Jobbik vence eleições antecipadas em cidade húngara
Partido de extrema-direita quer apresentar-se como a alternativa ao Fidesz nas próximas eleições legislativas. (...)

Jobbik vence eleições antecipadas em cidade húngara
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.2
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501205158/http://www.publico.pt/1692207
SUMÁRIO: Partido de extrema-direita quer apresentar-se como a alternativa ao Fidesz nas próximas eleições legislativas.
TEXTO: O partido nacionalista de extrema-direita Jobbik venceu as eleições parciais este domingo e conseguiu eleger, pela primeira vez, um candidato individual para o Parlamento húngaro. A vitória do candidato da extrema-direita nas eleições parciais na cidade de Tapolca, no Oeste do país, foi obtida apenas por 300 votos de diferença face ao candidato do Fidesz, o partido conservador que está no poder. Lajos Rig, o candidato do Jobbik, obteve 35, 3% dos votos face aos 34, 4% de Zoltán Fenyvesi proposto pela coligação governamental. A esquerda recolheu apenas 26, 3% dos votos expressos. Esta foi também a primeira vez que o Jobbik conseguiu eleger um candidato de forma individual. Na Hungria utiliza-se um sistema eleitoral misto: 106 dos 199 lugares no Parlamento são atribuídos através de círculos uninominais, em que vence o candidato com mais votos; os restantes lugares são escolhidos através de listas nacionais, tendo sido por este meio que o Jobbik alcançou os lugares de que dispõe no Parlamento. Os analistas vêem o resultado como a confirmação de que o Jobbik poderá ser o grande rival do partido do primeiro-ministro, Viktor Orbán, nas eleições legislativas de 2018. A esta derrota do partido que governa a Hungria em coligação com os democratas-cristãos desde 2010 soma-se a perda das eleições antecipadas no condado de Veszprém em Fevereiro, que significou também o fim da “supermaioria” de dois terços de que dispunha no Parlamento. “O ambiente na Hungria é pela mudança de governo e com o Jobbik a Hungria tem finalmente uma força para mudar o Governo”, disse o líder do partido, Gabor Vona. O Jobbik tem tentado moderar o seu discurso para apelar ao voto centrista e poder ser visto como alternativa válida ao Fidesz. Uma sondagem do instituto Ipsos, de Março, dava 18% das intenções de voto ao Jobbik, a apenas três pontos percentuais do Fidesz. Porém, a base de apoio do partido é ainda associada a sectores extremistas da sociedade húngara. Um deputado referiu recentemente a necessidade de se criar uma lista de “pessoas de ascendência judia” por considerar um risco para a segurança interna. As comunidades ciganas são também um dos alvos do Jobbik, que insiste em fazer referência aos “crimes ciganos”. O partido esteve por trás da criação da “Guarda Húngara” – cujos membros utilizam uniformes com simbologia associada aos nazis húngaros – com a missão de vigiar os bairros. Por outro lado, o Fidesz tem sofrido do desgaste da governação, para além de vários dos seus membros estarem envolvidos em acusações de corrupção. Apesar da vitória dos conservadores nas eleições europeias do ano passado, o Jobbik já demonstrou o crescimento da sua popularidade, tendo sido a segunda força mais votada, assegurando três eurodeputados.
REFERÊNCIAS:
Tempo Março Fevereiro
As borboletas que pairam sobre os seus livros
Francisco José Viegas tinha 14 anos quando leu Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez (1927-2014). Agora, na morte do escritor, lembra-nos que reduzir a obra de García Márquez a uma espécie de solidão maravilhosa de contador de histórias é injusto para o miniaturista meticuloso e entusiasta que trabalha até à exaustão o seu universo de personagens e fontes de informação. (...)

As borboletas que pairam sobre os seus livros
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501183124/http://www.publico.pt/1632798
SUMÁRIO: Francisco José Viegas tinha 14 anos quando leu Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez (1927-2014). Agora, na morte do escritor, lembra-nos que reduzir a obra de García Márquez a uma espécie de solidão maravilhosa de contador de histórias é injusto para o miniaturista meticuloso e entusiasta que trabalha até à exaustão o seu universo de personagens e fontes de informação.
TEXTO: Foi a carrinha quinzenal da Gulbenkian que me emprestou o exemplar de Cem Anos de Solidão para ler no Verão de 1976. Naquela aldeia do Douro, debaixo do calor que anunciava as vindimas, as trovoadas e os incêndios das florestas, eu também ainda não sabia – mas o mundo tinha mudado em 1967, em Buenos Aires, onde o livro teve a sua primeira edição. E, portanto, era impossível voltar atrás. Nunca mais fomos os mesmos, os que lemos Cem Anos de Solidão. É provável que exista alguma dose de lenda literária e cigana nas recordações de cada leitor, uma espécie de gente pouco fiável que por vezes acredita que, ao contrário do que se aprende, a vida que vem nos livros é que a verdadeira. Mas a impressão fica lá, registada como uma labareda, um risco no céu ou um relâmpago: a primeira vez que, em Macondo, Aureliano Buendía viu o gelo; a primeira vez que o telegrafista Florentino cruzou o olhar com Fermina, que havia de casar com Juvenal Urbino; o momento em que Santiago Nasar compreendeu que ia morrer e ainda recordava o perfume de Ángela Vicário; a visão de uma mulher a cantar a meio da noite durante a agonia do general Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios; a maneira como José Arcadio chegou à conclusão de que a Terra era redonda “como uma laranja” e o comunicou a todos, diante do desespero de Úrsula. E, finalmente, para abreviar, esta estranha coincidência: Úrsula morre numa “quinta-feira santa” tal como Gabriel García Márquez, quarenta e sete anos depois da publicação de Cem Anos de Solidão. A vida que vem nos livros é que é a verdadeira. Quando García Márquez publicou A Revoada e criou a cidade de Macondo, em 1955, ainda não tinha lido Pedro Páramo, de Juan Rulfo, o livro que – como confessou mais tarde – lhe provocaria uma insónia tão poderosa como as que afectariam Úrsula em Cem Anos de Solidão (também foi em A Revoada que Aureliano Buendía apareceu pela primeira vez na história literária da América Latina). Imagina-se o clarão nas montanhas em redor de Comala, quando Juan Preciado se aproxima para conhecer o seu pai, Pedro Páramo, antes de descobrir que ele já tinha morrido, e que todas as pessoas que vai encontrando também já estão mortas. Não é por saber da sua influência que, em 1982, Rulfo declara que finalmente há um Nobel atribuído com justiça: é porque nenhum outro autor tinha levado tão longe (e já tinha sido publicado O Outono do Patriarca) o projecto original, e nunca mencionado, de um romance que tornasse possíveis na terra as coisas que ou não tinham acontecido, ou – com toda a probabilidade – ninguém tinha acreditado que poderiam acontecer. É essa a grande virtude do romance moderno e o que o distingue da reportagem pura e simples: criar um mundo que vive independente, volátil e encerrado com as suas regras, a sua gramática, as suas especulações, as suas mortes, os seus assentos de baptismo, as suas guerras, os seus casamentos falhados, as suas hipérboles, a sua geografia, as borboletas amarelas de Maurício Babilonia. E esse mundo tinha nascido em A Revoada, uma pequena novela que Maria da Piedade Ferreira publicou em Portugal nos anos 80: essas cento e vinte páginas eram o primeiro sinal do vírus. Estava lá tudo o que viria a acontecer em Cem Anos de Solidão, um romance tão definitivo que seria impossível corrigi-lo, cortar-lhe um capítulo, desfazer aquela geometria que Gabriel García Márquez dizia ser o produto de um trabalho solitário e incomunicável. Ou seja, como o próprio diz numa entrevista de 1981, um ano antes do Nobel – na altura da publicação de Crónica de Uma Morte Anunciada –, o autor sente-se “um náufrago no meio do mar”, completamente “sem defesa”. Mas Cem Anos de Solidão é o epicentro dessa agitação: tudo converge para ele e, curiosamente, muitas personagens, histórias e lugares hão-de nascer dele para reaparecerem em novelas, contos, romances posteriores. O mundo tinha nascido. Para mim, tinha nascido naquele Verão de 1976 – dois dias antes do baile anual da minha aldeia e quinze dias antes da data de devolução do livro às estantes da carrinha Citroën da Gulbenkian, que mo tinha emprestado, o que foi uma imprudência de que nunca me arrependi. Como durante a minha primeira viagem à Colômbia, procurando os sinais daqueles personagens que, afinal, já tinham desertado. Restavam sombras, homenagens, sinais, restos de aventura, uma mitologia aprisionada – e a beleza extraordinária do seu mundo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte mulher espécie
Oficina Arara: cartazes que gritam palavras nas paredes do Porto
Os seus emblemáticos cartazes em serigrafia já fazem parte da paisagem de algumas ruas do Porto. O colectivo de jovens artistas, fundado em 2010, é responsável pelo poster do premiado "Balada de um Batráquio", de Leonor Teles (...)

Oficina Arara: cartazes que gritam palavras nas paredes do Porto
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os seus emblemáticos cartazes em serigrafia já fazem parte da paisagem de algumas ruas do Porto. O colectivo de jovens artistas, fundado em 2010, é responsável pelo poster do premiado "Balada de um Batráquio", de Leonor Teles
TEXTO: O táxi é o número 77. Chegados ao destino, o taxímetro marca 5, 55 euros. Em poucos minutos, duas capicuas disparadas, meras coincidências é verdade, mas que dão que pensar, sobretudo se tivermos em conta o motivo da reportagem: estamos em frente ao portão verde na Rua Anselmo Braancamp, no Porto, onde se abriga a Oficina Arara, a “arena de artes gráficas e outros movimentos inconclusivos” que também carrega um palíndromo no seu nome. “Nada é por acaso, isso tem a ver com a Arara”, reage Pedro Nora, ladeado por Miguel Carneiro e Dayana Lucas. Os três são apenas seis braços do colectivo de jovens artistas, fundado em 2010 por Miguel, Dayana, Luís Silva, João Alves e Marta Baptista (os Von Calhau!), que se dedica a trabalhos em serigrafia — a turma actual inclui ainda Bruno Borges, Luís Silva e Daniela Duarte. Cá dentro, na oficina propriamente dita, está fresco. Há três anos que esta é a casa do grupo, que deixou a morada anterior em Campanhã para ocupar estas instalações na Cooperativa dos Pedreiros. E há tanto para observar que é difícil fixar o olhar. Vemos tintas, materiais, papéis e mais papéis, livros e cartazes por todo o lado, alguns mais familiares, que reconhecemos das ruas do Porto, outros inéditos. Acima das nossas cabeças pendem uns quantos posters da “Balada de um Batráquio”, o filme de Leonor Teles, que reconhecemos dos festivais de cinema de Berlim e Hong Kong. Mas saíram daqui, daquela máquina que daqui a pouco já vai estar a cuspir serigrafias. Já lá vamos. Rua, o palco por excelênciaPortanto, as tais capicuas têm a ver com a Arara, dizia Pedro. E não é só porque Arara, a palavra, se lê da mesma maneira da esquerda para a direita e da direita para a esquerda. O “nome em espelho” também remete para algo presente em todos os trabalhos, nomeadamente os cartazes, desde o início, evidencia Miguel. “Vai ao encontro de muitas coisas que criámos, como imagens que subvertem a ideia da percepção. Se calhar isso também é uma questão recorrente: fazer pensar uma imagem, fazer pensar no que é ver uma imagem. ”Basta observar muitos dos trabalhos do colectivo que já fazem parte da paisagem de algumas ruas do Porto; cartazes em serigrafia que, por muito distintos que sejam, têm sempre algo que revela a sua origem. "Esse é o lado mágico", diz Miguel. "Há sempre uma coerência qualquer que ninguém consegue explicar porque cada contexto é muito específico. " Se uns anunciam eventos, como concertos, exposições ou festas, outros só ostentam imagens. “Só”, como quem diz. “Para cada imagem”, explica Miguel, “há uma história por trás e um contexto que provocou a imagem (. . . ) Cada desenho é uma catarse individual ou colectiva no sentido que pensamos que pode transformar o mundo”. Um dos mais emblemáticos, o “Mamão”, desenhado pelo próprio Miguel no período pré-troika, mostrava uma mão engravatada com os dedos cruzados. E nada mais. O que será?, pensava-se. Está a fazer figas? É um cifrão? Era, conta o autor, uma referência ao “lado perverso das mãos que tentam controlar”, como dizendo “estamos a torcer por vocês enquanto estamos a torcer-vos”. No fim de contas, porém, não cabe aos artistas explicar a mensagem. “São os nossos tempos e nós reflectimos”, começa Pedro. “Mas uma das coisas que para nós é importante e constante, num sentido ‘não-propagandístico’, é criar imagens que dêem espaço para que a pessoa se projecte nelas e levante questões”, continua Miguel. “Que não digam: tens de pensar isto”, remata Dayana. Mais tarde, algures entre a grande manifestação “Geração à Rasca” e situação da Escola da Fontinha, surge nas paredes da cidade uma “Boca” escancarada, que por vezes gritava palavras de ordem, pintadas por todos os que quiseram intervir nas serigrafias, ainda elas estavam a sair da máquina. A tese era simples: as pessoas tinham voltado à rua, voltavam a cantar, mas “faltavam canções novas” — e convinha lembrar que a boca era, e é, “um instrumento muito forte”. “Há claramente uma intervenção no espaço público”, resume Pedro, sobre este acto de espalhar palavras pelas ruas, que continua até hoje. É a histórica máxima: “Muros brancos, povo mudo”. Nem todos os cartazes acabam nas paredes da cidade, mas “praticamente todos têm essa vida”, diz o designer, o que os faz ser esquivos a fotografias. Porquê a rua? “Porque ainda é um espaço comum”, completa Miguel, para pouco tempo depois citar Sun Ra: “A rua não é só uma rua, é uma auto-estrada para o universo”. E no Porto, “há tantos edifícios abandonados, tanta parede abandonada”. Oficina AraraFacebook150 sapos com bocas diferentesTudo isto começou há seis anos. “A Marta, dos Von Calhau!, dizia que no Verão de 2010 partilhámos uma seringa fria e ficamos todos infectados por este espírito da Arara”, recorda Miguel. E que quer isso dizer? “Queríamos encontrar um espaço comum em que pudéssemos misturar o trabalho com o lazer, criar uma indefinição entre ócio e o negócio. ” Construir um estúdio que se “alimentasse” dos “desejos e delírios” de todos, mas que também lhes desse “de comer”. E, por outro lado, recuperar a serigrafia, técnica de impressão que “permitia criar múltiplos de uma imagem, difundi-la num espaço maior e por mais gente e de forma acessível”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O centro da actividade é então aquela máquina semi-automática, à volta da qual todos se concentram na altura da impressão — um “momento de criação” em si mesmo, sublinha Dayana, e não de “recriação”, aponta Miguel. Até porque “dentro da reprodução em série de imagens, a serigrafia é um meio que permite ter autonomia”, sublinha Pedro. Podem trocar cores, tipo de papel, tintas. “A qualquer momento pode haver variações, não é tanto a cópia”, evidencia Dayana. Foi o que aconteceu, explica, com os 150 cartazes da “Balada de um Batráquio”, resultado de um “processo de diálogo” de alguns meses com a realizadora, Leonor Teles, que fez a encomenda à Arara: “A versão original é com o fundo verde, mas há uma versão que tem o papel rosa e outras com fundo amarelo e branco. E depois da impressão, fizemos as bocas uma a uma, em spray, que são todas diferentes. ” “Isso acontece em muitos cartazes”, aponta Pedro. “E não é um mero efeito”, sublinha Miguel, que concebeu o desenho com Dayana. É uma forma de citar o que vai dentro do filme, em que a realizadora parte sapos de louça colocados nas lojas para impedir a entrada de ciganos, mas “sem os partir logo no cartaz”. A Arara divide-se entre estas dimensões: os cartazes de autor e as encomendas de clientes, como os já cúmplices Festival Matanças e o colectivo SOOPA. No entanto, relembra Pedro, não são “uma casa de cópias” — “Temos de ter sempre uma afinidade com as pessoas ou com os eventos”. Paralelamente, também têm apostado na organização de “workshops” (dia 18 de Junho há um no Contrabando), em exposições (há uma colectiva a decorrer em Santiago de Compostela) e na impressão publicações em serigrafia, de que são exemplo o jornal “Buraco”, cujo número 7 acabou de sair, e a BD “The Abolition of Work”, com desenhos do Bruno Borges a partir do texto de Bob Black. E cada vez participam mais em feiras de edição lá fora, até para estabelecer contacto com outros colectivos semelhantes, levando consigo cartazes e livros para vender (ainda agora estiveram no Gutter Fest, em Barcelona). Os posters e publicações estão à venda em alguns locais do Porto, como a Matéria Prima, Inc, Gato Vadio, Utopia, Serralves, Maus Hábitos e Kate Skateshop (“É curioso perceber que a loja que nos vende mais cartazes é uma loja de skates”, evidencia Miguel), e na própria Oficina. O preço médio dos cartazes ronda os 20 euros, enquanto os livros vão dos 5 aos 15 euros. Também produzem t-shirts. Não é a procura de “riqueza” que os move (“Fazemos as coisas por prazer”, diz Pedro), mas também não se consideram “underground” (“É preciso dinheiro para pagar contas”, diz também Pedro). Acima de tudo, não querem ser “engajados ou catalogados” com nada. Daí os “movimentos inconclusivos” da biografia oficial; e, talvez, a escolha do próprio nome, Arara, onde descobriram que cabem tantas palavras como missões: “Ar”, um elemento “difícil de apreender”; “Rara”, adjectivo que designa algo que não é comum; “Rá”, o deus Sol do Antigo Egipto; “Ara”, um altar; e “Arar”. Porque é preciso “cultivar a própria horta” para ter alimento, mas é particularmente importante “fertilizar o terreno” que está ao redor.
REFERÊNCIAS:
Casa da Música não pára em Agosto
Gregory Porter, Annette Peacock, Manhattan Transfer, Alexander Romanovsky e Salvador Sobral são alguns dos protagonistas do festival de Verão da instituição portuense. (...)

Casa da Música não pára em Agosto
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Gregory Porter, Annette Peacock, Manhattan Transfer, Alexander Romanovsky e Salvador Sobral são alguns dos protagonistas do festival de Verão da instituição portuense.
TEXTO: Este ano, não vai haver paragem no mês de Agosto na Casa da Música, e o calendário do "Verão na Casa" vai contar com 120 concertos, metade dos quais de entrada gratuita. A organização conta receber cerca de 120 mil espectadores, entre 1 de Junho – data em que será inaugurado o palco da esplanada ao ar livre – e 16 de Setembro. Fernando Anitelli Trio, Tiê, Fugly, Miami Flu, MPBossa, Golden Slumbers e JP Simões são alguns dos nomes que vão animar as noites das quartas-feiras aos domingos deste festival. Mas durante a estação quente os sons da Casa da Música vão também chegar a vários espaços da Área Metropolitana do Porto, revelou esta terça-feira António Jorge Pacheco, director artístico da instituição, na apresentação do Verão na Casa. A Orquestra Sinfónica do Porto actua em Gaia (22 de Junho) e na Maia (14 de Julho), e, como vem já sendo hábito, desce à Avenida dos Aliados (9 de Setembro), um dia depois da reedição do concerto do Remix Ensemble com os Mão Morta. E Matosinhos recebe um dos concertos mais esperados, em que a orquestra divide o palco com o norte-americano Gregory Porter (Praça Guilhermina Suggia, 29 de Julho). A Casa da Música também não será imune à festa do S. João (23 de Junho), abrindo as portas da Sala Suggia à cidade com a Banda Sinfónica Portuguesa a tocar temas que já pertencem ao imaginário portuense, como Pronúncia do Norte, dos GNR, Porto sentido, de Rui Veloso, e outros. Na primeira segunda-feira do festival (5 de Junho), Patxi Andión regressa à Casa para um concerto dedicado a Zeca Afonso. Mas o “destaque absoluto” vai para Annette Peacock (7 de Junho), que “dá poucos concertos, mas que são sempre inesquecíveis”, realça António Jorge Pacheco. E destaca ainda a presença do histórico grupo vocal Manhattan Transfer (22 de Julho). Até o recente vencedor da Eurovisão vem à Casa, que acolhe o primeiro concerto de Salvador Sobral no Porto a 5 de Julho, uma data “marcada muito antes do festival” (mas já só há bilhetes para a segunda data, no dia 18 do mesmo mês). Já não é a primeira vez que o Romani surge na programação da instituição. Foi em Abril de 2015 que a Casa da Música desenvolveu um projecto que juntou as comunidades ciganas residentes nos bairros de Matosinhos a músicos e alunos do Balleteatro. O espectáculo que celebra a cultura cigana volta este ano a 20 de Junho, “renovado, revisitado e revisto”. 2017 também é ano do Prémio Internacional Guilhermina Suggia, que se realiza de dois em dois anos e leva à Casa da Música sete alunos de violoncelo de várias escolas europeias. Os três finalistas tocam no dia 7 de Julho, com a Orquestra Sinfónica do Porto, antes do anúncio do vencedor. No dia seguinte, chegam ainda mais violoncelos à Casa, com uma maratona de actuações de alunos das escolas vocacionais. Nos anos anteriores, a iniciativa atraiu mais de uma centena de jovens músicos. No Verão, a Sinfónica do Porto “vai para fora de portas” e deixa espaço para que outros grupos sinfónicos se apresentem na Sala Suggia. São seis as orquestras portuguesas e de mais de uma dezena de instituições do ensino da música que vão ocupar este palco. Mas, antes de sair, a orquestra dá ainda uma mão cheia de concertos na Casa. Entre eles, acompanha “um dos maiores pianistas da actualidade”, o ucraniano Alexander Romanovsky, na interpretação do Concerto de piano em Sol maior, de Ravel (9 de Junho). E ainda o espectáculo 100% Polaco! (17 de Junho), que deve o nome ao facto de o maestro, Antoni Wit, a solista, Magdalena Hofmann, e os compositores, Henrik Gorécki e Witold Lutoslawski, serem todos originários deste país. Um programa que vai dar a conhecer obras-primas da música polaca do século XX. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
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Partidos LIVRE
Esta geração vai tocando e lutando
Na Venezuela diz-se que quem pega num instrumento não pega numa arma. A Orquestra Geração adaptou o exemplo à realidade portuguesa e centenas de miúdos de bairros difíceis agarram-se à escola para aprender música e ganhar um futuro. No próximo dia 19 tocam com músicos consagrados no São Luiz, em Lisboa. (...)

Esta geração vai tocando e lutando
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na Venezuela diz-se que quem pega num instrumento não pega numa arma. A Orquestra Geração adaptou o exemplo à realidade portuguesa e centenas de miúdos de bairros difíceis agarram-se à escola para aprender música e ganhar um futuro. No próximo dia 19 tocam com músicos consagrados no São Luiz, em Lisboa.
TEXTO: A escola do Bairro do Armador, na Bela Vista, está vazia às 16h de uma segunda-feira. Há quatro ou cinco rapazes a jogar à bola no pátio e lá dentro é como se fosse fim-de-semana: os corredores estreitos, sem miúdos e com pouca luz. O único sinal de que há alguma coisa a acontecer é o som de uns sopros e percussões ao fundo de um corredor. Dentro da sala tem de se andar como quem se desvia dos pingos da chuva para não tropeçar em xilofones, baterias, bombos. É atrás de um desses bombos que está Mikil, de 11 anos, e que tem um par de palmos a mais que o instrumento. Vai tocando com os olhos postos na partitura do Can-Can. Os colegas dos sopros, da mesma idade, tocam a melodia mais perto do quadro e do olhar do professor. Mas na música o que conta é o ouvido. “Mikil, tens de fazer as coisas com mais convicção. Tem de se perceber que sabes o que estás a fazer”, diz-lhe o professor, que mal precisou de olhar para perceber que, apesar da sua camisola do Benfica com “campeões” em letras grandes, Mikil estava atrapalhado. Às vezes ainda não sabem muito bem as notas e já estão de instrumento na mão para se motivarem — é assim que se aprende aqui, na Orquestra Geração, um projecto social de ensino de música, do 1. º ao 3. º ciclo, em bairros problemáticos, onde o abandono escolar é frequente e uma porta de entrada para a vida na rua, o contacto com as drogas e com a criminalidade. O grande objectivo da Orquestra Geração não é por isso criar músicos nem caçar talentos: é manter os miúdos na escola. “Às vezes é o único espaço da escola onde eles gostam de estar e é a partir daqui que temos de trabalhar para os aguentar e mostrar-lhes que podem escolher um futuro”, conta António Wagner Diniz, fundador e director do projecto. É também professor no Conservatório Nacional, onde todos os anos fazem provas alunos que descobriram a música através destas aulas gratuitas nas suas escolas básicas. “Fico igualmente contente quando há uma série deles a ir inscrever-se no Técnico, ou mesmo que seja num curso profissional. Não é preciso serem todos engenheiros, o que é preciso é irem além”, ressalva. O importante é ensinar-lhes a persistência. “Temos de ter sempre muito cuidado na forma como damos as aulas para encorajarmos os miúdos. Estão habituados a desistir, qualquer coisa que custe um bocadinho, desistem. É o que vêem muitas vezes nos pais, é normal. ”Quando Wagner Diniz teve a ideia para o projecto, em 2007, eram 15 alunos e uma escola — a Miguel Torga, na Amadora. Hoje são 14 escolas na área de Lisboa — por Sesimbra, Sacavém, Camarate ou Vialonga —, quatro em Coimbra e uma em Gondomar, e cerca de 900 crianças. Pegar em tantas crianças sem nenhuma formação musical e pô-las a fazer o primeiro concerto logo ao fim de quatro meses de aulas, porque as palmas incentivam, acontece por causa da metodologia do venezuelano El Sistema, o programa lançado nos anos 1970 para ensinar música a crianças de todas as camadas sociais e que se tornou um exemplo de sucesso, seguido hoje na Europa. No El Sistema começa-se com o instrumento na mão, ao contrário do que é habitual no ensino tradicional, a leitura de música. Começa-se a imitar o que o professor faz para tocar canções populares que todos conhecem. “Motiva-os e permite-lhes ver, na prática, as notas que estão na pauta. Em geral evoluem rápido, excepto os que estão aqui só para passar tempo”, diz Valter Passarinho, professor na Bela Vista, onde a Geração chegou há três anos, primeiro só com percussão, depois com sopros. “Alguns pensavam que para a percussão não precisavam de saber ler a pauta. . . enganaram-se. ”Em Carnaxide, na escola Amélia Vieira Luís, quando o projecto chegou há seis anos, os alunos ainda estiveram uns seis meses sem instrumentos, lembra Iara, agora com 16 anos. “Fingíamos que estávamos a tocar com canetas nas mãos, mas não me desmotivou. A minha mãe dizia sempre para eu não desistir, que isto podia dar alguma coisa. ” Ao início, as aulas de música eram uma maneira de passar mais tempo com os amigos — inscreveu-se porque todos também o faziam. Mas sentiu-se rapidamente cativada, nem sabe explicar porquê. Iara queria ter escolhido violino, mas já não havia vagas e acabou no contrabaixo — “Nem sabia o que era, não sabia nada, agora adoro o meu instrumento. ” E ainda bem, porque tem mãos de contrabaixista, diz-lhe o professor. “Agora já estudo mais. No início, o professor vinha falar comigo porque não podia ter essa postura, era para levar isto a sério. Quando não sabia alguma coisa começava a rir-me e ele dizia-me que não tem graça não saber as coisas. ” Essas “chamadas de atenção” foram importantes — para aprender a ler música ou a estar na orquestra, e para a sua vida. “A minha mãe estava à espera que eu levantasse as notas. . . ficaram iguais. Mas comecei a portar-me melhor. Às vezes ia para a rua, ou faltava às aulas e cheguei a reprovar um ano, e agora já não”, conta. Já não gosta de estar na rua por passatempo porque “não se faz nada — são só os miúdos a correr e a jogar à bola, não tem graça”. Mesmo que gostasse, não tem grandes tempos livres. As amigas andam no boxe e no futebol, mas ela torce o nariz a isso. Quando tem algum bocadinho é para estudar uma partitura que à primeira a deixa de boca aberta porque lhe parece demasiado difícil. Estuda compasso a compasso e no fim juntam-se os pedacinhos. Se tem dúvidas, vai pesquisar no YouTube, ver e tentar imitar os profissionais. A única coisa que impede Iara de praticar mais, por agora, é a alma do contrabaixo — uma peça interior que se estragou — e sem alma não se pode tocar, em vários sentidos. Tem de esperar que um professor arranje o instrumento e entretanto vai pedindo aos colegas que a deixem tocar. E por causa disso teve de se abster de uns quantos concertos lá em casa: dois dos irmãos mais novos também estão na Geração — um toca trombone, outro violino. “A minha mãe já sabe as músicas todas. Ela diz a toda a gente que nós estamos na orquestra”. Iara gosta que as pessoas saibam. Para as crianças da Geração, há todas as semanas sete horas de aulas depois do horário escolar. E quarta-feira é dia de aula de orquestra em Carnaxide, ou seja, um ensaio com todos os colegas daquela escola que tocam no mesmo nível — pode haver quatro: pré-iniciação, iniciação, infantil e juvenil. Acontece numa sala espaçosa com desenhos pendurados e umas almofadas às cores que são arredadas para junto de uma parede. Durante o dia é uma escola primária, por volta das 17h transforma-se numa escola de música com malas de instrumentos amontoadas nos corredores. A meio do ensaio há alguma coisa que não está a correr bem com um violoncelo: é preciso trocar a cadeira, uma miniatura para um aluno que vai quase nos dois metros de altura. Nesta escola onde aprendem música 60 miúdos dos 7 aos 15 anos nem sempre é fácil segurá-los, diz Matilde Caldas, responsável pela coordenação do projecto em Oeiras e Sintra. Há seis anos, logo no início, desistiram muitos e é frequente que alguns desapareçam e depois voltem noutro ano lectivo, o que também é permitido pelo projecto. Há casos complicados de miúdos que passam demasiado tempo na rua ou que têm situações familiares difíceis e estão na protecção de menores. Outras vezes faltam as bases da própria escola, não em música mas na matemática, por exemplo, quando crianças de 13 ou 14 anos não sabem fazer uma conta simples de dividir. “Temos de nos adaptar às condições da escola. Houve sítios em que não conseguíamos juntar as 30 crianças [número máximo de vagas por turma] porque destruíam a sala e tivemos de optar por um trabalho progressivo de cinco a cinco, e no fim do ano conseguimos juntar a orquestra”, explica António Wagner Diniz, que não tem dúvidas de que, nas escolas onde actuam, já afastaram alguns miúdos da venda de droga e da criminalidade. Também já perderam outros, alguns de grande talento. Mas, para já, a nota para a Geração é positiva. “Não somos um projecto musical, somos um projecto social, que trabalha através da música. A música significa um trabalho de auto-estima e de conjunto que à medida que vai aumentando a sua complexidade obriga a um trabalho mental muito semelhante ao da matemática. ”Fátima Duarte é funcionária na Escola do Armador, na Bela Vista. Dá apoio a estas aulas de música, anda pelo corredor para qualquer coisa que seja preciso. Fala sobre abandono escolar, venda de droga, gravidezes precoces. Mas como moradora do bairro, e mãe de um aluno, sente que esta é uma pequena parte e que a vizinhança não conhece o projecto. João, filho de Fátima, começou com dez anos a tocar trompete nestas aulas. João sempre tinha gostado de desporto, fosse futebol, judo ou natação. Mas surpreendeu a mãe ao querer desistir da piscina para se dedicar mais ao trompete. “Primeiro eu queria era saxofone — não sei explicar, gostava do saxofone — mas depois experimentei o trompete e o professor disse que eu era perfeito. Nessa vez toquei fortíssimo. ”Dois anos depois, não melhorou as notas, porque sempre teve “quatros e cincos”, mas diz com muita confiança que é melhor aluno por causa da orquestra. “Não era assim tão atento. A música ajuda na escola, e a escola ajuda na música. ” Para além de agora estar “sempre a ouvir tudinho o que a professora diz e a ter respeito”, a música mudou-lhe a rotina e a da família, que de vez em quando ouve o trompete em casa. “Ao princípio os meus irmãos chamavam a isto corneta e eu ficava chateado. Depois chamavam trombone e eu já expliquei: o trombone tem uma vara que mexe, no trompete não mexe nada. ”Faz contas de cabeça para ver quantas horas por semana passa a tocar. Não treina em casa todos os dias, porque o pai é pasteleiro e trabalha de noite, precisa de descansar durante o dia. Não podendo tocar em casa, toca na escola: ao fim do dia, há uma sala toda envidraçada que passa a ser só para ele — como um estúdio pessoal. Ao domingo é dia de almoçar com a família e raramente consegue praticar. Além disso, é preciso descansar, ou começam a nascer bolhas à volta dos lábios ou nas mãos. Certo é que quando alguém faz anos não podem faltar os Parabéns. “Nem vale a pena perguntar se querem: chego lá e toco, batemos palmas e pronto. ”“Cultivou um gosto musical que muitos não têm na sociedade em que vivemos. Nestes bairros não se ouve este tipo de música” — fala da música clássica, que é frequente agora ouvir em casa do João, seja porque ele assiste ao canal Mezzo, seja porque vê vídeos de duas horas, com orquestras a tocar, no YouTube. Também ensaia ao espelho — “não se pode esquecer da postura”, avisa a mãe — e todos os dias há uma música que não falha: Te Deum, de Charpentier. “Aquilo é fortíssimo. É a abertura da Eurovisão, de todos os países. É muito forte, muito alegre. Quero incentivar-me para conseguir fazer aquilo”, conta João e explica porquê: está tudo no diafragma que trabalha sozinho e que tem de aprender a fazer o que o João manda. João quer ser engenheiro mas sem nunca deixar a música. “Quando toco, estou feliz. Às vezes tenho de me despachar para a orquestra, e os meus colegas perguntam-me porque é que vou com pressa, dizem que isto não presta, podia estar a jogar futebol. Para eles é um defeito, para mim é um dom”, diz entusiasmado. A próxima fase do projecto Geração, depois de uma primeira intervenção nas escolas, é investir nas orquestras municipais, que juntam os alunos de várias escolas da mesma zona: uma maneira de não largar quem acaba o 9. º ano e de criar um sentido de comunidade. A Orquestra Municipal Geração da Amadora é entre estas a mais antiga e fez já uma tournée pelo Norte — “um sucesso”, diz Juan Maggiorani, coordenador pedagógico nacional e maestro deste núcleo. O ensaio no espaço cultural Recreios da Amadora, a um sábado, tem o palco cheio de alunos entre os 8 e os 17 anos. O concerto é dentro de meia hora mas ainda há pormenores a afinar: no palco, Juan revê o programa, diz que o objectivo é fazer tão bem como na tournée. “A qualidade da orquestra é fabulosa”, assume o maestro, que já esperava isto desde que se juntou ao projecto em 2007: ensinam ao mais alto nível e não com a ideia do projecto social que ensina pessoas pobres, explica. “Assim é que se combate a desigualdade. ” E é por isso que os alunos portugueses ficam muitas vezes como chefes de naipe quando se juntam a orquestras do Sistema Europa, o conjunto dos projectos europeus que usam a mesma metodologia do venezuelano El Sistema. Não são uma estrutura da União Europeia, não recebem fundos especiais e, dependendo do país, há projectos muito diferentes — alguns partem de alunos que já têm noções básicas de música, uns têm sete horas por semana, outros apenas duas. O exemplo português é considerado o mais próximo do El Sistema, de que Juan foi aluno e onde tocou violino pela primeira vez aos 13 anos. Ainda se lembra: era a Quinta Sinfonia de Beethoven e não percebia nada do que estava a fazer. Imitava o colega do lado, mais velho, e ia cumprindo o lema que lhe foi fundamental: “Tocar e lutar. ”Daqui a dois meses, em Julho, vai dirigir esta orquestra na Gulbenkian, o que não é excepcional, porque estão habituados a tocar no CCB, na Casa da Música, na Gulbenkian. O que vai ser extraordinário é que para Juan chegou a vez de dirigir a Quinta Sinfonia: “São sonhos tornados realidade, isso não tem preço. ”Apesar de habituados às grandes salas, o próximo concerto é uma estreia: dia 19 de Maio, no São Luiz, em Lisboa, uma gala de angariação de fundos para a Orquestra Geração em que os diferentes núcleos do projecto vão tocar com nomes como Adriano Jordão, Camané ou Rodrigo Leão. Não há verbas que cheguem para trocar os instrumentos, que são dos mais baratos, explica António Wagner Diniz, e que “deixam de servir quando os alunos atingem este nível, em que a busca de som, de timbre é importante”. O financiamento da Orquestra Geração é feito em 85% pelo Estado, através do Ministério da Educação, que contrata a maioria dos professores, e dos municípios, que podem concorrer a apoios comunitários como o QREN. O restante são apoios privados. Sentem-se sempre na corda bamba: nunca sabem se no próximo ano o Ministério renova os contratos com os professores e continua a apoiar o projecto, o que seria mais fácil com um contrato de legislatura, sugere o director. Nos últimos dois anos foi mesmo preciso ir ao Parlamento, à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, mostrar que estão a desenvolver trabalho. Levaram uma das orquestras e “as pessoas ficaram malucas porque não estavam à espera daquela qualidade”, diz António Wagner Diniz. Para o concerto no São Luiz, também se espera gente de pé, a dançar e a bater palmas. É o que acontece quando tocam os ritmos ciganos ou as canções cabo-verdianas — “Temos a preocupação de colocar músicas divertidas. Muita gente pensa que a música clássica é aborrecida, porque não tem a oportunidade de conhecer”, diz Juan para falar de peças facilmente reconhecíveis, como o Concerto de Sol Maior de Vivaldi, ou Les Teréadors, de Bizet. Anabela Castela lembra-se bem da primeira vez que ouviu uma das músicas do filme O Fantasma da Ópera. O filho, Daniel, tinha ido dar um concerto com a orquestra da Amadora, em que tocavam músicas de filmes enquanto as cenas eram projectadas. “Não conhecia aquele filme e achei tão bonito que lhe pedi para ir procurar à Internet”, conta, e confessa que de vez em quando ainda lhe pede que toque essa música só para ela. Daniel tem 15 anos e foi parar à Orquestra Geração há três, aconselhado pelo gabinete de mediação escolar por sofrer bullying. “Eu achei que era bom para ele, não pensei é que ele viesse a ganhar este gosto. Agora é o seu sonho e eu apoio-o muito. Independentemente das condições que o nosso país tenha, é sempre bom pensarmos que os nossos filhos podem seguir os seus sonhos”, emociona-se Anabela e fala com orgulho de quando o vê tocar no palco as canções que, de tanto seguir os concertos, já sabe de cor. Quando chegou à orquestra, Daniel escolheu o trombone porque a tuba era demasiado grande. As pessoas que conheceu e a maneira como o acolheram foram “um alívio” e a descoberta da música, “ao princípio um bocadinho difícil”, mostrou-lhe que tem “um talento, que há uma coisa que consegue fazer muito bem”, relembra hesitante. “A minha vida agora é muito mais trabalhosa, mas também muito mais divertida. ”Em palco, concentração. Do lado de lá está a mãe, muito atenta. No concerto nos Recreios da Amadora, Anabela notou que o filho corrigiu a postura. “Às vezes gostava que ele trabalhasse mais aqui na orquestra. Tenho de o empurrar um bocadinho para estudar, porque nós temos sonhos, mas eles não se concretizam se não houver dedicação” — Daniel confirma: “Sou um bocadinho preguiçoso. ”Logo depois de um encore muito aplaudido, é uma correria até aos bastidores. Liberta-se a energia que esteve tão disciplinada, ainda há minutos, em palco. Não lhes apetece dar entrevistas, empurram de uns para os outros e negoceiam com “eu já dei três, tu só deste duas”. Diogo, violinista de 15 anos, há seis na orquestra, aceita. Já não se lembra bem porque escolheu o violino. Hoje não duvida de que é o que quer fazer nos próximos anos. Os pais apoiam e ficam orgulhosos. “Estão sempre a notar quando me engano e isso por um lado é mau, mas até me ajuda”, confessa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “A primeira vez que vi uma partitura fiquei muito atrapalhado, pensei que nunca ia conseguir. ” E recorda ainda o dia em que ouviu os professores tocarem pela primeira vez e como isso o deixou “inspirado”. Seis anos depois, é ele que ajuda quem está agora a chegar. Quando entrou para a Geração, Diogo não tinha facilidade em se aproximar das outras pessoas. “Já perdi esse medo e estou mais sociável. Somos todos amigos e fazemos coisas juntos mesmo fora da orquestra. ” E quando tocou com outros músicos europeus na Alemanha e na Turquia, só mesmo a música foi a linguagem universal: “Tentava aprender palavras deles, mas dali a um bocado esquecia-me, tinha de ser mesmo pelo inglês. ”Já é o terceiro ano que dá entrevistas e continua a ficar envergonhado. “Atrapalho-me. É mais fácil tocar violino”, diz ele. Não fica só tímido com a situação das perguntas e das respostas: cora ao falar de como gosta da música e da orquestra que lhe trouxe “felicidade e amizades”. Não há outra coisa que queira ser que não violinista. “Isto foi uma sorte aparecer na minha vida. ”
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Antes do sucesso escolar, há que trabalhar as emoções
Jornadas Internacionais do Pensamento Emocional decorrem em Lisboa nesta sexta-feira. (...)

Antes do sucesso escolar, há que trabalhar as emoções
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.3
DATA: 2018-08-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jornadas Internacionais do Pensamento Emocional decorrem em Lisboa nesta sexta-feira.
TEXTO: O dia não corre melhor se, antes de sairmos de casa, alguém nos disser umas palavras simpáticas? “A predisposição que tivermos para os outros vai ser diferente porque o amor é contagiante”, defende Maria Caldeira, directora do Agrupamento de Escolas do Alto do Lumiar, em Lisboa. Trabalhar o pensamento emocional é a proposta desta professora para conquistar os alunos, oriundos de meios desfavorecidos, para que, no futuro, possam estar mais predispostos para estudar. Nesta sexta-feira realizam-se as primeiras jornadas internacionais do Pensamento Emocional, no ISCTE-IUL, em Lisboa. Já existem vários projectos, a nível nacional e internacional, onde se procura trabalhar as emoções dos alunos, aponta a directora deste agrupamento que fica num Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP) e que é uma das experiências em curso no país. “Tenho o privilégio, a honra e a graça de trabalhar com um grupo de pares e de parceiros extraordinários”, orgulha-se Maria Caldeira, enumerando os professores, a mediadora escolar, os técnicos da Junta de Freguesia do Lumiar, as universidades, associações e organizações que estão a colaborar com o agrupamento. Dulce Martins, investigadora do ISCTE, faz parte da equipa que acompanha 19 agrupamentos TEIP e recorda que a ideia de trabalhar sobre as emoções surgiu quando um dia houve um grave problema de indisciplina numa das escolas do Alto do Lumiar. Maria Caldeira defendeu na altura que “o pensamento emocional pode ser um promotor de disciplina”, recorda a investigadora. E foi assim que começou. Por exemplo, numa escola do 1. º ciclo do agrupamento há aulas de ioga três vezes por semana, um projecto com a colaboração da autarquia e da Universidade de Aveiro que está a monitorizar os resultados. Noutra, também do 1. º ciclo, os alunos de Psicologia da Universidade de Lisboa trabalham com as crianças as suas competências emocionais – “há um défice grande de afectos”, justifica a directora. Na Escola Básica das Galinheiras, o campeão de kickboxing Miguel Reis dá aulas aos alunos do 1. º ciclo. “O atleta é filho de mãe cigana e pai negro, o que mostra que a relação entre as duas culturas é possível, que se pode viver em paz”, explica aínda a directora. Se um aluno se portar mal, o mestre fala com ele; não participar numa prova pode ser o castigo. Os meninos “estão a trabalhar as emoções de uma forma física”, continua Maria Caldeira. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O agrupamento — que tem resultados académicos abaixo da média nacional, em todos os ciclos — tem ainda trabalhado com os professores e com a associação de pais. O fim último é melhorar o desempenho escolar dos alunos? “Quando conseguimos trabalhar estas competências, quando os alunos estão disponíveis para ouvir, claro que contribui para melhorar os resultados”, responde Maria Caldeira. “É preciso estimular o pensamento emocional para promover competências emocionais que são essenciais para o sucesso escolar. Os estudos dizem que os alunos mais competentes a nível emocional têm maior sucesso académico”, acrescenta Dulce Martins. E é isso que se pretende com estes e outros projectos que o agrupamento está a levar a cabo. “Em primeira e em última análise queremos que estes alunos tenham sucesso académico, mas também queremos muito que sejam felizes e encontrem um equilíbrio interno”, conclui a directora. As inscrições para as jornadas esgotaram — o que "é muito revelador da necessidade que as pessoas sentem em trabalhar os afectos", avalia Maria Caldeira —, mas os painéis podem ser acompanhados a partir do site do encontro.
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Palavras-chave escola filho negro
A anarquia do flamenco segundo Israel Galván
É considerado um dos grandes inovadores do flamenco. Apresenta este sábado no Rivoli, no Porto, o espectáculo Fla.Co.Men, em que o seu corpo funciona como um instrumento. (...)

A anarquia do flamenco segundo Israel Galván
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: É considerado um dos grandes inovadores do flamenco. Apresenta este sábado no Rivoli, no Porto, o espectáculo Fla.Co.Men, em que o seu corpo funciona como um instrumento.
TEXTO: Israel Galván dança desde que se lembra de existir. “Dançava sem motivo porque pensava que dançar era o normal. ” Nada é por acaso: é filho de dois bailadores sevilhanos, José Galván e Eugenia de los Reyes, que o puxavam para cima do palco tinha ele apenas dois anos. “Dançava como se fosse um jogo, em vez do futebol”, diz ao PÚBLICO. Hoje, aos quarenta, é considerado um dos grandes inovadores do flamenco. Este sábado, às 19h, apresenta no Teatro Municipal Rivoli, no Porto, o espectáculo Fla. Co. Men, que lhe tem valido uma digressão intensa pela Europa, do Théâtre de la Ville, em Paris, ao Sadler’s Wells, em Londres (no ano passado passou também pelo Centro Cultural de Belém, em Lisboa). Fla. Co. Men começou a ser germinado “a partir de um cocktail” de todos os seus espectáculos, explica o bailarino, que, além das criações a solo – que tanto se debruçaram sobre autores como Franz Kafka como olharam para o genocídio de ciganos no Holocausto –, trabalhou também em conjunto com nomes de dentro e de fora do flamenco, como o coreógrafo Akram Khan. Apesar “das pontes com o passado”, Fla. Co. Men abriu “novas portas”. “Abriu um mundo novo e estranho, para mim e para as outras pessoas no projecto”, refere o criador. “Tivemos todos de nos acostumar. ”Israel Galván conduz o flamenco para terrenos mais experimentais, onde uma certa teatralização e uma desconstrução dos vocabulários do flamenco dialogam com as potencialidades percussivas do corpo – dos dedos das mãos aos pés, com o clássico zapateado. O corpo de Galván é um recreio de sons e ritmos, um instrumento por si só. Isso, mais os vários músicos e cantores presentes em palco, fazem de Fla. Co. Men uma peça de dança-concerto. Sem guião. “Quando não há nada numa obra é quando há um montão de coisas”, considera o bailarino. O que mais lhe interessa é a liberdade para ir criando (“não sei fazer um espectáculo profissional, ele vai-se profissionalizando”) e a “liberdade de movimento”. Israel Galván faz questão de fazer as coisas à sua maneira, mas sem deixar de estabelecer ligações com o passado, sem deixar de se inspirar em bailarinos de flamenco que não ficaram para a história. “O flamenco que conhecemos melhor é mais linear, mais clássico, mas antes o flamenco era burlesco, mais grotesco, com corpos menos formatados, menos profissionais”, diz. “Eu acredito que não se pode perder a anarquia flamenca. O que é flamenco é a maneira de estar, o gesto. A partir daí moves-te como queres. Eu não tenho uma escola. ”
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Palavras-chave escola filho corpo
Esperanza Fernández canta José Saramago em Serpa com toda a alma do flamenco
Festival Terras sem Sombra traz cantaora sevilhana para um concerto onde temas religiosos se juntam à palavra de Saramago. Este sábado em Serpa, às 21h30. (...)

Esperanza Fernández canta José Saramago em Serpa com toda a alma do flamenco
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Festival Terras sem Sombra traz cantaora sevilhana para um concerto onde temas religiosos se juntam à palavra de Saramago. Este sábado em Serpa, às 21h30.
TEXTO: Em Fevereiro foi o Alentejo a Sevilha, agora vem Sevilha ao Alentejo. Por iniciativa do festival Terras sem Sombra, as vozes do Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento juntaram-se à da cantaora Esperanza Fernández no Consulado Geral de Portugal em Sevilha, num concerto a que foi dado o nome de Imenso Sul. Agora, é Esperanza Fernández que se apresenta em Serpa, este sábado, para um espectáculo onde temas religiosos “vertidos na liturgia popular em ritmos de soleá, petenera ou siguirya” se misturarão a outros inspirados nas palavras de José Saramago. O Nobel português foi, aliás, o inspirador do terceiro disco a solo de Esperanza, que depois de Esperanza Fernández (2001) e Recuerdos (2007), lançou em 2013 Esperanza Fernández Canta a José Saramago – Mi Voz En Tu Palabra. Dele, disse (e escreveu) à data Pilar del Río: “A harmonia foi possível e agora sabemos que José Saramago sonha em flamenco com tanto duende e compás como Esperanza Fernández se transforma em poeta ao cantar. ”Nascida em Triana, Sevilha, em 1968, Esperanza Fernández Vargas iniciou-se cedo nas lides flamencas. “Primeiro bailando, teria uns 10 anos. Comecei em coisas pequenas, em festas de colégio, de fim de curso. Também gostava de cantar, mas a minha timidez fazia com que quisesse ser artista mas sem saber como. ” Foi o pai que acabou por “empurrá-la”. Disse-lhe (e ela recorda-o, agora): “‘Bailas bem, mas devias dedicar-te mais ao canto. Porque tens uma voz bonita, tens muito bom ouvido. ’ Isto porque eu cantava em casa, desde pequenina, ouvia muita música. O meu pai tinha organizado o grupo da Família Fernández e eu, que participava nele bailando, comecei a cantar. ”A sua estreia foi em Sevilha, mas depois correu mundo. Pisando os mesmos palcos que Paco de Lucía, Camarón de la Isla ou Enrique Morente. “Para mim foi um luxo, como artista e como pessoa poder dividir o palco com ele [Morente]. Enriqueceu-me muito. Só o facto de estar ao seu lado, ouvindo-o, ensaiando ou escutando algum conselho dele, não tenho palavras para definir o quanto me senti, e sinto, orgulhosa por isso. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há um mês, no dia 6 de Abril, Esperanza actuou em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, num concerto associado às comemorações do Dia Internacional dos Ciganos. E em 2014 já se apresentara no Teatro São Luiz com um concerto baseado no disco de Saramago. Retomá-lo-á agora, em parte, em Serpa “Quando me propuseram fazer este festival, achei oportuno voltar a Saramago. É um concerto de música sacra, mas creio, por mim e por José [Saramago], que seria conveniente que a sua palavra estivesse neste festival. ”O disco, que tem dez canções (A ti regreso mar, Dimisión, En esta esquina del tiempo, Dijeron que había sol, Alegría, Balada, Ha de haber, Alzo una rosa, Madrigal e Intimidad), resulta de uma parceria de Esperanza com o (também sevilhano) pianista e compositor David Peña Dorantes, aos quais se associaram, nas composições, José Miguel Évora e Luis Pastor. A selecção literária foi de Juan Blanco Noriega. Em Serpa (Praça de República, 21h30), Esperanza terá consigo Miguel Ángel Cortés, na guitarra, e, nas palmas e percussão, Jorge Pérez “El Cubano”, Dani Bonilla e Miguel Junior. Em Junho, Esperanza gravará um novo disco, Oh Vida!, a partir de um espectáculo que fez em 2016 com o pianista cubano Gonzalo Rubalcaba. “É dedicado a Benny Moré e a Manolo Caracol”, diz. “É uma fusão muito boa. Será gravado em Sevilha. ”
REFERÊNCIAS:
No Natal até um ateu pode fazer um milagre
Esta é uma história, de que me lembro muitas vezes, sobre vidas difíceis que às vezes nos passam ao lado. (...)

No Natal até um ateu pode fazer um milagre
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Esta é uma história, de que me lembro muitas vezes, sobre vidas difíceis que às vezes nos passam ao lado.
TEXTO: Porque é Natal, abro uma excepção para contar uma história na primeira pessoa – uma história do acaso mas verdadeira. Descobri Janjevo no Verão de 2013, poucos dias depois de chegar ao Kosovo, para uma aventura profissional que duraria dois anos. Guiava à procura de nada, a ziguezaguear nos montes, embalado pelo calor seco de Junho. Num vale sem saída, da cinzentura de um casario que gritava miséria, destacava-se ao longe, imponente, lá no alto, a torre de uma enorme igreja, branca imaculada, com uma cruz no cimo. Num país de 800 mesquitas, uma igreja assim agarra-nos. Lá subimos pelas estreitas ruas de pedra até ao largo. –?Catolic , catolic – diziam os miúdos a bater com as mãos no peito, à chegada dos portugueses curiosos. – Querem conhecer o padre? – Sim, claro! – Está a fazer a barba, vem já – num inglês mal arranhado. Don Mateo Palic chegou sorridente, bonacheirão e barrigudo. De uma hospitalidade tocante, mostrou-nos a igreja, abriu-nos a casa e sentou-nos à mesa, com café turco, rakia e bolos secos, para nos contar a história dos Janjevci. Mineiros de Dubrovnik, que foram para ali trabalhar nas minas de prata há mais de 700 anos e formaram a mais antiga comunidade croata fora da terra-mãe. Outrora próspero, depois da loucura da guerra que engoliu aqueles povos nos anos 90, o enclave católico acabou reduzido a 250 habitantes, entre a indiferença dos sérvios ortodoxos e a leve hostilidade dos albaneses muçulmanos. – Ser croata é ser católico – dizia Don Mateo Palic, num gesto orgulhoso de afirmação de identidade. – Mas aqui também é ser pobre, muito pobre! Contou-nos como a casa do padre também é a farmácia que dá medicamentos aos pobres, o centro de saúde dos velhos que não têm três euros para ir de camioneta ao médico, a creche dos miúdos descalços e rotos. Como os desempregados sobrevivem comendo o pouco que a terra dá. Como dividem a pobreza com os Roma – um grupo étnico de ciganos que ali se refugiou, também eles mal-queridos na sua própria terra, acusados pelos albaneses de serem amigos dos sérvios. Nunca tinha visto tanta pobreza. Chegavam donativos da Croácia, mas era pouco. Pareciam meio abandonados. Talvez esquecidos. No outono voltámos lá. Fomos à missa entregar ao padre umas boas centenas de euros recolhidos na pequena comunidade portuguesa do Kosovo. Nevava muito. Vinha um frio de rachar das serras à volta. Vimos dezenas de miúdos – croatas e roma – mal vestidos, mal calçados, mal comidos, a caminhar para a igreja gelada. Decidimos organizar uma recolha de prendas para entregar no Natal. Botas quentes, casacos grossos, gorros e camisolas de lã, brinquedos, chocolates. Dois jeeps a abarrotar até ao tecto em poucos dias. Quem deu mais foram os portugueses – por nossa influência – e depois os polacos e os irlandeses. Primeiro intriguei-me mas depois percebi porquê: eram os mais católicos com o coração mais próximos daqueles croatas da mesma religião. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A menos de uma semana do Natal, lá fomos de surpresa a Janjevo, ao Don Mateo Palic, que nos recebeu sem conter uma lágrima no olho. – É o segundo milagre que Deus me fez na vida – disse ele emocionado –, vou ter a igreja cheia de crianças na noite de Natal, Zagreb não manda dinheiro para comprar prendas; não sabia o que fazer e agora aparecem-me aqui vocês com tudo isto. – E o primeiro milagre? – perguntámos. – Ah, isso foi há uns anos, quando só tínhamos uma semana de insulina para os nossos diabéticos, estava desesperado e na véspera de acabar apareceu aqui a apitar, vindo do nada, um jeep dos militares italianos para doar medicamentos, com duas caixas de insulina. Voltei a encontrar o padre croata no dia 10 de Junho, no almoço do dia de Portugal, no quartel do batalhão do exército português em Pristina. Sentou-se à minha frente. – Sabe, Don Mateo – disse-lhe na brincadeira – é pouco provável que Deus me tivesse escolhido para fazer um milagre; sou ateu. Ele riu-se e disse: – Tu não és ateu, podes não ser católico e não saber de que religião és, mas não és ateu; tens uma religião qualquer. Rimo-nos e bebemos um copo. Bom, talvez mais. Ele adorava vinho do porto. Qual é a moral desta história? Não tem. É só uma história de Natal, de que me lembro muitas vezes. Uma história sobre vidas difíceis que às vezes nos passam ao lado.
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Étnia Albaneses
Dois adolescentes portugueses condenados por gravarem nome no portão de Auschwitz
Na altura, os dois estavam na Polónia para participar nas Jornadas Mundiais da Juventude, organizadas pela cidade de Cracóvia, e em que participou o papa Francisco. (...)

Dois adolescentes portugueses condenados por gravarem nome no portão de Auschwitz
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na altura, os dois estavam na Polónia para participar nas Jornadas Mundiais da Juventude, organizadas pela cidade de Cracóvia, e em que participou o papa Francisco.
TEXTO: Dois adolescentes portugueses foram esta terça-feira condenados por um tribunal polaco a um ano de prisão, com pena suspensa por terem gravado os nomes no portão da entrada principal de Auschwitz-Birkenau. Na altura, os dois estavam na Polónia para participar nas Jornadas Mundiais da Juventude, organizadas pela cidade de Cracóvia, e em que participou o papa Francisco. De acordo com a agência de notícias France Press, Rui Manuel F. e João L. , com 17 anos, foram apanhados no dia 28 de Julho do ano passado a gravar os respectivos nomes, a data e o nome do país de origem nos tijolos vermelhos do portão de entrada do campo de concentração. O tribunal de primeira instância de Oswiecim (nome polaco para Auschwitz) condenou-os em Fevereiro a um ano de prisão com pena suspensa por destruição de "objectos de valor histórico", uma pena confirmada esta terça-feira pelo tribunal de Cracóvia. Todos os equipamentos de Auschwitz, incluindo a sua vedação e os objectos enterrados no solo, fazem parte do museu do antigo campo de extermínio nazi, classificado património mundial pela UNESCO. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Regularmente, o museu regista roubos de todo o tipo de objectos, como pedaços de arame farpado, por visitantes que querem levar uma recordação do campo. O museu é visitado todos os anos por mais de um milhão de pessoas de todo o mundoO roubo mais célebre ocorreu em 2009, quando desapareceu a inscrição em ferro forjado com a frase "Arbeit macht frei" (O trabalho liberta), colocada no topo do portão principal do campo. A peça foi posteriormente recuperada e os responsáveis pelo furto foram condenados a penas de prisão. Entre 1940 e o início do ano de 1945, a Alemanha nazi matou no campo de Auschwitz-Birkenau cerca de 1, 1 milhões de pessoas, entre um milhão de judeus de diferentes países europeus. Neste campo morreram também 80 mil polacos não judeus, 25 mil ciganos e 20 mil soldados soviéticos.
REFERÊNCIAS:
Entidades UNESCO