Morreu Ara Güler, o fotógrafo das imagens icónicas de Istambul
As suas fotos a preto e branco de Istambul ficaram conhecidas em todo o mundo. Tinha 90 anos. (...)

Morreu Ara Güler, o fotógrafo das imagens icónicas de Istambul
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: As suas fotos a preto e branco de Istambul ficaram conhecidas em todo o mundo. Tinha 90 anos.
TEXTO: O fotógrafo turco Ara Güler, criador de imagens de Istambul que deram a volta ao mundo, morreu esta quarta-feira, aos 90 anos. Segundo a agência de notícias Anadolu, faleceu de insuficiência cardíaca no Hospital Florence Nightingale, em Istambul, onde estava internado nos cuidados intensivos. Ara Güler, nascido em 16 de Agosto de 1928, começou a carreira de fotógrafo no jornal Yeni Istanbul, em 1950, antes de trabalhar para media internacionais como a Time-Life ou Paris Match. As suas fotos, a preto e branco, retrataram tanto a melancolia da cidade de Istambul, com inúmeras imagens de trabalhadores na sua rotina diária, como as rápidas mudanças a que a urbe foi sendo submetida ao longo dos anos. Apelidado de “O olho de Istambul”, soube captar a identidade da capital turca ao longo de 75 anos, com imagens a preto e branco da vida quotidiana, desde os pescadores aos pequenos comerciantes e operários. Para além disso, ficou também conhecido por fotografar inúmeras figuras mundiais como Winston Churchill, Gandhi, Salvador Dali ou Picasso. “As pessoas chamam-me o fotógrafo de Istambul, mas eu sou um cidadão do mundo. Um fotógrafo do mundo”, disse, um dia, numa entrevista. A sua profissão permitiu-lhe viajar por todo o mundo, do continente africano ao Afeganistão, mas sobretudo na Turquia natal. Ao longo da carreira, cruzou-se com nomes destacados da fotografia mundial, como Marc Riboud e Henri Cartier-Bresson, o que lhe permitiu entrar para a agência Magnum Photos. Em Istambul existe um museu que celebra a sua obra.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Xinobi e Mirror People: duas cabeças com imensa música lá dentro
São da mesma geração, começaram no rock, tanto se apresentam em formato banda ou como DJ e até já partilharam editora. Agora Mirror People reinventa-se com pop electrónica e Xinobi com house emocional. (...)

Xinobi e Mirror People: duas cabeças com imensa música lá dentro
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: São da mesma geração, começaram no rock, tanto se apresentam em formato banda ou como DJ e até já partilharam editora. Agora Mirror People reinventa-se com pop electrónica e Xinobi com house emocional.
TEXTO: São da mesma geração, começaram no rock, tanto se apresentam ao vivo com banda como no papel de DJ e até já partilharam a mesma editora – a Discotexas. Bruno Cardoso, ou seja Xinobi, e Rui Maia, ou seja Mirror People, por coincidência, acabaram de lançar o segundo álbum das respectivas carreiras. O seu percurso e a matriz estética que têm abraçado, conotada com a electrónica de inspiração dançante, tem pontos de contacto, mas cada um possui uma sonoridade definida. O que não significa ausência de inquietação. E a prova são os álbuns de ambos, onde, sem descolarem totalmente do que haviam feito antes, criando música física que seja capaz de provocar a imaginação, perseguem novos desígnios. A obra de Rui Maia é até capaz de ser mais inesperada, porque o ano passado havia lançado um álbum em nome próprio, Fractured Music, mais direccionado para os terrenos do tecno. Agora, com Bring The Light, não só descola dessa obra, como se afasta da estreia como Mirror People em 2015 com o álbum Voyager, mais virado para as recuperações contemporâneas dos sons disco. “Este álbum é mais direccionado para a pop electrónica”, concorda, “contendo influências de algumas das áreas menos previsíveis, ou menos exploradas, dos anos 1980, enquanto o primeiro era mais centrado no disco sem qualquer dúvida. ” Rui Maia idealiza, compõe e produz mas não lhe peçam para cantar. No primeiro álbum, para essa função, lá estavam Hard Ton, Rowetta, James Curd, Iwona Skwarek ou Maria do Rosário, que o acompanhou em muitos concertos. Agora é assistido vocalmente apenas por João Abrantes, ou seja Jonny Abbey, que também assina a mistura e as letras e que lançou recentemente o álbum de estreia. “Na elaboração dos discos gosto de operar de forma solitária, mas é importante durante o processo, ou posteriormente, na apresentação do mesmo, poder contar com outras pessoas”, afirma, reconhecendo que a sonoridade mais vincadamente sintética resultou de uma opção pessoal que foi sendo maturada ao longo do último ano e meio, embora o modelo de canção pop electrónica não se tenha perdido pelo caminho, envolvida por uma consistente atmosfera que resulta tão retro quanto futurista. As influências que refere dos anos 1980 (Human League, Soft Cell ou o Prince mais sintético) estão lá, embora também se pense em projectos que têm reactualizado essa memória, como os afectos à editora americana Italians Do It Better (Chromatics, Desire, Glass Candy) ou a pop electrónica dançante dos ingleses Hot Chip, ou até os Datf Punk do último álbum, na forma como o som sintetizado das guitarras é trabalhado. A maior parte das canções expõe um envolvimento assumidamente excessivo, com os sintetizadores robóticos e a voz voluptuosa a apontar para tensões eróticas ou para cenários urbanos requintados. Há qualquer coisa de artificioso nos quadros sonoros propostos, com cada canção a integrar diferentes temperaturas – do glaciar ao mais cálido – que são canalizadas para criar climas de volúpia. Autor: Mirror PeopleBelong Records“Este é um disco muito urbano, reflectindo sons e experiências da cidade, apenas a primeira faixa acaba por funcionar como diferenciação, com sons de pássaros, embora gravados em Monsanto”, graceja. Tal como noutros casos da música pop contemporânea tudo parece basear-se numa ideia de partilha de memórias perdidas no tempo e espaço, sejam as musicais de Maia, sejam as experienciais de Abrantes, embora a dupla consiga suplantar qualquer ideia de mera rescrição do passado, com uma afinada sensibilidade pop e a criação de ambientes que nos parecem devolver tanto a vibração como a melancolia nocturna das grandes urbes. Na última década e meia Rui Maia tem estado activo. Em primeiro lugar com o grupo X-Wife, que co-fundou e no qual é teclista, e depois a partir de 2010 como Mirror People, onde mantém o gosto pela investigação sonora com sintetizadores de época, e o ano passado em nome próprio. Quando olha para o universo actual da música de inspiração dançante feita em Portugal sente uma certa paralisação, muita gente a fazer música mas sem grandes novidades. Na sua visão os nomes que se distinguiam há cinco anos, quando se sentia uma grande efervescência na área são os mesmos que continuam a merecer destaque. E entre eles estão alguns que integram a editora e colectivo Discotexas para a qual já editou há uns anos. “Gosto muito do que fazem, seja a Da Chick, ou o Moulinnex, o mais internacional de todos nós, mas especialmente o Bruno, o Xinobi. ”Quando falamos com Bruno Cardoso este devolve o elogio, enaltecendo Rui Maia, dizendo que ainda não tem uma opinião solidamente formada sobre o álbum do amigo – “apenas o ouvi ainda uma vez” – mas sublinha que ficou surpreso, pela positiva, pela mudança de direcção. Tal como no caso do músico e produtor do Porto, também existem linhas de continuidade e de transformação no segundo registo de Bruno Cardoso. “É um disco mais sintético do que anterior, mais digitalizado e electrónico, com as guitarras a ficarem totalmente na sombra”, afirma. Se no seu desempenho como DJ lhe é reconhecida capacidade para gerar celebração esfusiante a partir de música house, disco ou funk digitalizado, em estúdio a coisa muda um pouco de figura. O primeiro álbum, 1975, lançado em 2014, era música de dança garrida com dinamismos rítmicos assentes em linguagens como o house menos óbvio ou o ‘disco’ mais festivo, sublinhados por elementos de funk e dub, misto de momentos contemplativos e arranjos festivos para a pista de dança. No novo registo muda acima de tudo o tom. Os ritmos são mais distendidos, as cadências mais evolutivas, os ambientes mais reflexivos, existe mais tempo e espaço, com a subtileza, a elaboração formal e o respirar, a suplantar a tentação do impacto imediato. É um álbum mais sereno que o anterior. E também mais reflexivo. É uma meditação em torno dos contornos nebulosos do mundo actual, mas também um olhar para trás pessoalizado, para melhor se situar, do próprio músico. As suas raízes estão ancoradas na vivência da linha de Cascais, na faculdade de Belas-Artes e nas culturas do punk e do skate. Durante anos era um dos responsáveis, na guitarra, pela distorção punk provocada pelos The Vicious 5 e há cerca de dez anos viria ser um dos fundadores da editora e colectivo Discotexas, que aposta nas diversas dimensões da música house, disco ou electro. “No fim de contas quis mostrar que todas essas pontas soltas – o punk, o metal, o skate ou a música de dança – se acabam por unir, fazem sentido no cômputo geral do que faço”, diz. No livreto que acompanha o CD existe uma pequena entrevista com o brasileiro Igor Cavalera, um dos fundadores da conhecida banda de metal Sepultura, que nos últimos tempos tem também enverado pela música de dança como Mixhell, como se Bruno quisesse mostrar que todas as transições são possíveis. Da mesma forma, no primeiro tema, Skateboarding, existe uma reflexão de Ian MacKaye (o homem por detrás de bandas como os Minor Threat, Fugazi ou Dischord) sobre a cultura skate, vista como uma forma de redefinir o mundo à nossa volta. Autor: XinobiDiscotexas, distri. Universal“Nos anos 1990, na linha de Cascais, apanhei com todas essas culturas e elas continuam a fazer parte do que sou. Há pessoas que tinham uma percepção da zona como se fosse povoada apenas por betos, mas na verdade era e é uma realidade multifacetada. Nessa altura uma banda como os Primitive Reason acabou por sintetizar essa realidade muito bem, mistura de skate, graffiti, rock, hardcore, raiva, ska, reggae, mar ou surf. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para além de Ian MacKaye existem outras vozes que se ouvem em Quiet, nomeadamente a do poeta sul-africano Lararusman e das portuguesas Sequin e Margarida Falcão. É essa ligação entre vozes mais faladas que cantadas, com a música electrónica penetrante e imersiva, que acaba por criar espaço para a irrupção de um som house emocional de belo efeito. A última vez que falámos, aquando da edição do primeiro álbum, a sua carreira internacional, essencialmente no papel de DJ, mas também com a sua banda, encontrava-se num bom momento. Quatro anos depois diz que não se pode queixar. “Na Turquia gostam de mim, no México também, e no Oriente tem acontecido o mesmo, tenho viajado imenso à volta do mundo, o que é óptimo. Não sou muito de projectar coisas, mas tenho feito o que gosto, este ano a Discotexas vai fazer dez anos que é algo que nunca pensei que fosse possível e estamos aí com mais projectos (vamos lançar uma compilação de aniversário), portanto as ideias e a vontade de as concretizar, com mais música diferente, não faltam. ”Conhecendo-o, percebe-se que fala verdade. Xinobi, tal como Mirror People, têm imensa música na cabeça. O ponto de partida daquilo que fazem é bem definido. O ponto de chegada é sempre uma surpresa.
REFERÊNCIAS:
Morabeza: o jeito bem saboroso e acolhedor de Cabo Verde
Cozinha típica do arquipélago executada com apuro e qualidade técnica que a elevam a um patamar pouco comum. São jovens e mostram em Guimarães o lado mais saboroso do seu país. (...)

Morabeza: o jeito bem saboroso e acolhedor de Cabo Verde
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cozinha típica do arquipélago executada com apuro e qualidade técnica que a elevam a um patamar pouco comum. São jovens e mostram em Guimarães o lado mais saboroso do seu país.
TEXTO: Há um jeito gentil, afável e acolhedor, que nos envolve logo que pomos o pé neste restaurante. Simples e meio acanhado até na forma de receber os clientes, e a pôr logo de lado qualquer dúvida sobre a sua genuinidade e autenticidade. Dos produtos à forma de cozinhar, é a genuína cozinha de Cabo Verde que se serve neste recanto vimaranense, mas com a enorme vantagem de que há também sentido do serviço e do gosto e técnicas culinárias actualizadas. E se há no arquipélago atlântico uma natural diversidade, decorrente das suas dez ilhas, esclareça-se desde já que se trata da cozinha com raízes no centro da ilha de Santiago. Na zona de São Domingos que é, talvez, o pedaço mais genuinamente africano de todo o arquipélago. Com vegetação, culturas, gado e uma população de origem negreira, que claramente se destacam no conjunto das ilhas cabo-verdianas. Acabadinho de celebrar o seu primeiro aniversário, o Morabeza emerge do frenesim criativo e renovador que nos tempos mais recentes tem valorizado a cidade-berço. Novos bares, restaurantes, espaços e manifestações culturais que lhe emprestam mundividência, dinâmica e vibração. Não por acaso a estrela Michelin acabada de receber pelo vizinho A Cozinha, do chef António Loureiro, mas também vários outros projectos culinários de modernidade, como é o caso Le Babachris ou Flor de Tangerina, a somar à valente restauração tradicional que é também marca da cidade. E, tal como a nossa saudade, morabeza é também uma palavra que só faz sentido para os cabo-verdianos. Um regionalismo que significa amabilidade, hospitalidade, afabilidade e gentileza, e que casa a preceito com este restaurante. Um espaço criado, gerido e a funcionar com o empenho de jovens oriundos daquela zona do arquipélago, que por cá estudam ou fizeram a sua formação. O cozinheiro, Elias Varela, formado na Escola de Hotelaria de Lamego, é disso perfeito exemplo. A par do largo sorriso de acolhimento, é impossível não reparar nas louças, lenços e artesanato com motivos e cores africanas que compõem o ambiente quente do espaço com capacidade para umas três dezenas de comensais. Contexto simples e sem luxos, tal como a localização, numa viela medieval que atravessa as traseiras do casario da conhecida e central Praça do Toural. Viela da Arrouchela (Centro Comercial do Toural, Lj 32) 4810-427 Guimarães Tel. : 253 109 460 Cozinha típica de Cabo Verde Fecha às segundas e jantar de domingo Estacionamento: Não há (parques exteriores ao centro histórico)A oferta alinha propostas da cozinha típica de Cabo Verde, do pastel de milho ao atum e cachupas, incluindo bebidas como os grogues ou o vinho da ilha do Fogo. Provaram-se as duas sopas – caldo de ovo (2, 50 euros) e canja de atum (3, 50 euros) – com satisfação e aprovação. A canja aromatizada com coentros, o consomé com o ovo escalfado e desfeito e cebolinho. Também as quatro entradas propostas deixaram boa impressão e agrado, destacando-se o apuro técnico e acerto de sabores nos camarões em tempura de “mancarra”, que é como em crioulo designam o amendoim. Impecável também a execução culinária das asinhas de frango (bem secas, pele crocante e estaladiça) acompanhadas por molho agridoce e maionese de alho, tal como os pastéis de milho (refogado de recheio com batata-doce, pimentos e coentro) e os rissóis de atum. Todos servidos em quatro unidades e preços a variar entre 3 e 5, 50 euros. Na oferta piscícola, caldo e cachupa de peixes (9/9, 50 euros) e o atum grelhado com legumes salteados e chips de batata-doce (12 euros). Uma delícia o bife de atum, suculento e pleno de sabor, fibras intactas e cor rosada, a dar mostra do rigor técnico e culinário da cozinha. Já a cachupa surgiu na sua versão mais pobre, quase só com carnes de atum e a deixar água na boca para versões enriquecidas com variedade e diferentes texturas de pescados. No que respeita às carnes, o porco na cerveja com xarém parece ser o mais requisitado, numa oferta que inclui cachupa, cachupa guisada, peito de frango e cogumelos salteados com xarém, e cabrito no forno com feijão do Congo e mandioca frita. Provou-se o cabrito (15 euros), de assadura lenta e partido em pedacinhos saborosos, com os pequenos feijões escuros num saboroso guisado com legumes e chouriço e ainda arroz basmati. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Como propostas vegetarianas, xarém de legumes e cachupa vegetariana (8/9 euros), enquanto nas sobremesas são propostas duas mousses (abacate e coco) e um gelado. Provou-se o gelado de queijo de cabra com crocante de mancarra e papaia salteada (4 euros), num conjunto que resulta delicioso e de muito boa execução. Num contexto modesto e simples que é o do restaurante, também a carta de vinhos se mostra ajustada e com sentido de critério face à oferta gastronómica. Cativa também a simpatia e eficiência do serviço, a dar ainda um mais forte sentido ao contexto morabeza. A par da satisfação e sensação de conforto gastronómico, destaca-se a expressão de técnica e rigor culinário da cozinha de Elias Varela. Com produtos e receitas de Cabo Verde, mostra grande cuidado na definição dos sabores e na forma como destaca os ingredientes. Técnica e rigor que enriquecem a cozinha do arquipélago, e, não sendo vulgares na restauração local (nem na que também por cá se conhece), bem justificam a atenção dos representantes do país.
REFERÊNCIAS:
Rãs-marionetas e o regresso à grega inquietude no 2019 do Teatro Nacional São João
Mais de dezena e meia de estreias e co-produções fazem o calendário de espectáculos da instituição para o próximo ano. É a passagem de testemunho – com assinatura – de Nuno Carinhas para o seu sucessor na direcção artística do teatro, que já se prepara para celebrar o centenário em 2020. (...)

Rãs-marionetas e o regresso à grega inquietude no 2019 do Teatro Nacional São João
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais de dezena e meia de estreias e co-produções fazem o calendário de espectáculos da instituição para o próximo ano. É a passagem de testemunho – com assinatura – de Nuno Carinhas para o seu sucessor na direcção artística do teatro, que já se prepara para celebrar o centenário em 2020.
TEXTO: Na agenda do Teatro Nacional São João (TNSJ) para os próximos sete meses, apresentada esta sexta-feira no Porto, sobressaem dois momentos que terão algum simbolismo para a história da instituição: os dias 7 e 27 de Março. O primeiro assinala o 99. º aniversário do edifício projectado por José Marques da Silva que em 1920 veio substituir o primeiro teatro de ópera feito de raiz na cidade, arruinado por um incêndio uma década antes. Será então que a actual equipa do teatro nacional portuense irá antecipar o programa das festas de 2020, um ano que se antevê "redondo, grávido, cheio”. Depois, a 27, Dia Mundial do Teatro, Nuno Carinhas, que nessa altura será já ex-director do TNSJ, estreia a peça que vai encenar em parceria com Fernando Mora Ramos, O resto já devem conhecer do cinema, do dramaturgo britânico Martin Crimp, um “herdeiro da grega inquietação” – que, como aperitivo, o São João trouxe à edição este ano do Fórum do Futuro, onde proferiu uma conferência. Esta escolha de Carinhas, mesmo se resulta de “um desafio do Fernando Mora Ramos” – com quem, em 2015, encenou também O Fim das Possibilidades, de Jean-Pierre Sarrazac –, vem na sequência da atenção que, como encenador, tem dado ao teatro grego, e será, diz, “uma extensão” da experiência por que passou em 2010 com a montagem da Antígona, de Sófocles. “É interessante voltar à tragédia grega. Nós temos sempre de deixar passar algum tempo para voltarmos àquilo de que gostamos”, diz Carinhas ao PÚBLICO, explicando que já conhecia a obra de Crimp, mas que essa será a sua primeira experiência em palco com o dramaturgo, num espectáculo que irá contar com actores profissionais, mas também terá jovens ex-alunos da ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo) a fazer o coro. “Pareceu-me uma bela maneira de me ir afastando aos bocadinhos da casa, mas sobretudo porque os gregos, e a maneira como o Martin Crimp os trata, estão completamente actualizados: são os nossos problemas, e eu gosto de discutir política também em palco”, sublinha o encenador sobre uma peça que tem por base As Fenícias, de Eurípides. Carinhas termina no final deste mês um período de dez anos à frente da direcção artística do TNSJ – onde irá ser substituído em Janeiro por Nuno Cardoso. A programação para a primeira parte da temporada de 2019, ainda da sua responsabilidade, é particularmente densa e variada: tem 12 estreias e 16 co-produções; acolhe espectáculos de três festivais – a BoCA, o FITEI e o Dias da Dança –, apresenta criações de (autores e actores) jovens e consagrados; e desdobra-se em várias artes do palco (a dança e a música, a performance e a instalação, a literatura e a fotografia). É, naturalmente, um programa ainda com assinatura de Carinhas, mas o director-encenador recusa a ideia de que tenha pretendido deixar algum rasto mais vincado. “É uma programação que tem a ver com uma dinâmica da casa, que está agora mais ou menos confortável, apenas isso”, assegura. Desafiado pelo PÚBLICO a seleccionar meia dúzia de espectáculos da programação do TNSJ e das suas duas outras salas, o Teatro Carlos Alberto (TeCA) e o Mosteiro de São Bento da Vitória (MSBV), Carinhas põe a tónica nas estreias e nas co-produções com outras estruturas. E começa por sublinhar a chegada a Portugal da criação Mnémosyne, de Josef Nadj (MSBV, 17 a 20 de Janeiro), misto de exposição de fotografia e de performance de um autor que Carinhas considera “um demiurgo, do mesmo modo que Nekrosius o foi”. “Nadj é um artista completíssimo: escritor, bailarino, coreógrafo, encenador, artistas plástico, com uma poética que me diz muito”, acrescenta. Em Mnémosyne, o artista francês de origem jugoslava propõe um díptico em volta de rãs-marionetas com as quais encena várias narrativas entre o heróico e o trágico. Ainda em Janeiro (TNSJ, 30 a 10 de Fevereiro), Alice no País das Maravilhas marcará o primeiro encontro do São João com Ricardo Neves-Neves, aqui numa encenação partilhada com Maria João Luís, que dá ao clássico de Lewis Carroll “um tom musical e fantasioso, na exploração da consciência de si num registo surrealista”, nota Carinhas. A seguir virá Breu (TeCA, 14 a 23 de Fevereiro), co-produção com o colectivo Musgo sobre o mundo do circo numa metáfora sobre a precariedade do trabalho dos artistas. Já em Abril (TeCA, 10 a 13), Pathos, criação de Cátia Pinheiro e José Nunes, é “uma tragédia, um espectáculo-ruína”, que Carinhas associa uma vez mais ao imaginário da Grécia antiga numa viagem que nunca chegou a terminar, e um olhar sobre uma certa ideia de humanidade, nestes tempos de intolerância e fundamentalismos. Os autores, e fundadores do colectivo Estrutura, classificam a sua criação como “um salto de fé”. Outra estreia de 2019 será Coisas que não há que há (TeCA, 31 de Maio e 1 de Junho), cujo título remete de imediato para o imaginário de Manuel António Pina. Trata-se de uma criação de Catarina Lacerda e Raquel Couto, do Teatro do Frio, que reúne peças de dez compositores convidados a musicar outros tantos poemas do poeta-dramaturgo para um coro de vozes infantis e juvenis. Também terá a sua estreia no Porto Quimeras, de Luís Castro e Vel Z (MSBV, 7 a 9 de Junho), recriando o conceito perfinst (performance-instalação) a partir da escultura Cristo Velato (1753), de Giuseppe Samartino, exposta no Museu da Capela de São Severo, em Nápoles. Haverá ainda, até ao Verão, O Poeta Acorrentado à Mesa (TeCA, 26 a 30 de Junho), com que João Samões faz um retrato da vida e obra de Céline; Lux-Lucis (TNSJ, 4 a 6 de Julho), com Miquel Bernat e o seu Drumming – Grupo de Percussão a coreografarem um espectáculo musical sobre a luz e o seu lugar na sociedade; Bonecas (TeCA, 11 a 21 de Julho), que Ana Luena encenará a partir da pintura de Paula Rego e de um conto inédito de Afonso Cruz sobre a experiência de um orfanato feminino no Portugal dos anos 60; e Wild Spring (TNSJ, 18 a 28 de Julho), regresso do Ensemble à escrita do dramaturgo inglês Arnold Wesker, com Emília Silvestre a encarnar uma actriz famosa em conflito consigo própria e com o mundo. Pelo meio, Nuno Carinhas realça também a chegada, finalmente, ao palco da Praça da Batalha de Sopro (12 a 22 de Junho), criação do director artístico do D. Maria II, Tiago Rodrigues que teve estreia mundial no Festival de Avignon de 2017. E também admite a curiosidade que lhe desperta A Boda, de Bertolt Brecht (TNSJ, 30 de Maio a 8 de Junho), co-produção com o Centro Cultural de Belém em que Ricardo Aibéo – que foi aluno de Nuno Carinhas no Chapitô – replicará a experiência dos fundadores da Cornucópia, remontando essa peça de juventude do dramaturgo alemão que foi uma das primeiras produções daquela histórica (e entretanto extinta) companhia lisboeta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Intercalando este vasto calendário, os três palcos do TNSJ receberão também produções de outros tantos festivais. O primeiro é o BoCA – Biennial of Contemporary Arts, cuja segunda edição abre a 15 de Março e que, entre 10 e 18 de Abril, terá neles dois espectáculos: Cattivo (MSBV), da coreógrafa Marlene Monteiro Freitas, uma “instalação para estantes de partituras e outros materiais” que explorará as propriedades expressivas das estantes musicais e seus estados emocionais; e Hello My Name Is, de Edward Bond (TeCA, 17 e 18 de Abril), regresso ao Porto, vindo da Austrália, do actor e encenador Paulo Castro, com o actor José Da Costa a reflectir sobre a violência sofrida pelo povo de Timor-Leste sob o jugo da Indonésia. Do Festival DDD – Dias da Dança, o palco do São João vai acolher três espectáculos: Um Encontro Provocado, produção da Companhia Paulo Ribeiro sobre o tema da violência enquanto sentimento humano, com coreografia de Henrique Rodovalho (26 a 28 de Abril); Fúria (2 e 3 de Maio), regresso ao Porto de Lia Rodrigues, figura tutelar da dança brasileira, com uma criação estreada em Novembro passado em Paris em que recria “um mundo tumultuado por uma multitude de questões sem resposta, atravessado por sombras e imagens fulgurantes, de contastes, de paradoxos”; e Clarão (10 a 12 de Maio), uma produção Circolando feita a partir do Serapeum de Panóias, recentemente estreada em Vila Real. Regressado ao seu antigo calendário de Maio, o FITEI (Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica) passará igualmente pelos três palcos do TNSJ. Ali trará Preto (TeCA, 16 e 17 de Maio), espectáculo sobre o tema do racismo, dirigido pelo brasileiro Marcio Abreu; Tchékhov É um Cogumelo (TNSJ, 18 e 19 de Maio) , adaptação de As Três Irmãs, do dramaturgo russo, com encenação de André Guerreiro Lopes, para a companhia paulista Estúdio Lusco-Fusco; e, finalmente, Yo Escribo. Vos Dibujás, de Federico León (MSBV, 23 e 24 de Maio), regresso ao Porto deste dramaturgo e encenador argentino para uma residência artística de que resultará um espectáculo sobre o tema do autoconhecimento.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola violência racismo circo
Redes sociais vs. media profissional: “Vídeo, mentiras e hate speech”
Se o trollismo retira qualidade à democracia, a censura por interposta pessoa asfixia-a de morte lenta. (...)

Redes sociais vs. media profissional: “Vídeo, mentiras e hate speech”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.22
DATA: 2018-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Se o trollismo retira qualidade à democracia, a censura por interposta pessoa asfixia-a de morte lenta.
TEXTO: Na última década criou-se o mito de que a chamada “democracia digital”, tecida pelas redes sociais, iria oxigenar uma democracia representativa em crise. Com as redes teria nascido um universo de opinião influente, novos controlos difusos ao poder político e um diálogo direto entre governantes e governados (Saskia Sassen). A “democracia digital” modernizaria a “democracia deliberativa” de Habermas, legitimando decisão política pelo debate. No pico de um ciclo de entusiasmo, em que alguém defendeu que o Twitter deveria receber o Nobel, alguns céticos como Evgeny Morozov alertaram para a manipulação das redes por ditaduras ou serviços secretos de grandes potências. Outros, como Vallespin, observaram que sendo numerosas as informações falsas, muitos cidadãos conviveriam bem com essa falsidade para fulminar adversários. Na verdade, a “democracia digital” pouco teria de democrático, sendo antes uma manifestação do pluralismo social e político ampliada por uma tecnologia neutra, sendo possível usar o ciberespaço, tanto para derrubar ditaduras como para permitir a estas perseguir adversários; tanto para denunciar a corrupção como para dessacralizar o poder; e tanto para defender as liberdades como para violar o direito à privacidade. Em 2016, tudo mudou na “lua de mel” do establishment político e dos media com as redes sociais quando estas migraram das primaveras árabes ou do movimento “Occupy” para a direita populista. Com o impacto das redes no triunfo do “Brexit”, de Trump, de Putin, dos partidos populistas europeus e agora com Bolsonaro no Brasil, deflagrou a pandemia do trollismo (inspirado no troll, um mostrengo das lendas célticas), e que consistiria na queda das redes sociais nas mãos dos que postam notícias falsas e discursos de ódio. Ora a associação do trollismo à direita populista foi feita pelos media do mainstream depois do êxito de Trump e Bolsonaro que, frente a uma media hostil, usaram as redes para comunicarem com os eleitores, sem filtragem jornalística. O trollismo no ciberespaço ameaça a democracia? Para os media profissionais, o trollismo ameaçaria a democracia porque as redes seriam manipuladas por forças ultraconservadoras para difundir fake news e hate speech (discurso de ódio), substituindo uma comunicação social isenta por uma informação alienante do eleitor. Embora acompanhemos Morozov no seu ceticismo sobre as virtudes das redes, entendemos que o trollismo não tem um único viés ideológico. As campanhas norte americana e brasileira demonstram que as fake news proliferaram à esquerda e à direita. Se na eleição de 2016 nos EUA eram falsas as notícias sobre a doença grave de Hillary Clinton e a sua substituição por um duplo, também foi falsa a notícia de que apoiantes de Trump teriam gritado num comício “odiamos muçulmanos, odiamos negros, queremos o nosso País de volta em 2018”. Também no Brasil, não havendo dúvida que a direita lançou uma campanha violenta contra o PT nas redes, não é menos verdade que foram desmontadas como falsas as notícias de que partidários de Bolsonaro teriam assassinado um conhecido capoeirista da Baía e gravado uma suástica na pele de uma jovem. Fake news e hate speech não têm marca ideológica exclusiva. Tão pouco o trollismo põe em causa a democracia. A censura ameaça a democracia porque impede a liberdade de expressão e o acesso à informação, em tempo eleitoral. O trollismo é, ao invés, um abuso censurável dessa liberdade de expressão, que se contraria através da sua denúncia nas redes, nos media e em observatórios e se pune nos tribunais quando incita ao crime. É certo que afeta a qualidade da democracia quando condiciona uma fatia elevada do eleitorado, se bem que tal suceda também com as sondagens eleitorais falhas ou manipuladas (que ninguém põe em xeque já que são usadas pelos media). Redes vs. imprensa profissional. Os media profissionais generalistas, sem prejuízo de criarem jornais digitais que interagem com redes sociais, contrapõem a estas os seus pergaminhos de liberdade, rigor e isenção. E é um facto que uma sociedade livre supõe uma imprensa profissional, pois esta tem uma maior exigência na filtragem de notícias, na acuidade dos conteúdos e na sua controlabilidade. Mas seria uma fábula erigi-la a guardiã sacra da verdade e da privacidade e isentá-la do pecado do hate speech. A violação da privacidade e do bom nome é feita quotidianamente em media prestigiados, como a CNN, que dedicou um painel de discussão sobre as partes íntimas de Trump. Isenção, equidistância e rejeição do “discurso de ódio” é algo que também faltou quando a maioria dos media americanos ergueu uma “firewall” contra Trump em plena campanha eleitoral; quando na CNN o Presidente é chamado de racista, animal ou nazi; ou quando o editor do Die Zeit alemão escreveu que para se evitar a catástrofe populista se imporia um assassinato na Casa Branca. No Brasil, os media largaram uma maré de notícias falsas ou não comprovadas, como as de que Bolsonaro teria ameaçado de morte a ex-mulher; que teria votado no Congresso contra deficientes; e que haveria financiamento ilegal da sua campanha com propaganda massiva, robotizada no WhatsApp. Há muito que os media profissionais formam consciências. Hoje, são forçados a sobreviver com encargos salariais, oscilações de tiragem ou audiências, concorrendo com as redes, que são veículos informativos incontroláveis e de baixo custo onde muitos cidadãos, bem ou mal, fazem, com um clique, uma escolha da informação do seu agrado, a partir do Facebook ou do WhatsApp. A vitória, para muitos imerecida, de populistas, operada pela comunicação em rede, foi inesperada e amarga, pois significou não apenas a derrota do establishment político, mas também a da media profissional que tenazmente se lhes opôs. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Hoje, os temores reais dos partidos tradicionais e dos media, ante o provável avanço populista nas eleições europeias de 2019, criaram a tentação de restringir a liberdade de expressão nas redes. Só que, em democracia, cada pessoa é livre de aceder às notícias que deseja e no formato que entenda, tanto as fidedignas como as radicalizadas e até disparatadas que os algoritmos indicam ser da sua preferência. Essa liberdade, mesmo que menos esclarecida, não pode ser suprida por um Big Brother, pois terminou o tempo em que os media proclamam: “nós decidimos o conteúdo e vocês lêem. ”É certo que o ciberespaço, pelo seu relevo político e securitário, não pode ser uma “terra sem lei”, devendo haver regulação. Só que é duvidoso que a mesma possa ter como paradigma a Lei Alemã (NetzDG de junho de 2017), que tornou as firmas gestoras das redes, sob pena de pesadas multas, responsáveis pela remoção de conteúdos “ilícitos”, como fake news e hate speech (que passou a ser entendido num sentido perigosamente lato), gerando um sistema de censura indireta, como é o caso do Facebook que contratou um exército de “moderadores”. Ora, se o trollismo retira qualidade à democracia, a censura por interposta pessoa asfixia-a de morte lenta. O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
“Erradicar a fome é muito barato”
Produzir mais alimentos “não é a prioridade” num planeta em que a fome “está circunscrita” e a obesidade começa a ser um problema. José Graziano da Silva, Director-Geral da FAO e o responsável pelo programa Fome Zero, no Brasil, esteve em Portugal e deixou uma mensagem: quem alimenta o mundo são as grandes agro-indústrias e “temos que mudar isso”. A resposta está na agricultura familiar. (...)

“Erradicar a fome é muito barato”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.52
DATA: 2018-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Produzir mais alimentos “não é a prioridade” num planeta em que a fome “está circunscrita” e a obesidade começa a ser um problema. José Graziano da Silva, Director-Geral da FAO e o responsável pelo programa Fome Zero, no Brasil, esteve em Portugal e deixou uma mensagem: quem alimenta o mundo são as grandes agro-indústrias e “temos que mudar isso”. A resposta está na agricultura familiar.
TEXTO: O director-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, esteve em Lisboa para participar na reunião de alto nível da Comunidade dos Países de Expressão Portuguesa (CPLP), no final da qual foi assinada a Carta de Lisboa pelo Fortalecimento da Agricultura Familiar. É nos agricultores familiares que está a resposta para os problemas da alimentação no mundo, defende José Graziano, que foi o responsável pela implantação do programa Fome Zero no Brasil. A fome está hoje circunscrita a zonas de conflito e de alterações climáticas profundas, pelo que a obesidade é cada vez mais uma preocupação. É preciso alimentar uma população crescente, sim, mas aumentar a produção de alimentos “não é a prioridade”, afirma o responsável da FAO. O mundo alimenta-se mal. “Não sabemos o que comemos. ”Durante a sua visita referiu-se ao aumento da obesidade no mundo. É um problema começa a preocupar a FAO mais que o da fome?Eu não diria que preocupa mais. Ele ilustra o problema da má alimentação, que vai desde o não comer até ao comer demais. Neste momento, nos países de renda média e alta preocupa-nos muito mais o problema da obesidade do que o da fome. O problema da fome está bem circunscrito em três grandes áreas: os países em conflito, guerra civil, etc. , como é o caso Iémen e de alguns países africanos; está localizado em áreas afectadas pelos impactos do clima, particularmente secas prolongadas, como no Leste de África, muito afectada nos últimos três anos em regiões como a Somália ou o Quénia; e está localizado em bolsões de pobreza, de miséria extrema, típicos de países não só em desenvolvimento, mas também com um desenvolvimento muito desigual. Fora isso, há uma epidemia geral de obesidade. Por vezes, até na mesma família em que há um subnutrido, há um obeso. Afecta ricos e pobres e é um problema que vem da mudança de hábitos alimentares que tivemos nos últimos 40, 50 anos. Passámos da comida feita pela avó ou pela mãe para uma comida terceirizada, feita pelos outros, que não sabemos o que tem. Não sabemos o que comemos e isso leva-nos a ingerir muito mais sal, açúcares, muito mais gorduras saturadas do que necessitamos. Precisamos de recuperar o domínio da alimentação, saber o que comemos, é um problema de educação alimentar, mas também um esforço por comer de uma maneira mais saudável, mais frutas, verduras, mais produtos frescos e comer mais o que estamos acostumados a comer da nossa cultura, a comida nacional, e não o fazer apenas em dias de festa. A população mundial continua a crescer e é preciso respostas para alimentar esse número de pessoas. Nas últimas décadas acreditámos que essas respostas estavam na revolução verde, na agro-indústria, nos avanços tecnológicos. Neste momento, a FAO alterou a forma de olhar para o problema?É verdade. Desde a revolução verde, nos anos 60 e 70 do século passado, que o problema da produção tem sido equacionado de melhor forma que o do consumo. Neste momento, a fome não se explica pela falta de produção de alimentos mas sim pela falta de acesso aos alimentos. Não é que não haja produto, não há dinheiro para comprar o que comer. As pessoas não têm emprego, têm rendimentos muito baixos, não conseguem ter uma dieta saudável. Mas sobram alimentos. O mundo hoje deita fora um terço do que produz, aproximadamente. A ideia de que temos de multiplicar a produção de alimentos não é correcta?Não é a prioridade do momento. Sou muito cauteloso ao dizer que não há um problema de oferta, porque há. Em lugares muito localizados, na África subsariana, por exemplo, vários países têm um problema de conseguir produzir a quantidade de alimentos de que necessitam para a sua população, mas não é uma situação generalizada, são problemas localizados em regiões muito particulares. Temos a tecnologia dominada para permitir a produção dos alimentos de que precisamos, e de alimentos saudáveis. A situação hoje é completamente diferente da dos anos 60 e 70. A revolução verde cumpriu esse papel de equacionar o problema da produção de alimentos. Mas sempre que a gente resolve um problema, em geral causa outros. A revolução verde trouxe impactos no meio ambiente, o excessivo uso de químicos, e, sobretudo, essa concentração da produção em alguns alimentos. Hoje temos quatro, cinco, seis produtos que respondem por 80% do que nós consumimos: o arroz, o milho, o trigo, a soja e a batata. Não pode ser. Nós temos 36 mil plantas e animais que fornecem alimentação ao Homem, não podemos estar concentrados em cinco da maneira que estamos. Hoje a FAO defende o reforço da agricultura familiar, o que choca com o poder e os interesses da grande indústria alimentar. Como é que se consegue resolver esse dilema?Nós desenvolvemos sistemas alimentares fortemente concentrados nas cadeias agro-industriais. Agora quem alimenta o mundo são as grandes agro-indústrias. Temos de mudar isso. E é um esforço de recuperação porque a alimentação é parte da nossa identidade. Eu venho a Portugal e sei duas coisas fundamentais: primeiro, que vou falar português, segundo, que vou comer bacalhau, que é parte da cultura e tradição portuguesa mesmo não sendo um peixe daqui. Alimentação é o que nós somos, o que a nossa família é, o que a nossa aldeia, a nossa região é. Recuperar esse poder de interiorizar de novo a alimentação, que foi externalizada e banalizada, é parte desse projecto de comer melhor e comer saudável. Um exemplo bom é a questão das sementes — as directrizes da FAO falam da importância das sementes tradicionais, mas a legislação europeia vai num sentido contrário. Não existe, entre a Carta de Lisboa que acaba de ser assinada pelos países da CPLP, e as regras da Política Agrícola Comum (PAC) uma contradição?Hoje já temos implantados em praticamente todos os países do mundo bancos de sementes tradicionais, que estão a ser preservadas, não só localmente mas também em Svalbard, na Noruega, temos um silo em que preservamos todas as espécies do mundo. Há um esforço de recuperar esse conhecimento ancestral, até porque dependemos disso no futuro. Com todas as mudanças climáticas, vamos precisar de revisitar todas essas variedades para termos sementes mais resistentes à seca, ao calor, ao excesso de água em algumas regiões. Esse esforço muitas vezes obriga a voltar à origem genética dessas plantas e animais. Isso é parte do desenvolvimento científico e a FAO defende que a preservação da biodiversidade é fundamental. Sente que há vontade política para isso? Sendo que ela passa possivelmente por alterações na PAC ou nas políticas e legislações de outros países para acomodar esta nova visão?Há interesses muito fortes consolidados em torno do actual sistema agro-alimentar. Mas também há contradições tão evidentes, como é o caso da obesidade, que se vão impondo a esse poder existente. Já vemos contestações várias, médicos, advogados, agrónomos, economistas que se juntam para pedir uma alteração desse sistema agro-alimentar existente. Acredito que isso comece a abrir oportunidades de novas legislações. Portugal está a criar um estatuto da agricultura familiar, um estatuto do direito à alimentação, isso tudo são progressos que estamos a ver em várias partes do mundo. O caso brasileiro é um exemplo que tem citado muitas vezes e ao qual está profundamente ligado. Disse que há medidas do programa Fome Zero que estão a ser revertidas neste momento. Existe o risco de se voltar a situações anteriores, eventualmente até do regresso do Brasil do mapa da fome?O Brasil está a passar por uma crise social muito profunda, uma crise que tem muitas dimensões. Uma delas é a regressão de uma série de programas sociais que foram implantados e que garantiram a erradicação da fome em menos de uma década. A persistir essa regressão, sem dúvida cria-se uma oportunidade de o Brasil voltar ao mapa da fome. Mas não acredito que isso seja uma fatalidade histórica. O Brasil foi o primeiro país nos tempos modernos a erradicar a fome. Um país de mais de 200 milhões de habitantes em menos de dez anos ter tirado 40, 50 milhões de pessoas da pobreza extrema, da miséria e da fome… não se reverte isso com facilidade. O Brasil vai voltar a crescer este ano, o que já é um sintoma promissor, acredito que esses direitos conquistados pelo cidadão brasileiro de comer dignamente serão direitos reclamados nas eleições que virão por todos os movimentos sociais que o Brasil tem hoje organizados. Acho difícil o país voltar ao mapa da fome simplesmente por uma crise conjuntural. Mas o Brasil conseguiu implementar todas essas medidas num momento particularmente positivo da sua economia. Países mais pobres conseguirão fazer isso? São medidas que custam dinheiro. Custam muito pouco. Erradicar a fome é muito barato. A estimativa no caso do Brasil, que é o programa mais amplo que nós temos hoje no mundo, é que ele custa meio por cento do PIB. É muito pouco dinheiro. Estamos a falar do programa de compras públicas [com o qual o Estado compra a produtores locais para abastecer cantinas públicas, por exemplo], da Bolsa Família?Todos os programas, a reforma por tempo de idade e não por tempo de serviço, um conjunto de medidas que foram implementadas no Brasil e que levaram à erradicação da fome. É muito barato. A comida, de todos os elementos fundamentais da vida, é a mais barata. Não é um problema de custo, é um problema de prioridade política. Mesmo os mais pobres dos países podem pôr em funcionamento programas para erradicar a fome. Voltando à questão da fome severa, apesar de se dever sobretudo a conflitos ou alterações climáticas, ela cresceu nos últimos dois anos. O que é que levou a essa inversão no caminho positivo que se estava a conseguir fazer nos anos anteriores?Os anos de 2015 e 2016 foram anos atípicos na série histórica que a FAO trabalha. A reversão veio sobretudo em África e pelos conflitos que se multiplicaram, como a guerra do Sudão do Sul, no Congo, mas também na Somália, o impacto das secas na Etiópia, na Somália, em toda a costa leste africana em 2015. Em 2016 houve o acentuar do problema, com o agravar das secas e dos conflitos. O que eu projecto é que em 2018 exista um optimismo económico. O mundo deve voltar a crescer, tanto o mundo desenvolvido como o mundo em desenvolvimento. Isso gera emprego, oportunidades de trabalho, estou optimista que vamos ter um ano melhor do ponto de vista climático, económico, e se tivermos um ano melhor do ponto de vista político, podemos resolver muitos problemas. O que é que o leva a estar optimista em relação ao clima?Temos uma capacidade de projecção até seis meses e este ano, por enquanto, os sinais do El Niño em África, por exemplo, não são tão fortes quanto os do ano passado. Se ocorrer, o El Niño não será da magnitude e intensidade que tivemos nos dois, três anos anteriores. E também porque os países aprenderam. Não é preciso ter uma seca e ter fome. Não se pode evitar a seca, mas pode evitar-se que a seca seja transformada em fome se houver políticas sociais contracíclicas para enfrentar o problema. Os países aprenderam isso, existe já um financiamento do Fundo do Clima que está acessível a muitos países. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Portugal, além dos efeitos das alterações climáticas, há a questão da desertificação do interior. Acredita que é possível reverter esse cenário?Portugal é um bom exemplo, que agora começa a legislar e a monitorizar. Nós estamos a furar o planeta em muitos lugares para tirar água, mas isso não pode acontecer. Um dia essa água armazenada no subsolo acaba, precisamos fazer um melhor uso dela. As tecnologias hoje existem, pode-se irrigar com muito mais eficiência, existe a técnica gota a gota, que usa mil vezes menos água que a de inundação. É uma tecnologia que está disponível e tem de ser implementada, tem de se proibir a rega por inundação. Para isso, é preciso financiar os agricultores, principalmente os mais pobres, os familiares, para que possam aceder a essas tecnologias. É aí que estamos, um passo pede outro, mas estamos caminhando na direcção certa. Portugal é um grande exemplo, hoje, de como usar as directivas da PAC para ajudar os menos favorecidos, os mais pobres, fazendo uma discriminação positiva para superar a diferença que existe.
REFERÊNCIAS:
Era uma vez uma “escola modelo” que deixou de existir
A EB123/PE com creche do Curral das Freiras, situada no interior profundo da Madeira, tem figurado entre as melhores escolas do país nos rankings nacionais. Este ano lectivo, deixou de ter autonomia. (...)

Era uma vez uma “escola modelo” que deixou de existir
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: A EB123/PE com creche do Curral das Freiras, situada no interior profundo da Madeira, tem figurado entre as melhores escolas do país nos rankings nacionais. Este ano lectivo, deixou de ter autonomia.
TEXTO: No Curral das Freiras, na escola que em 2015 foi, entre as públicas, a melhor a Português ficando às portas do top10 a Matemática, a campainha continua a não tocar. Mas agora, conta Adriana Sousa, apressada para mais uma aula de um dia que já vai longo, as aulas começam mesmo à hora certa. “Este ano as coisas estão diferentes. É tudo mais rápido. Mais apressado. Mais cansativo. ” Adriana vem a descer a rua inclinada. Na mão, um pacote de bolachas aberto. Saiu da escola para lanchar, porque, diz numa voz que é quase um lamento, mas que é sobretudo uma constatação, “até no bar” a escola é outra. E é. Juridicamente falando, a EB123/PE c/Creche do Curral das Freiras, que serve as cerca de 1500 pessoas que chamam casa àquela pequena vila encrustada no maciço interior da Madeira, já não existe. No final de Junho, já o ano lectivo 2018/19 estava em preparação, a Secretaria Regional de Educação decidiu fundir aquele estabelecimento de ensino, situado no concelho de Câmara de Lobos, com a EB23 de Santo António, no Funchal. O procedimento, burocrático, enquadrado na reorganização da rede escolar da região autónoma, esvaziou a autonomia de uma escola que, em cinco anos, saltou dos lugares mais baixos do ranking regional para as posições cimeiras do país. A decisão, formalizada um dia depois da direcção da escola encabeçada por Joaquim Sousa ter sido reeleita com 75% dos votos, apanhou todos de surpresa. Professores, alunos, sindicato, pais e opinião pública não entendem a forma abrupta como o processo se desenrolou. Recolheram-se assinaturas para um abaixo-assinado. Escreveram-se cartas para o Presidente da República, para chefe do executivo madeirense, para os partidos no parlamento regional. O Sindicato dos Professores da Madeira (SPM) contestou a decisão junto do Tribunal Administrativo e Fiscal da região – além da do Curral das Freiras, também a Escola da Fajã da Ovelha foi extinta –, mas a tutela manteve-se intransigente. O secretário regional de Educação, Jorge Carvalho, assinalou mesmo o início do ano lectivo nestes dois estabelecimentos. O antigo director da escola, Joaquim Sousa, que foi o rosto mais visível da transformação daquela comunidade educativa, também não compreende. Mesmo antes desta polémica, já estava envolvido noutra. Em Abril foi alvo de um processo disciplinar instaurado pela Inspecção Regional de Educação, motivado por questões administrativas relacionadas com a gestão da escola. “O processo é de vontades, não de factos”, responde ao PÚBLICO, dizendo que tudo o que é acusado é “praxis” na generalidade das escolas. Para ele, o processo disciplinar e a extinção da escola estão relacionados. “Os órgãos da escola não foram auscultados, os representantes eleitos dos pais e dos alunos também não. Os dados enviados ao município estavam errados e, lá está, a decisão foi tomada 24 horas após a minha vitória eleitoral, através de uma adenda a um documento que estava fechado”, descreve, dizendo que embora não queria “acredita em motivações pessoas”, não esquece o ostracismo com que escola foi votada pela tutela regional, quando começou a ser premiada em termos nacionais. Também o SPM estranha. “É difícil desassociar estes factos [processo disciplinar e extinção da escola], quando no primeiro documento que recebemos não existia referencia à escola do Curral das Freiras e, 24 horas depois, já constava como um estabelecimento a extinguir”, admite ao PÚBLICO o presidente do sindicato Francisco Oliveira, aguardando que o tribunal suspenda este e outros procedimentos, por, argumenta, não terem respeitado os preceitos legais. Sobre o processo disciplinar, a secretaria regional “não faz qualquer comentário”, como não se pronuncia sobre a “criação da ideia, na praça pública, de que há perseguição e não matéria de facto a apurar”. Este, contabiliza ao PÚBLICO o gabinete de Jorge Carvalho, é um dos 25 processos instaurados a professores nos últimos quatro anos. “Nos casos anteriores não houve qualquer declaração dos visados relativamente à possibilidade desses processos configurarem qualquer tipo de perseguição pessoal. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A decisão de fusão da EB123/PE c/Creche do Curral das Freiras “não teve qualquer relação” com o processo disciplinar, significando, nas contas da secretaria regional, uma redução comparativamente ao ano lectivo anterior de cerca de metade do número de professores. Um dos ‘reduzidos’, foi o próprio Joaquim Sousa. “Fui banido da escola do Curral. Não tive escolha. A direcção da escola decidiu que eu não poderia continuar a trabalhar no Curral”, afirma ao PÚBLICO. Na escola, fala novamente Adriana Sousa, antes de desaparecer pelo portão, correndo para a aula do CEF de Informática, sente-se a falta do professor Joaquim. “Não tenho nada contra que está agora, mas o outro director estava sempre presente, sempre disposto a ajudar”, diz. A amiga, colega de turma, abana a cabeça que sim. Liliana Melim queixa-se das mudanças. Das aulas que começam mais cedo e acabam mais tarde, em linha com o horário da escola de Santo António. De ter menos tempo para almoçar. Do aumento dos preços no bar da escola. Mesmo sem toques, a campainha já tinha sido abolida para responsabilizar os alunos, os horários mudaram. Antes, conta Liliana, as aulas acabavam no máximo às 17h45, e todas as horas estavam alinhadas com as carreiras de autocarros. Agora, o tempo lectivo vai até às 18h20. “Deixamos de ter tempo para as extras-curriculares, porque acabam muito tarde”, lamenta, dizendo que muitos colegas têm desistido do futebol e de outras actividades. “Fica muito tarde para nós. ”
REFERÊNCIAS:
De onde veio o extremismo islâmico que ameaça Moçambique?
Há meses que se registam vários ataques com carimbo radical islâmico no Norte de Moçambique. Só agora as atenções se viram para este problema que nasceu de dentro. (...)

De onde veio o extremismo islâmico que ameaça Moçambique?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há meses que se registam vários ataques com carimbo radical islâmico no Norte de Moçambique. Só agora as atenções se viram para este problema que nasceu de dentro.
TEXTO: Nas últimas duas semanas dois ataques no Norte de Moçambique, que fizeram quase 20 mortos, fizeram soar os alarmes. Ambos apresentaram traços de extremismo islâmico, cuja presença nesta região era desconhecida para muitos. Mas os sinais de alerta começaram há pelo menos um ano e, se a situação se expandir, tal como vem acontecendo, estão até em risco investimentos que ascendem aos milhares de milhões de dólares numa das zonas mais pobres de África Oriental. No início da semana passada, pelo menos sete pessoas foram mortas por atacantes armados com catanas no distrito de Macomia, na província de Cabo Delgado, que faz fronteira com a Tanzânia. Os atacantes incendiaram mais de cem casas. As autoridades suspeitam que estes atacantes pertençam ao mesmo grupo que, a 27 de Maio, decapitou dez pessoas na cidade de Palma, também em Cabo Delgado. Estes dois ataques não estão incluídos nos outros 20 contabilizados pelo Consórcio de Pesquisa e Análise Terrorista (TRAC), que ocorreram desde o início deste ano em Moçambique e que tiveram elementos de extremismo islâmico. A sombra do radicalismo islâmico paira sobre aquele país há mais tempo. E a violência que daí decorre também. A população local apelida-os de “al-Shabab” (“juventude”). Porém, não há qualquer ligação directa conhecida com o grupo terrorista com a mesma denominação que actua na Somália. Porém, de acordo com um estudo publicado em Maio da autoria do clérigo muçulmano Saide Habide e dos académicos João Pereira e Salvador Forquilha, o grupo suspeito de ser o responsável pelos ataques em Moçambique denomina-se Ahlu Sunnah Wa-Jammá (adeptos da tradição profética e da congregação). Segundo este estudo, o grupo nasceu como uma organização religiosa, num país onde cerca de 20% da população é muçulmana — apesar de a comunidade islâmica garantir que a percentagem é maior —, na remota região rural do Norte de Moçambique. A partir do final de 2015, o grupo começou a incorporar células militares e levou a sua actuação para outro patamar. Calcula-se que a organização conte com cerca de cem células, sendo impossível contabilizar quantos militantes tem nas suas fileiras. No início de Outubro de 2017, o grupo islamista começou a fazer sentir a sua presença com um ataque contra esquadras da polícia e edifícios governamentais e civis, no distrito de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado. Em Dezembro desse ano, as tropas moçambicanas bombardearam a vila de Mitumbate, em Mocímboa da Praia, matando 50 pessoas. Outras 200 pessoas foram detidas. Até Março deste ano, quase 500 pessoas foram detidas por suspeitas de ligação ao grupo radical, sendo muitas delas estrangeiras. As autoridades deram por esta altura a situação como controlada, tentando afastar quaisquer tipo de receios. Os dois últimos ataques vieram desmenti-los. Os objectivos do Ahlu Sunnah Wa-Jammá são semelhantes à generalidade das organizações terroristas islâmicas. Querem impor a sua versão ultraconservadora da sharia (a lei islâmica), lutando contra as comunidades locais e contra o Governo que, dizem, não respeitam os verdadeiros ensinamentos do profeta Maomé. O grupo dominava duas mesquitas em Mocímboa da Praia. E como notam os analistas Gregory Pirio, Robert Pittelli e Yussuf Adam num artigo publicado pelo think-thank African Center for Strategic Studies, “as crianças que estudaram nestas e noutras mesquitas fundamentalistas surgidas nos últimos anos, chegaram à idade de participação nas milícias”. No ano passado, as autoridades encerraram estas mesquitas, mas pode ter sido demasiado tarde. Segundo o estudo dos três investigadores, o recrutamento é feito directamente nas zonas rurais desta região moçambicana. Há porém relatos de vários jovens se juntarem à organização voluntariamente. Muitos partem para países como a Tanzânia, o Quénia ou Somália, através de recursos próprios ou de bolsas de estudo fictícias, para aí serem treinados. Apesar de objectivos mais gerais que se inspiram na jihad internacional, os autores do estudo dizem que a verdadeira meta é outra: “O objectivo último não é ocupar Cabo Delgado ou criar um estado islâmico no Norte do país. O objectivo é criar oportunidades de negócio para as elites informais da região de Cabo Delgado. Pelo menos, os dados assim o mostram. De acordo com os interesses regionais e internacionais destes negócios ilícitos, estes são os objectivos imediatos”. O estudo toca em vários pontos que podem explicar a presença e expansão do Ahlu Sunnah Wa-Jammá em Moçambique. A província de Cabo Delgado é um caldeirão onde estão praticamente todos os ingredientes necessários à proliferação do radicalismo: tem a maior taxa de iliteracia de Moçambique, atingindo em média os 64. 8%, sendo que em cidades como Palma chega aos 90%; a taxa de desemprego, principalmente jovem, é muito elevada, tal como no resto do país; há forte presença do crime organizado (e da corrupção), especialmente o tráfico de droga, de armas e de outros produtos como os rubis, a madeira ou o marfim, materiais em abundância na região; há conflitos étnicos, nomeadamente entre os mwani, os makonde e os makua. Recentemente foram descobertas algumas das maiores reservas de gás do mundo nesta região. Alguns analistas dizem que esta descoberta pode tornar Moçambique o terceiro maior exportador mundial de gás natural liquefeito. A província de Cabo Delgado transformou-se imediatamente no alvo de planos de avultados investimentos para a extracção não só de gás mas também de petróleo, safiras e rubis. Com a perspectiva da entrada de milhões, a esperança na resolução dos problemas de região aumentou. No entanto, a chegada das empresas internacionais não gerou grande compensação para os cidadãos, nem fez reduzir a taxa de emprego, apesar das construções que estão planeadas. Alex Vines, analista da Chatham House, diz à Al-Jazira que este boom só aumentou a percepção da desigualdade em Cabo Delgado o que que, em última análise, “tem sido uma das causas para o crescimento da militância jovem”. Para piorar o clima, têm aumentado as acusações de violações dos direitos humanos por parte das empresas que ali se estabeleceram, incluindo suspeitas de expropriação ilegal de terras. Os negócios e as desigualdades podem ajudar a explicar o alastrar do radicalismo no Norte de Moçambique. Ao mesmo tempo, os ataques do grupo radical islâmico estão a pôr esses negócios em risco. O que pode não ser uma boa notícia para o país — segundo a Bloomberg, estão em risco cerca de 30 mil milhões de dólares em investimento. Mocímboa da Praia e Palma, locais onde se iniciou a vaga de violência, estão a apenas 80 quilómetros das reservas de gás que estão a começar a ser exploradas por empresas como a Eni, ExxonMobil e a Anadarko. Algumas destas organizações começaram já a retirar trabalhadores, temendo mais ataques. “Este problema não vai desaparecer e está a tornar-se cada vez mais um problema regional”, diz à Bloomberg Nigel Morgan, director da Rhula Intelligent Solutions, empresa sediada em Maputo e que presta serviços de gestão de risco a multinacionais. “Isto é um risco para os investidores de petróleo e gás em Cabo Delgado”. O historiador Eric Morier-Genoud propõe olhar para trás para encontrar explicações para este fenómeno. “O Islão tem uma presença muito antiga em Moçambique, particularmente na costa e nas zonas Norte do país. Existiram vários sultões e xeiques antes de Portugal ocupar o território no final do século XIX”, escreve num artigo de 2017 publicado no site de notícias independente The Conversation. Depois da independência moçambicana em 1975, e da consequente instauração do marxismo-leninismo no país pelas mãos da Frelimo, todos os credos foram reprimidos, mas o islamismo com particular intensidade. Apesar de o país ter avançado para o multipartidarismo e para a tentativa de pacificação com as comunidades religiosas (uma das medidas foi o reconhecimento dos feriados muçulmanos), a população muçulmana nunca deixou de se sentir marginalizada em relação ao resto da população. Assim, este sentimento de insatisfação encontra-se num ciclo crescente desde há anos e, agora, com todos os problemas económicos e sociais que afectam as populações de maioria muçulmana no Norte de Moçambique, o terreno ficou aberto para o radicalismo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os três analistas do African Center for Strategic Studies dizem que com as “narrativas de vingança actuais, é um desafio desfazer os ressentimentos para encontrar uma solução negociada”. Além disso, os autores referem que “os militantes justificam as suas acções com uma posição de superioridade moral” afirmando-se “vitimizados e humilhados”. Explicam que também as forças de segurança se sentem “lesadas e vitimizadas”. “Isto cria um cenário no qual o ciclo vai apenas escalar”. Morier-Genoud defende que o “Governo tem de preparar uma resposta cuidadosa e bem preparada para esta nova ameaça”. O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o Governo têm sido criticados pela ausência de resposta política a este problema. E para o próximo ano estão marcadas eleições gerais (presidenciais e legislativas) e provinciais. Para além das autárquicas, que estão agendadas para Outubro deste ano.
REFERÊNCIAS:
Religiões Islamismo
“Se não brincar comigo próprio, não tenho o direito de brincar com os outros”
O seu romance mais recente é também o mais hilariante. É protagonizado por um escritor que é assassinado no dia em que vai lançar o livro que põe fim a vários anos de abstinência da escrita. Germano Almeida, o mais recente escritor lusófono canonizado pelo Prémio Camões, não é só o mais lido e o mais traduzido dos escritores de Cabo Verde. Deve ser, também, o mais bem-humorado. (...)

“Se não brincar comigo próprio, não tenho o direito de brincar com os outros”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.14
DATA: 2018-06-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: O seu romance mais recente é também o mais hilariante. É protagonizado por um escritor que é assassinado no dia em que vai lançar o livro que põe fim a vários anos de abstinência da escrita. Germano Almeida, o mais recente escritor lusófono canonizado pelo Prémio Camões, não é só o mais lido e o mais traduzido dos escritores de Cabo Verde. Deve ser, também, o mais bem-humorado.
TEXTO: Germano Almeida (n. 1945), o mais recente escritor lusófono canonizado pelo Prémio Camões, não é só o mais lido e o mais traduzido dos escritores de Cabo Verde. Deve ser, também, o mais bem-humorado. E o mais desempoado. O autor de O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo (1989), O Meu Poeta (1990), Os Dois Irmãos (1995) e de mais uma dúzia de livros que se contam entre os mais populares da literatura cabo-verdiana contemporânea, veio a Lisboa apresentar O Fiel Defunto. O seu romance mais recente, e também o mais hilariante, é protagonizado por um escritor, chamado Miguel Lopes Macieira, que é assassinado no dia em que vai lançar O Último Mugido, livro que põe fim a vários anos de abstinência da escrita. É montado um funeral de estadão, como convém aos costumes. Mas o malicioso escritor, embora morto, não se deixa apanhar. Embora já lhe preparem uma fundação póstuma. Entrevistado, o escritor Germano Almeida também não se deixou apanhar pela nosso imp(r)udente siso. O que é que o escritor Germano Almeida tem contra os pastéis de nata?Contra os pastéis de nata? [risos] Por que é que me pergunta isso?A dada altura, em O Fiel Defunto, o escritor Macieira vai almoçar com amigos e tudo corre bem, excepto a “fraca sobremesa” que encontram na pastelaria Morabeza: “um desenxabido” pastel de nata. Não, não! De facto, eu até gosto muito de pastéis de nata. Mas é capaz de ser alguma provocação. Da personagem. Não minha, necessariamente. Creio que os jurados do Prémio Camões, pelo menos os portugueses, não leram este livro antes da atribuição. Senão, não me teriam dado o prémio [risos]. Felizmente, o livro não estava publicado ainda. Passaram alguns dias desde o anúncio do prémio. Já pensou no que ele possa significar para si?Tenho estado a pensar nisso, mas ainda não consigo juntar o Germano Almeida com o fulano que recebeu o Prémio Camões. Continuam a ser duas pessoas e eu, enquanto Germano Almeida, continuo a observar o outro. É como se não fosse eu. Não interiorizei ainda a eventual importância de ter ganhado. Ter ganhado, não. Ter recebido o Prémio Camões. Evito usar a palavra ganhar porque não é nenhuma luta. Mas ainda não me familiarizei com a ideia de que o Prémio Camões foi atribuído a um contador de histórias. Por que é que continua a designar-se contador de histórias?É verdade, continuo a chamar-me contador de histórias. Com este livro, achei que andava a escrever um romance e fartei-me de dizer: “Desta vez, estou a escrever um romance. ” E achei que tinha publicado um romance. Mas o livro não tem nada de especial que o caracterize como romance. Mas também não tenho de virar romancista, de maneira que deixo-me continuar contador de histórias. É a minha condição habitual. O Prémio Camões tem uma importância particular na pretendida conformação da chamada comunidade lusófona. Tem cumprido, tem sido útil?Um prémio é sempre, sobretudo, um incentivo para quem escreve. Sou defensor da existência do maior número possível de prémios. Claro que a atribuição a este ou àquele depende sempre de muitas coisas. Escolhendo-me a mim, preteriram outros, o que não lhes retira importância. Esses outros continuam a ser tão importantes ou até mais importantes do que eu próprio. De maneira que atribuo a qualquer prémio uma importância relativa. Mas é óptimo a gente receber prémios, que têm sempre a vantagem de darem uma certa visibilidade aos escritores. Mas isso não os torna melhores escritores. Já me têm perguntado se agora, tendo recebido o Prémio Camões, vou escrever mais. De forma nenhuma. Vou escrever de forma normal. Nunca me senti pressionado para escrever. Tem mais leitores em Cabo Verde ou em Portugal? E no Brasil?No Brasil não tenho leitores, até onde sei, ou então tenho poucos. Vou tendo. O meu primeiro livro publicado no Brasil, há já alguns anos, O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, vendeu três ou quatro exemplares no espaço de um ano. É em Cabo Verde que eu sou mais lido, obviamente. E, depois, em Portugal. Não é, portanto, um escritor para exportação. Não. Aliás, costumo dizer que escrevo para ser lido em Cabo Verde porque quero ser entendido pela minha gente. Se sou entendido também pelos outros, fico contente, é óptimo. Mas não escrevo com a preocupação, digamos, de ser entendido em Portugal, ou no Brasil, ou em traduções. Não tenho essa pretensão. Em O Fiel Defunto, “o grande escritor” Macieira regressa a Cabo Verde feito homem maduro e aposentado. Sabe, por acaso, o que é que ele fizera antes, em Lisboa?É uma boa pergunta, porque eu mesmo não sei [risos]. Fui criando essa personagem a partir do nada. Uma amiga minha, que é crítica literária, disse-me: “Você tem uma personagem de quem a gente não sabe nada e se calhar tem de escrever um segundo volume para a gente ficar a saber alguma coisa. ” Tenho consciência de que não sei o que é que ele fazia antes. E também não me preocupei com isso. Mas é natural que tenha de inventar-lhe uma profissão. Boas notícias, portanto. Não está posta de parte a hipótese de que venha aí novo volume protagonizado pelo “grande escritor das ilhas”. Sim, não está posta de parte essa hipótese, na medida em que ficaram muitos pontos em aberto, incluindo a exigência de ele ser cremado em praça pública. A gente tem de resolver isso! [risos]Macieira regressa a Cabo Verde e logo dá uma entrevista anunciando que não vai à procura de nenhum cargo. É vício recorrente![Risos] É, é uma coisa recorrente em Cabo Verde. Agora nem tanto, mas já tivemos muito isso. O pessoal fazia toda a sua carreira de funcionalismo no exterior, em Portugal sobretudo. Depois aposentavam-se, iam para Cabo Verde e queriam mandar, exercer cargos políticos e tudo o mais. [risos] Nós estamos aqui a alombar há não sei quantos anos e vocês vêm de fora e vêm exigir mandar em nós? Então, o Macieira diz: “Não venho ocupar o lugar de ninguém, eu venho é escrever. ” É uma brincadeira também, mas que não é completamente inocente. Havia muito essa ideia de que os que vêm de fora é que sabem. Eu costumo dizer: Nós, que passámos a vida aqui, ainda não aprendemos a resolver os nossos problemas, como é que vocês que passaram a vida fora sabem como resolver os nossos problemas internos? Não! Venham com calma, aprendam, instalem-se, virem cabo-verdianos! Vocês, quando vêm de fora, ainda não são cabo-verdianos, têm primeiro de aprender a ser. Depois de uns bons anos a “parir gémeos”, pois nunca publicava um livro só, o escritor Macieira decide deixar de escrever a meio de uma crónica para um jornal sobre a “identidade política” cabo-verdiana. Mero acaso ou o tema já não é pertinente?É natural que esse problema esteja ultrapassado. Já há muito tempo que afirmámos a nossa identidade, quer politica, quer social, quer cultural. Já não temos nada de novo para dizer sobre isto. O Macieira deu conta de que estava farto. Andava a escrever para quê? A troco de quê? Andava cansado, perdeu a família, perdeu a mulher, perdeu os seus passeios e tudo o mais. E para quê? Para escrever livros. E resolve viver. No fundo, é essa ideia que também tenho, e confesso que aprendi isto com o Macieira: escrever é um prazer, eu escrevo por prazer, mas, para termos tempo para escrever, perde-se imensas coisas, inclusivamente perde-se a família. Não foi o meu caso, a minha mulher não me abandonou [risos], porque também era viciada no trabalho. Curiosamente, o abandono da escrita é acompanhado, ou sublinhado, por uma certa impotência sexual, coisa que já ocorria, se bem me lembro, em O Meu Poeta. [Risos] Já não me lembrava de O Meu Poeta. Mas acho que ele não fica impotente por causa de não escrever, ele fica impotente por causa da ausência da mulher. Bom, é natural também que, com a idade dele, já não tivesse assim grande apetência sexual. Mas o que acontece é que, perdendo a mulher, ele constata que ficou sem nada. Então, abandonar uma crónica a meio, já não tem grande importância. Quando diz que escrever não é um trabalho. . . Para mim não é trabalho. . . . é um prazer, não corre o risco de desvalorizar socialmente o papel do escritor?Não sinto isso. Às vezes, numa crónica ou noutra que escrevo nos jornais, de natureza política, posso ter essa preocupação de intervir socialmente, mas sem pensar que estou a influenciar seja quem for. Não creio que a escrita em si seja determinante para a influenciação da sociedade. Escrevo pelo prazer de escrever, dá-me prazer escrever, divertir-me a mim próprio escrevendo, e é nesse sentido que digo que escrever não é trabalho, é uma coisa lúdica. Mas esse não-trabalho é uma forma de me divertir que me priva de muitos outros divertimentos. E nesse sentido é que digo que, no acto de escrever, a gente perde a família e perde os amigos, porque estamos concentrados num prazer egoísta que é estarmos com os personagens literários. Nada oponho a que um escritor se divirta a escrever, tanto mais quanto abundam os escritores sofredores e angustiados diante do ecrã vazio. [risos] Acho piada a esses escritores sofredores que acham que têm de mudar o mundo. Felizmente, não tenho nada com isso. Escrevo porque quero escrever. Não sou capaz de sentar-me e obrigar-me a escrever. Quando não tenho nada para escrever, não escrevo. Leio. Há tanta coisa que a gente pode fazer! Não desvalorizo a função do escritor, mas também não lhe dou uma tão grande importância que chegue a pensar que é uma função essencial. Mas havendo tendência para se pensar que o prazer não precisa de ser remunerado, alguns escritores receiam que o seu trabalho não seja levado a sério, enquanto trabalho. Não acho que seja uma questão de não os levarem a sério. Eu tenho também a tineta de pensar que o trabalho intelectual não devia ser pago [risos]. Por exemplo, não me importo nada que plagiem os meus livros, que façam publicações clandestinas. É uma forma de os divulgar. Se for útil, não tem qualquer importância. Não sou capaz de perseguir seja quem for por ter feito uma publicação de uma coisa minha contra minha vontade, sem me perguntar. Não tenho essa ideia de posse da minha obra. Pelo contrário, se pudéssemos dar os livros às pessoas, acho que o faria. Infelizmente, somos pobres. Estou a pensar, por exemplo, na componente financeira do Prémio Camões, que é muito importante quando somos pobres. Mas se fosse um homem rico, não me preocuparia com o aspecto financeiro e diria: Vamos publicar livros de graça para as pessoas terem acesso a eles. Infelizmente, não posso!Ainda exerce como advogado?Sim, continuo a ganhar a minha vida como advogado, embora cada vez menos, porque, com a crise, a advocacia ficou em crise também, em Cabo Verde. Para si, a escrita foi sempre marginal?Sempre. Eu costumava dizer que os livros dão-me para comprar vinho, não mais do que isso. [risos]Pode dizer-se que começou a publicar tardiamente. Porquê?Comecei a escrever muito cedo, escrevo desde miúdo, mas nunca escrevi com intenções de publicar. Comecei a publicar quando calhou fundarmos a revista Ponto & Vírgula, nos anos 80. Foi lá que comecei a escrever para publicar, porque precisávamos de textos para encher a revista. Tal como aconteceu em Portugal, depois do 25 de Abril, não havia originais nas gavetas, à espera de oportunidade?Aconteceu a mesma coisa em Cabo Verde. Achávamos que deveria haver muita gente com coisas para publicar. Não havia nada. Ou então havia muito pouco. Curiosamente, os escritores mais velhos, Baltazar Lopes, Aurélio Gonçalves, Manuel Lopes e outros, é que nos enviaram textos para publicação. Os novos, curiosamente aqueles que nós desejávamos mais, não tinham nada. Tivemos de alimentar a Ponto & Vírgula com os escritores mais velhos e depois apareci lá com umas histórias que foram escritas, de facto, para preencher páginas. E foi então que lhe tomou o gosto. Tomei o gosto à publicação e escolhi um pseudónimo: Romualdo Cruz . Mas em Cabo Verde conhecemo-nos todos uns aos outros e as pessoas não atinavam com quem era o Romualdo Cruz. Quem é esse fulano? Os outros colegas editores acabaram por dizer que era eu, porque as pessoas gostaram muito daquelas histórias. E a partir daí achei que era inútil continuar com o pseudónimo, já não valia a pena. Passaram 30 anos, publicou 18 livros. O que é que se alterou nas condições de produção e de circulação da literatura em Cabo Verde?Quando publicámos o primeiro livro, O Testamento do Sr. Napumoceno, uma edição cabo-verdiana era de 350 exemplares. Decidimos publicar 700 exemplares. E os livros esgotaram-se em dois meses, porque as pessoas acharam que aquilo era um corte com a literatura cabo-verdiana tradicional. E dois meses depois fizemos uma segunda edição. Aliás, a primeira edição de O Testamento. . . foi o último livro impresso em S. Vicente em caracteres móveis. Depois passou a usar-se o offset. Agora já vamos fazendo edições de mil exemplares que se esgotam num ano e tal. Este [O Fiel Defunto], estou convencido de que se vai esgotar em menos tempo. Refere-se à editora Ilhéu?Sim, aliás, eu é que tive a ideia de fundar a editora Ilhéu, porque, quando escrevi O Testamento. . . , pensámos em publicar, mas como? O Instituto do Livro [cabo-verdiano] não dava vazão às solicitações, e então decidimos criar uma editora. Neste momento já há bastantes editoras, umas seis ou sete. O problema é as pessoas, os editores, acreditarem nos escritores novos. A actividade editorial é subsidiada pelo Governo?Não, e tenho vindo a insistir nessa necessidade porque, se queremos ter uma literatura cabo-verdiana com alguma pujança, com alguma projecção, o Governo tem que criar prémios para incentivar os jovens a escrever e depois fomentar a sua publicação no exterior, subsidiando as editoras estrangeiras. Avaliando por alguns dos seus livros, Cabo Verde normalizou-se politicamente, mas o descontentamento continua. Bom, o descontentamento é capaz de ser o estado normal do cabo-verdiano. De facto, a democracia política está instituída, já não está em causa. Há outras formas de descontentamento, muitas outras. Há um certo novo-riquismo que incomoda, sobretudo na Cidade da Praia. Em S. Vicente não tanto. Os são-vicentinos acusam o Governo de ter abandonado S. Vicente. Eu não vou tão longe, mas costumo dizer que as medidas que o Governo tem tomado relativamente a S. Vicente não têm sido as melhores e não se têm mostrado muito úteis para o desenvolvimento da ilha. O defunto Miguel Macieira é, neste livro, “o grande escritor das ilhas”, o mais traduzido, o mais conhecido no estrangeiro. Faz lembrar um certo Germano Almeida. [risos] Eu estou vivo, portanto não posso ser eu! Mas, sim, há uma certa auto-ironia. Sempre defendi que, se não brincar comigo próprio, não tenho o direito de brincar com os outros. Podemos ler esta história como a de um escritor cansado de enfeitar a lapela do poder?Também é verdade, o livro foi escrito na perspectiva da recusa do escritor em ter esses salamaleques sociais. Mas a gente não consegue evitar. Não é fácil fugirmos a isto, mesmo a nível popular. Eu vejo a quantidade de cumprimentos que recebi agora, e não só em Cabo Verde. Mas sobretudo os cabo-verdianos sentiram este Prémio Camões como uma coisa deles. Aliás vão-me avisando: o dinheiro do prémio pode ser para ti, mas a honra é para nós. E eu digo: está bem, podem ficar com a honra, que eu fico com o dinheiro. [risos]Ou como uma reivindicação da autonomia do escritor?Sim. Não podemos expressar livremente o nosso pensamento, quando ele seja contra os poderes instituídos, e ao mesmo tempo querer que os poderes instituídos nos vangloriem. Eu sou contra alguns escritores que se permitem dizer mal dos governos, mas depois querem que os governos os reconheçam. Isso não faz sentido. Quem não se sente não é filho de boa gente! Aliás, há uma expressão na minha ilha que diz: quem não quer a pátria, não quer a bandeira. Um escritor não pode querer o estatuto de poder falar livremente e, por outro lado, ser insensato. Já sabemos que este volume não será O Último Mugido [o livro fictício de Macieira] de Germano Almeida. Já tem a sua Pilar, a sua Mariza ou, pelo menos, a sua fundação em perspectiva?Não, isso garanto-lhe que não tenho! [risos] Costumo dizer a brincar que, se ganhasse, por exemplo, o Euromilhões, então, sim, criaria uma fundação. Detesto essa ideia de fundações, porque faz-se uma fundação e depois vai-se pedir dinheiro ao Estado. Há uma fundação que respeito imenso, a Fundação Gulbenkian, da qual fui bolseiro nos anos 70, e que gere as suas coisas com os seus meios próprios. Uma fundação que tem de ir pedir dinheiro ao Estado para fazer os seus favores não faz sentido. Há muitas em Portugal. Eu sei, e acho que das coisas boas que o Passos Coelho fez foi cortar nas fundações [risos]. Cabo Verde vai assumir a presidência da CPLP. O que pensa do assunto?A CPLP é uma instituição na qual depusemos grandes esperanças. Não tem funcionado como nós contávamos que pudesse funcionar. Mas a ideia é útil e é boa. Em que sentido? No sentido de que nós, países que funcionam com a língua portuguesa, não podemos desavirmo-nos. Temos essa coisa formidável, que o sistema colonial nos deixou, que é termos uma língua que nos une. É bom haver uma comunidade de países de língua portuguesa. Poderia ser melhor ou deveria ser melhor? Acho que sim. Mas teria que ter meios. Tal como está é muito pouco expressiva. Existe, mas existe quase só no papel. Não se sente a presença da CPLP no conjunto dos países. É mais honorífica do que propriamente útil. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Qual é a situação actual do crioulo em Cabo Verde?Não está normalizado e não sei se o será nos tempos mais próximos. Criou-se há uns anos uma coisa chamada ALUPEC [Alfabeto Unificado Para a Escrita do Cabo-Verdiano], mas deu muita contestação, foi uma coisa criada em gabinete, que não terá tido em conta outras valências sociais, e a ideia foi distanciar o crioulo do português. Eu acho que isto é um erro. Um exemplo muito simples: quando eu vejo a palavra casa escrita com k, ninguém me diz que é a minha casa, a casa onde eu moro, é qualquer coisa que eu não sei o que é. Casa, para mim, tem que ser escrita com c. O crioulo estar próximo do português por causa disto, paciência. Não é por causa disto que a gente nos vamos distanciar. Por exemplo, havia letras que não existiam em crioulo porque, a existirem, seria português. Eu acho absurda, esta tentativa de afastamento. Uma língua serve para transmitir uma cultura e não é por ser mais próxima ou mais distante do português que deixa de transmitir essa cultura. Do mesmo modo, por exemplo, que os escritores cabo-verdianos usam a língua portuguesa, como aliás os angolanos e os moçambicanos, para transmitirem a cultura o seu país. Claro que será desejável nós virmos a ensinar o crioulo porque quem tem duas línguas está a ganhar sobre quem tem uma só. Mas não podemos é correr o risco de qualquer tentativa de dizer: Vamos trocar o português pelo crioulo. Nunca! Termos duas, muito bem. Ter de ficar uma só como língua oficial, vai ter de continuar a ser o português. Termos o crioulo como língua única é afastarmo-nos do mundo, é isolarmo-nos. Ora, já nos chega o isolamento de sermos ilhéus. Mas acha desejável e viável haver duas línguas oficiais?Sim, acho que podemos ter duas línguas oficiais, porque se há uma coisa oficial em Cabo Verde é o crioulo. Não está escrito no papel, não está na Constituição, mas digamos que o mundo em Cabo Verde funciona em crioulo. A propósito de normas, segue o Acordo Ortográfico (AO) de 1990?[risos] O Acordo Ortográfico para mim é um problema, porque neste momento não sei em que língua escrevo. Escrevo no português que me ocorre e, quando o computador me dá uma indicação de que estou errado, vou ver em que é que estou errado. Acho que se transformou isto num cavalo de batalha que não se justifica muito. Pode haver coisas que não estão bem no AO, há coisas que são absurdas, há outras que nos ofendem, a nós que estamos habituados a usar a língua portuguesa, coisas que ofendem a nossa sensibilidade, mas isso não quer dizer que se deva rejeitar o acordo em si, porque é bom termos uma língua cuja ortografia seja extensível aos países que a utilizam.
REFERÊNCIAS:
Ferramentas de pedra indicam que os nossos antepassados chegaram mais cedo ao Norte de África
Uma investigação na Argélia ao longo dos últimos 20 anos mostra que, afinal, os hominíneos se expandiram para o Norte de África quase meio milhão de anos antes do que se pensava. (...)

Ferramentas de pedra indicam que os nossos antepassados chegaram mais cedo ao Norte de África
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma investigação na Argélia ao longo dos últimos 20 anos mostra que, afinal, os hominíneos se expandiram para o Norte de África quase meio milhão de anos antes do que se pensava.
TEXTO: Se antes se pensava que a África Oriental seria um dos berços da humanidade, artefactos com 2, 4 milhões de anos encontrados recentemente na Argélia vieram mostrar que, na verdade, todo o continente africano o poderá ter sido. É já sabido que os hominíneos – nossos antepassados depois da separação do ramo dos chimpanzés, há cerca de oito milhões de anos – usavam ferramentas de pedra para retirar a carne dos animais dos quais se alimentavam. Em 2015, foram descobertas as primeiras ferramentas pré-humanas com 3, 3 milhões de anos no Quénia (400 mil anos antes do aparecimento dos primeiros membros do género Homo). Até esse momento, o recorde de antiguidade de ferramentas de pedra pertencia a descobertas em Gona, na Etiópia, com cerca de 2, 6 milhões de anos. São ferramentas do tipo olduvaiense, cujo nome remonta à descoberta, na década de 1930, de instrumentos líticos no desfiladeiro de Olduvai, na Tanzânia, pelo paleoantropólogo Louis Leakey. Estas ferramentas rudimentares, com arestas afiadas, eram usadas para esquartejar as carcaças de animais. Tais instrumentos implicam a fractura de um bloco de pedra (o núcleo) com outra pedra (o percutor), donde saíam as lascas que eram também usadas como ferramentas. Agora, uma nova descoberta de mais de 230 ferramentas de pedra da tecnologia olduvaiense, com aproximadamente 1, 9 e 2, 4 milhões de anos, na Argélia vem levantar um pouco mais o véu sobre a expansão dos hominíneos em África e as técnicas que eles usavam. Ao longo das últimas duas décadas, uma equipa internacional de cientistas levou a cabo uma investigação nos depósitos arqueológicos de Ain Boucherit (nas proximidades de Ain Hanech), na Argélia. Lá encontraram núcleos de pedra, assim como lascas (entre 30 e 58 milímetros) e alguns instrumentos esferóides – cuja função ainda não se sabe ao certo – que terão sido usados pelos hominíneos. Estas ferramentas são maioritariamente feitas de pedra calcária e sílex (uma rocha também conhecida como pederneira), materiais encontrados junto aos leitos dos rios mais próximos. Porém, os conjuntos de ferramentas de pedra que já tinham sido encontrados na África Oriental (Etiópia, Quénia e Tanzânia) e os recentemente descobertos no Norte de África apresentam algumas diferenças, o que sugere algumas diferenças relacionadas com o tipo e a qualidade das matérias-primas usadas. Estas escavações ao longo dos últimos 20 anos levaram à descoberta de uma grande quantidade de instrumentos líticos e fósseis de animais em Ain Boucherit. O que permitiu, de acordo com os paleoantropólogos, inferir sobre “como os hominíneos matavam, mutilavam e esquartejavam as carcaças de animais”. A mesma equipa de cientistas tinha já descoberto, há cerca de uma década, artefactos semelhantes em Ain Hanech com cerca de 1, 8 milhões de anos. Mas através da análise dos sedimentos e de uma comparação com fósseis de mamíferos, como porcos, elefantes e cavalos, também encontrados naquela região, chegaram à conclusão de que os mais antigos instrumentos agora descobertos têm cerca de 2, 4 milhões de anos. O que sugere que os hominíneos se expandiram para o Norte de África quase meio milhão de anos mais cedo do que se pensava. Além dos instrumentos, a equipa liderada pelo especialista em tecnologia pré-histórica Mohamed Sahnouni, do Centro Nacional de Investigação sobre a Evolução Humana (Espanha), encontrou também fósseis de animais com marcas de corte, muitas delas estreitas e em forma de “v”, e alguns com provas de terem sido percutidos com martelo. Estes ossos correspondem essencialmente a membros superiores e inferiores, ossos axiais (nomeadamente costelas) e do crânio de bovídeos e equídeos de tamanho pequeno ou médio. Os resultados do estudo, publicado esta sexta-feira na revista Science, sugerem que os antepassados da nossa espécie (Homo sapiens) já recorriam a práticas como o esfolamento, a evisceração e a descarnação para extrair a carne e medula óssea de animais. “O uso efectivo de ferramentas de pedra para corte, afiadas como facas, sugere que os nossos antepassados não se limitavam a apanhar carcaças de animais. Não está claro se, nesta altura, eles caçavam ou não, mas as provas mostram claramente que competiam com sucesso com outros carnívoros por carne e gostavam de ser os primeiros a ter acesso às carcaças de animais”, sublinha em comunicado a tafonomista Isabel Cáceres, do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social (Espanha), que participou na investigação. Os paleoantropólogos explicam que durante muito tempo a África Oriental foi considerada o local de origem dos primeiros hominíneos e dos instrumentos líticos, com as descobertas de ferramentas de pedra em Olduvai por Louis Leakey. Houve ainda Lucy, o famoso esqueleto de uma fêmea de australopiteco com 3, 2 milhões de anos, encontrado na Etiópia em 1974, e outras descobertas arqueológicas na África do Sul. O que deixou, segundo os autores do artigo na Science, o Norte de África à margem no que diz respeito ao que se sabia sobre a evolução e expansão dos hominíneos, até agora. A principal conclusão é que os hominíneos no Norte de África produziam ferramentas de pedra quase contemporâneas daquelas produzidas há 2, 6 milhões de anos na África Oriental. Dizem ainda os autores que esta investigação, levada a cabo por uma equipa internacional e multidisciplinar (com especialistas de Espanha, Argélia, EUA, Austrália, França e Itália), resultou numa das maiores amostras de ferramentas de pedra de sempre provenientes de escavações num único local, o que dá força aos resultados. Mohamed Sahnouni, principal autor do estudo, explica em comunicado que “a arqueologia de Ain Boucherit, que é tecnologicamente semelhante à de Gona e Olduvai, mostra que os nossos antepassados se aventuraram por todos os cantos de África, não apenas na África Oriental”, acrescentando: “As provas [provenientes] da Argélia mudaram a visão que se tinha antes sobre a África Oriental ser o berço da humanidade. Na verdade, toda a África foi o berço da humanidade”. Ainda não foram, porém, descobertos fósseis de hominíneos naquela região que coincidam com a idade das ferramentas de pedra lá encontradas. Sileshi Semaw, co-autor do estudo, avança com uma teoria: “Os hominíneos que são contemporâneos de Lucy estavam provavelmente a percorrer o [deserto do] Sara, e os seus descendentes podem ter sido responsáveis por deixar as assinaturas arqueológicas agora descobertas na Argélia, datadas de cerca de 2, 4 milhões de anos, que são próximas das da África Oriental”. Porém, a natureza inóspita do deserto do Sara dificulta os estudos naquele local. Apesar de uma “considerável distância geográfica da África Oriental”, as hipóteses passam ainda por uma rápida dispersão desta técnica de fabrico de ferramentas de pedra para outras regiões do continente ou, em alternativa, por um cenário de origem múltipla da técnica e seu uso tanto no Leste como no Norte de África. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No futuro, a investigação passa por procurar instrumentos líticos semelhantes noutras regiões do continente africano. E passa ainda por encontrar fósseis de hominíneos do Mioceno (até há cinco milhões de anos), do Plioceno (entre cinco e dois milhões de anos) e do Pleistoceno (entre 2, 5 milhões e 11, 7 mil anos) em busca dos fabricantes destas ferramentas ou até mais antigas. Resta agora para os especialistas uma grande questão: afinal, quem construiu estas ferramentas?Texto editado por Teresa Firmino
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA