E depois do fim, a vida e Andrei Konchalovsky
O realizador russo faz o objecto mais contemporâneo da competição, a sua “ficção do real”. À sua maneira, individualista e aristocrática. (...)

E depois do fim, a vida e Andrei Konchalovsky
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O realizador russo faz o objecto mais contemporâneo da competição, a sua “ficção do real”. À sua maneira, individualista e aristocrática.
TEXTO: Pouca gente estaria à espera de Andrei Konchalovsky. Meio festival já desapareceu, os jornalistas transferiram-se por estes dias para Toronto, onde um festival de cinema compete para se consagrar como o maior da América do Norte e não faz cerimónias em afirmar-se, contra os congéneres europeus, como palco preferencial para o produto que alia a visibilidade mainstream à caução artística. (Quem sabe, andarão por lá as personagens e o hype dos próximos Óscares. . . )Jornalistas e críticos apanharam aviões de Veneza para Toronto, em direcção às entrevistas, deixando as últimas sessões no Lido entregues aos primeiros sinais do Outono. Ninguém apostaria no último filme em concurso: parecia chegar depois do fim. Inclusive depois do final de uma obra: a última vez que o russo Konchalovsky esteve em Veneza foi há 12 anos, com House of Fools, e já nessa altura o colaborador de Tarkovsky há muito que parecia ter-se perdido entre a Rússia e os EUA - para onde foi trabalhar nos anos 90 chegando a namorar o cinema de acção com Stallone -, entre as séries para a TV e um Quebra-Nozes em 3D. Mas é verdade: no final do concurso da 71ª edição de Veneza, um filme depois do fim: The Postman’s White Nights. Aplausos com desejo de Leão de Ouro. Um filme depois do fim da URSS, depois do fim do “socialismo romântico”, um filme que se faz com o que restou das epopeias, como Siberiade (1979), do próprio Konchalovsky, e que se ergue dessas cinzas com um lirismo e um sorriso triste arrebatadores, que evocam Boris Barnet ou Aleksandr Medvedkin. Depois do fim vem a vida. São as histórias de uma aldeia numa região remota da Rússia, aldeia de gente sem representação oficial (diz o realizador que o “camponês” já não existe para o estado russo). São as moscas, os cães, os gatos (um que aparece e desaparece), o álcool, são mulheres sozinhas que se masturbam. A História tornou-os irrelevantes, mas a História ali parece irrelevante - há um foguetão a ser lançado em fundo, ninguém repara. Um carteiro faz a ligação deste mundo ao resto do mundo, mas por pouco tempo, a internet já chegou àqueles lagos. Konchalovsky chegou a essa aldeia disposto a fazer um filme para si. Sem se preocupar se alguém alguma vez o iria ver. Não tinha nada a provar, diz. Estava numa situação de “total liberdade” em termos de dinheiro, de intenções. E em termos de casting: os seus actores seriam “as pessoas verdadeiras” com quem entrou em contacto e de que fez “verdadeiros actores sem elas saberem que o eram, porque continuaram a viver a sua vida. ” “Foi de tal forma que não sei se conseguirei alguma vez trabalhar com actores. Este é o filme em que encontrei a minha total liberdade. ”À sua maneira, individualista, aristocrática, faz o objecto mais contemporâneo da competição, a sua “ficção do real”. Termo que não lhe interessa. Não lhe interessa explicar o que acontece para se chegar a esta superação do documentário e da ficção. “O que me interessava era encontrar uma tipologia humana interessante, ver essas pessoas viver o seu dia-a-dia e filmá-los. ” The Postman’s White Nights é um filme de uma dignidade de olhar clássica, exemplar, e obviamente orgulhoso da sua raridade. Já em ambiente de fim de festa – ainda assim se pode fazer ouvir a pateada a Good Kill (concurso), de Andrew Niccol, filme que parece ter sido telecomandado, e não realizado, sobre os problemas de consciência de Ethan Hawke que envia veículos aéreos não pilotados sobre talibans a partir do conforto da sua cabine em Las Vegas - o filme de Konchalovsky não chegou a tempo de contar para as previsões quanto ao palmarés, a ser anunciado sábado. Os italianos olham sobretudo para si próprios e satisfazem-se por não ter havido assobios à sua selecção nacional em concurso, renovando esperanças no Il Giovane Favoloso de Mario Martone para os prémios. O documentário The Look of Silence, de Joshua Oppenheimer, é o filme considerado com o perfil de Leão de Ouro, que estaria de acordo com um certo tom de desalinhamento deste júri: o compositor Aleander Desplat a presidir um grupo onde estão os actores Joan Chen e Tim Roth, a figurinista Sandy Powell, a romancista Jhumpa Lahiri, e os realizadores Philip Groning, Jessica Hausner, Elia Suleiman e Carlo Verdone. Mas estes senhores terão de ter visto The Postman’s White Nights.
REFERÊNCIAS:
Amália nunca se acaba
Um livro e dois discos levam-nos a repensar a obra de Amália. Vítor Pavão dos Santos dedica-lhe um completíssimo tomo em que entrelaça a vida da fadista na sua; Amélia Muge grava um álbum que nos escancara a poesia escrita por Amália; Frederico Santiago recupera as primeiras gravações para a Valentim de Carvalho. (...)

Amália nunca se acaba
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um livro e dois discos levam-nos a repensar a obra de Amália. Vítor Pavão dos Santos dedica-lhe um completíssimo tomo em que entrelaça a vida da fadista na sua; Amélia Muge grava um álbum que nos escancara a poesia escrita por Amália; Frederico Santiago recupera as primeiras gravações para a Valentim de Carvalho.
TEXTO: Vítor Pavão dos Santos nasceu em Lisboa numa altura em que, ainda adolescente, Amália Rodrigues cantava como amadora, em festas de bairro e em verbenas, enquanto ganhava para a sua sobrevivência embrulhando rebuçados e bolos numa fábrica da Pampulha ou vendendo fruta no Cais da Rocha do Conde de Óbidos. Num par de anos tudo mudaria. Logo na sua estreia no circuito profissional (Retiro da Severa, Junho de 1939), mal tinha ainda reportório que lhe permitisse tomar o “palco”, obteve não só o aval do mítico guitarrista Armandinho como conquistou os clientes da casa que, segundo conta Pavão dos Santos, largaram as mesas e se precipitaram para a cave onde Amália primeiro se fez ouvir. A ascensão foi meteórica a partir desse momento, mercê de um reconhecimento imediato de que o seu canto era sem paralelo e garantia salas a rebentar pelas costuras – um lugar privilegiado para lhe ouvir a voz tinha de ser muitas vezes conquistado à cotovelada. Levado pelo seu pai, Pavão dos Santos viu-se preso por aquela presença magnética e uma voz que, justiça houvesse, deveria durar para sempre desde que lhe pôs os olhos e os ouvidos em cima, teria quatro ou cinco anos. A memória é-lhe clara: aconteceu no Restaurante Caramba, na Praça de Touros da Feira Popular, em Lisboa. Amália levava um vestido azul e cantou Carmencita, poema de Frederico de Brito. O impacto dessa epifania foi de tal ordem que o ex-director do Museu do Teatro diz “andar a fazer este livro desde os quatro ou cinco anos”. Chama-se Amália e os Poetas – O Fado da Tua Voz (Bertrand) e é o terceiro que Pavão dos Santos dedica a Amália. O primeiro, Amália – Uma Biografia (Contexto, 1987), é a obra fundamental para conhecer minimamente o percurso pessoal e artístico de uma das maiores figuras da música portuguesa do século XX, e obedece a um apagamento quase total do autor. Baseado em conversas que se prolongaram durante cinco anos, a biografia apresentava-se como um notável puzzle sempre em discurso directo, em que o papel de Pavão dos Santos era o de cosedor dos blocos de texto, de garante do ritmo narrativo e de uma fidelidade à fluidez oral da cantora que permitia sucessivos safanões cronológicos sem que daí resultasse um relato caótico. Amália lia-se como se ouvia. Amália e os Poetas é, na verdade, uma outra forma de Pavão dos Santos contar a história de Amália Rodrigues, aprofundando a relação da cantora com as palavras dos outros e com as suas, mas usando-as igualmente como pretexto para contar a sua vida. Só que, agora, o autor implica-se totalmente no texto, torna-o uma narrativa íntima. “A certa altura estou um pouco a fazer as minhas memórias”, admite ao Ípsilon. E isto porque desde esse momento inaugural de arrebatamento, ainda criança, Pavão dos Santos passou a coleccionar obsessivamente todos os recortes de jornal em que surgia o nome da cantora e todas as letras das cantigas por ela interpretadas. Ao longo dos anos, foi construindo um generoso arquivo pessoal, ampliado pelas muitas horas de pesquisa na Biblioteca Nacional, peneirando as informações publicadas sobre Amália desde 1920. “É verdade que acabo por também me contar”, confirma. “Desde miúdo até me tornar íntimo – coisa que nunca pensei poder acontecer. ” Pelo meio, vão assomando pequenas escapatórias, pontuando a relação próxima de Pavão dos Santos com o meio teatral, mas são meros desvios, com rápidas correcções de rumo – não apenas para o centro do seu livro mas também, depreende-se, para o centro da grande paixão da sua vida. Os poetas cantadosDividindo o livro por conjuntos de autores que ajudam a refazer a cronologia da carreira de Amália, Pavão dos Santos começa pelos poetas populares (em que destaca o espantoso João Linhares Barbosa) e por José Galhardo, principal autor para os fados orquestrados por Frederico Valério, reserva capítulos a poetas acidentais, aos autores brasileiros, à importância específica de Alberto Janes e a um “rondel de poetas” que dá a justa abrangência dos autores episódicos cantados por Amália: do rei D. Dinis a Carlos Paião, passando por Fernando Caldeira, cujo As penas, erradamente atribuído durante anos a Guerra Junqueiro, constitui a primeira ousadia de integração de um poema a que se pode chamar erudito. “Ela diz que viu o poema num jornal quando ia a caminho do Brasil”, relata Pavão dos Santos. “Mas com a Amália são sempre mistérios. Não sei se foi assim. ”A dúvida aqui reside na possibilidade de ter eventualmente escondido a sua fonte, demasiado “erudita” para aquilo que era esperado de uma cantadeira de fado. Mas o mistério, acrescenta o biógrafo, ronda também a forma como os poemas – Fria claridade, de Pedro Homem de Mello, por exemplo, em que o “presságio de Deus” escrito se tornou num “presságio de adeus” cantado – eram polidos ou limados por Amália. A fadista moldava os poemas quando achava que o sentido saía engrandecido e quando a extensão não se prestava à duração de um fado. “E os poetas achavam que como ela fazia ficava melhor”, diz Pavão dos Santos. “Ela tinha um talento inato para saber o que era a poesia que devia ser cantada. ”Homem de Mello faz parte do grupo a que Pavão dos Santos chama Poetas Dilectos – ao lado de Camões, David Mourão-Ferreira, Ary dos Santos ou, mais surpreendentemente, José Régio. De Régio, Amália cantou um único poema, Fado português, mas cola-se de forma tão imaculada ao entendimento que a fadista fazia da sua canção que o autor fez questão de o singularizar. “Aquilo que o Régio dizia do fado era o que a Amália achava que era o fado. Havia as teorias de que tinha vindo do Brasil, e ela achava que se tinha simplesmente encontrado o fado. " Na estrofe inaugural, “O fado nasceu um dia/ Quando o vento mal bulia/ E o céu o mar prolongava/ Na amurada dum veleiro/ No peito dum marinheiro/ Que estando triste, cantava”, Amália descobria a entrada perfeita para o seu dicionário pessoal. Também esse poema havia de ser reduzido para lhe caber na voz, com o beneplácito de Régio. Amália no ChiadoA estrutura de Amália e os Poetas respeita a ideia esboçada e afinada durante décadas por Pavão dos Santos, mas, em fase já avançada, o autor seria “obrigado” a rever todo o seu material à luz das informações que Frederico Santiago – membro do Coro do Teatro Nacional de São Carlos e igualmente coleccionador e investigador compulsivo da obra de Amália desde que a ouviu, aos 15 anos, cantar Cansaço na televisão – lhe ia trazendo das suas horas a vasculhar o arquivo da Valentim de Carvalho (VC). Pavão dos Santos “tinha as letras todas que estavam editadas, mas depois começaram a aparecer essas outras que estavam ignoradas, lá nos arquivos da VC, e o livro começou a ficar diferente”. “Não sabia que a Amália tinha gravado o Garrett, o Mário de Sá-Carneiro, muitas marchas, antigas cantigas dos filmes portugueses – tanta coisa que aparece e que está por lá escondida. ”O acesso de Frederico Santiago aos arquivos da VC iniciou-se há meia dúzia de anos, após procurar “um pouco insolentemente”, confessa o próprio, o então administrador da EMI em Portugal, David Ferreira. O que movia Santiago era não apenas a paixão que o acometera aos 15 anos, a certeza de que Amália “não era só mais uma fadista”, mas também a sua dificuldade em compreender como uma figura daquela grandeza não merecia o mesmo tratamento que qualquer grande diva da canção mundial, permitindo espreitar para lá dos discos, ouvindo outros registos que tivessem ficado por editar. Era essa curiosidade acerca do contexto em que as gravações tinham acontecido e a vontade de fantasiar com dados mais completos sobre a forma como determinada obra-prima fora alcançada que o moviam. “Agora, sempre que faço um disco da Amália, faço-o como se fosse para mim”, diz ao Ípsilon. Depois de David Ferreira o ter incluído na primorosa reedição de Com que Voz, em 2010, foi continuando a esgravatar, guiado pelo seu ouvido que infalivelmente lhe dizia que, entre o material publicado no álbum Rara e Inédita, haveria gravações anteriores às realizadas por Amália em 1952 no estúdio londrino de Abbey Road, até há pouco tidas como as primeiras da fadista para a VC. Esse redesenho do mapa cronológico das gravações, confirmou-o depois ao encontrar “um acetato para audição imediata datado de Junho de 1951, o que prova que é anterior”. “Quando vi que na bobine onde estavam esses temas havia muitos mais, percebi logo que dava um grande disco da Amália”, declara. Lançado esta semana, Amália no Chiado regista as primeiras gravações para a VC, na loja da Rua Nova do Almada. “Este é o disco do encontro dela com o Rui Valentim de Carvalho e com o Hugo Ribeiro”, diz ainda Santiago, frisando a importância do documento. Ribeiro, nunca será demais dizê-lo, foi sempre o único técnico capaz de captar a voz de Amália no seu estado natural, substituindo a artificialidade dos compressores que ordenavam os mandamentos técnicos do estrangeiro pela sua inventividade (usava um microfone falso para o qual Amália cantava enquanto captava a voz noutros dois pontos da sala). Uma vez que as folhas de gravação não foram guardadas junto com o arquivo, situado em Paço d’Arcos, arderam no grande incêndio do Chiado de 1988, dificultando a tarefa de recuperar com rigor este material que ficou no esquecimento praticamente desde a sua utilização original em discos de 78 rotações, em 1951. Frederico Santiago recorreu, por isso, à clarividência de Joel Pina, viola-baixo que acompanhou Amália, para que fosse o seu ouvido a destrinçar as notas na guitarra de Raul Nery ou Jaime Santos, conseguindo, depois, perceber a lógica de sessão em que os temas se encontravam divididos. A investigação de Pavão dos Santos para o seu livro ajudou a recuperar as autorias dos temas, essencial para identificar Fado lamentos, inédito em disco, registado numa outra versão anterior para um complemento cinematográfico realizado por Augusto Fraga em 1947. Amália cantadaFoi esse mesmo Fado lamentos que deixou Pavão dos Santos em sobressalto numa ida ao cinema em 1948, ao perceber no programa que eram os primeiros versos de Amália de que havia notícia. É à produção poética da própria fadista que dedica o último capítulo do novo livro, assim a descrevendo: “Na poesia dela há sempre amargura – mesmo nos momentos alegres –, há sempre uma noção da morte, de que as coisas são passageiras. ”Foi justamente esse o aviso de José Mário Branco quando Amélia Muge o convidou a juntar-se à equipa que com ela criou o também acabado de lançar Amélia com Versos de Amália: “Atenção, olha que com a Amália vamos ter um trabalho muito sombrio. " Depois de desafiada pela actriz e poetisa Manuela de Freitas a gravar um disco composto integralmente por poemas de Amália, Amélia voltou-se para o livro Versos, que Pavão dos Santos convenceu a fadista a publicar em 1997. Excluindo (com uma só excepção) poemas que já tivessem sido cantados pela própria, a cantora tentou então escapar à inevitabilidade anunciada por José Mário. “Eu também tenho um lado muito trágico”, admite Amélia, “mas sobreponho sempre a isso uma intensa vontade de proclamar, burilar e educar a alegria. Mas há também aqui versos, sobretudo os ligados ao bestiário tradicional, das carochas e dos mosquitos, que demonstram a capacidade que ela tem de desconstruir a tristeza. Foi por aí que senti que tinha o meu papel neste trabalho. Sempre vi a Amália como um ser muito luminoso. Se sofrer intensamente é das coisas mais profundas, é também das que mais nos ligam ao estar vivo. ”Repelindo as sombras, Amélia Muge reclama então uma forma de despir as palavras até um ponto em que estas doam – “As palavras são muito profundas porque são corpo ainda, são muito placentares”, analisa. Por isso, a preocupação foi evitar descerrar quaisquer cortinas frente aos versos, para poder estimular nos ouvintes a reacção “a Amália escreveu isto?!”. Um dos factores de sedução de Amélia é descobrir nestes poemas a “herdeira de uma tradição popular, ao mesmo tempo trazendo já algumas marcas eruditas na maneira como faz e desfaz os sentidos”. Curiosamente, inibia-me mais pensar em musicar a Amália do que o Fernando Pessoa. ” Só que, ao empurrão dado por Manuela de Freitas, Amélia juntou um agradecimento ao fado e aos fadistas de que se tem aproximado desde que Mísia a instou a contribuir com duas composições para as suas Paixões Diagonais: Mafalda Arnauth, Ana Moura ou Camané. "Se estou viva e faço o que faço”, sublinha, “devo-o sempre a alguém”. Citando Pavão dos Santos no booklet do disco, Amélia diz-se inspirada em primeiro lugar por esse “amor, esse sentido de responsabilidade, de maravilha, que não se impõe, antes vem por via do gostar e do querer partilhar com os outros”. Esse amor, entenda-se, de Pavão dos Santos por Amália. O amor de uma vida. Pessoal e transmissível.
REFERÊNCIAS:
O nascimento de uma nação: a Alemanha
Heimat, que começou por ser feita para a televisão – grande sucesso público –, tem neste quarto momento, Crónica de uma Nostalgia, o primeiro episódio feito a pensar nas salas de cinema. (...)

O nascimento de uma nação: a Alemanha
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DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Heimat, que começou por ser feita para a televisão – grande sucesso público –, tem neste quarto momento, Crónica de uma Nostalgia, o primeiro episódio feito a pensar nas salas de cinema.
TEXTO: Edgar Reitz é uma figura histórica do moderno cinema alemão, de cujo texto fundador – o Manifesto de Oberhausen, em 1962, contra o “Papas kino”, o “cinema do papá” – não só foi signatário como, com Alexander Kluge, foi um dos principais ideólogos. A sua obra, a partir dos anos 80, praticamente se confunde com uma série, Heimat, que começou por ser feita para a televisão – grande sucesso público – e tem neste quarto momento, Crónica de uma Nostalgia, o primeiro episódio feito a pensar nas salas de cinema. Considerando as quatro vezes que Reitz voltou à série, existem já mais de 50 horas de Heimat, duração consentânea com a ambição do seu projecto de construir um reflexo histórico sobre o século XX alemão, entre o fim da I Guerra e a reunificação da Alemanha depois da queda do Muro de Berlim, sempre seguindo a saga da família Simon e da sua pequena vila, fictícia, algures na mesma Renânia onde Edgar Reitz nasceu. Este quarto tomo, exibido em duas partes por opção do próprio Reitz, traz uma diferença de monta: faz um flash-back de século e meio para se instalar em meados dos 1800, na Alemanha rural, aristocrática e muito pouco liberal das vésperas das revoluções de 1848, altura a partir da qual, se é possível fazer “pausas” na História, se pode começar a encadear a sequência de acontecimentos que desembocaria na traumática primeira metade do século XX alemão, algo que Reitz obviamente teve em conta. Heimat, de resto, é um termo específico que todos os não-alemães se esforçam por traduzir com palavras aproximadas: não designa bem “pátria”, nem quer dizer “povo”, mas exprime o vínculo, vital e quase “natural”, entre um povo e a porção de terra que habita. Politicamente aproveitável enquanto condição e justificação para o nacionalismo, assim foi obviamente explorado pelos nazis e incorporado na sua ideologia, mas é uma ideia que os precede (e os ultrapassa: os heimatfilm, numa espécie de “purificação pela ruralidade”, foram um dos géneros mais inócuos e populares no cinema alemão do pós-guerra, esse mesmo cinema contra o qual os signatários de Oberhausen se manifestaram). Em todo o caso, se o trabalho sobre estas ambiguidades é subjacente à génese da série, aqui estamos ainda longe dos dramas do século XX. Fora uma breve sequência com duas raparigas nuas a rebolarem por uma ribanceira abaixo, Reitz nem faz muita referência àqueles “caminhos da força e da beleza” que, por exemplo nos filmes de Riefenstahl, consolidaram um imaginário “proto-nazi” nas primeiras décadas do cinema alemão. Menos analítico do que o seu amigo Kluge (que há poucos anos concluiu o seu monumental projecto de em torno de O Capital, assim concretizando o sonho eisensteiniano de filmar os textos nucleares do marxismo), Edgar Reitz é sobretudo um “organizador”. Ou diríamos, um “curador”: este quarto Heimat é uma espécie de reconstituição museológica da ruralidade alemã do século XIX, onde tão importante como a narrativa é a descrição do dia a dia e das actividades (laborais, sociais) dos camponeses, como num grande tableau que se torna “tridimensional” pela agilíssima steadycam de Reitz, sempre a varrer e a redimensionar o espaço – pela época, pelo ambiente, pelo preto e branco e pelo steadycam vem à memória o Cavalo de Turim de Béla Tarr mas a comparação não tem muito mais razão de ser (até porque, para sermos mais completos, o gesto cinematográfico de Reitz se situaria algures dentro dum triângulo formado por Tarr, Sokurov e Terrence Malick). Reitz tem a coragem – porque desde as rosinhas vermelhas de Spielberg na Lista de Schindler que o procedimento ficou empestado para todo o sempre – de pontuar o preto e branco com uns pequenos toques de cor, de simbologia às vezes obscura mas nalguns casos transparente, como o raccord mental que se faz entre o vermelho duma ferradura em brasa, logo no princípio do filme, e as cores da futura bandeira alemã que a dada altura aparece, como se isto fosse a crónica do “nascimento de uma nação”. Uma nação que é hoje a mais poderosa da Europa, pátria de acolhimento para gente vinda de todo o sítio, mas que não era assim no século XIX: esta é, num contraste com a época contemporânea que por todas as razões ressalta, a história de uma Alemanha que emigrava, e emigrava em especial – o filme acompanha esse processo de “sedução” – para o sul do Brasil. No final, outra velha glória do cinema alemão, Werner Herzog, aparece encarnar o explorador Humboldt, quase um “gag”, porque nenhum realizador alemão explorou mais a América do Sul do que o cineasta de Aguirre e Fitzcarraldo.
REFERÊNCIAS:
Em Arraiolos ainda há tapeteiras a bordar contra a crise
Câmara luta há mais de dez anos pela certificação do tapete, imagem de marca daquela vila alentejana. Na última década fecharam mais de metade das lojas mas ainda há resistentes. (...)

Em Arraiolos ainda há tapeteiras a bordar contra a crise
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Câmara luta há mais de dez anos pela certificação do tapete, imagem de marca daquela vila alentejana. Na última década fecharam mais de metade das lojas mas ainda há resistentes.
TEXTO: Está a ver um tapete de Arraiolos? Veja melhor. "Apalpe", dizem as tapeteiras. Se for autêntico, bordado naquele concelho onde a técnica passou de mães para filhas, há-de ser irregular ao toque. A lã é baça e se calhar até cheira a ovelha. Se parecer demasiado perfeito e a lã brilhar de tão sedosa, desconfie. Pode estar a comprar gato por lebre, provavelmente vinda da China, mesmo que esteja no coração do Alentejo. A falsificação dos tapetes de Arraiolos anda de mãos dadas com a crise que abalou o negócio há mais de uma década. Paula Ramalho, proprietária da loja Arte em Casa aberta no centro da vila há 35 anos, tem uma teoria: “Há uns 15 anos andou por aqui um senhor que comprou uma série de tapetes e levou-os para a China". Poucos meses depois já havia réplicas à venda no mercado. Começou assim um capítulo negro na história desta arte secular. Segundo a autarquia, em 2003 existiam em Arraiolos 26 empresas de tapetes. Actualmente são pouco mais de dez. Na Rua Alexandre Herculano, uma via estreita e pedonal no centro da vila, as lojas de tapetes contam-se pelos dedos de uma mão. Até a Kalifa, a casa mais antiga (fundada em 1916), fechou – embora neste caso tenha sido mais a morte do patriarca a ditar o fim do negócio familiar. A marca subsiste porque foi vendida. Em contrapartida, em vários pontos do país e mesmo no concelho surgiram espaços comerciais onde se vendem tapetes semelhantes aos de Arraiolos – em lã e tela, com o ponto cruzado oblíquo e desenhos que já têm séculos –, produzidos fora do concelho, em grandes quantidades e a preços inferiores aos de fabrico genuíno, ou até superiores. “Há quem diga que são feitos à máquina, mas não sei se acredito”, diz Paula Ramalho, de 42 anos, tapeteira desde os "seis ou sete". Outra tapeteira, Antónia Franco, de 57 anos, acrescenta que os tapetes falsificados também evoluíram na técnica, dificultando a distinção. "Antigamente virávamos o canto do avesso e víamos que não era perfeito mas hoje [o desenho] já tem a forma de espiga", como manda a regra, afirma. Há mais de uma década que a Câmara de Arraiolos e os produtores de tapetes lutam pela certificação deste produto que se transformou na imagem de marca da pacata vila do distrito de Évora. Em 2001, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a criação do Centro para a Promoção e Valorização do Tapete de Arraiolos, que iria estabelecer critérios para a definição do autêntico tapete. Criou-se um grupo de trabalho e a proposta de estatutos do centro chegou em 2006 ao gabinete do então secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional, Fernando Medina, actual vice-presidente da Câmara de Lisboa. Nos termos da proposta, a autarquia deveria ceder o espaço para a instalação do centro e caberia ao Estado o financiamento da maioria das despesas correntes, naquele ano estimadas em 96 mil euros. Desde então o processo andou por vários ministérios: Cultura, Economia e Finanças. Actualmente, segundo o ministério da Economia, o dossiê está na gaveta do secretário de Estado do Emprego, Octávio de Oliveira. Contactado pelo PÚBLICO através do assessor de imprensa, o gabinete do governante não deu resposta em tempo útil. "O país tem mais a perder com as imitações feitas no estrangeiro do que se valorizar o produto que é autêntico", diz a presidente do município, Sílvia Pinto (CDU). Perante esta demora a câmara tem apostado em iniciativas de promoção, como “O Tapete está na Rua”, que se realiza este ano de 5 a 10 de Junho. Nestes dias há tapetes estendidos nas ruas da vila e pendurados nas varandas dos edifícios do centro histórico. Na edição do ano passado foi fabricado um tapete com 240 quilos, o maior alguma vez feito na vila, uma espécie de grito de alerta para a necessidade de proteger este património. Também em Junho, a autarquia espera entregar à UNESCO a candidatura do tapete e da tradição associada a Património Imaterial da Humanidade. Seis séculos de históriaApesar das lojas fechadas ainda há mulheres a bordar em casa. Só a casa Lóios, onde trabalha Antónia Franco, dá serviço a mais de 30 bordadeiras, todas mais velhas. "As jovens até podem aprender mas não fazem disto profissão", constata, enquanto desmancha uma almofada, sentada numa pequena cadeira de madeira. Ao lado, no chão, tem um enorme tapetão para recuperar preenchendo os desenhos já "comidos" pelo tempo. Nos últimos anos, o restauro de tapetes usados foi a tábua de salvação para muitas lojas.
REFERÊNCIAS:
Houve canibalismo na colónia inglesa de Jamestown
No Inverno de 1609-1610, numa colónia na América do Norte houve actos de canibalismo, mostram vestígios ósseos agora encontrados. (...)

Houve canibalismo na colónia inglesa de Jamestown
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: No Inverno de 1609-1610, numa colónia na América do Norte houve actos de canibalismo, mostram vestígios ósseos agora encontrados.
TEXTO: As descrições falam de um Inverno terrível, o de 1609-1610, na colónia inglesa de Jamestown, na Virgínia. Havia uma seca de vários anos, as tribos índias atiravam aos ingleses para matar, mesmo a água dos poços não seria potável. A população estava no limite. Os cavalos, os cães, os gatos, as cobras e as ratazanas tornaram-se alimentos. Até o couro dos sapatos serviu de comida, segundo os relatos. Agora, a descoberta arqueológica de parte do crânio e de uma tíbia de uma jovem inglesa de 14 anos mostrou que o derradeiro tabu tinha sido ultrapassado: os colonos ingleses praticaram canibalismo naquele horrível Inverno. Jamestown foi uma das várias colónias inglesas na América do Norte, fundada em 1607. A seca e a incompatibilização com as tribos índias fizeram com que, no Inverno de 1609, os ingleses estivessem isolados dentro das muralhas da colónia, que ficava junto ao rio James. Nesse Inverno, 80% da população morreu, segundo a revista National Geographic. Entre esses mortos estava a jovem Jane, uma inglesa cuja tíbia e parte do crânio foram encontrados no local arqueológico de Jamestown pela equipa liderada por William Kelso, do Projecto Redescoberta de Jamestown, e por James Horn, do Centro de História Colonial de Williamsburg, na Virgínia, Estados Unidos. Estes vestígios encontraram-se no que em tempos foi uma cave, junto com ossos de cavalos e cães, que foram devorados pelas pessoas. Os ossos da jovem inglesa foram enviados para o Museu Nacional de História Natural, do Instituto Smithsonian, na cidade de Washington, onde o antropólogo forense Douglas Owsley analisou os vestígios. O crânio da rapariga tinha vários cortes na face, marteladas no osso da testa e na base do crânio. O objectivo seria retirar o cérebro, os músculos da bochecha e a língua. Partes que entravam em receitas gastronómicas do século XVII, refere um comunicado do museu. “Os fragmentos de osso recuperados têm padrões de cortes e de pancadas que mostram uma completa falta de hábito em preparar a carne”, diz Douglas Owsley. “No entanto, há uma intenção clara de desmembrar o corpo e remover a carne e o cérebro do crânio para o consumo”, acrescenta o antropólogo, citado pela revista Wired. “Pela experiência que tenho com esqueletos pré-históricos, [as marcas nos restos de Jane] são absolutamente consistentes com os actos de canibalismo encontrados nesses casos [pré-históricos]. ”Naquela altura, houve relatos de canibalismo em Jamestown, mas nunca se tinham encontrado provas físicas. Os investigadores defendem que é provável que Jane já estivesse morta quando o corpo foi alvo de canibalismo. “Esta descoberta é fenomenal”, considera Julia King, arqueóloga da Faculdade de St. Mary de Maryland, que estudou estas colónias do século XVII. Em declarações à revista Science, a investigadora diz que isto obriga a uma reviravolta no estatuto do índio norte-americano, considerado selvagem pelos colonos europeus. “Há provas de que as pessoas civilizadas [os europeus] foram forçadas ao canibalismo. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave carne consumo corpo alimentos rapariga cães morta
As maravilhas, o carteiro de Konchalovsky, o menino das mamãs, o corpo de Depardieu e a cabeça de Dafoe
Alguns dos títulos que farão a nossa temporada são exibidos em antestreia no festival. Ficam aqui algumas propostas, para quem não quiser esperar - e para depois repetir. (...)

As maravilhas, o carteiro de Konchalovsky, o menino das mamãs, o corpo de Depardieu e a cabeça de Dafoe
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Alguns dos títulos que farão a nossa temporada são exibidos em antestreia no festival. Ficam aqui algumas propostas, para quem não quiser esperar - e para depois repetir.
TEXTO: Da abertura, com Saint-Laurent, de Bertrand Bonello, a Mamã, de Xavier Dolan, no encerramento, o Lisbon & Estoril Film Festival exibirá uma série de títulos fora de competição - 21 -, selecção que é resultado do que esteve na montra dos mais importantes festivais internacionais e que chegará às salas portuguesas nos próximos meses. Alguns deles serão dos títulos mais falados da temporada. Ficam aqui algumas propostas, para quem não quiser esperar - e para depois repetir. The Postman's White Nights, de Andrei KonchalovskyNo final do concurso da 71ª edição de Veneza, em Setembro, chegou um filme: The Postman’s White Nights. Um filme depois do fim da URSS, depois do fim do “socialismo romântico”, um filme orgulhoso, aristocrático, feito com o que restou das epopeias - como Siberiade (1979), do próprio Konchalovsky - e que se ergue dessas cinzas com um lirismo e um sorriso triste arrebatadores. Evoca Boris Barnet ou Aleksandr Medvedkin. Um filme "depois do fim" da carreira de Konchalovsky, que há muito parecia ter-se perdido entre a Rússia e os EUA, apesar de Os Amantes de Maria, em 1984, ou de Comboio em Fuga, em 1985? As histórias de uma aldeia numa região remota da Rússia, aldeia de gente sem representação oficial (diz o realizador que o “camponês” já não existe para o estado russo). São os cães, os gatos, o álcool, as mulheres sozinhas que se masturbam. A História tornou-os irrelevantes, mas a História ali parece irrelevante - há um foguetão lançado em fundo, ninguém repara. Um carteiro faz a ligação deste mundo ao resto do mundo, mas por pouco tempo. A Internet já chegou aos lagos. Sábado, 15, Monumental, 21h30Mamã, de Xavier DolanFoi decisivo para a afirmação pública da maturidade do cineasta Xavier Dolan um filme como Tom à la ferme (2013), pela forma como, ao suspender a aceleração folclórica que parecia imparável e em rota para o desastre, o cinema do realizador do Quebeque deixava os espectadores, tal como as personagens, pendurados no fio do desejo. Isso permitiu que Dolan regressasse com Mommy a um motivo autobiográfico, a relação com a mãe, que estava na origem da primeira longa, J’ai tué ma mère (2009), e o refundasse gloriosamente. Encontrando um centro de gravidade para o histrionismo do seu cinema e para a voracidade pagã do vernáculo quebequense junto de actrizes habituais, como Anne Dorval (a mãe) ou Suzanne Clément (a amiga) – o filho, Antoine Olivier Pilon, é uma versão graúda, imprevisível, grotesca e comovente do Macaulay Culkin de Home Alone, ou seja, é tocado espiritualmente pelo Alex/Malcolm McDowell de Laranja Mecânica. É uma efémera história de folie à trois, contra tudo e todos. Domingo, 16, Monumental, 19hAs Maravilhas, de Alice RohrwacherMuitos perguntaram no último Festival de Cannes porque é que Le Meraviglie, de Alice Rohrwacher, não explicava as coisas. Essa é uma das maravilhas de Le Meraviglie: dizer sem explicar, dizer por exemplo que a família do filme tem certamente um passado, que não interessa qual é ou qual foi, mas de que se quis afastar, fugir, para criar à margem o espírito da sua colmeia - de que é zelador o pai, personagem que exerce a sua tirania com amor. Não é um filme (só) sobre o "coming of age", tambem não é só um filme sobre um mundo fechado que é tocado e alterado pela contacto com exterior, e que assim se dissolve. Não, Rohrwacher não decide nada para a “sua” família: devolve-a ao seu tempo e ao seu sono. E assim de Será que vai Nevar no Natal, de Sandrine Veysset (1996) dissolve-se no Satyricon, de Fellini (1969)2ª, 10, Centro Congressos do Estoril, 21h30Welcome to New York e Pasolini, de Abel FerraraNo Festival de Cannes, em Maio, quando apresentou Welcome in New York, sobre Dominique Strauss-Kahn, Abel Ferrara aproximara, em conversa com o PÚBLICO, a figura de DSK de Pier Paolo Pasolini, personagem do filme que apresentaria meses depois no Festival de Veneza em Setembro: pela coragem da solidão, dizia ele, porque em ambos a solidão seria uma afirmação herética. Possibilidade, então, de confrontar um corpo uivante com um thinking head?Em Welcome in New York Ferrara teve à disposição o corpo de Gérard Depardieu, que em si mesmo é uma afirmação escandalosa, e com esse escândalo a personagem de D. S. K. aparecia como figura do universo do cineasta, como se a ele pertencesse antes do mais (como o Harvey Keitel de Polícia sem Lei, por exemplo). Já em Pasolini Willem Dafoe é um impressionante duplo do cineasta desaparecido, é verdade, é a sua imagem; mas é, antes de mais, uma figura sem corpo, um invólucro para um pensamento - perante o qual Ferrara aparece dócil, reverente, dir-se-ia mesmo paralisado. Welcome to New York, Sábado, 8, Centro de Congressos do Estoril, 17h30; 2ª, 10, Monumental, 14h30Pasolini, Domingo 9, Centro Centro de Congressos do Estoril, 21h30 ; 2ª 10, Monumental, 21h30
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Bloco de Esquerda foi ao mercado propor mais apoios aos idosos
Reposição integral das pensões e convergência com o valor do salário mínimo, gabinetes de apoio a idosos em todas as freguesias, descontos nos transportes públicos e equipamentos culturais, medidas de apoio na saúde e habitação são algumas das medidas apresentadas. (...)

Bloco de Esquerda foi ao mercado propor mais apoios aos idosos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.25
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Reposição integral das pensões e convergência com o valor do salário mínimo, gabinetes de apoio a idosos em todas as freguesias, descontos nos transportes públicos e equipamentos culturais, medidas de apoio na saúde e habitação são algumas das medidas apresentadas.
TEXTO: Já cheira a campanha eleitoral para os lados do Bloco de Esquerda. Esta quinta-feira, Catarina Martins pegou num panfleto com propostas bloquistas para resolver alguns problemas de idosos e reformados e foi até ao concorrido mercado de Benfica, em Lisboa. Recebeu elogios e protestos, sorrisos e caras fechadas, e até uma proposta original: que se candidate à Presidência da República. Um grupo de activistas do Bloco, com mais de 60 anos, juntou-se para reunir, no que chamou de “Manifesto +60”, propostas especialmente dirigidas à população de mais idade nas áreas dos apoios sociais, saúde, habitação, e até da desburocratização. Entre as medidas estão a reposição integral das pensões no curto prazo e convergência das mais baixas com o salário mínimo nacional, a reforma sem penalizações aos 40 anos de contribuições ou aos 65 anos de idade. Mas também a garantia de médico de família para toda a gente, a criação de mais urgências básicas, o aumento das camas de internamento no Serviço Nacional de Saúde, e a criação de um gabinete de apoio ao idoso em cada freguesia que ajudaria a tratar de questões burocráticas como o IRS ou processos de apoios sociais, enumerou Catarina Martins aos jornalistas. Parte das medidas incluídas neste Manifesto +60 já foram concretizadas em projectos de lei ou de resolução e entregues no Parlamento; outras ainda serão colocadas por escrito e submetidas à Assembleia da República nestes últimos três meses da legislatura. As relativas à saúde e à reposição das reformas já foram apresentadas, descreve Catarina Martins, acrescentando que a proposta de convergência de pensões já foi “feita em parte”, ao passo que a do gabinete de apoio local tem sido feita ao nível das autarquias pelos eleitos do Bloco. Este trabalho de colação de propostas para os idosos e reformados será extensível a outras áreas porque, diz Catarina Martins, o partido quer aproveitar o contributo decorrente de diversos grupos de trabalho de militantes para a construção do seu manifesto eleitoral. “Essa é a melhor forma de se construir um programa: participando, ouvindo as pessoas nas várias áreas e indo fazendo este trabalho de forma faseada. Este grupo é de activistas com mais de 60 anos, que juntou os contributos de especialistas em segurança social, economistas e conseguiu construir propostas com bastante robustez”, elogiou a porta-voz. Questionada pelo PÚBLICO se esta aproximação à sociedade pretende contrariar a tendência de descida dos resultados do partido nos últimos tempos – houve quem, no mercado, a aconselhasse a “estudar melhor a situação porque têm deixado fugir muita gente” – e sobre a sua expectativa para as legislativas, Catarina Martins preferiu responder ao lado. “As pessoas têm cada vez mais a noção de que a alternância entre PSD e PS não tem significado uma diferença de políticas. E com isso muitas pessoas têm tantas vezes do seu voto enquanto instrumento da mudança porque sentem que falta quem possa ser alternativa. Este é o momento para as pessoas compreenderem que a próxima AR vai ser muito diferente e que a relação das forças que lá estiverem vai determinar a capacidade do pais se defender”, disse a bloquista. E rematou: “Só quando as pessoas sabem que são chamadas a participar, que é ouvida a sua vida, os seus problemas e a sua solução e que ela é debatida, é que sabem que a política responde ao que verdadeiramente importa e não é um mero jogo de cadeiras. ”Na passeata de quase uma hora pelos corredores do mercado de Benfica, por entre bancas de fruta, legumes e peixe, Catarina Martins foi distribuindo beijos e explicações económicas sobre o papelinho que entregava. Houve quem a recebesse com entusiasmo, fazendo-lhe elogios e algumas ironias - "o primeiro-ministro também gosta muito de si, vê-se bem pela maneira como lhe fala", brincava uma senhora. Mas também quem recusasse falar-lhe ou receber o panfleto, uns de forma mais educada, outros refilando alto e bom som. "Porque é que não se candidata à Presidência da República? Queremos mais mulheres porque elas têm mais força. A menina ou a Mortágua", disse-lhe Luísa Proença, ali peixeira há 30 dos seus 56 anos de vida, enquanto escolhia, da banca, umas pescadinhas para uma cliente. "Só aceito papéis de partidos de esquerda. . . " avisou enquanto o guardava na prateleira de mármore "para ler mais tarde". O mesmo tinha feito Júlia Ferreira, para poder servir os morangos a uma cliente. Natural de Viseu, Júlia, que vende no mercado de Benfica há 40 anos, diz não ter direito a qualquer reforma. "Não descontei [para a Segurança Social] e quando me fui inscrever pediram-me muito dinheiro em atraso. Eu não tinha. E fiquei assim. " Diz não ter direito a qualquer apoio porque o marido, ainda no papel mas não na vida em comum ou na habitação, recebe uma reforma de um valor que não permite a Júlia aceder a apoios. Por isso, tem que "continuar na venda".
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD
O doutor Zeca mostra a sua aldeia ao país
A propósito do seu novo livro, Trás-os-Montes, o Nordeste, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, José Rentes de Carvalho fez uma visita guiada à sua aldeia. (...)

O doutor Zeca mostra a sua aldeia ao país
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A propósito do seu novo livro, Trás-os-Montes, o Nordeste, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, José Rentes de Carvalho fez uma visita guiada à sua aldeia.
TEXTO: Cheirava a terra acabada de arar. Não se via vivalma na aldeia de Estevais, no Mogadouro. Apenas alguns cães e gatos preguiçavam pelas ruas. De repente, junto ao cemitério velho, três mulheres vestidas de preto a fazer renda. “Ainda somos da família do doutor Zeca”, afiançou uma delas, associando de imediato a presença de jornalistas ao lançamento do novo livro de José Rentes de Carvalho, Trás-os-Montes, o Nordeste. Por estes lados, José Rentes de Carvalho é o doutor Zeca, que com a mulher dá de comer aos cães e aos gatos que por aí andam, mesmo quando está lá fora, na Holanda. "Detestava quando a minha mãe me dizia: ‘Zequinha, olha o leite’", haveria de contar, ao percorrer a aldeia, quarta-feira de manhã, com um magote de jornalistas, quase todos vindos de Lisboa de avião, convidados a entrar na casa que o avô dele construiu e ele recuperou, no lagar usado pela vizinhança para fazer azeite, no cemitério velho que há-de acolher as suas cinzas, caso venha a morrer na Holanda e a ser cremado. Na véspera, tudo era quietude. As nabiças, os tomates, os alhos e as alfaces, que ali servem de prova de vida, trazem melancolia ao escritor, de 87 anos. “Porque os vejo sair manhã cedo, os que foram rapazes da minha geração, agora trôpegos, doentes, este num tractor inútil para chão tão pequeno, aquele de carroça e burra manca, um outro a pé, o cão ao lado, sacho ao ombro, todos a iludir-se de que vão para um trabalho”, lê-se no livro, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Que não vão, sabem-no eles melhor que eu. A horta, mais dois palmos de terra aqui, um olival além, meia dúzia de amendoeiras, uns quantos pés de vinha, é essa a sua terapia. ”Mesmo sem ler o livro, as três mulheres falavam na mesma realidade. “Esta foi para fora, aquela foi para fora, aquele foi para fora”, dizia Maria Lurdes, que é "da idade do Doutor Zeca" e mãe das outras duas, apontando as casas alinhadas pela rua abaixo. Restam umas 80 pessoas, quase todas com muita idade. Há um casal com uma criança, outro com outra, outro com duas, outro com três. Estudam na vila, a uma dúzia de quilómetros, onde também fica o centro de saúde, a segurança social, o tribunal. O escritor e editor Francisco José Viegas, ao apresentar o livro na tarde de terça-feira, na Biblioteca Municipal Trindade Coelho, na vila, tocou na ferida. “Toda a gente se queixa do deserto. O deserto em que se transformou o Nordeste transmontano, o deserto que invade e devora as aldeias abandonadas, o deserto que se instala no planalto de Miranda, o deserto que se estende depois de Vimioso, o deserto que rodeia a mais bela das igrejas de Trás-os-Montes (que é a desconhecida basílica de Santo Cristo do Outeiro), o deserto que enfrenta a fronteira, o deserto que caminha no meio do rio”, discursou. “Periodicamente, no meio do deserto ouvem-se vozes. A de José Rentes de Carvalho é distinta e percebe-se em tudo o que escreve. ”A vida melhorou nas últimas décadas, mas não tanto como noutras partes do país. “Infelizmente, no Nordeste transmontano, o desânimo, para não dizer o desespero, é hoje demasiado visível nos rostos, na falta de actividade, no escasso consumo, nas urgências dos hospitais, nas escolas que fecham por falta de crianças"O seu Trás-os-Montes, sublinhou Francisco José Viegas, não é o “reino maravilhoso de antanho, o prior, o medo do inferno, a adoração religiosa da paisagem, o pequeno contentamento dos homens humildes sempre bons”. O seu Trás-os-Montes é outro. Nele cabe "uma galeria de gente heróica, lúbrica, ladina, pateta, pacóvia, malandra, espertinha, orgulhosa, humilde, amável, cheia de defeitos perigosos e de virtudes escondidas, isolados do mundo, regressados do mundo, ricos remediados e pobres sem lugar a não ser no cemitério". E o que traçou agora foi um “retrato no fio da navalha, pessoalíssimo, revoltado, conformado com as circunstâncias com as personagens, inconformado com o destino e com os resultados”. Não se ocupa de Trás-os-Montes inteiro naquelas 79 páginas, que, segundo afirma, “não teria escrito” se não tivesse sido desafiado por António Araújo, director de publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Fica-se pelo seu Nordeste. E o seu Nordeste “é como que um enclave, limitado aos concelhos de Mogadouro, Moncorvo, Freixo-de-Espada-à-Cinta e Alfândega da Fé, tendo por fronteiras meridionais a margem direita do Douro e, na outra, essa espécie de farol mítico que é a estação do Pocinho”. Começou por fazer aquilo a que Francisco José Viegas chamou uma “arqueologia do Nordeste”. “Não é só a recordação de um passado de miséria, desgraça e abandono, mas de um tempo tão sem esperança, e tão dramaticamente medieval nas condições de vida, que nós, esses velhos, sentimos dificuldade em conciliar a relativa abundância em que agora nos encontramos, com a memória da realidade em que fomos criados”, explicou o autor terça à tarde a uma plateia deliciada, que anuía com a cabeça. Havia nas ruas de Estevais, agora asseadas, uma sujidade medieval. “De Setembro à Primavera mantinha-se nas aldeias o hábito secular que durou até fins dos anos 50 de cobrir as ruas com palha, que depois, molhada da chuva e das penicadas de mijo e bosta que se atiravam das janelas calcada pelos passantes e os animais, fumegava e fermentava até que, podre bastante, fosse recolhida para ser levada para as hortas, os amendoais e olivais, seu único e muito biológico adubo. ” Quem acreditará nisto, agora?, questionou. “Retretes não havia, aliviam-se novos e velhos, homens, mulheres e crianças atrás dos muros. O penico era um luxo que poucos tinham, e em caso de doença se ia pedir emprestado. Só quem as sofreu acreditará nas nuvens de moscas, mosquitos e moscardos que enxameavam as ruas e as casas. ”Foi, admitiu José Rentes de Carvalho, um privilegiado. Os pais casaram-se em Estevais no início de Agosto de 1929 e ele nasceu volvidos nove meses em Vila Nova de Gaia. Quer o pai, quer o avô paterno eram guardas-fiscais. A casa familiar era um “oásis” rodeado pela miséria alheia. Nunca lhe doeu a desgraça dos de Gaia como lhe doía a dos de Estevais, onde passava as férias de Páscoa, Verão e Natal. Por razões políticas, saiu de Portugal. Viveu no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Nova Iorque e em Paris. Em 1956 instalou-se em Amesterdão. Desde 1998, alterna três meses de Amesterdão com três meses de Estevais. Entroncado, espadaúdo, de baixa estatura, parece-lhe evidente que é àquela terra e àquela gente que pertence. Conta que em 1964 lhe disse um médico: “Que é estrangeiro não preciso de adivinhar, chega o nome e o sotaque, mas estou quase certo que nasceu numa região montanhosa, de pouca vegetação, a uma altitude entre os setecentos e os mil metros, com ar muito puro, clima seco. ”A vida melhorou nas últimas décadas, mas não tanto como noutras partes do país. “Infelizmente, no Nordeste transmontano, o desânimo, para não dizer o desespero, é hoje demasiado visível nos rostos, na falta de actividade, no escasso consumo, nas urgências dos hospitais, nas escolas que fecham por falta de crianças, nas lojas onde cada vez é mais frequente o letreiro 'Passa-se', nas carreiras que ainda há pouco iam e vinham cheias, e agora, por vezes, nem meia dúzia de passageiros transportam”, nota. No livro, aponta o dedo acusador: “Mau grado sempre ter tido entre os seus filhos gente de importância, mesmo aqueles que ao longo do tempo e dos governos têm ocupado posições de relevo, em geral demonstram um singular desapego pelo desenvolvimento e bem-estar da província que lhes foi berço, antes alinhando com a tendência de que Trás-os-Montes é longe, Trás-os-Montes é pobre, é atrasado. E escondido nesse Trás-os-Montes geral, o Nordeste transmontano de certeza lhes parece longínquo e desagradável como a Patagónia. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Desconfia do futuro e do que querem fazer dele. “Garantem que querem desenvolver o turismo. Mas estudaram o assunto? Há planos de verdade? Coordenação? Meios? Fizeram um apanhado das infra-estruturas?”, questiona. “Não acham curioso, para não dizer tristemente cómico, que Mogadouro disponha de um aeródromo, pretenso chamariz para turistas endinheirados que cheguem pelos ares, mas que na vila não haja um hotel? E a propósito: quantos hotéis há no Nordeste Transmontano que mereçam esse nome e ofereçam os serviços que deles se espera? Louve-se o esforço das instalações de turismo rural. ”O presidente da câmara, Francisco José Guimarães, ainda não tinha tido tempo para ler o livro todo, mas já chegara àquelas páginas. “Por muita vontade que o município tenha, não está fácil”, queixou-se. A população está reduzida a nove mil, menos de metado do que era nas décadas de 1950 e 1960. “O executivo aprovou um regulamento de apoio à iniciativa empresária em que o município dá oito salários mínimos por emprego criado. ”Pior mesmo é o acesso aos cuidados de saúde, conclui José Rentes de Carvalho. “Tenho um seguro de saúde holandês. Se adoecer em Estevais e não estiver consciente, a minha mulher telefona para o seguro e eles tratam de tudo. Vou de táxi para o aeroporto e de avião para Amesterdão”, diz. Mas é ali, em Estevais, que quer ser cinza, pó, nada.
REFERÊNCIAS:
Gente perdida por entre a poeira
Entre teatralidade e movimento coreografado, Olga Roriz quis afastar-se de alusões literais em Síndrome . (...)

Gente perdida por entre a poeira
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Entre teatralidade e movimento coreografado, Olga Roriz quis afastar-se de alusões literais em Síndrome .
TEXTO: Depois do mergulho num pesadelo espesso e negro — a cidade de Alepo devastada, o flagelo sírio, de Antes que Matem os Elefantes (2016) — Olga Roriz (Viana do Castelo, 1955) precisou de voltar ao ponto onde ficou, como se algo estivesse por dizer: o que resta, como se reage e o que se sente depois de uma calamidade? Para Síndrome o desafio era, pois, encontrar um universo diferenciado que, sem tempo ou lugar precisos, se ligasse ao da peça anterior. O cenário, agora mais despojado, diluiu referentes directos, embora retendo elementos da obra de 2016: um palco pós-cataclísmico, repleto de terra e pedras, papeis amarrotados a esvoaçar, figuras sonâmbulas a carregar destroços em baldes de plástico, num absurdo e maquinal impulso de reconstrução. E se na outra peça, a dança foi, em face do tema, abordada com certo pudor, Roriz confiou no seu saber-fazer e apostou aqui num registo sobretudo coreográfico e abstracto. Porventura iremos recordar sempre aqueles sete vultos a vaguear em cena num alvoroço de poeira. de Olga Roriz (direcção). Estreia mundialCompanhia Olga RorizTeatro Municipal de São Luiz, 30 de Junho, 21hSala cheiaDesde logo Síndrome envolve plateia e palco num poderoso enleio. Primeiro, o silvo de rajadas de vento e a luz pálida e rasante sobre o terreno pedregoso. Depois, a escuridão de breu, sucessivos clarões ténues a pulsar sobre a cena: distinguimos, à vez, um homem que caminha sem rumo com uma mala de couro desbotado, um vulto apavorado agachado ao canto, uma cadeira de alumínio vazia, o corpo enlameado do homem que agora jaz, inanimado, sob a velha mala. Neste chiaroscuro sépia, pensamos na pintura renascentista ou no desespero mudo de seres solitários de escuros sobretudos coçados, a vasculhar nos escombros, na quietude tensa, monocromática, das cidades após os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial. Sons de sinos distantes, silêncios cerrados, respirações ofegantes, a repetição quase opressiva da solene e trágica Sinfonia nº4 de Arvo Part, impregnam Síndrome, do início ao fim, numa angústia contida. A planura emocional densa, deliberada, é a passos rompida por arremedos de protesto: um casal tenta partilhar um abraço e uma gabardine, uma mulher insiste em beijar um homem desfalecido [recordamos o icónico dueto com Inês morta (Pedro e Inês, 2003)], em ímpetos amorosos deslocados, inconclusivos. Um personagem corre à toa e vocifera palavras incompreensíveis; um grupo de punho erguido enfrenta a plateia, num esboço de revolta. Um rapaz acossado emaranha-se nas pernas de outro, num terror convulsivo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Entre teatralidade e movimento coreografado, Roriz quis afastar-se de alusões literais. Encontrar estados de alma, a experiência do humano perante a catástrofe. O intuito generalizante corre, quiçá, o risco de esbater o seu próprio fio dramatúrgico. O que, na cena final [três mulheres de longos cabelos encharcados e elegantes vestidos compridos, machados de terra e água, plasticamente agradáveis, no marcado estilo da coreógrafa que conhecemos desde As Troianas (1984)], se vem acentuar. Acabam por ser as ocasiões mais claramente evocativas (os textos ditos são extremamente visuais), como o reviver meticuloso do interior da casa destruída onde antes se habitou, a luz sobre a face de Carla Ribeiro, a descrever avulsas cenas de rua, ou o lamento melancólico de sabor oriental da (única) canção que se escuta (Fields of sorrow, dos Kroke) a criar distensão emotiva e alguns dos momentos mais conseguidos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra mulher negro homem mulheres corpo morta
Jane Goodall, a “nossa” campeã olímpica de “triatlo”
Será incalculável o número de vidas, humanas e não humanas, que Jane Goodall tocou com a sua mensagem. (...)

Jane Goodall, a “nossa” campeã olímpica de “triatlo”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Será incalculável o número de vidas, humanas e não humanas, que Jane Goodall tocou com a sua mensagem.
TEXTO: Se os “chimpólogos” (aka – forma carinhosa de designar os primatólogos que estudam chimpanzés, os nossos parentes mais próximos) tivessem Olimpíadas, Jane Goodall seria a nossa única campeã de triatlo. Na modalidade “desafio aos preconceitos sociais e científicos” esteve na vanguarda. Na modalidade “descoberta científica” foi a primeira a reconhecer que os nossos parentes mais próximos partilham connosco muitos traços comportamentais e a identificar o seu uso complexo de ferramentas. Na modalidade “conservação e protecção dos nossos recursos naturais”, será a única primatóloga que abdicou de uma incrível carreira científica de mais de duas décadas, para se dedicar, na íntegra, a trabalhar intensamente o tema da conservação do mais precioso e indispensável bem da humanidade: a natureza e tudo o que a ela pertence. O sucesso em todas as categorias deste triatlo é fulminante. Jane, juntamente com Dian Fossey (que seria pioneira no estudo dos gorilas), e Biruté Galdikas (que se dedica à conservação dos orangotangos), foram muitas vezes chamadas “Trimates” ou “Anjos de Leakey”, porque Louis Leakey, o famoso paleoantropólogo que descobriu alguns dos fósseis de ancestrais humanos mais famosos de África, seleccionou e encorajou as três jovens mulheres a iniciarem os primeiros estudos de campo com os grandes símios. Na transição dos anos 50-60 ser mulher e abraçar esta aventura não era comum, nem era fácil. Louis Leakey suspeitava que conhecer o comportamento dos nossos parentes mais próximos vivos podia ser uma chave para entender os nossos ancestrais extintos. Também suspeitava que, para entender estes fascinantes seres, seriam necessárias mentes totalmente “limpas” do que se ensinava nos currículos de comportamento animal da época – animais tinham números e não nomes. Animais não tinham emoções ou personalidades. Leakey tinha razão quando escolheu candidatas que não tinham qualquer treino académico. Foi esta combinação, da sensibilidade feminina, ingenuidade académica, determinação para ir num barco de Inglaterra até África, e resiliência, aguentando meses de espera em Gombe, na Tanzânia, até começar a poder aproximar-se de um dos grupos de chimpanzés, que produziu o sucesso daquela que é, até hoje, a figura mais emblemática da história da primatologia. Uma das frases que melhor descreve o impacto que as descobertas de Jane tiveram na comunidade científica dos anos 60 terá sido a que Leakey escreveu no famoso telegrama de 1963, respondendo à mensagem de Jane anunciando que tinha visto os chimpanzés a fazerem ferramentas para pescar térmitas: “Now we must redefine ‘tool’, redefine ‘man’, or accept chimpanzees as humans” (“agora temos que redefinir ferramenta, redefinir humanidade ou aceitar os chimpanzés como humanos”). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas foi a última, e mais nobre, categoria deste triatlo, que transformou Jane num ícone verdadeiramente global. Nos anos 80, ao sobrevoar Gombe e vendo que a floresta tinha praticamente desaparecido na totalidade, e que tudo se tinha transformado numa enorme savana, dedicada a plantações de cultivo (que nada duram em solos pouco férteis), foi visionária em intuir que ambos humanos e chimpanzés enfrentavam uma crise, que rapidamente se tornou uma “epidemia” mundial: o desespero por garantir os mesmos recursos, protecção e comida. E ainda mais visionária em promover a ideia de que a solução para o problema da conservação dos recursos naturais e da protecção da vida selvagem tem de passar por uma solução integrada, liderada pelas comunidades locais que habitam as zonas a proteger. Já são mais de 30 anos dedicados a viajar mais de 300 dias por ano, de trabalho árduo, intenso, personalizado, para levar aos quatro cantos do mundo a mensagem que ela própria designa “hope”. Será incalculável o número de vidas, humanas e não humanas, que Jane Goodall tocou com a sua mensagem, bem como o número de mudanças reais, em termos de políticas de conservação, locais e globais, que foram possíveis devido à influência desta personalidade ímpar. Jane é a prova de que a vontade de um indivíduo pode desencadear uma mudança global. Na primatologia é bem conhecido o que designamos como “efeito Jane Goodall”. A nossa profissão tem muito mais mulheres do que homens, e isso deve-se, em grande parte, à mesma influência que Jane continua a ter na geração que hoje tem 21 anos, tal como teve na minha geração e anteriores. Jane não se lembrará, mas em 2012, partilhámos uma bebida (a minha última durante muito tempo!) em Gombe, enquanto víamos o pôr do Sol. Em 2013 voltamos a ver-nos e escreveu no seu livro, enquanto sorria ao ver a minha muito visível barriga de grávida: “For Andrés, follow your dreams” e disse-me: “É a primeira vez que dedico um livro a alguém que ainda não nasceu!”
REFERÊNCIAS:
Étnia Aka