Beco do Jasmim, Lisboa: O templo de Alice Ming
Um restaurante vegan num beco escondido no meio da Mouraria, uma cozinheira canadiana de origem chinesa, uma comida inspirada. (...)

Beco do Jasmim, Lisboa: O templo de Alice Ming
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um restaurante vegan num beco escondido no meio da Mouraria, uma cozinheira canadiana de origem chinesa, uma comida inspirada.
TEXTO: Quando chegou a Lisboa, Alice Ming não conhecia bem a cidade. Foi, por acaso, parar à Mouraria. Na altura, com uma amiga, sonhava abrir um restaurante de dumplings, aproveitando o seu conhecimento da cozinha chinesa (nasceu no Canadá numa família de origem chinesa). Mas a amiga acabou por deixar Portugal e sem ela o projecto não fazia sentido. Alice pensou e acabou por decidir fazer um restaurante vegan. Mas, durante os meses em que procurou por várias zonas da cidade um espaço para o seu restaurante, nunca se lembrou da Mouraria, onde vivia. Até que um dia foi parar ao Beco do Jasmim. Alguém a levou para almoçar num restaurante de cozinha portuguesa, mas o almoço nunca chegou a acontecer. O restaurante, que ali existia “há um século”, fechara e estava à venda. Foi assim que Alice encontrou o espaço perfeito para o seu The Food Temple. A primeira vez que fui ao restaurante foi em 2012, tinha aberto há alguns meses. Digo-lhe isso e Alice sorri ao recordar o tanto que mudou em três anos. “Ao princípio andávamos um pouco à procura do que queríamos. Agora sentimos que nos encontrámos, estamos confortáveis com o que fazemos. ” Conversamos, numa sexta-feira antes da hora do almoço (o restaurante só serve jantares), sentadas nas escadas que se estendem à frente do restaurante — e que, com o tempo, foram-se tornando parte dele. É (também) isso que faz este espaço especial. Como um segredo guardado num beco escondido de Lisboa. Quando, numa qualquer noite, viramos a esquina vemos algumas mesas na rua, mas as pessoas foram-se espalhando pelo pequeno anfiteatro, onde Alice já colocou almofadas e pequenos apoios de madeira para os copos. Há qualquer coisa de uma coreografia teatral nesta imagem: pessoas que chegam, pegam numa almofada e instalam-se nas escadas a beber enquanto esperam mesa; vizinhos do prédio ao lado que saem da porta e descem as escadas cumprimentando e sorrindo; estrangeiros que atravessam o beco à descoberta da Mouraria e param para saber se podem jantar ali. Ao mesmo tempo, da cozinha vão saindo purés de beringela ou de couve-flor, arroz com cogumelos, guisado de pimentos-chipotle, saladas maravilhosas, receitas tradicionais portuguesas reinventadas como vegan e muitas outras coisas boas. Alice, que desde há um ano tem mais duas pessoas a trabalhar com ela na cozinha, diz que ia às mercearias de Lisboa e admirava-se por ver tanta variedade de vegetais, a maior parte dos quais depois não aparecia nos pratos servidos nos restaurantes. “O que farão com eles?”, interrogava-se. Ela decidiu comprá-los e começar a experimentar, a partir de uma ideia-base: fazer sempre dos vegetais a estrela de cada prato. A sua cozinha é vegan, mas a partir daí é difícil classificá-la. Não usa receitas e só a pedido acaba por escrever as suas. Tem influências de muitos lugares, muitos países, muitas pessoas, de tudo o que a inspira. Por isso chama-lhe simplesmente “comida inspirada”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Tinham-lhe dito que seria difícil que um restaurante vegan tivesse sucesso numa cidade como Lisboa e num país de carnívoros como Portugal. E, no entanto, o The Food Temple está sempre cheio, com muitos estrangeiros, mas também muitos portugueses. Até na noite de Santo António, se vos acontecer virar a esquina e entrar no espaço encantado do Beco do Jasmim, vão encontrar músicos a tocar reggae nas escadas ou DJ a passar música cigana e Alice e os amigos a servir um barbecue com chouriço vegan e beringelas grelhadas. No início tinha ideias mais arriscadas, como a de fazer, aos domingos à noite, uma Última Ceia, na qual pessoas que não se conheciam juntavam-se todas à mesma mesa e seguiam pequenas regras inventadas para a ocasião, como a de não se servirem a elas próprias mas sim à pessoa que tinham ao lado. Com o sucesso do Food Temple, deixou de haver espaço para estas Últimas Ceias, mas Alice diz que um dia destes talvez elas voltem. Para já, há workshops de cozinha vegan (para saber as datas, é preciso ir consultando a página de Facebook) dados por ela ou por amigos ou conhecidos que se identifiquem com o projecto. Alice veio do Canadá, viajou, encontrou Lisboa e decidiu ficar. Não sabia que havia um espaço como este à espera dela. E, no final, Lisboa deu-lhe não apenas o espaço normal de um restaurante mas também umas escadas que se tornam vivas todas as noites. Deu-lhe, num dos seus bairros mais amados, um teatro, um anfiteatro, um templo, onde tudo gira à volta da sua comida inspirada.
REFERÊNCIAS:
Tempo sexta-feira
Novo tipo de dinossauro descoberto em França
Durante anos, os paleontólogos mantiveram a máxima discrição. Mas agora a sua descoberta é pública: a de um novo tipo de dinossauro, da família dos titanossauros. Trata-se de um animal herbívoro, com cerca de 12 metros de comprimento, que viveu na Terra há 75 milhões de anos. (...)

Novo tipo de dinossauro descoberto em França
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.136
DATA: 2012-08-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Durante anos, os paleontólogos mantiveram a máxima discrição. Mas agora a sua descoberta é pública: a de um novo tipo de dinossauro, da família dos titanossauros. Trata-se de um animal herbívoro, com cerca de 12 metros de comprimento, que viveu na Terra há 75 milhões de anos.
TEXTO: Escavações realizadas no município francês de Velaux, perto de Aix-en-Provence, em três operações – em 2002, 2009 e 2012 –permitiram recuperar a maior parte dos restos deste animal de dentes cilíndricos, baptizado de Atsinganosaurus velauciensis, que em latim quer dizer qualquer coisa como "dinossauro cigano". “Recuperámos 70% do esqueleto do animal, mas não o crânio, infelizmente. Penso que vamos conseguir fazer uma reconstituição fiel”, disse à AFP Géraldine Garcia, especialista da Universidade de Poitiers, que esteve envolvida nas escavações, juntamente com o Instituto Real de Ciências Naturais de Bruxelas. Os trabalhos, realizados numa área de 300 metros quadrados, foram mantidos sob reserva durante anos, para evitar pilhagens. No mesmo local, foram encontrados outros fósseis do Cretácico superior, há 75 milhões de anos. No sítio paleontológico de Velaux surgiram também um crânio de crocodilo, carapaças de tartarugas e ossos de outros dinossauros.
REFERÊNCIAS:
INE chumba pergunta sobre origem étnico-racial no censos
Instituto Nacional de Estatística anunciou decisão no final da tarde desta segunda-feira em conferência de imprensa. Em Abril, Grupo de Trabalho formado pelo Governo tinha recomendado a pergunta. INE garantiu que vai fazer inquérito para conhecer discriminação e desigualdades mas não se comprometeu com datas. (...)

INE chumba pergunta sobre origem étnico-racial no censos
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.5
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20190710170920/https://www.publico.pt/n1876683
SUMÁRIO: Instituto Nacional de Estatística anunciou decisão no final da tarde desta segunda-feira em conferência de imprensa. Em Abril, Grupo de Trabalho formado pelo Governo tinha recomendado a pergunta. INE garantiu que vai fazer inquérito para conhecer discriminação e desigualdades mas não se comprometeu com datas.
TEXTO: O próximo censos, em 2021, não vai incluir uma pergunta sobre a origem étnico-racial da população. A decisão de chumbo foi anunciada na tarde desta segunda-feira pelo presidente do Instituto Nacional de Estatística (INE). Resultou de um processo de consulta de meses no qual se inclui a recomendação de a introduzir feita por um Grupo de Trabalho criado pelo Governo. Francisco Lima fez questão de comunicar a decisão aos jornalistas em conferência de imprensa, na qual estiveram presentes Paula Paulino, coordenadora do gabinete do Censos, e Maria João Zilhão, vogal do conselho directivo. O chumbo deve-se ao facto da questão ser complexa, referiu, adiantando que se fará um inquérito em que serão abordadas questões para “melhor conhecer a discriminação e desigualdade na sociedade portuguesa”. Mas não se comprometeu com datas. Possivelmente, no segundo semestre de 2021, disse. O presidente do INE usou vários argumentos apresentados pelo núcleo do GT que se opôs à inclusão desta pergunta no censos. Disse que, ao fazê-lo, se corria o risco de institucionalizar as categorias étnico-raciais e legitimar a classificação das pessoas. Sublinhou que, para se incluir esta questão no Censos 2021, seria necessário ter começado este trabalho em 2015. Trata-se de questões complexas que exigem processos longos, tal como aconteceu em outros países, argumentou. Disse também que o facto de a pergunta ser facultativa gerava incerteza sobre os resultados. Explicou que o tipo de informação sobre a discriminação não seria possível de obter no censos, que não questiona os rendimentos dos inquiridos, e que um inquérito cumpriria melhor esta função de modo a captar a sua “multidimensionalidade” e fazer a sua monotorização ao longo do tempo. Será feito um teste-piloto do inquérito depois de serem consultados vários agentes da academia aos intervenientes políticos, explicou. “Precisamos desta informação”, afirmou, o “inquérito está na nossa agenda”, garantiu. Horas antes, o INE reuniu-se com alguns membros do Grupo de Trabalho (GT), os sociólogos Rui Pena Pires e Cristina Roldão, e com o seu coordenador, o Alto-Comissário para as Migrações (ACM) Pedro Calado. “Mesmos de sempre” decidiram, critica sociólogaEsta era uma reivindicação antiga de activistas anti-racistas que há anos chamam a atenção para esta necessidade — em linha com uma recomendação feita por várias vezes a Portugal pela ONU. A decisão foi criticada pela socióloga Cristina Roldão. Com esta decisão “continuaremos a não reconhecer que Portugal tem muitas cores e que o racismo –individual, institucional e estrutural – existe”, disse em declarações ao PÚBLICO. Acrescentou ainda que “a posição favorável que ficou expressa nas recomendações do GT, assim como a demonstração de adesão das cerca de 1500 pessoas inquiridas numa sondagem recente, ou ainda os resultados positivos em dois Eurobarómetros (2006 e 2015)” não foram motivo “suficiente para levar o status quo e as instituições a dar este passo histórico no combate ao racismo e desigualdades étnico-raciais”. Criticou a “falta de investimento político”. “Ao longo destes meses não foi dado qualquer passo para alargar o debate à sociedade portuguesa e criar assim uma decisão mais participada e reflectida. Esta tarde, no salão nobre do INE, não havia nenhum negro ou cigano com poder de decisão, é gritante a ausência de representatividade étnico-racial. Hoje, os mesmos de sempre decidiram que os mesmos do costume devem continuar a esperar e invisíveis. ”Para Rui Pena Pires, um dos opositores, a decisão do INE foi de encontro ao que “era mais sensato”. Mas o sociólogo deixou um recado: “Espero que não inviabilize a produção de informação necessária para sustentar o desenho e monotorização de políticas públicas anti-racistas. O problema existe e a minha discordância era apenas sobre o modo de recolher a informação. Farei tudo para que as soluções que não o censos se concretizem”, comentou. Em Abril, e depois de meses de reuniões em sequência do anúncio dessa intenção em Setembro de 2017 pelo então ministro adjunto Eduardo Cabrita, aquele Grupo de Trabalho recomendou ao Conselho Superior de Estatística a introdução de uma pergunta sobre a origem étnico-racial dos cidadãos, questionando-os se pertencem a quatro grandes grupos, que depois se dividem em subgrupos: branco, negro, cigano ou asiático. Na altura, nove elementos votaram a favor, quatro contra e um absteve-se. A decisão causou polémica: o representante das comunidades ciganas, Almerindo Lima, e a coordenadora do Observatório das Comunidades Ciganas (integrado no Alto Comissariado para as Migrações), Maria José Casa-Nova, votaram contra. Também um comunicado com duas dezenas de subscritores ciganos, entre associações como a Letras Nómadas e Associação Cigana de Coimbra e activistas, manifestou o desacordo com a pergunta, pedindo que “essas questões sejam relativas à nacionalidade e à ascendência e não à pertença ‘étnico-racial’, que tenderá a exacerbar o estigma que pesa sobre a população cigana portuguesa”. Esta tomada de posição serviu de exemplo a Francisco Lima para explicar por que o tema é controverso e necessita de outras abordagens. A recolha não era feita até agora porque entidades como o ACM alegavam que essa prática é contra a Constituição. Mas a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) pode dar autorização em determinados casos — segundo o parecer do INE, apesar de se tratar de dados sensíveis, existe a possibilidade de recolha e tratamento, desde que estejam garantidas determinadas condições como o anonimato. Os elementos a favor do GT defenderam, na altura, que a resposta do censos será um instrumento “fundamental e incomparável” para avaliar as desigualdades étnico-raciais no país: porque tem uma cobertura nacional; pelo universo da população; pela sua multisectorialidade; pelo carácter sistemático e longitudinal da recolha; pelo rigor dos protocolos pelos quais se recolhe e trata os dados, entre outros. Um dos instrumentos decisivos na decisão do GT foi uma sondagem elaborada pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica em que se concluiu que a esmagadora maioria da população inquirida, 84%, responderiam a uma pergunta no censos sobre a sua origem ou pertença “étnico-racial”, se lhe fosse garantido o anonimato, e 80% concordava com a pergunta. Também a maioria, 78%, achava relevante obter informação estatística oficial para conhecer a discriminação e as desigualdades baseadas em “raça” ou “etnia” em Portugal. Quem se opôs à decisão — os sociólogos Rui Pena Pires e João Peixoto, Almerindo Lima, representante das comunidades ciganas, e Maria José Casa-Nova, coordenadora do Observatório das Comunidades Ciganas, integrado no ACM — considerou que a recolha destes dados pode promover a legitimação das categorias raciais, e os seus efeitos são “maiores” quando o Estado é o autor. Os riscos são também maiores, argumentam, quando há um recenseamento geral do que quando é feita uma recolha por investigadores ou num inquérito, escrevem no relatório. Formalizado por decreto regulamentar em Agosto de 2018, o GT foi criado pela Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade e era composto ainda por académicos como Cristina Roldão, Marta Araújo, Jorge Malheiros e Jorge Vala, pelo ACM, por representantes das comunidades afrodescendentes, como Anabela Rodrigues e José Semedo Fernandes, pelo SOS Racismo e pelo gabinete do Censos no INE, entre outros. Na pergunta recomendada pelo GT há um enunciado em que se afirma que a resposta é facultativa: “Portugal é hoje uma sociedade com pessoas de diversas origens. Queremos melhorar a informação sobre essa diversidade para melhor conhecer a discriminação e desigualdades na sociedade portuguesa. ” Depois inquire: “Qual ou quais das seguintes opções considera que melhor descreve(m) a sua pertença e/ou origem?”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Seguem-se os quatro grandes grupos: “Branco/Português branco/De origem europeia”, “Negro/Português Negro/Afrodescendente/De origem africana”, “Asiático/Português de origem asiática/de origem asiática”, “Cigano/ Português cigano/Roma/ De origem cigana”. E, dentro destes, uma diversidade de hipóteses: origem portuguesa, outra europeia ocidental, Europa de Leste, brasileira. Na categoria de negro, pergunta se é de origem de algum dos países africanos de língua oficial portuguesa, timorense ou brasileira. Na asiática, se é de origem chinesa, indiana, timorense, goesa, paquistanesa, macaense, bangladesh. Na de cigano, se é português cigano ou de origem romena. Todas as opções permitem a inscrição de uma outra origem não elencada, em resposta aberta, e no final há ainda a hipótese de escolher outro grande grupo não especificado ou se é de origem mista. Esta definição de “categorias compósitas” pretende que o máximo número de pessoas se possa identificar e apresenta várias alternativas quanto à forma como os membros de determinada comunidade se autodenominam, justificam os membros do GT. A formulação da pergunta não refere explicitamente termos como “raça”, “cor”, “etnicidade”, “ancestralidade”, ou “línguas faladas em casa” para evitar conotações negativas e problemas de rigor científico, justifica o GT. Isto porque as categorias em causa são entendidas como categorias sociais, e não biológicas ou genéticas — algo que deve ser explicado no enunciado, recomenda o GT.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Caso Cova da Moura: falsificação de autos pela polícia não é inédita
Acusação refere que os agentes da PSP agiram “pelo sentimento de ódio racial, de forma desumana e cruel”. Caso inédito faz questionar outros que poderão ficar na invisibilidade. “É mau demais para ser verdade”, diz Sindicato dos Profissionais de Polícia. (...)

Caso Cova da Moura: falsificação de autos pela polícia não é inédita
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento -0.06
DATA: 2019-11-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Acusação refere que os agentes da PSP agiram “pelo sentimento de ódio racial, de forma desumana e cruel”. Caso inédito faz questionar outros que poderão ficar na invisibilidade. “É mau demais para ser verdade”, diz Sindicato dos Profissionais de Polícia.
TEXTO: Pontapés. Socos. Tiros. Ofensas racistas. Fabricação de factos. Depois de recolhidas e analisadas as provas — exames médicos, relatos de testemunhas, inspecções, entre outras — o Ministério Público (MP) é peremptório no despacho de acusação dos 18 agentes da PSP da esquadra de Alfragide: “de forma inequívoca e sem sombra de dúvida” conclui que os factos descritos nos autos da polícia sobre o que se passou a 5 de Fevereiro de 2015 não se verificaram. Esses autos foram feitos com o objectivo de incriminar os seis jovens da Cova da Moura (Amadora) que começaram por ser acusados de tentativa de invasão da esquadra naquele 5 de Fevereiro. Dois anos e meio depois, o despacho do MP está escrito de modo a desconstruir a versão apresentada pela polícia, terminando com acusações duras: prática dos crimes de falsificação de documento agravado, denúncia caluniosa, injúria agravada, ofensa à integridade física qualificada, falsidade de testemunho, tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos e sequestro agravado. A acusação refere ainda que os agentes da PSP agiram “pelo sentimento de ódio racial, de forma desumana e cruel pelo prazer de causarem sofrimento aos arguidos”. Fica claro na acusação que a versão que vingou junto do MP foi a mesma que em Fevereiro de 2015 vários dos jovens, entre eles membros da direcção da Associação Moinho da Juventude (Prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República), contaram ao PÚBLICO, denunciando que tinham sido vítimas de violência e de ofensas racistas. “Os polícias disseram que nós, africanos, temos de morrer”, relataram. Também contaram que ouviram da boca dos agentes frases como: “Vocês têm sorte que a lei não permite, senão seriam todos exterminados. ”Mas este está longe de ser um caso isolado de violência policial, bem como de fabricação de factos pela polícia, garantem várias fontes ouvidas pelo PÚBLICO. Um funcionário que esteve na área da investigação na Inspecção-Geral da Administração Interna diz que “a falsificação de autos de notícia não é inédita, nem este caso é único”. A acusação é grave porque a PSP é um órgão de polícia criminal e o normal é os tribunais dependerem das suas informações, acrescenta. “A construção dos factos pela polícia num caso destes, em que não se relata a realidade, é uma situação que ocorre mais vezes do que deveria. ” Também Mamadou Ba, do SOS Racismo, denuncia que é “prática a fabricação de factos pela polícia” e que o despacho “coloca isso às claras”. António Brito Guterres, investigador do ISCTE e um dos membros do Observatório do Controlo e da Repressão que há anos acompanha de perto a relação dos jovens com a polícia, testemunhou já, noutros processos, “que apareciam coisas nos autos” que “não tinham acontecido”. António Brito Guterres, investigador do ISCTE e um dos membros do Observatório do Controlo e da Repressão, testemunhou já, noutros processos, “que apareciam coisas nos autos” que “não tinham acontecido”A acusação ontem conhecida a 18 agentes de uma mesma esquadra foi considerada inédita pela Inspectora-Geral da Administração Interna, Margarida Blasco, pelo Sindicato dos Profissionais de Polícia e por advogados. “Deve fazer-nos pensar: ou estamos numa sociedade em que estas situações não ocorrem ou há um fenómeno de muita ocultação, a realidade é muito maior e não há a mobilização das instituições para este problema”, diz ao PÚBLICO Conceição Gomes, investigadora do Observatório Permanente de Justiça. António Brito Guterres lembra que é “interessante” falar-se da “excepcionalidade desta acusação”: ela “elucida sobre a impossibilidade de acesso à justiça para uma série de casos análogos”. Estimando um custo total de 20 mil euros para todo o apoio processual deste caso “se tivesse sido feito a preço de mercado”, Brito Guterres exemplifica: “Apesar de atendidos no Hospital Amadora-Sintra, esta entidade pública não emitiu nenhum relatório que demonstrasse a origem dos ferimentos. Para a sua aferição, os jovens tiveram que ser assistidos no Hospital da Luz, no dia da sua libertação, para que se fizesse os respectivos relatórios. O Hospital da Luz é privado e só esse atendimento nas urgências custou perto de 1000 euros. ”Segundo a IGAI, em sequência deste caso foram instaurados nove processos disciplinares aos agentes da PSP, sendo que em apenas duas situações houve sanções – e estas não se efectivaram porque os agentes interpuseram recurso. A sanção aplicada a um dos agentes foi suspensão por 90 dias e, a outro, suspensão por 70 dias e afastamento da esquadra. O regulamento da PSP define que o máximo de suspensão de um agente são 240 dias, acrescentou Margarida Blasco. Foram arquivadas as acusações a sete dos nove agentes. A esquadra de Alfragide está ainda a ser investigada pela IGAI, em dois processos independentes deste, que estão a decorrer, acrescentou. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Administração Interna diz que não se pronuncia sobre processos em investigação. A Direcção-Geral da PSP disse à Lusa “que a presunção de inocência se mantém até trânsito em julgado, sendo que em relação às referidas ocorrências foram accionados os meios disciplinares internos e da IGAI”. Conceição Gomes sublinha: é importante seguir atentamente este caso para que “não volte a acontecer”. “As pessoas ainda têm que ser julgadas. Mas, se for verdade, estes factos ocorreram numa esquadra inteira e isso é grave. ” Se coloca em causa a acção da polícia, também “pode servir para fortalecer se se souber reflectir sobre isso”, considera. Já Mário Andrade, do Sindicato dos Profissionais de Polícia, acredita que a “acusação venha a cair por terra” pois “o número de agentes acusados é muito elevado”, “excessivo para qualquer acto que se pratique numa esquadra”. “É mau demais para ser verdade”, diz. A acusação de racismo coloca a imagem da instituição PSP em causa. “Não corresponde à realidade. ”Pelo contrário, Mamadou Ba afirma que o despacho “ajuda a desfazer o mito de que não há racismo nas instituições” em Portugal. “Nunca tivemos uma esquadra inteira a ser constituída arguida. O racismo não é uma coisa isolada, se todos estão arguidos é porque todos tiveram implicações. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Trata-se também de um caminho em direcção “ao fim da impunidade que tem vingado em casos similares” e de incentivar as vítimas a construir “finalmente” um património de confiança com o Estado. “O racismo é uma prática e uma cultura de relação que as forças de segurança criaram na sua abordagem com as comunidades negras e ciganas. Se o Estado esteve bem em deduzir acusação, também mostra uma fragilidade tremenda: durante anos esteve cego, surdo e mudo perante a violência policial racista. ”Este caso, conclui Brito Guterres, abre a porta a uma interrogação sobre a “discrepância” entre a narrativa inicial da polícia de “tentativa de invasão da esquadra” e a acusação, afirma. O que nos “leva a pensar nas inúmeras situações deste género, relatadas pela polícia aos media” sobre “as quais não se chega a saber os verdadeiros acontecimentos”. Esta terça-feira de manhã, Flávio Almada, um dos jovens da direcção do Moinho da Juventude que foi agredido, disse que ainda não tinha tido acesso à acusação do MP. Afirmou: "É um bom começo, mas é preciso esperar pelo julgamento terminar. "
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
Ensino da História portuguesa não pode ignorar a violência cometida contra os povos das ex-colónias
Conselho da Europa exorta autoridades portuguesas a mudar a "narrativa da História" que continua a ser transmitida aos alunos. (...)

Ensino da História portuguesa não pode ignorar a violência cometida contra os povos das ex-colónias
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Conselho da Europa exorta autoridades portuguesas a mudar a "narrativa da História" que continua a ser transmitida aos alunos.
TEXTO: Num manual de História do 9. º ano, que está entre os cinco mais vendidos, escreve-se isto sobre o início da guerra colonial, no princípio dos anos sessenta do século passado: “Um sentimento generalizado de medo entre os colonos levou-os a matar muitos indígenas enquanto outros fugiram, indo juntar-se aos guerrilheiros. Posteriormente, tribos do Norte de Angola assassinaram centenas de colonos. ”É por apresentações como esta que a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, na sigla inglesa) do Conselho da Europa exortou nesta terça-feira as autoridades portuguesas “a repensar o ensino da História e, em particular a História das ex-colónias”. No relatório em que faz um ponto da situação sobre o racismo em Portugal, a ECRI frisa que o ensino desta disciplina “deveria englobar o papel que Portugal desempenhou no desenvolvimento e, mais tarde, na abolição da escravatura, assim como a discriminação e a violência cometidas contra os povos indígenas nas ex-colónias”. Refere que “a narrativa da ‘descoberta do novo mundo’ deve ser colocada em questão” e que o ensino da História deve abordar “a história e o contributo dos afrodescendentes, assim como dos ciganos, para a sociedade portuguesa”. E defende ainda que as autoridades portuguesas “deveriam melhorar os manuais escolares seguindo estas linhas de orientação”. Os manuais escolares de História do 3. º ciclo de escolaridade (7. º, 8. º e 9. º ano de escolaridade) foram precisamente o objecto de estudo da investigadora Marta Araújo, mais, concretamente as representações que ali são veiculadas sobre o colonialismo e a escravatura. Em declarações ao PÚBLICO sobre as recomendações da ECRI, congratula-se pelo facto destas irem “além do debate sobre a inclusão do outro”, que se desenvolveu nos últimos anos e que levou por exemplo, a que em alguns manuais escolares “apareçam outras vozes” que saem da perspectiva eurocêntrica dominante nestes livros. Só que esta mudança “não tem sido suficiente para mudar a narrativa da História”, afirma Marta Araújo. É o caso por exemplo, aponta a investigadora, da abordagem que tem sido feita aos discursos de Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que foram incluídas em alguns manuais e que acaba por expurgar a temática dos movimentos de libertação africanos e recair de novo “numa crítica muito suave ao colonialismo português”. Ao ler o relatório da ECRI, a professora de História e co-autora de manuais, Elisabete Jesus, diz que lhe surgiu imediato esta questão: “Terão realmente analisado os manuais de História?”. Ressalva que esta interrogação lhe surgiu tendo na base os livros de que é co-autora, para acrescentar que “temas como a escravatura, os direitos humanos, a tolerância e multiculturalidade já aparecem, há propostas de actividades que mostram diferentes perspectivas sobre estes assuntos, que inclusive pedem aos alunos reflexão e debate”. E que os professores de História têm frequentado “acções de formações sobre estas temáticas”. “Isto não significa que não se possa melhorar, mas é preciso que se entenda que os manuais seguem as linhas orientadoras dos programas homologados pelo Ministério da Educação e, por isso, o foco do relatório [da ECRI] devia estar naquilo que é definido a montante - as orientações curriculares que têm sido determinadas para a História”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Refira-se apenas este respeito que no 9. º ano de escolaridade, em que geralmente é abordada a guerra colonial, as aprendizagens essenciais que estão em vigor, e que determinam o que todos os alunos devem saber, passaram a limitar-se a definir o seguinte: “Analisar a guerra colonial do ponto de vista dos custos humanos e económicos, quer para Portugal quer para os territórios coloniais, relacionando-a com a recusa em descolonizar. ”Marta Araújo chama também a atenção para uma questão que aponta como “essencial” e que ainda não está resolvida: a população cigana está praticamente ausente da História que se ensina em Portugal. Embora a outro nível, também no relatório da ECRI se chama a atenção para esta comunidade. A situação das crianças ciganas é descrita como sendo “profundamente preocupante”: por exemplo 90% abandonam a escola cedo, frequentemente entre os 10 e 12 anos.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
ONU volta a dizer que Portugal deve ter políticas específicas para afrodescendentes
Relatório de 2012 já sublinhava a necessidade de Portugal avançar com medidas para estes grupos. Cortes financeiros no Alto Comissariado para as Migrações e manuais escolares também preocupam peritos. (...)

ONU volta a dizer que Portugal deve ter políticas específicas para afrodescendentes
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20190710235039/https://www.publico.pt/n1754235
SUMÁRIO: Relatório de 2012 já sublinhava a necessidade de Portugal avançar com medidas para estes grupos. Cortes financeiros no Alto Comissariado para as Migrações e manuais escolares também preocupam peritos.
TEXTO: Tal como 22 associações de afrodescendentes reivindicaram numa carta enviada ao Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD, em inglês), este organismo recomendou nesta sexta-feira a criação de medidas específicas para estes grupos. Esta era uma recomendação que já tinha feito em 2012. Na avaliação que acaba de ser publicada, o CERD afirma que continua a estar preocupado com o racismo de que os afrodescendentes são alvo em Portugal e com o facto de não existirem programas “especialmente direccionados às suas preocupações”. Sublinha que é preocupante que os afrodescendentes sejam ainda “invisíveis nos sectores mais importantes da sociedade”. Outra das sugestões deixadas é que o Estado se envolva num “diálogo aberto e construtivo” com os afrodescendentes, com o objectivo de abordar as suas queixas de “discriminação racial”. Chama por isso a atenção para a ausência da presença de Organizações Não Governamentais (ONG) neste processo de avaliação de Portugal (os peritos da ONU não receberam relatórios dessas organizações, como recomendado). O CERD volta a insistir que Portugal deve desagregar dados estatísticos sobre minorias étnicas e raciais para se ter uma análise “da forma como os direitos económicos, sociais e culturais estão a ser vividos" por estes grupos — a Constituição portuguesa proíbe esta recolha, mas "para casos excepcionais" o primeiro-ministro poderia autorizá-la. As Nações Unidas reconhecem ainda que o Estado tomou medidas para recolher informação desagregada nos seus diversos Observatórios, como o das Comunidades Ciganas, Migrações e Tráfico de Seres Humanos: “Porém alguns dos dados recolhidos não cobrem os seus grupos na totalidade. ”Há mais recomendações a Portugal: que controle de forma eficaz as queixas sobre discriminação racial e investigue e puna o discurso de ódio, incluindo o de políticos. Além disso, é necessário conduzir uma efectiva investigação de cada uma das denúncias de uso excessivo da força por parte das polícias, garantir a punição de quem a pratica e indemnizações para as vítimas. O comité quer, aliás, para o próximo relatório de Portugal, obter informação detalhada sobre estes casos, como o número de queixas às forças de segurança e o seu desfecho. A ONU está igualmente preocupada com o número limitado de queixas relativas ao artigo 240 do Código Penal (que criminaliza o racismo). A ausência de denúncias “não significa ausência de discriminação racial”. Portugal deve assim investigar quais as causas: se são as próprias vítimas que não têm informação sobre os seus direitos; se sentem medo de represálias; se têm acesso limitado à polícia; se não confiam nela e no sistema judicial ou se, por outro lado, há falta de atenção das autoridades para casos de discriminação. Dizem ainda os 18 peritos independentes que avaliaram Portugal que é preciso acelerar a Lei contra a Discriminação Racial. E mudar alguns aspectos do funcionamento da Comissão para a Igualdade e Discriminação Racial. Esta deve ser reforçada a nível de recursos financeiros e humanos. O processo de apresentação de queixa tem de ser mais simples e é preciso rever o modo como é feita a prova: o suposto agressor é que deve provar que não cometeu aquilo de que é acusado. No capítulo sobre as comunidades ciganas, o CERD afirma que “continuam a ser alvo de discriminação em muitas áreas da vida, como acesso a habitação e educação” — e para isso devem ser intensificadas medidas específicas. “O Comité também está preocupado com a ausência de consulta a pessoas de etnia cigana em todos os estágios de implementação e avaliação da Estratégia Nacional para a Integração de Comunidade Cigana. ” E diz que o financiamento desta estratégia deve ser reforçado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Refere ainda que os cortes orçamentais de que foi alvo o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), a extensão das funções deste organismo e as novas tarefas que lhe competem podem sacrificar a sua missão de promover a igualdade e inclusão de migrantes. Outro dos aspectos que preocupam o CERD são os livros escolares que ainda tenham imagens discriminatórias e estereotipadas da ciganos e afrodescendentes e outros grupos minoritários — por isso, recomenda que o Estado avalie os currículos e os manuais de modo a que estes retratem melhor o passado colonial e a herança cultural dos diversos grupos, bem como o seu contributo para a sociedade e culturas portuguesas. Portugal ratificou a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial em 1982. Periodicamente, os países submetem relatórios para a apreciação dos peritos independentes que fazem parte do comité da ONU. O relatório português que foi entregue em Genebra foi redigido pela Comissão Nacional para os Direitos Humanos, sob supervisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e baseia-se em informação dada pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e vários ministérios.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Como se avalia um país? “As discussões são confidenciais”
No lapso de um mês e meio, dois relatórios internacionais que avaliavam Portugal geraram discussão. Para onde olha quem nos avalia? E com quem fala? Falámos com um dos autores. (...)

Como se avalia um país? “As discussões são confidenciais”
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: No lapso de um mês e meio, dois relatórios internacionais que avaliavam Portugal geraram discussão. Para onde olha quem nos avalia? E com quem fala? Falámos com um dos autores.
TEXTO: Entre visitas ao país, pesquisa de notícias de jornais e relatórios oficiais, conversas com representantes do Governo, reuniões com organizações não-governamentais, muito se passa antes que se conheça os resultados das avaliações que são feitas regularmente pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, na sigla inglesa), do Conselho da Europa. No total, demora cerca de um ano, estima Wolfram Bechtel, advogado e membro da comissão que avaliou recentemente a situação em Portugal. Este ano, o relatório sobre o país, publicado a 2 de Outubro, tinha 49 páginas e 107 constatações e recomendações. E suscitou polémica. A vários níveis. Desde logo, a ECRI aborda a questão do ensino da História em Portugal. Frisa que ele “deveria englobar o papel que Portugal desempenhou no desenvolvimento e, mais tarde, na abolição da escravatura, assim como a discriminação e a violência cometidas contra os povos indígenas nas ex-colónias”. Mais: devia abordar “a história e o contributo dos afrodescendentes, assim como dos ciganos, para a sociedade portuguesa”. E as autoridades nacionais “deveriam melhorar os manuais escolares seguindo estas linhas de orientação”. A ECRI não revela quem são as organizações da sociedade civil por si ouvidas no país em avaliação — “garantimos-lhes que as nossas discussões são confidenciais”, diz Wolfram Bechtel ao PÚBLICO. E leram os manuais? Falaram com professores? O presidente da Associação de Professores de História (APH) diz que não foram contactados por ninguém da ECRI. “Deviam tentar fazer a análise dos manuais mais vendidos”, defende o professor. Se tivessem feito essa consulta, continua Miguel Monteiro de Barros, veriam que “alguns manuais não são muito correctos a esse nível, mas a sua quota de mercado há-de ser 2 ou 3%”. É “quase irrelevante”. E se tivessem sido contactados, o que diria a APH? “Acho que há uma parte da questão que se coloca de forma errada, porque muitos professores não usam o manual como instrumento principal. ” Quanto aos programas “são mais ou menos neutros, deixando algumas destas questões um pouco em aberto”. Nesse sentido, a “APH esteve a trabalhar com o Ministério da Educação para elaboração das aprendizagens essenciais, a partir dos programas”. Miguel Monteiro de Barros sublinha a “preocupação, desde Outubro de 2016, em introduzir estas questões da forma mais correcta possível”. Os relatórios elaborados pelos organismos internacionais, como a OCDE ou o Conselho da Europa, são feitos por pessoas “muito competentes”, defende Fernando d’Oliveira Neves, antigo embaixador de Portugal e representante do Governo a nível internacional em diversos cargos. Não significa, porém, que “não deixe de haver algum tipo de preconceito” até porque “tudo o que é feito por seres humanos reflecte o que eles são”. No geral, pode ter-se “considerável confiança” nestes conteúdos, acredita. Sobre o caso concreto dos relatórios que analisam as competências do país ao nível da educação, Domingos Fernandes, professor no Instituto da Educação e ex-secretário de Estado da Administração Educativa, defende que lhes estão associados metodologias que “têm credibilidade”. Um exemplo disso é o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, na sigla inglesa). Contudo, “não há metodologias à prova de bala”, alerta. “Há sempre outra forma de fazer as coisas. Estas questões são complexas e precisam de um olhar cauteloso e crítico. ” Os estudos têm vantagens e desvantagens. Por um lado, diz, dão-nos um “ponto de situação sobre o curso que estamos a dar ao sistema educativo”. Mas há limites: “Não faço relação de causa-efeito entre os estudos internacionais e políticas internas. ” Quanto aos potenciais malefícios, avisa que pode haver tendência para “tratar os resultados como um campeonato de futebol” e tomar medidas só para ficar bem na fotografia. “Não podemos entrar por aí. ”Marta Araújo, investigadora no Núcleo de Estudos sobre Democracia, Cidadania e Direito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e autora de vários trabalhos que avaliam a forma como a História é relatada nos nossos manuais, não pensa da mesma forma. “Como é que se pode ensinar a escravatura e nunca se mencionar como um pensamento racial esteve associado à escravatura”, questiona. A ECRI diz que não viu os manuais. “Não temos a capacidade nem o tempo para olhar para os livros”, faz saber Wolfram Bechtel. “As autoridades portuguesas talvez sejam as melhores para fazer essa avaliação e olhar para os livros de História e identificar pontos onde as melhorias podem ser feitas”, sugere. “Nós chegamos às nossas recomendações ao ouvir o que dizem a sociedade civil, os investigadores, as outras organizações internacionais e as autoridades. ”De resto, o que a ECRI propõe não é novo — tanto esta entidade como a ONU já suscitaram a questão do ensino da História em Portugal noutros relatórios. O PÚBLICO questionou o Ministério da Educação para saber se ia tomar medidas em relação às recomendações internacionais, mas não obteve resposta. Contudo, nesta quarta-feira, numa audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, convocada pelo Bloco de Esquerda para o ouvir o ministro da Administração Interna sobre o relatório do Conselho da Europa, Eduardo Cabrita foi categórico: “Não há necessidade de mudar os manuais. ”Além do ensino da História, a ECRI também apontou o dedo à Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) por, afirma, tolerar o racismo e não fazer um seguimento adequado das denúncias. Apesar das acusações de violência racista cometida por agentes de polícia, “nenhuma autoridade reuniu sistematicamente estas acusações e procedeu a um inquérito eficaz para determinar se são ou não verdadeiras”, lê-se no relatório. “Isto levou ao medo e falta de confiança na polícia, particularmente entre as pessoas de origem africana. ”Esta tomada de posição levou as autoridades portuguesas a pedirem a publicação de um “Ponto de vista do Governo”, num apêndice ao documento. Aí, a PSP e a IGAI refutam a maioria das conclusões que lhes dizem respeito, em particular a acusação de que toleram o racismo. A IGAI insurge-se contra a mencionada necessidade de um organismo que investigue alegados casos de racismo e violência da polícia, e apresenta-se como esse “órgão independente”. A Direcção Nacional da PSP fez saber que muitas das respostas que enviou à ECRI quando o país estava a ser avaliado foram mesmo ignoradas. Wolfram Bechtel relativiza: “Os comentários [negativos] são só de duas organizações governamentais. A ECRI falou com muitas mais. ” Além disso, “cobrir o assunto do racismo e intolerância nestas páginas exige foco”. E se é facto que é uma “selecção difícil de satisfazer toda a gente”, também é responsabilidade da comissão escolher “os assuntos em que se quer focar”. Quem também se queixou foi Duarte Marques. Supostas declarações racistas do deputado do PSD eram citadas numa primeira versão do relatório, tornando-o exemplo deste tipo de discurso entre políticos. O documento já foi corrigido pela ECRI já depois da primeira versão ter sido divulgada. O trabalho apresentado pela ECRI não é o primeiro relatório internacional a ser polémico nos últimos tempos. Há cerca de um mês o mais recente Education at a Glance (que é feito anualmente pela OCDE desde 2000) caiu que nem uma bomba. Os sindicatos apontaram erros nos número disponibilizados sobre salários dos professores e prometeram invadir as caixas de e-mail da organização com reclamações. “Com a polémica que existiu nem era preciso ir ao anexo técnico”, comenta ao PÚBLICO Nuno Rodrigues, director de Serviços de Estatísticas da Educação na Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e responsável por fornecer à OCDE os dados relativos a Portugal. Bastaria ler o título do gráfico, continua, porque os valores apresentados para os salários dos professores correspondem à paridade do poder de compra (PPS) e, por isso, não são o rendimento real. A OCDE (e outros organismos) utiliza este método para poder comparar países. João Dias da Silva, da Federação Nacional da Educação (FNE), admite que as questões inicialmente levantadas pelos sindicatos se prendiam com a interpretação errada dos dados, que não tiveram em conta que os números eram apresentados em PPS. Além disso, o facto de as pessoas não se reverem individualmente nos números, que são uma representação do universo dos professores, também levantou problemas. Mas persistem dúvidas sobre outros dados, nomeadamente o tempo de trabalho, os salários e a carreira docente que aparecem no relatório e que o responsável da FNE faz saber que já foram colocadas à OCDE. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Dias depois de se saber o conteúdo desta avaliação, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues dizia ao PÚBLICO que o documento “não é uma bomba”. “Em Portugal, o Education at a Glance é alimentado com o inquérito UOE (produzido para a UNESCO, OCDE e Eurostat)” e outras fontes como o INE e o Instituto de Gestão Financeira, explica Nuno Rodrigues. “Depois, dependendo do ano em que está a ser realizado há estudos internacionais que podem ser utilizados”, como os do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (também da OCDE). “A nossa preocupação é a independência. A equipa não comenta os dados. Há outras pessoas que têm de o fazer. Nós temos de dar aos utilizadores, sejam eles quais forem, a informação”, declara Rodrigues.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD
SOS Racismo apresenta queixa-crime contra Maria de Fátima Bonifácio
Mamadou Ba, dirigente da SOS Racismo, considera que o texto assinado pela historiadora no PÚBLICO “incita ao ódio, promove o preconceito e o racismo e é ofensivo para qualquer pessoa racializada”. (...)

SOS Racismo apresenta queixa-crime contra Maria de Fátima Bonifácio
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 17 | Sentimento -0.35
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mamadou Ba, dirigente da SOS Racismo, considera que o texto assinado pela historiadora no PÚBLICO “incita ao ódio, promove o preconceito e o racismo e é ofensivo para qualquer pessoa racializada”.
TEXTO: A SOS Racismo vai avançar, nesta quarta-feira, com uma queixa-crime no Ministério Público contra Maria de Fátima Bonifácio por considerar que o artigo de opinião publicado sábado no PÚBLICO viola o artigo 240º do Código Penal, que define o crime de discriminação racial. Mamadou Ba, dirigente da SOS Racismo, considera que o texto assinado pela historiadora Fátima Bonifácio “incita ao ódio, promove o preconceito e o racismo e é ofensivo para qualquer pessoa racializada”. “Sabendo que a nossa constituição proíbe claramente qualquer incitamento ao ódio racial é um texto completamente e abertamente racista”, afirma Mamadou Ba ao PÚBLICO. “Nem sequer se trata de uma questão de direito de opinião ou liberdade de expressão. É uma tese que quer reabilitar coisas que pensávamos estarem completamente ultrapassadas no debate público, ideológico e teórico: a ideia de que há raças inferiores. ”Para o dirigente da SOS Racismo “já não é aceitável esse tipo de opiniões” porque “não se baseiam em nenhuma evidência científica, apenas, e posso dizê-lo sem nenhum pejo, num ódio que Maria de Fátima Bonifácio tem para com culturas e pessoas diferentes, que não sejam brancas. ”Num comunicado enviado às redacções a dar conta da decisão de avançar com uma queixa-crime, a SOS Racismo reforça que a crónica da historiadora parte do “pretenso propósito de problematizar e questionar a validade de uma medida de quotas para o acesso ao ensino superior”, mas “o que emerge como a verdadeira tese do artigo é a pretensa inferioridade de ‘ciganos’ e ‘africanos’”. “O que escreve é profundamente injurioso, difamatório e falacioso. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Ofender, injuriar e difamar alguém não pode ser justificado como mera opinião; a liberdade de Fátima Bonifácio se expressar e dizer o que pensa não foi limitada – do que se sabe, escreveu exactamente o que quis. Mas não se pode esperar ou pedir aos/às 'africanos'/as e ‘ciganos'/as atingido/as pelas suas palavras, que vejam diminuídos os seus direitos fundamentais, em especial, o direito à honra, à dignidade, à imagem e à integridade moral”, lê-se num comunicado enviado às redacções. “Direitos inalienáveis e que a Constituição da República lhes reconhece e que toda e qualquer Declaração de Direitos Humanos defende. Direitos que não podem ser suspensos ou aplicados discricionariamente, porque Maria de Fátima Bonifácio considera, a título de ostensivo preconceito, que estes não se lhes aplicam por ‘descendência’”, termina a associação.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos humanos racismo racista discriminação
PS quer que Parlamento faça diagnóstico sobre racismo em Portugal
Deputados entregaram requerimento à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para que inclua no seu plano de actividades uma análise, diagnóstico e reflexão sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial em Portugal. (...)

PS quer que Parlamento faça diagnóstico sobre racismo em Portugal
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 17 | Sentimento 0.2
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Deputados entregaram requerimento à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para que inclua no seu plano de actividades uma análise, diagnóstico e reflexão sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial em Portugal.
TEXTO: O Grupo Parlamentar do PS quer que a Assembleia da República faça um relatório sobre racismo em Portugal. Nesta segunda-feira à tarde os deputados Catarina Marcelino, Susana Amador e Isabel Moreira entregaram um requerimento à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para que inclua no seu plano de actividades uma análise, diagnóstico e reflexão sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial em Portugal. O objectivo é que no final desta sessão legislativa, em Julho de 2019, seja produzido um relatório com conclusões e que “aponte alguns caminhos” para o combate ao racismo, disse ao PÚBLICO a deputada Catarina Marcelino, uma das autoras da iniciativa. O plano inclui várias actividades, como audições, audiências e visitas. “Pretende-se ouvir um conjunto de entidades, organizações e associações que representam pessoas que são alvo de racismo, académicos que têm um trabalho mais aprofundado e responsáveis de organismos públicos porque é muito importante perceber o que se passa nos organismos públicos”, afirma. “Resolvemos ter uma acção mais pró-activa e tentar encontrar uma metodologia de trabalho que permita chegar ao fim desta sessão parlamentar com um relatório. "Catarina Marcelino foi secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade durante o mandato de Eduardo Cabrita como ministro-adjunto, e esteve envolvida no processo da criação de um grupo de trabalho formado pelo Governo para estudar a introdução no Censos 2021 de uma pergunta sobre a origem étnico-racial da população. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A deputada explicou que "as expressões de racismo" que têm sido denunciadas com alguma frequência, como a agressão no Porto à jovem colombiana Nicol Quinayas, os episódios na discoteca Urban Beach, o inquérito escolar que distinguia portugueses e ciganos, entre outros, foram alguns dos motivos que levaram o grupo parlamentar a ter esta iniciativa. Está previsto também que os deputados ouçam o Governo sobre a matéria. A proposta é que o relatório seja feito dentro da subcomissão para a Igualdade, que recentemente viu ser acrescentada ao nome a referência “e não-discriminação”. Depois de entregue o requerimento, se for aprovado, todos os partidos irão dar os seus contributos com propostas de pessoas e entidades para serem ouvidas. Com base no que se concluir será depois nomeado um relator que terá como responsabilidade acompanhar o trabalho durante o ano. “É um fenómeno que a agenda política tem que integrar, o PS acha que esta é a melhor forma”, conclui.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
Podemos? Claro que podemos!
Deixam de ser verdadeiros negros para serem considerados evoluídos. A cor torna-se equívoco, de preto só a aparência, e essa dilui-se rapidamente. Talvez seja o pior tipo de racismo. (...)

Podemos? Claro que podemos!
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.625
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Deixam de ser verdadeiros negros para serem considerados evoluídos. A cor torna-se equívoco, de preto só a aparência, e essa dilui-se rapidamente. Talvez seja o pior tipo de racismo.
TEXTO: À maneira de Fanon: sou mulher, sou negra. Não sou vítima nem brinquedo. Não sou um objeto de proteção ou de defesa condescendente. Não sou uma potencialidade de algo, sou plenamente o que sou. Reconheço-me um só direito: o de exigir do outro um comportamento humano. Um só dever. O de não renegar a minha liberdade nas minhas escolhas. O racismo existe em Portugal. A sua instrumentalização, independentemente dos motivos subjacentes, é também uma das suas faces. Num momento em que se lança um debate, eventualmente interessante, sobre a discriminação positiva para as minorias étnico-raciais, nada como um artigo de opinião naturalizando a discriminação. Não estranhei a opinião. Não é nada de novo. Faz parte do meu quotidiano. Do quotidiano de muitos africanos, ciganos; enfim, de muitos seres humanos. Um parêntesis para algumas clarificações. As opiniões individuais práticas e racistas não me incomodam. Preta! Não, não considero ofensivo. Não, não peço desculpa por não considerar ofensivo. Sou absolutamente indiferente a essa alienação cromática de considerar branco como positivo e negro como negativo. Talvez pelo conhecimento de um dos mais belos textos de Agostinho Neto que cito sem pretensão de rigor: se ser branco é chicotear negros, se ser negro é ser chicoteado, então eu prefiro ser negro. Não consigo considerar ofensivas as considerações a propósito dos “africanos”, sou absolutamente alheia à alienação geográfica de quem porventura ignora que também foi por decreto que muitos dos africanos que residem em Portugal deixaram de ter a nacionalidade portuguesa. Normalmente e felizmente também ignoram o que é o continente africano, a sua variedade, as suas culturas, os seus contributos para a humanidade. Também ignoram que muitos africanos são eurodescendentes, alguns godos, outros germanos e ainda outros simplesmente desterrado-descendentes (não, não ri enquanto escrevi). Dou de barato que muitos dos pretos, perdão, africanos portugueses, são segundas e terceiras gerações e se tiverem ascendentes das antigas colónias, perdão, províncias ultramarinas, carregam em si mais de 500 anos de cultura portuguesa. Fecho o parêntesis evitando repetir o que décadas de lusotropicalismo deixaram como marca irrefutável: o português (nós, porque também o sou) foi o colonizador bonzinho, destemido, aberto a novas culturas e gentes que catalogou numa artística palete de cores, e que somos todos amigos, amantes do fado e do Benfica (e é verdade. . . tenho muitos amigos brancos, perdão, europeus, gosto de fado de Coimbra e sou benfiquista). Sem querer ser maniqueísta mas aproveitando despudoradamente as generalizações feitas no artigo, a opinião da articulista reflete a representação social e cultural do negro em Portugal, um (in)consciente coletivo solidário com os mitos e os arquétipos que associam o negro à obscuridade — negros são selvagens, estúpidos, analfabetos, inferiores. Mas neste (in)consciente coletivo existe, também, algo que é familiar a todos os negros em Portugal que, por um motivo ou outro, não cabem nos estereótipos citados no artigo. Deixam de ser verdadeiros negros para serem considerados evoluídos. A cor torna-se equívoco, de preto só a aparência, e essa dilui-se rapidamente. Talvez seja o pior tipo de racismo; se o negro bem-sucedido perde a cor negra, temos uma sociedade que reafirma a sua superioridade cromática eliminando a cor do outro, reafirmação que visa e torna possível a manutenção do preconceito. Imaginemos por um segundo que a articulista deu aulas de História. . . Não preciso de imaginar, basta-me voltar ao 11. º ano e lembrar um professor de Filosofia que abriu a primeira aula afirmando-se racista. Vá-se lá saber porquê, não gostou da resposta, “Eu também. Não gosto de estúpidos”, e fui obrigada a anular a matrícula. . . Eu e vários colegas europeus!Mais violenta do que a bastonada da polícia é a paulada do professor que se admira de ter um negro como melhor aluno da turma, transmitindo a ideia de anormalidade ou milagre intelectual, ou, do colega que aceita perfeitamente a tareia no basquete, mas não no xadrez. Não desperdicemos as raras ocasiões em que o racismo se torna visível com altercações estéreis ou incidentais. Tipo: pululam portugueses europeus com quem não partilho os mais elementares valores morais e não têm sequer ideia do que é civismo, ou, os portugueses europeus não descendem dos Direitos Universais do Homem decretados pela Grande Revolução Francesa de 1789, aliás, não fossem os europeus anglófonos imporem pela força o fim do tráfico, ainda continuariam a traficar pessoas. Forte, não é? Pois é, mas é incidental e estéril. O problema não é conhecer a realidade, mas transformá-la. Por melhor que seja, nenhuma política resiste aos preconceitos de quem a executa ou dos seus beneficiários. O diferencial de tratamento por motivos étnicos, de género, de opção sexual e outros continuará presente ou latente se não trilharmos caminhos que são longos, de preferência resistindo às tentações de condescendência, de mitigação ou exacerbação, consoante os interesses. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Fugindo ao politicamente correto da reafirmação dos direitos humanos para um grupo vulnerável, o desafio que temos em mãos é o da eliminação do preconceito. Preconceito que tolhe e envenena. Um trabalho titânico aguarda todos os que queiram fazer passar os seus preconceitos pelo crivo da objetividade. Negros ou brancos. Uma responsabilidade que é mútua. Nunca na perspetiva do branco que vai dizendo vamos incluir os pretos, vamos elevá-los à condição humana ou do negro que vai dizendo os brancos são todos racistas e inumanos, mas num processo repartido de respeito e reconhecimento do outro. Mas podemos? Claro que podemos. A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano Germanos