Há um novo mapa da história das línguas bantas (e Angola é importante)
Já não é novidade que os povos bantos percorreram muitos quilómetros ao longo dos tempos. Agora há novos pormenores sobre as suas migrações contadas num artigo na revista Science. (...)

Há um novo mapa da história das línguas bantas (e Angola é importante)
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.268
DATA: 2017-05-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Já não é novidade que os povos bantos percorreram muitos quilómetros ao longo dos tempos. Agora há novos pormenores sobre as suas migrações contadas num artigo na revista Science.
TEXTO: As línguas bantas estão bem presentes no continente africano: cerca de 310 milhões de africanos, a maioria em países da África subsariana, falam estas línguas. Mas se chegaram tão longe é porque há uma história da sua expansão. Um grupo internacional de cientistas, com três portuguesas, quis perceber que caminho percorreram mesmo as línguas bantas há cerca de quatro mil anos para cá. Para isso, seguiram-lhes o rasto através da genética e publicaram o “roteiro” na revista Science. E Angola foi um cenário decisivo neste novo mapa. As línguas bantas fazem parte da família linguística nigero-congolesa e formam um grupo com mais de 500 línguas. Para tal, tiveram de fazer uma viagem muito longa. A grande jornada das línguas bantas pelo mundo iniciou-se há cerca de quatro mil anos. Nessa altura, os seus falantes viviam na zona ocidental de África, que hoje corresponde à fronteira entre a Nigéria e os Camarões. Depois começaram a espalhar-se para sul, para territórios abaixo da linha do equador. Quanto aos motivos desta expansão, não são claros: “Não se sabe porquê”, começa por nos dizer Luísa Pereira, geneticista do Instituto de Investigação em Saúde (i3S), da Universidade do Porto e uma das autoras do artigo, que em Portugal também contou com Joana Pereira e Verónica Fernandes, ambas do i3S, e tem como principal autor, Etienne Patin, do Instituto Pasteur, em Paris. “Tinham a vantagem de ser povos agrícolas e ter o domínio da tecnologia do ferro. Está provavelmente relacionado também com o aumento populacional e de novas famílias que precisavam de novos terrenos”, explica. Avançando mais de dois mil anos: os falantes de línguas bantas migraram então para sul, pelo Gabão até Angola. E como se chegou a estes resultados? “Com recursos às técnicas mais avançadas da genética de populações, os investigadores rastrearam marcas específicas que foram deixadas pelas misturas ocorridas com as populações autóctones durante a migração”, refere um comunicado do i3S, acrescentando que essas marcas podem ser analisadas nas populações actuais. Ao todo, a equipa investigou 2055 indivíduos de 57 populações. De alguns desses indivíduos já tinha dados genéticos e obteve ainda dados genéticos novos de 1318 indivíduos relativos a 35 populações. Os cientistas observaram então que os falantes de línguas bantas do Leste e do Sul de África tinham mais semelhanças genéticas com as populações de Angola do que entre si, ou com a sua população mais originária, mais a norte (entre a Nigéria e os Camarões). E foi aí que perceberam que os bantos migraram primeiro para sul, através do Gabão até Angola, e que aí ocorreu uma divisão populacional há dois mil anos, com duas ondas migratórias: uma para sul através da costa Oeste, até à África do Sul; e outra para leste para a zona dos grandes lagos, seguindo depois para sul, através da costa Leste, chegando a Moçambique e, por fim, também à África do Sul. “É esta a novidade do artigo: houve uma separação mais tardia e chegaram a Angola”, refere Luísa Pereira. Este estudo veio confirmar que essa divisão entre as populações bantas não tinha acontecido logo na sua expansão inicial há quatro mil anos. A viagem dos falantes de línguas bantas passou ainda para o outro lado do oceano durante o período da escravatura. “Deram assim material genético aos afro-americanos, o que resultou da mistura de várias populações de África [tanto de não bantos como de bantos]”, explica Luísa Pereira, acrescentando que não há dados genéticos disponíveis para o Brasil. Os afro-americanos do Norte dos Estados Unidos têm 73% de ancestralidade africana e os dos estados do Sul têm 78%, de acordo com o comunicado. Desta ancestralidade africana nos EUA, 13% veio dos actuais Senegal ou Gâmbia (não bantos), 7% da Costa do Marfim e Gana (não bantos), 50% da região à volta do Benim (não bantos) e até 30% da costa ocidental da África Central (bantos), sobretudo de Angola. “Estes dados genéticos são surpreendentemente consistentes com os registos históricos sobre o transporte de escravos”, refere ainda o comunicado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O artigo científico faz também uma viagem pelas adaptações ao ambiente dos falantes de línguas bantas durante as suas migrações. Os bantos que foram para Leste de África misturaram-se com as populações já existentes nestas regiões (como as da Etiópia) e adquiriram mais diversidade genética, tornando-se tolerantes à lactose, o que lhes permitia digerir o leite em idade adulta. Já os bantos do Oeste misturaram-se com os pigmeus da floresta tropical e adquiriram mais diversidade no sistema imunitário. “Há sinais de ter ocorrido selecção natural da diversidade protectora contra a malária no gene CD36”, explica Luísa Pereira. Já os bantos do Sul misturaram-se com o povo San (da África austral), mas não se observou nenhuma alteração genética relevante neste grupo. “O contributo genético das populações locais, cada uma adaptada ao seu território, foi a chave para o sucesso”, refere ainda o comunicado. Falando em sucesso, Luísa Pereira não se inibe de dizer: “A migração dos bantos é das mais importantes porque atingiu um espaço enorme. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
"Quando me perguntam qual é o maior cientista de sempre, respondo: na minha área, é Shakespeare"
Cada vez mais biólogo e menos neurocientista, António Damásio insiste nas humanidades para formar homens e cientistas. No seu mais recente livro dá primazia aos sentimentos como formadores de consciência e motor da ciência, e refere a necessidade de um pacto global sobre educação. (...)

"Quando me perguntam qual é o maior cientista de sempre, respondo: na minha área, é Shakespeare"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 1.0
DATA: 2018-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cada vez mais biólogo e menos neurocientista, António Damásio insiste nas humanidades para formar homens e cientistas. No seu mais recente livro dá primazia aos sentimentos como formadores de consciência e motor da ciência, e refere a necessidade de um pacto global sobre educação.
TEXTO: O que leva um estudante a levantar a mão quando o professor lhe fala de um tema que o intimida? Como reagirão as gerações que cresceram com as redes sociais, quando precisarem de tempo, mais tempo, do que o imediato? Estamos a viver uma crise na actual condição humana diz António Damásio no seu mais recente livro, A Estranha Ordem das Coisas, que dá prioridade aos sentimentos. Na vida, na ciência, na cultura. Horas depois de aterrar em Lisboa não esconde a emoção perante a edição portuguesa da Temas e Debates. Sorri. Pega no livro de quase 400 páginas, olha a contracapa e retrai a vontade imediata de ver tudo ali. Mais tarde confessará que é um chato com o português. Escreve em inglês, pensa em inglês, mas o português é a sua língua. Quando, ao longo da conversa, na oralidade, lhe sai um vocábulo em inglês trata de arranjar a tradução certa, sobretudo se for para descrever um sentimento. É que são os sentimentos o que está antes de tudo no livro que dedica à sua mulher, Hanna Damásio, e na conversa onde haverá de dizer, já desligado o gravador, que também fala alemão e namora em italiano. "É a língua do amor", refere. Como aprendeu? "A ouvir as óperas de Verdi. "Começa este livro, que vem na continuidade dos anteriores, por esclarecer o que chama de uma “ideia simples”, “como usamos os sentimentos para construir a nossa personalidade”. Peço-lhe que descreva, brevemente, o protagonista deste A Estranha Ordem das Coisas, os sentimentos?Há a realidade científica daquilo que penso que são os sentimentos, mas há também uma mais alargada ligada a um tema que estamos [com a mulher, Hanna Damásio] a tratar por estes dias para uma conferência sobre ética. Parte dos sentimentos que temos como experiência têm a ver com as coisas mais valiosas da nossa vida; com todas as coisas sobre as quais podemos ter uma valência, as que verdadeiramente contam: vida, doença, dor, sofrimento, morte, desejo, amor, cuidado com o outros [to care]. E, ao mesmo tempo, crimes, medos, raivas, ódios, que têm a ver com o contrário das boas coisas da vida e que podem levar à perda [da vida], e, se não à perda da vida, ao sofrimento. Praticamente todas as coisas que governam ou desgovernam a nossa vida são normalmente transmitidas por uma valência de bom ou mau; de agradável ou desagradável, de recompensa ou punição. São essas que constituem o grande personagem dos sentimentos. Os sentimentos são representações do estado da nossa vida, mas representações qualificadas. Um dos problemas que mais me inquietam é essa impossibilidade que as pessoas têm tido de perceber que a inteligência – ou a nossa mente – vai só até um certo ponto e a partir daí tem de ter uma qualificação. Essa qualificação aparece em termos de agradável ou desagradável, de bom ou de mau, e é isso que faz a grande distinção entre a inteligência humana no sentido mais completo e a mente humana. À inteligência artificial, por exemplo, falta isso. Infelizmente as pessoas não se têm dado conta. Sou um adepto de inteligência artificial e tudo o que esse campo de tecnologia e de ciência nos tem trazido, mas é pena que poucas pessoas dentro desse mundo tenham compreendido que a inteligência artificial tal como é compreendida é uma pálida ideia daquilo que é a inteligência humana no seu real. Ou seja, o humano, muito por via dos sentimentos, não pode ser replicado artificialmente. De certeza que não pode ser nem simulado! Há uma grande diferença entre simulação e duplicação. O que a inteligência artificial faz, e muito bem, é uma simulação, e com capacidades extraordinárias, muito superiores àquelas que temos. A capacidade de inteligência no sentido mais directo e algorítmico que temos hoje em dia em matéria de memória, de estratégias de raciocínio é extraordinária. Faltam é essas outras qualidades que temos na nossa inteligência e que são absolutamente necessárias e extremamente realistas, porque têm a ver com aquilo que a vida é. Enquanto a vida concebida no sentido da inteligência artificial não tem nada a ver com aquilo que a vida é. A vida é outra coisa. E o que é a vida?É uma coisa venerável, confusa, efusiva. A grande arte dá-nos isso e a grande literatura dá isso extraordinariamente. Quando não se inclui essa componente de confusão, efusividade, aquilo que pode ser qualificável de bom ou de mau, perde-se uma grande parte do que é a vida. Por isso, e para acrescentar uma nota à sua pergunta anterior, os sentimentos como personagem são as representações, aquilo que está na nossa experiência mental quando estamos a viver uma vida real. E ao mesmo tempo uma forma de nos alertarem para aquilo que está a correr bem ou mal no sentido mais amplo do termo: a vida dentro de um organismo. Um organismo vivo, que tem bons momentos e maus momentos, que tem todas as variações e flutuações que vêm do seu metabolismo e que, porque tem mente e tem consciência – que é uma coisa que nós temos e as bactérias não – vai poder ter acesso a esse relato daquilo que está a correr bem ou mal. No livro, fala da consciência da morte como definidor dessa humanidade, o sentimento de fim, que faz com que o homem encare a dor de outra maneira. A consciência da finitude é, desse modo, formadora não apenas de uma maneira de estar socialmente, como também criadora de uma linguagem. Como é que se transpõe esse saber da morte, muito vezes olhado como transcendência, para a ciência e muito concretamente para a biologia? Tem sido difícil tratar essa questão. Uma das grandes barreiras é que a ciência, com a sua natural preocupação com a objectividade, teve enorme dificuldade em aceitar coisas que parecem extremamente subjectivas e confusas, com muitas variações, que é difícil de agarrar no sentido mais objectivo do termo. O facto de que os sentimentos são naturalmente subjectivos. Isso tem sido matéria dos seus livros. Sim, ando há 20 anos a explicar que sentimentos não são emoções. Mas é extraordinária a resistência. As coisas espantosas que dizem. . . falam de hearts and minds! Esperem um pouco: hearts and minds? O coração é a emoção, mas querem mesmo dizer coração? E querem mesmo dizer mente sem coração? As confusões são extraordinárias. Mas talvez o ponto mais importante é que as emoções são públicas. Quando está contente e se ri, ou quando está triste, quando está irritada tudo isso aparece na sua máscara. Aparece no rosto e no corpo. Quando se sente irritada ou triste ou alegre isso aparece unicamente em si. Você é a única pessoa que tem acesso a essa informação no sentido real. É uma experiência privada. Você pode simular a representação pública, mas essa distinção explica em grande parte porque é que as pessoas estão muito mais confortáveis quando falam de emoção: porque é público, porque é observável, enquanto os sentimentos têm de ser observáveis por dentro. Mas não estão de forma alguma fora do campo da ciência. É possível a cada um de nós fazer as observações, fazer o resumo dessas observações que é um campo científico e filosófico a que se chama fenomenologia. Portanto, temos a possibilidade de fazer as nossas próprias observações, partilhá-las com os outros, fazer comparações e fazer descrições o mais completas possível. Não há qualquer limitação do ponto de vista científico. Não há limitação da objectividade com que se pode estudar a subjectividade. E é isso que as pessoas não compreendem. Sintetizando, fala de sentimentos e consciência, de emoções, de sensações. Três coisas diferentes. Sensação é o que permite detectar a presença de um estímulo – e que as bactérias e as plantas também têm – e que gera uma resposta. Depois há certas respostas mais complexas. Em organismos simples, se tocar na criatura ela retrai-se. É a mesma reacção que terá se alguém a assustar, uma reacção emocional. Há reacções conservadas ao longo de biliões de anos e que são emocionais, reacções de movimento. O centro da palavra emotion é motion. Se alguém lhe perguntar a diferença entre emoção e sentimento agarre-se à palavra motion; o movimento está do lado das emoções e se está do lado das emoções está-se do lado daquilo que é visível para os outros. Sensação, no seu básico, não tem nada a ver com a emoção propriamente dita. A emoção é uma reposta complexa de movimento em relação a um estímulo que foi sentido e depois há o sentimento, que é a experiência mental daquilo que se passou no organismo quando houve sensação e emoção. São três graus. Um é extremamente simples, outro já é mais complexo, em que há uma resposta, e ainda um outro em que há o apreender consciente e mental daquilo que foi a resposta e que se passou no organismo. São mundos diferentes. Podemos dizer que estamos no campo da subjectividade. É isso que o estimula do ponto de vista científico?Sim, é extremamente importante. O que eu quero é dar objectividade científica àquilo que é uma coisa subjectiva, que é no fundo a definição da consciência. Grande parte do problema da consciência é o problema da subjectividade. É por isso, aliás, que é tão extraordinariamente difícil de perceber; é por isso que as pessoas têm enormes conflitos e desacordos sobre o que é a consciência. Cada vez mais estou absolutamente convencido que não é possível distinguir tecnicamente sentimento e consciência. O sentimento, muito possivelmente, foi o princípio da consciência do ponto de vista evolutivo. O sentimento com a sua natural subjectividade e tudo isso se estendeu a outras subjectividades: subjectividade do que está no exterior – eu tenho subjectividade em relação a si neste momento, mas também tenho subjectividade em relação ao meu interior. Por exemplo, sei neste momento que estou um bocado cansado, fiz uma viagem de 15 horas e estou fora da hora em que deveria estar. Tenho essa subjectividade. E tenho a subjectividade em relação a si, às paredes desta sala, ao que estou a ouvir atrás de mim. O que temos é uma grande possibilidade, muito rica, de juntar subjectividades dentro da nossa mente. A nossa mente é toda feita de subjectividades. Esse é também o campo da arte. Sim. E eu sou um apaixonado da literatura. A literatura é o modo mais rico, de todos os que temos, de entrar dentro da subjectividade de outra pessoa e de nos fazer perceber o que pode ser a outra pessoa, muito mais do que o cinema, do que o teatro, porque a situação em que estamos a ler é. . . devemos estar sozinhos e com um texto que podemos parar a qualquer altura. Pode ler um parágrafo e parar e pensar e retomar e reler. Não pode fazer isso com um filme a não ser que estrague tudo. Tecnicamente pode, mas ninguém vê um filme dessa maneira. A parte da experiência de ver um filme é vê-lo na continuidade de um determinado período de tempo. Como cientista, a literatura pode ser-lhe útil – pese a ambiguidade da palavra – neste estudo? Absolutamente. Tudo é útil, umas coisas mais do que outras, mas a literatura é extraordinariamente útil porque é uma entrada muito rica na mente, uma entrada que utiliza a vida subjectiva, os sentimentos. É muito curioso, quando se olha para as humanidades de uma forma geral, e para as artes vê-se como têm sido laboratórios de estudos. As pessoas não se aperceberam ainda de que uma boa parte do que se passa no mundo da grande arte é uma espécie de prefácio para o estudo científico dos seres humanos. Quando não havia uma estrutura laboratorial científica, as pessoas já estavam a. . . Elaborar?A elaborar. E a literatura tem sido um grande contributo. Quando me perguntam qual é o maior cientista de sempre respondo: na minha área, é Shakespeare. Está lá tudo?Praticamente tudo. Pelo menos esboçado. O que se tem é de desenvolver. Quer sejam as peças históricas, as tragédias ou as comédias, a própria poesia. Praticamente tudo aquilo que interessa, todos os grandes temas, estão lá. Entre as milhares de coisas que gostaria de escrever – se calhar não terei tempo –, seria fazer qualquer coisa com a neurociência ou a neurobiologia cognitiva vistas através do Hamlet e do Otelo. O Hamlet é praticamente suficiente. É tão rico e está tão cheio daquilo que conta. . . E talvez meter o Falstaff pelo meio para ficar mais completo. [risos]Um dos capítulos do livro é sobre a crise do actual, “a actual condição humana”. Escreve: “Considerar os nossos dias como sendo os melhores de sempre seria preciso que estivéssemos muito distraídos”. Esta “crise” também é causa de uma certa resistência de parte de muitos cientistas em incluir as humanidades nas suas investigações?A resposta é que há essa resistência, mas não da parte de todos. Há também quem adopte, quem veja o valor, o interesse, muitas vezes talvez porque na sua própria vida pessoal percebem que é importante e acabam por ser seduzidos por essas possibilidades. Se as pessoas trabalham em áreas muito microscópicas daquilo que é a ciência, mesmo que seja ciência humana, é mais difícil fazer a passagem directa. E não é uma coisa que se deva sequer criticar. É perfeitamente compreensível. Mas certas pessoas da minha geração, e até de algumas gerações a seguir, têm um enorme apreço pelas humanidades dentro da ciência. Não se devem fazer generalizações, mas é verdade que tem havido uma certa resistência e também alguma resistência militante. Em certas áreas, quando pessoas das humanidades olham para o contributo da teoria da evolução ou da genética. . . há tantos erros, tanta complicação, por exemplo a forma como parte desses conhecimentos levou a teorias sobre os seres humanos, da eugenia até aos extremos piores da exploração racista. Claro que há razões para as pessoas terem tido durante algum tempo uma certa rejeição e depois muitas vezes também têm o pavor do reducionismo. É um grande pavor também da parte das humanidades e, portanto, rejeitam que a ciência possa trazer alguma coisa de tão importante como aquilo que as humanidades têm trazido em matéria de compreender o que são os seres humanos. Neste livro levanta duas ou três vezes esse problema. . . Porque eu não tenho qualquer espécie de desejo de reduzir aquilo que são os seres humanos no seu mais sublime à ciência abstracta. Pelo contrário. Aquilo que acho, e cada vez acho mais e neste livro é a primeira vez que me apercebo, é isto: quando se ligam sentimentos à cultura, por um lado, e sentimentos à homeostasia e aos princípios da vida, o que estamos a fazer é a enriquecer a ligação entre a cultura e a vida. Ao contrário de reduzir, estamos a aumentar, a fazer com que esse fio seja mais visível. A palavra homeostasia cruza todo o livro. Ela é completamente definidora do que é o humano?É completamente definidora do que é um ser vivo. O ser humano precisa de ter não só os imperativos da homeostasia nos seus aspectos mais complexos, mas também desenvolvimentos que vêm com a multicelularidade, o aparecimento dos sistemas nervosos e depois o extraordinário desenvolvimento da capacidade dos sentimentos, consciência de mente com imagens. . . Sobre a capacidade de criar imagens, escreve que “todas as imagens do mundo exterior são processadas de forma paralela às reações afectivas. . . ", e depois apela a um exercício: “pensemos na maravilha alcançada pelo nosso cérebro ao lidar com imagens de tantas variedades sensoriais, de origem externa e interna, ao ser capaz de as transformar nos filmes da nossa mente. Em comparação, a montagem de um filme é uma simples brincadeira. ”Exacto. Mas faço essencialmente uma abordagem crítica. Quando no início de tudo me falou da genealogia deste livro, há vários temas que venho a tratar há muitos anos, mas que agora me parecem, alguns, perfeitamente claros, e em que também tenho a coragem de dizer exactamente aquilo que penso sem estar com rodeios por poder ofender alguém que achasse que era pateta e novo de mais para estar a dizer coisas. Agora já posso dizer tudo o que me apetece. Pode-se dizer que os sentimentos são fundadores da ciência?Possivelmente são. São pelo menos motivadores. Neste livro há três papéis que dou aos sentimentos, ou ao afecto em geral. Primeiro, motivadores, depois monitores e depois negociadores. Os sentimentos intervêm nesses três pontos. São coisas diferentes. Uma é motivar, outra é a monitorização e a outra é a negociação de quando as coisas correm mal ou bem de mais. Há constantemente ajustes. Há pessoas que perante dois advogados a discutirem um contrato ou dois políticos a discutirem um tratado são capazes de pensar que isso está a acontecer num plano puramente intelectual; não está. Acontece num plano intelectual e acontece com toda a miríade de alterações que têm a ver com a forma como uma das pessoas apresenta o argumento e como a outra o recebe. Tudo isso é uma negociação que está a ser feita não só num plano de conhecimento e razão, coisas que se podem dizer objectivas e frias, mas também nesse outro plano que tem a ver com a forma como a negociação está a correr do ponto de vista afectivo. Essa é a realidade. Tem o exemplo espectacular do que se tem estado a passar nestes últimos dois anos com movimentos de populismo, de racismo em toda a parte. Muitas vezes, a forma como esses problemas são apresentados gera reacções de zanga e protesto puramente emocionais. Uma das coisas extraordinariamente curiosas é que quando as pessoas falam de emoções falam quase sempre do ponto de vista negativo das emoções. Muitas vezes acham que há o lado objectivo, o do bom raciocínio, e depois as emoções, más, que tornam as coisas irracionais. É um disparate completo, porque é limitar o âmbito das emoções ao negativo. Há emoções muito positivas; ter compaixão, gratidão, desejo de ajudar, cooperar. O amor! o desejo pelo amante, o amor pela criança que se está a criar. É desse preconceito que vem a distinção entre inteligência e inteligência emocional?Sim. As emoções muitas vezes ajudam a tomar a decisão e muitas vezes trazem o conhecimento, o discernimento, o destilar de uma série de conhecimentos que temos, uma vez que foram aplicados e qualificados. A intuição é uma maneira de fazer linha recta para a solução do problema sem andar por todas as fases intermédias. Essa intuição vem de uma forma emocional. Tudo isto tem imensa graça. As pessoas que descobriram o big data falam de como um grupo de computadores pode ler uma enorme quantidade de dados e tirar uma conclusão extremamente nova, verificando que aquilo é o que se deve fazer. Mas isso que o computador está a fazer é aquilo que a intuição humana faz há milhões de anos. O nosso cérebro é um big data system que tem imenso conhecimento do que é a nossa vida interior fisiológica e sobre o que é, e tem sido, a nossa vida em geral. E esse big data system está constantemente a dar-nos um dado institucional que é extremamente importante para a nossa vida. Tudo isso vem do lado das emoções e faz parte do que se poderia chamar inteligência emocional. Não uso o nome porque não acho que haja uma inteligência emocional e uma não emocional. Há inteligência. Começa o capítulo dedicado à crise actual dizendo que nunca tivemos tanta informação nem tanta possibilidade de sermos felizes, mas. . . E critica os media públicos e o seu modelo lucrativo de negócio, reduzindo a qualidade de informação; questiona o valor de entretenimento aplicado à história jornalística e afirma: "Embora a literacia científica e técnica nunca tenha estado tão desenvolvida, o público dedica muito pouco tempo à leitura de romances ou de poesia, que continuam a ser a forma mais garantida e recompensadora de penetrar na comédia e no drama da existência, e de ter oportunidade de reflectir sobre aquilo que somos ou podemos vir a ser. Ao que parece não há tempo a perder com a questão pouco lucrativa de, pura e simplesmente, ser. ” Que cultura é esta que parece rejeitar a criação de pensamento e se fica pela emoção?Historicamente, quando se vê o que tem sido a marcha dos seres vivos, há coisas que são previsíveis e outras que não são. E depois há certas coisas que acontecem, em que as pessoas não apreendem nem prevêem as consequências. O que se está a passar, por exemplo com a Internet e as redes sociais, é uma entrada extremamente larga dentro das mentes. É uma coisa que entra dentro de nós e que tem o poder de modificar a forma como pensamos e nos comportamos. A sociabilização. Exacto. Há uma entrada dentro do que somos do ponto de vista mental a um nível completamente diferente de outras tecnologias. Não é tão somente um telefone. É o telefone e a possibilidade de entrar num mundo de conhecimento de forma imediata. Ter essa informação toda é extraordinário mas o que temos de pensar é o que acontece com as pessoas que só têm vivido com isso e não tiveram a possibilidade de se desenvolver com mais distância em relação ao que se está a passar nessa rapidez de tecnologia. Há também o problema do que vai acontecer quando as pessoas ficarem sem tempo para reflectir sobre o que estão a viver. Vão ter a possibilidade de ter tudo muito rapidamente, a quantidade de informação é enorme e a maneira de resolver os conflitos tem de ser diferente. E vai ser mais complicada porque não há tempo para o discernimento. É possível fazer o contra-argumento: é o problema que temos por sermos de uma geração anterior e não termos crescido com isso, e os cérebros das pessoas que já cresceram com isso estão adaptados. Isso é verdade em parte, mas não quer dizer que essas novas pessoas que cresceram dessa maneira não tenham ao mesmo tempo reduzido a sua possibilidade de olhar para o mundo de uma forma mais calma e mais completa e reflectida. É um problema em aberto, que tem de ser estudado, e não o tem sido porque tudo está a acontecer agora. Usa as expressões “bancarrota espiritual” e “bancarrota moral” para classificar o que está a acontecer. E poderia juntar aqui a trigger warning, que está ligada a tudo isso. Por exemplo, numa aula pode haver uma discussão sobre violência ou sobre sexo e um aluno levanta a mão a dizer trigger warning, i dont feel safe anymore. É uma concepção da vida como se a pessoa pudesse viver protegida de tudo o que não é conveniente e, ao mesmo tempo, ficar sem a possibilidade de perceber o que se está a passar e de se defender inteligentemente. O presidente actual da Universidade de Chicago tem escrito sobre isso e diz que eles rejeitam isso ao abrigo do trigger warning e isso é uma remoção da educação e nós, como universidade, não vamos deixar que os nossos estudantes sejam amputados e fiquem sem a possibilidade de responder inteligentemente às ameaças. Tudo isto são problemas para serem estudados. É relativamente fácil olhar para a situação e reconhecer que o progresso é extraordinário, as possibilidades são magníficas e ao mesmo tempo também temos de reconhecer que precisam de ser estudadas para ver se podem correr melhor. As razões pelas quais as coisas não correm bem serão imensas mas há possibilidades. A questão que referia há pouco, do ser, é tão importante e parte do pressuposto de se conseguir estar consigo próprio e observar a maravilha da existência sem preocupações com aquilo que vem antes ou depois. É uma capacidade unicamente humana. Estamos há muito tempo a conversar e pergunto-lhe o que é que isto tudo tem a ver com biologia?Há biologia em variadíssimas áreas. A biologia no que diz respeito à nossa violência ancestral. Somos primatas, a nossa herança é a de animais. . . e trazemos a autodestruição connosco. Falo de Freud e da ideia de auto-destruição. Ele chama a atenção para uma coisa que é muito real e que as pessoas muitas vezes querem esquecer: a ideia de que somos capazes de violência. E há uma ideia que é consequente a essa e tem a ver com a educação, com o facto de que a única maneira de resolver o problema da nossa violência natural e de como naturalmente as pessoas querem estar com aqueles que são parecidos e não com os diferentes. Tem de haver um plano de educação extraordinário, uma espécie de super-plano de investimento global que não tem sido feito por razões que são também históricas e sociopolíticas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O mundo é dividido, depois há uma crise económica, uma crise política que leva a migrações, essas migrações trazem dificuldades e há reacções contra e não há possibilidade de coordenar globalmente um plano educacional. Para mim não é uma ideia mítica, acho possível. Não é possível só com as Nações Unidas. Tem sido possível em certos períodos. Os Estados Unidos, com todos os seus problemas, tiveram uma acção extraordinária no pós-guerra. Há um período que não é de paz completa, em que houve um investimento em reconstruir países e permitir que houvesse um alargamento da educação e da maneira de compreender outros que são diferentes. É uma grande projecto que, em parte, funcionou, tem funcionado, mas que neste momento está a ser ameaçado. Já viveu no Iowa, em Chicago, agora vive em Los Angeles. Da sua experiência pessoal, as diferenças acentuaram-se entre esses três mundos geográficos. Há um país muito dividido. Um centro que se sente esquecido e as margens liberais. Há muitas semelhanças com as experiências europeias. Nos EUA é uma coisa mais orgânica. Sempre tiveram enormes divisões geográficas. Há uma narrativa histórica que conseguiu compensar e impor um bom funcionamento em conjunto à volta de certos mitos e neste momento há uma fragilidade das relações, há fenómenos económicos extraordinariamente importantes e há uma evolução de tempos diferentes em diversas comunidades. Mas veja a Europa, encontra exactamente os mesmos problemas – que na Europa são muito velhos e um pouco esquecidos. Isso está dentro do que são os seres humanos; os seres humanos a criarem um grupo, uma história com determinados hábitos, determinadas preferências e a forma como aceitam, ou não, que isso possa ser suplantando. A entrevista encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO
REFERÊNCIAS:
Assombrações do Rio
O nome de Bolsonaro raramente foi pronunciado e todas as palavras foram medidas. O Festival do Rio na ressaca das eleições brasileiras - e perante a desmaterização fantasmagórica do mal. (...)

Assombrações do Rio
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O nome de Bolsonaro raramente foi pronunciado e todas as palavras foram medidas. O Festival do Rio na ressaca das eleições brasileiras - e perante a desmaterização fantasmagórica do mal.
TEXTO: Jair Bolsonaro foi eleito três dias antes do início do 20. º Festival Internacional do Rio. Deste lado do Atlântico, antes de partir, assistia a um pequeno filme de 3 minutos que a realizadora Teresa Villaverde rodou no dia da eleição, em São Paulo, e logo disponibilizou na sua página de Vimeo. Chama-se, simplesmente, Av. Paulista 28. 10. 18. E tão simples como o título é a sua estrutura: essencialmente um plano fixo, frontal, de um cinzento pelotão de militares que servem de fundo às sucessivas poses fotográficas dos apoiantes do novo presidente eleito, quase sempre envergando a colorida bandeira brasileira. A campanha fascizante de Bolsonaro logrou apropriar-se de duas iconografias: o festivo uniforme da selecção de futebol do Brasil e, por outro lado, a monótona e escura farda militar. Um nacionalismo militarista que o testemunho de Villaverde capta na sua ostensiva contradição pictórica. Esperava portanto um país em guerra civil, confrontos na rua, comícios em cada esquina. Achei que não haveria festival, que todas as sessões seriam interrompidas por clamores de “Ele Não!” (na verdade o festival esteve para não acontecer mas por questões de financiamento decorrentes da mudança do Prefeito do Rio de Janeiro – de um partido democrático cristão –, que cortou todos os apoios ao evento). Mas chego ao Rio e tudo está calmo, as pessoas tomam cerveja nas esplanadas, conversam, aparentemente felizes e descontraídas. Questiono as minhas novas amizades sobre este estado de coisas: é a ressaca, respondem-me. Depois de uma campanha eleitoral que levantou quezílias antigas e fez surgir novas, que dividiu famílias e separou amigos, a vontade de descanso e escapismo impuseram-se. Isso, mas também a consciência de que uma sombra escurece tudo e todos. Ao contrário do esperado, nenhum dos realizadores gritou o que fosse – excepção para João Salaviza. O nome da besta raramente era pronunciado e todas as palavras eram cuidadosamente medidas, como se, mesmo ali, numa sala de cinema cheia de “pessoas da cultura”, não se soubesse exactamente quem se tinha na frente. Convém lembrar que, no final das contas, quase 60 milhões de pessoas votaram em Bolsonaro. Esse peso sente-se por entre a jovialidade de quem quer, finalmente, ver filmes e pensar noutras coisas. Um peso que se traduz na ponderação das palavras e no tom de voz à mesa do jantar. Mas que, também é certo, se dissipa rapidamente no anonimato de uma plateia de sala de cinema que irrompe violentamente em aplausos, defronte de um filme que acicate os seus de sentimentos de revolta e indignação. Duas curtas-metragens, em particular, invocaram as fatídicas palavras do então deputado Bolsonaro aquando do impeachment da presidente Dilma, em que este louvou Carlos Alberto Brilhante Ustra (o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira pela prática de tortura durante a ditadura, em 2008): Universo Preto Paralelo e Mais Triste que Chuva num Recreio de Colégio. Em ambas os realizadores optaram por apenas usar a trilha sonora desse momento, retirando o corpo à voz. E aqui começa o processo de desmaterialização fantasmagórica do mal que parece caracterizar este cinema “pós-golpe”. Bolsonaro não é mostrado, apenas aludido, o seu nome não é pronunciado, apenas subentendido – como já disse, nos filmes e também nas ruas –, e parece que a sua figura se aproxima de uma qualidade imaterial. Como comentava um amigo de redes sociais, sobre esta questão, “No judaísmo, o nome de Deus não se pronuncia, porque seria o equivalente a fazer decair o sagrado à finitude da linguagem. ” A recusa da concretude grotesca de Bolsonaro só ajuda a mitificá-lo e o cinema brasileiro, até agora e na medida do que pude ver, ainda não soube pegar o touro pela cornadura – o mais próximo terá sido O Processo de Maria Augusta Ramos. Fiquemo-nos então pelos fantasmas e pelas alegorias. É comum dizer-se que em períodos de administração republicana, no Estado Unidos da América, há uma renovação do género de terror no cinema de Hollywood. Nos últimos dois anos, no Brasil, o cinema de terror começou também a ganhar mais espaço e a tornar-se eminentemente político. Veja-se o regular trabalho de Marco Dutra e Juliana Rojas (cujo mais recente título estreou nas salas nacionais, As Boas Maneiras), os primeiros passos de Gabriela Amaral Almeida (cujo mais recente A Sombra do Pai passou nesta edição do Festival do Rio, assim como a sua estreia, no ano anterior, O Animal Cordial), o cinema de Guto Parente ou a estreia de Dennison Ramalho (com Morto Não Fala, também em competição no festival – que o Motelx apresentou na última edição). A acção destes filmes tende a trabalhar os confrontos de classe, opondo muitas vezes dois mundos: o centro moderno da cidade e a periferia. É esse o caso dos dois filmes de terror que competiam este ano pelo Prêmio Petrobras de Cinema, os já referidos A Sombra do Pai e Morto Não Fala. Aliás, ambos partilham uma série de lugares-comuns: uma semelhante família quebrada (em ambos a presença fantasmática da mãe ausente influi no quotidiano dos vivos); uma semelhante figura paterna autoritária; uma parecida lacuna afectiva na descrição das crianças; o mesmo tratamento evocativo dos objectos do morto; um aproximado retrato suburbano das grandes metrópoles brasileiras (o trabalho mal pago e a sombra do desemprego). Claro que o tom do filme de Dennison Ramalho está muito mais perto do cinema de culto, enquanto que o filme de Amaral Almeida é o de bom aluno do “cinema de fluxo” contemporâneo. O que importa notar nestes dois filmes, como reflexo de um Brasil convulsivo, é a desagregação familiar e o convívio com o sobrenatural como coisa quotidiana (e não como algo extraordinário). Como se falar com um morto desmembrado na morgue ou enterrar um dente do ciso e ver germinar dele a mãe morta fosse algo tão comum como fritar um ovo ou ir à escola. Mas se estas são as aproximações mais directas a uma realidade perturbada pelo fascismo e pelo tele-evangelismo, outros títulos procuram encontrar no desenho do passado um caminho para compreender o presente. Deslembro, de Flávia Castro, é um retrato doce e íntimo de uma adolescência em tempos de ditadura. Sendo que muito daquilo que é a história do filme é profundamente pessoal: um despertar para a idade adulta de uma filha de pai vítima da ditadura militar brasileira e de padrasto militante da resistência chilena. Um mapeamento afectivo das sequelas familiares que os espíritos revolucionários da esquerda dos anos 1970 deixaram junto dos seus entes queridos. E de forma muito distinta, também Gilda Brasileiro – Contra o esquecimento, de Roberto Manhães Reis e Viola Scheuerer, aborda uma história não tão distante assim da realidade brasileira contemporânea: a escravatura. Os realizadores acompanham Gilda, uma mulher que investiga a herança esclavagista da sua cidade. Em particular, um trilho e uma casa de comércio de seres humanos que funcionou durante várias décadas após a abolição da escravatura no país. E o que é surpreendente são os testemunhos fotográficos (o brilho revelador dos daguerreótipos) e documentais, mas também dos vivos que ainda conheceram os resquícios desse horror. Quando no Brasil se questiona os factos do período ditatorial e assomem as formas mais básicas de racismo (pela boca do presidente eleito) estes filmes servem como exercícios de rememoração colectiva do um terror muito recente. Os melhores filmes brasileiros que competiam na secção principal eram dois títulos assombrados: pelos “antepassados” e pelo próprio cinema. Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, de Renée Nader Messora e João Salaviza, foi feito junto de uma comunidade indígena brasileira, os Krahô, e adaptou histórias e rituais locais. Em especial o de um rapaz da aldeia que começou a ser assombrado pelo espírito do seu falecido pai, vendo-se obrigado a realizar a sua festa de fim de luto. ?Essa presença fantasmática leva Ihjãc, o protagonista, a fugir da aldeia para a cidade mais próxima onde lida com a burocracia e os vídeo-jogos do café. Uma das sequências mais curiosas do filme (que desmonta um pouco a aura mística que os povos indígenas sempre têm aos olhos ocidentais) corresponde a essa estadia, repleta de gags cómicos que se prendem com uma incompreensão mútua entre mundos, línguas, culturas e costumes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Só que Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos existe sempre em tensão. Uma que se prende, paradoxalmente, com a sua extrema proximidade à comunidade que filma e com a vontade de fazer um objecto cinematográfico que represente bem os Krahô e, ao mesmo tempo, represente bem a cinefilia do olhar dos cineastas. Os realizadores admitem que tentaram evitar o "tratado antropológico" fazendo algumas cedências, nomeadamente no que respeita à fidelidade da tradução da língua indígena, mas noutros momentos, como a descrição dos rituais fúnebres, optaram por preservar a cronologia dos eventos, mesmo a desfavor do ritmo narrativo. O filme habita então um limbo entre o desejo de cinema e o desejo de fidelidade, como que lutando consigo mesmo. E os primeiros minutos são particularmente importantes na forma como parecem expor esse “processo de intenções” de forma clara mas também simbólica: numa espécie de noite americana azulada conhecemos uma figura masculina por entre a vegetação, quase confundindo-se com ela, em planos fixos, quase abstractos de tão escuros. Depois a câmara fixa-se nas costas dessa figura. Nelas projectam-se os raios de lua filtrados pelo rendilhado das folhas e das árvores altas. As costas feitas tela, o corpo feito ecrã, o meio projectado no homem e o homem projectando-se no meio. Tensão e simbiose no cerrado do Tocantins. Já Domingo, de Clara Linhart e Fellipe Gamarano Barbosa, começa com um tango argentino na trilha sonora; no segundo plano apresenta três personagens alcoolizados, deitados em espreguiçadeiras, junto à água; as crianças brincam e na primeira linha de diálogo ouve-se “que saudades tenho de Buenos Aires”. Só não percebe quem não quer: Domingo é uma releitura brasileira de O Pântano de Lucrécia Martel em versão comédia sexual de desenganos – a primeira versão do argumento data de 2004, quando o Novo Cinema Argentino começava a transformar-se em cânone da contemporaneidade. Aqui encontramos uma mesma burguesia decadente, o mesmo ambiente pantanoso e o mesmo conflito de classe entre a família rica e os criados. Mas onde o filme de Martel levantava já várias questões sobre a interiorização do colonialismo na sociedade argentina, Domingo trabalha isso segundo o ponto e vista da política contemporânea brasileira: tudo se passa em 2003, no dia da tomada de posse de Lula da Silva. Era portanto para ser uma sátira sobre o fim de uma época, onde os antigos privilégios se democratizavam e já só restava o fogacho das aparências. No entanto, por questões de produção, o filme só ficou pronto em 2018, o que lhe dá um sentido diametralmente oposto. Já não é a vingança do proletariado, tudo virou profecia negra sobre a ascensão do fascismo: o anti-petismo como ideologia dominante. Alguém diz a certa altura, “quero ver o circo a arder” e de facto a dupla de realizadores delicia-se nesse fim de tempo onde tudo está à beira de se desmoronar. E perante a queda inevitável só resta beber, beber, snifar, foder e beber um pouco mais. Aí o filme encontra o seu centro, no humor triste e desesperado feito de portas trancadas e de trancas abertas. Especialmente quando se filmam cenas de conjunto, onde a dúzia de actores do filme ocupam todo o espaço e se movimentam elegantemente em redor de uma câmara que flui pelos rostos e pelos gestos de cada um deles. Mas o momento mais perturbante é quando se ouve a voz de Lula, no seu discurso de tomada de posse, feita assombração do conturbado presente brasileiro. Também aí não há corpo e, ouvidas agora, essas palavras de 2003 parecem já saídas da prisão onde o ex-presidente habita nos dias de hoje. Roucas e sem esperança, soterradas por um presente inimaginável. Quem diria que este era o futuro do Brasil…
REFERÊNCIAS:
Por que está a bandeira amarela? O que é o levante?
Desde terça-feira que faz sueste (vento de sudeste) na costa sul algarvia, situação que poderá manter-se até ao início do fim-de-semana. E isso nota-se na temperatura ambiente mais elevada, particularmente naquela região, mas que poderá correr o país todo. Trata-se do levante, fenómeno meteorológico vulgar no Algarve, que pode ocorrer uma ou duas vezes por mês, mas desconhecido dos banhistas de passagem. (...)

Por que está a bandeira amarela? O que é o levante?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-08-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Desde terça-feira que faz sueste (vento de sudeste) na costa sul algarvia, situação que poderá manter-se até ao início do fim-de-semana. E isso nota-se na temperatura ambiente mais elevada, particularmente naquela região, mas que poderá correr o país todo. Trata-se do levante, fenómeno meteorológico vulgar no Algarve, que pode ocorrer uma ou duas vezes por mês, mas desconhecido dos banhistas de passagem.
TEXTO: Sobram lamentos pela súbita agitação marítima, o suficiente para serem chamados à atenção pelos nadadores-salvadores, quando se desrespeita a bandeira amarela. E não respeitar a indicação de "pode-se tomar banho, não se pode nadar" vale uma coima. Diz o adágio popular que "de Espanha nem bom vento, nem bom casamento". Deixando de lado a segunda premissa, a primeira pode ser enganosa. Mas depende do ponto de vista. Aquele vento de levante corre de leste na região do estreito de Gibraltar e ganha velocidade quando apertado pelas placas continentais europeia e africana, afectando as águas mediterrânicas. Pode atingir valores entre os 60 e 70 km/h, mas quando dobra a região de Cádis perde intensidade, chegando a Portugal já na orientação sudeste, calmo, ou moderado, mas quente, trazendo consigo a agitação marítima, que em mar aberto pode provocar ondulação até três metros. Aqui, sim, um problema para a actividade piscatória profissional. E para os apreciadores de peixe, pois em casos extremos rareia o pescado, o que faz disparar o preço em banca. Por outro lado, a temperatura da água sobe, podendo assim manter-se vários dias, mesmo depois de aquela voltar à sua habitual quietude. Ontem, segundo os dados do Instituto de Meteorologia, a estação da ilha de Faro registava 22, 1 graus na água do mar. Não é difícil estes valores subirem até aos 25 graus. Também o Instituto Hidrográfico da Marinha portuguesa avalia estes e outros parâmetros das águas costeiras. De acordo com os dados que disponibiliza ao público, a bóia ondógrafo (que recolhe aquelas informações) colocada ao largo de Faro mediu ontem 1, 51 metros de altura média da ondulação. A altura máxima chegou aos 2, 53 metros, com a direcção de SE (sudeste) e temperatura da água (naquele local) de 20, 6 graus. As comunidades piscatórias pressentem-no e preparam-se. O alerta é a subida de temperatura e uma neblina salobra que dá outra coloração ao céu. E há um cheiro a mar na faixa costeira em zona urbana. João Paguado, mestre da embarcação Sãozinha Machado, de Santa Luzia, Tavira, que tal como as outras ali sedeadas se dedica à apanha do polvo - Santa Luzia é onde mais polvo se pesca no país, se bem que agora ele seja um bem escasso -, não foi ontem ao mar. "Está levante e aproveitamos para fazer uma limpeza à embarcação, pois sexta-feira [amanhã] vem aí a vistoria de higiene", diz. Mais alimentosUm dos tripulantes do Sãozinha Machado avalia que o actual levante "ainda não está forte, e uns foram [ao mar], outros não": "Amanhã [hoje] deverá estar pior. E isso pode ser um problema, pois ondulação forte é sinónimo de embarcação parada e por consequência menos uma oportunidade para sustentar a família. " Mas o fenómeno - que para os pescadores algarvios faz parte da vida, como o sal da água - também é bom para a pesca: "Não é só a água que aquece que traz peixe, são os fundos que ficam revolvidos com a ondulação. " Ou seja, fundos revolvidos libertam alimentos para a vida marinha, algas e plâncton. Morre em S. VicenteTambém os pescadores lúdicos cheiram o levante e aguçam o apetite para a captura. Artur Cardoso vai para a barra de Tavira, onde na zona de abrigo do esporão de poente se costuma formar uma boa onda para surfar. A Polícia Marítima não gosta que se juntem ali os pescadores, pois os novelos de linha de pesca perdida podem constituir perigo para a navegação que atravessa a barra. "É robalos, ao corrico, e sargos, de bom tamanho. Sueste é bom para este peixe. " O mesmo se passa ao longo de toda a costa. A ondulação do levante não poupa ninguém, embora os seus efeitos vão perdendo intensidade a partir das ilhas-barreira de Faro, chegando quase desvanecido a Lagos, para morrer à passagem do Cabo de S. Vicente.
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Palavras-chave alimentos casamento
Dentes de dinossauros revelam grandes migrações durante o Jurássico
Imagine um grupo de camiões tir de 20 metros, com patas, pescoço comprido e cauda a atravessar uma distância equivalente à largura de Portugal, em busca de comida. Os saurópodes faziam isso durante o Jurássico. Um estudo publicado na edição desta quarta-feira da Nature, que analisou dentes destes répteis gigantes, comprovou esta teoria antiga. (...)

Dentes de dinossauros revelam grandes migrações durante o Jurássico
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2011-10-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Imagine um grupo de camiões tir de 20 metros, com patas, pescoço comprido e cauda a atravessar uma distância equivalente à largura de Portugal, em busca de comida. Os saurópodes faziam isso durante o Jurássico. Um estudo publicado na edição desta quarta-feira da Nature, que analisou dentes destes répteis gigantes, comprovou esta teoria antiga.
TEXTO: Os saurópodes eram os grandes animais terrestres herbívoros do seu tempo. Os Camarasaurus, as espécies estudadas por Henry C. Fricke e pelos seus colegas, da Universidade do Colorado, tinham 20 metros e 18 toneladas. Em comparação um elefante africano macho com seis toneladas seria um anão. Mas havia espécies muito maiores. Estes animais precisavam de enormes quantidades de vegetação diária e os paleontólogos teorizaram durante anos que só com migrações é que seria possível manterem-se alimentados. “Em teoria não é assim tão surpreendente”, disse Fricke citado num artigo noticioso da revista Nature, acrescentando que se ficassem no mesmo local ao longo da vida não haveria vegetação e saurópode que resistisse. “Agora temos provas que mostram [que eles migravam] e um método que pode ser utilizado para estudar outros dinossauros. ”A investigação analisou 32 dentes de duas espécies deste género de saurópodes, que viveriam entre os 160 e os 145 milhões de anos atrás, no Jurássico superior, na região do Wyoming e Utah. Os dentes dos saurópodes estão sempre a crescer e a cair. O oxigénio que é utilizado na formação do esmalte é o que vem da água. Este oxigénio no esmalte retém os rácios dos isótopos 16 e 18 que estão na água. A base do dente, a parte mais nova, contém elementos da água que o dinossauro bebeu mais recentemente. Este rácio de oxigénio também existe na formação das rochas sedimentares. Os investigadores tiraram amostras dos sedimentos onde os dentes foram descobertos – que será o mesmo local onde os dinossauros morreram –, e o rácio não batia certo. Quando procuraram por locais à volta com o mesmo rácio dos isótopos, concluíram que esses locais eram distantes, chegavam a estar a 300 quilómetros do local onde os répteis tinham morrido. Os cientistas concluíram que estes saurópodes viajavam das regiões de planície para regiões mais montanhosas na direcção Este-Oeste, onde nas alturas mais secas, haveria água e vegetação para alimentá-los. O próximo passo é utilizar esta técnica para tentar perceber o que é que acontecia aos animais que dependiam destes herbívoros. “Os [dinossauros] que estamos realmente interessados agora são os carnívoros [associados a estes saurópodes]”, disse Fricke. “A questão é se ficavam no mesmo local, à espera dos herbívoros, ou se os seguiam durante a migração. ”
REFERÊNCIAS:
Nelson Mandela vai ser a figura das novas notas da África do Sul
A África do Sul vai ter novas notas até ao final do ano com a efígie de Nelson Mandela, o primeiro chefe de Estado eleito em democracia no país, em 1994. A nova série de notas foi anunciada neste sábado pelo Presidente Jacob Zuma, no dia em que se comemoram 22 anos da libertação de Mandela. (...)

Nelson Mandela vai ser a figura das novas notas da África do Sul
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2012-02-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: A África do Sul vai ter novas notas até ao final do ano com a efígie de Nelson Mandela, o primeiro chefe de Estado eleito em democracia no país, em 1994. A nova série de notas foi anunciada neste sábado pelo Presidente Jacob Zuma, no dia em que se comemoram 22 anos da libertação de Mandela.
TEXTO: A figura do antigo Presidente vai substituir uma série de notas (de 10, 20, 50, 100 e 200 rands) que têm como tema os cinco grandes do reino animal africano – o elefante, o búfalo, o leopardo, o leão e o rinoceronte. As notas estão ainda em fase de concepção e produção, mas Jacob Zuma, que apresentou a homenagem a Mandela no banco central sul-africano, em Pretória, mostrou aos jornalistas o modelo das notas de 50 rands. “Com este gesto modesto”, o país quer prestar “gratidão” a Mandela, afirmou. “Estas notas permitem-nos recordar o que fizemos para continuar o nosso caminho no sentido de uma sociedade mais próspera”. Os media tinham antecipado um “anúncio de importância nacional”. Ao lado do ministro das Finanças, Parvin Gordhan, e da governadora do banco central, Gill Marcus, Jacob Zuma começou por falar de Mandela como um “ícone” da luta contra o apartheid. “Hoje é um dia muito importante na história da África do Sul democrática”, continuou, para só depois explicar o porquê de ter convocado uma conferência de imprensa para o banco central nacional: “Em nome do Governo e do povo africano, tenho a honra de anunciar que as novas notas do banco sul-africanas terão como efígie Nelson Mandela, o primeiro Presidente da África do Sul livre”. As notas, observou a governadora do banco central, “não são apenas um meio de pagamento, mas também um elemento do património e da cultura”.
REFERÊNCIAS:
Sequenciado o genoma de um gorila, um passo importante para o estudo da evolução humana
Chama-se Kamilah, é uma fêmea da subespécie Gorilla gorilla gorilla, conhecida como “Gorila-do-ocidente”, e em 15% do seu genoma está mais próxima dos humanos do que os chimpanzés. O projecto de sequenciação do genoma do gorila foi completado e uma parte dos resultados, importantes para o estudo da evolução da espécie humana, foi publicada nesta quarta-feira na edição online da revista Nature. (...)

Sequenciado o genoma de um gorila, um passo importante para o estudo da evolução humana
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2012-03-08 | Jornal Público
SUMÁRIO: Chama-se Kamilah, é uma fêmea da subespécie Gorilla gorilla gorilla, conhecida como “Gorila-do-ocidente”, e em 15% do seu genoma está mais próxima dos humanos do que os chimpanzés. O projecto de sequenciação do genoma do gorila foi completado e uma parte dos resultados, importantes para o estudo da evolução da espécie humana, foi publicada nesta quarta-feira na edição online da revista Nature.
TEXTO: Foi a primeira vez que os cientistas compararam os genomas dos quatro grandes primatas: humanos, chimpanzés, gorilas e orangotangos. “O genoma do gorila é importante, porque nos dá mais informação sobre o momento em que os nossos antecessores se diferenciaram dos nossos parentes mais próximos. Também nos permite explorar as semelhanças e diferenças entre os nossos genes e o gorila, o maior primata vivo”, explica Aylwyn Scally, do Wellcome Trust Sanger Institute, Hinxton, Reino Unido. Estudos prévios mostraram que os humanos são mais próximos dos macacos africanos do que dos orangotangos e que somos mais próximos dos chimpanzés do que dos gorilas. O artigo publicado na Nature por cientistas do Wellcome Trust Sanger Institute e outros investigadores envolvidos no projecto internacional confirmam estas conclusões. No entanto, as autores revelam que em 15% do genoma do gorila as semelhanças com os humanos são maiores do que se nos compararmos aos chimpanzés. “Analisámos mais de 11 mil genes em humanos, chimpanzés e gorilas à procura de alterações importantes na evolução da espécie. Os humanos e chimpanzés são geneticamente mais próximos na generalidade do genoma, mas a equipa encontrou excepções a essa regra. Em 15% do genoma os humanos são mais próximos do gorila do que dos chimpanzés e em 15% do genoma os chimpanzés são mais próximos do gorila do que dos humanos”, acrescenta Scally, numa nota de imprensa divulgada sobre este trabalho. O estudo revela ainda que há cerca de 500 genes que mostram uma evolução acelerada nas linhagens do gorila, humanos e chimpanzés e defendem que é possível afirmar que, em determinados aspectos, este processo de evolução aconteceu de forma muito semelhante, especialmente nos genes responsáveis pela audição. “Alguns estudos científicos sugerem que a rápida evolução nos genes responsáveis pela audição nos humanos está ligada à evolução da linguagem. Os nossos resultados colocam isso em causa, dado que os genes da audição evoluíram de uma forma muito semelhante nos gorilas e humanos. ” Os autores do artigo referem ainda que estes primatas se separaram dos humanos e chimpanzés há 10 milhões de anos. Já a separação do gorila nas duas subespécies (da ocidente e do oriente) terá ocorrido há apenas 1, 75 milhões de anos. Além dos dados obtidos com a descodificação do genoma de Kamilah, os investigadores quiseram fazer comparações nesta espécie e também reuniram informação sobre outros três gorilas (dois da mesma subespécie – o macho Kwanza e a fêmea EB(JC) – e um da subespécie do oriente – o macho Mukisi). “A nossa investigação consegue o retrato final que possibilita a comparação entre os grandes primatas”, resume Richard Durbin, outro dos autores do artigo. Os homens e os chimpanzés foram os primeiros primatas a terem a sua informação genética analisada letra a letra. O trabalho do genoma do macaco Rhesus, realizado por um consórcio internacional de cientistas e publicado na revista Science em 2007, revelou que os homens, os chimpanzés e os macacos partilham 97, 5% dos seus genes. Uma nota da Universidade de Washington adiantava ainda nessa altura que, se confrontássemos o genoma humano com o do macaco Rhesus – um primata usado como modelo animal em diversas investigações –, podíamos constatar que as diferenças genéticas são da ordem dos 7%. Nas conclusões do artigo publicado na Nature, os investigadores sublinham: “Além de nos ajudar a perceber a evolução humana, o estudo dos grandes primatas remete-nos para um tempo em que a nossa existência era mais frágil, e, fazendo isto, destaca a importância da protecção e conservação destas impressionantes espécies. ”
REFERÊNCIAS:
Debate sobre o estado da arqueologia em Portugal abre congresso em Lisboa
Um debate sobre o estado da arqueologia em Portugal abre sábado o X Congresso da Era, em Lisboa, que também apresentará resultados das escavações na Herdade dos Perdigões, no Alentejo, disse à Lusa o arqueólogo Miguel Lago da organização. (...)

Debate sobre o estado da arqueologia em Portugal abre congresso em Lisboa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-03-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um debate sobre o estado da arqueologia em Portugal abre sábado o X Congresso da Era, em Lisboa, que também apresentará resultados das escavações na Herdade dos Perdigões, no Alentejo, disse à Lusa o arqueólogo Miguel Lago da organização.
TEXTO: O responsável da ERA, empresa de arqueologia líder do mercado português, alerta para o facto de “nada se saber” sobre o sector em Portugal: “Se a tutela [Secretaria de Estado da Cultura] tem uma estratégia nada é dito nem é solicitado qualquer contributo à comunidade arqueológica, nada se sabe”, diz o arqueólogo à Lusa. “Está tudo em convulsão em termos de arqueologia e património com o anúncio do fim IGESPAR [Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico]. Se a tutela tem uma estratégia nós não sabemos, quem está no terreno não sabe com que linhas se cose”, rematou Miguel Lago. Participam no debate de abertura do Congresso, moderado pelo arqueólogo António Valera, os arqueólogos Carlos Fabião, Miguel Lago e Luís Raposo, actual director do Museu Nacional de Arqueologia. O Congresso vai fazer “um apanhado reflexivo” sobre algumas das actividades da Era-Arqueologia e irá apresentar, pela primeira vez, a “colecção extraordinária de figuras calcolíticas e neolíticas [com mais de 5000 anos] da Herdade de Perdigões [Reguengos de Monsaraz] única na Península Ibérica, pela sua variedade”. Miguel Lago disse que o conjunto de figuras encontradas, em que sobressai “uma série de animais como pássaros, um coelho, bois e porcos, muito pequenininhos mas muito bem feitos”, não tem paralelo no território português. Será feita “a sua apresentação e contextualização ibérica e europeia” do achado, a par de “uma comparação com uma série de figuras antropomórficas das ilhas Cíclades, na Grécia, do outro lado de lá do Mediterrâneo”. O arqueólogo afirmou que “há várias linhas de investigação teórica, relativamente ao que representarão estas figuras, tanto mais que as escavações nos Perdigões são um laboratório/biblioteca, abertas a investigadores de várias universidades”. Outra questão que torna interessante esta colecção é que algumas figuras são feitas de marfim africano, “o que leva a supor que há 5000 anos havia comércio entre esta parte da Europa e África”, disse. Além das escavações na Herdade dos Perdigões, Miguel Lago destacou também duas outras comunicações que serão apresentadas no Congresso, uma sobre vestígios rurais romanos em Lisboa, e outra sobre uma “estação de serviço” do mesmo período histórico, nos arredores de Conímbriga (Condeixa-a-Nova). Em Lisboa, na rua do Passadiço, ao Campo de Sant’Ana, foram encontrados restos de uma casa rural “que nos dá uma leitura do que era a zona saloia naquela época”. “Na zona de Condeixa-a-Nova foi encontrada uma via romana, sobre a qual se está a construir a auto-estrada do Pinhal Interior, que liga Tomar a Condeixa, e foi pela primeira vez escavada na íntegra uma ‘mutaceo’, uma estação para trocar cavalos e arranjar carruagens, dormir, correspondendo às actuais estações de serviço”. A Era existe há 15 anos e realizou já cerca de 1100 projectos arqueológicos em várias regiões do país, como Silves, Loures ou Lisboa. O Congresso tem lugar no auditório do Metropolitano de Lisboa, na estação do Alto dos Moinhos, e decorre todo o dia de sábado a partir das 10h.
REFERÊNCIAS:
Primeiro-ministro afastado por golpe anuncia regresso à Guiné-Bissau
Gomes Júnior diz que vai concorrer às eleições previstas para Novembro e "ganhar com 80%”. (...)

Primeiro-ministro afastado por golpe anuncia regresso à Guiné-Bissau
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-08 | Jornal Público
SUMÁRIO: Gomes Júnior diz que vai concorrer às eleições previstas para Novembro e "ganhar com 80%”.
TEXTO: Carlos Gomes Júnior, derrubado do cargo de primeiro-ministro da Guiné-Bissau por um golpe de Estado militar, em Abril do ano passado, anunciou, nesta quinta-feira, que vai regressar ao seu país e concorrer às eleições gerais previstas para Novembro. “Regresso porque entendo ter chegado o momento de virarmos a página para o bem-estar da Guiné-Bissau e do seu povo”, disse, numa conferência de imprensa, em Lisboa. Vestido com bandalai, traje tradicional guineense, Gomes Júnior não adiantou uma data concreta para o regresso – “estamos a criar as condições necessárias”, disse – mas declarou esperar estar em Bissau quando passarem os 40 anos da declaração de independência, no próximo dia 24 de Setembro. Em resposta a perguntas dos jornalistas sobre a sua segurança, afirmou que são “as Nações Unidas e todos os parceiros que têm de dar essas garantias” uma vez que as actuais autoridades do país “garantem que há todas as condições para a realização de eleições”. “Há uma resolução das Nações Unidas que exige garantia de condições mínimas para uma eleição”, afirmou também. Gomes Júnior disse que é candidato às eleições presidenciais para ganhar. “Não vou ganhar as eleições com 49%, vou ganhar com 80%”, afirmou. O então primeiro-ministro foi derrubado a 12 de Abril de 2012 por um golpe militar liderado pelo chefe das Forças Armadas, general António Indjai, entre a primeira volta das presidenciais, que venceu com 49% dos votos, e a segunda, que não chegou a realizar-se. Depois de um período de detenção foi libertado, e, após uma breve passagem pela Costa do Marfim, viveu no último ano em Portugal. O actual líder do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) deixou em aberto a possibilidade de se candidatar, ou não, à chefia do partido em função do desenrolar dos trabalhos do congresso partidário a realizar. “Há incompatibilidades, temos de ver como as coisas vão evoluir”, disse, em resposta ao PÚBLICO, sobre a possibilidade de se candidatar à Presidência e não à liderança do partido.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Depois de libertado, Domenico Quirico diz que na Síria "a revolução perdeu a honra"
O jornalista italiano de 62 anos raptado por um grupo rebelde em Abril e libertado na semana passada relata os 152 dias de um cativeiro "desumano". (...)

Depois de libertado, Domenico Quirico diz que na Síria "a revolução perdeu a honra"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-09-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O jornalista italiano de 62 anos raptado por um grupo rebelde em Abril e libertado na semana passada relata os 152 dias de um cativeiro "desumano".
TEXTO: Medo, fome e humilhações em pequenos quartos escuros de janelas fechadas sob um calor abrasador. Domenico Quirico viveu 152 dias em que foi tratado de forma desumana, conta ao seu jornal, o diário italiano La Stampa, depois de ter sido libertado, há dez dias. Sente-se “traído” por “uma revolução que se tornou propriedade de fanáticos e bandidos”. “A Síria transformou-se no País do Mal, a terra onde o mal triunfa”, diz. Quirico foi libertado numa noite de domingo. O relato ao seu jornal, que o semanário britânico The Observer reproduz em parte, começa numa outra noite “doce como o vinho”, 8 de Abril, em Qusair, bastião dos rebeldes, a cerca de 30 quilómetros de Homs, norte de Damasco, quando ainda acreditava naquilo que o tinha levado à Síria. “Vim para relatar mais um capítulo da guerra na Síria. Em vez disso, seguiram-se 152 dias de cativeiro. Enfrentei duas execuções fingidas, o silêncio de Deus, da minha família e do mundo”, escreve. Sofreu com a fome e a falta de compaixão. "Estávamos presos como animais. "Chegou a Qusair, já devastada pela guerra, numa coluna dos rebeldes do Exército Livre da Síria e ao fim de um percurso feito no escuro por estradas controladas pelo regime. Estava com o professor belga Pierre Piccinin. Os dois foram raptados e libertados nos mesmos dias. Os dois foram surpreendidos por homens de cara tapada saídos de duas carrinhas de caixa aberta, que os levaram para uma casa e os espancaram. Diziam trabalhar para a polícia do regime. Eram afinal fervorosos islamistas que às sextas-feiras ouviam sermões contra o Presidente Bashar al-Assad, conta Domenico Quirico. “A prova final foi quando foram bombardeados do ar. Era claro que tínhamos sido raptados pelas forças rebeldes. ”Não eram mais que um grupo de bandidos e não islamistas ou revolucionários. "O Ocidente confia neles mas aprendi a meu custo que estamos a falar de um novo e perturbante fenómeno na revolta: a emergência de bandidos ao estilo da Somália que, usam o islão e o contexto da revolução para controlarem pedações de território, extorquirem dinheiro da população, raptarem pessoas e encherem os bolsos", diz. “Na Síria, a revolução perdeu a honra", acrescenta numa entrevista ao jornal francês Le Figaro. Nenhuma compaixãoO chefe era um autodenominado emir, Abu Omar, que várias vezes sorria perante a crueldade infligida sobre outros. Neste caso, sobre Domenico Quirico. Uma vez, “sentado como um lorde” e “rodeado dos seus combatentes” chamou o jornalista para se sentar a seu lado. E permaneceu impávido perante a súplica deste: “Pedi-lhe [que me emprestasse] o seu telefone, disse-lhe que os meus familiares provavelmente pensavam que eu estava morto e que ele estava a destruir a minha vida e a da minha família. Riu-se, e disse que não havia rede na zona. Não era verdade. ”Uma única vez, diz, ele e Pierre Piccinin foram tratados de forma humana: quando, devido aos bombardeamentos, tiveram de ser entregues, por uma semana, ao grupo Jabhat al-Nusra, “a Al-Qaeda da Síria”. “Foi a única vez em que fomos tratados como seres humanos. Davam-nos por exemplo da mesma comida que eles comiam”, conta. “São fanáticos que esperam construir um Estado islâmico na Síria e por todo o Médio Oriente. Mas em relação aos seus inimigos – e sendo brancos, cristãos e ocidentais, nós eramos seus inimigos – têm um sentido de honra e de respeito. ”Tentativas de fuga falhadasDuas vezes tentou fugir com o professor belga, raptado pelo mesmo grupo. E duas vezes foram apanhados para serem depois violentamente castigados, mas não mortos. “O nosso valor para eles era como o de uma mercadoria. (…). Podem agredir-te mas não matar-te porque se acabam contigo não poderão vender-te", diz Quirico. O jornalista veterano, de 62 anos de idade e acumulada experiência em cenários de guerra, acreditou que ia ser morto. Esse medo sentiu-o pelo menos duas vezes, quando o encostaram à parede com uma arma colada à cabeça. “Longos momentos seguiram. [Nessa situação] Sentimos vergonha de nós mesmos. Sentimo-nos zangados e com medo”, confessa. E quando o largaram (a ele e ao companheiro de sequestro) no escuro, junto à fronteira, e disseram para os dois caminharem. “Pensei que iam disparar sobre nós por trás. Estava escuro, era um domingo à noite, depois do pôr-do-sol. (…) Tinha a certeza de que nos iam eliminar. Eu tinha visto as suas caras, sabia os seus nomes. Mas nenhum deles usou a sua kalashnikov. Inshallah (se deus quiser), este era o momento da nossa libertação. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE