É um molho? É uma salada? É uma maionese verde? Quanto mais perguntas se fizerem, mais brilha o guacamole
O guacamole é um prato azteca muito antigo e é no México que encontramos as expressões mais deliciosas. Isto não deve levar um europeu a procurar fazer uma versão autêntica: o melhor é desistir já. (...)

É um molho? É uma salada? É uma maionese verde? Quanto mais perguntas se fizerem, mais brilha o guacamole
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.15
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: O guacamole é um prato azteca muito antigo e é no México que encontramos as expressões mais deliciosas. Isto não deve levar um europeu a procurar fazer uma versão autêntica: o melhor é desistir já.
TEXTO: É pena que o guacamole seja visto como um molho para apanhar com pedacinhos de tortilla frita. Claro que funciona lindamente como dip mas só por falta de imaginação é que ficaremos por aí. O guacamole é uma salada que pode ser uma refeição completa ou ser combinada com todas as inúmeras coisas que ficam bem com saladas: peixe frito, galinha, atum grelhado. Outra maneira de pensar no guacamole é como uma maionese verde que fica bem com tudo o que fica bem com maionese clássica: gambas e ovos cozidos e o diabo a sete. O guacamole é um prato azteca muito antigo e é no México que encontramos as expressões mais deliciosas. Isto não deve levar um europeu a procurar fazer uma versão autêntica: o melhor é desistir já. O guacamole no México é obviamente versátil. O guacamole mais simples é feito só com um abacate e uma pitada de sal. A partir daí é como a sopa de pedra. Vai-se acrescentando um pimento habanero, cebola, tomate, coentros e sumo de lima. Vai-se sempre provando. O abacate salgado deve ser muito bom porque o abacate é uma fruta irresistível. Cada passo deve tornar o guacamole mais saboroso. Eu gosto de fazer o guacamole num almofariz porque fica com uma textura própria. O sabor e a textura serão decisões de quem fizer o guacamole. Um truque é usar abacate e meio e ficar com uma metade para os acertos, caso o guacamole fique aguado por causa do tomate, da lima e da cebola. Num almofariz começa-se com sal grosso do mar ou flor de sal. Tritura-se e junta-se o pimento picante. Já é fácil encontrar em Portugal pimentos frescos — mais os habaneros do que os serranos. Mas também se pode fazer batota com enlatados mexicanos. Certifique-se que são mesmo mexicanos — e não tex-mex, feitos nos Estados Unidos. Outra batota, para quem não tem pimentos frescos, é usar uma malagueta ainda verde ou amarela. A única coisa que não aconselho — tendo teimado muitos anos nessas aldrabices — é usar molhos picantes de outros países. Vale mesmo a pena comprar online um bom molho mexicano de habanero verde. Gosto imenso do molho El Yucatero. Uma garrafinha de 120 mililitros custa à volta de 10 euros mas como é concentradíssimo dura uma eternidade. É forte mas é, acima de tudo, delicioso. Agora é a altura de acrescentar o tomate, sem pele nem sementes e a cebola picada. Depois de triturados deverá ter um belo molho verde picante. Poderia ficar-se por aí, não é? Um guacamole é essencialmente o casamento de uma salsa verde com abacate. Os abacates são fáceis de descascar e tirar à colher. Há vários tipos de abacate — os melhores são os mais gordos e cremosos. Os piores são os mais aguados — tendem a ser assim os abacates portugueses. Em caso de dúvidas existenciais, compre abacates mexicanos ou peruanos. Se não houver, prefira abacates Hass vindos das Américas. Em qualquer caso, faz-se um bom guacamole até com abacates aguados. Basta cortar drasticamente o tomate (que não faz muita falta) e a quantidade de cebola e usar o mínimo de sumo de lima. Um dos erros de principiante é liquidificar o guacamole. Ele quer-se entre o cremoso e o chunky. É um desastre usar uma varinha mágica ou qualquer outra máquina. Se não estiver com pachorra para o almofariz, use um garfo que fica óptimo. Outro erro é usar ingredientes que não estejam nas melhores condições, pensando que a mistura esconderá as deficiências. É o contrário: amplifica-as. Os coentros, sobretudo, têm de ser fresquíssimos. É preciso usar uma faca afiada para cortá-los bem fininhos. Usam-se só as folhas, embora haja quem aprecie o estaladiço de algum caule ou dois:eu, por exemplo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É costume espetar um caroço de abacate no meio do guacamole. Há quem diga que impede a oxidação. A melhor maneira de impedir a oxidação é comê-lo imediatamente. Graças ao frigorífico de um cozinheiro casado com uma mexicana que apareceu na Time Out Lisboa descobri as tortillas mexicanas Guanajuato. Tanto as de milho branco como as de milho azul são uma revelação para quem só conhece as europeias e as dos Estados Unidos. Um quilo delas — para aí umas 60 — custa 15 euros na Amazon britânica. Fritas são espectaculares mas também ficam estaladiças no forno ou na chapa. Até cruas são boas: sempre o melhor sinal!
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Palavras-chave casamento
Novo festival quer celebrar a alma gastronómica do Alentejo
Estremoz vai acolher a primeira edição do Alentejo Food & Soul, um novo festival de rua dedicado à gastronomia e aos vinhos da região. No primeiro fim-de-semana de Junho, 22 chefs vão criar pratos inspirados nos produtos e no receituário alentejano. (...)

Novo festival quer celebrar a alma gastronómica do Alentejo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.168
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estremoz vai acolher a primeira edição do Alentejo Food & Soul, um novo festival de rua dedicado à gastronomia e aos vinhos da região. No primeiro fim-de-semana de Junho, 22 chefs vão criar pratos inspirados nos produtos e no receituário alentejano.
TEXTO: Há algum tempo que os responsáveis pela empresa Amuse Bouche, Ana Músico e Paulo Barata, queriam organizar um festival gastronómico de rua. A ideia de fazê-lo no Alentejo vem de longe e quase estiveram para concretizá-la em 2016, ano em que chegou a ser anunciada a estreia do Alentejo Food & Soul. O evento não chegou a concretizar-se por “falta de verbas da parte do Turismo do Alentejo”. Mas a vontade manteve-se e o conceito também. Dois anos depois, o novo festival dedicado à gastronomia e aos vinhos da região tem a primeira edição marcada para o fim-de-semana de 2 e 3 de Junho, no Centro Ciência Viva de Estremoz, localizado no antigo Convento das Maltesas. A ideia é que se transforme depois num “festival itinerante”, revela à Fugas a organização, realizando-se uma vez por ano numa localidade alentejana diferente. Este ano, o evento leva 19 chefs nacionais e três internacionais a Estremoz. Cada um vai criar um prato inspirado nos produtos e na gastronomia do Alentejo e prepará-lo ao longo do dia numa das estações de cozinha de rua. A entrada é livre, mas os pratos têm um preço fixo de 5€ ou 7€ (mais bebidas). Seis chefs vão marcar presença nos dois dias do festival: no painel internacional, o turco Semi Hakim, o austríaco Matthias Bernwieser e o italiano Francesco Brutto; aos quais se juntam o chef de pastelaria Carlos Fernandes e dois chefs da região, Alberto Muralhas (do restaurante Alecrim, em Estremoz) e Filipe Ramalho (do Basilii, em Monforte). Dias 2 e 3 de Junho Centro Ciência Viva de Estremoz - Convento das Maltesas Estremoz Horário: das 12h às 22h Preço: entrada livre alentejofoodandsoul. comNo sábado, vão estar também presentes no festival Alexandre Silva (do lisboeta LOCO, com uma estrela Michelin), Hugo Brito (Boi-Cavalo, Lisboa), Pedro Pena Bastos e os chefs da região Miguel Laffan (L’AND, em Montemor-o-Novo, com uma estrela Michelin), Gonçalo Queiroz (Origens, Évora), Michele Marques (Mercearia Gadanha), Pedro Mendes (Narcissus Fernandesii, restaurante do Alentejo Marmòris Hotel & Spa, Vila Viçosa), Rui Fialho (Restaurante Fialho, Évora) e Luís de Matos (Portalegre). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No domingo, vai ser possível provar os pratos confeccionados por Tiago Bonito (do restaurante Largo do Paço, em Amarante, com uma estrela Michelin), António Galapito (Prado, Lisboa), Maurício Vale (SOI, Lisboa), Leopoldo Garcia Calhau (Café Garrett, Lisboa), e os chefs da região José Baldé (Restaurante Panorâmico, Montemor), Alice Pôla (Cadeia Quinhentista, Estremoz) e António Nobre (M’Ar de Ar, Évora). Além das bancas de comida de rua, o recinto do festival vai contar com vários produtores regionais de carnes, vinhos, legumes e azeites, assim como alguns artesãos alentejanos. O Alentejo Food & Soul é produzido pela Amuse Bouche e promovido pela Turismo do Alentejo, com o apoio da Câmara Municipal de Estremoz, da Confraria Gastronómica do Alentejo e da Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo. É co-financiado pelo Alentejo 2020, FEDER e enquadra-se na Operação “Alentejo Eventos XX - Promoção e Marketing” promovido pela Turismo do Alentejo.
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Neste floco de vidro dorme toda a paisagem
Até ao final do ano, é possível dormir numa pequena casa de vidro sobre um horizonte de encostas áridas no deserto de Gorafe, no Sul de Espanha. (...)

Neste floco de vidro dorme toda a paisagem
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Até ao final do ano, é possível dormir numa pequena casa de vidro sobre um horizonte de encostas áridas no deserto de Gorafe, no Sul de Espanha.
TEXTO: Ao todo, não são mais do que 20 metros quadrados, repartidos por um ípsilon de divisões: quarto, sala e área de duche, com um compartimento sanitário ao centro e um alpendre que se expande lá fora à largura do tecto. O mobiliário, em tons crus, resume-se ao essencial: uma estante e um colchão com roupa de cama sobre o soalho de madeira, um banco coberto de rolos de toalhas, uma cadeira balouçante, uma mesa baixa com almofadões e um carrinho com loiça e mercearia básica para o pequeno-almoço ou um chá tardio. Sente-se os limites do espaço como se estivéssemos numa tenda familiar, numa caravana ou num cubículo de montanha, com uma excepção. Aqui, a paisagem entra-nos paredes dentro num horizonte de montanhas áridas a 360º. Apenas a meteorologia fica para lá desta redoma transparente. Quando o pico do Verão torrar as encostas circundantes até aos 45ºC, cá dentro não deverão sentir-se mais do que 28ºC. E no Inverno, quando o branco que ainda tinge o cume da serra Nevada, lá ao fundo, descer ao deserto e fizer a temperatura baixar a um mínimo de dez graus negativos, o interior da casa manter-se-á nos 18ºC. Pelo menos é o que quer provar (e demonstrar) a equipa responsável pelo projecto A Casa do Deserto, liderada pela empresa Guardian Glass, fabricante dos vidros que não só resguardam o interior como sustentam toda a estrutura vertical. Nas paredes, apenas os caixilhos das portas de correr são de metal, para que seja possível movê-las e trancá-las. Os painéis fotovoltaicos garantem auto-suficiência energética e, por baixo, existe um sistema de armazenamento e filtragem de água. “Queríamos um lugar que enfrentasse condições meteorológicas extremas ao longo do ano e na Península Ibérica existem apenas três ou quatro sítios com essas condições”, indicava Miguel Sanchéz Quintero, responsável da empresa para Portugal e Espanha, durante a cerimónia de inauguração, a 8 de Maio. Uma área de planalto no deserto dos Coloraos de Gorafe, a pouco mais de 80 quilómetros de Granada, foi o local escolhido. Durante séculos, o povo desta região árida da Andaluzia enfrentou o clima escavando as habitações nas encostas cor de barro. Só em Gorafe existem cerca de 500 exemplares destas “casas-gruta”, chegando às 2000 se contabilizarmos toda a comarca de Guadix, uma das regiões europeias com a maior concentração de casas com este tipo de arquitectura, denominada Troglodita. “Queríamos alcançar os mesmos objectivos, fazendo exactamente o oposto”, compara o responsável. Se a maioria das casas-gruta se esconde no interior dos cerros, a Casa do Deserto expõe-se aos elementos no alto do planalto. Se num caso há jogos de sombras e paredes grossas, no outro tudo é transparência e reflexos da paisagem nas superfícies espelhadas. No caminho entre a povoação de Gorafe, no fundo do vale, onde vivem cerca de 400 habitantes, e a casa envidraçada, no topo do cerro, cruzamos oliveiras encavalitadas nas encostas, campos de cereais e filas de amendoeiras já com os frutos gordos entre as folhagens. Aqui e ali, uma quinta dá abrigo ao cultivo dos terrenos. Chegados ao destino, mal se sente presença humana. Para onde quer que se olhe, mergulhamos num mar de desfiladeiros, barrancos dourados, montanhas e um espelho de água no horizonte. O silêncio absoluto da natureza. O rebanho de Ricardo pasta no fundo do vale, mas daqui não vemos as cerca de 200 cabras e ovelhas. O pastor deixou-as por ali e subiu a ver a festa. Ao longo do último ano, foi assistindo à construção do edifício, metendo conversa “com quem sabe disto”. Espanta-o o contraste com a sua “cueva” em Gorafe, nunca pensou que uma casa assim pudesse sobreviver aqui. Mas está contente com o projecto. “Vai trazer muita gente”, acredita o pastor, de chapéu de palha e cajado na mão. A partir de agora, a casa-laboratório transforma-se em alojamento turístico, recebendo hóspedes até ao final do ano. O edifício será depois completamente desmontado e o planalto devolvido incólume à natureza. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pode optar por voar para Málaga (há voos directos de Lisboa) ou para Granada (com escala em Madrid). Depois é essencial alugar um carro para a deslocação até à povoação de Gorafe, situada num vale do deserto rochoso, a 30 quilómetros de Guadix. Grande parte do percurso é feito por via rápida. Chegados a Gorafe, o caminho até à Casa do Deserto implica uma subida acentuada por uma estrada estreita de curvas apertadas até ao planalto e um troço em terra batida (cerca de 15 minutos de carro entre a povoação e o edifício). Além da povoação de Gorafe e as suas casas-gruta, o município integra a maior concentração de dólmens do país e um dos principais conjuntos megalíticos da Europa. Existem três rotas pedestres que percorrem mais de 60 dos 240 exemplares no concelho. Numa encosta com mais de 100 metros de altitude fica ainda Los Algarves, uma fortaleza do século XII escavada em “casas-gruta” na parede rochosa. Guadix, a cidade capital da comarca, fica a 20 minutos de distância de Gorafe. A Catedral da Encarnação vale a pena uma visita, além de todo o património troglodita, incluindo um bairro de “casas-gruta” sobre a povoação medieval. Ex-líbris da região como Granada, o Parque Nacional da Serra Nevada ou Málaga ficam a menos de duas horas de distânciaA Fugas viajou a convite da Guardian Glass
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Palavras-chave concentração
No Ponto: fogaça de Palmela
Regularmente, a Fugas divulga um vídeo novo sobre um doce diferente. (...)

No Ponto: fogaça de Palmela
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Regularmente, a Fugas divulga um vídeo novo sobre um doce diferente.
TEXTO: A fogaça de Palmela faz-se por tradição para o dia de Santo Amaro, 15 de Janeiro, mas dura muito tempo e apetece todo o ano. É de salientar o formato variado, que representa animais, frutos e partes do corpo humano. A ideia é que a fogaça seja benzida no dia do santo e aquilo que representa será então abençoado. Desse modo, pede-se uma intervenção divina para boas colheitas, animais saudáveis e saúde para a família. A ligação a um santo e os formatos simbólicos são traços habituais na doçaria popular. Por vezes os costumes são recentes, mas o caso da fogaça de Palmela parece trazer ecos de um passado pagão, conforme se pode descobrir no livro A Doçaria Portuguesa - Sul. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Cristina Castro criou o projecto No Ponto para registar e dar a conhecer os doces do país. Tem vindo a publicar a colecção A Doçaria Portuguesa, "os mais completos livros sobre a história e actualidade dos doces de Portugal". A investigação para este trabalho levou a autora a viajar por todos os concelhos em busca de especialidades doceiras. A partir da oportunidade de ver como se faz, de falar com quem produz, de conhecer vidas, histórias e tradições associadas à doçaria, surgiram os vídeos que desvendam um pouco de cada doce. Regularmente, a Fugas revela um vídeo novo sobre um doce diferente.
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Palavras-chave corpo
Como em pouco tempo Portugal passou também a país de brancos
Em menos de duas décadas, Portugal deixou de ser um país de tintos para passar a ser, ou a começar a ser, também um país de vinhos brancos. As condições já existiam: foi só beneficiar da democratização da tecnologia e conjugar as condições climáticas com a existência de uma riquíssima diversidade de solos e de um notável espólio de variedades de uva. (...)

Como em pouco tempo Portugal passou também a país de brancos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em menos de duas décadas, Portugal deixou de ser um país de tintos para passar a ser, ou a começar a ser, também um país de vinhos brancos. As condições já existiam: foi só beneficiar da democratização da tecnologia e conjugar as condições climáticas com a existência de uma riquíssima diversidade de solos e de um notável espólio de variedades de uva.
TEXTO: Portugal é ou não um país de vinhos brancos? Se fizermos a pergunta a um consumidor brasileiro, provavelmente vai responder que não, que a “terrinha” é boa a produzir tintos. E é. Mas, se perguntarmos o mesmo a clientes de supermercado nos Estados Unidos e na Alemanha, por exemplo, é possível que só associem Portugal a vinho branco, em concreto ao Vinho Verde. É uma questão de percepção. Mas mesmo para um português não é fácil dar uma resposta imediata. Até há duas décadas, ou um pouco menos, “Portugal era um país de tinto, ponto”, sublinha o crítico João Paulo Martins (Expresso e Vinho-Grandes Escolhas). Antes, já se faziam brancos. Sempre se fizeram brancos, na verdade. Porém, nunca com a dimensão e a qualidade de agora. A cada ano que passa, cresce o número de produtores e de novas marcas de vinho branco. É muito mais fácil produzir vinho tinto do que vinho branco. Os brancos requerem mais tecnologia (e esta só começou a democratizar-se há relativamente pouco tempo) e são mais exigentes em termos climáticos. Por norma, os brancos dão-se melhor em regiões mais frias - o que explica a preponderância destes vinhos em países como a Alemanha ou a Áustria. Ora, Portugal é um país do sul da Europa, já muito influenciado pelo Mediterrânico. Como pode ser então um país de vinhos brancos?Pode, porque também é banhado pelo oceano Atlântico e o oceano, como explica o maior geógrafo português, Orlando Ribeiro, no seu indispensável livro Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, é o grande regulador da atmosfera. “Do Atlântico provêm as massas de ar tropical húmidas, trazidas pelas perturbações ciclónicas em direcção ao Oriente”; durante a sua passagem, o tempo fica “instável, chuvoso, morno mesmo de Inverno” e, quando “atiradas de encontro às montanhas, determinam precipitações abundantes”. Daí o Noroeste do país, onde fica a região dos Vinhos Verdes, ser tão húmido. Mais para o interior, menos influenciado pelo Atlântico, o clima torna-se mais quente e seco, atingindo nos vales mais apertados características claramente mediterrânicas. É o caso da região do Douro. Essa influência mediterrânica é igualmente notória no sul (Alentejo e Algarve), de paisagem mais plana e onde chove pouco. A definição mais correcta do clima português é, pois, de clima temperado mediterrânico com influência atlântica e continental (da meseta espanhola). O contraste do relevo e a própria latitude também desempenham um papel importante e ajudam a explicar a grande diversidade do país e a sua beleza. Portugal, sendo um país pequeno, consegue o prodígio de ter um pouco de tudo: mar, rio, montanha, planície, ilhas, zonas áridas e zonas húmidas, xisto, granito, argila, calcário, basalto…. Esta notável diversidade é até intrarregional. O Douro, por exemplo, viveu durante muito tempo só do vinho do Porto, mas a região está longe de ser homogénea. As zonas mais baixas dos vários vales da bacia do Douro diferem muito das terras mais altas. Entre umas e outras chega a haver uma diferença de altitude de mais de 600 metros. Há até uma “ilha” de granito no meio do mar de xisto em que medram as vinhas durienses. Essa ilha, situada no concelho de Carrazeda de Ansiães, na transição para o Douro Superior, é um dos melhores lugares da região e mesmo do país para a produção de vinhos brancos. Ao lado do Douro, na Beira Interior, a vinha está plantada a cotas ainda mais altas e tem também grande potencial para brancos. Mas, por ser uma região periférica e desertificada, a Beira Interior tem-se renovado a um ritmo mais lento. No Douro, a mudança tem sido avassaladora. Em pouco mais de 20 anos, foram reestruturados mais de 26 mil hectares de vinha. A região abandonou a monocultura do vinho do Porto e passou a fazer alguns dos melhores vinhos tranquilos de Portugal. Como aconteceu um pouco por todo o país, a aposta inicial incidiu nos tintos. Foi fácil: bastou recorrer às mesmas uvas que eram usadas para o vinho do Porto. O incremento dos tintos reflectiu a vocação natural do Douro para estes vinhos e a hegemonia das castas tintas. As castas brancas existiam, sobretudo, misturadas com as tintas nas vinhas mais velhas. A corrida à plantação de castas brancas é recente e corresponde a um interesse crescente do mercado. Mas bastou uma década para se perceber que o Douro do vinho do Porto e dos tintos tranquilos também pode fazer vinhos brancos extraordinários a partir de castas com tradição local, como a Rabigato, a Viosinho ou a Gouveio, entre outras. O caso do Douro não é isolado. O fenómeno estende-se a todas as regiões do país, ilhas incluídas (ao Pico, sobretudo, através da aposta nas castas Terrantez, Arinto e Verdelho). O Alentejo, por exemplo, é provavelmente, a seguir aos Vinhos Verdes, a região que mais tem apostado em vinhos brancos, apesar do seu clima quente e seco. A água da barragem do Alqueva abriu novas oportunidades e os produtores alentejanos começaram também a investir mais na faixa costeira, onde a brisa marítima favorece os vinhos brancos. Ao mesmo tempo, a serra de São Mamede, a maior elevação do Alentejo, tornou-se numa espécie de Terra Prometida. É lá que estão a ser produzidos os brancos mais singulares da região, boa parte a partir de vinhas velhas. Por ser um movimento transversal a todo o país, tem crescido a percepção de que Portugal também é um país de brancos (a percentagem deste vinho na produção nacional já ultrapassa os 30%). “Não tipificaria o país dessa maneira. Como um todo, Portugal está mais vocacionado para tintos. Mas temos zonas onde podemos fazer brancos de excelência”, defende Frederico Falcão, o presidente do Instituto da Vinha e do Vinho. Ainda não somos, mas “estamos a começar a ser um país de brancos”, precisa João Paulo Martins. “Os produtores foram descobrindo os melhores lugares para estes vinhos. Mesmo em regiões onde se julgava só ser possível produzir bons tintos, como no Douro, também já se fazem bons brancos”, salienta. No entanto, na opinião deste crítico, tirando pequenas zonas como Colares, Bucelas ou Pico, só há três grandes regiões de brancos em Portugal: Vinhos Verdes, Bairrada e Dão. Vinhos Verdes é consensual. Não há região portuguesa tão associada a vinho branco, nem que produza tanto como a dos Vinhos Verdes. A região já é responsável por quase 10% do total das exportações de vinho português. Nem tudo o que produz é bom. Desgraçadamente, ainda faz demasiado vinho com açúcar e gás, para vender a baixo preço. Mas também há bons exemplos, sobretudos associados à casta mais famosa dos Vinhos Verdes, a Alvarinho. É com esta variedade que estão a ser feitos os melhores brancos, em especial nos concelhos de Monção e Melgaço, a pátria da Alvarinho. E, à boleia do prestígio da Alvarinho, têm vindo a ganhar notoriedade variedades como a Loureiro ou a Avesso. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No Dão, onde o sistema montanhoso Estrela-Caramulo-Montejunto fornece a frescura que distingue os vinhos daquela região, a variedade estrela é o Encruzado. Sozinha ou em lote com a Malvasia Fina ou a Uva Cão, uma casta com uma fabulosa acidez natural, faz vinhos admiráveis e longevos, de que são testemunhos vivos os lendários brancos do Centro de Estudos Vitivinícolas de Nelas. Por sua vez, a Bairrada é a nossa Borgonha. Os seus solos de argilo-calcário, associados à proximidade do Atlântico, são perfeitos para a produção de grandes brancos. A Bical, a Cercial e a Maria Gomes podem não ter o mesmo prestígio do Chardonnay, mas são castas igualmente notáveis e bem adaptadas. Há uma outra região com características semelhantes em solos e clima: Lisboa. Perde para a Bairrada por ter investido mais em variedades estrangeiras. Mas o potencial está lá e há vários produtores que estão a fazer belos vinhos. Alguns têm a assinatura de Diogo Lopes, enólogo na Adegamãe e que vê em Portugal tanto ou mais potencial para brancos do que para tintos. “As nossas variedades brancas são mais interessantes e originais do que as tintas. E estão mais estudadas. Temos também uma diversidade de solos riquíssima. Se adaptarmos as nossas melhores castas aos nossos melhores solos, podemos fazer brancos de altíssimo nível”, advoga. Este não é nenhum Top Ten dos vinhos brancos portugueses. É apenas uma selecção de dez vinhos que, à sua maneira, reflectem o melhor de cada região e que dão uma ideia do enorme potencial do paísBussaco (Dão/Bairrada) Um dos grandes brancos portugueses. São vinhos de nível mundial que se distinguem por serem feitos com uvas do Dão e da Bairrada e que possuem uma grande capacidade de envelhecimento. Parcela Única (Vinhos Verdes) Fabuloso branco de Alvarinho de uma só parcela produzido pelo enólogo (Anselo Mendes) que mais tem feito por esta casta. Um vinho de “terroir”, que expressa o melhor daquela que talvez seja a melhor variedade branca de Portugal. Quinta do Cardo Vinha Lomedo Síria (Beira Interior) Proveniente de Figueira de Castelo Rodrigo, de vinhas situadas a cerca de 700 metros de altitude e tratadas de forma biológica, é um branco que espelha bem o imenso potencial da Beira Interior. Quinta das Bágeiras Garrafeira Branco (Bairrada) Um dos extraordinários brancos da Bairrada, a região com mais potencial para fazer vinhos capazes de se baterem com os melhores do mundo. Pela sua consistência e estilo, o Quinta das Bágeiras Garrafeira é um lote de Bical e Maria Gomes de uma enorme riqueza e frescura. Equinócio (Alentejo) É numa vinha velha com mais de 14 castas misturadas, na serra de São Mamede, que nasce este branco singular e de grande complexidade. Um vinho que desmente a ideia de que não é possível fazer brancos de excelência no Alentejo. Arinto dos Açores By António Maçanita (Ilha do Pico) Um vinho com uma acidez e uma salinidade admiráveis que exprime toda a beleza e carácter do Pico, uma ilha com um “terroir” extraordinário para brancos. António (Lisboa) A região de Lisboa tem tudo (ou quase tudo) para ser uma segunda Bairrada em brancos: influência atlântica, solos de calcário e algumas boas castas. Uma delas, a Vital, esteve quase extinta, mas graças ao Casal Figueira e ao seu belíssimo vinho António voltou a ganhar uma nova vida. Quinta dos Carvalhais Encruzado (Dão) Um vinho concebido por Manuel Vieira, o enólogo que mais fez pelo ressurgimento e notoriedade da Encruzado, uma variedade com uma notável aptidão tanto para vinjhos de barrica como de inox. Neste vinho, fermenta e estagia em barrica, mas o que prevalece é a delicadez do seu aroma contido, a sua expressão mineral e a sua vitalidade. Quinta da Alorna Grande Reserva (Tejo) A região do tem duas grandes castas: a tinta Castelão e a branca Fernão Pires. Nos últimos anos esqueceu-se delas para apostar em variedades internacionais, mas parece começar a querer arrepiar caminho. Este Quinta da Alorna não indica as castas de que é feito, mas é provável que junte castas portuiguesas e estrangeiras. Seja como for, é um belíssimo branco
REFERÊNCIAS:
O nosso sistema está manipulado para “promover corporativismos”, diz especialista em fogos florestais
António Salgueiro é um dos maiores especialistas nacionais em fogos florestais. Liderou o Grupo de Análise e Uso do Fogo, responsável por uma estratégia de combate assente em conhecimentos muito técnicos, entretanto praticamente extinto. Pedrógão Grande prova o falhanço do sistema, denuncia. (...)

O nosso sistema está manipulado para “promover corporativismos”, diz especialista em fogos florestais
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: António Salgueiro é um dos maiores especialistas nacionais em fogos florestais. Liderou o Grupo de Análise e Uso do Fogo, responsável por uma estratégia de combate assente em conhecimentos muito técnicos, entretanto praticamente extinto. Pedrógão Grande prova o falhanço do sistema, denuncia.
TEXTO: Em Pedrógão Grande houve uma enorme descoordenação da protecção civil. António Salgueiro não tem dúvidas que a prioridade deveria ter ido para a protecção das pessoas porque o incêndio já tinha assumido proporções impossíveis de debelar. O que ali aconteceu é, na sua opinião, sintomático de um sistema de defesa contra incêndios que assenta num sistema de protecção civil corporativista, avesso a mudanças, que nem os políticos se atrevem a contestar. Pede que se apurem responsabilidades com inquéritos sérios. Teme que tudo se volte a repetir caso não se tente uma mudança no combate alargado. Mas para isso é preciso que o conhecimento e o mérito sejam os critérios que norteiam a subida na hierarquia nas estruturas da protecção civil, em vez da pressão dos interesses. Em que prevalece o do mais forte, não o do melhor. Apelando à sua experiência, tanto da floresta portuguesa, mas também dos métodos de prevenção e combate aos fogos, o que é que lhe parece que aconteceu no sábado à tarde especialmente no concelho de Pedrógão Grande?Ainda é difícil ter certezas sobre o que se passou pois não temos toda a informação importante - e esperemos que esta seja tornada clara e pública porque todos o merecemos, tanto os cidadãos, como aqueles que trabalham no sector ou os que vivem nas áreas florestais e delas dependem - mas parece que, de facto, terá havido uma descoordenação muito grande a nível, sobretudo, de protecção civil. Parece ter havido essencialmente um incidente de protecção civil. É sabido que há momentos em que os fogos florestais são incombatíveis e, por mais esforços que façamos, não os conseguimos debelar. Quando situações destas escapam à primeira intervenção, muitas vezes temos que assumir que, de facto, não é o momento de fazer extinção, é o momento de a planear para fazer o combate mais tarde, até mesmo por uma questão de segurança dos próprios combatentes. Nesses momentos, a atenção tem que ser virada ainda mais que o normal para a protecção das pessoas e para a coordenação da protecção de pessoas. Não sabemos efectivamente se houve trovoadas ou não. Há coisas muito estranhas nestas informações, ou na falta delas. Quando há aproximação de frentes destas, de trovoadas, aquilo que sabemos é que as condições são muito instáveis e normalmente a teoria e alguma experiência aconselham-nos a nem sequer fazer combate. A primeira intervenção tem de ser feita da melhor forma possível mas, não conseguindo resolver nesse momento, a situação vai exponencialmente aumentando de perigo para os combatentes e para as pessoas que estão próximas e, portanto, muitas vezes o conselho é que nem sequer se faça. Os processos são conhecidos e não há aqui nada de misterioso: Hoje [quarta-feira] de manhã já ouvi algumas intervenções em que se fala de mistérios e há aqui muitos mistérios, há mistérios no site do Instituto da Atmosfera e do Mar em que aparecem e desaparecem coisas: Há quem fale em mistério no local. Isto não tem mistérios: tem de facto situações extremamente complicadas, extremamente difíceis, mas consegue-se determinar com alguma antecedência aquilo que pode vir a acontecer. Tem havido muitas responsabilidades atribuídas às condições atmosféricas que proporcionaram a dimensão da tragédia. Quanto a essas causas naturais, que leitura faz?Elas não são piores que aquelas que temos tido em determinados momentos dos verões, que são relativamente curtos mas que se vão repetindo ao longo dos anos. Temos condições para propagação extrema de fogo: estávamos de facto com índices de seca, combinados com muitos combustíveis no terreno. Por todas as situações dos índices meteorológicos de risco de incêndios, estávamos numa situação extrema de comportamento do fogo. Mas isso não é novo, temos tido isso e é nessas circunstâncias que 1% dos fogos que nos escapam queimam 80 a 90% da área ardida. Portanto, não tem nada de particular. O que pode ter de particular — e estamos menos habituados a lidar com isso - é com as entradas de trovoadas. Tivemos esta situação em 2003. Tivemos centenas de ocorrências espalhadas quase por dois terços do país provocadas por uma trovoada e, portanto, isso é normal e voltamos a tê-lo, talvez, embora não se tenha a certeza. Como dizia há pouco, nas entradas de trovoada, a previdência diz que é melhor esperar um bocadinho para ver, que é melhor esperar que ela passe para depois poder combater. Relativamente ao comportamento do fogo e estado da vegetação e dos combustíveis mortos seria aquilo a que já estamos habituados durante o período crítico, mesmo nos momentos piores. Diz-se que já foi encontrada a árvore zero, onde terá começado a ignição. Parece-lhe razoável que assim seja?Nós temos de facto alguns agentes da autoridade bastante bem treinados para a determinação dos pontos de início de um foco de incêndio. É difícil, apesar de tudo, depois da ocorrência do incidente determinar se o raio que caiu naquela área foi naquele dia ou se foi há uns meses. Pode ter sido de facto. Quando temos incêndios provocados por inconsciência, por mau uso de fogo e outros de origem criminosa, normalmente começam na proximidade de vias de acesso - vias pedonais, estradas de terra, estradas municipais. No caso dos raios, pode começar em qualquer sítio, portanto, distante de qualquer acesso. Mas a política de fogo é idêntica quer este tenha começado por um raio ou por uma ignição humana. Começou por dizer que houve aqui um falhanço da protecção civil. O que é que poderia ter sido feito perante aquele cenário?Nós não podemos aceitar, como cidadãos, e como próximos das vítimas, ouvir dizer, durante dois dias, que tudo correu bem, que a primeira intervenção correu bem, que o combate alargado correu bem quando estamos há cinco dias com o mesmo incêndio e tivemos 64 mortos. Não correu bem, correu muito mal. Já no ano passado ouvimos dizer que arder floresta era um problema secundário, que o importante era não morrerem pessoas. Portanto, se arde floresta e se morrem pessoas, há muita coisa a correr mal. É mais fácil falar à distância e seria muito mais complicado estar no local — mas o que deveria ter sido feito nesta situação era ter dado toda a atenção à coordenação da protecção civil. Ter uma previsão mínima do comportamento do fogo, para onde é que ele iria, para evitar que as pessoas ali estivessem. Por outro lado, tentar informar ao máximo a população sobre procedimentos a tomar, apesar da falha de comunicações . Mas antes da catástrofe, o que é que poderia ter sido feito, sabendo que seria um fim-de-semana complicado com avisos vermelhos?Os incêndios florestais combatem-se por antecipação e não por reacção e o que temos visto é, frequentemente, atitudes reactivas. Agora vamos evacuar aldeias por tudo e por nada, vamos fechar estradas por tudo e por nada. Isto é cíclico em Portugal: sempre que se comete um erro — um erro entre aspas porque só um inquérito é que o poderá dizer — a seguir exageramos nos procedimentos que estão relacionados com esse erro. O que se poderia ter feito à partida era primeiro ter meios disponíveis e meios facilmente accionáveis nas regiões onde sabíamos que tínhamos o risco maior. Nós sabemos quando temos propensão para incêndios florestais extremos, de comportamento extremo. Tínhamos essa circunstância, portanto devíamos preparar os meios nas zonas em que temos maior risco estrutural de incêndio para mais rapidamente actuar a primeira intervenção porque é aí que muito se joga nestas circunstâncias. Mas a carta de risco estrutural já não é feita uma série de anos. Nós sabemos quais são as áreas de maior risco?Somos um país muito pequenino, quem trabalha com a floresta e quem trabalha com protecção civil relacionada com os incêndios florestais tem obrigação de saber quando o risco estrutural existe. Mesmo na ausência de informação tão actualizada, temos a obrigação de saber onde está o risco. Nós sabemos que este território que está a arder agora ardeu também em 2003. E como pouco foi feito tivemos, durante 14 anos, uma acumulação de combustíveis que estava disponível para arder em quantidades enormes. Quem está nesta área sabe isso, porque este risco não muda todos os dias. Por outro lado, é preciso tentar de facto dar informações às populações que as ajudem a precaverem-se. E nós damos, frequentemente, indicações no sentido contrário. Nós andamos frequentemente à procura da casa que ardeu, da catástrofe. Mas a maior parte das nossas casas em bom estado, habitáveis e com o mínimo de condições, não arde. É claro que, no limite, podemos dizer que todo o material é combustível e é uma questão da intensidade das chamas e do tempo de residência dessa chama na estrutura, mas de uma forma geral elas estão bastante bem protegidas: Nós temos casas em tijolo, em cimento, em pedra, com boas janelas, com estruturas muitas vezes para além das janelas que ajudam a proteger. E muitas vezes a melhor forma de as pessoas se protegerem é estarem dentro de casa, é fecharem a casa toda impedindo que qualquer fagulha entre por uma janela, não ter literalmente nada aberto. As pessoas devem meter-se dentro de casa, preparar água, preparar toalhas molhadas para o caso de o calor começar a ser excessivo a nível dos vidros. Essa é das melhores formas que temos de nos proteger. O que acontece é que com esta insistência na casa ardida muitas pessoas têm medo de estar dentro das próprias casas e acabam por vir cá para fora. Mas ninguém explica isso às populações?Não temos incêndios apenas há um ano, nem há dez, nem há 20. Temos um clima propício à propagação do fogo e, portanto, temos que preparar as pessoas com anos de antecedência para que saibam minimamente de auto-protecção. Há casos de estudo que deveriam ser difundidos: houve um incêndio florestal na Grécia em 2007 que matou 73 pessoas e aldeia de onde elas fugiram para se meterem na morte estava praticamente intacta. Há que educar as pessoas e não mostrar uma casa ardida. Na maioria dos casos — não neste caso que deve ser um dos maiores senão o maior incêndio da Europa de sempre — as casas que aparecem nas notícias eram antigas casas abandonadas, eram casebres de guarda de animais ou de utensílios agrícolas. Raramente vimos uma casa na verdadeira acepção do termo, com condições de habitabilidade, que tivesse ardido. Há quem fale na construção de abrigos. Faz sentido?As nossas casas já são abrigo suficiente desde que não tenhamos situações de mato a entrar pelas portas dentro ou de árvores a rodeá-las completamente. Mesmo nessas circunstâncias, muitas das nossas casas são um meio seguro. O primeiro-ministro fez perguntas a três entidades: o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, à Autoridade Nacional de Protecção Civil e GNR para saber afinal que fenómeno meteorológico aconteceu naquela zona e até que ponto é que pode explicar a tragédia, o que é que aconteceu com as comunicações, em especial a rede SIRESP e que influência é que isso teve no desfecho final e, por fim, porque é que não foi encerrada a nacional 236. São as perguntas certas?Começo pela terceira pergunta para qual também não tenho resposta e que é aquilo que me tem posto mais incrédulo nestes dias. Não estando no local e podendo estar a errar, como é que nós fechamos o IC8, que é a estrada com maior largura, com a maior possibilidade de defesa naquela região, e direccionamos as pessoas para uma estrada situada em plena montanha com seis metros de largura? Espero que o inquérito comece por aí e que seja um inquérito sério. Nós temos que aprender com aquilo que corre bem, mas sobretudo com aquilo que corre mal. A nossa tradição, e acontece muito no âmbito da protecção civil, é não levarmos os inquéritos até ao fim, não os fazemos de forma séria. E porquê? Porque toda a gente acha que quando se fala de um inquérito, estamos à procura de cortar cabeças. Nós temos que procurar ver como é que as instituições funcionam. Ver, e, de facto, estão a funcionar para aquilo que foram criadas; se de facto estão a funcionar para o qual os cidadãos estão a contribuir. Só estudando aquilo que se passou e sobretudo aquilo que corre mal é que nós podemos aprender para o futuro. E quanto ao SIRESP, a rede de comunicações de emergência?É inacreditável! Gastámos cerca de 400 milhões de euros num sistema de comunicação de protecção civil e passados cerca de dez anos continuamos com um sistema que falha, quando os sistemas de comunicação de protecção civil têm recursos alternativos para que nunca falhem ou para que a probabilidade de falhar seja muito baixa. É incompreensível que, com o que investiu o país no sistema de comunicação de protecção civil, aconteçam episódios destes. Liderou durante quatro anos as equipas do Grupo de Análise e Uso do Fogo, que hoje são praticamente inexistentes. Teriam feito diferença?Tenho alguma dificuldade em assumir que alguma coisa conseguisse fazer uma diferença tão grande sendo ela relativamente pequena. Mas temos um sistema de protecção civil que podemos dizer que é extremamente corporativista e sem oposição. E quando digo oposição não é política, é oposição transversal. Este é um sistema que é socialmente muito bem aceite. Exige muito trabalho contestá-lo e propor uma alternativa e qualquer político que se meta a pô-lo em causa vai correr riscos muito sérios. Não é que eu ache que possamos ter mudanças radicais. Não podemos fechar hoje o sistema de protecção civil que temos para ter um outro diferente daqui a seis meses. Isso seria um suicídio. Mas temos que, de facto, ver se este sistema tem sido eficaz. Temos que avaliar para aprender. Temos que ver como é que fazemos prevenção, se essa prevenção é utilizada no combate, como é que é utilizada. Temos que saber para melhorar. Nós não temos falta de meios. Somos dos países, relativamente à sua superfície e área florestal, mais bem equipados em termos de meios terrestres de combate a incêndios florestais. Temos muitos meios, temos muitas pessoas. O que falta é inteligência no sistema estratégico, isto é, ter pessoas que saibam bastante de fogo e que se preocupem em particular com os incêndios florestais e não com a protecção civil. Cada vez que esquecemos o incêndio florestal, nós temos mais situações de problemas de protecção civil. Somos um país com grande interface urbano-florestal, portanto, quando temos situações destas, é claro que a protecção de pessoas e bens é uma prioridade. Mas tem que haver equipas dedicadas a combater, a definir a estratégia, a participar no combate para a extinção do incêndio florestal para pararmos com os problemas de protecção civil. E isso não está a ser feito em Portugal?Não. Na altura do GAUF [Grupo de Análise e Uso do Fogo] achámos que essa experiência poderia tentar introduzir um novo conceito, que é este da inteligência, da racionalidade, da estratégia. E esperávamos que ele tivesse um efeito tipo mancha de óleo. Não tenho a veleidade de pretender que um grupo de 20 pessoas iria fazer a diferença nesta situação [em Pedrógão Grande]. Mas atendendo às condições meteorológicas que se avizinhavam, o que teria de ter sido dito é "meus senhores, neste momento, vamos pensar o que se vai fazer quando o fogo for combatível porque, nesta fase, o melhor é salvaguardar a segurança de todas as pessoas, em particular dos combatentes". Portanto, não iríamos conseguir apagar o incêndio. Poderíamos talvez contribuir para que fosse extinto numa outra fase, num período mais curto, mas é difícil dizer. Defende uma estrutura única de prevenção e combate?Quem define a estratégia de governação do país é que terá que decidir isso, com apoio técnico. De qualquer forma, sem ligação entre prevenção e combate não peçam aos privados para investir em prevenção. Se eu fizer prevenção e se tiver a noção ou a experiência de que a prevenção que eu fiz não é utilizada pelas forças de combate para extinguir o incêndio, eu deixo de a fazer. A prevenção é normalmente não produtiva. Mas temos outras alternativas de prevenção que temos utilizado muito pouco, como atribuir mais valor à prevenção produtiva e não produtiva, às pessoas que utilizam os espaços florestais, tentar ter melhores acções de gestão de produtos florestais, tendo essas pessoas a responsabilidade de também fazer alguma gestão de combustíveis e vigilância. Os resineiros estão presentes durante todo o período crítico na floresta e são os melhores vigilantes que nós temos. E custam-nos zero, pois estão a trabalhar. São os que melhor conhecem esses espaços. Temos que ter uma interligação entre as pessoas que trabalham nos espaços florestais, que fazem prevenção e, obrigatoriamente, aqueles que fazem o combate, e utilizar este conhecimento, utilizar os investimentos que foram feitos na prevenção estrutural, senão não vale a pena fazer prevenção. Todos os nossos princípios da prevenção estão desenhados para apoio ao combate, não estão desenhados para apagar incêndios de forma passiva. Diz que são conhecidos os locais em Portugal que oferecem mais risco. Quais são as zonas que diria que é urgente manter debaixo de olho?Toda esta zona do pinhal. Se olharmos para a cartografia de incêndios de Portugal sabemos quais são as zonas para manter debaixo de olho. Porquê? Porque as zonas que não ardem há mais de dez anos e que não têm gestão florestal têm grandes cargas de combustível. Nós temos a particularidade de termos um clima mediterrânico com influência atlântica, o que para o comportamento do fogo é terrível porque temos muita precipitação durante todo o período de Inverno/Primavera/Outono, o que leva a um desenvolvimento de vegetação excepcional, e depois temos um Verão extremamente seco como qualquer país da bacia mediterrânica. É claro que há espécies mais resilientes que outras, que propiciam povoamentos com menor combustibilidade mas, na generalidade, podemos dizer que todas as nossas espécies ardem quando temos episódios meteorológicos destes, que são recorrentes. Faz parte do nosso clima. Mais importante que as espécies é saber se temos gestão florestal. Onde há, uma das prioridades dos investidores é diminuir o risco de incêndio, fazer investimentos para isso. Quando não há e tudo está ao abandono, o combustível vai-se acumulando normalmente e chega a cargas de 40, 50, 60 toneladas de matéria seca por hectare com muita facilidade. Que zonas são essas?A zona Centro em particular, onde estamos a ter agora este problema. E isto estende-se até à fronteira. As zonas que arderam nos anos de 2003, 2005 e que depois disso não voltaram a arder, são todas as zonas onde temos que ter muita atenção porque podemos ter incêndios destes, muito difíceis de extinguir depois de falhada a primeira intervenção. O ano de 2003 foi o ano da grande catástrofe de incêndios neste país, 2005 também, 2010, depois e a cada ano de catástrofes sucedem-se livros brancos, comissões de inquérito, relatórios, estudos, grupos de trabalho, etc. Que lições é que podemos tirar de Pedrógão Grande e dos outros concelhos que estão em sobressalto por estes dias. Em relação ao sistema que está montado, enraizou-se a ideia da época de incêndios dividida em fases e temos um dispositivo de combate que não tem sofrido grandes alterações. É preciso actualizar tudo isto?Estamos ultrapassados. Ficámos logo ultrapassados em 2006, quando fizemos um plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios e o tivemos que o cortar à tesourada, se calhar naquilo que ele tinha de mais importante, para que ele pudesse ser aprovado a nível ministerial e da Assembleia da República. A maior parte dos problemas foram identificados nesse período, depois do que aconteceu em 2003 e 2005, e foram trabalhados. Perspectivava-se não uma evolução mas uma transformação da nossa protecção civil. Sem essa transformação vamos ter este problema repetido vezes e vezes sem conta. Temos incêndios florestais todos os anos, excepto quando o São Pedro nos ajuda e manda uma chuva de 20 ou 30 milímetros, uma vez por mês durante o Verão. Os incêndios repetem-se e nós não evoluímos no combate alargado. Evoluímos bastante depois de 2005 na primeira intervenção, mas no combate alargado não evoluímos por falta de estratégia, de conhecimento. As protecções civis têm que funcionar com mérito, formação e mérito, e é isso que tem que dar hierarquia de especialização. Não é com corporativismos, não é com divisão de cargos entre instituições com força. Os acontecimentos de 2003/2005 permitiram ter essa visão, e a partir de 2005 trabalhou-se nesse Plano Nacional de Defesa contra Incêndios. Propunha-se uma transformação gradual da protecção civil e essa parte do plano ficou escondida, nunca foi publicada. Teve de ser amputada para vir para um formato de evolução que acabou por acontecer nalgumas áreas, mas muito pouco. A minha opinião, que é também a de muitas das pessoas que têm estado envolvidas durante alguns anos nestes assuntos, é que nós vamos ter que ter duas forças operacionais distintas nos incêndios: uma para servir exclusivamente a protecção de pessoas e bens e outra que se dedique exclusivamente à protecção do espaço florestal. O que os GAUF faziam era isso, não tinham formação, não tinham conhecimento nem capacidade para defender pessoas e bens, aquilo que faziam era tentar contribuir para que o incêndio florestal se apagasse o mais rapidamente possível, nas melhores condições possíveis, que houvesse menos pessoas e bens em perigo. Temos que aprender com o passado, mas temos que encará-lo de forma séria. Esperemos que aquilo que aconteceu este ano sirva para mudar alguma coisa, embora confesse que não tenho muita esperança porque já vi muitas coisas e muitas vezes andamos mais para trás do que para a frente. Não podem ter morrido 64 pessoas nestas circunstâncias, não podem ter morrido os operacionais bombeiros que morreram em 2013 também, em circunstâncias algumas delas incríveis de estratégia de combate e de indicações para as pessoas que estão a fazer o combate, e tudo passar incólume, não acontecer nada, não haver uma grande transformação. Na perspectiva que nos impuseram em 2006 para o plano de evolução da protecção civil, nós não vamos conseguir resolver o problema e vamos ter mais situações destas. Aliás, já poderíamos ter tido mais situações destas, felizmente elas não aconteceram. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No início desta conversa disse que essa mudança era politicamente difícil. Porquê?Politicamente difícil e mesmo socialmente difícil de explicar. O nosso sistema está institucionalizado desde há muitos anos, manipulado nalguns casos por algumas pessoas que aparecem constantemente no fio dos anos, para promover determinados corporativismos. Lutar contra isso é logo socialmente e politicamente extremamente difícil. E há ainda outra dificuldade: é também tecnicamente difícil. Quem, em termos políticos, quiser pegar nisto, e quando falo de políticos falo de governantes, tem que ter uma estratégia muito bem delineada para que estas mudanças, esta transformação, seja progressiva e seja eficaz. Não é fácil alguém impor-se a este sistema.
REFERÊNCIAS:
Entidades GNR
Está a começar a revolução do pão em Portugal
Há quem semeie trigos antigos como o barbela, há quem aposte na recuperação de moinhos tradicionais, há cada vez mais gente a aprender o ofício de padeiro e interessada nas formas artesanais de fazer pão, com leveduras naturais e fermentações longas. Alguma coisa está a mudar no pão em Portugal. (...)

Está a começar a revolução do pão em Portugal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há quem semeie trigos antigos como o barbela, há quem aposte na recuperação de moinhos tradicionais, há cada vez mais gente a aprender o ofício de padeiro e interessada nas formas artesanais de fazer pão, com leveduras naturais e fermentações longas. Alguma coisa está a mudar no pão em Portugal.
TEXTO: João Vieira chega a casa de Adolfo Henriques, na Maçussa, perto do Cartaxo, trazendo na mão duas espigas de trigo. “Repare”, diz, exibindo uma delas, “este é um trigo moderno, modificado, veja a espiga, a diferença que é o resultado da manipulação”. É uma espiga compacta, de bagos cerrados. De seguida, João Vieira exibe outra de bagos mais abertos. “Este é um trigo antigo, o trigo barbela, que tem menos bagos numa mesma espiga, mas traz mais nutrientes e é muito rico em óleos naturais. ”“Há 15 anos que trabalho nisto de forma solitária”, desabafa o agricultor do Cadaval. Mas agora começa a ver sinais daquilo que espera ser uma revolução na forma de os portugueses olharem para os cereais que usam para fazer pão. Estamos na Maçussa precisamente porque Adolfo Henriques, produtor de vinho e queijo de cabra, entre outras coisas, ouviu falar do trigo barbela e decidiu começar a fazer pão com ele. Mas não foi só Adolfo. O trigo barbela de João Vieira já está à venda naquela que é, neste momento, a padaria mais falada de Lisboa: a Gleba, onde Diogo Amorim, de 21 anos, está a tentar recuperar cereais antigos cuja moagem é feita na própria padaria. Para todos eles, isto é uma aprendizagem. “Nunca tinha feito pão com trigo barbela e a primeira vez que comecei a amassar a farinha começou a largar óleo, a agarrar-se às mãos e a ficar escura”, conta Adolfo. “Lembro-me de, quando era miúdo, haver os pães escuros que eram feitos com estas farinhas. E quando o mostrei a uma senhora minha conhecida ela chorou e disse-me: ‘Fui criada com este pão há 60 anos’. ”Mas tanto o pão como o trigo com que era feito tinham desaparecido, abalroados pelos trigos modernos, muito mais produtivos. “Ainda estamos a perceber a produtividade que este trigo dá aqui nos meus terrenos, onde semeei três hectares. Não temos histórico. Mas aqui o amigo João sabe que são baixas produções”, explica Adolfo. João conhece bem o seu trigo. Era uma das mais de 30 variedades que o pai e o avô semeavam nesta região onde dava belas searas, altas, e que continua a ser semeado, em parcelas mais pequenas, por alguns agricultores em Trás-os-Montes. “É um trigo excepcional para o nosso país, onde não abundam terras férteis para o trigo nem a chuva. Tem a vantagem de resistir bem às alterações climáticas e à seca e produz bem seja no Norte, no Sul ou no Centro. E tem um sistema radicular em profundidade, o que significa que vai buscar os nutrientes à terra em profundidade, enquanto os trigos modificados têm um sistema radicular de superfície. ”A certa altura da sua vida, João percebeu que o trigo que conhecia da sua infância, trazido para Portugal pelos árabes no século VIII (e a que alguns também chamam “o morto-vivo” por se pensar que estava extinto), estava condenado a desaparecer. A partir de 1994, conta, foi definido um preço mundial para os cereais, acertado por baixo, e o valor do trigo sofreu uma queda abrupta. “É uma loucura um preço mundial. Claro que não podemos produzir em Portugal pelo mesmo preço que se pratica em França, na Ucrânia ou na Argentina. ” Mas, garante, podemos ainda recuperar variedades como o barbela e aproveitar terrenos pouco valorizados para o semear. “Sou do norte da serra do Montejunto, onde temos terrenos diferentes dos da Maçussa, são arenosos e estão hoje plantados com eucaliptos, mas são terrenos onde este trigo se adapta muito bem. ”Olha, encantado para a espiga de barbela. “Conservei este trigo e dediquei 15 anos a multiplicar esta semente. Foi uma tomada de consciência. ” Faz um sorriso irónico. “A indústria não quer saber deste trigo, diz que dá uma farinha fraca. Uma farinha é fraca porque não tem glúten [o trigo barbela tem glúten mas segundo João Vieira tem menor quantidade do que os trigos modernos]. É altamente nutritiva mas não dá o rendimento que eles querem. ”Deixemos, para já a Maçussa, onde Adolfo nos dá a provar o pão que resulta das experiências que anda a fazer há seis meses, e passemos para outro cenário: a escola da Associação de Cozinheiros Profissionais de Portugal. Se está a acontecer uma revolução no pão em Portugal, ela passa também, sem dúvida, por este homem de barbas e cabelos longos, apanhados num rabo-de-cavalo, que dá aulas de panificação a um grupo de actuais e futuros padeiros: Mário Rolando. Hoje, Mário Rolando trouxe um convidado, o panificador e moleiro da região de Setúbal Luís Rocha, que veio falar de moagem tradicional. Encontramo-nos algum tempo antes num café para ouvir a história de como moinhos e moleiros foram morrendo lentamente. “O meu pai viveu sempre na pobreza da agricultura, sempre debaixo de muito trabalho. Foi agricultor, canteiro, moleiro e mais tarde padeiro. ” No início, era sobretudo canteiro, nos anos 1950, quando cidades como Lisboa e Setúbal estavam a crescer e precisavam de pedra. E na pedreira faziam-se também as mós para os moinhos. O avô de Luís morreu jovem e o pai, que “tinha 14 anitos mas era o único homem da família”, começou a cultivar as terras e a moer o trigo no moinho, onde recebia cereais de outras pessoas, que pagavam ao moleiro em género. Um dia construíram uma escola junto ao moinho de vento que o pai comprara e este deixou de ter vento – foi preciso pôr-lhe um motor. Mas, ainda antes de lhes tirarem o vento, veio a década de 80, fatal para o negócio. “Começa a escassear o cereal, depois do 25 de Abril as pessoas entenderam que não era preciso cultivá-lo e houve só meia dúzia de resistentes, como o meu pai. Durante os governos de Cavaco Silva, mandaram encerrar os celeiros, os resistentes deixam de ter onde vender o cereal e começa a haver muito trigo importado. ”Os pequenos agricultores, que já não podiam ir ao vizinho que tinha um moinho e pagar-lhe o trabalho em espécie, ficaram dependentes dos grandes moageiros. “Tinham uma trabalheira dos diabos até conseguirem uma seara mais ou menos e tinham de deixar tudo para os animais porque queriam vender a 20 cêntimos o quilo e o moageiro só oferecia dez. E assim foi acabando a agricultura manual. ”Hoje, afirma Luís Rocha, que mantém o seu moinho “por gosto”, “o panorama dos moinhos de vento está obsoleto, a moagem só é feita em grandes quantidades”. “Há um resistente ou outro, como é o meu caso, quando tenho vento de norte ou de oeste, vou lá e faço a farinha. ” A boa notícia é que entre os tais resistentes começam também a aparecer jovens como Fátima Nunes, que recuperou o Moinho do Boneco, na Moita dos Ferreiros, próximo da Lourinhã. Quem nos fala dela é João Vieira, que tínhamos deixado há pouco na Maçussa. Voltemos lá por um minuto para o ouvir. “É uma jovem moleira, a Fátima. Um dia fui lá e disse-lhe: ‘Usa este trigo, para não o perdermos, e faz com que outros o semeiem também. ’ E ela disse-me: ‘Afinal, tínhamos ouro e deitámo-lo fora. ’ Ela pica a mó e sabe toda a história de como a moagem chegou até nós através dos persas e de como os portugueses usaram os seus conhecimentos de navegação na construção das velas dos moinhos. ”De volta à conversa com Luís Rocha, que está a explicar o que faz a diferença entre um moinho de aço e as mós de pedra. “A qualidade não tem nada a ver. Nos moinhos de aço o cereal aquece muito e na mó a farinha sai a uma temperatura quase natural, uns 12, 13 graus, enquanto na moagem industrial pode atingir os 30 graus, o que faz com que perca logo ali o sabor. ”No seu moinho faz uma farinha 110, “mais grossa, mais amarelinha”, que preserva mais o cereal. Mas, lamenta, “as pessoas querem a farinha cor de neve, não querem as vitaminas nem o sabor nem as fibras”. E conclui: “Quando tenho farinha de moinho e faço pão, aquele cheirinho do pão a cozer é imbatível. ”“Os rótulos são cada vez mais difíceis de perceber. E o pão das multinacionais anuncia-se como ‘rústico’, ‘dos nossos avós’, ‘da aldeia’, ‘da Idade Média’, mas se lermos no rótulo mais do que quatro ingredientes, alguma coisa não está certaNa aula de Mário Rolando, Luís Rocha vai falar do funcionamento dos moinhos, das diferentes mós, da forma certa de as picar. E a ouvi-lo atentamente estão vários alunos, entre os quais, José Miguel Leitão, padeiro de Cabeço de Montachique, onde a família tem uma padaria desde 1912. “Sou a quarta geração”, diz, orgulhoso. Sabe fazer pão, claro, mas está neste curso porque se apercebeu de que alguma coisa não estava bem na forma como nas últimas décadas se anda a fazer pão em Portugal. “Nos últimos 60 anos, com o aparecimento da levedura industrial, houve uma alteração grande no modo de fabrico do pão nas padarias tradicionais”, explica. “O padeiro ganhou qualidade de vida. Antes, o processo levava pelo menos 12 horas desde que se começava a amassar, a tender, etc. Hoje é tudo mais rápido. ” Mas isso teve custos. O problema, acredita, é que “começou a haver uma promiscuidade entre a indústria de panificação e os padeiros mais pequenos”. Perante a ofensiva da indústria, com preços muito baixos, os padeiros tradicionais só tinham duas alternativas para sobreviver: baixar a qualidade da matéria-prima ou aumentar a produção. “Assistimos aos artesãos a entrar no mercado da grande indústria e vice-versa”, ou seja, nas grandes superfícies começou a ver-se cada vez mais pães “artesanais”. Em 2007, o mercado da padaria entrou em crise. “A Associação dos Padeiros disse que tínhamos de aumentar os preços 20 a 30% e as grandes superfícies tinham um anúncio a dizer: ‘Nós não vamos aumentar o preço do pão’. ” José Miguel começou a ver que o caminho tinha de ser outro. Nunca uma pequena padaria como a sua poderia concorrer com a indústria que “esmaga completamente os preços”. E percebeu uma coisa: “Nós, os pequenos, temos de entrar pelos nichos de mercado e oferecer muito melhor qualidade. Para nós, é muito mais fácil do que para a indústria montar um processo de produção de 24 horas para o pão. ”Decidiu, por isso, vir aprender com Mário Rolando a fazer um bom pão artesanal e já identificou um fornecedor para a farinha de moleiro, que “dá muito mais sabor e um aroma completamente diferente”. “Percebi que estava a perder algum mercado por não ter um pão mais tradicional. ” Confessa, contudo, o receio de que muitos dos clientes ainda não distingam entre um pão industrial e um artesanal, não valorizem as fermentações longas ou a diferença de sabor e se deixem guiar apenas pelo preço. “Na nossa padaria, andamos a fazer experiências e vamos lançar em breve este tipo de pão. ” A forma como é feito, as leveduras selvagens, a fermentação, dá-lhe uma leve acidez característica. “Essa acidez retém a água e não deixa que os bolores se desenvolvam, por isso é, naturalmente, um pão que dura uma semana sem problemas. ”Inevitavelmente, o preço será um pouco mais elevado, “um acréscimo de 20 a 30%”, mas garante que as pessoas que já provaram o pão gostaram muito e começaram a perguntar quando vão poder comprá-lo. “Acho que este é o caminho certo para os padeiros nacionais – mesmo pelo bom nome da panificação nacional. ”É também esse o objectivo de Mário Rolando, que viu o sector da panificação ir por um caminho com o qual não concorda e que quer dar aos seus alunos os instrumentos necessários para uma via alternativa. “Muitos deixaram-se ir na onda das multinacionais, mão-de-obra cada vez mais barata, produtos já preparados a que é só juntar água, facilitadores do trabalho, que deixa de ser um trabalho qualificado. Arranja-se três pessoas a quem se paga o ordenado mínimo e põe-se-lhes nas mãos um mix de pão alemão, um de broa de Avintes e outro de broa de milho e, se souberem ler, lêem a receita que está no saco e qualquer um deles faz aquilo. ”Décadas de um ensino de panificação baseado nestas técnicas resultou, diz, num cenário em que “todos os padeiros e pasteleiros para massas lêvedas de pastelaria que se formaram nos últimos anos fazem pão e bolos lêvedos da maneira mais fácil, com melhorantes, aditivos e mixes”. Mário aprendeu também tudo isto, mas o que fez foi “voltar atrás”, às formas antigas de fazer pão, com massa-mãe, fermentações longas e farinhas o menos tratadas possível. E, de repente, começou a perceber que há uma série de gente, desde padeiros como José Miguel Leitão a pessoas que deixaram empregos em áreas completamente diferentes, de economistas a arquitectos, designers ou engenheiros informáticos, que se inscrevem no seu curso para aprender a fazer pão. “Muita gente está a fugir para esta área que acolhe todos e não tem regras nenhumas. ”Está muito satisfeito com os resultados. “Tenho aberto a disponibilidade emocional e de conhecimento das pessoas que querem aprender padaria e pastelaria e tenho tido sucesso porque vários delas, mais cedo ou mais tarde, estão a preparar-se para abrir padarias em Lisboa ou no Porto. ” Orgulha-se de passar a mensagem de que “a comida pode dar-nos mais ou menos anos de vida” e por isso é preciso ter com ela um cuidado que muitas vezes nos esquecemos de ter. É verdade que há cada vez mais informação disponível para os consumidores, mas nem sempre isso tem os resultados desejáveis. “Os rótulos são cada vez mais difíceis de perceber. E o pão das multinacionais anuncia-se como ‘rústico’, ‘dos nossos avós’, ‘da aldeia’, ‘da Idade Média’, mas se lermos o rótulo e virmos que estão lá mais do que quatro ingredientes, temos de perceber que alguma coisa não está certa. E ou queremos ou não queremos”, conclui Mário. Luís Rocha, o moleiro/padeiro, preocupa-se com a dependência que Portugal tem do estrangeiro no que diz respeito aos cereais. “Se por algum motivo nos fecharem a porta, morremos todos à fome. ” Na Maçussa, João Vieira diz a mesma coisa: “Se há uma ruptura no fluxo de abastecimento, só temos pão para dez dias. Quem decide decidiu que se importava porque era mais barato e com esta decisão perdemos as nossas sementes. A minha opinião é que, se é verdade que nunca seremos auto-suficientes, devemos mesmo assim produzir o máximo que pudermos. ”Sabe que o trigo barbela percorrerá sempre um caminho paralelo ao dos trigos importados e aditivados, mas está convencido de que, com as preocupações com a saúde – e sobretudo com o aumento da intolerância ao glúten –, haverá cada vez mais gente interessada neste nicho. “Entendo isto como uma forma de resistência porque estamos numa situação muito delicada em termos de abastecimento. ” E continua: “As sementes também significam liberdade. Se não tiver o meu trigo, tenho de comprar a semente que não está adaptada ao nosso território e pela qual me pedem os olhos da cara. E hoje estamos a falar de oligopólios de sementes, uma situação muito complicada. ”Na sua padaria de Alcântara, Diogo Amorim já está a vender o pão com o trigo barbela. Na Maçussa, Adolfo continua as experiências com a farinha e em breve verá no seu terreno uma seara lindíssima e terá já colhido barbela suficiente para fazer pão em quantidades muito maiores. Quem passar pelo moinho do Outeiro, na Azóia, poderá um dia encontrar lá Luís Rocha a fazer farinha ou apenas a pensar: “Abro as velas e fico lá deslumbrado. ”Ou quem for ao Moinho do Boneco poderá ouvir Fátima contar histórias dos moinhos de Portugal e defender a importância de os preservar. Em breve, o pão de Mário Rolando estará nas padarias que Vítor Sobral (Tasca da Esquina) planeia abrir. E, na padaria de José Miguel Leitão, em Cabeço de Montachique, está quase a vender-se o pão feito como antigamente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há sinais de que alguma coisa começa a mudar no mundo do pão em Portugal. “Estamos a dar os primeiros passos”, diz João Vieira. “Em Trás-os-Montes, estão só à espera de um sinal. Se eu disser semeiem porque há hipóteses de ter um preço remunerador, eles vão semear e pode-se satisfazer a eventual procura que venha a haver. Eu vou resistindo e vai aparecendo quem agarre. Eu não desisto, de qualquer maneira. ” “Estamos a ser pioneiros”, acrescenta Adolfo Henriques. “Esta que aqui estamos a contar é a história do ressurgimento do barbela”. Artigo actualizado a 23 de Maio: foi acrescentada uma frase que esclarece sobre a presença de glúten no trigo barbela
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Portugal perde um milhão de turistas por ano por causa de aeroporto de Lisboa
Presidente da Confederação do Turismo de Portugal, Francisco Calheiros, diz que todos os dias estão a ser recusados novos voos por falta de capacidade da infraestrutura aeroportuária (...)

Portugal perde um milhão de turistas por ano por causa de aeroporto de Lisboa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.3
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Presidente da Confederação do Turismo de Portugal, Francisco Calheiros, diz que todos os dias estão a ser recusados novos voos por falta de capacidade da infraestrutura aeroportuária
TEXTO: Se tudo avançar como o previsto, a base aérea do Montijo passará a funcionar como pista complementar ao aeroporto da Portela em 2022. “Ainda faltam quatro anos”, como nota o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), Francisco Calheiros, e, entretanto, a principal porta de entrada do turismo no país (responsável por 90% das chegadas a território nacional) já está “entupida”. Em entrevista na rubrica Conversa Capital, do Jornal de Negócios e Antena 1, Francisco Calheiros estima que Portugal esteja a perder à volta de um milhão de turistas por ano por causa da falta de capacidade da Portela, e o facto de estarem a ser recusados a chegada de voos todos os dias por falta de “slots” (vagas para movimentação de aviões). “Sabendo o que cada turista gasta e a transversalidade do turismo, imagine o impacto que [este constrangimento] tem”, afirma. O presidente da CTP diz que o aeroporto é uma “pedra no sapato” no país e afirma que Portugal não tem mais tempo a perder com indecisões. Calheiros mostra mesmo a sua intranquilidade face às decisões que ainda falta tomar: “Se amanhã se vier a descobrir que determinadas aves podem ficar prejudicadas pelo barulho dos aviões ainda vamos fazer mais um estudo de um ano. Isto não é possível”, afirma. Os argumentos do presidente da Confederação de Turismo de Portugal para justificar a urgência nas decisões vão todos para o crescimento “inesperado” que o turismo tem protagonizado nos últimos cinco a seis anos. “De 2002 para 2009 passou-se de 34 para 36 milhões de dormidas. De 2009 para 2017 passou de 36 para 59 milhões. Isto é incomportável, são mais 20 milhões”, contabiliza. Apesar de reconhecer que o país não conseguirá manter taxas de crescimento a dois dígitos durante dez anos, e recordando que já começou a haver arrefecimento nessas taxas, a verdade é que Calheiros ainda acha que Portugal vai continuar a crescer nos próximos tempos e repara que a sazonalidade está cada vez mais esbatida. O turismo em Portugal só tem um problema e ele está identificado, "os ingleses e o Brexit", mas há outros mercados emissores que estão a compensar as quebras. Calheiros deixou ainda um outro aviso: só o dia em que vir caterpillars a trabalhar no Montijo é que vai acreditar nas obras, mas isso não significa que vai desde logo ficar satisfeito. "No dia em que tivermos o Montijo em obras, vai ouvir a CTP falar num novo aeroporto, logo. Não nos esqueçamos: o Montijo não é o novo aeroporto, é a expansão da Portela".
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Palavras-chave estudo aves
Especialistas apoiam investigação na edição de genes mas impõem limites
Um grupo internacional de 11 organizações da área da investigação e aconselhamento genético emitiram uma declaração sobre a edição de genes em linhas germinais humanas. (...)

Especialistas apoiam investigação na edição de genes mas impõem limites
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-08-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um grupo internacional de 11 organizações da área da investigação e aconselhamento genético emitiram uma declaração sobre a edição de genes em linhas germinais humanas.
TEXTO: Os especialistas em genética não vêem razões para proibir a investigação da edição genética em linhas humanas germinais (ovócitos e espermatozóides), num ambiente in vitro, mas consideram “inapropriado” avançar com projectos que culminem numa gravidez. A tomada de posição foi publicada esta quinta-feira na revista The American Journal of Human Genetis e é subscrita por 11 organizações que representam especialistas na área da genética em várias regiões do mundo e também a nível internacional. A declaração é da autoria conjunta da Sociedade Americana de Genética Humana (ASHG), da Associação de Enfermeiros e Conselheiros Genéticas, da Associação Canadiana de Conselheiros Genéticos, da Sociedade Internacional de Epidemiologia Genética e da Sociedade Nacional de Conselheiros Genéticos dos EUA. Também foi aprovado pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, a Sociedade Ásia-Pacífico de Genética Humana, a Sociedade Britânica de Medicina Genética, a Sociedade de Genética Humana da Australásia (região que inclui Austrália, a Nova Zelândia, a Nova Guiné e algumas ilhas da parte oriental da Indonésia), a Sociedade Profissional de Conselheiros Genéticos na Ásia e a Sociedade da África Austral para a Genética Humana. "O nosso grupo de trabalho sobre a edição do genoma incluiu especialistas em vários campos da genética humana, bem como de países com diferentes sistemas de saúde e infra-estruturas de investigação", refere Kelly E. Ormond, professora de genética na Universidade de Stanford (EUA) e principal autora da declaração, num comunicado sobre o artigo. "Tendo em conta esta diversidade de perspectivas, sentimo-nos encorajados com o acordo que alcançámos e esperamos que represente a solidez e aceitação das nossas recomendações. ”A CRISPR/Cas9 começou a ser testada recentemente como uma técnica de edição de genomas. Este sistema que permite mexer no ADN num jogo de “corta e cola” genes pode vir a significar avanços sem precedentes no tratamento de doenças mas também levanta uma série de preocupações éticas. O receio de acabarmos por “fabricar” seres humanos feitos à medida é apenas uma das inquietações de muitos cientistas e outros especialistas. A CRISPR chegou com a promessa de ser uma forma muito precisa, fácil e rápida de alterar genes. Há uma proteína que age como uma tesoura e corta o ADN, e há uma molécula de ARN que guia a tesoura para qualquer ponto do genoma que quisermos. Nos últimos anos a técnica tem sido mais testada em células estaminais e em animais (ratos, ratinhos e macacos). Mas também já foi experimentada em embriões humanos. Aliás, esta quinta-feira a revista Nature publica um artigo sobre um trabalho liderado por cientistas nos EUA que permitiu corrigir, em embriões humanos, uma mutação num gene que está associada a uma doença hereditária cardíaca. Apesar do sucesso da experiência, os embriões usados foram sido destruídos após alguns dias de desenvolvimento. Não é (para já) conhecido qualquer projecto que tenha sido autorizado a fazer uma transferência de embriões geneticamente editados para o útero de uma mulher para uma eventual gravidez. "Embora a edição do genoma da linha germinal possa, teoricamente, ser usada para evitar que uma criança nasça com uma doença genética, o seu eventual uso também levanta muitas questões científicas, éticas e políticas. Essas questões não podem ser respondidas apenas por cientistas, mas também têm de ser debatidas pela sociedade ", refere Derek Scholes, director de política científica na ASHG. Assim, o documento assinada por 11 associações que representa várias áreas da genética estabelece que “neste momento, não é apropriado realizar experiências de edição de genes da linha germinal que culminem na gravidez humana”. Por outro lado, acrescentam, também “não há motivos para proibir a investigação de edição do genoma germinal in vitro (fora de um organismo vivo), com supervisão e consentimento apropriados, ou para proibir o financiamento público destes projectos”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além destas duas orientações principais, os especialistas recomendam a todos os cientistas que, antes de qualquer aplicação clínica futura desta técnica, assegurem que existe “uma lógica médica convincente para usar essa abordagem, provas que apoiem o uso clínico, uma justificação ética e um processo transparente e público para solicitar e incorporar a participação dos interessados”. Em Fevereiro deste ano, foi divulgado também o relatório da Academia Nacional das Ciências e da Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos que consideraram que os avanços científicos trazidos pela edição de genes em células humanas reprodutivas são “uma possibilidade realista que merece ser considerada a sério”. Estes especialistas defenderam que os ensaios clínicos para edição da linha humana germinal podem ser permitidos – “mas apenas em quadros [clínicos] graves sob supervisão rigorosa”. Esta foi uma posição mais branda se compararmos com a declaração feita em Dezembro de 2015 por cientistas e especialistas em ética, reunidos numa conferência internacional na cidade de Washington, na sede da Academia Nacional das Ciências norte-americana, quando consideraram que seria “irresponsável” usar a tecnologia de edição de genes em embriões humanos para fins terapêuticos, como a correcção de doenças genéticas, enquanto as questões de segurança e de eficácia não estivessem resolvidas.
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Entidades EUA
Calvão Presunção e Água Benta da Silva: Um ministro enviado por Deus
Um caprichoso criador resolveu inundar de mistérios a política nacional. Com uma fúria demoníaca para a qual não havia seguro. Ninguém pôs de lado um pé-de--meia para cobrir tanto disparate. As frases diluvianas do beato apocalíptico que tomou conta da Administração Interna trazem água no bico? (...)

Calvão Presunção e Água Benta da Silva: Um ministro enviado por Deus
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um caprichoso criador resolveu inundar de mistérios a política nacional. Com uma fúria demoníaca para a qual não havia seguro. Ninguém pôs de lado um pé-de--meia para cobrir tanto disparate. As frases diluvianas do beato apocalíptico que tomou conta da Administração Interna trazem água no bico?
TEXTO: Deus nem sempre é amigo, mas o amigo Relvas pode facilitar as coisas. Foi nos dias a seguir às eleições, quando se percebeu que a esquerda portuguesa não se rendera e estava disposta a mostrar ao mundo, mais uma vez, que a sua ideia de unidade é todos a discutirem. Mas os guardiões do templo PàF, os sumo-sacerdotes da “não há alternativa”, moveram-se e um deles encontrou a saída genial para a perda de maioria absoluta. Em S. Bento, Pedro Passos Coelho abriu a porta do gabinete a Miguel Relvas, que entrou de pastinha. — Ora cá estamos nós…— Miguel, não te posso fazer ministro outra vez. — Nem ia invocar uma coisa dessas em vão. Sabes que o espírito de entreajuda e solidariedade é o bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade — comum idade? É natural, pois, que um amigo possa e tenha gosto em dar conselhos ou informações a outro amigo. — Não estou a perceber, Miguel. Ou será que estou?. . . — Encara isto que vou fazer como uma liberalidade, um presente. — Tenho a impressão, ou melhor, parece-me, no sentido de “dar um parecer”, que me vais vender uma ideia maluca. — Bravo, por isso é que tu tens um curso e eu é o que se sabe… Precisas de uma grande figura idónea no teu governo. Alguém na Administração Interna que, enfim, construa um dique comunicacional entre ti e esses socialistas, bloquistas e comunistas sequiosos de poder que te querem afogar com a sua maioria de deputados. — Por que é estás a falar dessa maneira?— Sei lá. Só Deus sabe, aliás. Deu-me para isto, com as chuvas. Talvez venha a fazer sentido, em breve. — Olha lá, não estás mesmo a vender-me esse cromo do Calvão da Silva, o que assinou o atestado de idoneidade do Ricardo Salgado?— Foi só uma prenda de 14 milhões de um construtor civil, uma liberalidade de amigo. Esse Calvão da Silva tem um percurso impressionante. Do Mosteiro de Singeverga para o topo da Academia de Direito de Coimbra! — Que Deus nos proteja. — Uma infância de caldos pobres com chouriço em Trás-os-Montes e passarinhos do campo. Olha como o descreveram na página do Colégio de Lamego quando ele lá voltou para falar aos novos alunos: “Durante o encontro nunca puxou dos seus distintíssimos galões académicos, nem do sucesso da sua vida política em part-time. Aguentou o mesmo nível das grandes figuras dos ex-alunos que por aqui têm passado, fasquia já tão elevada, impossível de ser ultrapassada, porque os que por aqui passaram atingiram o brilho da Lua. ”— Vai gozar com outro. — Isto é que é empreendedorismo e ascensão social. Dá-lhe uma oportunidade. Ele está ali fora a rezar o terço, de joelhos. Merece esta bem-aventurança. — Bom, chama-o lá. Mas falo com ele a sós. Miguel Relvas saiu e entrou um homem magro de fato e gravata, hirto como um bastão cardinalício com cabelo de risco ao lado. — Caro Calvão da Silva…— Professor Doutor Calvão da Silva, se não se importa, senhor primeiro-ministro. — Muito bem. Então acha que pode ser ministro da Administração Interna?— Os sinais acumulam-se. — Mas eu ainda não disse nada!— Não é o senhor primeiro-ministro, é o Senhor Deus do Céu. “E era Noé da idade de seiscentos anos, quando o dilúvio das águas veio sobre a Terra. ” E os animais entraram de dois em dois para junto de Noé na arca, macho e fêmea, como Deus ordenara a Noé. Percebeu?— O que é que isso tem a ver?— Eles tinham seguro. Já o mesmo não se pode dizer dos egípcios, anos depois. Deus nem sempre é amigo, caros egípcios, entreguem-se a Deus! A Câmara Municipal do Cairo, responsável pelo turismo, não abriu as comportas do Mar Vermelho, mas não foi esse o problema, Deus gosta de dar uns períodos de provação. — O senhor fala mesmo assim ou está a brincar?— Mais tarde houve a bomba de Hiroxima, tinha eu sete ou oito anos e andava aos pássaros, mas logo percebi: se Deus me quiser, vou para ministro. Ou a ganhar a vida com pareceres. Ou as duas coisas. Quero a GNR a bater-me a pala! Quero procissões com tochas no Terreiro do Paço! Quero magustos e quermesses!— Miguel Relvas!!!— Diz Pedro…— Não gosto que me escutem atrás da porta. — Estava só encostado!Então Passos Coelho convidou Calvão da Silva para ministro e este saiu em júbilo e subiu à Basílica da Estrela, onde jurou castigar e escarmentar todos os ímpios que não respeitassem o esforço divino da PàF, durasse o governo um dia ou dez seguidos. Passos Coelho sentara-se no sofá, extenuado mas sorridente. — O homem é perfeito. — Vão chover polémicas sobre ele e tu ficas mais resguardadinho, graças a Deus. Como foi no meu tempo. Mas com um professor doutor de Coimbra em vez das minhas equivalências na Lusófona! A vingança come-se fria. — Miguel Relvas, és o meu seguro. Quanto é que te devo pela apólice?— Pagas depois, pagas depois.
REFERÊNCIAS: