Gulbenkian rescinde ligação com António Pinto Ribeiro “com efeitos imediatos”
Comunicado do conselho de administração diz que houve uma "uma quebra de confiança institucional". (...)

Gulbenkian rescinde ligação com António Pinto Ribeiro “com efeitos imediatos”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Comunicado do conselho de administração diz que houve uma "uma quebra de confiança institucional".
TEXTO: O comunicado tem apenas dois breves parágrafos, mas deixa claro que o conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian não tenciona prolongar, mesmo que seja só até Setembro, a sua ligação ao programador António Pinto Ribeiro, que era até à passada sexta-feira seu consultor e director do programa Próximo Futuro. “O Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian deliberou rescindir, com efeitos imediatos, a ligação do Dr. António Pinto Ribeiro com a Fundação, no seguimento das declarações por ele prestadas à Agência Lusa”, lê-se no documento publicado no site da instituição. As declarações feitas à agência na sequência de uma notícia do PÚBLICO em que Pinto Ribeiro (Lisboa, 1956) confirmava ter pedido a demissão de funções devido a “um conjunto de episódios de autoritarismo tomados por alguns membros do Conselho de Administração”, precisavam que as “atitudes autoritárias” tinham partido do próprio presidente da fundação, Artur Santos Silva, e classificava-as como “inapropriadas numa sociedade livre e democrática". “O teor dessas declarações configura, para o Conselho, uma quebra de confiança institucional que inviabiliza o prosseguimento da relação como coordenador do Programa Gulbenkian Próximo Futuro”, diz ainda o comunicado. O documento não revela se a próxima edição do programa coordenado por Pinto Ribeiro desde 2009 irá ou não realizar-se. Contactada pelo PÚBLICO, Elisabete Caramelo, directora de comunicação da Gulbenkian, não acrescentou qualquer informação: “Por agora, não há mais nada para dizer além do que está no comunicado do Conselho de Administração. ”Prevista para arrancar a 18 de Junho, embora já lhe esteja associado um debate a 15 de Maio com três autores de BD, a edição do Próximo Futuro deverá terminar a 15 de Setembro, data em que o programador cultural contava deixar, em definitivo, de ser consultor da casa. “Devido aos compromissos assumidos com os participantes e à divulgação feita, pedi ao conselho de administração que autorizasse a próxima edição e o conselho autorizou. Saio no dia em que o Próximo Futuro acaba”, disse ao PÚBLICO na sexta-feira. Entre as “atitudes autoritárias” estaria – Pinto Ribeiro não o confirmou na altura – a ordem para que não se vendesse na livraria da fundação o álbum de BD Papá em África, do sul-africano Anton Kannemeyer (cidade do Cabo, 1967), um dos autores que a Gulbenkian deverá receber no debate de 15 de Maio (com Posy Simmomds e Marcelo D'Salete). Editado em Portugal pela Chili com Carne e classificado pelo crítico do PÚBLICO José Marmeleira como um livro ácido e feroz em histórias e imagens, Papá em África é uma crítica violenta ao colonialismo e à sociedade afrikaner em que o próprio Kannemeyer cresceu, mostrando o Tintin de Hergé, bastante mais velho, a abater animais e um africano negro. O programador cultural, que está em Paris na montagem de Modernidades: Fotografia Brasileira (1940-1964), exposição que já passou por Lisboa no Próximo Futuro, respondeu esta terça-feira às perguntas do PÚBLICO a meio da tarde e por email, confirmando que falou com Artur Santos Silva de manhã e que foi nessa ocasião que o presidente da Gulbenkian lhe perguntou se dissera à Lusa que ele tinha “tomado atitudes autoritárias”: “Respondi afirmando que o acto de ter censurado a venda do livro de Anton Kannemeyer Papá em África não podia deixar de ser considerado uma atitude autoritária (o livro foi posto à venda dois dias depois face às perguntas insistentes da comunicação social). ” A directora de comunicação da Gulbenkian explicou na sexta-feira que o livro fora apenas “retirado temporariamente para que se pudesse identificar que se trata de uma banda desenhada para adultos”. Perante a resposta, escreve ainda no email Pinto Ribeiro, Artur Santos Silva “considerou que tal lhe era ofensivo e que produzia uma quebra de confiança” entre os dois, sobretudo tendo em conta que o programador era colaborador da fundação. “Nenhuma outra questão me foi colocada”, acrescenta. “Acabo de ver no site da Gulbenkian que a fundação decidiu rescindir o contrato de consultor que tinha comigo há vários anos. ”Entretanto, Artur Santos Silva numa declaração enviada ao PÚBLICO, desmente que Pinto Ribeiro não tenha sido informado da sua saída na conversa que tiveram. “O Dr. António Pinto Ribeiro foi claramente informado esta manhã que a sua colaboração com a Fundação Gulbenkian cessaria imediatamente, a partir do momento em que confirmou o teor das suas declarações à Agência Lusa. O Dr. António Pinto Ribeiro não pode ter sabido da decisão pelo site da Fundação, uma vez que a sua saída lhe foi transmitida na conversa que o próprio refere ao PÚBLICO. ”SurpreendenteA notícia da sua saída, na sexta-feira, revelou-se uma surpresa porque, além da direcção do Programa Gulbenkian Próximo Futuro, a terminar no final de 2016, Pinto Ribeiro deveria vir a assumir o cargo de coordenador de todas as áreas da fundação com oferta artística, do museu ao Centro de Arte Moderna, passando pelo prestigiado serviço de música com o seu coro e orquestra, que gere o maior orçamento da casa no domínio da cultura. O anúncio de que Pinto Ribeiro viria a ser “coordenador-geral da programação” foi feito em Fevereiro pela própria Gulbenkian, salvaguardando, no entanto, a autonomia dos actuais directores dos serviços. Uma das razões que Pinto Ribeiro evocou no final da semana passada para se afastar foi precisamente uma divergência de opiniões em relação ao que a fundação esperava do seu novo coordenador-geral, defendendo que o conselho de administração queria apenas um “técnico de coordenação”, função para a qual garantia não estar disponível: “Não posso aceitar que, tendo sido convidado para este cargo, encontre já a maior parte da programação definida e, no caso das exposições, praticamente desenhada até Junho de 2017”, disse o programador, lembrando que, caso viesse a aceitar a nomeação, ela deveria produzir efeitos logo em 2016. Em negociações para assumir a coordenação-geral desde o Verão do ano passado, António Pinto Ribeiro fez ainda notar o “desencontro total” entre a sua visão e a do conselho de administração sobre o que deve ser a oferta cultural de uma instituição como a Gulbenkian que, na sua opinião, precisa de se inovar e de se internacionalizar. A fundação, defende, “não pode continuar a fazer uma programação fechada ao mundo, que não tem uma dimensão contemporânea”. O cargo de coordenador-geral, que António Pinto Ribeiro não chegou a assumir embora tenha sido anunciado como tal, é novo na estrutura da Gulbenkian. Ainda não é claro se a fundação tenciona substituí-lo ou se esta função desaparece com a saída do programador. Notícia actualizada às 17h30 e às 19h
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
É a primeira bolsa europeia para a história da cartografia. E vem para Portugal
Mais de um milhão de euros acabam de ser atribuídos a Joaquim Alves Gaspar pelo Conselho Europeu de Investigação, ou ERC. É uma das cobiçadas bolsas europeias, selo de qualidade. O dinheiro destina-se ao estudo de cartas náuticas antigas, usando métodos inovadores. (...)

É a primeira bolsa europeia para a história da cartografia. E vem para Portugal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.125
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais de um milhão de euros acabam de ser atribuídos a Joaquim Alves Gaspar pelo Conselho Europeu de Investigação, ou ERC. É uma das cobiçadas bolsas europeias, selo de qualidade. O dinheiro destina-se ao estudo de cartas náuticas antigas, usando métodos inovadores.
TEXTO: Joaquim Alves Gaspar tem uma história pessoal curiosa, como se tivesse tido uma vida antes e agora outra. Foi mesmo por aí – apresentando-se – que começou a exposição do seu projecto científico a um júri do Conselho Europeu de Investigação (ERC), em Bruxelas. “Sou comandante da Marinha Portuguesa, reformado ao fim de 36 anos de serviço. Além da actividade operacional, parte significativa da minha carreira foi dedicada a assuntos técnicos e científicos, nomeadamente no Instituto Hidrográfico português e na Escola Naval”, disse às 16 pessoas do júri que tinha à frente, em Junho. “Em 2002, reformei-me para começar uma carreira na investigação. ” A nova vida de Joaquim Alves Gaspar ganhou agora um estímulo de peso, ao ser-lhe atribuída a bolsa ERC a que se tinha candidatado – 1, 2 milhões de euros – para o estudo de cartas náuticas medievais e do Renascimento, ao longo de cinco anos. Tem agora 67 anos. Depois de passar à reserva em 2002 (para ser mais exacto), aos 53 anos, Joaquim Alves Gaspar quis estudar mais. Licenciado em ciências militares na Escola Naval, com um mestrado em oceanografia física pela Naval Postgraduate School em Monterey (nos EUA) e especializações em navegação, hidrografia e cartografia matemática, foi fazer, em 2004, uma pós-graduação em ciência e sistemas de informação geográfica na Universidade Nova de Lisboa, e ficou interessado pela história da cartografia. “Apercebi-me de que o estado da arte nos aspectos ligados à construção e ao uso de cartas náuticas antigas era extremamente pobre. Pior ainda, era afectado por graves concepções erradas originadas por não se terem em conta princípios essenciais de navegação e cartografia”, explicou aos membros do júri, a quem mostrou uma fotografia do navio militar onde foi navegador pela primeira vez, nos anos 70. E ainda que diferentes, e sucedendo-se, a vida anterior de Joaquim Alves Gaspar como oficial superior da Armada (é capitão-de-mar-e-guerra) e a nova vida como investigador têm pontos de contacto. Porque, antes de mais, o Instituto Hidrográfico é a instituição responsável por produzir as cartas náuticas dos dias de hoje, ainda que Joaquim Alves Gaspar não estivesse lá directamente ligado à sua produção (chefiou o Centro de Dados Oceanográficos e a Divisão de Navegação e comandou a frota de navios hidrográficos). E, também, porque a sua actividade profissional como navegador e comandante de navios lhe deu experiência no uso operacional das cartas náuticas e motivou-o para escrever dois livros sobre esse tema, Cartas e Projecções Cartográficas (2000) e Dicionário de Ciências Cartográficas (2004). “Sempre me interessei pela cartografia – em particular pela cartografia matemática [relativa aos aspectos ligados à concepção e construção das cartas] –, que está muito imbricada na navegação”, resume. A partir de 2006 passou do interesse pela história da cartografia para a investigação propriamente dita nesta área. Era como investigador que queria olhar para as cartas náuticas do passado, e a sua experiência de navegação era valiosa. “Esse foi o pecado capital dos historiadores do passado: olharam para as cartas náuticas antigas e não as entenderam”, nota. Entre 2006 e 2010, na Universidade Nova de Lisboa, dedicou-se então à sua tese de doutoramento Da carta-portulano do Mediterrâneo à carta de latitudes do Atlântico: Análise Cartométrica e Modelação. Para este trabalho, desenvolveu novas ferramentas de análise cartométrica e de modelação numérica e aplicou-as a cartas antigas. A seguir ao doutoramento, foi convidado para fazer parte do (agora) Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), no pólo na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Renascia agora como historiador da ciência. É aí que se mantém ainda hoje. A atribuição desta bolsa europeia tem alguns “inéditos”. “A nível internacional, é o primeiro projecto ERC especificamente dedicado à história da cartografia. Um dos seus objectivos é precisamente dinamizar a disciplina e colocá-la no âmbito mais geral da história da ciência, o que foi entendido pelo painel de avaliação”, sublinha. “A nível nacional, é o primeiro projecto da FCUL, em todas as áreas, aprovado pelo ERC”, prossegue Joaquim Alves Gaspar, que realça ainda dois aspectos da bolsa. “O efeito dinamizador que terá, desejavelmente, na FCUL e junto dos investigadores que se dedicam à história da cartografia. E o facto de este projecto colocar Portugal, e a cartografia portuguesa antiga, na primeira linha da investigação internacional. ”Para chegar a uma das bolsas ERC, criadas pela Comissão Europeia e sinónimo de financiamento milionário e selo de qualidade, Joaquim Alves Gaspar já teve de ter dado algumas provas. Ao júri, além da criação das “poderosas” ferramentas para o estudo de cartas antigas, o investigador mencionou alguns resultados da sua aplicação a cartas do início da modernidade, como os planisférios de Cantino (de 1502) e de Juan de la Cosa (de cerca de 1500). O que permitem então fazer essas ferramentas? “As ferramentas de análise cartométrica destinam-se a analisar a geometria das cartas, e o modelo numérico a simular a sua construção”, explica-nos. “A caracterização da geometria das cartas permite tirar conclusões sobre os métodos de construção, a sua exactidão e, em alguns casos, sobre a informação utilizada. Por exemplo, é possível identificar no planisfério de Cantino as missões de exploração que estiveram na base do desenho da costa de África”, especifica. “O modelo numérico baseia-se nas descrições das fontes textuais, que explicam como eram feitas as cartas, e usa informação de navegação (direcções, latitudes e distâncias) para simular a sua construção, tal como se fazia na época. ”Sobre o planisfério de Cantino, na entrada do dicionário de Joaquim Alves Gaspar sobre ciências cartográficas, podemos ler que é uma “carta elaborada por um cartógrafo português desconhecido, em 1502, e levada para Itália por um agente do duque de Ferrara, Alberto de Cantino”. Mais: “Trata-se da primeira carta antiga a reflectir as descobertas do fim do século XV no continente americano, separando-o claramente da Ásia, bem como a viagem de Vasco da Gama à Índia, muito embora esta última só viesse a ser publicamente divulgada em 1506”, escrevia o autor no seu dicionário de 2004. “É de realçar a notável exactidão com que a costa africana se encontra representada, indicação segura de que os resultados dos trabalhos hidrográficos, aí realizados pelos portugueses no final do século XV, foram utilizados. ”Ainda sobre o planisfério de Cantino, agora o investigador realça que a análise cartométrica já possibilitou “descobertas importantes”: “Por exemplo, toda a costa de África se baseia em observações astronómicas de latitude dos lugares. Provei que, de facto, esta carta foi baseada em observações astronómicas. É a carta de latitudes mais antiga que se conhece”, diz. “Ou que os erros cometidos pelo cartógrafo parecem negar a tese de que a carta foi copiada do padrão real, um modelo cartográfico de onde as outras cartas eram todas copiadas e que era melhorado à medida que chegavam novas informações das descobertas. ”Quanto ao planisfério de Juan de la Cosa, navegador espanhol que acompanhou Cristóvão Colombo nas suas viagens, a partir de 1492, essa é a carta que representa pela primeira vez a América. Neste caso, as Antilhas, onde Cristóvão Colombo tinha chegado em 1492. “Mostrei que o planisfério de Juan de la Cosa não se trata de uma carta de latitudes, como os historiadores espanhóis afirmavam. Mas que é uma carta baseada nos velhos métodos utilizados para fazer as cartas o Mediterrâneo – isto é, baseadas em rumos e distâncias estimadas. ”Além dos planisférios de Canino e de Juan de la Cosa, os novos métodos vão ser aplicados a um grande número de cartas náuticas, de vários períodos e origens, para se construir uma imagem histórica mais fina do nascimento, da evolução e do uso destas cartas entre os séculos XIII e XVI. Embora não tenha uma lista exacta, o historiador da ciência tenciona estudar à volta de uma centena (“a maior parte será analisada através das suas imagens digitais de alta resolução, e algumas, que estão em França, Itália, Alemanha, Estados Unidos ou Reino Unido, terão de ser analisadas in situ”). É provável que na lista venha a estar a carta náutica mais antiga que se conhece – a carta pisana (assim designada por ter sido encontrada na cidade de Pisa), do final do século XIII. Esta carta do Mediterrâneo e de parte da costa atlântica até à Flandres, em pergaminho, encontra-se em Paris, na Biblioteca Nacional de França. A data em que foi construída tem sido alvo de grande debate. Datações por radiocarbono recentes (as primeiras), por uma equipa da Biblioteca Nacional de França, ainda não resolveram o mistério de vez. Confirmou-se, ainda assim, que o animal (cabra ou ovelha) cuja pele serviu para fazer o pergaminho morreu por volta de 1230 a 1250. Mas a carta pisana terá sido construída mais tarde. “Ainda não é completamente claro, mas não pode ter sido feita antes de 1270, por razões históricas”, explica Joaquim Alves Gaspar. As razões históricas são a referência a uma cidade na carta – Palamós, em Espanha – que não existia antes de cerca de 1270. Seja como for, o hiato temporal entre a morte do animal e a construção da carta pisana continua a causar estranheza por não ter sido logo usado, visto que o pergaminho era um material caro. Outra das cartas a que Joaquim Alves Gaspar poderá “voltar” é a carta mais antiga conhecida com linhas a representar o magnetismo da Terra. Já a tinha estudado em conjunto com outro colega do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, o historiador Henrique Leitão. O que os dois descobriram foi precisamente que esta carta – feita pelo cartógrafo português Luís Teixeira, entre 1572 e 1592 – tem linhas isogónicas, que representam num local a declinação magnética (a diferença em graus entre o norte magnético e o norte geográfico). Ora a carta de Luís Teixeira (para uma zona do Pacífico) foi feita mais de um século antes da carta com linhas isogónicas de Edmund Halley (para o Atlântico, por volta de 1700), geralmente considerada na literatura científica a primeira do género. Em mau estado de preservação, a carta de Luís Teixeira está no Museu de Marinha, em Lisboa. Agora os 1, 2 milhões de euros da bolsa vão permitir criar um grupo de trabalho de sete pessoas dedicado às cartas náuticas antigas. A Joaquim Alves Gaspar, o investigador principal do projecto, juntar-se-á Henrique Leitão como investigador sénior e irão recrutar-se outros quatro investigadores e um gestor de projecto. “Espero cativar pessoas multidisciplinares”, diz Joaquim Alves Gaspar. Até porque ele próprio esteve durante dois anos a aprender latim, para poder ler muitas das fontes históricas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além dos métodos cartométricos e de modelação numérica, complementados com os métodos tradicionais de investigação histórica, no projecto irão submeter-se as cartas náuticas a análises multiespectrais. A ideia é ver o que está por baixo do que é visível aos nossos olhos: “Para saber se um pergaminho, que era caro, é um palimpsesto: se já tinha sido usado antes, foi raspado e usado outra vez. Saber o que está debaixo da sujidade. E ver as marcas de construção ou uso de uma carta. ”No comentário ao projecto, o painel de avaliação considerou-o “de grande importância” e “altamente inovador”, dizendo que poderá contribuir não só para a investigação da construção de mapas mas também para a própria história da ciência e do conhecimento. Em resultado desta avaliação, aos 67 anos Joaquim Alves Gaspar vai ter uma bolsa que costuma ser atribuída a jovens investigadores, doutorados no máximo há sete anos, para criarem o seu grupo de investigação (uma starting grant, ou subvenção de arranque). Assim começa uma nova etapa da vida de Joaquim Alves Gaspar. “Estou radiante. Mas, ao mesmo tempo, sinto o peso da responsabilidade. ”
REFERÊNCIAS:
Documentos internos do Facebook revelam inconsistências no tratamento de temas sensíveis
Os moderadores da rede social são submetidos a grande pressão. Em média, têm dez segundos para decidir se retiram ou não conteúdos problemáticos. (...)

Documentos internos do Facebook revelam inconsistências no tratamento de temas sensíveis
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DATA: 2017-05-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os moderadores da rede social são submetidos a grande pressão. Em média, têm dez segundos para decidir se retiram ou não conteúdos problemáticos.
TEXTO: Como é que o Facebook gere temas sensíveis como a violência, o discurso de ódio, a pornografia, o terrorismo, o racismo ou a automutilação? O jornal britânico The Guardian analisou mais de 100 manuais internos da rede social, entre tabelas e organogramas, para tentar responder a essas perguntas e concluiu que existem incongruências nas directivas e muita dificuldade da parte dos moderadores em decidir no momento, perante o volume de trabalho a que são submetidos. Os moderadores – que decidem o que continua publicado – têm apenas dez segundos, em média, para tomar a decisão de retirar ou não conteúdos, perante critérios que nem sempre são claros e coerentes. Com quase dois mil milhões de utilizadores, o Facebook permite, por exemplo, que sejam transmitidas ao vivo tentativas de automutilação, com a justificação que não quer censurar ou punir pessoas que já estão em perigo. Quanto a vídeos de mortes violentas, é proclamado que nem sempre têm de ser apagados. O princípio defendido é o de que essas imagens podem ser perturbadoras, mas também podem ajudar a criar consciência sobre esses temas, devendo os adultos ter a possibilidade de escolher vê-las. Estes pressupostos surgem na investigação do The Guardian, numa altura em que o Facebook se encontra sob pressão dos órgãos reguladores europeus e norte-americanos, e por defensores da liberdade de expressão e críticos da rede social, que solicitam à empresa maior transparência e clareza. A maneira de lidar com as fronteiras entre violência credível ou ameaças genéricas não dirigidas a ninguém em particular, por exemplo, nem sempre é clara. Se alguém escrever “matem Trump” isso pode ser lido como uma incitação à violência e deve ser apagado, por se tratar “de um chefe de Estado” e de se encontrar, por essa razão, numa categoria protegida. Mas se a frase for “espero que alguém te mate”, a mesma não será tida como uma ameaça. Da mesma maneira, alusões genéricas como “vai-te lixar e morre” são permitidas. Fotografias ou outras imagens de abusos de crianças nem sempre são apagadas com o argumento de que podem ajudar a identificar e a socorrer as vítimas. O mesmo pode suceder com vídeos de mortes violentas, fotos de abuso a animais, vídeos de abortos ou de bullying. Apesar de marcadas com um aviso de conteúdo “perturbador”, essas imagens não são necessariamente apagadas, a não ser que tenham uma intenção sádica ou laudatória. A nudez ou a pornografia são também analisadas, com os vídeos colocados por vingança a terem de reunir três condições para serem retirados de imediato – serem privados, mostrarem nus totais ou parciais e revelarem pessoas em actos sexuais. Em paralelo às directrizes reveladas pelo Guardian, existe o problema do controlo da enorme quantidade de conteúdos. Fontes da empresa disseram ao jornal que o Facebook cresceu demais e que “não consegue manter o controlo” de tudo o que é publicado na rede social, salientando que os moderadores operam sob pressão. A empresa, através de Monika Bickert, responsável pelas políticas de utilização do Facebook, ripostou que não são uma companhia tradicional, argumentando que a empresa se sente responsável pela forma como a tecnologia que cria é utilizada. No entanto, ressalvou: “Não escrevemos as notícias que são lidas na plataforma”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência racismo social abuso
Malta, um recanto no Mediterrâneo
O leitor Helder Taveira partilha a sua experiência pelo arquipélago. (...)

Malta, um recanto no Mediterrâneo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O leitor Helder Taveira partilha a sua experiência pelo arquipélago.
TEXTO: A viagem a Malta, que se estendeu às ilhas de Gozo e Comino, surpreendeu-nos de forma muito positiva, quer pela diversidade da paisagem, quer pelo património cultural. Malta é um pequeno país mediterrânico, com apenas 360 km2, e que se situa entre a costa da Sicília e a 290 km da Tunísia no continente africano. Com um clima mediterrânico e gente simpática, foi uma agradável surpresa. Sempre presente a influência que sobre essas ilhas exerceu a Ordem dos Templários, mais conhecida como a Ordem de Malta, ninguém fica indiferente ao rico património arquitectónico das ilhas. Malta tem uma cultura riquíssima graças às ocupações árabes, francesas, italianas e inglesas. Tem cerca de 7000 anos de história. Foi colonizada pelos fenícios em 800 a. C. , pelos cartagineses em 480 a. C. , romanos em 218 a. C. Em 1530 chegaram os Cavaleiros de São João, ordem religiosa e militar pertencente à igreja católica, que ficaram conhecidos como Templários que tiveram aí grande influência. Napoleão conquistou Malta àquela ordem religiosa e depois perdeu-a para os ingleses, que a tornaram numa colónia até 1964. O nome Malta tem origem na palavra Malet, que significa abrigo, ou seja, era um porto seguro para o comércio fenício. Sinal de boa sorte, ainda hoje, no belo porto de Marsaxlokk, são visíveis nos barcos de pesca, pintados na proa, uns olhos grandes e rasgados. Neste simpático porto piscatório, podemos encontrar um mercado e restaurantes que servem o que é considerado o melhor peixe da ilha. No ano de 60 d. C. o barco do Apóstolo São Paulo naufraga na ilha e esta converte-se ao cristianismo. Seguiu-se o domínio bizantino, os árabes e o islamismo e a sua influência na língua maltesa. Agradável também em termos de temperatura, com clima mediterrânico temperado. Cenário de muitos filmes, desde logo a Guerra dos Tronos, passando pelo Gladiador com Russel Crowe ou Troia, com Brad Pitt. Podemos ainda visitar a aldeia construída como cenário para o filme Popeye. Localizada na ilha de Malta, a Popeye Village foi criada inicialmente com a ideia de ser cenário do filme de 1980. O local acabou por se tornar residência para algumas pessoas, e hoje, 30 anos depois, é uma vila e um ponto turístico no Sul da ilha. La Valetta é um encanto. Património Mundial da UNESCO desde 1980, é uma capital cheia de história e belos monumentos de vários estilos arquitectónicos e onde é visível em cada canto a influência da Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, aqui chegada em 1530. Capital Europeia da Cultura 2018, a cidade está cheia de cores e obras de arte espalhadas pelas ruas. Belos palacetes que foram pertença de famílias nobres. O porto acolhedor e que inspira segurança aos muitos cruzeiros que cruzam o Mediterrâneo e que por aqui atracam. Em termos arquitectónicos, não há nada mais típico em Malta que o inconfundível balcão maltês. Diz-se que o primeiro exemplar terá sido instalado no Palácio do Grão-Mestre, popularizando-se a partir daí o seu uso, mas ainda há dúvidas sobre a sua origem, sendo possivelmente o resultado da influência dos inúmeros escravos de origem turca que por aqui viveram. Ninguém melhor que Eça de Queiroz a descreveu, quando por aí passou a caminho do Egipto, onde iria assistir à inauguração do Canal de Suez, em Novembro de 1869. “As paredes brancas, claras, imensas, desenhando linhas severas de muralhas, têm um aspecto misterioso, e fazem pensar ao mesmo tempo no Oriente e na Renascença Veneziana. Grandes balcões envidraçados e salientes dão às ruas um perfil pitoresco. De ambos os lados erguem-se casas enormes, de fisionomia altiva e impenetrável, longas arcadas misteriosas, terraços sucessivos, fragmentos de esculturas, detalhes admiráveis que parecem italianos pelo mistério e orientais pela fantasia. Todo aquele mundo pitoresco e bárbaro nos trazia à memória os seus cavaleiros brancos, altivos, trazendo a cruz vermelha ao peito. ”A ilha de Gozo, com a sua cidadela, transporta-nos para outros tempos e merece sem dúvida uma visita. A famosa Janela Azul, arco de rocha com vista para o mar, muito embora já não exista por se ter desmoronado, continua a ser o “ex-líbris” da ilha, aparecendo em todos os guias turísticos, enganando assim os menos atentos, que ainda se deslocam a Gozo com intenção de a ver. O coração de Gozo é a cidadela, no topo da colina que ganhou importância na Idade Média, sendo já ocupada por povos pré-históricos. Circundada por muralhas datadas do século XV e que foram construídas pelos fenícios. Os ferryboats que diariamente fazem a travessia tornam a ilha acessível. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A ilha de Comino, com apenas cerca de 3km2, é um lugar que não poderemos deixar de visitar, quanto mais não seja pela beleza da lagoa Azul, cenário de alguns filmes. A viagem a Malta foi curta, mas proveitosa. Ficamos com a sensação que muito ficou ainda por ver e será um local onde, certamente, voltaremos. Helder Taveira, com Luísa Matos e Sara Grácio
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo Islamismo
Coltrane sem fim
Both Directions at Once é um acontecimento. Documentando uma sessão de estúdio de John Coltrane e o seu quarteto clássico em 1963, traz a lume música nova de um dos maiores músicos da história do jazz — e mais além. “Álbum perdido”, convida à redescoberta e discussão de uma obra fundamental. (...)

Coltrane sem fim
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-07-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Both Directions at Once é um acontecimento. Documentando uma sessão de estúdio de John Coltrane e o seu quarteto clássico em 1963, traz a lume música nova de um dos maiores músicos da história do jazz — e mais além. “Álbum perdido”, convida à redescoberta e discussão de uma obra fundamental.
TEXTO: Uma semana após a entrada de Kamasi Washington para o top 20 norte-americano, um “novo álbum” de John Coltrane havia de seguir-lhe as pisadas, lançando nalguns meios um debate mascarado de euforia em torno de uma possível ascensão do jazz às grandes preferências populares. Como se o jazz que alimentou tantos dos samples dos discos históricos do hip-hop recebesse agora, passados 40 anos, o pagamento desse contributo para uma cultura musical que galgou a condição de marginal para se instalar no centro da cultura popular. Kamasi, filho distante de Coltrane, navegando como o saxofone por entre r&b e hip-hop, abrindo o caminho para uma correcção histórica. Both Directions at Once, um daqueles álbuns perdidos com que a indústria gosta de agitar o mercado e engrossar a mitologia da música, resulta de uma sessão de gravação em 1963 durante a qual Coltrane capitaneou o seu quarteto clássico – em que se incluíam McCoy Tyner, Elvin Jones e Jimmy Garrison – no estúdio de Rudy Van Gelder. Na véspera de voltarem ao local do crime para registarem o disco de parceria com o cantor Johnny Hartman e com o final da sessão ditado pela actuação nessa mesma noite no Birdland, esta que é uma das formações mais relevantes e revolucionárias da história do jazz passou para fita sete temas que poderiam muito bem ter conhecido a luz enquanto álbum oficial da discografia de Coltrane. Só agora, no entanto, passados 55 anos sobre essa data, a Impulse! edita essa sessão que ficara a pairar no tempo. Com um perfil muito menos bombástico e excêntrico do que Miles Davis e sem a aura trágica de Chet Baker, Coltrane nunca atraiu estúdios de cinema nem serviu de íman a histórias escabrosas que pudessem mitificá-lo para lá da música. Em vez disso, crucial que foi na experimentação que o levou a saltar de intérprete de melodias como My favorite things para o escavador espiritual de álbuns como A Love Supreme ou Ascension, Coltrane foi sempre um músicos dos músicos. Para Stuart Broomer, crítico canadiano e autor do livro Time and Anthony Braxton e co-autor de Partidas/Chegadas: Novos Horizontes no Jazz, os pouco habituais números de vendas de Both Directions at Once “sublinham a necessidade de figuras criativas icónicas no jazz numa altura em que o ‘negócio’ se foca num easy listening ‘sofisticado’, enquanto as energias criativas da música improvisada – em parte o legado de John Coltrane – se encontra fora do mercado”. E Broomer realça as gravações com Hartman e Duke Ellington (1962) como exemplo do músico mais mainstream que a Impulse! queria editar, enquanto Both Directions “reflecte um Coltrane que a própria editora estaria pouco interessada em tentar vender”. O difícil nestes casos pode ser escutar com os ouvidos impolutos, alheados de todo o circo montado à volta de lançamentos desta dimensão – e cujo sucesso de vendas, acredita-se, terá até surpreendido a própria Impulse! Shabaka Hutchings, saxofonista essencial numa nova cena do jazz inglês e ligado aos projectos Sons of Kemet ou The Comet Is Coming, diz ao Ípsilon que, apesar de sentir num primeiro contacto que este será “um grande álbum de Coltrane”, quer deixar o disco para audições futuras. “É o tipo de disco em que não quero entrar no hype e dizer que muda vidas só porque toda a gente o está a dizer – mesmo que me pareça que tem muito para oferecer. ”Se Hutchings afina pela opinião daqueles que identificam em Both Directions at Once a pista de uma fase de transição, em que Coltrane levanta o véu sobre as evasões espirituais e quase libertárias que se seguirão, o saxofonista português Ricardo Toscano, assumido devedor do percuso de Coltrane, defende um corte com essa corrente. “Não sinto que seja tão revelador quanto muita malta diz”, contrapõe. “Claro que soa muito bem, mas acho que eles estão mesmo a experimentar ideias, não me parece que haja uma ideia de produto final. ”Rui Eduardo Paes (REP), crítico e editor da revista online Jazz. pt, reforça essa desconfiança ao defender que este é “um grande disco, mesmo sabendo que, muito provavelmente, estas gravações não se destinavam a ser reunidas num mesmo álbum”. As suas suspeitas têm por fundamento as várias sessões diferentes a que Coltrane recorria neste período para compor alguns dos seus álbuns, o que “torna mais compreensível o facto de o próprio John Coltrane, o seu produtor Rudy Van Gelder e a editora se terem esquecido das mesmas”. Encaixado nesta semana em que se encontra entre o disco com Hartman e o desenvolvimento do som expansionista do quarteto no palco do Birldand, o título Both Directions at Once, analisa REP, parece colocar esta música num limbo entre passado e futuro, “uma espécie de transição entre fases”, mesmo que a expressão seja, afinal, uma citação de Coltrane sobre como a improvisação se assemelha a saltar para um comboio em andamento, com a noção de que há um antes e um depois. Para Broomer, alias, não são duas direcções em simultâneo que estão presente no quarteto, mas muitas outras, em resultado de “a partir do final dos anos 50 o jazz se encontrar num período de desenvolvimento criativo dos seus recursos e do significado social, virando-se para diferentes formas de blues, gospel, protesto social e experimentação”. No entanto, o álbum vai buscar o nome à imagem clarividente do papel da improvisação, uma qualidade de Coltrane que o saxofonista Rodrigo Amado destaca na sua ligação à música do saxofonista: o “arco narrativo” esboçado em cada solo. Incapaz de “imaginar um som de tenor mais perfeito do que este”, Amado destaca no músico um rigor e uma consistência raros que fazem com que possa soar menos visceral do que, por exemplo, Pharoah Sanders – e comparando os registos de ambos em Ascension – mas em que a força da sua improvisação é construída a partir dessa estrutura narrativa a que se agarra e desbasta sem perder o fio à meada. Ainda assim, acredita Shabaka Hutchings, este é um disco nascido de um momento de “encruzilhada”. “Há uma noção forte de onde estes músicos vêm e este é mesmo o período em que Coltrane começa a olhar para o futuro. ” Ou seja, um dos méritos de Both Directions at Once será o de uma fotografia: congelar um momento de ebulição, de uma procura que, nos anos imediatamente seguintes, há-de germinar em colossos musicais como Crescent e A Love Supreme. Amado defende a documentação em disco estes processos. E dá como exemplo as gravações completas da última digressão do primeiro quinteto de Miles Davis, de que Coltrane fez parte. Se há quem advogue que a crescente incompatibilidade entre os dois se tornou de tal forma gritante que a música se tornou bicéfala, perdendo o seu centro, Rodrigo confessa-se fascinado por “sentir dois dos maiores gigantes do jazz em palco e perceber aquela força incontrolável que o Coltrane tinha para experimentar e ir à procura de coisas novas, porque já não lhe chegava a mestria que tinha atingido com aquele quinteto”. Daí que se perceba, garante, o quanto naqueles concertos Coltrane faz por irritar Miles Davis, ao criar constante pontos de tensão. Não haverá em Both Directions at Once um carácter revolucionário. A sua força maior será o facto de proporcionar um reencontro com a música expansionista de John Coltrane através de gravações cuja existência era desconhecida. Tanto Ingrid Laubrock como Ricardo Toscano dizem que, após um par de escutas, encontram nesta edição uma revelação mais contida do que em outros casos recentes. “Claro que é entusiasmante ouvir uma nova gravação do Coltrane vir a público, mas não me arrasou como quando desenterraram One Down, One Up [2005] pela primeira vez”, diz a saxofonista, por estes dias em digressão ibérica do álbum de Sara Serpa Close Up. Entre ouvir e não ouvir Both Directions, Toscano prefere claramente a primeira opção, mas não lhe encontra o mesmo efeito “revelador” de Offerings – Live at Temple University, gravação de Novembro de 1966 (Coltrane morreu em Julho de 67), à frente de um quinteto que inclui Alice Coltrane, Pharoah Sanders, Rashied Ali e Sonny Johnson. Editado em 2014, Offerings documenta “aquele período final em que ele estava já muito doente, cheio de dores e em sofrimento, e a forma como o Coltrane está a tocar nesse momento é mesmo especial”, defende Toscano. Rodrigo Amado concorda que se no lugar de Both Directions at Once estivesse uma gravação do período final do músico a relevância em discussão seria seguramente diferente. Porque Coltrane dá um salto evolutivo inimaginável a partir de 1963, empurrando a sua música para limites cada vez mais pessoais e criadores de um novo padrão daquilo que o jazz podia comportar. Tyshawn Sorey, baterista, compositor e um dos mais vitais novos nomes do jazz norte-americano, recorda ao Ípsilon o quanto muita gente com quem se cruzou no liceu ficou “chocada com a fase final do Coltrane, por não terem conhecimento completo da história daquilo que ele fez e contribuiu para esta nova forma de pensar a música”. REP lembra-se do “murro no estômago” quando na sua infância, em Moçambique, o pai pôs a tocar Ascension. “Era música caótica, desmesurada, mas fazia um estranho sentido. Não sabíamos miuto bem o que pensar daquilo e fomos repetindo audições. ”Saltar de Blue Train para Ascension pode ser um passo em falso, desamparado. Mas é a consequência natural para alguém que “permitiu que os músicos pudessem superar-se e arrasar os seus próprios clichés”, diz Sorey. “Foi o Coltrane quem estableceu um modelo de encontrar uma nova forma em tudo e elevou a fasquia. Foi uma pessoa que transcendeu a forma como fazemos e escutamos música. Com o quarteto, foi o principal responsável por criar uma dinâmica a que todos devíamos aspirar e que passa por ouvir profundamente o que os outros estão a tocar. ”Essa herança aspiracional é também uma das marcas mais fortes da obra de Trane no entendimento de Rodrigo Amado. “Como é possível o mesmo músico ter chegado, em campos quase opostos – na fase inicial, com o Miles Davis e em discos como Blue Train ou My Favorite Things, e na fase tardia dentro de um jazz totalmente livre e de vanguarda, em Meditations ou Interstellar Space – a um nível máximo? É importante dar a ver a todos os músicos que hoje estudam be bop e hard bop ou que trabalham na improvisação livre que se pode atravessar para o outro lado e experimentar, nada é imutável. ”A riqueza de ensinamentos a retirar da obra e da postura de Coltrane é tão ampla que se torna evidente o lastro deixado na música que se lhe seguiu. DJ Johnny, fundador do colectivo Cooltrain Crew e cruzador de jazz e tantas outras linguagens nos seus DJ sets, afirma que mesmo quando não inclui temas de Trane nos seus alinhamento o seu espírito está sempre presente – e exemplifica com as suas escolhas do reportório de Kamasi Washington, destacando também a abertura do saxofonista à inclusão da música indiana na sua cartografia pessoal “levando o pensamento do jazz, que já incluía a música africana, para um outro patamar”. As técnicas de improvisação não-ocidental foram fundamentais para Tyshawn Sorey enquanto farol não apenas musical mas também para lhe despertar a curiosidade pelo budismo ou pelos contextos culturais na origem desses diferentes sistemas. O baterista gosta de escutar a discografia de Coltrane acompanhando a sua evolução e recorda-se do ritual que seguiu na primeira audição de Offerings, quando desligou todas as luzes na sala e se deixou ligar àquela “fonte de energia” ao longo de duas horas – algo semelhante à sacralização da escuta que DJ Johnny pretende levar a cabo com Both Directions at Once. O que Sorey descobriu nesse processo foi a “noção de que ele não está a tocar temas individuais, mas sim uma longa peça de música”. Shabaka Hutchings regressa com frequência a Coltrane por diferentes razões – “para escutar aquilo que tecnicamente se pode fazer com o saxofone, por motivos emocionais de perceber como alguém se pode superar e transcender o instrumento ou períodos em que quis observar a sua progressão ao longo de seis ou sete anos” –, enquanto Ingrid Laubrock admite ter obcecado com vários álbuns em diferentes períodos da sua vida, regressando invariavelmente a Crescent. “É um ábum com sentido de exploração e um profundo entendimento dos músicos daquilo que todos os outros estão a tocar. ” O mergulho imersivo que fez em Crescent e noutros álbuns, transcrevendo e memorizando solos de Coltrane, levaria a saxofonista a uma medida de emergência ao obrigar-se a escutar outros músicos para aplacar a sua dependência de Coltrane – alguém que, na verdade, “acaba por ter uma inspiração mais correcta como licença para explorarmos o que somos realmente ‘nós’ no meio de tudo o resto”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Poucas formações podem reclamar o mesmo alcance artístico do que o quarteto de John Coltrane. Tyshawn Sorey acredita que se o saxofonista não tivesse juntado estes quatro músicos “talvez nunca tivéssemos escutado música assim”. Rodrigo Amado assina por baixo e acrescenta que “a empatia que existia entre o Elvin Jones e o Jimmy Garrison forma uma secção rítmica inultrapassável” e chama a atenção para “o trabalho que McCoy Tyner fez no quarteto e que o coloca na história do jazz, algo que nem de perto atingiu com as suas próprias formações”. Talvez porque havia, sob a liderança de Coltrane, um incomparável patamar espiritual, talvez porque, como propõe Ricardo Toscano, “a sensação é que de estão sempre a tocar pela vida, como se o mundo fosse acabar no dia seguinte, como se estivessem a salvar o mundo – e, de certa forma, estavam”. O certo é que Both Directions at Once coloca de novo o nome e a música de John Coltrane no centro da discussão musical. Amado acredita que estamos ainda “em processo de descoberta e avaliação” da sua música. E talvez nunca deixemos de estar. Porque aquilo que Coltrane nos deixou – com mais ou menos acrescentos à sua discografia que ainda possam vir a existir – estará sempre na fronteira do insondável. Tão inspirador quanto inatingível. E isso não pode ter fim.
REFERÊNCIAS:
Sequenciado genoma do Homo sapiens mais antigo de sempre
ADN fóssil de homem da Idade da Pedra permitiu estimar melhor quando é que a nossa espécie se misturou com os neandertais. (...)

Sequenciado genoma do Homo sapiens mais antigo de sempre
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DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: ADN fóssil de homem da Idade da Pedra permitiu estimar melhor quando é que a nossa espécie se misturou com os neandertais.
TEXTO: O ADN contido no fémur do mais antigo fóssil de humano moderno até agora datado com certeza acaba de ser sequenciado por uma equipa internacional de cientistas. Os resultados foram publicados esta quarta-feira na revista Nature. A descoberta do fémur foi invulgar, relata na mesma edição da revista britânica o jornalista Ewen Callaway. Foi por mero acaso que, em 2008, Nikolai Peristov (co-autor do trabalho) – um artista russo que fazia jóias talhadas em marfim de mamute – o encontrou espetado no solo das margens do rio Irtiche, perto da localidade de Ust’-Ishim, na Sibéria Ocidental. Peristov mostrou-o a um cientista forense da polícia, que o identificou como sendo provavelmente humano. O fémur acabou por ir parar ao laboratório de Svante Pääbo, no Instituto Max Planck de Leipzig (Alemanha), cuja equipa já é conhecida pela sequenciação de ADN muito antigos, como o dos neandertais. E quando os cientistas efectuaram a sua datação directa por radiocarbono, descobriram que tinha cerca de 45. 000 anos. Ou seja, o osso provinha de um indivíduo que vivera mais ou menos na altura da grande expansão dos humanos modernos por toda Eurásia. E tornava-se assim o mais antigo fóssil da nossa espécie a ter sido directamente datado. A seguir, os cientistas conseguiram sequenciar a totalidade do ADN do contido no fóssil com a mesma precisão do que se do genoma de uma pessoa actual se tratasse. E quando compararam esse genoma antigo (que revelou ser do sexo masculino) com os de cerca de 50 populações humanas actuais, descobriram que esse homem era geneticamente mais próximo das populações não africanas de hoje do que dos africanos actuais. Isso mostra, explica em comunicado o Instituto Max Planck, “que se trata de um dos primeiros representantes dos humanos modernos que saíram de África”. Por outro lado, a comparação do genoma do homem de Ust’-Ishim com o de ADN fósseis de populações que viveram durante a Idade da Pedra na Eurásia Ocidental e Oriental mostrou que ele era um “parente” igualmente próximo dessas populações. Isto significa, segundo os cientistas, que o homem de Ust’-Ishim terá vivido um pouco antes (ou na mesma altura) de os antepassados das populações actuais da Europa e da Ásia Central (que vieram de África via o Médio Oriente) enveredarem por caminhos separados, à conquista do mundo. É possível “que o homem de Ust’-Ishim tenha pertencido a uma população dos primeiros homens modernos a migrar para a Europa e a Ásia Central, mas que não deixou descendentes nas populações actuais”, diz o co-autor Jean-Jacques Hublin no mesmo comunicado. Os cientistas quiseram ainda estimar a quantidade de ADN de neandertal presente no ADN do homem de Ust’-Ishim, uma vez que ele terá vivido numa altura em que os neandertais ainda não se tinham extinto. E aí, descobriram que o genoma desse homem antigo tinha uma percentagem de origem neandertal equivalente à dos europeus actuais: cerca de 2%. Porém, dada a sua antiguidade, os fragmentos de ADN de neandertal eram muito mais compridos do que no ADN humano de hoje, porque o ADN ainda não tinha tido tempo de se fragmentar ao longo das gerações. Mais precisamente, diz a co-autora Janet Kelso, “isso permitiu-nos estimar que os antepassados do homem de Ust’-Ishim se misturaram com os neandertais entre 7000 e 13. 000 anos antes dele nascer”. Até agora, os cálculos apontavam para essa mistura genética ter acontecido há 37. 000 a 86. 000 anos. Agora, esse intervalo ficou mais estreito: o homem moderno e os neandertais terão procriado há 50. 000 a 60. 000 anos – ou seja, quase na mesma altura em que se deu a grande expansão dos humanos modernos na Eurásia.
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Palavras-chave homens humanos homem sexo espécie marfim
Antropoceno: E se formos os últimos seres vivos a alterar a Terra?
A pegada ecológica gigante que estamos a deixar no planeta está a transformá-lo de tal forma que os especialistas consideram que já entrámos numa nova época geológica, o Antropoceno. E muitos defendem que, se não travarmos a crise ambiental, mais rapidamente transformaremos a Terra em Vénus do que iremos a Marte. (...)

Antropoceno: E se formos os últimos seres vivos a alterar a Terra?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: A pegada ecológica gigante que estamos a deixar no planeta está a transformá-lo de tal forma que os especialistas consideram que já entrámos numa nova época geológica, o Antropoceno. E muitos defendem que, se não travarmos a crise ambiental, mais rapidamente transformaremos a Terra em Vénus do que iremos a Marte.
TEXTO: “Querido diário”, é assim – costuma dizer-se – que as histórias de todos os diários começam. E é assim, também, que acontece com uma página ficcionada do que seria o diário de um tal Peter Schlemihl viajante no tempo. Imagine-se então esse personagem do século XIX, de um romance do botânico e escritor Adelbert von Chamisso, num bairro de Berlim do século XXI. Um futuro-presente habitado pelo que parecem ser – aos olhos de um naturalista de há dois séculos – estranhas espécies zoológicas, nunca antes vistas. Carros, bicicletas e helicópteros reconhecidos, respectivamente, como rinocerontes metálicos, perigosos cavalos selvagens e insectos gigantes. É desta forma que se fantasiou um mundo em que o que é natural e o que é artefacto se mistura: um exercício que decorreu num seminário sobre o Antropoceno, essa época geológica – sem estatuto oficial – de que agora muito se fala e que representa o impacto que a humanidade tem na transformação da Terra. Foi o ano passado que Maria Paula Diogo e Ana Simões – ambas coordenadoras do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT) –, bem como investigadores internacionais, se colocaram no lugar de um Peter Schlemihl viajante no tempo. “Como interpretaria ele objectos desconhecidos, por exemplo um saco de plástico pendurado numa árvore?”, pergunta ao PÚBLICO Maria Paula Diogo, também da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. A resposta está no diário que a equipa concebeu no ano passado no âmbito do “Anthropocene Curriculum”, um projecto educacional de debate sobre o Antropoceno promovido, desde 2014, pelo Instituto Max Planck para a História da Ciência, em Berlim, Alemanha. “Exploro o desconhecido, e cedo compreendo que muitas espécies habitam este surpreendente novo mundo”, afirma nesse diário o imaginário Peter Schlemihl. E, com os seus “olhos de botânico”, tenta classificar o que vê: chama Metalica rhinoceros aos carros, comparando-os a rinocerontes, e Mosca majora a um helicóptero, que lhe parece um “enorme e rápido insecto voador”. E as bicicletas são Metalica hippos, descritos como “rebanhos de uma nova espécie de cavalos selvagens”, que, acrescenta, “são provavelmente perigosos, pois estão frequentemente algemados [com cadeados]. ”Esta nova forma de olhar para os objectos modernos é, explicam as investigadoras portuguesas, uma reflexão sobre o “borrão” em que o Antropoceno transformou o mundo: “O que é realmente natural num mundo profundamente moldado pela humanidade e, ao mesmo tempo, adaptado à tecnologia?”, perguntam na esperança de que alguém se junte a elas num debate que consideram urgente. A expressão “Antropoceno” é atribuída ao químico e prémio Nobel Paul Crutzen, que a propôs durante uma conferência em 2000, ao mesmo tempo que anunciou o fim do Holoceno – a época geológica em que os seres humanos se encontram há cerca de 12 mil anos, segundo a União Internacional das Ciências Geológicas (UICG), a entidade que define as unidades de tempo geológicas. “Ainda é uma discussão em curso entre os geólogos”, explica ao PÚBLICO Jürgen Renn, director do Instituto Max Planck para a História da Ciência, que esteve em Portugal como o primeiro orador de um novo ciclo de palestras do CIUHCT. “Nas humanidades e na política, [o Antropoceno] já é um termo reconhecido”, acrescenta o historiador de ciência. E de tal forma que tem inspirado não só palestras, mas também conferências, artigos, performances e o já referido “Anthropocene Curriculum” e os seus encontros sobre o Antropoceno. Esta colaboração entre o Instituto Max Planck e a Casa das Culturas do Mundo, em Berlim, tem até impulsionado outros encontros, por exemplo em Filadélfia, onde o CIUHCT participou em Outubro último como co-organizador. Mas o que é exactamente o Antropoceno e por que está a receber tanta atenção? É, como o nome antecipa, a época dos humanos. A nossa espécie está a deixar marcas na Terra. Estamos a falar de fenómenos registados em gráficos como a curva de Keeling – que mostra a concentração de dióxido de carbono na atmosfera terrestre – e que, em 2016, atingiu um valor recorde (403 partes por milhão, ou seja por cada milhão de moléculas na atmosfera há agora 403 de dióxido de carbono). Ou como os microplásticos nos oceanos, que não só prejudicam os ecossistemas marinhos como acabam, a certa altura, no nosso prato – numa demonstração de como o feitiço se pode virar contra o feiticeiro. “Não é que, conscientemente, nós quiséssemos destruir o planeta. São consequências não intencionais, mas estamos a fazê-lo. E sabemos que o estamos a fazer”, frisa Jürgen Renn, que dá exemplos: “Com o aumento dos gases com efeito de estufa, a transformação da superfície da Terra [com o degelo ou a acidificação dos oceanos], a perda de biodiversidade…”Foi para identificar esses marcadores que a Comissão Internacional de Estratigrafia da UICG criou o Grupo de Trabalho do Antropoceno – a estratigrafia é o ramo da geologia que estuda as camadas das rochas para determinar os processos e fenómenos que as formaram. E os cientistas estão a tentar encontrar as marcas estratigráficas deixadas pelas actividades humanas. Essas marcas têm de representar uma mudança em todo o mundo, mas também estar associadas a uma data. “Estão a discutir quando é que [o Antropoceno] começou. Se com a revolução industrial ou com a ‘grande aceleração’ [do desenvolvimento económico e social] do pós-guerra, a partir de 1950”, esclarece Jürgen Renn. Mas as hipóteses que enumera são apenas exemplos das muitas datas em discussão. O início da agricultura, por exemplo, ou o primeiro teste nuclear, a que se seguiram as bombas nas cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui, também estão em cima da mesa. Por outro lado, há quem defenda que é muito cedo para aferir o impacto humano, até porque – consideram – qualquer que seja está apenas a começar. Não é o caso de Jürgen Renn, que declara ser urgente documentar o Antropoceno. “Estamos a lidar com materiais novos. Com betão, com plástico, que são novos tipos de sedimentos. Mas tem de ser feito”, afirma. E acrescenta que, contudo, não é a definição da época geológica que resolve o problema. “Para os historiadores, não é propriamente muito importante descobrir o ponto exacto em que começou o Antropoceno, porque todos os pontos se conectam. ” O que é urgente, alerta, é travar a crise ambiental: “Temos de mudar de atitude. Não é tanto uma questão de se reconhecer formalmente o conceito [do Antropoceno], mas mais de lidarmos com ele. ”O historiador de ciência acredita que é necessário perceber o impacto no sistema terrestre, mas também – e sobretudo – criar mais conhecimento. “O tipo certo de conhecimento”, sublinha. É nesse sentido que se realizam os encontros do Antropoceno, em Berlim, Filadélfia e noutras partes do mundo. “Chegou o momento em que temos de abandonar as nossas coutadas disciplinares e cruzar o que as diferentes disciplinas nos permitem entender. Os problemas são demasiado complexos e urgentes”, diz Ana Simões, especialista em história e filosofia das ciências e professora na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. E a sua colega, Maria Paula Diogo, garante que agora é a oportunidade perfeita para olhar para o passado e analisá-lo à luz do Antropoceno. Por isso, está a liderar o projecto “Anthropolands”, para descobrir como é que a ciência, a tecnologia e a medicina coloniais alteraram a paisagem africana. Além disso, adianta Maria Paula Diogo, outros investigadores portugueses (das artes, da história e da engenharia do ambiente) querem replicar no país os encontros “Anthropocene Curriculum”. Este último projecto, já submetido para financiamento à Fundação para a Ciência e Tecnologia, pretende tornar Lisboa no grande centro de debate na Europa do Sul sobre o Antropoceno. “Não temos as soluções, mas temos procurado numa direcção apenas”, afirma Jürgen Renn, para explicar por que é que projectos como o “Anthropocene Curriculum” são tão importantes e por que espera que esse “laboratório para a sociedade”, como lhe chama, chegue a Portugal. “Quando se perde uma chave, olha-se para onde brilha, mas não funciona assim com a ciência. Às vezes encontramo-la em sítios completamente inesperados. ” Tem de se prestar atenção ao contexto, sem desistir da ciência, e dá um exemplo: “Temos de pensar em soluções locais distintas. Algumas áreas do mundo devem ter energia eólica, outras energia solar e outras, ainda, energia geotérmica. ” Estas e outras soluções, tendo em conta que muitas das consequências do Antropoceno estão relacionadas com a forma como produzimos energia, têm de ser pensadas em conjunto, frisa. “É preciso juntar cientistas, humanistas, artistas, cidadãos activistas, professores e estudantes. ” E que os media, reconhece ainda, não só informem mas também envolvam o público: “Há um fascínio em relação a expedições a Marte e talvez possamos fazer uso disso. O Antropoceno é como uma ciência cósmica mas na Terra”, propõe. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por outro lado, Jürgen Renn chama a atenção para a outra face do progresso: as consequências ecológicas que não são antecipadas por muitas intervenções tecnológicas. “O capitalismo é uma grande força universal. Penso que temos de globalizar o conhecimento, mas talvez devêssemos desglobalizar a economia. A nossa economia tem muitos efeitos negativos, por exemplo na agricultura em África. ” Mas é uma ilusão pensar que, se abandonarmos o capitalismo, os problemas se vão embora, ressalva o investigador alemão. Até porque, na sua perspectiva, não estamos a fazer o suficiente em relação às alterações climáticas. “Às vezes, tento pensar em Al Gore no lugar de Trump [o actual Presidente dos EUA] e na América não abandonar o Acordo de Paris. E, ainda assim, não seria suficiente. ”A verdade é que os humanos não são os primeiros seres vivos a alterar o planeta: o surgimento de oxigénio na atmosfera, que nos permite respirar, deve-se à fotossíntese feita pelas cianobactérias há mais de 2000 milhões de anos. Mas e se formos os últimos? “Estamos a transformar a Terra em Vénus”, alerta Jürgen Renn, referindo-se ao planeta vizinho que tem uma atmosfera muito densa, predominantemente constituída por dióxido de carbono, com um efeito de estufa infernal. E a Terra – conhecida como o planeta azul – poderá um dia dar lugar a uma paisagem desértica e poeirenta. A pergunta, sugere Maria Paula Diogo, que se impõe é: “Começamos a pensar em soluções para fora do planeta, mas não será mais relevante pensarmos como resolver os problemas que temos hoje, na Terra?”Texto editado por Teresa Firmino
REFERÊNCIAS:
Xutos, Marcelo e Costa cantaram A Minha Casinha em honra de Zé Pedro
Os Xutos & Pontapés tocaram em todas as edições do Rock in Rio em Lisboa, e à oitava homenagearam o guitarrista que morreu em Novembro do ano passado. Foi na noite desta sexta-feira e teve a ajuda de políticos, actores e outros amigos da banda. (...)

Xutos, Marcelo e Costa cantaram A Minha Casinha em honra de Zé Pedro
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DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os Xutos & Pontapés tocaram em todas as edições do Rock in Rio em Lisboa, e à oitava homenagearam o guitarrista que morreu em Novembro do ano passado. Foi na noite desta sexta-feira e teve a ajuda de políticos, actores e outros amigos da banda.
TEXTO: Moh! Kouyaté, músico da Guiné-Conacri há muito radicado em Paris, tinha acabado de actuar no palco EDP Rock Street, dedicado à música africana. Não fez referências aos Xutos & Pontapés, pelo menos que o PÚBLICO tenha ouvido, mas pouco antes, no Music Valley, os Capitão Fausto já o tinham feito. Ainda com o barulho de palcos inconsequentes, sem cartaz propriamente dito, a fazer-se ouvir, e pessoas a deslizarem num slide de um lado para o outro por cima do Palco Mundo, os Xutos & Pontapés começaram às 19h45, ao som de À Minha Maneira. A banda, que veio a todas as edições do Rock in Rio em Lisboa, apresentou-se em palco com quatro elementos e quatro ventoinhas atrás deles e uma bandeira de Portugal à frente da bateria de Kalú. Tim, o baixista-vocalista, tinha um sorriso de orelha a orelha, que não desmanchou ao longo da mais de uma hora em que a banda esteve em palco. Este, o oitavo, era um concerto diferente dos outros, o primeiro neste palco sem Zé Pedro, o guitarrista que morreu em Novembro do ano passado. Toda a gente, quer em cima do palco, quer no público, estava ciente da ausência, e não foi preciso assinalá-la logo ao início. Estava implícito em cada guitarrada de João Cabeleira, que assumiu as funções de único guitarrista do grupo. Apresentou-se Fim do Mundo, o single lançado em Março, com os dois ecrãs ao lado do palco sempre a mostrarem Marcelo Rebelo de Sousa, Ferro Rodrigues ou Fernando Medina, que assistiam ao concerto — depois, juntou-se a eles António Costa. Atrás da banda, eram mostradas imagens do passado. Os políticos tentavam cantar a letra de Circo de Feras, mas não a sabiam de cor e notava-se. Tim repete “Mais uma vez boa tarde, pessoal” e garante ao público: “Só estamos aqui porque vocês querem, mais nada. ” “Vão poder ouvir algumas coisas de que não estavam à espera”, explica, antes de tocarem Mar de Outono, que foi estreada no ano passado e fará parte de um possível próximo álbum. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Tim apresenta Não Sou o Único: “A próxima foi escrita pelo Zé Pedro. É uma canção que de certeza todos conhecem. ” Segue-se Esta Cidade, que não suscitou grandes reacções dos políticos nos ecrãs, apesar do teor explícito e das imagens de repressão. Os ecrãs focam a já mencionada bandeira de Portugal e o público bate palmas. Homem do Leme passa para Ai se ele Cai, que dá lugar a Contentores. “Vai pra casa, ó Costa”, grita uma anónima no público que pouco depois está a afirmar “g’anda Zé Pedro”. A chuva cai cada vez mais fortemente, até Tim anunciar que, “se tudo correr bem”, vão pegar numa gravação feita ao vivo no Estádio do Restelo e “tocar com o Zé Pedro mais uma vez em palco”. É isso que acontece, com Para Ti Maria e a imagem e som de Zé Pedro a aparecer nos ecrãs, com a presença da guitarra dele a contrastar com o resto do concerto. Uma homenagem a anos-luz, em termos de dignidade, do holograma de Tupac Shakur que Dr. Dre e Snoop Dogg apresentaram no festival de Coachella em 2012. Antes do fim, com a chuva que caía com grande intensidade, Tim explicou que Marcelo Rebelo de Sousa foi um cúmplice que “instigou” este concerto e esta “homenagem a Zé Pedro”. O vocalista pediu “um minuto de barulho” em honra do falecido colega. Ao palco, subiram os políticos já mencionados, além de Catarina Martins, bem como várias pessoas que enchem o palco e a quem o vocalista se referiu como amigos da banda: Maria Rueff, Sá Pinto, Margarida Pinto Correia, Ramon Galarza, entre inúmeros outros. Cantaram A Minha Casinha, popularizada por Milú. A chuva cai cada vez mais, e o concerto acaba, com pessoas, incluindo António Costa, dentro e fora do palco a gritar “Portugal” e “Só mais uma”, que acabou por nunca vir.
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Palavras-chave homem circo
A política dos mapas foi desmantelada em tapetes
Os mapas não estão todos feitos. Desmapear pode ser o primeiro passo para contrariar um objecto político que passa muitas vezes por neutro e trazer à superfície aspectos da realidade omitidos no mundo cartografado. Designers e arquitectos foram atrás desse objectivo: olharam para a Bagdad cultural atravessada pela guerra, transformaram paisagens em tapetes, mostraram que Angola não é um país pequeno. O resultado pode ser visto em Lisboa na exposição Unmapping the World, que faz parte da edição de 2013 da bienal da ExperimentaDesign e tem como tema No Borders/Sem Fronteiras. Daqui para a frente, felizmente, só há dragões. (...)

A política dos mapas foi desmantelada em tapetes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os mapas não estão todos feitos. Desmapear pode ser o primeiro passo para contrariar um objecto político que passa muitas vezes por neutro e trazer à superfície aspectos da realidade omitidos no mundo cartografado. Designers e arquitectos foram atrás desse objectivo: olharam para a Bagdad cultural atravessada pela guerra, transformaram paisagens em tapetes, mostraram que Angola não é um país pequeno. O resultado pode ser visto em Lisboa na exposição Unmapping the World, que faz parte da edição de 2013 da bienal da ExperimentaDesign e tem como tema No Borders/Sem Fronteiras. Daqui para a frente, felizmente, só há dragões.
TEXTO: Pelo vidro da vitrina, é possível observar o mapa do Congo francês desenhado em 1887. Apesar de estar amarelecido, tem o potencial certo para o aqui e o agora. Portos marítimos como Ponta Negra, hoje cidade costeira da República do Congo, estão marcados no documento. Mas é possível ver muito espaço por nomear no interior africano. Por isso, no mapa, a palavra “inexploré” está escrita cinco vezes, no meio de cordilheiras de montanhas e nas regiões mais extremas do território congolês, naquilo que podemos imaginar como sendo planícies eternas. Este conceito de território “inexplorado” foi escolhido como ponto de partida para a exposição Unmapping the World não tanto por evocar o desconhecido, mas sim como uma possibilidade da realidade total. Afinal, num mapa vazio, sem traçados de rios, sem nomes de vilas e aldeias, cabem todas as possibilidades de um território, cabem todas as verdades. É essa ideia provocadora que a designer holandesa Annelys de Vet e o designer português Nuno Coelho, curadores da mostra, nos obrigam a pensar e a reflectir antes de subirmos as escadas para ver o resto das obras. “Um mapa nunca pode ser observado como um objecto neutro”, diz Annelys de Vet, fundadora do estúdio DEVET, no início de uma visita guiada à exposição do Palácio dos Condes da Calheta. Os aspectos que estão marcados num mapa, dentro de um território, são alvo de uma escolha, de um interesse, e por isso são sempre políticos. De fora, fi ca uma imensidão de informação, basta pensarmos nos bairros de lata não representados nos mapas de guias turísticos de cidades. vive, por isso, da desconstrução dos mapas e da desconstrução de uma visão neutra do acto de cartografar. Cada obra da exposição parte de um acto de desmapeamento para uma cartografia pessoal e comprometida de um território, algumas vezes mais libertária e crítica, outras vezes mais poética. Estamos no piso térreo do Palácio dos Condes da Calheta, no cimo do Jardim Botânico Tropical, pertencente ao Instituto de Investigação Científica Tropical, em Belém, Lisboa, onde a exposição está aberta ao público até 22 de Dezembro. Nuno Coelho relembra-nos o simbolismo do lugar. Foi aqui que a Comissão de Cartografia se instalou em 1883, com um objectivo de fazer o reconhecimento de aspectos geográficos, etnológicos, geológicos, históricos, das então colónias africanas portuguesas. Havia uma urgência por parte de Portugal em obter esta informação para a Convenção de Berlim, onde ficaram definidas as fronteiras das colónias africanas pertencentes aos países europeus. Era uma luta pela soberania: estudar, mapear, conhecer os territórios foram formas de perpetuar o seu controlo. “Este palácio foi importante para a construção de mapas”, resume Nuno Coelho, investigador no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra. Subimos então as escadas. Na entrada da primeira sala, com o tema Conflito, está a única obra feita pela equipa de curadores. Cartographic Artillery são três painéis separados com uma rede de mapas de três países diferentes. O primeiro é do Iraque e mostra 66 mapas e fotografias publicados entre 1988 e 2013 com a localização das supostas armas de destruição maciça, fotografias de satélite de instalações, fotografias de fábricas iraquianas. Estes mapas e fotografias foram publicados em documentos de instituições norte-americanas como a CIA ou em notícias de jornais como o The Guardian, o Haaretz ou o The Wall Street Journal. O resultado é uma cacofonia visual, mas potente, onde a ligação entre o Iraque e os mísseis nucleares fica consolidada. À frente, outro painel semelhante, desta vez mapas entre 2004 e 2013 do Irão, com armas nucleares e o seu alcance. Atrás deste, um terceiro painel que conta uma história parecida, com a Síria e as armas químicas. “Quão problemático é que um mapa pode ser?”, questiona Annelys de Vet. O folheto da exposição é esclarecedor: “Em relação ao Iraque, foi largamente confirmado que estas suposições [sobre os mísseis nucleares] estavam perigosamente erradas e que estes mapas foram usados como provas falsas. Por isso, como ler os mapas similares da Síria e do Irão?”Nuno Coelho diz não ter nada contra os mapas, mas insiste que o que está em causa é um problema de transparência e debate-se por ele. “Qualquer razão é válida para se mapear, depende da perspectiva de cada um. Mas achamos errado esconder as reais intenções por trás da fabricação de um mapa”, diz ao PÚBLICO dias depois, por telefone. Parede à frente, continuamos no Médio Oriente. É a frase de Dennis Wood, investigador e cartógrafo citado numa projecção na parede da escadaria, que ressoa. “Um mapa é um sistema de proposições, é um argumento sobre a existência”, escreve o especialista, num artigo. Baghdad Out é isso, mas na forma de resistência. O atelier holandês Veldwerk fez a cartografia da Bagdad cultural em 2003, 2004 e 2010. Enquanto o resto do mundo olhava para o Iraque com o filtro da guerra, os livros continuaram a ser escritos, as peças de teatro continuaram a ser representadas, os locais culturais da capital do Iraque continuaram a ser frequentados, com data e hora marcadas, apesar de os artistas também serem vítimas de atentados. “Infelizmente, o domínio da informação política e económica dada pelos media não faz qualquer justiça à essência cultural de uma sociedade”, lê-se num resumo do trabalho. Seguimos em direcção à sala da Libertação. Na vitrina à esquerda, numa moldura dourada, um mapa: Angola não é um país pequeno. Paulo Moreira, arquitecto a trabalhar no Porto, pegou no famoso mapa de Henrique Galvão e subverteu-o. Em 1934, o militar e escritor sobrepôs as colónias portuguesas no mapa da Europa, para mostrar que não faltavam hectares ao império. Desta vez, Paulo Moreira mostra que cabem dez portugais em Angola, um país em pujança económica, que tem investido fortemente cá, mas com quem mantemos relações diplomáticas complicadas. Na mesma sala, do lado direito, Double Standards: dois pesos, duas medidas. A situação dos piratas da Somália é enquadrada sob um novo ponto de vista por Ruben Pater. Em jeito de sala de convenções das Nações Unidas, o designer holandês apresenta-nos uma mesa redonda com o mapa do mundo centrado na Península Arábica, no oceano Índico e na Somália, com 12 cadeiras em volta. Por cima, há 12 bandeiras, cada uma é um híbrido entre bandeiras de dois países. É uma metáfora dos navios que passam por aquelas águas. Navios que podem ser originais das Ilhas Marshall, mas que são detidos por uma empresa norueguesa. Mas também é uma metáfora daquilo que pode estar nos limites da legalidade. “Segundo o que Ruben Pater nos transmitiu, os próprios navios mudam as suas bandeiras durante a travessia que fazem para estarem submetidos a diferentes tipos de legislações, o que lhes permite contornar leis ambientais ou da pesca”, diz Nuno Coelho. Na mesa, duas bandeirinhas, dados rápidos: 90% do mercado mundial faz-se por mar, gera oito biliões (milhões de milhões) de dólares; 22 mil navios passam anualmente pelo golfo de Aden; em 2011, 223 dos 544 ataques de pirataria foram feitos por piratas da Somália — o país com o menor PIB nesse ano; foram gastos 2000 milhões de dólares para combater a pirataria. Caminhamos para a sala seguinte e subitamente estamos a pisar um tapete onde foram impressas centenas de fotografias quadradas do Google Earth. Em cada quadrado, um mapa com uma loja Ikea no centro. The World of Ikea, um trabalho do designer holandês Bjorn Andreassen, continua numa vitrina com fotografias: duas pessoas com as pirâmides do Egipto em plano de fundo, duas pessoas com uma loja azul Ikea por trás, duas pessoas na Torre de Pisa, duas pessoas com a loja azul Ikea por trás. Poderia haver um balão de banda desenhada em cada uma das fotografias com a seguinte questão: “O que é a identidade cultural contemporânea?” E desta vez lembramo-nos das palavras de Claude Lévi-Strauss, citadas na exposição: “Ameaça-nos a perspectiva de sermos só consumidores, capazes de consumir qualquer coisa em qualquer ponto do mundo, vindo de qualquer cultura, mas de perdermos toda a originalidade. ”A sala do Ikea é a sala do Mercado. Taxodus, outro trabalho instalado aqui, é um jogo para brincar com os paraísos fiscais criado pela designer holandesa Femke Herregraven. O trabalho relembra que a Holanda, no coração da União Europeia, pode ser considerada como um paraíso fiscal para muitas empresas. A designer esteve mesmo para reunir informação sobre 16 empresas portuguesas que optaram por estabelecer-se lá, mas não conseguiu completar o trabalho por falta de tempo. “Desmapear a crise que Portugal está a viver é isto”, diz-nos Annelys de Vet, referindo-se a Taxodus. “É uma crise que é originada numa rede global e esta é uma forma de compreender as suas raízes. ”Voltamos para trás, até à Xiloteca, uma espécie de arquivo com amostras de madeiras das espécies vegetais das antigas colónias portuguesas, que foram recolhidas no século XX. Entramos num mundo castanho, mas também no mundo turístico das Caraíbas trazido pelo colectivo Supersudaca, formado por arquitectos latinos que estão sediados em países diferentes mas continuam a trabalhar em conjunto. Al Caribe! é uma mistura de sons gravados e música que nos remete para um ambiente ébrio de pessoas a chegar a ver e a partir, que se vive naquelas ilhas. Ao mesmo tempo, vários postais mostram o impacto da urbanização no arquipélago, realçando o paradoxo entre a salvação económica que o turismo promete e a destruição do território que causa. No início desta viagem, Nuno Coelho falou-nos que, durante a organização da exposição, cada sala do palácio pedia determinados trabalhos. A madeira da Xiloteca cheira a trópicos, a lugares distantes, mas também a exploração. Num dos armários há ainda dezenas de embrulhos com amostras de madeira por abrir. Um dos embrulhos guarda 34 amostras de pau-carvão, uma espécie da Guiné conhecida como Prosopis africana. “Há uma urgência em colectar, em classificar, mas depois não temos tempo para fi ltrar toda esta informação”, diz Nuno Coelho. Annelys de Vet insiste: “Não estamos contra a cartografia e o mapeamento, mas não podemos esquecer que deixamos sempre traços por onde passamos, influenciamos o contexto. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Zarpamos para a sala da Poesia e ficamos a olhar para Simple Standing Triangle de Yazan Khalili, arquitecto palestiniano. Os trabalhos desta sala representam o lado mais íntimo da exposição. Yazan Khalili preencheu quatro prateleiras de uma vitrina com folhas A5 que parecem ter sido arrancadas de um caderno de escola, todas com um desenho de um triângulo. “Quando a minha mãe me ensinou pela primeira vez a desenhar o mapa da Palestina, eu costumava desenhar um triângulo equilateral de pé”, escreve o arquitecto no resumo da sua obra. O investigador Dennis Wood defende que a utilização frequente de mapas, como conhecemos agora, não terá muito mais de três séculos, e acompanhou o aparecimento dos Estados modernos. Desse ponto de vista, a sua importância está intimamente ligada à definição de fronteiras e à realização formal de uma ideia de território que tem um desenho, é um rectângulo no caso de Portugal, um hexágono no caso de França. Mostrar esse território no mapa é uma legitimação da própria existência de um país num quadro maior de mais nações. O mapa da Palestina é o oposto. “Não há zona tão detalhadamente mapeada. Cada um tem a sua visão daquele território, nunca houve consenso”, diz-nos Nuno Coelho. Justamente por isso, por se sobrepor a toda esta complexidade, e apropriar-se do valor iconográfico de um mapa para construir a sua identidade pessoal, o olhar de Yazan Khalili apela a um sentido poético de resistência: “Mais tarde aprendi que [o triângulo] não é exactamente equilateral, o seu lado de baixo é maior do que o de cima (. . . ). Há também o lago da Galileia, e o mar Morto, e as várias aldeias destruídas e a linha verde de 1948, e há Israel e a Cisjordânia, e a faixa de Gaza, e os acordos de Oslo, e a Área A e a Área B, e a C, e a H1, e a H2 (. . . ) mas até agora, quando quero desenhar o mapa da Palestina, faço um triângulo equilateral de pé. ”Finalmente, voltamos a mapas desmantelados de referências humanas, mas cheios de paisagem, agora esculpidos em tapetes quadrados, brancos. Rugs é o resultado do trabalho da holandesa Roosmarijn Pallandt. A designer representou em tapetes paisagens aéreas da Tailândia ou do Nepal, como dunas e glaciares. Os objectos foram feitos por artesãos locais, usando fibras ou lãs naturais, que existem naquelas regiões, com métodos tradicionais de tecelagem ou de acolchoamento. Portugal tem dois tapetes, uma zona florestal e um areal que parece ainda atravessado pelo vento. Vistos de cima, em pequena escala, tornam-se territórios completamente inexplorados, tão selvagens como as planícies imaginadas do mapa do Congo. É favor não pisá-los.
REFERÊNCIAS:
Multado por deixar likes em comentários difamatórios no Facebook
Um tribunal suíço aplicou uma multa de mais de três mil euros a um homem. (...)

Multado por deixar likes em comentários difamatórios no Facebook
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um tribunal suíço aplicou uma multa de mais de três mil euros a um homem.
TEXTO: Um tribunal na Suíça multou um homem por este ter feito likes ("gostos") em comentários no Facebook considerados pela instância judicial como difamatórios. Este será, até à data, o primeiro caso de actuação de um tribunal envolvendo apenas likes da rede social. De acordo com o comunicado do tribunal, o homem terá acusado Erwin Kessler, activista dos direitos dos animais, de anti-semitismo e racismo apenas por fazer likes em comentários difamatórios sobre ele. A multa aplicada pelo tribunal foi de quatro mil francos suíços (3667 euros). Foram seis os likes deixados pelo homem de 45 anos em comentários de terceiros, informou o jornal suíço Le Temps. “Ao clicar no botão de like, o arguido endossou claramente o conteúdo indecoroso e tornou-o o seu próprio ponto de vista”, podia ler-se no comunicado do tribunal, citado pelo The Guardian. O tribunal refere ainda que, devido ao funcionamento do Facebook, o homem ao colocar likes em comentários acabou por disseminá-los pela sua rede de contactos, já que essa informação aparece depois no feed de notícias de outras pessoas. O envolvido neste caso bizarro colocou likes na publicação, feita em 2015, e que estava relacionada com a articipação de grupos de defesa do bem-estar dos animais num festival de rua vegan. Sabe-se que Kessler terá processado mais de uma dúzia de pessoas que comentavam a sua actividade no Facebook, durante o ano de 2015, e que algumas foram efectivamente condenadas. Contudo, essas condenações eram provenientes de comentários e nunca de likes feitos a esses comentários.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos tribunal homem racismo social