentais uma alternativa que tivesse legitimidade. O salafismo e o fundamentalismo da Irmandade Muçulmana foi a fonte que encontraram. “O facto de alguns dos defensores mais sólidos deste secularismo não serem democratas, mas sim déspotas árabes não ajudou em nada”, diz Maajid. O próprio Hizb al-Tahrir fez uma viragem, por determinação do seu líder, Omar Bakri Mohamad, que se tornou um fervoroso salafista (ver entrevista na revista Pública, 18 de Abril de 2004). Ramificações deste grupo e de outros, salafistas ligados à Arábia Saudita, dariam origem à Al-Qaeda e afins. Ao serviço do HT, Maajid acabou por partir para o Paquistão, e depois para o Egipto, para conspirar no sentido de provocar golpes de Estado nesses países. O plano era tomar o poder no Paquistão, Afeganistão e Uzbequistão, após o que os taliban funcionariam como ponte para criar o primeiro Estado Islâmico moderno, beneficiando do armamento nuclear detido pelo Paquistão. Segundo Maajid, estava tudo bem encaminhado, e foram os ataques de 11 de Setembro que destruíram o sonho de um califado na Ásia Central. Constituíram um erro, que provocou a ocupação do Afeganistão pela NATO. Maajid, que se tornara um quadro importante do HT, acabou por ser preso pela polícia secreta do Egipto. Seria levado para as masmorras dos presos políticos e apenas conseguiu escapar à tortura e ter direito a um julgamento graças à intervenção das autoridades britânicas, o que o fez pensar. Cumpriu cinco anos de pena, mas a sua perspectiva começou a mudar. Regressado ao Reino Unido, reparou por exemplo que a maior manifestação contra a invasão do Iraque ocorreu, não em alguma capital do mundo muçulmano, mas em Londres. Não foi fácil afastar-se do HT. “Eles controlam a narrativa”, explica agora. “Em todas as comunidades muçulmanas no Reino Unido e na Europa, domina a ideia de que está em curso uma guerra de civilizações, do Ocidente contra o islão. E quem colocar isto em causa está a trair os seus irmãos muçulmanos, é um traidor. ”Desde que abandonou o HT, Maajid tem sido ameaçado e insultado, vítima de difamações e tentativas de agressão, mesmo por parte de antigos companheiros. Compreende que a mensagem do actual ISIS continue a ser apelativa para os jovens das comunidades imigrantes, apesar das imagens de terror divulgadas pelas televisões. “As atrocidades, as violações aos direitos humanos não afectam a simpatia que muitos sentem pelo Estado Islâmico, porque, segundo a sua narrativa, isso é apenas uma resposta às atrocidades cometidas pelo Ocidente contra os muçulmanos. E o Estado Islâmico surge como uma entidade a apoiar, porque, em todas as comunidades muçulmanas se divulgou a propaganda segundo a qual a criação de um Estado Islâmico seria a única solução para as injustiças de que os muçulmanos são vítimas. Há 20 anos que nos vendem a utopia do Estado Islâmico. É o que fazem todos esses imãs e líderes de bairro. Não há outra utopia. ”Maajid criou uma fundação, a Quilliam, para combater o extremismo e espalhar ideais alternativos entre os jovens muçulmanos, que incluam a democracia, a liberdade e a defesa dos direitos humanos. “A ideia de democracia é a base que temos de convencer as pessoas a aceitar. É preciso explicarmos a necessidade de um novo tipo de contrato social, em que as pessoas se sintam integradas nas sociedades onde vivem. A democracia é o ponto de partida. A estrutura política, de governo secular, com liberdade de expressão. Depois temos de trabalhar na criação de novas utopias, novas políticas de identidade, por parte da União Europeia. ”As atrocidades, as violações aos direitos humanos não afectam a simpatia que muitos sentem pelo Estado Islâmico, porque, segundo a sua narrativa, isso é apenas uma resposta às atrocidades cometidas pelo Ocidente contra os muçulmanos. "Maajid tem tido a colaboração de organizações políticas, de universidades, foi recebido pelo primeiro-ministro britânico e pelo Presidente americano. Está empenhado na luta contra o terrorismo e contra o extremismo, mas a sua acção incide nas estruturas de base das comunidades, onde a narrativa sobre o Estado Islâmico é construída. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Temos de intervir nas organizações aparentemente pacíficas, onde se veiculam estas ideias. Proliferam os grupos não violentos que defendem a ideia da teocracia. Eles não cometem actos terroristas, mas promovem as ideias que levam a que os jovens se entreguem ao terrorismo. Na Europa, não se organizam células, ou milícias, para ir combater ao lado do ISIS. O que se faz é doutrinar os jovens, que depois decidem largar tudo e partir para o Iraque ou a Síria. Vão até à Turquia, sozinhos, ou com alguns amigos, e dirigem-se à fronteira, onde há recrutadores à sua espera. ”A partir daí, tudo está bem organizado, no território controlado pelo Estado Islâmico, para encaminhar e atribuir funções aos jovens que chegam da Europa. Mas não antes. No Reino Unido ou em França, o trabalho é essencialmente ideológico. “É muito bem feito, muito completo. Fornecem uma ideologia, símbolos, líderes e um sonho: o califado. E as pessoas nem se apercebem de como a ideia em si é ridícula. É como dizer que a Europa deveria reconstituir o Império Romano ou o sacro império romano-germânico, só para cristãos. Também é absurdo idealizar o que foi o império otomano, como última versão do califado, quando se tratava de um império belicoso e expansionista, como foram os dos cristãos. Toda a ideia de uma guerra de civilizações dos cristãos contra os muçulmanos é hoje anacrónica e ridícula. É pois errado falar do que deve o Ocidente fazer para deter o Estado Islâmico. Não é o Ocidente, é a comunidade internacional que tem de agir. ”
REFERÊNCIAS:
Na Europa assustada e revoltada, Le Pen e Farage somam votos
Sondagens deixam já pouca margem para dúvida. Partidos xenófobos e populistas preparam-se para vencer eleições europeias no Reino Unido e em França. (...)

Na Europa assustada e revoltada, Le Pen e Farage somam votos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.5
DATA: 2014-05-19 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20140519170208/http://www.publico.pt/1636484
SUMÁRIO: Sondagens deixam já pouca margem para dúvida. Partidos xenófobos e populistas preparam-se para vencer eleições europeias no Reino Unido e em França.
TEXTO: Ambos rejeitam a etiqueta do racismo, mas de um e outro lado do Canal da Mancha, Marine Le Pen e Nigel Farage exploram sem grande vergonha a inquietação que a imigração gera na Europa em crise. A uma semana das europeias, as sondagens mostram que a estratégia – por muito polémica ou criticada que seja – está a render frutos e tanto a Frente Nacional (FN) como os eurocépticos do UKIP deverão sair vencedores das eleições em França e no Reino Unido. As sondagens em França não se alteraram muito desde o início da campanha e, como escreveu na semana passada o jornal Le Point, “a questão já não é saber se a FN vai ganhar, mas que vantagem terá para o partido que ficar em segundo lugar”. Os últimos estudos atribuem ao partido de Le Pen entre 24 a 25% dos votos, mostrando a União para o Movimento Popular (UMP, direita) de Jean-François Copé em ligeiro recuo, para os 21%. Penalizado pela impopularidade do Presidente François Hollande e pelos fracassos do seu Governo, os socialistas franceses não deverão conseguir mais do que 17 a 18% dos votos. Mas se os números não espantam face ao que tem sido o registo recente do partido de extrema-direita (a FN conquistou 12 municípios nas eleições de Março) tornam-se mais difíceis de explicar quando confrontados com outros indicadores. Uma sondagem divulgada na semana passada pelo jornal Le Parisien indica que 79% dos franceses se opõem à saída do euro, o cavalo de batalha de Le Pen desde 2012, e 81% dizem mesmo que se trata de uma proposta sem credibilidade. O mesmo estudo indicava que, apesar do sucesso do seu partido, dois em cada três franceses continua a ter uma opinião negativa de Marine Le Pen e três em cada quatro não confiariam nela para governar o país. 77% classificam as suas posições políticas como sendo de extrema-direita e 60% vêem-na como racista – dois rótulos que sempre negou. Uma possível explicação para este paradoxo poderá estar numa outra sondagem, divulgada no domingo, pelo Journal du Dimanche, segundo a qual metade (49%) dos franceses estão descontentes com a União Europeia – um veredicto que é ouro sobre azul para Le Pen, que desde o início da campanha, tem multiplicado frases como “a Europa é um comboio prestes a explodir” ou “a Europa económica é um absurdo que não funciona”. Do mesmo lado da barricada – mas não lado a lado, como mostra uma recente troca de acusações – está Nigel Farage, o líder do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) que, tudo indica, poderá ter no dia 25 um resultado histórico. Uma sondagem do instituto ComRes para o jornal Independent on Sunday atribuiu ao partido antieuropeu 35% das intenções de voto nas europeias, com 11 pontos de vantagem face aos trabalhistas. Os conservadores do primeiro-ministro David Cameron somam 20% das intenções de voto, e os liberais-democratas, seus parceiros na coligação, são remetidos para o quinto lugar (6%), atrás dos Verdes. Uma nova subida nas intenções de voto totalmente imune às últimas declarações de Farage que, numa entrevista de rádio, reafirmou que ficaria preocupado se uma família romena se mudasse para a casa ao lado da sua. Disse também que se sentia “desconfortável” com a quantidade de línguas estrangeiras que se ouvem nos transportes públicos britânicos e insistiu que muitos dos imigrantes que chegam ao país fogem “de uma vida de crime e miséria”. Os comentários foram repudiados por Cameron e pelo líder dos trabalhistas, Ed Miliband, mas tanto um como o outro recusaram-se a apelidar Farage de racista – uma denúncia que, sabem, poderá fazer ricochete.
REFERÊNCIAS:
Já sabe em quem vai votar?
A campanha para as eleições europeias termina esta sexta-feira. Sábado é dia de reflexão. Reflictamos então. (...)

Já sabe em quem vai votar?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-05-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: A campanha para as eleições europeias termina esta sexta-feira. Sábado é dia de reflexão. Reflictamos então.
TEXTO: São 16 listas que vão a votos para eleger os 21 eurodeputados que vão representar Portugal no Parlamento Europeu. De uma coisa os portugueses não se podem queixar; há propostas para todos os gostos. Até para quem não gosta da Europa. Se é contra a União Europeia e é a favor da velhinha CEE, pode votar no PND. Se quiser um referendo ao euro, pode escolher o MAS. O Partido Operário é para aqueles que querem “rejeitar todas as instituições da União Europeia”. O PNR simplesmente quer sair da União Europeia, tal como o PCTP/MRPP, que quer o regresso ao escudo. E até sugere uma taxa de câmbio: 1 escudo = 1 euro. Se quiser ficar no euro, mas está preocupado com a dívida, pode votar no Bloco, que defende a “reestruturação da dívida” e, como brinde, ainda terá direito ao surf nos currículos escolares. A CDU também é a favor do “reconhecimento da insustentabilidade da dívida” e o Partido Monárquico defende a sua mutualização. O Livre é para aqueles que querem revogar o Tratado Orçamental e, como bónus, ainda terão o prazer de levar a troika a tribunal. Depois há um grupo de partidos mais heterogéneo que defende um pouco de tudo. Marinho e Pinto, do MPT, quer ser eurodeputado para “combater os tachos”. O Partido pelos Animais quer a Europa a reconhecer as “gerações futuras de humanos e não humanos”, e ainda para os mais infelizes propõe-se substituir o PIB pelo FIB (Felicidade Interna Bruta). O Portugal Pro Vida sai, naturalmente, em defesa da natalidade. O PTP de José Manuel Coelho quer os madeirenses no Parlamento Europeu “a torcerem pela Madeira e Porto Santo”. E também há o PDA, cuja primeira prioridade são os pescadores dos Açores e a segunda…os agricultores dos Açores. Depois há ainda o PS e a Aliança Portugal (PSD-CDS) que surgem em primeiro nas sondagens. Como não têm muita coisa sobre a Europa por onde divergir vão-se entretendo com quezílias internas. Manuel Alegre achou que quezílias era muito aborrecido e partiu para o insulto. Quando a Aliança Portugal falou em “vírus socialista”, Alegre lembrou-se de comparar o discurso de Rangel ao discurso nazi. Uma comparação gratuita, despropositada e desproporcionada. E é neste clima de amizade e de cordialidade que José Sócrates fará hoje a sua aparição na campanha. Portas pede que os eleitores se indignem contra a "glorificaçãoo de José Sócrates". Os socráticos ofendidos saíram logo em defesa do ex-primeiro-ministro. Silva Pereira, claro está, veio dizer que quando “um socialista é atacado é todo o PS que é atacado”. Mas o PS é um partido ou é a NATO? A frase de Silva Pereira faz lembrar o artigo 5 da NATO; se um membro é atacado, será considerado um ataque contra todos. Então, se criticar Manuel Alegre pelo disparate que disse, estou a atacar todos os socialistas? É uma visão demasiado sectária daquilo que deve ser um partido. Depois admirem-se que a abstenção suba. Aliás, o desinteresse das pessoas nesta campanha tem sido tal que é quase confrangedor ver os cabeças de lista calcorrear as ruas e quase a pedinchar que os transeuntes aceitem um aperto de mão, um pin, um folheto, uma caneta. As televisões até têm sido bastante simpáticas ao mostrar os candidatos de perto; se abrirem mais o foco da câmara, só se vê o vazio, para lá dos acólitos partidários que são sempre arregimentados para estes desfiles e arruadas. Ainda há dias, numa arruada em Coimbra, completamente às moscas, Nuno Melo e Paulo Rangel diziam que a coligação "não tem medo do povo" – mas o povo parece ter medo da coligação. Se por cá são os vírus e as bactérias a tomar conta da campanha, por essa Europa fora a coisa é bastante pior. Ainda esta semana Jean-Marie Le Pen, o fundador da Frente Nacional e candidato a eurodeputado, veio dizer que o vírus ébola pode resolver o problema de imigração da Europa. Nós até já estamos habituados às declarações racistas, anti-semitas e de incitamento ao ódio do pai e da filha Le Pen. O que não estamos habituados é ver sondagens em que a Frente Nacional lidera as intenções de voto em França e, muito provavelmente, irá eleger os mesmos 21 eurodeputados que Portugal inteiro irá eleger.
REFERÊNCIAS:
Ser americano devia ser um privilégio e não um direito
Deus abençoe a América. Assim reza um patriota americano, tantas vezes quanto as que forem necessárias, embora talvez devesse dizer "Deus continue a abençoar a América", porque acredita que não há país como o seu. (...)

Ser americano devia ser um privilégio e não um direito
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.07
DATA: 2010-08-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Deus abençoe a América. Assim reza um patriota americano, tantas vezes quanto as que forem necessárias, embora talvez devesse dizer "Deus continue a abençoar a América", porque acredita que não há país como o seu.
TEXTO: Sexta-feira à noite, frente ao Senado do Arizona, em Phoenix, não faltaram sinais do fervor patriótico, na primeira demonstração de apoio à lei anti-imigração ilegal desde que na quarta-feira uma juíza federal reduziu substancialmente a legislação que iria entrar em vigor. Empunhando bandeiras americanas e t-shirts "Proud to be an American", as pessoas que acorreram à vigília promovida pelo senador republicano Russell Pearce são como que um lugar na primeira fila para a América do populismo e do ressentimento (não há outra maneira de dizê-lo). Não é uma amostra muito lata, porque a participação ficou aquém das expectativas; estavam cerca de 60 pessoas, menos de um terço das cadeiras de plástico que improvisavam um auditório frente ao Senado, no lado oposto ao relvado onde famílias mexicanas levaram a cabo uma vigília de mais de 100 dias contra a lei do Arizona. À medida que iam chegando, os participantes cumprimentavam-se uns aos outros. Classe baixa e média, muitos reformados, e pelo menos duas armas à cintura. A confirmação dos piores preconceitos sobre uma América provinciana e paranóica, a transpirar no calor quase subtropical do Arizona. A vigília pretendia homenagear os agentes que morreram lutando contra a imigração ilegal ou que foram mortos por imigrantes ilegais, embora nenhum dos oradores tenha mencionado quais ou quantos. A cerimónia teve os contornos de um serviço religioso: citações bíblicas, procissão de velas e sermões de reconciliação (o reverendo afro-americano Wayne Perryman, de Seattle, que recentemente veio em defesa do Tea Party, dizendo que este movimento não era racista, e que o verdadeiro racismo está no Partido Democrata, falou de "construir uma sociedade pacífica para todos"). Três adjuntos do xerife abriram a vigília marchando com a bandeira americana até ao palco, com a assistência de pé. Sharon Smith, mão direita sobre o peito, juntou-se ao coro que prestou o juramento da bandeira. Sharon, t-shirt dos Tea Party Patriots, veio de Scottsdale, uma cidade a 20 minutos de Phoenix onde vive o Arizona próspero, classe média-alta. Maquilhada, rabo de cavalo, óculos, mala Louis Vuitton, Sharon Smith parece uma versão um pouco mais sofisticada de Sarah Palin. Contra ObamaDurante a vigília, nenhum dos oradores mencionou a lei SB 1070 ou a decisão da juíza, apesar de ser o assunto central nas conversas. Uma mulher obesa trazia uma t-shirt laranja que dizia "Viva los 1070". Sharon, assertiva, apresenta-se como "uma grande apoiante da lei 1070". "Acredito que se quer vir para este país, tem de o fazer da maneira correcta. As coisas nunca teriam chegado a este ponto se tivéssemos procurado proteger as nossas fronteiras e não fôssemos tão permissivos em matéria de imigração. Temos deixado andar. Mas agora que o nosso país está em perigo - estamos em queda enquanto país e enquanto país livre -, as pessoas estão a aperceber-se de que a imigração é um grande problema. " No ano passado, alega Sharon, os imigrantes ilegais custaram aos contribuintes 2, 7 mil milhões de dólares em assistência médica e educação, serviços que receberam gratuitamente porque não têm de pagar impostos. E isso só no Arizona. "Na Califórnia foram dez mil milhões, para que saiba. " (O PÚBLICO entrevistou um casal mexicano que entrou ilegalmente nos EUA e que paga as contribuições para a segurança social, embora não tenha direito a assistência médica. ) "As leis de imigração noutros países são muito mais restritivas do que aqui. Devíamos ter sido restritivos desde o começo. "
REFERÊNCIAS:
Hélder Amaral nunca quis ser “o negro do Parlamento”
O único luso-africano da Assembleia da República diz que “há um desconforto enorme em discutir” discriminação racial (...)

Hélder Amaral nunca quis ser “o negro do Parlamento”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 10 | Sentimento -0.16
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O único luso-africano da Assembleia da República diz que “há um desconforto enorme em discutir” discriminação racial
TEXTO: Quando Hélder Amaral foi eleito pela primeira, nas listas do CDS-PP, houve uma deputada já experiente, de outro partido, que lhe recomendou logo: “Nunca permitas que te ponham na posição do negro do Parlamento. Se fizeres isso, ficas acantonado”. Queria ser um político activo, independentemente das suas origens étnico-raciais. Não queria ser “a” voz dos luso-africanos. Já lá vão 16 anos. António Guterres demitira-se do cargo de primeiro-ministro. A Assembleia da República fora dissolvida. Os partidos de centro-direita tinham ganho as eleições. Durão Barroso e Paulo Portas estavam a formar Governo. Naquela altura, por causa da cor de pele, havia quem tomasse Hélder Amaral por motorista ou guarda-costas. A ideia de ter um luso-africano no hemiciclo não lhes ocorria. E poucos davam pela origem africana de Celeste Correia, de pele clara e olhos azuis. Celeste Correia nasceu em Cabo-Verde em 1948. Entrou na Assembleia da República em 1995, pela mão de António Costa. Na mesma ocasião, pela mesma via, entrou Fernando Ká, nascido na Guiné-Bissau em 1952. E, por iniciativa do PCP, Manuel Correia, nascido em Cabo-Verde, em 1952. Todos menos de um mês ao abrigo de um programa especial de integração de líderes associativos das maiores comunidades de estrangeiros residentes em Portugal pensado para enriquecer o debate que então se travava sobre o regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros no território nacional e processos de regularização extraordinária de quem estava em situação irregular. Só Celeste Correia foi, depois, eleita por Lisboa nas listas do PS. Nascera no seio de uma família burguesa do Mindelo, estudara Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, fizera carreira como professora de Português no ensino secundário e fora aí que te interessara pelas dificuldades dos seus compatriotas. “Fui deputada 18 anos”, sublinha. Desse período destaca a aprovação do regime de apoio às associações de imigrantes, a criação do Alto Comissariado para o Diálogo Intercultural, actual Alto Comissariado para as Migrações, a lei Contra a Discriminação Racial, a reforma da Lei da Nacionalidade. Estava lá quando Hélder Amaral, nascido em 1967 em Angola, foi eleito pelo círculo de Viseu. Hélder Amaral não se ocupa dos temas relacionados com imigração. “Até me acusam disso”, diz. “Nos primeiros mandatos, fiz reuniões com associações de comunidades africanas. Sentia que se identificavam mais comigo e até pensavam que eu percebia melhor muitas das questões que levantavam, mas eu moro no interior, não moro na Grande Lisboa, onde os problemas são mais evidentes. ”Amaral fez carreira na terra (é presidente da Comissão Política Distrital de Viseu e vereador na Câmara Municipal de Viseu), sente mais os problemas do interior e dedica-se a outra pasta (preside à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas). Mas não é que não faça qualquer trabalho relacionado com as suas origens - é representante do CDS-PP no Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Angola e no Fórum dos Parlamentos de Língua Portuguesa. Constata a ausência de diversidade étnico-racial. Parece-lhe evidente que isso não impede o debate público. “Como costumo dizer: não é preciso ser galinha para saber que um ovo está podre. Mas os partidos seriam mais ricos e o Parlamento seria mais rico se tivessem dentro de si esses equilíbrios. ”Arrisca dizer que, se houvesse mais negros no Parlamento, questões como o racismo teriam outro peso. “Normalmente, falo pouco sobre essas matérias. Se eu for a falar, sendo único, a probabilidade de acharem que estou a ter um acto de racismo é grande”, afiança. “Há um desconforto enorme em discutir essas matérias. Só a espaços tenho comentado. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O tema não está ausente da vida parlamentar. Ainda no dia 21 de Março, um grupo de deputados do PS apresentou um projecto de resolução a recomendar que aquele se transforme no Dia Nacional para a Eliminação da Discriminação Racial. E Hélder Amaral ouviu a deputada Isabel Moreira lamentar a falta de representatividade no Parlamento. “Eu disse: Eu estou aqui. Ou sou branco? E ri-me. ”Não é uma experiência nova. “Quando há discussões, normalmente toda a gente ignora que há um luso-africano no Parlamento. A própria comunicação social ignora”, assegura. Para alguns, o simples acto de assumir que está ali uma pessoa que tem um tom de pele diferente é uma atitude racista. Seria diferente se não pertencesse a um partido conservador de direita? “Se eu fosse do Bloco de Esquerda, era uma vedeta. ”
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Partidos PS PCP
Técnicos do INEM em greve marcham em protesto até ao Ministério da Saúde
Trabalhadores manifestaram-se contra o incumprimento da promessa do Governo de homologar a carreira dos técnicos do INEM, que significa aumento de salários e a atribuição de outras competências. Entregaram moção dirigida ao ministro Paulo Macedo. (...)

Técnicos do INEM em greve marcham em protesto até ao Ministério da Saúde
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Trabalhadores manifestaram-se contra o incumprimento da promessa do Governo de homologar a carreira dos técnicos do INEM, que significa aumento de salários e a atribuição de outras competências. Entregaram moção dirigida ao ministro Paulo Macedo.
TEXTO: Várias “centenas” de técnicos do Instituto Nacional de Emergência Média (INEM), segundo dirigentes sindicais, concentraram-se nesta quinta-feira junto à porta do Ministério da Saúde depois de terem partido ainda de manhã da sede do INEM numa marcha lenta de protesto. Os trabalhadores daquele instituto, que estão a cumprir uma greve de 24 horas em protesto contra a não homologação da sua carreira nesta legislatura, pretendiam ser recebidos pelo ministro Paulo Macedo para lhe entregar uma moção com as principais razões deste protesto. Acabaram por ser recebidos por uma secretária a quem entregaram o documento“Esperamos ser recebidos. Não equacionamos outro cenário que não esse. Neste momento a manifestação conta centenas de pessoas. Cerca de 200. Enganaram os trabalhadores do INEM. Primeiro prometeram-lhes a homologação da carreira ainda nesta legislatura e há 15 dias vieram dizer que afinal tal já não era possível. Não vamos desistir desta luta. Esta é também uma forma de marcar a saída deste ministro. Esperemos que ele não volte”, dizia, ainda antes de ser recebido na tutela, Luís Pesca, dirigente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais. Também Rui Gonçalves, representante da comissão de trabalhadores do INEM, insistiu esperar que pelo menos um grupo dos trabalhadores em protesto fosse recebido pelo ministério. “Este Governo não honrou a sua palavra”, acusou, acrescentando que o protesto serviu ainda para salientar a "falta de técnicos no INEM". Actualmente, segundo Rui Gonçalves, o instituto conta com "cerca de mil técnicos, entre profissionais de ambulância de emergência e operadores de comunicações". Mas nos últimos dez anos, o INEM perdeu mais de 100 técnicos que emigraram para outros países em busca de melhores condições. Decorrem, porém, concursos para contratar 85 técnicos e 70 operadores de comunicações. De acordo com o representante da comissão, esta greve de 24 horas resultou na paralisação de vários meios de socorro do INEM por todo o país, nomeadamente de oito das 13 ambulâncias existentes em Lisboa, assim como de três motos. Verificam-se ainda “falhas no departamento de formação”. Já no Porto, há uma ambulância parada e também falhas no centro de formação. “A adesão à greve de é 100% em Lisboa”, salientou Rui Gonçalves. Segundo a comissão de trabalhadores do INEM, estão apenas a ser cumpridos os serviços mínimos, o que significa que em Lisboa estão a “funcionar apenas cinco ambulâncias” e no Porto “outras cinco também”. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Saúde remeteu qualquer reacção para o INEM que deverá emitir um comunicado durante a tarde desta quinta-feira. Em comunicado, a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais acusou a tutela de ter “assumido uma atitude vergonhosa e lamentável” ao ter “violado o compromisso assumido” após “várias reuniões de negociação no sentido de regulamentar a carreira de técnico de emergência pré-hospitalar”. Já o presidente do Sindicato dos Técnicos de Ambulância de Emergência Médica (STAE), Ricardo Rocha, recordou que "o ministério publicou a 18 de Setembro o diploma da carreira [para apreciação pública]" e que "isso implica uma espera de 20 dias", adiando para "8 de Outubro" a altura em que "poderia o diploma ir a Conselho de Ministros para ser aprovado, ou seja, já depois das eleições e noutra legislatura". Os sindicatos foram alertados para este problema a 11 de Setembro, na última reunião das negociações com a tutela. O STAE concordou com o projecto de diploma, criticando apenas as alterações salariais, enquanto a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais discordou em toda a linha. O governo "não poderia ter sido mais rápido e antecipado todo o procedimento?", questiona ainda o dirigente que acusa a tutela de ter agido "propositadamente para adiar a aprovação da carreira". Ricardo Rocha dúvida ainda que nessa altura, poucos dias após as eleições legislativas, "venha a realizar-se um conselho de ministros e que o novo governo concorde com esse diplioma". A regulamentação da carreira dos técnicos do INEM, que lhes possibilitará praticar novos actos no socorro, é já uma proposta antiga de vários governos. Já em Novembro de 2008, o então secretário de Estado da Saúde, Manuel Pizarro, garantia, numa conferência no Porto, que a criação da carreira avançaria ainda naquela legislatura. “Os novos técnicos serão o correspondente ao conceito anglo-saxónico de paramédico”, disse então Pizarro. A proposta previa naquela altura que estes profissionais passavam a administrar medicação, fazer acessos venosos nos doentes e reanimação cardíaca avançada, uma nova atribuição de competências que não agradou à Ordem dos Enfermeiros. Esta novidade desencadeou desde logo uma guerra entre técnicos e enfermeiros, que consideravam que os técnicos não poderiam praticar actos médicos.
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Palavras-chave guerra
O militar que chegou de táxi à revolução
Vítor Ribeiro Costa tinha tudo para não fazer parte deste filme: desertou, entregou-se. A 24 de Abril de 1974, foi dormir a casa, apesar de ter ordens em contrário. Acordou num sobressalto. (...)

O militar que chegou de táxi à revolução
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.1
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vítor Ribeiro Costa tinha tudo para não fazer parte deste filme: desertou, entregou-se. A 24 de Abril de 1974, foi dormir a casa, apesar de ter ordens em contrário. Acordou num sobressalto.
TEXTO: Desertou sem dizer uma palavra à mãe. Agora, cada vez que a vai visitar, ouve: “Ó filho, já não te vejo há 40 anos. Ficas cá?” Ela conta quase 89 anos. Não reconhece os outros filhos. “Eu saio, vou à rua fumar um cigarro, entro, a conversa é a mesma: ‘Ó filho, já não te vejo há 40 anos. Ficas cá?’”Vítor Ribeiro Costa não se demorou em França. A 25 de Abril de 1974 até estava bem no centro dos acontecimentos. Fez parte da contra-ofensiva lançada pelo regime, embora no início nem soubesse de que lado estava. “Só quando vi a GNR no Largo de Camões é que percebi: ‘A GNR está sempre a favor do regime, nós fazemos parte das forças fiéis ao Marcelo Caetano. ’”Não esteve na guerra colonial. A guerra, para ele, esgota-se na tensão do dia que lhe pôs fim e nos estilhaços para sempre cravejados no espírito do irmão nela forçado a entrar. Despediu-se dele no Cais de Alcântara em Dezembro de 1967. Viu-o desaparecer no navio-almirante Vera Cruz, rumo a Angola, onde eclodira o conflito que entretanto se estendera a Moçambique e à Guiné. Não queria seguir no mesmo barco ou noutro requisitado à marinha mercante para transportar tropas. “Ia morrer para quê? Aquilo não tinha a ver comigo. Aquilo era deles. ”Onde isso tudo já vai. Está agora perto de casa, em Castanheira do Ribatejo, freguesia de Vila Franca de Xira, para onde se mudou no primeiro ano de vida. Gosta de andar no sossego da lezíria. Passa horas a pescar no Tejo. E, enquanto espera que a tainha morda, tantas vezes se perde nos seus pensamentos. Chega àquele dia, o dia da “revolução dos cravos”, parece que tudo se cobre de névoa. Usa a expressão “amnésia colectiva” quando se senta a conversar sobre o 25 de Abril. É algo que lhe vem de conversas tidas com o jornalista Adelino Gomes e o fotojornalista Alfredo Cunha, que o descobriram quando trabalhavam no livro Os Rapazes dos Tanques (Porto Editora, 2014), sobre os militares que estiveram frente-a-frente naquele dia, incluindo os que se recusaram a disparar, como ele. Não se pode dizer que fosse politizado quando decidiu desertar, a militância comunista veio anos depois. O que se pode dizer é que estava a “começar a ganhar consciência política”. Trabalhava numa oficina de metalomecânica e dava-se bem com outros jovens da sua terra — muitos descontentes “com a situação”, alguns já mais activos, como José Timóteo, um metalúrgico que fazia parte do Movimento da Juventude Trabalhadora, organização criada pelo PCP aquando da campanha eleitoral de 1969, as primeiras eleições depois de António de Oliveira Salazar sair da Presidência do Conselho. Vestiu a farda. Começou a recruta. A fuga não lhe saía da cabeça. Aproveitou um fim-de-semana para a concretizar. Como jogava futebol no Alhandra Sporting Club, então na segunda divisão, disse à mãe: “Se não aparecer estes dias, não se preocupe que vou para estágio. ” Não queria que ela desconfiasse. Já lhe falara nisso e ela reagira mal: “Que eu saiba, que eu vou dizer à guarda!” Escreveu-lhe uma carta. Pediu a José Timóteo que a metesse no correio dois dias após a partida. O PCP preferia que os militantes lutassem contra a guerra dentro da guerra, mas incitava outros a faltar à chamada ou a abandonar as fileiras das forças armadas, lembra o historiador Miguel Cardina. A cerca de 200 mil faltosos há que juntar um número indeterminado de jovens com recruta feita ou iniciada, diz ainda. Nem todos saíram do país, mas boa parte fê-lo, com passaporte falso ou “passaporte de coelho”, isto é, sem documentos, “a salto”, sobretudo para França. Os registos das Forças Armadas mostram o quanto o número de faltosos foi crescendo desde o início dos confrontos: 8. 722 em 1961, 14. 357 em 1964, 17. 838 em 1968. Não há dados referentes a 1969. A tendência prosseguiu, ainda que com um soluço, nos anos seguintes: 18. 554 em 1970, 15. 644 em 1971, 18. 841 em 1972. Não parece haver uma explicação óbvia para a quebra registada em 1971. Em 1971, a França prometeu a Portugal proibir a entrada de menores de 21 anos. “O Governo tentava fazer crer que deixava sair trabalhadores mas não sem fazer tropa”, interpreta o historiador Victor Pereira. Apesar de os franceses não respeitarem o acordo, durante pelo menos “algumas semanas” alguns rapazes podem ter desistido de emigrar, pensando que não conseguiriam entrar. Vítor partiu a 13 de Fevereiro de 1970, sem bagagem, vestindo umas calças boca-de-sino e um casaco cintado, comprado em segunda mão. Tinha completado 20 anos em Dezembro. Um amigo, Armando Morais, outro destacado militante do PCP, emprestou-lhe 500 escudos e levou-o à estação seguinte, à de Vala do Carregado, não fosse alguém desconfiar.
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Rebanho colectivo e rádio infantil finalistas de concurso de ideias portuguesas
Gulbenkian volta a apoiar projectos de inovação social com portugueses da diáspora. (...)

Rebanho colectivo e rádio infantil finalistas de concurso de ideias portuguesas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Gulbenkian volta a apoiar projectos de inovação social com portugueses da diáspora.
TEXTO: Uma rádio online para crianças que falem português e que vivam fora do país e um rebanho colectivo na aldeia de Rio Frio cujas cabras podem ser adoptadas por emigrantes são dois dos dez projectos finalistas da edição deste ano do concurso de inovação social Faz-Ideias de Origem Portuguesa, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian. “Lá se pensam, cá se fazem” é o mote deste concurso de empreendedorismo social dirigido a candidatos a viver fora de Portugal que tenham ideias na área do ambiente, inclusão social, envelhecimento, participação da sociedade civil na resolução dos problemas sociais, entre outros. Cada ideia tem de ser apresentada por três elementos, um deles tem de residir no estrangeiro. Em todas as edições são escolhidos dez finalistas, este ano houve 54 ideias a concurso com 200 participantes portugueses de 29 países. A 11 de Junho vai ser conhecido o vencedor desta quarta edição do Faz. Da lista de finalistas deste ano, cujos participantes irão todos receber uma formação dada pelo Instituto de Empreendedorismo Social, fazem ainda parte um projecto-piloto para criação de um jardim de borboletas e viveiro de plantas num centro social de Lisboa (Cidade com Asas), a comercialização de produtos da colmeia, como o mel, pólen e a cera (BEERURAL), um projecto de acesso às artes em áreas do país com pouca oferta (Manta de Retalhos) ou um projecto de reaproveitamento de cabos e carregadores, através da sua recolha, selecção e comercialização (Ligação Solidária 123). O vencedor receberá 25 mil euros, 15 mil euros vão para o segundo classificado e 10 mil euros para o terceiro. No ano passado ganhou o projecto Sumos Portugal, que consiste na criação de pontos de venda ambulante de sumos de frutas e outros produtos hortícolas naturais, vendidos por pessoas com deficiência. Em segundo lugar ficou o Salva a lã portuguesa – a ideia é que a lã das ovelhas, que costuma ser deitada fora, seja comprada a produtores nacionais e que sejam formadas pessoas que saibam fiar. A Plantei. eu, que ficou em terceiro lugar, consiste na criação de uma plataforma online europeia de promoção e suporte da troca de sementes, contribuindo para a preservação da biodiversidade agrícola. Estes três projectos ainda estão ainda em fase de implementação, informa a fundação. De vento em popa parecem estar dois projectos da edição de 2013. O próximo concerto da Orquestra XXI está marcado para 28 de Junho na Casa da Música. Este projecto juntou cerca de 50 músicos portugueses que tocam nas melhores orquestras de todo o mundo e que vêm de propósito a Portugal para realizar concertos, alguns dos quais gratuitos, e dinamizar academias de música nacionais. A orquestra nasceu em 2013 e fez três digressões nacionais. Já o projecto Fruta Feia, que ganhou o segundo prémio nesse ano, informa no seu site que, no “primeiro ano de e meio de funcionamento e com os actuais 650 consumidores associados, evitou o desperdício de 98. 539 quilos de frutas e hortaliças. ” O projecto foi criado para diminuir o desperdício de fruta que, “apesar de ser saborosa e de qualidade, não tem o aspecto ‘bonitinho’ que a grande distribuição procura e que os consumidores escolhem”. Foi uma ideia de uma portuguesa a viver em Barcelona. O mote é “Gente bonita come fruta feia”. Já no projecto Arrebita! Porto, que venceu a primeira edição, em que um grupo de arquitectos pretendia oferecer a possibilidade de senhorios de prédios degradados reabilitarem o seu imobiliário a custo zero, chegou ao fim no final de 2014. Numa nota deixada na página do Facebook do projecto diz-se "que o desenho colaborativo do projecto contém um número de falhas que o tornam inviável. " Diz-se que falharam as três premissas de base, nomeadamente que os trabalhos de obra seriam executados por jovens arquitetos e engenheiros voluntários, que os produtos e serviços seriam doados no quadro de mecenato social e que a coordenação dos trabalhos seria assegurada por universidades.
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Palavras-chave social
El Khatib semeia a beleza num teatro de morte
De cada vez que Mohamed El Khatib apresenta Finir en Beauté (Acabar em Beleza) reacende o luto pela morte da sua mãe. Em estreia nacional no Teatro D. Maria II, o autor franco-marroquino apresenta o magnífico primeiro momento da sua fuga do teatro clássico. (...)

El Khatib semeia a beleza num teatro de morte
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: De cada vez que Mohamed El Khatib apresenta Finir en Beauté (Acabar em Beleza) reacende o luto pela morte da sua mãe. Em estreia nacional no Teatro D. Maria II, o autor franco-marroquino apresenta o magnífico primeiro momento da sua fuga do teatro clássico.
TEXTO: Quando fundou o Collectif Zirlib, em Orléans, Mohamed El Khatib lançou no pequeno manifesto inaugural uma provocação em que apregoava o plano de “trabalhar sobre a morte e o luto durante os 15 anos seguintes”. Na altura, pode ter-lhe parecido que se dirigia ao exterior. Mas desde 2010 que essa profecia em causa própria tem-se cumprido com uma invejável pontualidade. A cada dois anos, o autor e encenador franco-marroquino dá por si embrulhado em criações que colocam essas temáticas no centro da sua vida artística. Em 2010, quando escreveu e estreou À L’Abri de Rien, era já com a morte da mãe que lidava, embora de uma forma indirecta, numa espécie de preâmbulo para Finir en Beauté (Acabar em Beleza), a peça que lhe valeu o Grande Prémio da Literatura Dramática francês em 2016 e que promove um primeiro contacto entre o público português, no Teatro Dona Maria II, em Lisboa, entre 18 e 25 de Fevereiro, e um dos autores mais desafiadores e fascinantes deste momento. Autoria: Mohamed El Khatib Produção: Zirlib Actor(es): Mohamed El Khatib Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, Todos os dias, de 18 de Fevereiro de 2017 a 25 de Fevereiro de 2017 às 19h Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, Todos os dias, de 18 de Fevereiro de 2017 a 25 de Fevereiro de 2017 às 21h30 Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, Sexta, de 18 de Fevereiro de 2017 a 25 de Fevereiro de 2017 às 19hEm À L’Abri de Rien, diz Mohamed ao Ípsilon, tacteava ainda em torno da doença da mãe e da sua morte anunciada, talvez resistindo a uma derradeira barreira de pudor que acabaria por se esfarelar mais tarde. “Na altura não quis ver isso e andei ao redor da questão, tendo feito uma peça sobre a morte que trata tanto da morte de familiares como de animais. Na verdade, era estimulado pela pergunta: de que forma me posso indignar intelectualmente com a morte de milhares de chechenos e com repetidos massacres no Kosovo, e no entanto a morte do meu cão me deixar mais triste? Quis interrogar esse mecanismo que faz com que possa comover-me com algumas tragédias mas estar sempre consciente que será o meu círculo próximo que me trará mais sofrimento. ”Parte considerável do percurso artístico de El Khatib germina dessa relação com a morte da mãe. Não só porque lhe deu um ponto de partida e lhe permitiu criar esse espectáculo comovente que traz agora a Lisboa, mas por todo o movimento que gerou em volta e desembocou, por exemplo, em Renault 12, road movie da sua viagem para reclamar a herança de um terreno em Marrocos (pretexto para redescobrir a sua mãe a partir de inquéritos a tios e tias), ou na sua próxima estreia, C’est la Vie, peça protagonizada pela actriz Fanny Catel e pelo actor Daniel Kenigsberg. Catel e Kenigsberg procuraram-no no final de uma apresentação de Finir en Beauté, não apenas para expressar a sua admiração mas também para lhe dizer “Bom, é grave perder uma mãe, ficamos tristes por isso, mas é quase uma brincadeira comparado com a perda de um filho, isso é muito pior”. “Não tenho filhos e quero acreditar em vocês”, respondeu-lhes Mohamed. “Mas não se pode criar uma equação dessas, afirmar que há dores que são mais importantes do que outras. ” Foi esse encontro, no entanto, a semear uma reflexão que voltou a colocá-lo no caminho da morte. Por mais que se desvie, ela nunca se afasta e a suspeita é a de que, por mais que traga outras ideias para o caminho, jamais a conseguirá despistar. Coincidindo com o processo de escrita de Finir en Beauté, Mohamed El Khatib aterrou no México, precisamente no Dia dos Mortos. “Vi-me no meio de uma grande festa, flores por todo o lado, as pessoas a beberem imenso álcool, muita tequila, um ambiente muito exultante e em que podíamos seguir aquela gente e entrar-lhes pelas casas dentro e visitámos hotéis dos mortos, do papi, da mami, das crianças. ” Esse tom de festa marcou-o pelo contraste com a forma envergonhada e encoberta com que passou a ver o correspondente tratamento ocidental. “Aqui”, diz, “a morte é um tema tabu, escondido. ” Depois, a comparação com a vivência da morte entre Marrocos, o país dos pais, e França, o seu país, havia de empurrá-lo para uma outra discussão, acreditando que “em qualquer lugar há rituais que ajudam a passar por esse momento”. “Mas em França não, não há quaisquer rituais. Como há uma rejeição da religião, não apareceu nada para compensar e ocupar o lugar dos novos rituais laicos. Eu não sou crente, mas isso não me impede de ver que a religião acompanha nesse momento. É uma pena que nós, laicos, não tenhamos quaisquer rituais. Fui a um funeral num crematório há não muito tempo e foi horrível, como se se morresse uma segunda vez. Talvez tenhamos de aprender a morrer – e essa é uma responsabilidade colectiva, a que devemos responder enquanto sociedade. ”Entre Maio de 2010 e Agosto de 2013, Mohamed El Khatib foi recolhendo os vários materiais que compõem Finir en Beauté. “Não me coloquei a questão do limite, da decência e do pudor”, escreve na edição em livro da peça. “Recolhi aquilo que pude e reconstruí. Tudo se passou muito rápido e sem premeditação. ” A 20 de Fevereiro de 2012, a mãe de Mohamed, Yamna El Khatib, morreu no Centro Hospitalar Universitário de Orléans-La-Source e esse momento capital na vida do autor é colocado em palco de forma comovente, no meio de registos de conversas entre os dois ou com o médico que acompanhava o caso, no relato das suas inquietações sobre o que significa ser um bom filho, em SMS e emails trocados, na descrição de todo o novelo burocrático envolvendo a morte de um imigrante, no processo de repatriação do corpo, na partilha de todos os pormenores absurdos que, se emprestam um tom quase cómico a certas passagens, apenas reforçam a sua humanidade e a emoção generosa mas sem miserabilismo ou autocompaixão que El Khatib leva para palco. O facto de se alimentar das experiências pessoais, à semelhança daquilo que vê no cinema de Alain Cavalier e nas obras de Sophie Calle, levaria à oposição de duas das suas (quatro) irmãs, para quem era e é incompreensível que Mohamed partilhe fotografias da mãe com estranhos. Tentaram demovê-lo, impedir que a peça avançasse, recusaram-se a assistir e nem o impacto e o reconhecimento público venceram a ideia de que expunha uma intimidade sem direito de o fazer. Como a mãe autorizou a gravação das suas conversas e coloca o foco no amor incondicional, Mohamed não se deteve. Finir en Beauté, que carrega o subtítulo Pièce en un acte de decès – jogo de palavras que tanto alude a uma peça composta por um único “acto de morte” como à certidão de óbito (acte de decès) – criou uma cisão no entendimento que Mohamed El Khatib tem do mundo, passando a dividir as pessoas em duas categorias: aquelas que perderam a sua mãe e as outras. “O momento de passagem de um grupo para o outro é transformador”, defende. “O que acho curioso é que este acto de morte é, para mim, também um acto de nascimento artístico. A minha relação com o mundo alterou-se e as minhas prioridades foram atacadas, como se depois do desaparecimento da minha mãe já não pudesse mais fingir. ”É uma pena que nós, laicos, não tenhamos rituais. Fui a um funeral num crematório e foi horrível, como se se morresse uma segunda vez. Talvez tenhamos de aprender a morrerNa sua prática artística, esta transformação materializa-se naquilo a que chama “uma viragem um pouco radical” na forma de encarar o teatro. Entrou em ruptura com o teatro clássico, “o teatro burguês”, deixou cair as personagens, a iluminação, todos os recursos artificiosos usados habitualmente na construção de um espectáculo. E preferiu enveredar por um teatro que não alinhe com a maioria da produção que identifica em França, em que o público chega, assiste, aplaude os desempenhos impecáveis dos actores e os cenários de magnífica execução, e segue para casa nesse confortável posto de observador mais ou menos preenchido e/ou deslumbrado com aquilo que viu. Mohamed não quer fazer parte desse jogo que, na sua opinião, se torna “um mero exercício de estilo”. “Mais do que um espectáculo, quero levar encontros para cena”, diz. “E, portanto, tento esvaziar todos os recursos um pouco burgueses do teatro e reintroduzir elementos que sejam vivazes. ” O exemplo perfeito para aquilo que nos diz chama-se Moi, Corinne Dadat, “performance documental” construída para a empregada de limpeza Corinne Dadat. Dadat limpava o palco num certo dia quando Mohamed reparou nos seus movimentos e comentou que parecia estar a interpretar uma coreografia, com uma qualidade de bailarina. Corinne, mulher de língua solta e frequentemente ácida, concordou e respondeu-lhe que a única diferença era não receber aplausos quando terminava. O encantamento de El Khatib nascido nesse momento por aquela mulher levou-o a realizar uma série de entrevistas de onde resulta uma descrição que partilha com o público: “Corinne Dadat não lê o Le Monde nem os Échos mas a sua análise da crise económica faria empalidecer quaisquer responsáveis do FMI”, “Corinne Dadat não levará os filhos à Eurodisney porque é demasiado caro e o Rato Mickey é um filho da puta” ou “Corinne Dadat já não tem sonhos: tem um quotidiano”. Muita gente perguntou a Mohamed por que não contratava uma actriz para encarnar Corinne Dadat, mas aquilo que o encantava era partilhar o palco com alguém que não podia controlar, totalmente indomada e por natureza desrespeitadora dos códigos teatrais. “Gosto de cultivar o acidente”, justifica. “Ao escolher uma empregada de limpeza, eu sei que ela tem problemas de memória e que posso dizer-lhe aquilo que desejo que, de qualquer maneira, ela vai acabar por fazer o que lhe apetecer. Não finge. Ela tem um microfone e comanda o tempo todo. Não representa, reage imenso à sala, é franca. E agrada-me essa ideia de que tudo é possível naquele palco. Claro que é uma peça que me pode escapar do controlo, há dias em que é genial e outros que não funciona porque ela está preocupada, porque tem uma filha doente ou algo assim. Mas eu quero essa fragilidade. ”Mais do que um espectáculo, quero levar encontros para cena. E, portanto, tento esvaziar todos os recursos um pouco burgueses do teatro e reintroduzir elementos que sejam vivazesA rejeição do teatro burguês tornou-se um verdadeiro problema quando Mohamed apresentou Finir en Beauté no festival Off de Avignon. “O problema é que em Avignon somos explorados, temos quase de pagar para nos apresentarmos”, resume. Comparando o festival a um supermercado, perguntou-se repetidas vezes “Como é que posso ser um encenador que defende valores humanistas, contra a lei de mercado, e depois na prática reproduzir a mesma coisa?” Lembrou-se muito dos seus amigos de esquerda, defensores da igualdade de oportunidades e da diversidade nas escolas de um país com um vincada divisão entre bairros ricos e pobres, e que chegada a altura de fazer escolhas para o ensino dos seus filhos optavam por escolas privadas. Ao seu questionamento, respondiam: “Antes tínhamos princípios, agora temos crianças. ”Esse que acredita ser o problema crónico da esquerda francesa, de se acomodar assim que chega ao poder e arranjar maneira de se fazer melhor amiga do liberalismo económico, sentiu-o em pequena escala na sua concessão a Avignon e ao apresentar Finir en Beauté em salas com uma capacidade superior a 80 pessoas, onde a partilha da sua intimidade corre o risco de se tornar voyeurística e gritada em vez de sugerida com a delicadeza exigida. Num outro sentido, também o Grande Prémio de Literatura Dramática o confundiu. Historicamente atribuído a autores de um teatro clássico, significava o reconhecimento precisamente do meio de que Mohamed tentava afastar-se e que levou muitos a queixar-se da injustiça de uma distinção dirigida a “alguém que não faz teatro, não trabalha com actores nem adopta qualquer narrativa”. Afinal, teria ou não acertado?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em L’Abri de Rien, Mohamed El Khatib abordava a iminência da morte da mãe ao fantasiar sobre os últimos tempos que passaria com ela, lendo-lhe todos os livros possíveis que tinham faltado a uma vida dedicada apenas à leitura do Corão. Se essa é uma marca da geração dos seus pais – “eles sabem o Corão de cor”, comenta –, embora revele a sua admiração pela “qualidade magnífica da língua” do livro sagrado, não foi assim consigo, em parte porque Ahmed El Khatib (seu pai) desenvolveu uma obsessão com os livros depois de alguém o ter convencido de que era vital para os seus filhos crescerem rodeados desse manancial de conhecimento. Mohamed sabe ser produto desse investimento e puxa de uma história para o ilustrar: “Um dia os meus pais e uns amigos compraram uma casa que transformaram numa mesquita. Era uma velha casa de campo, com um sótão onde descobriram centenas de livros magníficos. O meu pai trouxe aqueles que conseguiu, apareceu em casa e levou-me de volta para eu escolher todos os que quisesse. Chegámos depois de jantar e vimos os amigos dele a queimar os livros. Quando lhes perguntou por que faziam aquilo, houve um que lhe respondeu ‘Compramos livros novos às crianças e elas não os lêem. Achas que vão ler livros velhos?’. ”Os livros, comenta, não são tão importantes para uma cultura que cedeu à novidade e ao materialismo quanto o são ter um carro ou uma scooter para oferecer aos filhos. A sua excepção, diz, faz com que hoje possa dizer que na sua vida “Em Busca do Tempo Perdido, de Proust, é mais importante do que o Corão”. Algo que, ironicamente, sabe não poder afirmar na presença do seu pai. O Ípsilon viajou a convite do Teatro Nacional D. Maria II
REFERÊNCIAS:
Morreu José Lello, o político de "cortante sentido de humor"
Ex-ministro e antigo deputado socialista tinha 72 anos. (...)

Morreu José Lello, o político de "cortante sentido de humor"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.12
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ex-ministro e antigo deputado socialista tinha 72 anos.
TEXTO: José Lello morreu nesta sexta-feira, confirmou o PÚBLICO junto de fonte socialista. O ex-deputado e antigo ministro socialista, de 72 anos, estava doente há bastante tempo devido a um cancro no cólon que o levou a ser hospitalizado esta semana. “O PS reage com profundo pesar à morte de José Lello, que além de ser um destacado dirigente socialista, foi sempre um activo importante em todas as lutas da afirmação do Porto”, declarou ao PÚBLICO o presidente da distrital do PS-Porto, Manuel Pizarro. “A sua intervenção cívica ultrapassava em muito as fronteiras partidárias e o estilo próprio que punha nas coisas que eu poderia chamar combatividade jovial, constitui um exemplo que o PS não deixará esquecer”, acrescentou o líder federativo. Engenheiro mecânico de formação, José Lello começa o seu percurso político muito ligado a Mário Soares. Mais tarde torna-se uma figura central do grupo de Jaime Gama e é aí que começa a ligação a José Sócrates, de quem era muito próximo. O ex-deputado ascende pela primeira vez ao Governo após a vitória do PS em Outubro de 1995, sendo nomeado secretário de Estado das Comunidades, precisamente quando Jaime Gama é convidado para ministro dos Negócios Estrangeiros no XIII Governo Constitucional. Em 2000, o primeiro-ministro, António Guterres, escolheu-o para ministro da Juventude e do Desporto. Nas eleições legislativas antecipadas de Março de 2002 ocupa o segundo lugar na lista de deputados pelo Porto encabeçada por Alberto Martins. Cinco anos depois torna-se vice-presidente da Assembleia do Atlântico Norte. Mais tarde ascende a presidente da Assembleia Parlamentar da NATO, cargo que ocupa até 2008. Foi deputado em todas as legislaturas desde 1983 até 2015, tendo sido presidente do conselho de administração da Assembleia da República e vice-presidente do grupo parlamentar do PS. Desempenhou funções como membro das comissões políticas e nacional do PS. Integrou o secretariado nacional do partido. Nas últimas eleições presidenciais, José Lello apoiou a candidatura de Maria de Belém Roseira ao Palácio de Belém. "Como autarca e apaixonado pela sua cidade do Porto, José Lello – que foi também dirigente do Boavista Futebol Clube – serviu entre 1976 e 1989 como deputado na Assembleia Municipal. Além da sua capacidade de trabalho e dedicação às causas em que acreditava, José Lello caracterizava-se por um apurado e cortante sentido de humor, que utilizava muitas vezes como instrumento na sua actividade política e pública, tornando-o um dos mais conhecidos e populares parlamentares portugueses das últimas décadas", salienta a direcção do PS em comunicado enviado à Lusa, no qual se sublinham os "relevantes serviços" de Lello ao país. O PS expressa "profunda consternação" pela morte do militante. Numa declaração aos jornalistas no Parlamento, o presidente do PS, Carlos César, destacou o trabalho de José Lello como secretário de Estado das Comunidades de que se apercebeu quando era presidente do Governo Regional dos Açores. “Como secretário de Estado deixou uma marca muito impressiva um pouco por todo o mundo onde havia comunidades portuguesas", disse o também líder da bancada parlamentar socialista. “Era impressionante perceber a forma entusiástica” como José Lello exerceu estas funções, elogiou Carlos César, acrescentando que a “presença” constante daquele governante nas várias comunidades espalhadas pelo mundo “as estimulou e aproximou-as do país”. Carlos César disse que a morte de José Lello é um “momento de grande consternação” para a família socialista que, por isso, cancelou a reunião da Comissão Nacional que estava marcada para este sábado. O presidente do PS lembrou a forma “incisiva” e o “modo de estar” de Lello no PS, o seu trabalho na área da Defesa enquanto deputado e, nessas funções, como presidente da Assembleia Parlamentar da NATO. José Lello teve uma curta carreira como cantor entre o final dos anos 1960 e o início da década seguinte. Em 1969, surgiu no derradeiro alinhamento de Os Titãs, uma banda que se tinha apresentado originalmente no formato “tipo Shadows” (sem vozes) e participado no primeiro festival de rock em Portugal, a 16 de Setembro de 1963, no antigo Cinema Roma, em Lisboa. Além de cantar, Lello toca saxofone no último disco da banda de Matosinhos – One Way Love. Antes de integrar Os Titãs, tinha passado pelos Cinco Académicos (1962), Conjunto Sousa Pinto (1964) – com o qual gravou os seus três primeiros vinis – e Inova 67 (durante o serviço militar), de acordo com a Biografia do Ié-Ié de Luís Pinheiro de Almeida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ainda em 1969, estreou-se a solo com Baladas, um EP com quatro originais seus – Caminhando, Balada para um emigrante, Miguel e Pescador – que foi destacado como disco da semana na revista Plateia. Seguiu-se o EP A noite do mar, com mais cinco temas – um homónimo, Canção para uma flor, Mar da tranquilidade e Canção que o vento há-de cantar. Com H. T. e M. L.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS