Meditação na Índia
O leitor Pedro Mota Curto partilha a sua experiência num templo de Bombaim. (...)

Meditação na Índia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: O leitor Pedro Mota Curto partilha a sua experiência num templo de Bombaim.
TEXTO: Neste local imperava o silêncio e a tranquilidade. Rodeado pela natureza em todo o seu esplendor. Do ponto mais alto avistavam-se as árvores, os campos e um verde contínuo, até ao horizonte. Pássaros. Não muitos. Sobretudo uns elegantes corvos. Plenos de personalidade. Convictos de que não só a vegetação mas também aqueles edifícios lhes pertenciam. O espaço é amplo. Templos, escadarias, estátuas, restaurante, salas de meditação, o suficiente para justificar um dia inteiro de permanência neste gigantesco templo budista, situado a 70 quilómetros, para norte, do centro de Bombaim, na Índia. Por aqui está tudo calmo. O silêncio apenas é perturbado pelo ocasional vento, pelo ondular das folhas das árvores, pelo saltitar dos corvos, pelo deambular dos lagartos por entre os arbustos e pelas ocasionais chuvadas, breves mas muito intensas, típicas do período das monções. O calor impera. A humidade também. Global Vipassana Pagoda é a denominação deste templo budista, réplica de um famoso templo existente na Birmânia, Shwedagon Paya, em Rangum. Visitar um templo budista, na Índia, também não é simples, tal a diversidade de deuses, demónios, rituais, a maioria desconhecidos das mentes europeias. As histórias e as epopeias milenares são inúmeras e intrincadas. Os templos, flamejantemente dourados, numa profusão de pináculos em direcção ao céu. No pagode principal, com capacidade para oito mil fiéis, sentados no chão, de pernas cruzadas, só pode entrar quem possuir no seu currículo um curso de dez dias de meditação. Nos pagodes secundários, mais pequenos, foi possível entrar e efectuar três sessões de meditação, ao longo do dia, orientadas por monges que explicavam os segredos desta meditação. No interior do Global Vipassana Pagoda existem alojamentos onde é possível permanecer ao longo de vários dias, num retiro de meditação budista, devidamente certificado. Este templo também possui, asseguraram-nos, verdadeiras relíquias de Buda, oferecidas pelo governo do Sri Lanka. Em 2018, o budismo não é a religião principal dos indianos, apesar de a origem da religião budista estar precisamente na Índia. A maioria professa a religião hindu, seguindo-se a muçulmana. O budismo surge em terceiro lugar, antes do jainismo, do cristianismo e do zoroastrismo. O budismo é um sistema religioso e filosófico, fundado pelo indiano Siddhartha Gautama, mais conhecido por Buda, que viveu entre o ano 566 e o ano 483 a. C. No início, conquistou muitos fiéis que trocaram o antigo hinduísmo pelo novo budismo mas, com o tempo, a maioria regressaria ao hinduísmo, muitos convencidos que Buda não era mais do que a reencarnação de Vishnu, um dos principais deuses hindus. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De acordo com Siddhartha Gautama, o objectivo do homem seria atingir o Nirvana, um estado permanente e definitivo de beatitude, felicidade e conhecimento, obtido através de disciplina ascética e da meditação, extinguindo definitivamente o sofrimento humano, desiderato alcançado por meio da supressão do desejo e da consciência individual. Daí a importância atribuída à meditação no Global Vipassana Pagoda. Pedro Mota Curto
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo Budismo Hinduísmo Jainismo Zoroastrismo
No Sabor, o último rio selvagem deu lugar a lagos calmos
Perdeu o epíteto de “último rio selvagem” de Portugal quando há dois anos foi dominado pela “mãe de todas as barragens”. Mas isso não significa que tenha deixado de ser arisco, à espera de ser explorado nas suas águas tépidas. Por detrás do Douro, há uma porta que se abre para a nova paisagem do rio Sabor, cheia de espelhos de água, à espera de serem quebrados. Os Lagos do Sabor são uma novidade no horizonte transmontano que ainda não cedeu ao turismo de massas. Nem tem como. (...)

No Sabor, o último rio selvagem deu lugar a lagos calmos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.133
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Perdeu o epíteto de “último rio selvagem” de Portugal quando há dois anos foi dominado pela “mãe de todas as barragens”. Mas isso não significa que tenha deixado de ser arisco, à espera de ser explorado nas suas águas tépidas. Por detrás do Douro, há uma porta que se abre para a nova paisagem do rio Sabor, cheia de espelhos de água, à espera de serem quebrados. Os Lagos do Sabor são uma novidade no horizonte transmontano que ainda não cedeu ao turismo de massas. Nem tem como.
TEXTO: Alfredo faz o mesmo caminho todos os dias. Sobe a ladeira, num passo ligeiro, errante, desengonçado, mas directo ao destino. Em cima das pernas de 98 anos vai decidido para se encostar à fraga, onde antes se sentava com um livro no colo. “Lia tudo o que viesse à mão”. Agora ali fica a sentir o calor abrasador na pele e a trocar dois dedos de conversa com quem passa. Naquela rocha escura há um enclave que parece uma cadeira feita de propósito às medidas do corpo do tio Alfredo. Os olhos já não lhe permitem ler, mas não precisa da nitidez da vista porque os pés sabem de cor o caminho entre a sua casa, ao lado da igreja matriz, e o castelo do Mogadouro, onde vai passar as tardes. Dali do cimo daquela vila, Alfredo diz que nada mudou, que o horizonte que dali espreita se mantém igual. Mas naquelas bandas de Trás-os-Montes muito é diferente desde que nasceram a jusante e a montante os dois paredões da barragem do rio Sabor e com elas se criaram lagos onde antes só se avistava terra. Os olhos de Alfredo ainda não viram bem os efeitos das mudanças da barragem do Baixo Sabor. Há muita água onde antes o rio minguava quase até ficar uma ribeira. No Verão, por vezes o caudal deste rio, que chegou a ser o último rio selvagem português, era tão baixo que dava para passar a pé de uma margem à outra. Não tinha barragens, não tinha regadio intensivo, não tinha aproveitamento organizado para o turismo. Agora também ainda não os tem, faltam-lhe as assinaturas do Governo no plano estratégico da barragem para que possa ser aproveitado com ordem e lei. Entre o ser selvagem e o passar a ser dominado, ficou num limbo. Um limbo que ainda abre uma janela de oportunidade aos visitantes para aproveitarem a sua genuinidade e autenticidade, a começar pela das suas gentes. Alfredo é uma das pessoas às quais não deve passar indiferente ao visitar Mogadouro. Para ser o “dono” do Castelo da terra só lhe falta a chave da porta, porque a dos segredos ninguém lha tira. Inspira qualquer um a conhecer a terra que foi em tempos propriedade da família dos Távoras e que deixa transparecer sinais deste domínio. O mais evidente, a avaliar pela quantidade de placas a anunciar a sua existência e o caminho para lá chegar, é o Monóptero de São Gonçalo. A ida até à beira deste monumento de inspiração barroca vale por si. De um lado e de outro da estrada, as silvas vão arranhando a carrinha pickup, mas o pior são os buracos na terra batida que fazem com que a distância por ali se deixe de medir em quilómetros e se passe a medir em tempo. O Monóptero está num terreno privado. Para o ver é preciso passar por sinais que avisam que se entra em propriedade que não é de todos e talvez por isso este monumento singular na Península Ibérica se esteja a degradar a olhos vistos, apesar da classificação desde 2012 como Monumento de Interesse Público. Esta classificação chegou anexada com uma zona especial de protecção, uma vez que é preciso ter “em consideração o enquadramento paisagístico da construção, que realça a sua singularidade e confere ao cenário um carácter bucólico que o valoriza e a sua fixação visa a salvaguarda do monumento e do contexto que com ele estabelece uma relação interpretativa”, lê-se na portaria assinada pelo então secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas. O monumento circular com seis colunas já ficou sem a cúpula abobadada e aos poucos está a perder os plintos de granito que põem em perigo as seis colunas e por consequência a estrutura de todo o monóptero. Além disso, dizem que em tempos tinha uma imagem de São Gonçalo, no centro. Já não existe. Este Verão tinha apenas as palhas da vegetação que entra pelo pequeno monumento adentro. A Câmara Municipal do Mogadouro negoceia com os privados o que fazer, mas a solução ainda não foi encontrada. A ida ao monóptero e um passeio pelas aldeias de Penas Róias, também ela com um castelo, ou de Azinhoso, onde perduram singularidades da arquitectura de Trás-os-Montes, como as varandas de madeira ou as pequenas igrejas com alpendres, que serviam para albergar peregrinos, sem que nos cruzemos com turistas são um exemplo do muito que há por descobrir nestes quatro concelhos. Depois do enchimento da barragem, que aconteceu há dois anos, pouco foi feito junto ao imenso espelho de água que se estende pelos concelhos de Macedo de Cavaleiros, Moncorvo, Alfândega da Fé e Mogadouro. E isso não tem de ser mau para quem lá vai, apesar de ser pouco útil, rentável ou produtivo para quem lá vive. A linha do horizonte entrecortada de Trás-os-Montes ganhou, através da acção da mão humana, água nos vales, mas a mesma mão não modificou nada ou mudou muito pouco do que ficou à tona. Ainda não há autorização para novas praias fluviais, ainda não há os famosos barcos-casa, as casas palafitas, os barcos de recreio ainda são poucos, a pesca ainda não está regulada e o regadio também não é programado. É um imenso mar de água doce por explorar e organizar e isso dá a sensação ao visitante que é o primeiro a fazer tudo por ali. Essa sensação de ter uma experiência turística ainda partilhada por poucos é um dos segredos mais bem guardados da região. Na verdade, por esta zona, fazer praia nos novos lagos ou passear de barco apenas pode ser feito por conta e risco próprios, já que não há empresas que possam explorar as margens das albufeiras criadas com a barragem e existem apenas duas praias fluviais que já existiam, a praia da Foz do Sabor e a praia da Foz do Azibo. As duas com água mais quente do que seria de esperar para rio – rondaria os 23, 24 graus no final de Agosto. Onde antes quase só se via terra e um pequeno curso de água, nasceram desde há dois anos três grandes lagos: o Lago de Cilhades, o Lago do Medal e o Lago dos Santuários. Com a subida do leito, ficou maior e mais larga a Foz do Azibo. Em cada um há uma história que ficou escondida na água ou para ser descoberta nos montes que a rodeiam. Luís casou há dez anos no Santuário de Santo Antão da Barca, que fica no concelho de Alfândega da Fé virado para o de Mogadouro. À ida para o casamento, foi pela estrada que atravessava o rio. Muitas vezes, durante o Verão, dava para passar o Sabor a pé. O leito secava tanto que se punham a descoberto as pedras do fundo e as margens tocavam-se. Nesse dia foi festa rija no Santuário. “A meio da tarde cai uma trovoada e o rio sobe tanto que já não pudemos atravessá-lo e tivemos de dar a volta”. Dar a volta significava andar quilómetros até que a ponte do IC5 os pusesse do lado de lá. Luís conta a história do casamento durante um passeio de barco. É dos poucos que os faz nos novos lagos, no seu pequeno barco de pesca. Sem docas, o improviso para entrar na água leva-o a usar uma estrada que ficou alagada para se aproximar da água com o jipe e largar o barco na albufeira. Fá-lo a expensas próprias, porque naqueles lagos ainda não há autorização para serem construídas docas ou para empresas poderem fazer exploração de passeios turísticos. Apesar de ter estado envolvido em todo o processo de construção da barragem, Luís ainda está a tentar decorar os novos cantos da casa que foi sempre sua. “O Santuário devia ser mais ou menos aqui”, aponta para um dos lados do imenso Lago dos Santuários. O nome foi dado pela Associação de Municípios do Baixo Sabor, que quer dinamizar a zona e criou a marca “Lagos do Sabor”. Ao certo, ninguém sabe dizer onde ficava o local de romaria que juntava as gentes dos dois concelhos vizinhos, todos os anos no início de Setembro. “Agora está ali”, diz olhando para cima. Lá do cimo do monte aparece o santuário trasladado. As imagens de satélite do Google ainda estão no antigamente. Ainda se vê o rio, estreito, com a areia acumulada e as rochas a descoberto. Agora, no cimo do monte, a cerca de um quilómetro onde existia o santuário com mais de 200 anos, foi erigido o novo lugar de culto. Ou foi reerguido. Durante meses, equipas de restauradores foram desmontando a igreja de um lado e montando do outro, pedra a pedra até à sua nova morada, no cimo do monte da Parada e de frente para o novo Lago dos Santuários. A igreja lá no alto marca com imponência uma das curvas do rio, onde este se junta com a ribeira Zacarias, antes uma pequena ribeira, agora do tamanho e largura de um rio. Como muitos dos sítios religiosos da zona, a igreja agora trasladada foi mandada construir no século XVIII pela família dos Távoras, senhores do Mogadouro. Neste local, onde é possível apreciar a nova paisagem criada pela água do Sabor, foi construído um pequeno museu que mostra em fotografias como a igreja subiu a encosta ao longo de meses, que tem um espaço dedicado à vida do Santo Antão e ainda uma parede dedicada aos “ex-votos” que os crentes faziam ao santo, para pagarem promessas. Do lado de fora, há espaço para um restaurante panorâmico, ainda fechado por falta de equipamentos, e um dormitório na Casa do Romeiro, também ele fechado. Este espaço, propício a um investimento de turismo rural pela vista e pelas condições que oferece, está meio abandonado, apenas visitado por curiosos ou quando se prepara a romaria anual. Há 14 anos, o jornalista do PÚBLICO, Ricardo Garcia, foi conhecer as terras que iriam ficar alagadas quando nascesse a barragem, o que só aconteceu mais de dez anos depois, e falava de uma terra esquecida, onde pouco acontecia, mas que tinha uma paisagem deslumbrante que ficaria submersa. “Provavelmente, apenas quem visita um vale antes de ser inundado consegue vislumbrar a dimensão brutal do que se perde com as albufeiras, em troca de água e electricidade. Há coisas que estão lá longe, e passarão a ficar ao pé. Outras, ao contrário, estão hoje ao alcance de todos, mas amanhã nunca mais serão acessíveis”, escreveu. Este sábado, dia 29 de Setembro, as autarquias de Torre de Moncorvo, Macedo de Cavaleiros, Alfândega da Fé e Mogadouro, tentam bater o record de selfies do Guiness Book of Records. Para promoverem a região, querem juntar milhares de pessoas num “Caminhão de selfies”, a partir do Santuário de Santo Antão da Barca, em Alfândega da Fé, às 9h30. Neste dia, além de caminhadas, passeios de BTT e de visitas guiadas de autocarro, a Associação de Municípios do Baixo Sabor faz ainda uma mostra e venda de produtos tradicionais, no Sabor Food Fest. Por cada participante, os municípios entregam 2, 5 euros aos bombeiros locais. Um desses casos é a aldeia de Cilhades, no concelho de Torre de Moncorvo. Descendo pelo rio, é possível chegar ao recém-nascido lago que ganhou o nome da aldeia (que já na altura era) abandonada e que ficou no fundo. O Lago de Cilhades, nome bonito para um local mais bonito ainda, é o maior lago criado com a construção da barragem. Sentados à sua beira, parece que a natureza nos põe à frente um teste de Rorschach inventado a 360 graus: é água ou são os montes? Onde começa um e acaba o outro? A água parada, sem ondas, cristalina, tépida, confunde os peixes que roçam à tona com as oliveiras do serro. Em 2004 a descrição do que era aquela aldeia é em tudo diferente do que se vê agora. “Hoje abandonada, Cilhades terá a albufeira como sepultura, sob dezenas de metros de água. A partir da aldeia, é preciso subir por tortuosos caminhos vicinais até chegar-se à futura superfície da albufeira”. Hoje ela já existe, cheia, a esconder amendoais e olivais. Pela superfície, indo pela Garganta da Fraga do Fojo, onde o rio estreita e faz uma curva, liga-se ao Lago dos Santuários. Este, por sua vez encontra-se com o Lago do Medal pelo Estreito do Aguilhão. Se a ideia é seguir pelos “tortuosos caminhos” estes continuam a existir, apesar de agora ser mais fácil chegar a esta zona do país pela A23 e pelo IP2, saído do sul ou pelas A24 e A4 se sair do Porto. As árvores são mais pequenas, apesar de muitas serem muito velhas. Nada cresce. Nada brota. Chamaram-lhe “o monte maldito”. Do outro lado da encosta fica o “monte bendito” onde a terra é fértil. Tudo tão perto, porquê a diferença?A explicação interessa ao mais leigo, mas sobretudo ao mais entusiasta da geologia. O Monte de Morais, em Macedo de Cavaleiros, o tal “monte maldito”, é denominado como “o umbigo do mundo” porque prova, explica o geólogo João Alves do Geopark de Macedo de Cavaleiros, na aldeia de Morais, que há muitos milhões de anos “houve a Pangeia”, o supercontinente que nasceu do choque de vários e que depois se voltaria a desmembrar para criar a divisão como a conhecemos hoje. Avaliando as rochas presentes neste maciço há “provas de dois continentes e um oceano de há 500 milhões de anos”, acrescenta. Pela sua relevância geológica, este Geopark, apoiado pelos dinheiros das compensações que a EDP tem de pagar para contribuir para o desenvolvimento da região por causa da construção da barragem, é classificado pela UNESCO. Para isso, precisava de ter pelo menos um “geosítio” de interesse mundial: em Morais há quatro, que podem ser observados. Contudo, a construção da barragem dificultou o acesso a um deles, ao alagar uma das estradas. A experiência não pode ser dissociada da explicação e do conhecimento que se obtém por se descobrir que Morais é importante para explicar a evolução do mundo. Pondo um pé numa rocha e outro noutra é como se tivesse, em sentido figurativo, um pé num continente e outro no fundo de um oceano, isto porque as rochas presentes nesta pequena região são de diferentes tipos, incluindo algumas do fundo do oceano. A tia Maria Luísa vive no lado do “monte bendito”, a meio caminho entre o Morais e o rio Sabor, ali, mais estreito, por entre vales mais juntos, que se aproximam em escarpas com o propósito de esconder as águas mais esverdeadas. “Quando o sol abre os olhitos, é impossível cozer”. Naquele dia estão para cima de 30º e a padeira mais conhecida do concelho de Macedo de Cavaleiros já está àquela hora, depois de almoço, a descansar os braços de amassar, mas não dispensa narrar a sua história. Ponto prévio: o pão é excepcional, mas a conversa não lhe fica atrás. É preciso tempo para conhecer esta senhora, ícone da aldeia de Lagoa, que aos 79 anos ainda se mete numa pequena garagem de reboco à mostra para cozer pão e dar conta de todas as encomendas. “Venho para cá às 5 da manhã, mas às 3h levanto-me, faço a sopa, faço a oração da manhã e brinco com o meu marido”, diz a rir esta estrela. A boa disposição chega-lhe ao riso, acredita, por causa do dia em que nasceu, 14 de Fevereiro. Mas isso não significa que tenha tido muitos namorados. “Não tive muitos namorados porque não tinha tempo, casei-me já muito tarde, com 19 anos”. 19 anos, tarde?! “Não tinha paciência para estar solteira, tinha de fazer render o tempo”. A velocidade a que viveu a vida imprimiu-a ela, a começar logo quando só media apenas “três palmos” e já queria peneirar a farinha. Mas aqueles eram outros tempos. Os mais novos eram empurrados para fazer trabalhos e contribuir para o rendimento de casa. Agora, pede ajuda “à Gracindinha” para fazer o pão “que é vicioso”. É. A vida desta mulher dava um livro. Às turras com a mãe quase desde que nasceu – “Sempre fui muito rebelde, ela não me gramava porque era refilona” – foi fazendo tudo às escondidas, incluindo acolher como melhor amigo um meio-irmão por parte do pai, que era mal visto pela mãe. Se foi rebelde na vida, não o foi nas receitas. O pão e os bolos de azeite seguem a receita tradicional: “O pão que é pão é feito com farinha, fermento, água e sal. Mais nada. O meu pão é especial porque é feito com muito amor e sacrifício”, vai contando enquanto exemplifica com as suas mãos pequeninas como faz a sua marca: três dedos dentro da massa em triângulo. É assim o pão da tia Maria Luísa, sem enfeites porque a “raposa vestida de chita, raposa é, raposa fica”. Continuam a sair para a faina todos os dias, três ou quatro pescadores que levam as bogas e os bardos directamente para os únicos três restaurantes que ainda têm como prato típico estes peixes do rio fritos. As bogas, maiores, servidas às postas e os bardos, quando pequenos, a imitarem os jaquinzinhos fritos, mas de sabor mais intenso e com espinha mais branda. A tradição da Foz do Sabor, esta que é a última aldeia piscatória de rio da zona, está entregue a meia dúzia de pessoas, mas é agora ameaçada por outra novidade que anda na água: o lúcio. O enchimento da barragem está a fazer deslocar o Lúcio para zonas onde antes não chegava, uma vez que o leito do rio era muito baixo o que impedia a sua viagem para outras paragens. Mas o Lúcio é um predador e alimenta-se também das bogas e dos bardos, os peixes típicos do Sabor. Este foi apenas um dos problemas na biosfera da região. A barragem do Baixo Sabor nasceu como alternativa à barragem prevista para Vila Nova de Foz Côa. As gravuras salvaram o Côa e empurraram o domínio pela EDP mais para cima, para o Sabor, também ele um rio que se junta ao Douro. Apesar de anos de contestação, sobretudo por ser uma zona de protecção ambiental, a Comissão Europeia acabou por dar luz à construção da barragem, que custou cerca de 450 milhões de euros à eléctrica e produz electricidade para 300 mil pessoas. Como compensação pela construção daquela que foi apelidada, pelo então ministro da Economia Manuel Pinho como “a mãe de todas as barragens”, a EDP patrocina vários projectos de desenvolvimento que começam agora a dar os primeiros passos depois do enchimento. Alguns desses projectos têm como objectivo garantir a biodiversidade da região. É o caso do recém-aberto Centro de Interpretação Ambiental e Recuperação Animal (CIARA), em Torre de Moncorvo. É neste centro que estão em recuperação muitos animais selvagens que são apanhados na zona do rio, sobretudo grifos, mas em que é possível perceber melhor a especificidade da região, incluindo através de um voo simulado em 3D. As visitas a este centro precisam de ser marcadas com antecedência no posto de Turismo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os quatro concelhos dos Lagos do Sabor ainda vão mudar muitos nos próximos anos. Ainda guardam muitos segredos. Um deles é à medida de cada um: esta paisagem é para viver, contemplando-a, seja do alto de um castelo ou do alto de um monte. Contemplar as vinhas, as oliveiras antigas que resistem à exploração intensiva, as culturas dos campos geometricamente alinhadas, as poucas aldeias espalhadas, os monumentos que contam uma história de conquista de território e de religião vivida em público ou em privado. Falar com as pessoas que são histórias de registar no livro dos únicos. Contemplar os montes que tapam montes, que escondem montes e que agora… mostram água. A região não está preparada para turismo de massas, pelo que é possível aproveitar muitas destas paisagens e andar quilómetros sem ver ninguém. Para isso, pode ir de automóvel e apreciar as vistas através do Circuito Panorâmico Automóvel do Baixo Sabor, ou caminhar pelos vários percursos pedestres. Em especial, a Ecopista do Sabor, que faz o caminho de parte da antiga linha do comboio entre o Pocinho e Miranda do Douro. Esta Ecopista termina em Carviçais, Torre de Moncorvo, num total de 24km. Além do património histórico e arqueológico da região, e apesar de o plano estratégico para a utilização do espelho de água ainda não ter sido aprovado, existem duas praias fluviais de água tépida a aproveitar: a praia da Foz do Sabor, em Torre de Moncorvo e a praia do Azibo, em Macedo de Cavaleiros. Para um passeio mais didáctico, aconselha-se a visita ao Centro de Interpretação Ambiental e Recuperação Animal (CIARA), em Torre de Moncorvo, e ao GeoPark de Macedo de CavaleirosRestaurante A Lareira Mogadouro O chef Eliseu estudou em Paris e por lá foi chef de um restaurante com estrela Michelin. Foi a qualidade da cozinha francesa que pôs na mala para voltar para a terra Natal. Diz que escolhe a melhor carne, a de “vitelas mamonas, que ainda estão a mamar”, para vender aos clientes a posta mirandesa, típica da região. Serve-as com um molho regional e desafia a descobrir qual o ingrediente secreto. Até aqui, os clientes chegam de propósito, o turismo, diz, ainda não tem expressão na clientela. Entre os pratos-chave estão os cogumelos boletos pinícola e a batata do chef. Quinta da Bela Vista Agroturismo Alfândega da Fé O João e a Virgínia vivem com um bebé num monte com quatro quartos. Recuperaram silos de cereais e por lá têm o negócio, que inclui uma experiência gastronómica. Além da típica alheira e da carne de vitela fatiada em alho e tomilho, aqui pode experimentar as típicas “sopas de cegada”, o almoço de quem ia para o campo apanhar os cereais. As ceifeiras e os ganhões “malhavam” o trigo e no centeio e ao almoço era-lhes servido uma “comida com substância”, conta João. Para o fazer usa apenas o pão, bacalhau, ovo e batata, temperado com azeite e colorau. Restaurante Villar de Masaebo Macedo de Cavaleiros A dona Aldina, a cozinheira, é ela quem à entrada do restaurante tem uma banquinha onde por vezes se põe a fazer os enchidos para toda a gente ver. É também ela que vai para trás do fogão, em conjunto com a nora, confeccionar os pratos que passam, sobretudo, pela carne de porco bísaro, que os próprios criam. A cada duas semanas matam cinco porcos para o restaurante, e para venderem os enchidos na loja de artesanato. Amêndoas da dona Dina Torre de Moncorvo Conseguiram há pouco tempo a certificação das amêndoas de Moncorvo. A dona Dina recuperou a tradição das doceiras que iam pelas terras a vender amêndoas doces e que agora tornaram-se símbolo da vila. Durante oito horas por dia, as doceiras vão trabalhando as amêndoas, colocando calda de açúcar aos poucos num grande tabuleiro redondo quente e revirando as amêndoas para não queimarem, num movimento tão mecânico como cansativo. Mas só assim, dizem, é possível obter as melhores amêndoas e com o aspecto granulado das de Moncorvo.
REFERÊNCIAS:
Um refúgio que também é uma galeria de arte a céu aberto
É em plena paisagem do Parque Natural da Serra de São Mamede, no Alto Alentejo, que a escultora Maria Leal da Costa dá largas à sua criatividade. Mais concretamente numa propriedade agrícola que também é uma unidade de alojamento. Eis a Quinta do Barrieiro. (...)

Um refúgio que também é uma galeria de arte a céu aberto
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: É em plena paisagem do Parque Natural da Serra de São Mamede, no Alto Alentejo, que a escultora Maria Leal da Costa dá largas à sua criatividade. Mais concretamente numa propriedade agrícola que também é uma unidade de alojamento. Eis a Quinta do Barrieiro.
TEXTO: Há uma escultura, em ferro e pedra, que parece estar ali, estrategicamente colocada, para receber os hóspedes de braços abertos — tem a forma de uma figura humana. Mas bastam mais uns dois ou três passos para percebermos que não é a única. Cada parede ou recanto do jardim estão decorados com uma peça de arte contemporânea, de maiores ou menos dimensões. Uma verdadeira galeria de arte a céu aberto, não restam dúvidas, plantada num cenário onde a natureza parece ter tido, ela própria, alguns laivos de criatividade: o Parque Natural da Serra de São Mamede. A Quinta do Barrieiro não é apenas mais uma quinta transformada em unidade de alojamento. Este refúgio é, também, o atelier onde trabalha a escultora Maria Leal da Costa e, por isso mesmo, é um verdadeiro mostruário de arte contemporânea, em pleno sossego do Alto Alentejo. São cerca de dois hectares de quinta que se estendem muito para além das sete habitações que compõem a unidade de alojamento. Cada casa tem um nome próprio e, no seu interior, também há várias obras de arte para apreciar. A grande maioria saída da imaginação, e das mãos, da escultora, que decidiu fazer daquela quinta o seu local de trabalho. A artista nascida em Évora (1964) gosta de inspirar-se na natureza e a paisagem que envolve a sua Quinta do Barrieiro — a escultora é a proprietária mas a gestão da unidade de alojamento está a cargo de uma empresa turística — não a tem deixado ficar nada mal. São várias dezenas de esculturas em pedra, ferro e bronze (materiais trabalhados em conjunto ou separados) que compõem uma exposição que, aparentemente, está em constante mutação. “É muito difícil dar um número certo, uma vez que a Maria está sempre a produzir e há esculturas que entram e outras que saem”, relata Francisco Muñoz, gerente da quinta. Algumas estão disponíveis para venda mas muitas fazem parte da colecção particular da escultora, que assume também buscar inspiração na literatura, prosa ou poesia de Tolentino Mendonça, Gonçalo M. Tavares, Camões ou Sophia de Mello Breyner, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, entre outros. E se para a artista alentejana a quinta é local de trabalho, para os hóspedes a missão passa por aproveitar o ar puro, a natureza e, simplesmente, relaxar. Quer seja no conforto das habitações, quer nos espaços exteriores. Todas as casas — com tipologias que vão desde o T0 ao T3 — dispõem de zona ou sala de estar e kitchenette, além do(s) quarto(s) e casa de banho. Na Casa Nascente, onde a Fugas ficou alojada, há até um atractivo extra de peso: um grande terraço privativo sobre as encostas da serra, especialmente aprazível em dias de sol ou noites amenas. Em todas as habitações, a opção passou por uma decoração rústica, pontuada com o toque de contemporaneidade das obras de arte expostas em alguns móveis ou nas paredes das casas. Reveladas cx. 10 7330-336 Marvão Tel. : 936 721 199 E-mail Site Preços: a partir de 70€Lá fora, a proposta passa por aproveitar a piscina descoberta — para os mais novos também há um parque infantil —, bem como o próprio percurso de arte contemporânea da quinta (pode optar por fazê-lo por sua conta ou agendar uma visita guiada junto da recepção). Se o tempo não estiver de feição, procure abrigo na Sala da Galeria, uma zona comum repleta de obras de arte, claro está, e onde é possível desfrutar de uma prova de vinhos (acompanhada por um enólogo) ou fazer uma refeição mais ou menos ligeira — se é que esta última opção é possível numa região como o Alentejo, onde se come tão bem. E por falar em comida: esqueça aquela ideia de ter que respeitar um determinado horário para o pequeno-almoço. Na Quinta do Barrieiro existe a opção de o tomar na própria habitação, à hora que bem entender (pelo valor de 15 euros por quarto duplo). Na véspera, irão deixar-lhe leite, sumo, chá, café, fruta, iogurtes, cereais, manteiga, queijo, fiambre e outros produtos, na kitchenette. De manhã, quando acordar, encontrará o pão e o bolo frescos à porta. Se preferir um pequeno-almoço buffet, então terá de deslocar-se à Sala da Galeria (preço de 10 euros por pessoa). É a própria gerência da unidade de alojamento que lhe lança o desafio de prolongar a estadia por mais uma ou duas noites e usufruir das inúmeras propostas que estão ali bem à porta — para as reservas a partir de duas e de quatro noites há redução de preços (quanto maior a estadia, melhor o preço). Afinal de contas, a quinta “está no centro do triângulo Marvão-Castelo de Vide-Portalegre”, nota Francisco Muñoz, e em pleno parque natural. A pé ou de carro, faça-se à estrada e explore toda a envolvente. Também existem sugestões para sessões de meditação guiada ou reiki. Restaurante D. Pedro V Praça D. Pedro V, 10 7320-101 Castelo de Vide Tel. : 245 901 236Ainda que registe as coordenadas de GPS (W 7º 22’ 52’’ N 39º 20’ 00’’), importa estar atento às indicações de itinerário, que poderá solicitar junto da gerência da unidade de alojamento aquando da reservaSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No que toca às caminhadas, uma das possibilidades passa por partir da quinta até à barragem da Apartadura ou subir ao Cancho Alto para observar a fauna e flora locais ou observar o pôr do sol. Prontos para serem trilhados estão, também, os 30 percursos pedestres da rede de percursos em natureza Alentejo Feel Nature. E muito próximo da unidade de alojamento, na aldeia de Santo António das Areias, também encontrará programas de passeios a cavalo, em sela ou em charrete, pela serra. Cansado? Sente-se ao volante e rume às históricas vilas de Castelo de Vide, Marvão ou Portalegre — são cerca de 15 minutos de viagem para qualquer um dos casos. Na primeira, ouse perder-se pelas ruelas que o conduzem até ao castelo, visite a antiga sinagoga, actualmente transformada em museu, e a Igreja Matriz de Santa Maria. Em Marvão passeie-se dentro das muralhas, também aqui com ruas estreitas e casas caiadas de branco, e reserve algum tempo para visitar Igreja Matriz do século XV e a antiga Igreja de Santa Maria que foi tornada Museu Municipal. E não se esqueça de aproveitar as magníficas vistas. Afinal de contas, Marvão está situada a cerca de 860 metros de altitude, no topo da serra do Sapoio, junto à fronteira de Espanha. Já Portalegre é a capital de distrito e tem muito para visitar. Ficam apenas algumas sugestões: Castelo de Portalegre, Sé Catedral, Museu Municipal e Casa-Museu José Régio.
REFERÊNCIAS:
Para lá de Natal, ainda há praias desertas e aldeias intemporais
Não é preciso subirmos muito pela costa para que os prédios dêem lugar a planícies áridas pontuadas de eólicas, aldeias por onde o tempo não passa e praias, longas praias, sem absolutamente ninguém. (...)

Para lá de Natal, ainda há praias desertas e aldeias intemporais
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não é preciso subirmos muito pela costa para que os prédios dêem lugar a planícies áridas pontuadas de eólicas, aldeias por onde o tempo não passa e praias, longas praias, sem absolutamente ninguém.
TEXTO: Terão sido aqueles rochedos negros a mudar o nome à terra. Anteriormente apelidada de Bom Jesus dos Navegantes, nome de santo padroeiro e de igreja matriz, a vila passou a chamar-se Touros, a data precisa perdida há muito nos registos do tempo. Os homens do mar viam de lá o focinho do animal a desenhar-se nas rochas atabalhoadamente caídas da falésia. E, vai daí, “botaram o nome Touros”. Tão simples assim, conta-nos João Maria de Arcanjo, sentado sobre uma jangada de madeira, a apanhar banhos de sol. Pergunte-se a qualquer boca e a história vai sair ligeiramente diferente. Talvez se apontem outras pedras, até outra praia. Talvez se adense a novela com uma tempestade em alto mar. Talvez se conte tudo diferente, porque há outras versões que não metem touros desenhados nas rochas. Mas esta, com pequenas variações, é a de que todos nos falam. É domingo de manhã e a vila parece encaminhar a vida em sentidos opostos. De um lado, o silêncio solene a ouvir a missa, onde quase não há lugares vazios. Do outro, a praia ampla a borbulhar de movimento. Chegam os pescadores nas jangadas com caixas de gelo “para abastecer e sair amanhã”, às 5h, mal o sol levanta, na apanha da lagosta e peixe variado. “Camarão é de rede, ali depois da baía”, apontam antes de partirem. São os miúdos que jogam diferentes partidas de futebol pelo areal. Os dois dálmatas que se passeiam de coleira cor-de-rosa. Os buggies que passam, as motas que chegam. As selfies à beira-mar. Mais o carro do espetinho e o dos picolés, omnipresentes, para lá e para cá. E os mergulhos, porque o vento não pára, mas a água é morna de morna. Não é uma praia apinhada, antes familiar, cheia de garotada e gente local. Aos primeiros dias de Setembro, ainda estamos longe da época alta por estas paragens. E é certo que a chuva há-de alegrar algumas noites e o vento ainda se põe ríspido, a rasgar a pele de areia, à excepção de uma ou outra praia mais abrigada, como esta. Mas não mentimos se dissermos que foi o areal com mais gente onde estivemos, desde que aterrámos de madrugada em Natal e até lá voltarmos, no último dia. Subindo a costa de Rio Grande do Norte, não tarda os prédios da capital desaparecem para dar lugar a longas planícies, campos de coqueiros, dezenas de hélices de parques eólicos, vilas adormecidas e praias infinitas quase sem ninguém. São cinco horas da manhã quando o despertador toca, já os contornos do quarto se adivinham através das cortinas. Na noite anterior teimámos que haveríamos de ver o sol nascer na água pelo menos uma vez durante a nossa estadia e, por isso, aqui estamos, 15 minutos volvidos, sentados frente ao Atlântico. Uma pincelada de nuvens opacas junto ao horizonte atrasa os dourados mais uns minutos mas eles hão-de suceder-se em fotografias e vídeos. Nossas e do único casal que assiste ao bailado do novo dia ao nosso lado, hóspedes do mesmo resort, o único por estas bandas. Com 113 mil metros quadrados, 514 quartos e meio quilómetro de frente de mar, o Vila Galé Touros é o maior empreendimento turístico erguido de raiz pelo grupo português e o maior resort de todo o estado brasileiro. O oitavo Vila Galé no país há-de ser inaugurado com toda a pompa durante a nossa estadia. E teremos sempre a sensação que, à excepção das gentes locais, é aqui que estão hospedados os poucos turistas com quem nos cruzamos neste fora de época. João Maria de Arcanjo está esperançoso. Touros é terra pobre. Vive-se da pesca, do que se planta no quintal, do gado magro que sobe as dunas à procura de pasto, das cabras que se deixam ficar à beira da estrada, das galinhas que correm soltas enquanto os proprietários matam o fim de tarde na esplanada gradeada à porta de casa. Vive-se da plantação de cocos, de banana, de abacaxi, de caju. “A educação é péssima e hospital não tem. ” Numa das fachadas da vila, anuncia-se Roberto Ribeiro, advogado no primeiro andar, dentista no rés-do-chão. A companheira está desempregada e João Maria, 57 anos, tem de descer até Natal para trabalhar nos barcos de pesca. Sempre é “melhor para ganhar um trocado” do que aqui: as embarcações são maiores e o salário também. Mas talvez a filha conheça agora um destino diferente. “Foi fazer um trabalho extra no Vila Galé. ” Aos 30 anos, nunca teve um emprego fixo e este, para já, só se mantém enquanto a pompa dura e todos os braços são necessários. Mas, quem sabe, “podem gostar do trabalho dela e ficar”, diz, entre a esperança e o cepticismo de quem já viu muita promessa de progresso sem que abrandem os números do desemprego. “Quero que dê ‘chance’, não só a ela, mas a todas as que estão lá. ”Do resort à vila de Touros são cerca de cinco quilómetros. Entre um e outro fica ainda Carnaubinha, povoação que dá nome à praia em frente ao Vila Galé. Augusto é de lá. Vem a trote numa égua novinha que ainda não tem nome, mas já está grávida de um mês, conta. “Vim treiná-la, porque vamos ter um show este fim-de-semana. ” Na aldeia, organizam passeios a cavalo pela praia para quem quiser, garante. “É só pedir que a gente vem e faz. ” Têm “muitos [cavalos] lá para passeios. ” Esta é que ainda é demasiado assustadiça. “É muito meiguinha, qualquer um monta nela, até criança sem sela. Mas ainda se assusta com carro e com mota. ” E são muitos os buggies, motos 4 e duas rodas que passam a alta velocidade pela areia a qualquer hora do dia: é caminho mais rápido entre aldeias e barcos que o outro, de alcatrão, buracos e terra batida. O município de Touros, contam-nos enquanto atravessamos a vila, fica na “esquina do Brasil”. Bem onde “o vento faz curva”. Terá sido aqui que “nasceu o Brasil”, lê-se em rotundas e fachadas, contrariando a tese oficial. Segundo alguns teóricos e historiadores, terão sido estes os primeiros areais pisados pelos navegadores portugueses, que aqui deixaram um marco colonial, o mais antigo encontrado no Brasil, datado de 1501. Há uma réplica no centro da vila, mas o original encontra-se exposto no Forte dos Reis Magos, em Natal. Qual das versões é a correcta, fique o debate. Certo é que, até 2017, o farol que agora temos à nossa frente era o maior da América Latina, suplantado por um novo edifício erguido em Fortaleza. Aos domingos, é possível visitar o farol de Touros (também apelidado de Calcanhar por se situar no canto da bota que o mapa do Brasil desenha) e subir lá acima para vistas panorâmicas, ligeiramente abaixo dos seus 62 metros de altura. É também aqui que fica o “marco zero da BR-101”, lê-se numa placa junto à entrada, ainda que o quilómetro zero da estrada que desce o país junto à costa, quase 5000km desde Rio Grande do Norte a Rio Grande do Sul, só comece a contar-se uns bons metros mais à frente, quando a terra vermelha cede ao alcatrão e se avista o monumento criado por Oscar Niemeyer para assinalar o ponto de partida. Haveremos de voltar a percorrê-la em direcção a Natal, mas por agora seguimos para Norte, rumo a São Miguel do Gostoso. As praias vão-se sucedendo sem que demos por umas terminarem e outras começarem. Os areais parecem infinitos, separa-os a população, orientando-se pelas povoações mais próximas ou por pequenos apontamentos na geografia. Carnaubinha, Touros, Calcanhar, Cajueiro, Ponta do Santo Cristo, Praia de Maceió, Xêpa, Tourinhos, mais outras tantas, praticamente vazias à excepção de alguns miúdos a jogar à bola, pescadores e praticantes de kite e windsurf. São Miguel do Gostoso é uma vila “mais desenvolvida”, conta o guia. Muita gente de Touros vem para cá trabalhar. Tem cerca de uma centena de pequenas pousadas e uns 40 restaurantes, a maioria na rua principal, onde as esplanadas se sucedem com raros intervalos, todas vazias. Breve paragem e continuamos, apressados, para a praia de Tourinhos, oito quilómetros mais a norte, onde vamos de propósito para assistir ao pôr do sol. A praia forma uma baía em meia-lua perfeita e termina, adivinhe-se, numa língua de falésias negras — voltou o povo a ver touros na muralha de rochedos, agora mais pequenos. Diz Naldo que “todo o mundo que vem a São Miguel visita esta praia”. E muitos acabam por ficar ali pela esplanada. Luiz pescador, o letreiro não engana, tem aqui a barraca há “uns nove anos”. Muitas vezes, é ele mesmo que vai ao mar de manhã cedo e depois grelha o que vem na rede e na ementa. Há quatro anos que Naldo e a mulher decidiram partilhar com o senhor Luiz a clientela. Fica ali ao lado o carro ambulante do “espetinho”, embora sejam os pastéis a fazer maior sucesso. “Ela faz os recheios de manhã e depois fritamos aqui na hora. ” Não chegamos a experimentar, mas devem ser bons: um casal acabou de prová-los e já pediu uma segunda dose. Naldo parece ter mais do que 31 anos, de rosto bronzeado e voz muito calma e suave. Tinha dez quando foi ter com os pais a Natal. “Aqui não tinha muita oportunidade, era só agricultura e pescaria. ” Aos 12 começou a trabalhar, primeiro na fruta, depois numa tabacaria e a seguir “de comercial”. Mas São Miguel do Gostoso estava “a desenvolver”. E ele a ficar “farto de cidades grandes”. “Aí pensei em voltar: tenho de conseguir virar-me na minha cidade”, recorda Naldo, enquanto o sol vai imprimindo laranjas e rosas quentes onde quer que toque. O salário não é muito, mas “dá para viver”. E, bem pesada a balança, “o sossego daqui é muito bom”. É quanto baste para não pensar em voltar. Olhamos de novo o horizonte e já no círculo lhe falta um pedaço, desliza inclemente, sem esperar por ninguém, atrás de um enxame de eólicas. O silêncio na praia é quase absoluto. Até que ao último suspiro do astro o areal rompe num aplauso. É um espectáculo a que se assiste no anfiteatro desenhado pelo Atlântico. Não tarda, a luz tépida põe-se num breu, ainda não são 18h. E no areal, sem electricidade, tudo cessa. “Vai ter banho gratuito no percurso”, bem tinha avisado Alécia. Telemóveis bem fechados nas capas protectoras de plástico transparente. Deixe-se em terra a roupa e a toalha de praia, só fato de banho no corpo. A praia de Perobas fica a cerca de quatro quilómetros de distância do Vila Galé (10km de Touros e 75km de Natal). Mais do que um areal para estender a toalha, é poiso tradicional de pescarias e de passeios turísticos aos recifes, que nesta região são apelidados de parrachos. Os mais conhecidos ficam em Maracajaú (a meio caminho entre Touros e Natal), mas é em Perobas que vamos fazer snorkeling entre dezenas de peixes minúsculos e rochas rendilhadas. A área, dizem-nos, é mais pequena e menos impressionante, mas também menos apinhada de turistas. A partir da areia nada se vê da zona de mergulho além do pequeno farol, lá muito ao fundo. São precisos 20 minutos de lancha a cavalgar as ondas para que lá se chegue e as águas voltem a ficar mansas, quebradas pelos tufos de rochedos negros que ali formam piscinas naturais azuis-turquesa. Duas lanchas de turistas não tardam a ir embora e por largos momentos ficamos sós. Nós, os parrachos, os peixes que um dos guias vai atraindo às dezenas com ração escondida entre os dedos. E a maré, que já está mais alta do que o ideal e vai devolvendo a ondulação à sopa, enturvando a visibilidade debaixo de água e tornando cada vez mais difícil a operação de nadar, respirar e atentar na fauna submersa. Cerca de uma hora depois é tempo de regressar. E, confessamos, nem o aviso de Alécia nos preparou para isto. Para cá, o ricochete das ondas no casco criava um chuveiro divertido, mais dado a piadas entre o grupo do que outra coisa. Desvalorizámos o aviso, demos graças à teimosia que nos fez trazer a toalha de praia para nos enrolarmos depois do mergulho. Está claro que a soberba se paga cara. A maré vai alta. Altas vão as ondas. E nós num sobe-e-desce pelas paredes de água. Avalanches líquidas que nos caem em cima, implacáveis, intermináveis. Sentimo-nos num bacalhoeiro em alto mar em dia de tempestade — só que o céu está límpido e a costa cada vez mais próxima. Já desistimos de tentar salvar da água qualquer tecido que seja, protegemo-nos e rimo-nos a bandeiras despregadas. Foi uma tareia de meter dó. Mas já estamos de pés na areia e, num dos pequenos restaurantes à beira-mar, Valéria surge com uma geleira de doces. Parece que estava à nossa espera. Depois de alguns anos a viver em Itália e Espanha, Valéria voltou há oito anos para o Brasil e ganha o sustento da família a vender doces caseiros pelas praias: aqui cocada com leite condensado, ali uma bomba de chocolate. “É o doce chique da Val”, diz, entre gargalhadas. E era mesmo isto que precisávamos. “Então, feliz Natal para vocês”, atira Genilson ao volante. Mais vale arrumar já o gracejo óbvio, não sem uma última alfinetada: “atenção, os habitantes são natalenses, não papás Noel”. O contraste com a paisagem dos últimos dias é absoluto. O silêncio pára bruscamente, como se amplificasse tudo o que agora atravessa a janela da carrinha. Desligaram o mute, de repente, e não demos por isso. A cidade parece um colosso de dentes afiados contra o céu, a ponte uma montanha sobre o rio Potengi — ergue-se 55 metros acima das águas na zona central, precisa o guia Genilson, Gel, “como o de pôr no cabelo que já não tenho”. Recebe-nos um trânsito caótico que, à entrada na cidade, é mesmo um pára-arranca pela avenida que se ia alargar a três faixas para o Campeonato Mundial de Futebol e que, quatro anos depois, ainda está por concluir. Do porto, saem cargueiros com tetris de contentores. Natal é a segunda maior exportadora de camarão, depois de Fortaleza. Mas daqui também saem toneladas de frutas para a Europa, sal, açúcar, peixe. Continua a ser um dos principais motores económicos da cidade, a par do “turismo e do pescado”, vai contando Gel enquanto atravessamos a zona mais antiga de Natal, da Ribeira à Cidade Alta. Fundada no final do século XVI neste morro sobre o rio, são os bairros que conservam os edifícios mais antigos, alguns de arquitectura colonial portuguesa, engolidos pela confusão de trânsito e de painéis informativos de todas as cores sobre os prédios mais recentes. Paramos na Praça André Albuquerque para espreitar a Igreja Matriz e esticar as pernas pelas ruas. Não muito longe ficam os edifícios que dividiam os três poderes na cidade: o tribunal, a assembleia municipal e a prefeitura. Mas os sons de uma manifestação atraem-nos na direcção oposta. Dezenas de agentes de saúde vestidos com t-shirts azuis exigem o “correctivo salarial que o prefeito prometeu e não cumpriu”. Seguimos viagem ao som do “carro do ovo” — “30 ovos da granja por 10 reais”, grita o altifalante sobre o tejadilho do carro minúsculo, caixas empilhadas no banco de trás. Próxima paragem: praia da Ponta Negra, do outro lado da cidade. Atravessamos o quadriculado de lojas da Cidade Alta. Ali ao fundo, ficam as mais caras, no bairro de Petrópolis, aponta Gel. E aqui, no centro comercial Midway Mall, os maridos e namorados vão sempre descobrir uma tradução mais acertada para português do Brasil. “Me dei mal”, ri-se Gel. Os arranha-céus vão-se sucedendo, enquanto à nossa esquerda já se vê o Parque das Dunas, o “segundo maior parque urbano do país”. “Se não tivesse a vegetação, soterrava Natal uns três metros de altura. ” É possível percorrer o parque por uma das três trilhas, apenas com um guia ou biólogo. E, quem sabe, encontrar o lagarto-de-folhiço, um dos mais pequenos répteis do mundo. “Aqui é a formiga que come o lagarto. ”Cá de cima, já se vê a praia e o Morro do Careca lá ao fundo, na curva da baía. Parece que um gigante passou com um pente-zero pela nuca da colina, deixando uma estrada de areia entre a vegetação. Antes passavam por ali todos os motores, subia-se lá cima para vistas panorâmicas sobre a cidade, desciam os miúdos “à milanesa”. Mas a nuca despida foi ficando côncava, cada vez com menos areia. E desde 1984 que é proibido subir. O Morro do Careca, no entanto, mantém-se um dos postais turísticos da cidade e os veraneantes acotovelam-se para tirar fotografias lá em baixo. Outrora, a mata atlântica que cobre o Parque das Dunas chegava até aqui, alongando-se pela costa. Mas a cidade foi-se intrometendo, com fome de praia. Hoje, concentram-se no bairro de Ponta Negra cerca de “80% dos hotéis e pousadas de Natal”. É a praia “mais turística”, vai avisando Gel. Confessa que prefere a tranquilidade da praia do Forte, junto ao Forte dos Reis Magos, na ponta oposta da orla da cidade. “Não tem tanto vendedor, os preços são mais baixos, tem mais areia e as rochas criam uma piscina natural na maré baixa”, enumera quando passamos por ela mais tarde. Fica a sugestão. Agora é na Ponta Negra que estamos e é este o único areal à distância de uma curta caminhada a partir da maioria dos hotéis. Por isso, é a mais turística, dizia Gel. E, por isso, é um corre-corre de vendedores. Não, obrigado. Não, obrigado. Não, obrigado. É quase preciso recuperar o fôlego entre as solicitações. Passa o carro do espetinho, e do crepe, e da água de coco, e do picolé, e dos cocktails, e do milho verde. O vendedor de roupa de praia e o dos acessórios. Mais a catadupa de “barracas”: esplanadas de plástico e chapéus-de-sol sobre a areia, cada uma com o seu serviço de petiscos. Vai uma carne de sol, um camarão ou peixe frito? Dez reais pelo lugar. “Se tomar algo não paga. ”“Com ou sem emoção?” Desde que saímos de Portugal que as conversas antecipam o momento em que as dunas se transformarão numa montanha-russa, diariamente moldada pelo vento. Contam os experimentados que seguem connosco em viagem que, à resposta, há-de seguir-se uma sucessão de volteios de suster a respiração, como se na areia a gravidade se regesse por outras regras. “Vão a Natal? Já sabem: Com emoção!” É isto todos os dias, desde que partimos de Lisboa. Por isso, quando chega o momento de entrarmos no buggy e Titio não formula a pergunta estampada em todos os souvenirs, é como se nos tivessem roubado o início de um filme. (A sério que ficámos desapontados por não ouvir um cliché?) Talvez Titio se tenha esquecido. Talvez se tenha cansado há muito de perguntar. A verdade é que não chegamos a saber. A verdade é que a pergunta não importa mais do que aqueles segundos, porque a resposta nunca trará surpresas. E emoção é coisa que não nos vai faltar. Titio, Fernando só para o bilhete de identidade, leva uma vida ao volante. Foi condutor de camião, de autocarro, de táxi. Foi “jipeiro” nos tempos livres, só por maluqueira. “Aí eu vim fazer o buggy e fiquei sempre. ” Já lá vão 33 anos. Ri-se: “A empresa já teve três donos e eu continuo aqui. ” Aos 70 anos, volante e pedais são extensões do corpo, expansões da vida útil. “Ia ficar em casa fazendo o quê?” Se a idade conta, é só para somar anos e anos de experiência. Um jornalista à frente, três atrás. Já a pele desenha ondas no rosto à medida que Titio acelera estrada fora. “Vocês vão ficar jeito Bob Marley”, tinha avisado Genilson. Da praia ao Parque Turístico Ecológico das Dunas de Genipabu são quinze minutos. A estrada foi um preâmbulo. Chegamos à emoção. É então que subimos à crista de cada duna só para Titio deixar o buggy cair desamparado pela parede de grãos dourados. Ora de lado, ora de cabeça. Uma e outra vez. Foi para isto que viemos. Ali em baixo, o que agora é apenas uma mancha mais escura de areia chegou a ser um lago. “Depois não choveu quatro anos seguidos, secou e nunca mais. ” Já lá vão 15 anos. Estamos nas dunas móveis, matizes de cremes em deserto de novelas, que o vento se põe a esculpir como lhe dá. Sobem, descem, avançam, recuam. O caminho não cristaliza um dia que seja. Têm de ser as bandeirinhas a guiar até quem leva mais anos disto que nós de vida. E hoje, conta Titio, “tem que se dar muita voltinha”. “Há muito buraco por causa do vento. Está mudando muito. ” Mais uma descida pelo pano branco e nova lagoa, esta ainda com água. Quando chove, conta Titio, até dá para tomar banho ali. Mas, desta vez, as nuvens negras que cobrem os prédios de Natal, lá ao fundo, não vão chegar cá, assegura. Bem pode cair o céu sobre a capital de Rio Grande do Norte que “o vento leva”. Aqui, só banho de areia. E esse não falha um centímetro de corpo. No posto das fotografias, logo a seguir à descida mais emocionante, quem tenta vender as recordações recebe-nos de t-shirt enrolada em volta do rosto. Só os olhos se deixam ver. No computador portátil encolhido num cubículo de madeira vão passando as nossas caras em cada momento da queda — em média, há 30 fotos para levar num CD por 40 reais. Não queremos comprar, mas continuamos por ali, porque Titio foi fazer piruetas no minideserto para os fotojornalistas. Até que, numa curva, algo se quebra e o buggy não anda mais. Era com emoção, não era? Titio não está preocupado. Não há volta a dar: o lugar é inóspito e a areia entra em todo o lado. Um esforço a mais e algo estala. “Está sempre a acontecer. ” Com ou sem avaria, para Titio a conclusão vai ser a mesma, mesmo que a filha o pressione para a reforma. “Isso não é trabalho, não. É diversão!” Por isso, ali fica, de sorriso no rosto e mãos ao trabalho, enquanto o reboque não chega. Nós, turistas sortudos, continuamos caminho no buggy que entretanto chegou. Ao volante segue agora Leo, natural de Genipabu — ou Jenipabu, dependendo do horizonte ortográfico para o qual se olhe. “Com j vem de jenipapeiro, uma planta que era utilizada pelas tribos indígenas. Mas depois vieram os portugueses e disseram que o certo era com a letra g”, explicava, momentos anos, o guia Gel. “As duas estão correctas. Você pode ver um autocarro com j e, a seguir, passar um com g. ” Para o caso, pouco importa a grafia. Leo é daqui mesmo, mão de casas numa luta entre o mar e o deserto. Filho de pescador e pescador ele mesmo durante uns tempos, pelo menos até o peixe se deixar ficar cada vez mais longe da costa. “Já era preciso ficar 15 dias no mar alto. ” Não dava dinheiro que pagasse tanta distância. Por isso, diz, cá “o pescador não soube fazer filho pescador”. Dos quatro irmãos, nenhum seguiu. Leo andou muitos anos pela construção civil. Tirou a licença de buggy em 2004. Antes o povo sobrevivia do que vinha na rede. “Agora há o turismo”, compara. O exemplo da mudança tem-no em casa: ele faz passeios pelas dunas, a mulher tem uma loja de souvenirs junto à praia. Leo vai-nos contando tudo isto entre nova sucessão de quedas a pique, agora na zona de dunas fixas pela vegetação. “Já andou cá atrás?”, pergunta às tantas alguém ao recuperar o fôlego. Leo ri-se como quem acaba de ser desmascarado: “Nem quero. É muita loucura!” Entretanto, há nova paragem para passeios e fotografias com uma família de dromedários. Foram trazidos por um empresário suíço há “16 ou 17 anos” e os mais novos nasceram já em Genipabu. Lá em baixo, vislumbra-se de novo a praia, onde as dunas quebram mas não cedem. Ficava ali o porto, com cerca de 30 edifícios, agora soterrados pela areia. “Quando a maré é grande, as ondas cavam a duna e consegue-se ver as fachadas. ” Soberano, o deserto alimenta-se das casas, faz-se grande, sem oposição. Por ali se mede a linha de vida de uma aldeia: uma casa, metade areia, metade tijolo. Todos os anos, a duna avança um metro para dentro de Jenipabu, conta Leo. Um cronómetro feito de areia. Uma ampulheta literal. Da esplanada do restaurante, no entanto, não se vê a duna chegar. Só praia mansa, marisco sobre a mesa e a música da banda de miúdos que desfila lá fora, em treinos para a festa do fim-de-semana. Depois do alvoroço da cidade e do buggy, o relógio volta ao ritmo dilatado dos últimos dias. E que bem que sabe. A Fugas viajou a convite do Vila Galé TourosSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A TAP realiza vários voos directos por semana entre Lisboa e Natal (a frequência depende da época). Em Dezembro, por exemplo, encontrámos tarifas a partir de 791, 99€. O Aeroporto Internacional Governador Aluízio Alves fica a cerca de 25km do centro de Natal e a 90km de Touros. Para viajar para o Brasil é necessário ter o passaporte com validade igual ou superior a seis meses a contar da data de entrada no país, mas não é preciso visto para estadias até 90 dias. A moeda nacional é o real. Um euro vale aproximadamente 4, 56 reais, de acordo com as taxas de câmbio. Fazenda das Garças – Gameleira – Touros GPS: N 5º 13’ 40. 184’’ - W 35º 24’ 57. 599’’ Tel. : (+55) 84 3263 3400 E-mail: [email protected]; [email protected] Inaugurado a 1 de Setembro, o Vila Galé Touros é um resort com “tudo incluído”, composto por 512 quartos e suítes e dois bungalows, duas piscinas (a principal inclui um bar “molhado”), sete restaurantes, uma zona para crianças, um spa (onde o acesso é pago), campos desportivos, um centro de convenções, um centro náutico, lojas e um pequeno trilho privado sobre as dunas. É o maior empreendimento turístico do grupo português, resultado do investimento de 150 milhões de reais (31 milhões de euros). De acordo com Jorge Rebelo de Almeida, presidente do grupo, o objectivo é “continuar a crescer e consolidar” a posição do Vila Galé como “principal rede de resorts do Brasil”. Este é o oitavo empreendimento no país, mas há mais projectos na calha, confirmou o empresário. Entre eles, estão o Vila Galé Costa do Cacau, no município de Una, a ampliação do Vila Galé Marés, na Bahia (vai ter mais 72 quartos), e a transformação do actual Vila Galé Sun Residences Cumbuco, no Ceará, num bed&breakfast para famílias.
REFERÊNCIAS:
No You and the Sea, o mar não está apenas do lado de fora da janela
Na Ericeira abriu um espaço único, de um “luxo despretensioso”, que quer levar à vila piscatória, famosa pelo surf, um turista mais requintado. (...)

No You and the Sea, o mar não está apenas do lado de fora da janela
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na Ericeira abriu um espaço único, de um “luxo despretensioso”, que quer levar à vila piscatória, famosa pelo surf, um turista mais requintado.
TEXTO: O mar está por todo o lado, no corredor que vai da sala do restaurante ao ginásio e à sala de brincar das crianças com polvos que nadam nas paredes; nos números das portas dos apartamentos, pintados como se de mercadoria de um barco se tratasse; nos quadros pendurados nos quartos e nos apontamentos decorativos nas salas; nas toalhas de praia que pousam nas cadeiras ao fundo das camas – “Sea you later alligator”, numa brincadeira entre o verbo “see”, ver, e o nome “sea”, mar; na parede exterior onde Bordalo II construiu um caranguejo com coisas velhas, mas coloridas, e, claro, do lado de fora das janelas, onde o azul do oceano parece não ter fim. No que diz respeito à hotelaria, os apartamentos You and the Sea foram a grande novidade deste Verão na Ericeira. A vila piscatória, que é também conhecida por ser a única Reserva Mundial de Surf da Europa, começa já a ter muita oferta para dormir, dos hostels procurados pelos mais novos que querem aprender a modalidade, às guests houses e alojamento local mais do agrado das famílias. Ainda existem algumas pensões e residenciais que têm resistido à passagem do tempo e o carismático Hotel Turismo da Ericeira, anunciado como o mais antigo do país, mesmo por cima da Praia do Sul. Portanto, em termos de unidades hoteleiras havia uma falta a colmatar, acredita Margarida Almeida, CEO da Amazing Evolution, que explora o You and the Sea, também por cima da Praia do Sul, mas do lado oposto ao hotel. Margarida Almeida não olha para a oferta já existente como concorrência – “Se existe, é porque há mercado”, diz –, mas salvaguarda que quem escolhe o You and the Sea é porque “valoriza uma estadia numa unidade como esta”. Tendo aberto as suas portas no início de Julho e com inauguração oficial marcada para 10 de Outubro, “foi com grande entusiasmo que verificámos que está a acontecer o que previmos, que já há hospedes a fazer reservas para 2019”, confessa a administradora. “São, provavelmente, pessoas que já vinham em anos anteriores e que vão continuar a vir, mas para aqui. ”O espaço – que pertence à empresa Villa de Santana, tal como o hotel 1908, em Lisboa, é gerido pela Amazing Evolution – tem 35 apartamentos, nestes há 94 quartos e 174 camas, em várias tipologias, do T0 ao T5, apartamentos grandes e espaçosos, alguns em duplex, e com uma característica comum: todos têm vista para a imensidão do oceano, seja de frente ou de lado, ninguém perderá o pôr-do-sol tão característico da Ericeira. Apesar de ter aberto há pouco mais de dois meses, já é possível perceber quem é que escolhe esta unidade hoteleira: pessoas que gostam de estar em contacto com a natureza e com o mar. Tal como se vê em tantas janelas e varandas espalhadas pela Ericeira, também ali se observam os fatos de surf pendurados, a secar. São jovens famílias, cujos pais já ensinam aos filhos como equilibrar-se numa prancha, assim como são grupos de amigos, informa Margarida Almeida. Metade são portugueses e a outra metade são estrangeiros, do Norte da Europa e do Brasil, que ficam entre quatro a dez dias. “É o target que definimos”, congratula-se. E a Fugas confirma, à hora do pequeno-almoço, lá está, numa das mesas, a família alemã com crianças de colo e avós ainda jovens; e noutra, embora se pareça em tudo com os nórdicos, o casal louro fala com o seu bebé em português do Brasil. You and the Sea Telf: 261243370 E-mail SitePreço época baixa: desde 125€ em estúdio a em 355€ T5 (valores sem pequeno-almoço) Preço época alta (Julho, Agosto, Setembro e datas especiais): desde 235€ em estúdio a 475€ em T5 (valores sem pequeno-almoço) Estadia mínima: na época alta estadia mínima de 3 noitesPreço médio/pessoa A Jangada: 20€O pequeno-almoço é tomado no restaurante A Jangada, que está aberto o dia todo, das 7h30 às 22h30 – o ideal para quem de férias perde a noção do tempo ou tem mesmo de aproveitar aquelas ondas e chega para almoçar às quatro da tarde. A ementa é diversa e está inserida na filosofia do hotel – a preocupação com a sustentabilidade. Procura-se que os produtos usados sejam os da região e da época. “Há um cuidado de aproximação à natureza”, resume Margarida Almeida, referindo que este espaço é o “filho mais novo de O Infame”, o restaurante que ocupa parte do rés-do-chão do 1908, em Lisboa, cujo chefe executivo é Nuno Bandeira de Lima, que estendeu à Ericeira o seu conhecimento, numa colaboração com André Rebelo, o chefe residente. A ementa é diversa, das saladas aos hambúrgueres, passando pelos pokes, pizzas (o forno a lenha está a crepitar de dia e de noite), massas, e também pela cozinha portuguesa com pratos de peixe e carne, com nomes divertidos e relacionados com o mar – como o Picamarisco (um trio de mariscos do dia, neste caso foi mexilhão, berbigão e ameijoa à Bulhão Pato com pão torrado, 12 euros), Seaviche (um ceviche feito com o peixe do dia, que se vai buscar à lota, 9 euros), a Sand Witch (uma sanduíche de camarão feita em pão de caco, com caril verde, maionese de lima e gengibre, e pickle de funcho, 9, 50 euros), o Sea Polpo espetada de polvo, cebola roxa e pimentos padrón com salteado de pancetta, batata, ervilha torta, tomate e funcho, 16 euros), ou o Secrets from the Sea (secretos de porco, arroz negro de berbigão e pipoca de porco, 16 euros). Os vegetarianos não foram esquecidos e os gulosos também não. Tal como os restantes pratos, também as sobremesas foram baptizadas com nomes originais – o Drop In (brownie de chocolate e amendoim, caramelo e gelado de chocolate, 5 euros) ou o Ice Ice Baby (gelados de chocolate, nata, morango e o sabor do dia, 3 euros, a pensar nos mais pequenos). Também há Pavlova (5 euros), muito, muito fresca e leve com fruta da época, que também entra no Sundae (5 euros). Com um ambiente descontraído onde dominam as madeiras, lembrando muito a decoração nórdica, A Jangada tem ainda uma lareira com vista, num primeiro plano, para a piscina, e, logo a seguir, para o mar. Com 80 lugares sentados, distribuídos por mesas altas e baixas, os pratos são facilmente partilháveis entre pais e filhos, tios e sobrinhos ou entre amigos. Além do espaço interior, existe ainda um varandim óptimo para aproveitar ao final da tarde, para beber um chá frio ou um cocktail e esperar pelo pôr-do-sol. Às sextas-feiras e aos sábados o restaurante fecha às 23h30 e, como está aberto ao público, já há “gente da região que é cliente regular”, congratula-se a responsável. A preocupação com o ambiente é evidente não só em questões óbvias como a mudança das toalhas ser só quando estas são deixadas no chão, nas palhinhas das bebidas e nas canetas de cartão, ou na separação dos lixos – nas cozinhas dos apartamentos há sacos de diferentes cores para a reciclagem; mas também na decoração, na qual foram usados muitos materiais recuperados das obras, como madeiras e ferros, que se transformaram em cabeceiras das camas ou em quadros, por exemplo. Existem outras pequenas peças de arte e o caranguejo de Bordallo II, que também colaborou no 1908, feito apenas com lixo que veio dar à costa. “Queremos fazer parte da onda mundial da sustentabilidade e do cuidado com a natureza”, justifica a administradora da Amazing Evolution. Os apartamentos são grandes, espaçosos e completos. No T3 onde o Fugas ficou existiam três casas-de-banho, apenas uma, a social, não tinha chuveiro. A cozinha está totalmente equipada e sempre que faltar o detergente para as máquinas da roupa ou da louça é só pedir na recepção. O hotel fica junto à Estrada Nacional 247, onde passa trânsito com alguma constância, uma vez que se trata da estrada que liga a Ericeira a Sintra ou a Cascais. Embora existam passadeiras de peões, foi já aprovada a construção de uma passagem aérea para peões, que será mais segura para os hóspedes (e não só). “Este é um projecto ligado à natureza e à imensidão de espaço azul que é o oceano e é isso que queremos trazer de fora para dentro”, continua Margarida Almeida, dando o exemplo dos apontamentos decorativos, mas também das actividades propostas aos clientes. Além de um spa (aberto das 9h às 19h) para o qual foram escolhidos os produtos Voya, conhecidos por serem orgânicos, existe ainda banho turco e sauna, um ginásio (disponível das 6h às 22h) e um espaço para as crianças com brinquedos, televisão e playstation (das 9h às 22h). Quem não estiver hospedado, pode usar a piscina, o spa e o ginásio por 25 euros diários. Centrado no bem-estar dos hóspedes há pequenos mimos que fazem a diferença como uma cesta que pode levar para a praia (e comprar, caso queira uma recordação das férias), toalhas para usar na piscina ou na praia – além da “Sea you later alligator”, pode escolher a que diz “I can sea clearly now”, mais uma vez uma referência ao oceano – e a oportunidade de usar um toldo na Praia do Sul, que o hotel alugou a um dos concessionários, durante a época balnear. Existe a possibilidade de fazer aulas de surf e de ioga ou de alugar uma bicicleta (10 euros/dia) e há ainda outras actividades como saídas ao mar para pescar, que “aproximam o hóspede da vila”, avalia Margarida Almeida, acrescentando que há outros programas mais culturais como a visita ao Palácio e Convento de Mafra, à Tapada ou a olarias da região. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Com o final do Verão, o You and the Sea está já a pensar em programas de dois a três dias que incluam spa ou aulas de ioga, por exemplo. “As perspectivas são boas”, sorri a CEO, lembrando que a Ericeira também é conhecida pela passagem do ano. Mas, antes disso, a vila vai receber, de 24 a 30 de Setembro, uma etapa do circuito de qualificação do World Surf League e o hotel é parceiro, pelo que irá receber alguns dos nomes mais fortes da modalidade. “Quisemos criar um ambiente em que as pessoas se sentissem bem acolhidas e trabalhamos para cimentar essa cultura”, conclui Margarida Almeida. O Fugas dormiu no You and the Sea e jantou n’A Jangada a convite do hotel
REFERÊNCIAS:
17.56 Enoteca: o que é bom nunca é de mais
Conceito abrangente, com cozinha tradicional e de vanguarda, o 17.56 honra a história e pergaminhos da Real Companhia Velha. (...)

17.56 Enoteca: o que é bom nunca é de mais
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.449
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Conceito abrangente, com cozinha tradicional e de vanguarda, o 17.56 honra a história e pergaminhos da Real Companhia Velha.
TEXTO: Agradar a todos e ao mesmo tempo é uma espécie de impossibilidade prática, mas uma organização com mais de 260 anos de história há muito que se habituou a enfrentar os grandes desafios. Coisa pouca, portanto, para a Real Companhia Velha, que nasceu em 1756 como Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro e está umbilicalmente ligada à história do Douro e do Vinho do Porto e se mantém como uma das grandes referências do sector. E o desafio consistiu em conjugar num mesmo espaço uma montra privilegiada para os vinhos e história da empresa, com uma parte museológica, espaços para prova e degustação, garrafeira — e a cereja no topo do bolo que é um restaurante que, sendo moderno e cosmopolita é também depositário dessa enorme tradição histórica. O espaço é o dos antigos armazéns da companhia na marginal de Vila Nova de Gaia, uma área com três mil metros quadrados que foi exemplarmente remodelada e é já um dos mais atractivos spots para os visitantes que, cada vez em maior número, procuram a zona das caves do Vinho do Porto. Mantendo a relação visual privilegiada com o rio Douro e o casario monumental do Porto, o restaurante ocupa todo o primeiro piso, com disposição que tem tanto de imponente como de diversificada, ou seja, propondo-se agradar a todos e ao mesmo tempo. E não só agrada à primeira vista como é até é capaz de surpreender. Desde logo a luminosa escada rolante que nos transporta ao patamar superior, mas também pela área alargada, o ambiente glamoroso e acolhedor, a disposição das mesas e mobiliário. E ainda o confortável deck exterior voltado ao rio e ao Porto onde logo apetece ficar sem tempo. Mas há mais. O restaurante desenvolve-se em torno de três cozinhas diferentes — de peixe, de carne e japonesa — e ambiente dinâmico, com lugares ao balcão, mesas ao estilo clássico, outras em plano mais elevado e ainda duas salas para momentos ou eventos de maior privacidade. A nota de sofisticação é dada pela queijaria associada à zona de bar e balcão, mas sobretudo pelo exclusivo Cigar Club, um espaço para os apreciadores de charutos, com alargada selecção de cubanos e de vinhos do Porto para acompanhar. 17. 56 Enoteca Alameda da Rua Serpa Pinto, 44B 4400-012 Vila Nova de Gaia Tel. : 222 448 500Horário: de terça a sábado, das 12h às 24h; domingo, das 12h às 19h. Marcação aconselhável Estacionamento muito difícil (Parques: Cais de Gaia e no próprio edifício)O ambiente foodie e gastronómico é ainda reforçado com a disposição das cozinhas: abertas e voltadas à sala, que, funcionando de forma separada e autónoma, são propostas em comum ao cliente e com serviço igualmente partilhado. Quanto ao conceito, o 17. 56 Enoteca apresenta-se como “um espaço que pretende contribuir para a afirmação do Porto e Vila Nova de Gaia como uma das dez capitais mundiais do vinho e onde a oferta gastronómica é bastante variada, mas o vinho é Rei”. O texto refere ainda “uma oferta de cozinha tradicional, onde os peixes e mariscos são meticulosamente escolhidos e preparados, assegurada por um chef da Real Companhia Velha. O Reitoria assegura as sandwiches gourmet, charcutaria e steakhouse, com uma vasta selecção de carnes maturadas; enquanto que o raw bar de inspiração japonesa está ao cargo da Shiko Tasca Japonesa”. A carta é conjunta e contempla vários “Petiscos” e “Entradas”, desde o presunto Joselito (18€) ou tábua de charcutaria (14€) às amêijoas à Bulhão Pato (18€), à sopa rica de peixe (7€), maionese de lavagante (16€) ou ovos rotos (11€). Seguem-se as ofertas de “Focaccia”, “Fromagerie”, “Sushi”, “Peixe” e “Carne”. Como entrantes, solicitou-se “açorda de camarão e bacalhau” (8€) e “bacalhau à Brás” (9€). Serviço em taças elegantes e apresentação cuidada e em proporções bem generosas. Açorda com troços de camarão e bacalhau muito bem desfiado, em preparação competente, sabores definidos e base cremosa. Cebola al dente, ovo cremoso e dourado, textura aveludada e cremosa também no competente Brás de bacalhau. Ambos a compor entradas de bons auspícios. O capítulo seguinte orientou-se para os peixes, tendo sido solicitados o “filete de robalo com migas “ (24€) e o “bacalhau assado no forno” (22€). Impecável o último, em lombo limpo e alto de assadura perfeita, onde os aromas de forno e do peixe se envolviam com as lascas gelatinosas de fios firmes e macios a evidenciar peça de boa cura. Acompanhava com batata a murro (no forno) e competente esparregado com nabiças e alho e fundo guloso de azeite. Muito bem!Igualmente de lombo alto o generoso filete de robalo, a que a exposição ao calor terá retirado alguma da suculência. Elegante apresentação com a açorda de camarão que acompanhava a fornecer o complemento de suculência ao pescado. Num claro estilo de cozinha tradicional, a lista de peixes alarga-se ao rodovalho no carvão, arroz de lavagante, filetes de polvo com arroz do mesmo, polvo à lagareiro ou massada de peixe, com preços entre 17 e 28 euros. Nas carnes, oferta de variedades Wagyu, Black Angus, Rubia Galega (do Minho), com corte de txuleton, tornedó, posta da vazia e entrecôte e preços segundo o peso. Provou-se a Rubia Galega, que é servida com o mínimo de 500g (39, 20€), de carnes púrpura e suculentas e músculo de textura macia. Tratamento culinário impecável e sabor intenso deixando uma sensação final que pedia um pouco menos de evidência ao sódio. Provavelmente do tipo de sal, que, no entanto, a cozinha garantiu ser flor de sal. Banal era mesmo a batata frita que acompanhou, ao estilo das básicas casas de tapas, que a especialidade e qualidade da carne claramente não mereciam. Das sobremesas, espaço ainda para o delicado mil folhas de ovos (6€). O creme de ovo é fino, delicado e saboroso, mas o plus é mesmo a massa fina, crocante e estaladiça, que rebenta como sinfonia na cavidade bucal. Todos os doces são sugeridos com um pairing de vinho do Porto, todos a preços contidos e a convidar à prova. E os vinhos são, como seria previsível, uma das mais salientes propostas do 17. 56 Enoteca. A par da lista completa daqueles foram sendo produzidos na casa ao longo dos últimos 100 anos, a oferta estende-se também a todos aqueles que consensualmente serão hoje considerados como os grandes vinhos nacionais e de todas as regiões. Com várias centenas de referências, apetece mesmo dizer que, mais que uma carta, é um catálogo com todos os melhores vinhos que são produzidos em Portugal. O problema é que será preciso ir com algum tempo de antecedência para poder fazer a consulta. E nem se pense que seja apenas piada, já que é notória a falta de um sommelier ou especialista que apoie os clientes perante tão diversificada e valiosa oferta, ainda por cima com preços que no geral parecem de grande sensatez. Como diz o povo: em casa de ferreiro, espeto de pau!E é a sabedoria popular que nos faz voltar ao início e à ambição de a todos agradar simultaneamente. Que é inovador e ambicioso, não restam dúvidas, mas fica a questão de saber se não será oferta demasiada. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A sensação que fica é que a Real Companhia Velha prova estar à altura do desafio, propondo uma cozinha diversificada e conseguindo conjugar a história e tradição num contexto moderno e sofisticado e claramente apelativo. Ou seja: o que é bom nunca é de mais!O risco é que a mistura possa, aqui e ali, colocar algumas areias na engrenagem do serviço, e isso parece não estar ainda totalmente afastado.
REFERÊNCIAS:
Um moinho no meio do nada e uma mão-cheia de tudo
De um moinho em ruínas, à beira do rio Bazágueda, nasceu um turismo rural que se inspira nas origens para recriar uma minialdeia onde descansar é palavra de ordem. E onde se pode dormir sob o céu estrelado. (...)

Um moinho no meio do nada e uma mão-cheia de tudo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: De um moinho em ruínas, à beira do rio Bazágueda, nasceu um turismo rural que se inspira nas origens para recriar uma minialdeia onde descansar é palavra de ordem. E onde se pode dormir sob o céu estrelado.
TEXTO: Em pleno coração da serra da Malcata, do lado do concelho de Penamacor, distrito de Castelo Branco, longe da estrada asfaltada e onde o sinal das redes móveis não chega, o Moinho do Maneio surge como um refúgio verdejante onde se consegue verdadeiramente descansar sem que se sinta falta do que fazer e onde há sempre uma novidade que justifica o regresso. Nascido a partir de um projecto agrícola em torno da produção de framboesas, que tem vindo a crescer e que funciona como uma linha de negócio paralela ao turismo, o Moinho do Maneio começou por ser um sonho de Anabela Martins e Rui Marcelo — o casal fez vida em Lisboa durante duas décadas (ela ligada à engenharia civil; ele, ao jornalismo), mas sempre acalentou a vontade de regressar à terra-natal. “Sempre que podíamos vínhamos passar um fim-de-semana ou uns dias”, recorda Anabela, acrescentando: “Sempre soubemos que era onde queríamos estar. ”Começaram, em 2002, por compor uma manta de retalhos, entre as propriedades herdadas, oferecidas e compradas, para totalizarem os 20 hectares que hoje perfazem a propriedade. Seguiram-se outras “guerras”: como trazer a rede eléctrica a um sítio no meio do nada ou obter as licenças necessárias para edificar o que projectaram a partir de ruínas de velhos casebres que outrora serviram para armazenar cereais ou para guardar gado. Começaram pela casa principal, onde residem e onde é servido um principesco pequeno-almoço (no qual nunca faltam, claro, framboesas sob as mais diversas formas: sumo, doce, em iogurte. . . ), e, passo a passo, foram criando espaços para receberem visitas. Até que, em 2008, Anabela ficou desempregada e optaram pela mudança. Criaram uma unidade de turismo local, ao mesmo tempo que legalizaram o licor de framboesa que comercializam. Hoje, há duas casinhas, a Alecrim e a Pipa, cada qual com uma minicozinha, e três quartos: Andorinhas, Amieiro e Trigo. Além da incontornável bolha: uma espécie de tenda insuflada, de revestimento transparente, montada numa escarpa à altura das copas das árvores, mesmo sobre o rio Bazágueda, que permite uma experiência única de dormir protegido, mas mesmo no meio da natureza e com o céu estrelado como tecto. O moinho foi o mote que levou Anabela e Rui a escolherem este poiso. E, curiosamente, mantém-se tal qual foi encontrado – têm planos para recuperá-lo, mas ainda não foram postos em prática. Porém, só a sua presença, mesmo que em ruínas, transporta-nos até a um país rural de outros tempos, quando as gentes da região aqui vinham para, a troco de um pouco do resultado da sua moagem, usarem as mós que trabalhavam pela força da água. E tudo o que foi recuperado e construído, nesta propriedade não destoa. Como se percebe logo à entrada. Depois de percorrido o quilómetro que separa a propriedade da EM569, somos recebidos pelos olhares curiosos de dois burricos, o Jericó e a Julieta, e pelos ladrares efusivos de Berry, Júnior e Mimosa — mais tarde, aparecerão os dengosos gatos, para se enroscarem ao calor junto às nossas pernas, mas ao arranque preferem manter uma protocolar distância. Nada a recear: os animais gostam de mostrar os bons anfitriões que são, mas deixam os visitantes vaguear à sua vontade. E há muito por onde andar – a pé, de bicicleta ou até de canoa – e mais bichos a descobrir. Como as toupeiras, que vão colocando a cabeça de fora e desafiam os cães a uma brincadeira que se percebe ser já rotina. As casinhas e os quartos, tipo suíte, desenham-se uma a seguir à outra pelo caminho empedrado que nos leva quase à margem direita do Bazágueda. O rio, nos dias mais quentes, convida a mergulhos refrescantes, mas para quem não gosta de água tão fria, há alternativa: uma piscina, localizada mesmo no centro da propriedade. De pedras expostas e protegidas pelas plantas trepadeiras que permitem resguardar o seu interior do intenso calor, cada alojamento remete para uma decoração diferente mas indo sempre buscar inspiração ao passado rural da região, patente no padrão das mantas, nos utensílios de cozinha, nos cortinados ou nos mais inusitados objectos, como o caso de uma pipa que recebeu o estatuto de banheira na casa homónima. Ribeira da Bazágueda - EM569, km 7, 5 - Penamacor Telf. : 277 394 399 Preço/noite: desde 70€ (pequeno-almoço incluído)Não se pense, porém, que o conforto foi descurado, já que, nesse campo, a modernidade está presente naquilo que é essencial (não, os colchões já não são de palha e a água quente não é fornecida por uma cafeteira. . . ). Cada alojamento também serve propósitos distintos: as duas casinhas, como o caso da Pipa que nos acolheu por uma noite, serão indicadas para famílias com crianças; as suítes, ideais para amigos ou casais; e a bolha, para quem procura uma experiência diferente. Desde o início que Anabela e Rui queriam ter detalhes que fizessem a diferença e, por isso, procuravam algo especial. Andavam a pensar fazer uma cabana em madeira com a parte superior em vidro. “Queríamos uma maneira de aproveitar a visão das estrelas, sobretudo em noites de lua nova”, lembra Anabela. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Até que, há três anos, uma incursão à Fitur, em Madrid, deu frutos. “Olhámos para um canto e lá estava o que queríamos mas que ainda não tínhamos conseguido idealizar. ”A bolha pode ser descrita como uma tenda transparente, mas as palavras não lhe fazem justiça. Porque, ao ser insuflada, cria uma esfera que nos permite visualizar tudo o que os nossos olhos admitem, aproveitando ao máximo a visão periférica de quase 180°. E, ao mesmo tempo que nos sentimos protegidos, tem-se a sensação de se estar na rua, com o sono embalado pelo burburinho da água, pelo coaxar das rãs e pelos diferentes cantos dos pássaros, numa orquestra que nos convida a estar em sintonia com a natureza. A Fugas viajou a convite do Moinho do Maneio
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave campo espécie cães
A propaganda do Estado Novo disfarçada de guia de viagens
Vasco Ribeiro mergulha em alfarrabistas de todo o mundo à procura de guias de viagens que mostram uma espécie de Portugal distorcido. (...)

A propaganda do Estado Novo disfarçada de guia de viagens
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vasco Ribeiro mergulha em alfarrabistas de todo o mundo à procura de guias de viagens que mostram uma espécie de Portugal distorcido.
TEXTO: “Que mudança vir de Espanha para Portugal. Era como voar da Idade Média para o presente. Ao redor vi casas amistosas, caiadas de branco, bosques circunscritos, campos cultivados e, nas estações maiores, era possível tomar refrescos. Era como se houvesse uma súbita sensação de conforto da actual Inglaterra ou do resto do mundo dos vivos. ” Hans Christian Andersen também passou por Portugal, também escreveu sobre o país de uma forma elogiosa (Spain: And a Visit to Portugal, 1870), também está na capa de um dos 500 livros — são mesmo à volta de 500 — de Vasco Ribeiro, que um dia se apaixonou pela propaganda. Assessor de imprensa toda a sua vida e com trabalho académico na área da Comunicação Política, este, chamemos-lhe assim, coleccionador sempre investiu muito em livros do início do século XX que falavam de assessoria de imprensa, conhecida por “publicity”. “No início do século, em particular após a Primeira Guerra, começou a ser a forma de os empresários se promoverem junto da opinião pública norte-americana. Quem construía e moldava a opinião pública era a “publicity”, refere Vasco, professor há 16 anos. “Comecei a ler um livro e outro e a achar muita piada. ” Das viagens a Nova Iorque começou a reservar um espaço na bagagem para livros. “Um dia, vejo um guia de Portugal publicado nos Estados Unidos, na década de 50, e comprei. Ao ler, percebo que descreviam Salazar como o ‘benevolente ditador’, o ditador que não é malévolo como Hitler ou Mussolini, que apostou no fortalecimento da economia e na construção de infra-estruturas para o desenvolvimento do país”. Depois, “por curiosidade”, foi encontrando em vários livros, em guias de viagens de grandes editoras — como a Fielding‘s e a Fodor’s — esse tratamento, passagens e “formas camufladas” de promover Portugal que o levariam à Torre do Tombo, onde descobre um documento-base de 1956 que é “nada mais nada menos” do que o relatório de cinco anos da relação do Secretariado Nacional de Informação (SNI) com uma agência de comunicação que tinha sede em Nova Iorque (George Peabody and Associates), um levantamento de “notícias positivas sobre Portugal ‘plantadas’”, um relatório do qual constam inclusive livros infantis e compêndios de culinária. "Na década de 50, esta empresa tinha uma avença de 4900 dólares por mês. Era um peso de investimento muito grande", reflecte Vasco Ribeiro, que foi riscando nessa lista os livros que já tinha e assinalando aqueles que queria ter. "Batia certo", pensou Vasco ao destrinçar o esquema que envolvia Salazar de uma forma directa e "outros protagonistas " que "a história, de certa forma, desconhece" — e que ia muito além da influência de António Ferro, já que o homem forte da propaganda do regime saiu em 1949. "A Peabody tinha sede em Madison Avenue naquela fase Mad Men. Portugal era cliente destas grandes empresas. É assustador", conclui Vasco Ribeiro, que na exposição Porto Sentido de fora – Livros e guias de viagens sobre o Porto entre Monarquia Constitucional e Estado Novo (1820-1974) revela (juntamente com Elisa Cerveira e Emília Dias da Costa) a parte de um todo — e ainda "oito guias turísticos que fugiram às garras do controlo propagandístico": "Portugal, terra de palácios e de pobreza, sol brilhante e censura"; "A vida em Portugal é um pesadelo para quem gosta de liberdade" (Portuguese Panorama, Oswell Blakeston, 1955). A sua colecção tem, grosso modo, 500 exemplares, guias de viagens editados no estrangeiro, livros escritos por convidados do Estado — e muitas vezes assinados por um pseudónimo. Vasco concentra-se a partir da Implantação da República em 1910. "O maior incremento e promoção turística em Portugal é durante a Ditadura Militar e Nacional. " Procura "essencialmente" século XX até 1974. Mergulha em alfarrabistas (em Portugal, na Internet e sempre que explora o mundo) à procura daquilo a que chama "artifícios" para "gabar" Portugal. "Também gosto de publicações do SNI e da Agência Geral do Ultramar, que editava e traduzia guias turísticos em que procurava mostrar Portugal, um país que, ao contrário dos outros colonizadores, agregava raças e onde se vivia um ambiente de coesão perfeita e colonização idílica", junta. "Vejo-me a pedir até 1976, 77", confessa. Afasta-se dos guias em série mais recentes, "plásticos, artificiais e mais instantâneos". “Actualmente [Portugal] é uma ditadura, não sinistra e malvada como a Alemanha e Itália no tempo da guerra, mas talvez a soberania mais benevolente do mundo”, escreve Temple Fielding, no seu livro Fielding’s Travel Guide to Europe (1955). Em Fátima - Pilgrimage to Peace (1954), o casal April e Martin Armstrong classificam o Estado Novo como um regime “hibrido entre o autoritarismo e a democracia” e Salazar como um salvador cristão que “reconstruiu a economia da nação, acabou com a anarquia e trouxe ordem”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "Os guias", prossegue, "não são só bons para falar de Comunicação Política. Podemos fazer levantamentos no ponto de vista de estudo na área da Geografia, da Cartografia, do Turismo, da Gastronomia, da Etnografia, da Arquitectura, do Património, da Sociologia. . . é um cocktail de informações. " São quase sempre patrocinados. "E o seu discurso está quase sempre assente em tradições populares, em Fátima e Sintra, no endeusamento de Salazar e na descrição de um regime idílico. "A Foot in Portugal, John Gibbons (1931) “John Gibbons tem três livros sobre Portugal. Num deles, visita a dureza do Douro, sente e vive o trabalho à volta das vindimas. Nota-se uma ligação entre o turismo e a política que é espelhada em todos estes livros. Gibbons torna-se amigo de António Ferro, que o convida a escrever o prefácio e a traduzir para inglês o livro de entrevistas que fez a Salazar e que foi traduzido em várias línguas. Diz-se que foram editados 200 mil exemplares, que é um número assustador. ”Portugal, Wharf of Europe, Elizabeth Colman (1944) “Refira-se que nesta altura só as classes altas é que viajavam. Elizabeth Colman gostava de fotografia, vem para Portugal e conhece essencialmente a costa de Cascais e a Nazaré, onde descreve a vida dos pescadores. Tem fotografias lindíssimas. Ela critica muito a ditadura, o controlo, um regime autoritário onde os sindicatos livres dos tempos modernos foram abolidos e o seu lugar foi ocupado por organizações controladas pelo governo. ”Kdf auf Südlichen Meeren, Kleiner Schiffs-Reiseführer für KdF-Fahrten (1938) “Esta brochura foi editada pela Kraft durch Freude, uma espécie de agência nazi de viagens. É um périplo pelo Mediterrâneo onde estão bem presentes as práticas, a saúde e o bem-estar da raça ariana. Acaba por demonstrar que Lisboa, com um ditador também, podia fazer parte desse roteiro. É um guia para nazis — assim como havia roteiros para movimentos de esquerda. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra homem estudo espécie pobreza raça
Uusimaa: a Finlândia mais doce e mais verde
Esta região do Sul, Nyland para os suecos, transforma a imagem que temos do país, com as suas grandes extensões de neve, o frio, a terra do Pai Natal e a Lapónia. Neste pedaço de costa, atravessado pela Estrada do Rei, descobre-se uma Finlândia com uma luz especial. (...)

Uusimaa: a Finlândia mais doce e mais verde
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Esta região do Sul, Nyland para os suecos, transforma a imagem que temos do país, com as suas grandes extensões de neve, o frio, a terra do Pai Natal e a Lapónia. Neste pedaço de costa, atravessado pela Estrada do Rei, descobre-se uma Finlândia com uma luz especial.
TEXTO: O arquipélago e a região costeira do sul da Finlândia estão tão próximos do meu coração. Por instantes, instala-se um silêncio que não ouso interromper. Ville Vuorelma, responsável pelo turismo de Raseborg, ajeita os óculos e afasta a franja que teimosamente lhe cai para a testa como se, com estes gestos, desejasse de igual forma expulsar uma certa melancolia que ameaçava preenchê-la. - Penso que a história, o passado, e o presente se confundem no município de Raseborg. Temos, por exemplo, um dos mais rápidos cabos de dados e, ao mesmo tempo, um grande número de edifícios históricos onde as ligações à Internet são usadas. Mas Ville Vuorelma, pousando um olhar no vazio, parece apreciar outros tempos. - Tenho tão gratas memórias de ir pescar com os meus pais na baía da Finlândia e de nadar até às ilhas próximas, de desfrutar o dia todo. O fumo da neblina desprende-se sinuosamente das árvores e os raios de sol oblíquos insinuam-se por entre os ramos, fazendo brilhar as folhas com as suas cores outonais que por esta altura já formam um tapete na terra ainda húmida. Subo até ao topo de uma suave colina e por ali fico, colonizado por tanta beleza harmoniosa, vendo as nuvens reflectirem-se na corrente serena do rio e, mais para a minha direita, as ruínas de um castelo abraçado pela vegetação. Construído em 1370 sobre um rochedo em tempos rodeado por água, o castelo de Raseborg (Raasepori em finlandês) começou por abrigar um centro administrativo durante a Idade Média mas, devido à sua localização estratégica, rapidamente se transformou num posto de controlo do transporte e do comércio no Golfo da Finlândia. Um pássaro risca o céu e vem pousar ao meu lado, desviando o centro da minha atenção. Regresso ao castelo e à sua história tão ligada ao poder do rei da Suécia na Finlândia. Apenas superado em importância pelos castelos de Turku e Vyborg, Raseborg viveu um tempo de esplendor entre 1450 e 1460 e um outro, tumultuoso, no início do século XVI, com as constantes disputas entre dinamarqueses e suecos. Conquistado, finalmente, pelos homens do rei Gustavo Vasa, o castelo, com as suas estruturas profundamente abaladas face ao cerco e às batalhas de que foi palco, vivia sob a ameaça de um abandono que tardou em consumar-se. Um grande número de artesãos tratava de o manter de pé e o elevado consumo de cerveja motivou mesmo a criação de uma cervejeira no interior das suas paredes. Em contraste, o nível das águas do mar à volta do castelo começara a declinar, hipotecando, em definitivo, a sua posição estratégica de defesa — e, por isso, a despeito das obras de renovação, o rei decidiu criar um novo centro administrativo, económico e militar em Helsínquia, uma ideia que nunca chegou a ser posta em prática porque a actual capital do país rapidamente desiludiu o soberano ao ponto de este regressar a Raseborg. Mas não por muito tempo. Ao fim de dois anos, em 1558, com o castelo em ruínas, com o colapso das caves, fechava-se um ciclo de vida e o centro do poder mudava-se para Ekenäs (Tammisaari em finlandês). Durante três séculos, Raseborg esteve entregue à sua solidão, deixou-se envolver cada vez mais pela vegetação, até que, já no início do século XIX, as suas ruínas, as suas pedras com tantas histórias para contar, começaram a atrair o olhar dos turistas. Raseborg conheceu quatro fases de recuperação, a última das quais em 1988, altura em que adquiriu a face que hoje se lhe conhece para se tornar numa das maiores atracções da região, especialmente durante os meses de Verão, quando recebe eventos medievais, concertos de música ou performances de teatro. Deixo Raseborg para trás e percorro agora, pelo meio do silêncio e de frondosa vegetação, o cénico trilho dos amantes que me conduz, ao fim de alguns minutos, a Snappertuna, simplesmente Tuna durante o período medieval, quando a maioria dos seus habitantes trabalhava para o castelo. Em pouco tempo, mas sempre num ritmo pausado, descubro, no centro da aldeia, um museu popular que recria a vida de uma quinta/casa de pescadores no início da segunda metade do século XIX, com o seu edifício principal, celeiros e armazéns, todos eles originalmente da ilha de Halstö. Sinto vontade de caminhar um pouco mais através do trilho dos amantes, de cruzar as suas pontes que cruzam o rio, de escutar os sons da natureza, de perscrutar pássaros e árvores. Depois, eu próprio me planto em frente da igreja de Snappertuna, subjugado pelo seu peso histórico e pelo interessante contraste que as suas tonalidades amarelas e a cor natural da madeira, dos telhados e da cúpula, produzem quando projectadas contra um céu infinitamente azul. Levantada em 1689 por um ferreiro que terá roubado madeira no lugar onde está situada — foi essa a pena que teve de cumprir — é considerada a igreja cruciforme mais antiga da região. No interior, destaca-se um lustre antigo mas com idade indefinida, mais um conjunto de pinturas mais recentes no púlpito e ao longo das galerias, um órgão de 1884, bem como uma fotografia da Virgem Maria em frente a uma igreja que é, eventualmente, a única que mostra como era a estrutura antes de ser alterada em finais do século XVIII. Outra vez no exterior, deito um olhar à torre sineira, também do século XVIII e onde Helene Schjerfbeck (1862-1946), pintora finlandesa, se terá inspirado para produzir algumas das suas obras. Os turistas são raros, agora que o Verão já se despediu. - O Verão é a época alta do turismo nesta região costeira mas qualquer uma das estações tem a sua beleza singular. Por essa razão, são cada vez mais aqueles que a procuram no Inverno, no período do Natal. Actualmente, a maior parte dos visitantes (quase 90%) são finlandeses, mas o número de turistas estrangeiros tem vindo a aumentar todos os anos. No último ano, por exemplo, Raseborg recebeu 150 mil pessoas, das quais metade permaneceu pelo menos uma noite, admitira, horas antes, Ville Vuorelma. A tarde, como o tempo, avança na sua marcha inexorável. O meu próximo destino, não tão distante quanto isso, é Malmbacka, uma pequena aldeia rodeada por uma tranquila área rural que deixa ver, aqui e acolá, alguns animais selvagens. De Verão ou de Inverno, na Primavera e no Outono, oferece uma paisagem que convida a uma caminhada ou a um passeio de bicicleta, até que as forças se esgotem e se sinta o apelo de uma cottage de madeira ou de uma simples cabana de um carvoeiro (réplica) com a sua pele de carneiro — umas e outras sem electricidade e sem canalização e com casa-de-banho exterior. Ainda antes de mergulhar num sono profundo, pode cozinhar numa fogueira ao ar livre, depois de cortar a sua própria lenha ou de a adquirir já cortada, tentando imaginar como era a vida na aldeia que vivia do comércio do carvão já no início do século XVII, mais ou menos nas condições que são oferecidas nos dias de hoje para preservar uma forte tradição e recordar a importância de uma indústria que as novas tecnologias foram apagando da memória — Setembro é uma boa altura para visitar Malmbacka, quando tem lugar o fim-de-semana do carvão, com as suas gentes vestidas de forma tradicional, muita comida e os antigos fornos, alguns deles recuperados, se voltam a acender para prestar tributo a uma herança com mais de 400 anos. Permito que o dia se extinga já em Ekenäs. Tammisaari, a toponímia em finlandês, soa-me mais exótico. A cidade, especialmente num dia de sol como este, exerce um fascínio instantâneo sobre o viandante, talvez pela brisa que chega do mar, talvez pela elegância das suas casas pitorescas de madeira que também beijam as águas. Começo por subir as escadas do posto de turismo para lançar um olhar à torre da igreja do outro lado da praça onde, às quartas e sábados, tem lugar um mercado que fervilha de vida. A igreja, à qual chego seguindo ao longo da Stora Kyrkogatan, é o coração do centro histórico desta urbe com menos de 15 mil habitantes, um espaço de culto que começou a ser construído em 1650 mas cujas obras apenas foram concluídas 20 anos mais tarde. Danificada durante o incêndio que afectou a parte antiga de Ekenäs, em 1821, foi mais tarde restaurada com profundas alterações face à sua estrutura original mas entre as suas paredes cinzentas ainda se podem apreciar algumas obras que atestam o seu passado, como um púlpito do século XVII. Saio para a rua, sob um sol que aquece à medida que os ponteiros dos relógios da torre avançam, sento-me num parque banhado por uma sombra tranquila, com as suas árvores subindo nos céus, até que me decido a espreitar detalhes de elegantes casas de madeira que encontro aqui e ali, nas proximidades da igreja. Muitos dos edifícios do centro histórico datam dos últimos anos do século XVIII e do século XIX, mas Ekenäs cresceu a partir do que era, no século XVI, uma aldeia de pescadores à qual o rei Gustavo Vasa conferiu, logo em 1546 (uns anos antes de Helsínquia), o estatuto de cidade, na expectativa de rivalizar com a poderosa Talin, a actual capital da Estónia. Por estes dias, Ekenäs é uma cidade vibrante, com as suas lojas, os seus restaurantes, os seus cafés, as ruas que são um forte apelo ao consumo mas também a um passeio demorado (a Kungsgatan foi a primeira rua pedonal da Finlândia), mais as suas esplanadas onde apetece permanecer nos meses de Verão, fitando o sol que teima em não se deitar, observando toda a serenidade que emana do arquipélago que se estende à nossa frente até perder de vista. Sem um rumo definido, caminho até à Basatorget, uma praça em tempos com um mercado agitado e onde, nos dias de hoje, se recordam os dias de ontem, com a presença de um pelourinho que era cenário de castigos públicos. Em diferentes aspectos, Ekenäs, absorvida, em 2009, pela cidade (e município) de Raseborg, parece embrenhada num passado tão distante, como se constata simplesmente caminhando pelas suas ruas — basta prestar um pouco de atenção à toponímia para se perceber que, a esse nível, nada mudou desde o século XVI. Hattmakaregatan — a rua dos chapeleiros; Linvävaregatan — a rua dos tecelões de linho; Smedsgatan — a rua dos ferreiros; Garvaregatan — a rua dos curtidores. Continuo a minha errância tranquila, desaguo no Stallörsparken, onde as crianças brincam, sento-me por instantes na praia, na Strandallén, onde às terças-feiras um mercado nocturno junta locais e turistas e, mais para lá, no final da Strandallén, avisto uma das referências de Ekenäs, o restaurante Knipan, mais fotografado do que qualquer monumento na cidade. Conta-se que na altura em que o proprietário pensou em abrir este espaço, a quota de restaurantes já estava preenchida e, como tal, não teve autorização para construir — um vazio legal foi encontrado e, por isso, todos podem admirar o Knipan assente sobre pilares, no mar (abre apenas nos meses de Verão). Caminho para a direita da Strandallén, passo mais esplanadas e restaurantes onde se conversa em voz baixa, avisto uma casa em madeira, pintada de vermelho e construída em 1840, e entro para conhecer o Ekenäs Nature Centre e para melhor me identificar com o arquipélago e com as mudanças que o afectaram ao longo dos anos. Sempre com o mar como companheiro, escutando os seus murmúrios, as suas queixas, observando os cisnes, prossigo pela Västevallen até virar na Linvävaregatan, a dos tecelões de linho desse passado remoto, e sinto um prazer renovado por me encontrar de novo na zona antiga, sem pressa de ver muito mais de Ekenäs e muito menos ainda quando me sento, sobre as macieiras, no Cafe Gamla Stan, com a sua bonita cottage do século XVIII, saboreando um café. Agora, com as forças retemperadas, posso caminhar um pouco mais, até Fisketorget, onde os pescadores vendiam o seu peixe, e mais ainda, ao longo do cais que começa na praça e corre em volta da Södra viken. É tempo de parar num parque, de tocar um sino no monumento que presta homenagem a Helene Schjerfbeck, a famosa pintora que apreciava os Verões em Ekenäs antes de se mudar definitivamente para a cidade que a acolheu entre 1925 e 1941. A noite cai sobre Tammisaari. E a manhã, já adiantada, descobre-me em Hanko, a Hangö dos suecos, a cidade mais a sul do país, sub-região de Raseborg e ainda parte de Uusimaa Ocidental. Hanko é um lugar muito popular entre os finlandeses, com mais dias de sol do que qualquer outro na Finlândia e mesmo do mar Báltico. No dia anterior, pesquisando, ficara encantado com a ideia de desfrutar, por mais ou menos tempo, das quatro razões com que o turismo de Hanko desafiava o turista para o convencer a visitar esta cidade do sul profundo: o oceano, a luz, as pessoas e a sua atmosfera genuína. Não podia pedir muito mais. A história de Hanko, documentada já em finais do século XIII, está intimamente ligada à história da navegação. Localizado numa posição privilegiada, o cabo Hankoniemi foi palco de batalhas sangrentas ao longo dos séculos, de recolha de direitos alfandegários já no início do século XVII, como foi vítima, desde tempos imemoriais, do poderio sueco e, muitos anos mais tarde, dos russos. Pedro, o Grande construiu uma fortaleza ao longo do mar que também passava por Hankoniemi; muito tempo depois, durante a Guerra de Inverno, entre 1939-40, os finlandeses renderam-se aos russos em Hankoniemi, abrindo caminho para uma base militar daqueles em Hanko. Quando a Guerra da Continuação começou, a linha da frente situava-se em Lappohja. Mas nada impediu que muitas das lutas entre russos e finlandeses se travassem nas ilhas à volta do cabo de Hankoniemi. No início de Dezembro de 1941, Hanko era reconquistada e os seus cidadãos, obrigados a deslocarem-se, regressavam para testemunhar os danos provocados pelos russos nas suas casas bombardeadas ou mesmo na elegante torre da água (ao lado da igreja), situada na colina de Vartiovuori, que trataram de destruir antes de partir. Hanko, com os seus 30 quilómetros de praias, do agrado de praticantes de surf, de windsurf e de kitesurf, bem como daqueles que nada mais buscam do que fazer quase nada, paraíso para a observação de árvores e cidade termal, em tempos uma das melhores do Norte da Europa, frequentada por homens de negócios, por príncipes e condes, por barões, Hanko – ia a escrever — é também o lugar de onde partiram, em finais do século XIX e princípios do século XX, 250 mil finlandeses (entre um total de 400 mil) para o Canadá, a Austrália e os Estados Unidos da América, em busca de fortuna. Muitos deles, enquanto esperavam para entrar nos navios, dançavam no alto de desfiladeiros. A Finlândia nem sempre foi um país rico. Mas em 1879, cinco anos após a fundação de Hanko, materializada logo após a conlusão das obras do porto e da estação ferroviária, já se inauguravam as termas que traziam os primeiros turistas (muitos deles russos) à cidade, situado a curta distância de um casino não menos sedutor para a época. - A minha mãe é natural de Hanko, o município vizinho, e eu passei muitos Verões e fins-de-semana na região. Aqui, comparando com as grandes cidades, as pessoas são mais tranquilas e amigas, e há sempre tempo para uma conversa e para tomar um café. Esta é ainda uma riqueza para Ville Vuorelma. Os cidadãos portugueses apenas necessitam de ter na sua posse um documento de identificação, que tanto pode ser o passaporte, como o cartão de cidadão ou mesmo o bilhete de identidade. Se permanecer por um período superior a 90 dias terá de solicitar um visto/autorização de residência. Na Finlândia, existem duas línguas oficiais, o finlandês, falado por mais de 90% da população, e o sueco, utilizado por pouco mais de 5% — na Lapónia, no entanto, uma pequena minoria fala lapão (vulgarmente conhecido por sámi). No caso concreto de Uusimaa Ocidental, o sueco é a língua predominante mas não terá dificuldade em encontrar quem fale inglês. É importante prestar atenção aos nomes das cidades, por vezes escritos em sueco, noutras em finlandês, o que pode gerar alguma confusão no início. A moeda oficial é o euro. Diferentes companhias aéreas europeias operam voos entre Lisboa e Helsínquia com uma escala, proporcionando, por vezes, tarifas inferiores a 200 euros (ida e volta). Se não abdicar de uma ligação directa, tem como alternativas a Finnair ou aTapDesde o aeroporto de Vantaa, situado a cerca de 20 quilómetros de Helsínquia, o ideal é alugar carro para percorrer o Sul do país. Mas também é possível recorrer ao transporte público, bastando, para tal, dirigir-se ao centro da cidade (de comboio, de autocarro ou de táxi). Da principal estação ferroviária há serviços (também há autocarros) com frequência para Karjaa (aproximadamente uma hora de trajecto), onde deve apanhar um autocarro para Fiskars (20 minutos) ou, se esse for o seu destino eleito, o comboio para Ekenäs (12 minutos). Para uma experiência única, cada vez mais popular, pode percorrer a distância (não mais do que 74 quilómetros) entre Helsínquia e Raseborg de bicicleta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Fiskars Wärdshus Fiskarsintie, 326A Fiskars Tel. : 00 358 40 182 20 02 Site E-mail Preço: a partir de 120 euros por um single e 138 por um duplo. Um hotel (tem apenas quatro quartos) com uma história que remonta a 1836 e que abriga também um restaurante com um toque da cozinha francesa. Motel & Restaurant Marine Kammakaregatan, 4-6 Ekenäs Tel. : 00 358 19 241 38 33 Site E-mail Preço: entre 75 e 155 euros (este último para uma suíte com sauna) por um duplo, já com pequeno-almoço e todas as taxas incluídas. Um motel que goza de óptima localização, próximo das principais atracções de Ekenäs, dispondo de 44 quartos (alguns oferecem a possibilidade de cozinhar) e com serviço de recepção durante 24 horas. Restaurant Kuparipaja Göran J. Ehrnroothin tie, 1 Fiskars Tel. : 00 358 19 237 045 Site E-mail Aberto de segunda a quinta das 11h às 16h, às sextas e sábados das 12h às 21h e aos domingos entre as 12h e as 16h. Preço: entre os 20 e os 30 euros (sem entradas, sobremesas e bebidas). Um espaço elegante ocupado em tempos por ferreiros e com uma ementa que reflecte as cores e os sabores das quatro estações do ano. Prove o peixe do dia ou experimente um borrego de Bovik com um molho de alecrim e vegetais. Piazza Stationsvägen, 6 Ekenäs Tel. : 00 358 45 141 59 84 Site E-mail Aberto apenas para almoços e de segunda a sexta, entre as 11h e as 14h45. Preço: nove euros, excluindo bebidas. Uma boa alternativa (e económica) no centro de Ekenäs, com a particularidade de se poder sentar num espaço pensado pelo conceituado Alvar Aalto. Caso se interesse pelo trabalho de Alvar Aalto, Ekenäs oferece-lhe a possibilidade de contemplar duas obras com a assinatura do famoso arquitecto finlandês: a villa Schildt, na Östra Strandgatan, 7, e o Ekenäs Sparbank, na Stationsvägen, 6, não muito longe da estação ferroviária. Estando em Ekenäs, não deixe de admirar também o parque nacional do arquipélago, a menos de 20 quilómetros (viagem apenas de barco). De regresso a Helsínquia ou a caminho de Hanko, depende da sua conveniência, faça uma paragem em Mustio (Svartä em sueco) para conhecer, na mais absoluta tranquilidade, a Svartä Manor (Mustion Linna em finlandês), uma casa senhorial com uma história de mais de 200 anos, onde reis e imperadores pernoitaram durante as suas vidas — ainda hoje um hotel e com um dos melhores restaurantes de todo o país. Ainda em Hanko, procure gastar algum do seu tempo a contemplar, a uns 25 quilómetros da cidade, o farol de Bengtskär, o mais alto de todos entre os países nórdicos, subindo a uma altura de mais de 50 metros (ou mais de 250 escadas para lançar um olhar à sua volta).
REFERÊNCIAS:
Um castro anti-romanos com fantasmas da era industrial
Contrariando o mais comum em Portugal, o Castro de Ovil, em Espinho, é anterior à ocupação romana e foi abandonado antes de qualquer aculturação. Mas os seus vestígios resistiram até hoje, preservando histórias da Idade Média e até da fábrica de papel cujas ruínas partilham com o povoado a mesma colina junto à água. (...)

Um castro anti-romanos com fantasmas da era industrial
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Contrariando o mais comum em Portugal, o Castro de Ovil, em Espinho, é anterior à ocupação romana e foi abandonado antes de qualquer aculturação. Mas os seus vestígios resistiram até hoje, preservando histórias da Idade Média e até da fábrica de papel cujas ruínas partilham com o povoado a mesma colina junto à água.
TEXTO: Pode descer-se do comboio no apeadeiro do Vouguinha e fazer o caminho a pé. O arvoredo denso chega a criar alguma suspeita, que não é habitual os espaços de interesse museológico e turístico estarem assim resguardados entre vegetação tão densa e pouco palmilhada, mas é precisamente esse verde espesso, sobretudo quando a brilhar de chuva recente, que confere ao percurso a sensação de uma aventura à descoberta de tesouros arqueológicos. Sem carros à vista, sem telemóveis e sem nada que em redor denuncie o século XXI, há momentos em que quase se pede que o mato nos invada o caminho para sacarmos de uma faca à Indiana Jones e a brandirmos em desbaste largo à conquista de uma qualquer civilização perdida. É uma imagem exagerada, ok, mas o exercício de imaginação justifica-se. Dele dependerá a verdadeira apreensão das histórias escondidas no Castro de Ovil, quando, ao atingirmos a clareira que o vem resguardado desde a Idade do Ferro, nos deparamos com os vestígios baixos de uma série de construções que, se não fosse pela sua marcante planta circular, talvez passassem despercebidas noutro lugar e se confundissem com meros e modestos muros agrícolas. É preciso parar, silenciar, imaginar o despojamento das famílias que por aí cirandaram desde o século IV a. C. , ocupando-se da criação de ovelhas que poderá ter inspirado a toponímia do local, cultivando pequenas áreas em redor, esticando a trama de improvisados teares, percorrendo a pé os 2400 metros que separavam a aldeia da praia onde ainda hoje, em dias de marés com maior poder de arrasto, ficam a descoberto milenares armadilhas de pesca. Jorge Salvador é o arqueológo que vem investigando esse e outro património do município de Espinho e destaca logo duas características próprias do Castro de Ovil. A primeira é que, ao contrário da maioria dos sítios castrejos em Portugal, o antigo povoado da freguesia de Paramos não terá sido tomado pelas tropas imperiais de Augusto. Os estudos aí realizados desde a década de 1980 indicam que a aldeia foi ocupada por 120 a 160 habitantes indígenas com graus de parentalidade próximos entre si, mas defendem que o grosso da população fugiu do local por altura da chegada dos invasores de Roma, no século I d. C. . “Alguns dos ocupantes de Ovil ficaram e resistiram, mas o povoado perdeu a sua monumentalidade”, diz Jorge Salvador. É certo que as escavações da era moderna permitiram recuperar no local fragmentos de ânforas, contas de colar em massa de vidro e até indícios de vinho da Etrúria, o que habitualmente se associa à presença romana no território, mas o arqueólogo tem uma explicação para essa circunstância: “Esses objectos vieram com os comerciantes, que eram sempre os primeiros a experimentar novas rotas antes de os romanos se lançarem ao caminho. ”Outra peculiaridade do povoado pré-romano que Paramos só viu oficialmente identificado em 1981 é que as suas construções não se apresentam no granito típico de aglomerados como a citânia de Briteiros, em Guimarães, ou a de Sanfins, em Paços de Ferreira. “Aqui a zona era de xisto, que não dá para fazer muros, e por isso é que, em vez de muralhas defensivas, o Castro de Ovil tinha antes um fosso”, conta Jorge Salvador. Essa vala foi preenchida com terra muito posteriormente, já na era industrial, mas a envolvente continua a preservar muito do que terá sido a sua paisagem arbórea original. O presidente da Câmara Municipal de Espinho, Joaquim Pinto Moreira, admite, no entanto, que esse cenário implicou um trabalho de reflorestação recente, apostado em restituir ao local espécies como carvalhos, sobreiros, medronheiros, salgueiros, cerejeiras-bravas, pinheiros-mansos e pilriteiros. “Retirámos tudo o que não era autóctone e estamos a promover uma mata de bosque indígena, no que tivemos a ajuda do projecto Futuro, das 100. 000 Árvores na Área Metropolitana do Porto”, revela. “Escolhemos bem as espécies e depois andámos cá todos a plantar árvores, porque queremos que a estética destes três hectares seja a mais parecida possível com a que o espaço tinha originalmente na Idade do Ferro. ”Qualquer que tenha sido a vegetação do local ou o número de habitantes do povoado, o facto é que o edificado do Castro de Ovil foi resistindo ao longo dos séculos e preserva ainda hoje traços bem visíveis de casas circulares com átrio, outras construções redondas para armazenamento de víveres e lenha, e até um lagar aberto na rocha cujo fundo declivado faz pressupor a ligação a um sistema rudimentar de escoamento e circulação de líquidos. As escavações das década de 1980 e 90 também identificaram no local fragmentos de peças de olaria ornamentada com incisões, pesos para redes de pesca criados a partir de seixos rolados com entalhes laterais para fixação dos fios e até cossoiros cerâmicos cuja variedade de formato e dimensão se atribui aos diferentes usos exigidos para tratamento da lã e do linho. Pesquisas em arquivo permitiram ainda constatar que o povoado se manteve até ao século X como uma referência geográfica do território, como comprovam escrituras da Idade Média que adoptam a expressão “subtus castro de obile” para ajudar à localização de outras propriedades e mencionam a “lagona de ovile” em alusão à reserva natural actualmente designada como lagoa de Paramos, na confluência da barrinha de Esmoriz. Foi igualmente de documentos medievais que se recuperou outra das histórias contadas por Jorge Salvador: “Em 1288, um tal de Pedro Miguéis, cavaleiro com ligações ao Reino do Algarve, veio para Espinho e construiu uma casa em Ovil. Não muito depois, o deão do Castelo da Feira veio cá e derrubou-lha, dizendo que o Castro era de El-Rei D. Dinis — que, por acaso, era muito centralizador e pouco favorável aos interesses da nobreza. ”A aristocracia da região manteve, ainda assim, um vínculo forte ao local, como se demonstrou séculos mais tarde noutra etapa marcante da história de Ovil, quando o morgado de Paramos preencheu de terra o fosso em redor do povoado castrejo e na base da colina construiu a Fábrica de Papel Castelo. Estava-se então em 1836, a indústria papeleira florescia no território e, com a fábrica a crescer ao ritmo da democratização desse suporte de escrita, a margem da ribeira de Rio Maior revelou novas freimas: especializou-se em cartuchos de mata-borrão, mas distribuiu pelo terreno outros espaços ajustados à polivalência dos seus operários, que, tanto alimentavam as mós de pedra com os farrapos de tecido a converter em pasta de papel e penduravam no espande as espessas folhas daí resultantes, como ocupavam horas mais folgadas cultivando uma horta e entrançando no telheiro as fibras com que produziam corda artesanal. Décadas depois, há dias menos bons em que as águas que correm entre o verde denso de Ovil se mostram turvas e não são inodoras, devido a descargas poluentes pelas quais a Câmara de Espinho culpa unidades industriais não fiscalizadas do concelho de Santa Maria da Feira. Mas, desactivada na década de 1970, a Fábrica de Papel Castelo aí mantém o seu esqueleto, tomado pelas ervas, pelo murmurar das águas e pelos sons não-datados de folhagens em movimento e animais de locomoção discreta e reservada. Ao alhearmo-nos de quem tivermos por companhia, basta pensar com respeito no lapso de tempo que nos distancia dos primeiros ocupantes desta paisagem para se nos apurar a percepção. São pelo menos 2300 anos que desfilam entre aquelas ruínas. Podemos não ver os fantasmas, mas de certeza que ali estão. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Percursos de iniciativa própria podem realizar-se em qualquer período, mas visitas guiadas têm que ser requisitadas ao Museu Municipal de Espinho pelo telefone 227. 326. 258. A entrada é gratuita. Os artefactos encontrados no Castro de Ovil estão à guarda do Museu Municipal, instalado no Fórum de Arte e Cultura de Espinho, pelo que se impõe a visita ao local e aí poderá conhecer também a arte xávega e a indústria conserveira — em particular a da fábrica Brandão Gomes, que em tempos funcionou no próprio edifício. Para fazer uma completa viagem no tempo, nada como terminar depois o roteiro entre os cenários espaciais proporcionados pelo Planetário de Espinho, no Centro Multimeios. Tanto a A1 como a A29 têm saída em Espinho. Uma vez na Rua 19, que serve de ponto de entrada na cidade, há que percorrê-la até à Avenida 24 e aí dirigir-se para Sul, até que a via se transforme na EN109. Alguns quilómetros depois, em Paramos, corta-se à esquerda na Rua do Monte, em direcção oposto ao mar, e, mesmo antes da linha férrea do Vouga, vira-se à direita. Quando a rua ficar envolvida por árvores, estará a entrar no bosque do castro.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave cultura ajuda