Ípsilon: Portugal: este país de maravilhas existe
Entre o Verão de 2013 e o Verão de 2014, Miguel Gomes percorreu os quatro cantos de Portugal filmando um país em crise sob os efeitos da austeridade. Portugal, país das maravilhas. Como na canção de Leonard Cohen (“We are ugly, but we have the music”), somos feios mas temos as histórias. (...)

Ípsilon: Portugal: este país de maravilhas existe
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: Entre o Verão de 2013 e o Verão de 2014, Miguel Gomes percorreu os quatro cantos de Portugal filmando um país em crise sob os efeitos da austeridade. Portugal, país das maravilhas. Como na canção de Leonard Cohen (“We are ugly, but we have the music”), somos feios mas temos as histórias.
TEXTO: Nos dois últimos filmes de Quentin Tarantino, o cinema tem-se vingado da História, contando a sua própria versão dos acontecimentos. Os nazis mataram milhões de judeus? Em Sacanas Sem Lei, Hitler é morto numa sala de cinema em chamas. A escravatura é o pecado original da América? Um negro reduz uma plantação de escravos a um banho de sangue em Django Libertado. Entre o Verão de 2013 e o Verão de 2014, Miguel Gomes percorreu os quatro cantos de Portugal filmando um país em crise sob os efeitos da austeridade. Pode dizer-se que inventou um método: um pequeno grupo de jornalistas contratados pelo realizador vasculhou acontecimentos e fait-divers em toda a imprensa, fazendo, de seguida, a sua própria investigação e reportagem; Gomes e a equipa do filme iam para o terreno quase imediatamente, reagindo aos acontecimentos reais a quente, e com ficção. O resultado é surreal, e nem sempre isso se deve à ficção. O que é mais surreal, animais que falam, um assassino que é aclamado pela população como um herói, homens que têm pássaros em casa e os ensinam a cantar, a troika em cima de camelos?O que Miguel Gomes – realizador de Aquele Querido Mês de Agosto e de Tabu – alegadamente não sabia quando acabou de rodar é que tinha feito não um filme mas três. Um filme triplo que chega às salas de cinema com semanas de intervalo entre cada uma das partes. Cada volume é autónomo, auto-suficiente, mas lança o desejo de ver o próximo como nos folhetins. As Mil e Uma Noites, assim se chama este blockbuster artesanal e inventivo, por se inspirar na estrutura do livro homónimo: o filme não é uma adaptação, apesar de ter a sua própria Xerazade como cronista do reino. Mas, como se vê logo no primeiro volume, Xerazade é Miguel Gomes: é a sua cabeça que está a prémio porque filmar assim, sem rede, como se fosse uma aventura, só pode ser perigoso. Realização:Miguel Gomes Actor(es):Crista Alfaiate, João Pedro Bénard, Isabel Muñoz CardosoRealização:Miguel Gomes Actor(es):Crista Alfaiate, Bernardo Alves, Chico Chapas, Carloto Cottaé uma trilogia com pavor da fixidez, em permanente mutação, um laboratório de estilos narrativos e cinematográficos. Cada filme tem a sua própria tonalidade, como se pressente pelos títulos:(, esta semana nas salas), (, estreia a 24 de Setembro), (, a 1 de Outubro). O primeiro prepara o espectador, explicando-lhe o projecto; o segundo fecha-se sobre almas penadas e solitárias – se a personagem principal deé a comunidade, o colectivo, para onde fugiu toda a gente?; o terceiro é redentor: depois de passar por vários estados – a perda, a combatividade, a recriminação, a impotência, a derrota – o país vê-se ao espelho e descobre que sobreviveu. É aqui, neste capítulo final, que o acto de vingança é explicitado. Não se pode dizer que o que o filme retrata pertence à História – da última vez que olhámos, ainda éramos um país depauperado, desempregado e desdentado – nem Gomes propõe, como Tarantino, uma versão alternativa. Mas ganha espessura a sensação que paira ao longo de todo o projecto: Portugal, país das maravilhas. Como na canção de Leonard Cohen (), somos feios mas temos as histórias. Depois da paródia, das piruetas, da catarse, da neurose, o tour de force emocional do filme parece estar neste grupo de marginais, alguns deles ex-reclusos, habitantes de guetos sociais, que criam passarinhos em casa e os ensinam a cantar. Eles existem, de facto, o cinema não os inventou: Chico Chapas, Ribeiro, Mestre, Quitério e o seu tentilhão perneta. Dois dias depois de ter estreado o Volume 2 em Paris, Miguel Gomes reencontra-os no Grupo Recreativo Cultural Onze Unidos – o azulejo com a palavra UNIDOS desapareceu –, colectividade com vista para Chelas (Lisboa), para a foto de família solicitada por um semanário. Gomes e Ribeiro bebem minis ao balcão, Mestre e Chico Chapas bebem leite com chocolate. Emblema do Benfica tatuado no meio do peito, entre cabelos brancos, cara e corpo secos, Chico Chapas pedalou desde Moscavide para aqui chegar. No filme de Miguel Gomes, faz de si próprio, um reconhecido passarinheiro, e ainda interpreta um assassino em fuga (inspirado em Manuel Palito) num western do Volume 2. Uma jornalista do Le Monde vem a Portugal entrevistá-lo para a estreia do terceiro volume em França. Chapas também vai entrar num filme francês. Gomes e a sua comitiva de passarinheiros seguem para Camarate, onde têm mesa posta numa outra colectividade (“Colectividade vem a passar momentos complicados, por isso pedimos aos nossos associados que regularizem as cotas”, lê-se num comunicado à entrada). Chapas veio de bicicleta, mais uma vez, os outros de carro. Antes de almoço, Ribeiro lidera o cortejo até ao seu viveiro de pássaros, com uma centena de tentilhões recém-apanhados. Pelo caminho, Miguel Gomes eleva as expectativas: “Vocês estão com muita sorte de ele vos deixar tirar fotografias lá dentro. Isto é a caverna do Ali Babá. ”A entrevista que se segue começou com um bitoque e minis num salão de jogos em Camarate e terminou na esplanada de uma pastelaria das Avenidas Novas em Lisboa: vendo despontar a tarde – e a namorada numa outra mesa – Miguel calou-se. Quando percebi que seriam três filmes – descobri isso na montagem –, escrevemos o título de cada volume da:, e o. Havia essa noção de que estávamos a flirtar com um modelo industrial que não era o do filme. Mas o que aconteceu foi que estive um ano a filmar, combinei um determinado número de semanas – quase que o cumpri, passei só em duas semanas, acho que eram 14 e passaram a ser 16. E o resultado de 16 semanas de rodagem deu origem a três filmes. Desconfiava que havia qualquer coisa que se podia passar porque achei que desta vez estávamos a trabalhar mesmo muito. E depois percebi que isso devia-se ao facto de estarmos a fazer três filmes e não um. De facto, a baleia é qualquer coisa com um lado espectacular – sobretudo num episódio com trabalhadores desempregados a falar da sua situação. São coisas que habitualmente não associamos, dois regimes de representação de cinema muito diferentes. Há uma relação entre o facto de a personagem desse episódio ser cardíaca e aquilo que ela ouve, entre o estado de saúde dele e o estado do país. É como se o coração dele pudesse rebentar a qualquer momento. A tensão sobe depois de ele falar com alguém e finalmente o que explode não é o coração dele mas a baleia. A cada história da Xerazade, havia essa negociação entre o real e o imaginário. Nalguns casos essa relação de forças é muito violenta, como nesse episódio, : a baleia explode e a seguir um desempregado fala durante dez minutos para a câmara. Noutros as coisas estão mais misturadas. Achei que o filme seria mais rico se essa relação entre o imaginário e o real estivesse sempre em mutação. O que é violento é a passagem de uma coisa à outra. Há ali um grande corte. Normalmente não associamos esse tipo de coisas. E pode ser mais violento para o espectador fazer essa ligação. Se me está a perguntar se uma explosão de uma baleia no sonho de uma personagem de ficção tem as mesmas propriedades que o depoimento de um desempregado, acho que não. Acho é que, dentro de um regime de um filme, uma coisa pode dar força à outra. Aquela explosão só existe porque existem os desempregados a falar. São eles que fazem explodir a baleia. Navegaram completamente à vista. Quando se iniciou o filme, não havia o financiamento todo, começámos a rodagem com uma parcela – não consigo dizer quanto, mas tínhamos muito menos de metade do que o filme custou. Havia quase uma questão de urgência por causa de tentar apanhar as coisas da realidade que se estavam a passar. E os produtores decidiram arriscar e começar sem ter o filme financiado. Para mim, foi quase o equivalente daquilo que nós também nos propúnhamos: iniciar um filme sem saber qual era a sua estrutura. Sabíamos que tínhamos um determinado período e um escritório com uma série de pessoas preparadas mas também estávamos no escuro. E a produção resolveu fazer a mesma coisa. Este filme teve muito mais dinheiro do que eu alguma vez tive devido ao facto de oter corrido tão bem, sobretudo em França. Desta vez conseguimos ter quase todos os financiamentos que existem no circuito a nível europeu. E tivemos outras coisas: um milionário suíço chamado Michel Merkt decidiu investir a nível pessoal no filme. Sabíamos que se tivéssemos menos dinheiro teríamos de filmar coisas menos caras. Sobretudo, filmar menos histórias. Mas como correu bem, acabámos com três filmes. Havia a possibilidade de se fazer um filme muito grande ou a possibilidade de mandar muitas histórias para o lixo. Mas acho que os produtores perceberam que essa era uma não-opção. Porque a justa medida daquela nossa experiência de cinema tinha sido a de um ano e o ponto de partida era a estrutura das, que não é propriamente um livrinho. A edição que tenho também está organizada em três volumes, eu mostrei-lhes os livros para eles comprovarem (risos). Para além disso, percebi que cada filme podia ter uma autonomia, uma tonalidade específica. As histórias que aparecem no Volume 2 são as mais elaboradas, mais dramáticas, têm uma força muito grande. Do ponto de vista do cinema estão mais bem defendidas, são menos descosidas do que outras, por exemplo, noÉ aquilo de que falava: que na negociação entre o real e o imaginário, por vezes as coisas estão mais ligadas, outras vezes há essa violência de passar do real para o imaginário de forma mais visível. E eu também queria isso. Num filme único eu teria tendência para misturar as histórias docom as doe de equilibrar mais as coisas. Percebi nessa altura que não, que termos algo tão musculado como oe algo tão caótico como oseria mais interessante do que tentar equilibrar as histórias ou que cada volume fosse uma variação em relação ao anterior. A produção reagiu com um certo pânico: a pós-produção de três filmes é mais cara, e depois como é que se estreia uma coisa destas. . . O filme coloca questões a toda a gente. Os jornalistas, desde Cannes, andam um pouco perdidos, sem saber como hão-de fazer a cobertura deste filme. A Variety mandou-nos um mail a dizer: “Depois de várias horas de discussão, chegámos à conclusão que vamos ter três críticos para cada um dos filmes. Um crítico vê só o primeiro volume, o outro vê o primeiro e o segundo volumes, e o último vê todos. ” Quando a Variety tem reuniões para decidir como fazer a cobertura de um filme, é porque ele de facto propõe uma maneira de ver diferente. Uma coisa que me diverte, quando mostro oou o, é perguntar quem é que viu os outros; há sempre uns que não viram os anteriores. Eu até gostava de no DVD ter um modo. Mas obviamente aquilo é demasiado longo para caber tudo num disco, portanto não dá. Embora este percurso – do um para o dois, e do dois para o três – conte uma história, para mim. Não acho que o filme seja uma crítica. É outra coisa, que um jornalista não pode fazer: não pode inventar baleias que explodem, não pode fazer essas coisas. O cinema pode juntar essa dimensão que é interdita ao jornalismo. A administração proibiu qualquer jornalista de lá entrar. O filme começa com os trabalhadores no cais porque a única maneira que eu tinha de aceder a eles era enfiar-me num barco. Falámos com eles para estarem presentes àquela hora e naquele ponto, metemo-nos num barco e filmámos da maneira que pudemos filmar, por água. Estávamos dentro dos estaleiros, mas não estávamos em terra. Mas, sim, a questão do jornalismo e a forma como se dão noticias aparece logo nos primeiros minutos do filme: vê-se a câmara a desligar, tudo aquilo a ser desmontado, os jornalistas a sair do terreno e continua-se a ver as pessoas lá dentro a andar, o que reforça essa sensação de toca e foge. Dou-lhe um exemplo, o episódio do Simão Sem Tripas: toda a gente reconhece que é a história do Manuel Palito. Quando a Maria José Oliveira, jornalista, esteve a investigar essa história, falou com o padeiro que se encontrou com o Palito e ele explicou exactamente como é que o Palito lhe pagou com uma nota de 20 e qual foi o troco. Esse momento está no filme. As questões práticas de fazer um troco a um assassino à solta, esse lado mais banal da realidade dá uma dimensão tão surreal aos filmes que não sei se escreveria uma coisa assim só da minha cabeça. . . O filme não precisa de fazer prova dos factos. Os jornalistas eram algo entre a equipa de realização e a equipa de produção. Obviamente sabiam e aceitaram que muito desse trabalho seria invisível porque depois seria completamente transformado pela ficção. Mas se eu não os tivesse o filme seria diferente. Não. Foram existindo guiões diferentes. Que tinham formas muito diferentes também. Desde uma página ou duas a descrever uma série de situações possíveis, quase listagens, até histórias muito escritas. Se os actores no episódio[] mudassem frases eu normalmente dizia “corta” porque queria que eles dissessem exactamente aquilo que estava escrito. Quando trabalhámos na história do Galo [] não me passava pela cabeça dizer à dona do galo o que ela tinha de falar; sugeria-lhe assuntos, situações, e trabalhávamos, fazíamos vários takes. É um processo em que existe menos capacidade de antecipar os resultados, é esse o risco. Entre aquilo que posso ganhar com o facto de as coisas estarem menos preparadas e haver esta abertura para encontrar coisas inesperadas no plateau, e aquilo que tenho a perder em termos de segurança, vou calculando as margens de risco a cada momento: quantos dias de rodagem restam, se posso acrescentar mais alguns dias de rodagem e cortar noutro lado, caso algo corra mal. . . Há uma gestão que se vai fazendo. Isso obriga-me a reagir às coisas e é esse movimento que para mim é importante. Nunca tive storyboards, planificações. Neste caso a coisa complicou porque há momentos em que não há argumento. E estava a fazer parcelas de um filme que não conseguia ver na totalidade. Mas não sei se consigo fazer filmes doutra maneira. Definimos um grupo de actores – seis homens e seis mulheres – de gerações diferentes e com registos e universos diferentes, para tentar ganhar a maior elasticidade possível. Eles sabiam que podiam nem sequer entrar no filme. Íamos trabalhar com aquilo que os jornalistas nos fossem oferecendo e portanto não podíamos antecipar isso. Eles tinham apenas de ir informando a produção dos compromissos que iam tendo. Alguns deles não entraram no filme; outros entraram várias vezes. Sim. Por isso é que eu fujo no início. Porque obviamente no circo eu sou o palhaço. O que me interessa mesmo com este método é: qual é a maneira de ganhar a maior elasticidade possível? Ou seja, conseguir filmar bem uma manifestação de polícias e filmar uma coisa com camelos e a Rueff e o Samora? Se a estrutura for muito rígida – no funcionamento, no número de pessoas que participam – tudo isso vai ser contraproducente para rodagens muito diferentes. Sim, se calhar é isso: uma companhia de circo itinerante que está preparada para largar lastro quando tem de ser e para se reforçar quando tem de ser. Que me levassem à fuga não. Mas este método, de reagir a quente àquilo que íamos encontrando, chegou a um ponto quase limite que muitas vezes gerava angústias e tensões na equipa. No cinema gasta-se muito tempo a esconder a estrutura dos filmes, o dispositivo. A coisa que acho mais necessário fazer nos meus filmes é atirá-la à cara dos espectadores. Fazer com que o espectador partilhe os dados para que ele possa fazer o caminho pelo filme. É qualquer coisa que deve surgir no início, para mim. A ideia da fuga e da equipa a procurar-me surgiu num dia em que não tinha nada para filmar. Eu ia entrevistar pessoas dos estaleiros que não podiam naquele dia. Sendo um filme sobre o trabalho, a equipa oferecia uma espécie de contraponto: os trabalhadores do estaleiro de Viana do Castelo queriam trabalhar mas não podiam porque iam perder o emprego; a minha equipa seria impossibilitada de trabalhar porque o realizador iria entrar em pânico e fugir. Nessa altura não tinha pensado nisto como um prólogo. Aliás, numa primeira versão, essa parte esteve no final do primeiro volume. O filme terminava comigo enterrado na areia a dizer: “Se me pouparem a vida, conto uma história maravilhosa”. E isso lançava oTem razão, há esse lado de ajuste de contas nesse episódio, , mas mesmo essa catarse acaba mal: termina precisamente no ponto de partida. Mesmo as histórias que têm uma relação mais directa com acontecimentos reais, em que os intervenientes dessas histórias aparecem no filme a fazer deles próprios, deslizam para um outro território que tem a ver com ficção assumida. Por exemplo, a história do galo condenado à morte: o galo foi umque foi explorado pelas televisões. Nós aparecemos em último, a propor à Fernanda, dona do galo, fazer um filme. E acho que se tem a sensação, quando a Fernanda está a falar com os vizinhos, com as várias pessoas daquela comunidade, que é alguém que é um não-actor e que está a contar verdadeiramente a sua história: apareceu-lhe um polícia à porta a dizer que, por ordem judicial, ela tinha três dias para matar o galo. E depois a ficção consegue criar o clímax que na realidade não aconteceu: pode pôr o galo a falar. Um galo que fala é a mesma coisa que o realizador que foge: são tudo artifícios mas que podem contar verdades. Verdades sobre a angústia desta rodagem. Ou, no caso do galo, sobre o falhanço de diálogo. Se a personagem principal do filme também é a comunidade, a grande questão é como as pessoas se organizam dentro dessa comunidade, como é que falam, que tipo de diálogo podem ter. É preciso um galo falar para que algumas coisas fiquem claras. No segundo volume, as únicas ligações funcionais são feitas por um cão. De resto, é tudo bastante disfuncional. . No cinema gasta-se muito tempo a esconder a estrutura dos filmes. A coisa que acho mais necessário fazer nos meus filmes é atirá-la à cara dos espectadores. Fazer com que o espectador partilhe os dados para que ele possa fazer o caminho pelo filmeEste filme teve muito mais dinheiro do que alguma vez tive devido ao facto de o Tabu ter corrido tão bem, sobretudo em FrançaExactamente. Nesse caso, interessava-me trabalhar a relação entre o público e o íntimo. Que nesse episódio é levada a um extremo. É quase só homens que se vê, cada plano tem milhares de polícias e há um contraste enorme com a voz daquela chinesa que fala baixinho e que conta coisas muito privadas – e que vem de facto da ficção, apesar de estar contaminada por coisas concretas. é para mim um episódio muito importante por causa dessa relação entre o individual e o colectivo. Aquele sindicalista [Adriano Luz] está obcecado em fazer um ritual com toda a gente e poder levá-los no dia 1 de Janeiro a entrar no mar. . . Normalmente as obsessões são individuais, não é? Mas depois chegamos àquele final onde os Magníficos desaparecem e ficamos com uma multidão a segurar a bandeira de Portugal. Ao longo do filme vamos conhecendo personagens solitários, bastante excêntricos, mas nessa excentricidade há uma afirmação e uma individualidade que depois estabelece relações com o colectivo. Por isso é que para mim foi tão importante terminar com aquela comunidade de pessoas tão obsessivas que são os passarinheiros. A ocupação deles é singular, formam uma espécie de sociedade secreta com rituais próprios. Ao mesmo tempo, pertencem a um grupo maior que é o proletariado na região de Lisboa. Isso permitiu-me entrar num mundo marginal, quase paralelo àquilo que é a organização da sociedade dominante onde estamos todos, e ao mesmo tempo fazer um retrato de uma classe social. Sem dificuldade: apenas apontando a câmara, entrando nas casas deles, vendo-os a tratar dos tentilhões. Ao filmar alguém que trabalhava no computador para recriar cantos de pássaros ou filmar alguém numa casa onde em cada compartimento existem dez pássaros e portanto é uma chinfrineira enorme, senti estava a filmar uma coisa que não é aquilo que nós tomamos por realidade. E que essa dimensão surreal estava inserida de uma forma tranquila dentro da realidade. Se será o mais documental? É aquele em que faço menos para poder ter o lado do imaginário e o lado paralelo de realidade porque ele já está lá. . . Decidi fazer esse filme no dia em que vi no YouTube um concurso com aqueles tipos, muitos deles com um ar bastante duro, de minis na mão e em silêncio total; a única coisa que se escutava eram os aviões que passavam e o canto dos pássaros. Isso tocou-me muito. Senti esse lado maravilhoso – “coisas de pasmar”, como diz a Xerazade ao rei – na diferença que existia entre aquilo que é habitual esperarmos daqueles corpos e aquilo que se passava. Esse contraste existia já, era só pôr a câmara e filmá-los. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há um problema em muitos dos filmes que querem ter uma atitude de intervenção política, e que trabalham com classes sociais desfavorecidas, em que existe um caminho a seguir que está muito desenhado, um caminho para o progresso. O facto de estas pessoas existirem num universo paralelo acaba por oferecer uma espécie de resistência poética ao modelo de sociedade dominante. Mesmo que não estejam a fazer grande coisa para mudar as suas condições de vida, e não sejam politicamente activos, aquela comunidade tem um lado político por se oferecer como alternativa. Não consigo reduzir as coisas a uma fórmula. Talvez por causa do meu gosto pelos paradoxos, acho que quando filmo algo estão lá sempre duas coisas opostas. Está lá uma ferocidade enorme e ao mesmo tempo uma nostalgia quase passiva de quem já não pode fazer nada. E uma não exclui a outra. Tentei que as histórias das Mil e Uma Noites fossem mudando a imagem que tinha ficado da anterior e dentro de cada segmento há sentimentos muito contrários. Sou incapaz de tirar uma síntese em que as coisas sejam inequívocas. Não no sentido em que o filme me transformou. Tenho a sensação de que este filme foi suficientemente longo para que houvesse coisas que fossem mudando. Às vezes estava mais enfurecido com as coisas que ouvia e reagia de forma mais violenta, outras vezes de uma forma mais conformada, mais desiludida, com a impressão de que havia pouco a fazer. É quase como mudar de humor.
REFERÊNCIAS:
Depois do título mundial, Inês Henriques tenta o título europeu
Portuguesa é uma das 19 atletas inscritas nos 50km marcha dos Campeonatos da Europa de atletismo, que se realizam na manhã desta terça-feira. (...)

Depois do título mundial, Inês Henriques tenta o título europeu
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento -0.05
DATA: 2018-08-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: Portuguesa é uma das 19 atletas inscritas nos 50km marcha dos Campeonatos da Europa de atletismo, que se realizam na manhã desta terça-feira.
TEXTO: Depois de um título mundial com recorde do mundo (que já não é seu), Inês Henriques pode voltar a fazer história no atletismo. Nesta terça-feira, a partir das 7h35 da manhã, a marchadora do CN de Rio Maior parte como principal favorita na prova dos 50km marcha dos Campeonatos da Europa de atletismo, que se estão a realizar em Berlim. Será a primeira vez que a prova mais longa do atletismo será disputada por mulheres em Europeus, um ano depois de ter havido uma prova feminina de 50km marcha nos Mundiais de Londres, que também foi uma estreia na competição. Se nos Mundiais do ano passado, eram apenas sete a competir (terminaram sete), com Inês Henriques a ser a primeira campeã mundial da distância com um tempo de 4h05m56s, já serão 19 as atletas a marchar nas ruas de Berlim. A portuguesa tem o melhor tempo de inscrição entre o grupo, uma marca que deixou de ser recorde mundial em Maio passado no Campeonato do Mundo das Nações – a chinesa Liang Rui é a actual recordista, com 4h04m36s – mas que está muito acima dos recordes das atletas europeias. A atleta com o segundo melhor tempo de inscrição é a espanhola de origem húngara Julia Takacs, com 4h13m04s. Tal como aconteceu nos Mundiais de Londres, as mulheres vão correr ao mesmo tempo que os homens, sendo que a prova masculina irá contar com dois portugueses, João Vieira, medalha de prata (2010) e de bronze (2006) na prova de 20km, e Pedro Isidro. Mas nem só de marcha se fará a presença portuguesa no segundo dia dos Europeus de Berlim. Na jornada da manhã, Eliana Bandeira (peso), Vítor Ricardo Santos (400m) e André Pereira (3000m obstáculos) estarão em acção nas respectivas qualificações, enquanto à tarde, Samuel Barata estará na final directa dos 10. 000m. Quem já tem a garantia de uma presença na final da sua disciplina é Tsanko Arnaudov. O lançador do Benfica garantiu a qualificação para a final do peso, que se realiza nesta terça-feira, lançando a 19, 89m na segunda tentativa no grupo B de qualificação, uma marca que ficou longe da marca pedida (20, 40m), mas mais que suficiente para colocar o português nascido na Bulgária entre os 12 que estarão na final (só quatro conseguiram a qualificação directa). Menos sorte teve Francisco Belo, que, a lançar no Grupo A, fez 19, 66m ao terceiro ensaio, ficando a apenas quatro centímetros do último dos repescados, o luxemburguês Bob Bertemes (19, 70m). Depois de nem sequer ter passado à final nas duas últimas grandes competições (Jogos Olímpicos 2016 e Mundiais 2017), Arnaudov volta a conseguir o apuramento, ele que conquistou uma medalha de bronze nos Europeus de Amesterdão há dois anos. O lançador do Benfica garante tranquilidade para a final desta terça-feira, tal como aconteceu na qualificação, mas não está obcecado em repetir o pódio de 2016: "Este lançamento foi tudo menos raiva. Os melhores lançamentos são quando há mais fluidez, mais descontracção e velocidade. Quando há raiva e ganância não se vai tão longe. Este foi com os pés bem assentes no chão. A final é para preparar como uma competição como as outras. É oportunidade para fazer três lançamentos e o direito para ter mais três. Para encarar com mais tranquilidade ainda, não pelas medalhas. "O primeiro dia dos Europeus também correu bem à equipa de velocidade, com os quatro portugueses a passarem às meias-finais dos 100m. Yazaldes do Nascimento, Carlos Nascimento e José Pedro Lopes passaram todos à segunda ronda do hectómetro masculino. Yazaldes do Nascimento ganhou mesmo a sua série (a 2. ª), com 10, 33s, enquanto Carlos Nascimento fez o mesmo tempo para ficar em segundo da quinta série. Lopes foi terceiro na terceira série, com os seus 10, 38s a permitirem-lhe ser repescado para as meias-finais desta terça-feira, que se correm a partir das 18h30. A final dos 100m masculinos será a última prova do dia, marcada para as 20h50. No hectómetro feminino, Lorene Barzolo também conseguiu apurar-se para as meias-finais, tal como acontecera em 2016. A experiente velocista do Sporting foi apenas quinta na sua série, mas o tempo que fez (11, 51s) permitiu-lhe ser repescada para as meias-finais desta terça-feira (18h05), com a final marcada para as 20h05. Quem não conseguiu a qualificação foi Diogo Mestre, que foi apenas sexta da sua série nos 400m barreiras, com o tempo de 52, 65s. Resultados100m (M) Yazaldes Nascimento (qualificado)100 m (M) José Pedro Lopes (qualificado)100 m (M) Carlos Nascimento (qualificado)400 m bar (M) Diogo Mestre (eliminado)Peso (M) Francisco Belo (eliminado)Peso (M) Tsanko Arnaudov (qualificado)100 m (F) Loréne Bazolo (qualificada)Programa de 7 de Agosto7h35 Inês Henriques 50km marcha (final)7h35 J. Vieira e P. Isidro 50km marcha (final)9h10 Eliana Bandeira Peso (qual. )9h35 Vítor Santos 400m (qual. )10h40 André Pereira 3. 000m obst. (qual. )18h05 Loréne Barzolo 100m (meias-finais)18h30 Yazaldes do Nascimento, Carlos Nascimento e José Lopes 100m (meias-finais)19h20 Samuel Barata 10. 000m (final)19h33 Tsanko Arnaudov Peso (final)Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. 20h30 Lorène Barzolo 100m (final)*20h50 - Yazaldes do Nascimento, Carlos Nascimento e José Lopes 100m (final)**em caso de qualificação
REFERÊNCIAS:
“O mindfulness não é uma panaceia para problemas psicológicos ou psiquiátricos”
Eline Snel criou um método para crianças dos 5 aos 12 anos que está a ser posto em prática em escolas europeias, mas não só. O objectivo é que as crianças ganhem consciência de si e se tornem mais focadas e controladas. (...)

“O mindfulness não é uma panaceia para problemas psicológicos ou psiquiátricos”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Eline Snel criou um método para crianças dos 5 aos 12 anos que está a ser posto em prática em escolas europeias, mas não só. O objectivo é que as crianças ganhem consciência de si e se tornem mais focadas e controladas.
TEXTO: Eline Snel trabalha há 20 anos como terapeuta e desenvolve programas de meditação e de mindfulness. É fundadora da Academy for Mindful Teaching, em Leusden, Holanda, onde dá formação nestas áreas, também dá formação a futuros médicos e professores. Há uns anos aceitou o repto de criar um programa para crianças em contexto escolar. Agora, o desafio são os adolescentes. A avó de nove netos viaja pelo mundo – da América Latina a Hong Kong, passando pela Europa – a dar formação e conferências. Na manhã deste sábado esteve em Lisboa, num encontro com pais, professores e psicólogos no Externato Marista. Na sua mala traz alguns manuais desenvolvidos para os cursos que lecciona, para professores e psicólogos, e materiais como uma boneca em crochet, semelhante à ilustração da capa do seu livro, uma menina sentada à chinês, num tapete, com uma rã – foi-lhe oferecida na Turquia, orgulha-se. Senta-te quietinho como uma rã é o título do seu livro, editado pela Lua de Papel, e é também o animal que gosta de usar como exemplo para os mais novos perceberem o que é o mindfulness. Debruçada sobre a sua mala vermelha procura uma caixa, de onde tira um globo de neve, agita-o e mostra-o ao PÚBLICO. Só se vê a neve, que em vez de branca é dourada. Pouco a pouco percebemos que há uma rã, semelhante à do livro, sentada no centro do globo. A nossa mente é como a neve enquanto esta não cai completamente no chão, confusa e que não nos deixa ver o essencial, com a ajuda do mindfulness é possível ver o batráquio, calmo, com um sorriso largo e um ar generoso. “Nas escolas, o mindfulness é uma necessidade para termos crianças saudáveis”, defende. O que mudou, nos últimos anos, para que as nossas crianças estejam tão irrequietas, tenham problemas de hiperactividade e dificuldade de concentração?Quando comecei a trabalhar com professores, estes confessavam sentir uma enorme diferença entre as crianças, de há 20 ou 30 anos para cá. As crianças estão inquietas, ansiosas e em stress. Os tempos mudaram muito rapidamente e as crianças sentem muita pressão, assim como se sentem sobrecarregadas de trabalho. É uma loucura como na Holanda há crianças com apenas 10 anos de idade com sintomas de burnout. Sentem pressão para serem o quê?Para serem mais inteligentes, para terem êxito, para serem melhores. Ouvem: “Trabalha mais, tens de alcançar mais, faz isto melhor, tens de ter boas notas, caso contrário nunca terás um bom trabalho. . . ” Ouvem-no dos pais e dos professores. Porque sentem essa pressão, as crianças ficam ansiosas e, por isso, precisam de praticar mindfulness?Essa é uma das razões. A outra é que as crianças têm sentimentos muito fortes como a tristeza, o medo, a raiva – claro que a felicidade também –, e não sabem lidar com eles. Lembro-me de a minha mãe, quando eu era criança, mandar-me para o quarto: “Vai para cima e quando conseguires agir com normalidade podes descer. ” O que se passa é que muitas crianças não conseguem lidar com emoções fortes e é isso que as ensinamos a fazer [nas sessões de mindfulness]. Outra razão é a seguinte: muitos professores pedem aos alunos para se concentrarem, mas não os ensinam, apenas o dizem. E os miúdos não têm ideia do que é que isso significa e como é que se faz. Mas nós, com essas idades, tínhamos ideia de como é que se fazia?Também não. Mas hoje a pressão para alcançar algo é muito mais alta do que nessa altura. Nós também não sabíamos como fazê-lo e é interessante perceber como é que lidávamos com isso, mas hoje os miúdos não sabem concentrar-se, nem observar o seu mundo interior e estou convencida, não sou a única, que quando não estamos em contacto com o nosso mundo interior não podemos ser bem sucedidos no mundo exterior. É óbvio que quando não sabemos que existe um sentimento e esse pode provocar uma reacção exterior, quando não sabemos o modo como isso acontece então não sabemos porque o fazemos, desconhecemos o efeito da nossa reactividade. Portanto, com o mindfulness os miúdos aprendem a ser menos reactivos, que não precisam de reagir de imediato, mas que podem descobrir onde os sentimentos estão no seu corpo e depois de uma pausa, responder de maneira calma. A pesquisa mostra que partes importantes do nosso cérebro se alteram com a meditação, tal como mudam depois de situações de stress. Portanto, sabemos que o stress não ajuda a aprender e se a criança estiver focada aprende melhor, a sua memória melhora. Não é um desafio pôr crianças que estão cheias de energia, a correr de um lado para o outro, sentadas, quietinhas como rãs, e concentradas?Nas escolas onde estou a trabalhar, fazem isto uma vez por semana, meia hora. E diariamente durante dez minutos. As crianças demonstram um enorme interesse porque continuam muito próximas do seu ser natural. Eles sentem que isto é muito importante. Quando me pediram para desenvolver exercícios para crianças foi essa a questão que me coloquei: como conseguir sentá-los? Mas depois fui para as escolas e pedi aos miúdos para me darem a sua opinião sobre a experiência e eles queriam continuar e achavam que uma vez por semana era pouco. O que descobriram é que tinham uma necessidade esquecida que era a de chegar à calma, de estar calmo, e perceberam-no. Gostam. Estamos a fazê-lo não só na Holanda, mas em França, na Suíça, por exemplo, nas escolas, as crianças almoçam em silêncio, isso traz-lhes calma e permite-lhes descansar. É muito interessante que, depois do almoço, podem voltar a trabalhar porque descansaram. E têm melhores resultados académicos?Não é esse o objectivo, mas é o que está a acontecer porque as suas mentes acalmam, descansam e regressam ao trabalho. Os professores usam o globo de neve com a rã para que os alunos percebam que a nossa mente está distraída com todo o tipo de coisas que acontecem à nossa volta, mas se estivermos em silêncio, então tudo se torna mais claro e a nossa mente é capaz de aprender, de não reagir de imediato, de ser mais generoso. Com o mindfulness as crianças também aprendem a ser generosas. Pedir-lhes para desligar do mundo exterior e concentrarem-se sobre si mesmas não é estar a educar crianças egoístas?É precisamente o contrário e por isso é que uso a rã como metáfora porque quando a olhamos com muita atenção percebemos que está sentada muito quieta, mas que as suas pernas saltam muito alto, tal como a nossa mente – podemos estar aqui sentadas e a nossa mente estar muito longe –, e não exclui o mundo exterior porque quando uma mosca aparece, a rã apanha-a. Ou quando há perigo de um pássaro a comer, a rã salta para longe. Portanto, não ensinamos as crianças a excluir-se do mundo, mas a incluir e a incluirem-se a si mesmas. Quando as crianças se familiarizam com os seus sentimentos e, simplesmente, os sentem, também compreendem os sentimentos dos outros em seu redor. Por exemplo, quando outro está muito zangado, uma criança que faça mindfulness pode dizer-lhe: “Pensa como a rã, respira por uns momentos e acalma-te. ” Ensinamos-lhe a estarem mais próximas dos outros que estão em stress ou a sofrer de ansiedade e ajudá-los de imediato. É terapêutico?É um treino. A terapia tem sempre um objectivo e aqui não há esse propósito. Os professores dizem-me que através deste treino não se tornaram melhores professores, mas são melhores seres humanos. Ou seja, são pessoas que estão realmente em contacto com as crianças e não estão simplesmente preocupados em dar a matéria. Podemos saber muitíssimo bem como ensinar Matemática ou Geografia, mas se não virmos que temos crianças tristes porque os pais estão num processo de divórcio, então perdemos algo muito importante na educação. Um bom professor não é, por definição, um ser humano cuidador porque está sobrecarregado com um trabalho muito exigente, que se preocupa apenas em cumprir o programa, sem tempo para si próprio e para ver, realmente, as outras pessoas. E este é o cerne do mindfulness, a que preferimos chamar treino da atenção ou treino da consciência. No livro, além dos exercícios para a prática do mindfulness, há a preocupação de ensinar os pais a serem pais?Sim, como ensinamos os professores a ser melhores seres humanas em contexto de sala de aula, também há a mesma preocupação com os pais. Precisamos de aprender a ser pais, não basta o amor?O amor basta quando está tudo bem, mas quando há um filho que sofre de alguma coisa – autismo, hiperactividade, cancro –, então são precisas ferramentas que nos ajudem a lidar com miúdos que não conseguem estar sentados, fogem da mesa de jantar, não se conseguem concentrar, gritam. E quando os pais também gritam, não ajudam a criança nem a relação. Portanto, enquanto pai ou mãe, é importante aprender a ter calma e a compreender que temos todo o tipo de sentimentos, que não podemos expressá-los de imediato, que muitos dos pensamentos que temos não são verdadeiros – os desastres que imaginamos não vão acontecer, são apenas medos. Então, em vez de os mandarmos para o quarto, como fazia a sua mãe, dizemos-lhes: “respira”?Às vezes sim. Ajuda quando se agarra a criança até que se acalme e depois falar sobre os seus sentimentos. Perguntar-lhe em que parte do corpo está a sentir a raiva. O mindfulness não é uma panaceia para problemas psicológicos ou psiquiátricos. Os pais precisam de ter alguma sabedoria e bom senso para perceber do que é que os seus filhos precisam, se é necessária ajuda médica. Mas, na minha opinião, todos os pais beneficiam da prática da meditação porque nos mantém longe de estarmos constantemente preocupados, das mágoas, dos sentimentos confusos e mostramos às crianças que sabemos para onde ir. É importante que as crianças comecem a confiar nos seus pais, sintam que são vistas, sentidas e ouvidas pelos seus pais. Todos devíamos praticar mindfulness?Não digo todos, mas este é um treino que em termos académicos está muito estudado. Nunca houve tanta investigação sobre os benefícios da meditação, em termos físicos, mentais e emocionais, como actualmente. É um treino, que nos permite conhecermos-nos melhor. A conhecermos os nossos sentimentos e como estes estão ligados às nossas reacções físicas. Não é apenas meditação. O mindfulness contribui para o nosso bem-estar ou para a nossa saúde?Não se pode separar uma coisa da outra. A nossa saúde está muito relacionada com o nosso bem-estar. Há pessoas que estão muito cansadas e não estão atentas a esse cansaço, mas não se sentem bem; e se estiverem demasiado cansadas durante demasiados anos poderão acabar por ficar doentes. Por isso, está tudo ligado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há um interesse crescente e a sociedade começa a exigir que o mindfulness faça parte dos currículos escolares. Por exemplo, na Holanda já há em várias escolas. Diariamente 7500 crianças fazem mindfulness, mas já há noutros países. Temos 2000 formadores nesta área, com formações de dois anos, são sobretudo psicólogos, terapeutas, professores. Em Portugal, a Ordem dos Médicos está preocupada com as terapias alternativas, a Ordem dos Psicólogos com o coaching e pedem a intervenção do Governo. Têm medo de perder o seu ganha-pão?O argumento é que são terapias que podem ser um risco para a saúde. Já passamos por isso na Holanda, mas hoje é tão comum que as seguradoras pagam essas terapias, incluindo tratamentos de mindfulness. Os médicos estão a ser formados nesta área, faz parte do currículo, assim como do dos futuros pedagogos. Eu ensino nas universidades porque me foi pedido. É um obstáculo quando queremos mudar, há sempre desconfianças, por isso, é um caminho que têm de se fazer. Devagar. Quando é preciso mudar o sistema, é preciso mudar a nossa mente e isso é o mais difícil porque temos sempre a certeza que estamos certos.
REFERÊNCIAS:
A cozinha (também) é um espectáculo
São vizinhos, concorrentes e amigos. José Avillez, Henrique Sá Pessoa e Ljubomir Stanisic alimentam o coração de Lisboa, colocando o Chiado nos roteiros gastronómicos internacionais. O PÚBLICO juntou-os à mesma mesa. A conversa saiu bem temperada, com picante. (...)

A cozinha (também) é um espectáculo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: São vizinhos, concorrentes e amigos. José Avillez, Henrique Sá Pessoa e Ljubomir Stanisic alimentam o coração de Lisboa, colocando o Chiado nos roteiros gastronómicos internacionais. O PÚBLICO juntou-os à mesma mesa. A conversa saiu bem temperada, com picante.
TEXTO: Para que um combate de chefs decorra de forma leal, é preciso escolher terreno neutro. A solução foi retirar Henrique Sá Pessoa, Ljubomir Stanisic e José Avillez da sua zona de conforto, ou seja, das imediações do Chiado. Levámo-los ao Centro de Artes Culinárias, no antigo Mercado de Santa Clara, um belo espaço onde a presença de um fogão poderia, quem sabe, estimular a conversa. O fogão acabou por não ser necessário e o facto de os três já se conhecerem de longa data foi suficiente para condimentar o diálogo. São os três quase da mesma idade: nenhum deles fez ainda quarenta anos. As marcas que criaram impuseram-se: a Alma, de Sá Pessoa, o Belcanto, obra de Avillez, e a irreverência 100 Maneiras, de Ljubomir. Ljubo, para os amigos, é o mais exuberante, como se há-de perceber ao longo da conversa. Está em Portugal desde 1997, fugido da guerra que destruiu a ex-Jugoslávia. José Avillez é o mais ponderado. Tem cinco restaurantes no Chiado e as duas estrelas Michelin que conquistou para o Belcanto fazem dele o mais reconhecido chef português. Henrique Sá Pessoa é o mais discreto e o que chegou há menos tempo ao Chiado. Curiosamente, é a ele que um grupo de turistas sérvios reconhece, quando, no final da entrevista, nos sentamos numa esplanada para tomar um café, por entre a algazarra da Feira da Ladra. Viram-no no programa que Anthony Bourdain gravou há uns anos em Lisboa. Ljubomir traduz o diálogo com os dois casais que se despedem prometendo, evidentemente, passar pelo Chiado. Sendo vizinhos, visitam-se mutuamente?Ljubomir Stanisic – Visitamos. José Avillez – Não nos visitamos tanto como desejávamos porque acabamos por trabalhar sempre mais do que desejaríamos. Henrique Sá Pessoa – E temos os mesmos horários, normalmente até fechamos nos mesmos dias. LS – Mas há visitas, sim. Ao Zé, visito-o duas vezes por ano. E já chega, se não fico farto dele. [risos]JA – Tem de ser com moderação. LS – Ao Henrique vou duas ou três vezes porque combinamos mais tomar copos fora do restaurante. Estamos todos um pouco, pff. . . Fartos? Ia dizer fartos. LS – Ia. É aquela coisa: tenho que ser muito sincero. Quando se vai visitar o restaurante de um colega, ou o colega está preocupado porque estamos ali a comer, ou nós estamos preocupados para não fazermos muita merda. Se vou a um restaurante, quero descontrair, quero estar à vontade. Vão aos restaurantes uns dos outros em trabalho?HSP – Não. JA – Vamos relaxar. LS – Tangas!JA – É óbvio que há sempre uma certa preocupação. Só quando estamos a comer em casa é que não estamos a analisar. Para além de cozinheiros também somos restauradores, sempre com atenção aos outros negócios. LS – É mais por aí. Estamos sempre a reparar em coisas. HSP – Às vezes até no sentido de dar uma opinião construtiva. Se tenho uma opinião do Zé ou do Ljubomir em relação a algo que possa ter corrido menos bem, é um feedback que se toma em consideração. Onde é que fica a ideia de concorrência?HSP – Quando mudei para o Chiado, a primeira coisa que me disseram foi: “vais para o território do Zé”. O Zé foi, aliás, a primeira pessoa a quem liguei, quando fechei o contrato de arrendamento. LS – És um gajo educado. Mas é normal, isso faz-se assim. HSP – É uma questão de educação, de respeito. E ele foi a primeira pessoa a dizer-me: “ainda bem que vens para cá, somos mais”. LS – Isto hoje em dia é muito mais saudável. Estamos a falar da zona do Chiado, centro de Lisboa, onde estamos os três numa área de 500 metros de distância. Os clientes também circulam nessa área e nunca se fartam. Em Amesterdão, em Madrid, em Barcelona, os grandes restaurantes são todos nas boas zonas, onde as pessoas circulam, e dão-se todos bem. JA – Partilhamos imensos clientes. LS – Todos. Os portugueses e os estrangeiros que vêm cá em viagens de férias e gastronomia. É natural. JA – Faz parte. São restaurantes que as nossas equipas recomendam. O que é que vos distingue uns dos outros?HSP – O que distingue o Ljubomir, está mais ou menos explícito, não é?! [risos]. JA – Não precisa de apresentações. LS – Que estúpido, pá [risos]. O que é que distingue a vossa cozinha?JA – O que nos distingue é o nosso percurso. Viagens, experiências diversas, influências de família, do país onde nascemos, a cidade. HSP – O que o Zé está a dizer é fundamental. Por mais irreverente que um cozinheiro seja - pelo look, pelo marketing pessoal - é sempre o percurso em termos de aprendizagem que vai definir a sua cozinha. Mas o que é que fazem de diferente, em concreto?HSP – Por exemplo, a passagem do Zé pelo El Bulli influenciou-o, obviamente. A minha carreira começou em Londres e, não tendo trabalhado directamente para o Marco Pierre White, acabo por ter uma cozinha mais baseada na cozinha clássica. Depois, a minha passagem pela Austrália deu-me ali uns asian hints porque tive contacto com ingredientes que há 20 anos, ou há dez, não eram comuns, muito menos em Portugal. Agora, é claro que não tenho a cozinha mais vanguardista, a cozinha mais moderna. JA – Temos em comum uma cozinha de sabor. LS – Grande resposta [risos]. Mas é verdade. Bom, bom. JA – São cozinhas diferentes. É verdade, tenho algumas influências “el bullianas”, mas são detalhes. O que é comum nos nossos vários restaurantes é que são gulosos, apetece comer, apetece repetir. Às vezes há uma tendência para uma cozinha muito mais de show off e demonstrativa, mas quando se põe aquilo na boca, deixa a desejar. O sabor, a textura é muito importante quando estamos a falar do que é boa ou má cozinha. Por contraponto àquela ideia de irmos a um restaurante de alta cozinha e sairmos de lá a perguntar “onde é que vamos jantar a seguir?”JA – Isso é muito por causa das quantidades. Há o mito da nouvelle cuisine, que punha muito pouco no prato. É um bocadinho de desconhecimento da realidade. E uma brincadeira. HSP – Não conheço ninguém que saia insatisfeito. LS – Isso já não existe. LS – Existiu na cabeça das pessoas que não tiveram cultura gastronómica para conseguirem opinar. Há dez anos tinha para aí 50 por cento dos meus amigos a dizerem-me: “não vou ao teu restaurante porque aquilo é tudo muito pequenino”. É pequenino, o caralho, são dez pratos! Dez pratos com 150 gramas cada um. Faz as contas. Tens calorias para o dia todo. Comes mais do que numa tasca, numa travessa. E enriqueces o palato. A cozinha do Zé é uma cozinha mais arriscada. O último menu que comi no Zé: nozes, avelãs, peixe, e muito mais na base do azeite. O fornecedor de manteiga dele deve estar todo fodido. Ele deve estar a consumir um terço da manteiga que consumia há cinco anos. No Henrique notei uma grande diferença do Alma actual para o de Santos. Naquele último ano em Santos, onde ia frequentemente, perdeu a alma. Embora nunca tenha comido lá um prato que não estivesse bem, o que é uma grande característica do Henrique. Aquilo está sempre bem. O que é ter alma na cozinha?LS - Ter alma na cozinha é eu e tu estarmos a falar e de repente, pumba. Isto é ter alma na cozinha, uma coisa que te dá um spunch. Este último menu do Henrique que comi, para mim foi estrondoso. Continua com três produtos, não põe nem mais uma merda no prato, mas de repente começas a levar. Estes dois senhores à minha frente são vedetas da cidade. São os três vedetas. LS – Eu sou o palhaço. Ainda sou o gajo de Leste. O maluco. JA – Um palhaço vedeta [risos]. HSP – Acima de tudo, o que é importante na concorrência é essa constante evolução de se querer dar sempre o melhor. Neste ano e meio em que estive sem Alma estava desaparecido. O Ljubomir disse e bem: o meu último ano de Alma já era um Alma desmotivado, desgastado, um bocado sem direcção. Já queria mudar para a zona do Chiado há cerca de três anos. A localização é determinante?LS – Estou a morrer há anos para mudar lá do Bairro Alto e não consigo encontrar o espaço adequado. É um restaurante que factura para caralho e estou farto dele. Entro lá dentro, a cozinha [levanta-se e exemplifica]. . . HSP – Tens a cozinha mais pequena do mundo. LS – Saem quinhentos pratos por dia daquela merda. Sinto isto todos os dias. Cozinho na mesma, o sabor é o mesmo, mas é aquilo que o Henrique está a dizer: tem de haver uma relação com a energia que se cria e que aquilo te transmite. JA – Isso é muito importante. LS – Este [apontando para José Avillez] está a partir o restaurante todo, a fazer obras, porque já deve estar farto daquela merda. JA – Era uma necessidade. Há uma vontade de evoluirmos e por vezes percebemos que com as condições que temos não conseguimos. As obras no Belcanto são basicamente isso: estamos sempre cheios, com 20 pessoas na cozinha a atropelarem-se. Onde é que fazem as vossas experiências para novos menus, em casa ou no restaurante?HSP – Um misto das duas. LS – Na maior parte das vezes faço experiências no Alentejo. Tenho uma casa em Milfontes, dos pais da minha mulher. Levo os meus cozinheiros comigo, para lá. Da última vez dei uma faca a cada um e passámos 24 horas numa praia sem nada, a não ser um garrafão de cinco litros de água. Fomos a Brejo Largo, uma praia deserta. Só com uma faca e um garrafão de água?LS – Isso para mim já foi o dia-a-dia, porque vivi assim durante um ano na guerra. Tinha uma faca, uma arma e a minha mãe ao lado. Tens de te alimentar. Comem-se muitas raízes do mato, raízes de todo o tipo de árvores, avelãs. Era a alimentação que fazíamos na altura. Para esse retiro, na praia não levaram fósforos para fazer fogo?LS – Tínhamos isqueiros, claro. Todos tinham tabaco. São todos fumadores. Tabaco e ganza. [risos] Quanto aos objectos, levámos uma faca, um tacho, para fazer um foguinho, mais nada. A coisa mais básica, mais simples. E então começámos a apanhar tudo o que havia. A primeira reacção é que ninguém quer ir directo para a água. Começa-se a apanhar de fora, começa-se pelo funcho do mar. Depois tomilho. Começam-se a apanhar ervas. Depois cebolas selvagens, que não dá para comer directamente, têm de ser lavadas. É preciso cozinhá-las para serem comestíveis. Depois dá-se um mergulho, depois o ouriço, depois algas. Pescaram?LS – Não levámos canas. Quando a maré vazou tirámos uns camarõezinhos pequeninos. À noite voltámos para casa. Comemos um pouco de algas, um pouco de ouriço, lapas. Levámos tudo para casa e começámos a criar receitas únicas ali na praia. Uma delas chama-se mesmo Brejo Largo. E está no menu do restaurante?LS – No verão está no menu. Aquele é o sítio onde gosto mais de ir. Obviamente que 80 por cento das criações são feitas na cozinha do restaurante. HSP – Eu, agora, para o Alma, montei um estúdio quase clandestino num espaço do meu sócio, num shopping. Era um armazém onde as pessoas me viam todos os dias: “o que é que este gajo está aqui a fazer?” Um armazém que ele tinha e que me emprestou, no Dolce Vita Tejo. Montei lá uma cozinha básica e estive ali fechado, com o meu sub-chef, o meu braço direito já de há 12 anos, durante cinco meses. Íamos às compras todos os dias, muito vezes ao Jumbo. LS – Claro, eram os produtos que tinhas. HSP – Fazia todos os dias um plano do que é que queríamos experimentar e trabalhávamos até acertarmos. JA – Eu é muito mais no restaurante do que em casa. A casa é muito para a família, as crianças. Quando é para cozinhar em casa é para não pensar em responsabilidades. HSP – Franguinho assado. JA – Às vezes elaboro um bocadinho mais, sendo mais tradicional. Mas mais nas férias. Gosto de ir aos mercados e de cozinhar quando estou mesmo descontraído. Mas crio muito na cabeça. Aproveito muito as viagens longas de avião, alturas em que estou mais sozinho, para pensar. Depois levo as coisas já muito delineadas para o fogão. E resulta sempre?JA – Não resulta sempre mas na maior parte das vezes resulta, honestamente. LS – Um gajo já tem um dicionário na cabeça. Um dicionário?JA – Um dicionário de sabores. Sabemos que isto é ácido, que aquilo combina bem com o doce. E por isso conseguimos fazer as combinações mentalmente e só depois ir experimentar. Quando são ingredientes novos, isto de descobrir na praia, aí é outra coisa. Mas quando estamos a falar de ingredientes mais comuns, só temos de arranjar um conceito para um prato, uma história, a partir daí, com as técnicas que conhecemos, com os sabores que conhecemos. E depois fazem-se de vez em quando coisas mais arriscadas a ver se resultam. LS – Mas na maior parte das vezes resulta porque a nossa cabeça é uma caixa de informação impressionante. Posso perguntar a qualquer um dos dois pela untuosidade de queijos diferentes como o mascarpone, o Philadelphia, todos os que têm as mesmas características, e eles conseguem definir em segundos qual a diferença no céu-da-boca. JA – O que passa mais rápido na boca, o que fica. LS – Provamos as coisas tantas vezes, e temos tanto conhecimento que já misturamos as coisas na cabeça, como diz o Zé. É fácil. HSP – Também me revejo muito naquilo que o Zé diz. Quando começo a querer mexer na carta tenho um processo de uma ou duas semanas a ler muitos livros, a pesquisar muito a Internet. Mas não estou à procura de nada de concreto, estou só a ver, quase como se estivesse a injectar o cérebro com informação que depois começo a processar e a dissecar. Quando se passa à acção, na cozinha, já se tem uma espécie de guideline, quase como se fosse um guião daquilo que se quer fazer. E o que é que vos guia, é o conceito ou são os ingredientes?HSP – Depende do prato que se está a criar. JA – Varia. Às vezes é o conceito, claramente. LS – A história começa sempre antes. A história é fundamental. Todos contamos histórias, como eu te contei esta do Brejo Largo. É importante viver essa história também para o cliente. HSP – O cliente quer saber. LS – E nós próprios temos de ter confiança naquilo que fazemos, temos de sentir as coisas. Elas têm de bater no peito. Se não se tiver vivido um produto, um ingrediente, uma receita, não se tem história sobre eles. É muito importante vivê-la, senti-la connosco próprios. Como o Zé disse há pouco, há bué de produtos que não resultam. Tive um com que estive às voltas durante dois meses, já começava a atirá-lo ao chão: aquele pepino do mar, chinês. Tentei todo o tipo de coisas, vácuo, assado, a vapor. Não fui informar-me directamente, pela leitura, como é que funciona, queria encontrar uma maneira de o cozinhar. Esquece. Ao fim de uma semana já me apetecia enfiar aquela merda na boca do fornecedor. “Não quero mais”. Mas queria, contra mim próprio. E descobriu o que fazer com ele ou não?LS – Depois descobri, obviamente. E saiu bem. Tive de me ir informar, tive que ler um livro de cozinha chinesa tradicional. Escaldam aquilo duas vezes antes da cozedura. Tudo tem o seu processo. Vocês não são só cozinheiros, são empresários; passam mais tempo na cozinha ou à frente da folha de Excel?LS – Na cozinha, foda-se! Na folha de Excel?! Há secretárias para isso, já somos rock stars. HSP – Na folha de Excel, não passo muito. JA – Eu também não, mas divido muito o meu trabalho com o escritório. Há semelhanças entre a alta cozinha e o mundo do espectáculo?JA – Se pensarmos em termos de expressão artística há, com certeza. Tenho alguma dificuldade em dizer que a cozinha é uma arte, mas é claramente uma expressão artística, pelo menos. Como o mundo do espectáculo, é entretenimento, também. As pessoas querem histórias, como diz o Ljubomir. JA – As pessoas não pagam para se ir alimentar. Noventa e nove por cento dos clientes que vão aos nossos restaurantes não vão lá para se alimentar, por terem fome. Infelizmente ainda há muita fome no mundo, nós estamos fora dessa equação, na perspectiva da nossa cozinha. As pessoas vão para passar um bom momento, para comerem bem. E pode ser tanto em termos de entretenimento directo, pela gastronomia, como até pelo serviço, pela música, pela gente gira à volta. LS – Pela companhia que trazem com eles. JA – É o momento. O espectáculo é isso também. Cada um dos três já é, à sua maneira, uma rock star, como dizia há pouco o Ljubomir. LS – Sim, somos, é verdade. JA – Temos protagonismo. LS – Mas começa a ser um pouco exagerado. Isto tornou-se uma coisa muito popular, toda a gente quer saber da cozinha. HSP – A televisão acima de tudo. LS - Ainda bem, graças a Deus, por isso é que temos emprego. Isso tem só vantagens ou também tem desvantagens?JA – Também tem algumas desvantagens. LS – Tem umas cenas que são desvantagens. No outro dia estava a viajar na TAP para São Tomé e Príncipe, na classe económica, onde o bilhete custa 900 euros. Chega uma senhora e diz-me: “Chef, quando levantar voo, não se preocupe, passa para a primeira classe. Gosto muito de si”. JA – Essa parte é vantagem. [risos]LS – “Acabei de tomar um Xanax, vou dormir sete horas desmaiado, a babar-me. Não vou desfrutar um caralho. ” Essa cena de rock star…JA – É importante para promover a nossa profissão. E depois quem faz bem feito é bom. A única coisa mesmo negativa nisto é haver quem vai à boleia para fazer mal. Há mais de 100 anos o Oscar Wilde dizia que há três maneiras…HSP – E a falta de privacidade; mas isso é controlável. JA – Isso tem a ver com a nossa exposição mediática directa. LS – Ou se está pronto para ela ou não se está, claro. HSP –Tem a ver com o facto de, aqui, dificilmente se conseguir ser anónimo. O Zé vai jantar a um restaurante e a partir do momento em que passa a porta com a mulher, com os filhos, já toda a gente sabe. LS – É o preço que se paga pela fama. JA – Normalmente tratam-me com muito carinho, acima de tudo. Mas eu queria saber o que é que disse o Oscar Wilde. JA – “Há três maneiras de fazer a diferença na sociedade: chocar a sociedade, entreter a sociedade, ou alimentar a sociedade”. E hoje em dia um cozinheiro faz essas três coisas. Também choca?JA – Também choca. Quando o Adriá faz a múmia, um prato de 96 ou de 98, que era só uma espinha de salmonete, pequenina, frita, enrolada em algodão doce, a fazer lembrar os mantos das múmias, aquilo choca. Está a mexer com o mundo dos mortos. Pessoas a servirem beterraba dentro de uma seringa que tem que se injectar não sei onde para comer, pá, há choque. HSP – Vais ao Diverxo do David Muñoz e tens gajos a servirem com as unhas pintadas, vestidos de pijama. Choca. JA – Um com o coração, outro com o pulmão, cada um era um órgão porque completava uma pessoa. Tem porcos com asas a voarem por cima do restaurante. HSP – Mas é o que ele diz: ninguém te obriga a ir lá, se não gostas não vais. Mas isso já não é gastronomia, já é mesmo espectáculo. LS – É o mundo do espectáculo. HSP – Nada daquilo fazia sentido se depois a comida fosse uma merda. Agora, se a comida depois é maravilhosa, é muito bom. JA – E é muito bom, não é?HSP – Ele diz: “Quero criar uma experiência única. Não gosto de ser igual aos outros, gosto de ser diferente e irreverente. ” Aquela é a filosofia dele, goste-se ou não. JA – A comida tem uma particularidade: toda a gente come por isso toda a gente é treinador de bancada automaticamente. O mundo dos vinhos também sofreu muito isso. A história dos copos: o Borgonha, o Bordéus. A malta antes de saber de vinhos já percebia mais dos copos do que do vinho que estava a beber. E na cozinha isso acontece muito; começam logo a fazer-se grandes análises. Toda a gente fala do David Muñoz e se calhar só cinco por cento das pessoas que falam dele é que foram ao restaurante e foram ver de facto o que ele faz. LS – É das pessoas mais humildes que conheci. HSP – Houve muita coisa de que não gostei no restaurante. Alguma vez vou deixar crescer uma crista e vou atirar fígados à parede e ver sangue a voar? Não é a minha imagem. O gajo cria todo um mundo, cenas à David Lynch. JA – As pessoas procuram posicionamentos. HSP – Da mesma forma que o Marco Pierre White foi talvez o primeiro chef rock star britânico, conhecido por criar ambientes muito pesados na cozinha. JA – Álcool, drogas, mulheres. Tem uma foto linda de duas mulheres lindas e ele a empratar. LS – O gajo tinha o dealer na cozinha. HSP – O livro dele tem cada história: vai ao escritório, encontra uma cliente nas escadas e come a cliente na casa de banho [risos]. JA – Comer, até se podia aplicar no restaurante, mas não. HSP – Perguntam: “Ah, mas o Marco Pierre White pensou que o estilo dele ia ser assim?” Não. Nós somos os três mais ou menos da mesma idade, trabalhamos na mesma cidade, mas temos estilos completamente diferentes. Qual foi a coisa mais radical que já fizeram na cozinha? No caso do Ljubomir sei que foi espetar um garfo na mão de outro cozinheiro. LS – Na semana passada espanquei um gajo. Isso é história. LS – Juro pela saúde dos meus dois filhos. Apanhei um gajo a roubar-me no restaurante. Tenho sempre histórias destas. Parece que tenho íman para esta merda. Apanhei um empregado a roubar. Estava com 600 euros em produtos na mochila dele. Uma caixa de carabineiros, leitões. Atirei-lhe com uma cadeira. E espanquei-o, fodi-o todo. Veio a polícia municipal - desculpem, senhores agentes - bateram na porta e não os deixei entrar. Estava no meu direito de espancar o gajo que me estava a roubar [risos]. JA – Depois de uma história destas eu nunca fiz nada. Já fiz uma directa na cozinha. Foi o máximo que fiz, mais nada [risos]. HSP – As cozinha são ambientes pesados. LS – Pesados e alegres. HSP – Exactamente. LS – Das cenas mais bonitas que há é pinar na bancada da cozinha, quentinha [risos]. Agora estão-se todos a rir. Nunca ninguém pinou na puta da cozinha, na bancada? Foda-se! São é uns betos que têm medo de dizer isso [risos]. JA – Um dia quero ser político, não posso dizer coisas que me comprometam. Não é verdade, não quero nada. LS – Não queres que te apontem o dedo amanhã. JA – Por acaso tinha lido um artigo do Ljubo que dizia isso, que a coisa que ele mais gostava era de pinar na cozinha. LS – É lindo, meu. JA – Ele já fica com essa. HSP – Eu já tive momentos tensos na cozinha. Já mandei uma pilha de pratos a um chefe de sala. Isso é um prejuízo. HSP – O prejuízo ali não era meu. Desde que tenho um restaurante meu nunca mais fiz isso [risos]. Pedi para o gajo limpar os pratos uma vez, duas vezes, três vezes. Começámos o serviço com os pratos sujos, agarrei nos pratos e mandei-os para cima dele, pronto. Não sei se foi a atitude correcta. JA – A coisa mais radical que vivi não foi directamente minha. Grito muito pouco, sou muito calmo, mas vou engolindo e há dias em que preciso mesmo… O serviço no Belcanto tinha começado a correr pior, a malta andava mais desconcentrada. Um dia, às nove da manhã, na reunião que temos sempre antes do serviço, faço um daqueles discursos de dar cabo de todos, a bater na mesa. Houve dois gajos que desmaiaram no meio do discurso, com o stress. LS – Estás a gozar!JA – Um desmaia e outro gajo olha para ele, assusta-se e também cai redondo. Achei que me tinham posto antrax na ventilação da cozinha. Comecei a evacuar a malta [risos]. Ainda hoje me lembro do dia, um dia cinzento. LS – Mas espera, meteram-te alguma coisa no ar condicionado?JA – Não, pá. Um desmaiou de tensão. O outro assustou-se ao ver o primeiro gajo a desmaiar; falta de pequeno-almoço, cansaço. Aquelas coincidências. Acho que foi o mais estranho que me aconteceu. LS – Vê lá, este gajo manda dois ao chão. Estamos a brincar?! Radical é o Avillez. JA – Mas só com palavras, não usei as mãos. HSP – É normal quando a nossa formação, quase toda, foi em ambientes pesados. LS – A minha é francesa, é sempre a berrar. HSP – Eu estive em Londres e andávamos literalmente à porrada na cozinha. Depois íamos todos beber copos a seguir. É inevitável, esse tipo de ambiente?JA – Não, eu não me dou bem. Não consigo trabalhar numa cozinha com esse tipo de tensão. HSP – Hoje em dia isso já não é tão permissível. LS – Pois não [risos]. O Ljubo e o Avillez foram sócios. LS – Separámo-nos exactamente por esta razão. Eu era uma besta do caralho. JA – Este gajo queria atirar óleo à cara de um gajo que cozinhava pior. Já imaginava o outro gajo todo queimado. Doía-me o coração. LS – É por causa disso: ele é estável, é calmo, resolve as coisas com mais diálogo. HSP – Eu também confesso que não lidava muito bem com esse ambiente. A questão é que a tolerância vai aumentando. Na primeira cozinha onde trabalhei havia um ambiente muito, muito pesado. O meu chefe era uma espécie de Gordon Ramsay. Mas ao mesmo tempo era um gajo muito justo, à medida que se ia conquistando ele ia abusando de nós cada vez menos. Havia uma espécie de trial period onde estávamos sob fogo. Passado esse período já não se metia connosco. A questão é que quando se tem este ambiente acaba por se fazer o mesmo ao gajo novo que entra na cozinha. Passamos a ser nós os abusadores. E entra-se num círculo vicioso. Até que fui para a Austrália e tive lá a minha primeira grande mudança em termos comportamentais. Quando fui para a Austrália, saído de Londres e desse ambiente, ameacei o gajo que estava na minha bancada: “Ou fazes isso bem ou parto-te a boca toda” [risos]. E o sub-chef chamou-me: “Meu amigo, aqui o processo não funciona assim. ” E lá me fui acalmando. JA – Para terem uma ideia - e aqui o Ljubo até se vai rir - eu tinha multas por palavrões na cozinha [risos]. Para o Ljubo quanto mais palavrões disserem mais cotados são os gajos na cozinha dele [risos]. Tem a ver com maneiras de ser. Mas o Ljubo é um gajo educado, trabalhei com ele e sei. Aprendi muito e profissionalmente cresci muito com ele. E conheço a mãe dele…LS – Oh, pá, lindo, estou todo arrepiado. [risos]JA – Gosta de dizer palavrões, é desbocado mas é uma pessoa educada. Eu tenho muita malta a trabalhar comigo que começa na cozinha aos 16, 17 anos, e sou um bocadinho pai deles. Por isso gosto de dar uma formação. E então era preciso pôr um euro no mealheiro por cada palavrão. LS – Tu e o Joachim Koerper [responsável pelo Eleven], sabes disso?JA – O Koerper faz o quê?LS – É igual na cozinha. Com ele eram notas de cinco euros. HSP – Eu estava lixado, digo muitas asneiras. LS – O Koerper cobrava o dinheiro a todos no final e iam jogar póquer para gastarem aquele guito [risos]. Mas aí já podiam dizer asneiras. JA – O David, que é o meu braço direito, se calhar ainda é mais fundamentalista do que eu nisto dos palavrões. E não permito nunca a ninguém ameaçar de porrada seja quem for; é uma coisa que não me cabe na cabeça. Foi por isso que deixaram de ser sócios?JA – Não. Temos perfis diferentes, estávamos em alturas diferentes da nossa carreira. Tive uma proposta para ir para fora, na altura, e achámos que era o melhor a fazer. O vosso perfil, em muitos aspectos, é totalmente antagónico. LS – Totalmente. JA – Curiosamente demo-nos mal nalgumas coisas mas demo-nos bem noutras. E mantivemos, apesar de termos criado algumas rupturas em algumas áreas, uma certa cumplicidade. LS – Sim, mas tivemos que passar por uma quarentena, vai-te lixar. JA – Sim, faz parte. O tempo cura tudo. LS – O tempo cura tudo. E não é por mal. Lembro-me que tive uma namorada linda para caraças, óptima, mas separei-me dela. Ela deu-me com os pés, caralho! Demorei um ano até conseguir olhá-la na cara. É normalíssimo. Passámos pela nossa quarentena. JA – Sim, e de facto temos um perfil diferente. Agora, há muitas coisas que o Ljubo respeita em mim, muitas que respeito nele, e convivemos. Estamos aqui à mesma mesa sem dar biqueiros um ao outro. LS – E sem nos ameaçarmos. JA – Até porque ele faz kickboxing, eu não ia correr esse risco [risos]. HSP – Acima de tudo, voltando à razão pela qual estamos aqui, estamos todos no mesmo bairro e sentimos que estamos no mesmo barco. Cada vez mais sentimos que, juntos, contribuímos muito mais para a evolução da cidade como destino gastronómico do que separados. LS – Actualmente temos um embaixador do caraças. Isto sem estar para aqui com coisas bonitas. Tenho que dizer asneiras, faz parte. O Zé tornou-se muito o embaixador de nós todos, o gajo que tem a maior bandeira. Por causa das estrelas Michelin?LS – Não, é por causa da gestão. É o gajo que tem o pau maior [risos]. E ajuda muito todos os outros, é a realidade. Pode-se gostar mais, pode-se gostar menos, estar tranquilo ou não estar, mas é muito importante haver sempre uma grande bandeirola para todos. Para puxar por nós, para trabalharmos mais. E há um aspecto muito importante aqui: é a gestão. Este gajo é o melhor gestor na cozinha que já conheci na minha vida. Ele [Henrique] é péssimo. Eu sou um nabo. Ser cozinheiro e gestor, não existe quase nenhum. Gestor no sentido de fazer boas compras, de não haver desperdício?HSP – Ter um negócio rentável. LS – Saber guiar o negócio. É o melhor exemplo que tenho ao nível dos chefs. JA – Isso é muito importante para depois conseguirmos fazer aquilo de que gostamos na cozinha. Quem tem menos essa competência uniu-se a pessoas que a têm. O Ljubo e o Henrique acabaram por arranjar sócios que têm essas competências. LS – Eu não tenho, contratei um contabilista, expulsei os sócios todos. O contabilista é que é óptimo. Agora um desafio: dou três ingredientes diferentes a cada um para vermos o que fariam com eles. Avillez: caranguejo, cogumelos e azeite. JA – Fazia um creme de caranguejo com umas trompetas salteadas e um fiozinho de azeite. Bosque, mar, terra. O cruzamento terra/mar, mas em que o sabor da terra em vez de ser carne, seria o sabor dos cogumelos. E com as trompetas da morte, que é um cogumelo que me é muito querido. Henrique: bacalhau fresco, beterraba e molho de ostras. HSP – Aí estava em casa. [risos] Fazia um bacalhau curado em beterraba com um picle de beterraba e incorporava o molho de ostras nesse picle. Mas uma coisa meio crua. O bacalhau é um peixe muito sensível. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ljubo: tamboril, feijão verde e vinho da Madeira. LS – Lindo. ‘Tá-se muita bem. Tamboril é dos peixes que eu adoro, simplesmente salteado em manteiga. Não sei se a redução de vinho da Madeira resultava com tamboril, mas acho que sim. Talvez com o tamboril um pouco marinado em vinho da Madeira e depois salteado e curado em manteiga. Molho reduzido, umas especiarias para ganhar mais o anisado. Ficava óptimo. E o feijão verde ao vapor, o mais simples do mundo. Para terminar, que ementa proporiam para a cerimónia de posse do novo Presidente da República?LS – O Marcelo Rebelo de Sousa, sendo um tio de Cascais, provavelmente ele e o Zé conhecem-se bem, e se calhar os filhos do Marcelo são amigos do Zé. Eu só sei do que ele não gosta. Não é para ofender mas fazia-lhe muitas entranhas: uns corações e uns fígados fritos, que são do caraças. Fazia-lhe uma ementa na base das entranhas mas acabava com certeza absoluta com uma coisa de que ele gosta: uma saladinha fresca de alface e tomates. [risos]JA – Sei que ele gosta muito de pastel de nata. LS – Estou a brincar, fazia a minha cozinha. JA – Eu, se calhar, tentava fazer qualquer coisa portuguesa, com as nossas influências. Tive oportunidade de ser convidado para o palácio de Belém quando vieram cá os então príncipes de Espanha, hoje reis de Espanha, e fiquei um bocadinho frustrado, na altura, com o menu que foi servido. Devia ter tido mais dignidade, para mostrarmos mais a nossa gastronomia, os nossos produtos. Esses momentos são muito importantes para mostrarmos o que temos de melhor. HSP – Muitas vezes ainda não há essa atenção, mesmo em viagens oficiais. As pessoas que têm esse poder de decisão acabam, muitas vezes, por não aproveitar os “Ronaldos” do país.
REFERÊNCIAS:
PSP fez uma detenção e identificou quase mil pessoas numa rusga ao Martim Moniz
Dois estabelecimentos encerrados neste bairro lisboeta e diversos crimes de contrafacção detectados. (...)

PSP fez uma detenção e identificou quase mil pessoas numa rusga ao Martim Moniz
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento -0.05
DATA: 2010-12-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dois estabelecimentos encerrados neste bairro lisboeta e diversos crimes de contrafacção detectados.
TEXTO: A mais recente operação policial no Centro Comercial da Mouraria de que Paulo Afonso se lembra terá sido há uns seis meses. Paulo é português - ao contrário da maioria dos vizinhos -, vende artigos religiosos e esotéricos, há 21 anos, num espaço exíguo na cave deste centro comercial em Lisboa. Já recebeu muitas visitas da polícia, que costuma rondar a zona e "sabe bem o que se passa por aqui", garante. Há seis meses "foi bem pior". "Hoje [ontem] está muito calminho", acrescenta. A polícia deteve uma pessoa, por estar em situação ilegal no país. Paulo Afonso foi uma das 993 pessoas identificadas pela PSP e passou, tal como os restantes lojistas, a tarde toda sem clientes. Das 15h às 18h, ninguém saiu dos centros comerciais da Mouraria e do Martim Moniz sem a respectiva identificação e a entrada esteve barrada. A operação policial conjunta da PSP, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Inspecção Tributária e Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) incidiu ainda sobre a Esplanada da Mouraria e três estabelecimentos na Praça do Martim Moniz. Foi acompanhada por diferentes órgãos de comunicação, convidados na véspera pela própria polícia. Balanço da operação: quatro autos de contra-ordenação, um por falta de livro de reclamações, outro por falta de dístico do livro de reclamações, outro por falta de declaração prévia e outro por falta de meios de combate a sinistros. A ASAE detectou contrafacção de cinco malas, e de relógios e vestuário no valor de quase 6000 euros. Dois estabelecimentos foram encerrados. A Inspecção Tributária levantou quatro contra-ordenações por "infracções diversas". "Correu tudo bem", disse no local a subcomissária da PSP Carla Duarte. Os 170 elementos da PSP e os 41 elementos das outras entidades foram ajudados por cães, que procuravam estupefacientes. "Não encontraram nada", garantiu a porta-voz. Enquanto os cães farejaram todos os caixotes no meio dos corredores, duas mulheres de nacionalidade chinesa aproveitaram o tempo sem clientes para ensacar elásticos para o cabelo, sentadas à porta da loja. Não falam português. Mas têm tudo em ordem, ao que parece. Encostado ao varão que circunda o corredor, Bontsa George aguardava ordens da PSP para sair do centro comercial da Mouraria. Diz que já falou com o "chefe" e que está tudo bem com o visto de residente. O romeno, que está há oito anos em Portugal, mora em Setúbal mas veio de propósito a Lisboa para "comprar roupa". Lá fora, na Praça do Martim Moniz, a fila de pessoas à espera para serem identificadas no posto móvel da PSP foi engrossando ao longo da tarde. Primeiro só homens, depois algumas mulheres. Levados pelos elementos do SEF, iam em grupos de três a quatro. Um reclama, mostrando o cartão de residente. "Está caducado", diz a investigadora, enquanto o agarra pelo braço. A assistir ao aparato, dezenas de curiosos tornavam ainda mais difícil o trânsito na zona, que de calmo teve pouco.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP SEF ASAE
As escolhas individuais dos críticos de livros (ficção, poesia e literatura de viagem)
Escolhas dos livros de ficção, poesia e literatura de viagemAntónio Guerreiro1. - Diários. Diários de Viagem, de Franz Kafka (Relógio D’Água)2. - Não Sabemos Mesmo o que Importa, de Paul Celan (Relógio D’Água)3. - Elogio do Inacabado, de Agustina Bessa-Luís (Fundação Calouste Gulbenkian)4. - Bonsoir, Madame, de Manuel de Castro (Língua Morta)5. - A Morte Sem Mestre, de Herberto Helder (Porto Editora)6. - A Palavra Imediata. Livro de Horas IV, de Maria Gabriel Llansol (Assírio & Alvim)7. - Nós, Luminosos e Elevados Anjos, de William T. Vollmann ( 7 Nós)8. - Notícias em Três Linhas, de Félix Fénéon (Editora Excl... (etc.)

As escolhas individuais dos críticos de livros (ficção, poesia e literatura de viagem)
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
TEXTO: Escolhas dos livros de ficção, poesia e literatura de viagemAntónio Guerreiro1. - Diários. Diários de Viagem, de Franz Kafka (Relógio D’Água)2. - Não Sabemos Mesmo o que Importa, de Paul Celan (Relógio D’Água)3. - Elogio do Inacabado, de Agustina Bessa-Luís (Fundação Calouste Gulbenkian)4. - Bonsoir, Madame, de Manuel de Castro (Língua Morta)5. - A Morte Sem Mestre, de Herberto Helder (Porto Editora)6. - A Palavra Imediata. Livro de Horas IV, de Maria Gabriel Llansol (Assírio & Alvim)7. - Nós, Luminosos e Elevados Anjos, de William T. Vollmann ( 7 Nós)8. - Notícias em Três Linhas, de Félix Fénéon (Editora Exclamação)9. - 60 Histórias, de Donald Barthelm (Antígona)10. - Hotel, de Paulo Varela Gomes (Tinta da China)11. - (ou, transigindo, de que lado passara a morrer, a clarear)?, de Rui Nunes (Língua) 12. – Corpo Santo, de Ruy Cinatti (Averno)13. - Nó, de Daniel Jonas (Assírio & Alvim)14. - A Misericórdia dos Mercados, de Luís Filipe Castro Mendes (Assírio & Alvim)15. – Ubi Sunt, de Manuel de Freitas (Averno)16. - Uma Menina Está Perdida no Seu Século à Procura do Pai, de Gonçalo M. Tavares (Porto Editora)17. - Obra Escrita I, de João César Monteiro (Letra Livre)18. - Cláudio e Constantino, de Luísa Costa Gomes (Publicações Dom Quixote)19. - Vinte Degraus e Outros Contos, de Hélia Correia (Relógio D’Água)20. - Lotte em Weimar, de Thomas Mann (Nova Vega)Gustavo Rubim1. - Jóquei, de Matilde Campilho (Tinta-da-China)2. - A Morte sem Mestre, de Herberto Helder (Porto Editora)3. - Autocataclismos, de Alberto Pimenta (Pianola)4. - Dançam; Dançam, de Marta Navarro / Paola d’Agostino, (Editora A Tua Mãe)5. - 60 Histórias, de Donald Barthelme (Antígona). 6. - 500 Poemas Chineses, de A. Graça de Abreu / Carlos Morais José (Nova Veja)7. - O Mundo de Ontem, de Stefan Zweig (Assírio & Alvim)8. - Ö, de Álvaro Seiça, (Edição do Autor)9. - Marsupial, de Catarina Nunes de Almeida (Mariposa Azual)10. - 75 Poemas de Ruy Cinatti, (antologia organizada por Manuel de Freitas, Averno)11. - Não Sabemos mesmo O Que Importa, de Paul Celan, (tradução e posfácio: Gilda Lopes Encarnação, Relógio d’Água)12. - Contos Reunidos, de Aldous Huxley (Antígona)13. - Diários de Viagem, de Franz Kafka (Relógio d’Água)14 - Amálgama, de Rubem Fonseca (Sextante)15. - Matéria, de Rosa Maria Martelo (Averno)16. - O Osso da Borboleta, de Rui Cardoso Martins (Tinta-da-China)17. - Contos Argentinos, de AA. VV. (Editorial Presença)18. - O Sangue das Flores, de Rute Castro (Artefacto)19. - Um Bárbaro em Casa, de Frederico Pedreira (Língua Morta). 20. - Quem Viaja Encontra os Segredos Antigos Mas Perde os Sapatos Novos, de Rui de Almeida Paiva (Dois Dias Edições)Helena Vasconcelos1. - Educação Europeia, Romain Gary (Sextante)2. - O Osso da Borboleta, Rui Cardoso Martins (Tinta da China)3. - Os Luminares, Eleanor Catton, (Bertrand)4. - Cláudio e Constantino, Luisa Costa Gomes, (D. Quixote)5. - Crónicas do Mal de Amor, Elena Ferrante (Relógio D'Água)6. - Terra Amarga, Joyce Carol Oates (Sextante)7. - A Festa da Insignificância, Milan Kundera (D. Quixote)8. - O Rei Pálido, David Foster Wallace (Quetzal)9. - 60 Histórias, Donald Barthelme (Antígona)10. - O Meu Amante de Domingo, Alexandra Lucas Coelho (Tinta da China)11. - O Enredo Conjugal, Jeffrey Eugenides (D. Quixote)12. - O Grande Jacques Coeur, Jean-Cristophe Rufin, (Porto Editora)13. - As Leis da Fronteira, Javier Cercas (Relógio D'Água)14. - Meninas, Maria Teresa Horta (D. Quixote)15. - A Rainha da Neve, Michael Cunningham (Gradiva)16. - 22/11/63 de Stephen King (Bertrand)17. - Os Factos, Philip Roth ( D. Quixote)18. - A Filha do Papa, Dário Fo (D. Quixote)19. - As Aventuras Periféricas, Patrick Modiano (Porto Editora)20. - A Improvável Viagem de Harold Fry, Rachel Joyce (Porto Editora)Isabel Coutinho1. - Jóquei, Matilde Campilho (Tinta da China)2. - Amálgama, Rubem Fonseca (Sextante Editora)3. - Morte sem Mestre, Herberto Helder (Porto Editora)4. - 60 Histórias, Donald Barthelme (Antígona)5. - Assim para Nós Haja Perdão, A. M. Homes (Relógio D’Água)6. - Uma Menina está perdida no seu século à procura do pai, Gonçalo M. Tavares (Porto Editora)7. - Educação Europeia, Romain Gary (Sextante)8. - Até nos vermos lá em cima, Pierre Lemaitre (Clube do autor)9. - A estrada para Oxiana, Robert Byron (Tinta da China)10. - Dália Azul, ouro negro- viagem a Angola, Daniel MetCalfe (Tinta da China)11. - Um Estranho Lugar para morrer, Derek B. Miller (Asa)12. - Maneiras de Voltar a Casa, Alejandro Zambra, Divina Comédia13. - Terra Amarga, Joyce Carol Oates, Sextante Editora14. - A metametamorfose e outras fermosas morfoses, Rui Zink, Teodolito15. - Stoner, JohnEdward Williams, Dom Quixote16. - As Meninas, Maria Teresa Horta, Dom Quixote17. - Cavalo Pálido, Pálido Cavaleiro, Katherine Anne Porter18. - Literatura de Cordel – uma antologia, José Viale Moutinho, Círculo de Leitores19. - A Peregrinação do Rapaz Sem Cor, Haruki Murakami, Casa das Letras20. - A Festa da Insignificância, Milan Kundera, D. Quixote
REFERÊNCIAS:
Molusco com mais de 400 anos encontrado na costa da Islândia
Um molusco encontrado na costa da Islândia pode ter sido o animal que mais tempo viveu até hoje conhecido. Os cientistas estimam que o molusco encontrado, uma espécie mexilhão, tenha entre 405 e 410 anos e que possa desvendar alguns segredos relacionados com a longevidade. Os investigadores da Universidade de Bangor, no País de Gales do Norte, dizem que foi possível calcular a sua idade aproximada a partir da contagem dos anéis da sua concha. De acordo com o livro do Guiness, o animal que mais tempo viveu era também um molusco, mas com 220 anos e encontrado em 1982. Ainda que não oficial, foi também encontrado um... (etc.)

Molusco com mais de 400 anos encontrado na costa da Islândia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2007-10-29 | Jornal Público
TEXTO: Um molusco encontrado na costa da Islândia pode ter sido o animal que mais tempo viveu até hoje conhecido. Os cientistas estimam que o molusco encontrado, uma espécie mexilhão, tenha entre 405 e 410 anos e que possa desvendar alguns segredos relacionados com a longevidade. Os investigadores da Universidade de Bangor, no País de Gales do Norte, dizem que foi possível calcular a sua idade aproximada a partir da contagem dos anéis da sua concha. De acordo com o livro do Guiness, o animal que mais tempo viveu era também um molusco, mas com 220 anos e encontrado em 1982. Ainda que não oficial, foi também encontrado um molusco num museu da Islândia, cuja idade foi estimada em 374 anos. Esta espécie de mexilhão, baptizado como Ming, viveu a sua infância na dinastia chinesa com o mesmo nome, com a Rainha Elizabeth I no trono, e ao mesmo tempo que Shakespeare escrevia peças como Othello e Hamlet. Chris Richardson, da Escola de Ciências do Oceano da Universidade de Bangor, disse à BBC: “O animal em questão mostra como varia o crescimento em cada espécie, de ano para ano, e estabeleceu um novo recorde. Possibilita-nos também entender a influência do clima, da temperatura da água e da cadeia alimentar em todo o processo”. O cientista acrescenta ainda que “olhando para estes moluscos é possível reconstruir o ambiente em que cresceram. Eles são como micro-gravadores que, quando sentados no mar, integram sinais sobre a temperatura da água e os alimentos, a cada momento”. O professor da Universidade de Bangor garante que esta descoberta pode ser muito importante para perceber como podem alguns animais viver tanto tempo e “escapar à velhice”. Os investigadores acreditam que a principal diferença pode estar na renovação das células.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola rainha espécie alimentos animal
O ministro da inacção
Para o ministro da cultura de Cabo Verde o mais difícil, em política, é não fazer nada. Ainda assim, Mário Lúcio Sousa continua a fazer muito mais do que apenas política. Veio a Portugal receber o prémio literário Miguel Torga. A vida dele também é um romance. (...)

O ministro da inacção
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para o ministro da cultura de Cabo Verde o mais difícil, em política, é não fazer nada. Ainda assim, Mário Lúcio Sousa continua a fazer muito mais do que apenas política. Veio a Portugal receber o prémio literário Miguel Torga. A vida dele também é um romance.
TEXTO: Está frio em Lisboa. Mais ainda para quem chegou da Praia durante a madrugada. Antes de sairmos à rua para fazer as fotografias que acompanham esta entrevista, Mário Lúcio vai ao quarto buscar um cachecol. Branco, naturalmente. Percorremos o quarteirão em redor do hotel em busca de uma nesga de sol e de um bom ângulo, comandados pelo olhar determinado do Enric Vives-Rubio, que já sabe onde está a fotografia antes de disparar o obturador. Mário Lúcio entrega-se à pose com uma tranquilidade total. De repente, três mulheres atravessam a rua e interrompem a sessão fotográfica para fazerem uma selfie com ele. É pouco provável que saibam de quem se trata e desaparecem tão depressa como apareceram, com um brilhozinho nos olhos. Mário Lúcio mantém-se impávido e sereno. Como um modelo. Tem pinta de modelo, aliás. O “menino-prodígio” que aprendeu a “viver sem” cultiva uma atitude de desapego. Aos 51 anos, a vida insiste, no entanto, em dar-lhe prémios e cargos e alegrias. Porque é que se veste sempre de branco?A resposta que costumo dar é que não tenho outra roupa, só tenho roupa branca. E porque é que só escolhe roupa branca?Na verdade tem a ver com a preguiça. Não sou um homem preguiçoso, a não ser nas coisas supérfluas. Para evitar ter de escolher de manhã que calças combinam com a camisa e com a gravata, decidi-me por uma única cor de roupa, a mais neutra possível. Não há nisso uma razão de ordem mística?Não. Mas em Cuba uma amiga disse-me que eu tenho uma aura: “Tem a cor de Obatalá: toda branca. ”O que é Obatalá?É a deusa dos caminhos na religião iorubá. Cultivo, com muita curiosidade intelectual, esta religião. Mas a escolha da roupa não tem a ver com isso. Até porque os entendidos descobriram depois que sou filho de Iemanjá e não de Obatalá. E as cores de Iemanjá são azul e branco. Que grau de seriedade atribui a essas crenças?A mesma que atribuo à física quântica. A física quântica tem ciência por trás. Pois, e as crenças têm a religião. É preciso ver que o mundo, de forma indelével, é composto por matéria e espírito. A matéria, conseguimos dominá-la, em parte, no Ocidente. O espírito, há outros que o dominam melhor que nós. Numa cultura eurocentrista, colocamos a razão em primeiro lugar e esquecemos o espírito. Que efeito têm essas reflexões na sua vida política?Têm a ver com a transitoriedade. Quando se entra no poder público, vai-se reparando como nos vamos pervertendo se não nos fiscalizarmos. Vamo-nos esquecendo da fluidez das coisas sem a nossa intervenção. Como é que se policia para que isso não aconteça?O que me serve de policiamento é a leitura oriental, complementar, de uma razão do mundo. É dizer: “Não, não, tudo isto não passa de uma febre; ser ministro é uma febre que amanhã se cura. ”Sic transit gloria mundi. Sim. Essa transitoriedade. Ter essa ideia. Também a ideia do outro. A compreensão de que a razão não tem toda a razão. Isso, na política, não corre o risco de se tornar paralisante?O interessante é que isso não acontece. É preciso ver que a inacção é muito mais difícil do que a acção. É muito mais difícil para o ser humano ficar quieto e parado do que estar sempre a fazer qualquer coisa. Ter a paciência e o discernimento de não fazer nada é muito complicado. Mas na política a inacção não é possível. Com certeza que é possível. Oxalá todos os políticos soubessem o momento da inacção. Grandes catástrofes da humanidade têm derivado desses momentos de acção não adequada. De acção obsessiva. Do perpetuar da acção. Já teve oportunidade de promover momentos de inacção no Conselho de Ministros de Cabo Verde?Só um dia. Estávamos a discutir um assunto candente e de repente eu disse: “Está a chover. ” Nem sequer pedi a palavra ao senhor primeiro-ministro. Todo o mundo ficou espantado. Ficou tudo um momento quieto. De repente, a senhora ministra do Desenvolvimento Rural, que reza todos os dias para que chova, deu um pulo, afastou a cortina e disse: “Está a chover. ” E pronto, foi um desanuviamento importante. Talvez fosse o momento exacto da inacção, do silêncio, para depois se retomar com um pouquinho mais de discernimento. Não teme que o vejam, em termos políticos, como uma espécie de ave rara?Nunca temi. Isso não lhe retira a gravitas necessária para ser levado a sério?As pessoas que não se levam demasiado a sério têm muito discernimento. Levar-se demasiado a sério é como querer impor aos outros a nossa própria imagem. Eu levo-me muito a sério. Agora, a minha forma de me levar a sério não é a forma como os outros se levam a sério. Cada vez que exercemos a nossa diferença, estamos a permitir que os diferentes possam também exercer o seu direito na sociedade. Como é que aprendeu a não se levar demasiado a sério?Isso tem a ver com a história da minha infância. Foi criado num quartel militar. Sim, mas antes disso, nasci numa casa onde se comia quando havia. Diz-se que em casa onde não há pão todo mundo ralha e ninguém tem razão. Isso é uma interpretação muito ocidental. Na África, em casa onde não há pão todo o mundo é calmo e todo o mundo tem coração. Há uma partilha, há uma forma de se ensinar a viver sem. Aprendeu a viver sem?Evidentemente. Não só em minha casa, como na minha região e no meu país. É o país onde o quase nada é transformado em quase tudo, todos os dias. Fazíamos a sementeira, semeávamos e depois não chovia, perdia-se tudo. Os pescadores iam ao mar dois, três, quatro dias seguidos e não traziam um peixe. E sorriam. Às vezes iam e nunca mais regressavam. Conviveu com a morte desde muito pequeno?Sim. Com a morte do meu pai, da minha mãe, de três irmãos. Na altura em que o seu pai e a sua mãe morreram, já não estava a viver com eles. O meu pai morreu no dia 10 de Dezembro de 1976, e eu nessa altura já vivia no quartel. Foram os meus pais que me deixaram ir viver num quartel. É uma decisão transcendental, sem explicação. Como é que uns pais deixam um menino de dez anos sair de casa?Nunca sentiu isso como abandono?Não. Foi transcendental porque se não me tivessem deixado ir, eu não era o que sou hoje. Na altura, isso não lhe causou sofrimento?Não, eu queria. Eles conheciam-me. Na minha aldeia, eu era uma espécie rara. Era um menino-prodígio?Diziam isso. Havia muitas protecções de todos os tipos sobre o menino. Vivemos sempre com um olhar diferente sobre nós. E os meus pais não sabiam muito bem o que fazer com isso. A sua família era de gente de poucas letras. Sim. Praticamente analfabeta. Só o meu pai sabia ler e escrever. A minha mãe não sabia. O meu avô não sabia. Como é que, nesse ambiente, aprendeu a ler ainda antes de ir à escola?Aprendi a ler graças à importação das latas de banha e de azeite de Portugal. Eu e um primo que se chamava Adelino. Ele morreu nas abstracções das nossas brincadeiras. Estava distraído e apanhou com um camião na estrada, à frente da nossa casa. Não deviam passar muitos camiões na aldeia. Só havia um camião, imagine a coincidência. Nessa altura, eu já copiava os caracteres, copiava as letras e fazia palavras. Pelo gosto do desenho ou pelo significado das palavras?Pelos dois. Inventava muito o ler quando ainda não sabia ler. E às vezes acertava. É muito engraçado. Também hoje me pergunto como é que copiava Vaqueiro, V, A, Q, U, E, I, R, O, e como é que sabia que era vaqueiro. Essa frase sempre me perseguiu, era muito criança e repetia: “Vaqueiro torna tudo mais apetitoso. ” Ou a lata de banha, “Braço Forte, Lda. ” Ou: “Azeite Galo. ” Copiávamos tudo o que havia. Isso tudo no chão de terra batida. E líamos. Ali nasceu a escrita. O seu primo era mais velho?Não. Tínhamos a mesma idade. Ele também aprendeu a ler assim?Sim, também. Depois comecei a escrever cartas para as mulheres, para os emigrantes, para os rapazes na tropa, e ficava uma espécie de menino de aluguer da família. Pagavam-lhe?Pagavam com farelo, com ovo. Não era pagar, era um reconhecimento, uma oferta. Os meus pais nem pensavam nisso. Era um menino útil da comunidade. Fazia essas coisas para ajudar a comunidade. Lia cartas, escrevia cartas, traduzia. E fazia contagens. Foi por causa de um poema que foi viver para o quartel; onde é que o encontrou?O meu irmão, que era um rapaz muito inteligente — faleceu há dois anos, o nosso irmão maior —, era um homem com uma aura extraordinária, muito leve. Ele foi estudar na capital, na Cidade da Praia. Tinha um futuro brilhante à frente. E vinha de férias de vez em quando. Nós, muito meninos, revistávamos os bolsos das calças dos nossos irmãos maiores para ver se encontrávamos uma moeda, um rebuçado. E nesse dia encontrei um poema. Num papel?Num papel A4, escrito à máquina. Devia ser um panfleto qualquer. Rapidamente li o poema em crioulo. Dobrei novamente o papel e meti-o no bolso das calças do meu irmão. Nessa única leitura memorizei o poema todo. Que poema era?Era um poema chamado Cabral Ka Morri, Cabral Não Morreu, de Emanuel Braga Tavares. À noite juntei um grupo de miúdos com tambores e fomos recitar o poema na rua. Aí começou a outra reputação. A de músico?Sim. E também de ter memória. Não conhecíamos o que era recitar poemas. Contavam-se histórias, tínhamos uma síntese na cabeça e desenvolvíamos o resto. Poemas, não. E o meu irmão ficou espantado porque o poema continuava no bolso das calças. Comecei a ganhar um afecto muito grande por esse poema. Um dia fui à delegação do partido, do PAIGC, no Tarrafal. Já depois da independência?Era um pouquinho antes, estava-se num momento de preparação. E encontrei um livrinho que tinha esse poema. Levei o livro comigo e fui sentar-me à beira-mar a ler o poema. Foi ali. Passou o tempo e aconteceu que, de regresso a casa, encontrei o tal comandante militar, o Mário Elíseo, que achou aquilo estranho. Não era comum, nessa altura, um menino estar sozinho à beira-mar. Perguntou-me o que estava a fazer. “A ler um poema. ” Achou que eu estava a brincar com ele. Não o conhecia?Não, era a primeira vez que o via. Ele achou estranho, desconfiou, e disse: “Mostra onde moras. ” E encontrei os meus pais lá, à espera. Foi assim. Ele disse: “Este menino não é normal, precisa de uma educação especial. ” Os meus pais disseram: “Sim, sim, ele desde miúdo não bate bem da cabeça. ” E foi isso. Foi assim que decidiram que iria para o quartel. Nessa noite. Foi directo. Não durou nem 15 minutos. O quartel era a que distância?Fica a quatro quilómetros. Era no campo de concentração do Tarrafal. Já andava na escola?Sim, já estava na 4. ª classe. Comecei a escola em 1971, se não estou em erro. Estando a viver no quartel, continuava a ter contacto com os seus pais?Vinha todos os dias à vila, ao cinema, fazia tudo. No quartel tinha uma casa lindíssima onde morou o director do campo de concentração do Tarrafal. Tinha o meu quarto, comia junto com os oficiais. Tinha um tratamento muito protegido. Deram-me uma arma. Aos dez anos?Sim. Não foi dar para fazer uso, porque não havia uso. Também lhe deram treino militar?Não, era um menino. Divertia-me com aquilo. Mas queria fazer. Quando havia formatura, vinha todo catita, punha-me na formatura e dizia: “Sou o soldado 131. ” No quartel, havia 130 soldados. Eu gostava daquilo. Foi uma infância incrível, cheia de coisas. Ia aos acampamentos militares, à carreira de tiro. Descobria violões, violino, cavaquinho. Fazia sapatos, pintava. Estava na idade de aprender e aprendi. Tornou-se uma espécie de mascote do quartel?Com certeza. Também era muito atinado. Vinha à vila estudar, brincava com os meus colegas, fazia educação física à tarde, tocava. E à noite eles sabiam que eu estava na vila e o meu comandante mandava-me buscar. Ia dormir cedo para me levantar cedo, era disciplinado, limpava o quarto, lavava a casa de banho, tomava banho, passava a minha roupa a ferro. Sozinho. E ia buscar os meus colegas que vinham de muito mais longe. Depois, por volta das seis e trinta, encontrava-me à frente do quartel e íamos para a escola a pé. Ficava a dois quilómetros de distância. Aconteceu tudo muito naturalmente. Ao ser adoptado pelos militares, sentiu que estava a libertar-se da vida de pobreza da sua família?De certo modo, sim. Por um lado, fui parar a um sítio onde havia café, almoço, jantar e um aposento, um repouso. E ainda por cima havia uma arma para me defender. Tinha tudo. Informaram as patentes mais altas de que havia esse miúdo. Trouxeram e apresentaram logo o menino-prodígio. Então, o chefe do departamento das operações combativas, chamado Timóteo Tavares Borges, que tinha sido combatente na Guiné — era um homem negro de quase dois metros, com muito pouco sorriso, muito rígido —, tornou-se o meu encarregado de educação. Dentro do orçamento do departamento combativo, comprava-me sandálias e cadernos. Era uma alegria receber essas prendas. Era uma coisa incrível. Depois vim estudar para o liceu, na Praia. Nessa altura, já estava numa idade de atrevimentos. O meu encarregado de educação passou a ser o chefe do estado-maior. É um grande senhor e ainda nos tratamos como pai e filho. Ele teve uma coisa que os outros não tiveram: a compreensão do que um menino adolescente precisa. Ofereceu-me a primeira guitarra. Um dia levei-lhe um calhamaço de livros e disse: “Quero esses livros. ” Ele mandou pagar. Quando vi que tinha escolhido sete e só havia seis, fui dizer-lhe: “Falta um. ” Era um livro do Henry Miller. Ele disse: “Esse dou-te mais tarde. ” Era um homem muito atento. Um dia chamou-me porque eu tinha umas namoradas e as namoradas vinham buscar-me à porta do quartel. Achavam aquilo incrível mas não podiam entrar. Ele chamou-me e perguntou: “Não achas que seria melhor teres um quarto ali fora?” Eu disse: “Muito bem. ” Passou a dar-me 125 escudos e arrendei um quarto perto da Cruz Vermelha. Tinha contacto com os seus 31 irmãos?Só fomos conhecendo os irmãos a pouco e pouco. Doze eram filhos da sua mãe e do seu pai, os restantes só do seu pai. Sim. Nessa idade o meu pai nunca nos disse: “Este aqui é teu irmão. ” Era assim, não se dizia. Pelo menos na ilha de Santiago. Só os abastados é que criavam os filhos de fora junto com os filhos de dentro. Tinham um casarão, tinham um quintal e um quintalão, e aí criavam os filhos todos. A minha mãe viveu durante um tempo nessas condições porque o meu avô, António Figueiredo de Sousa, tinha também uma carrada de filhos. Ela era filha de fora?Era. Mas tinha um feitio difícil, muito geniosa, e não deu para viver lá. Regressou para viver com a minha avó. Não se deu bem. E os seus irmãos de fora?Ouvíamos falar na rua. E às vezes alguém dizia: “Aquele é teu irmão. ” “Este também é teu irmão. ” E fomos sabendo que havia cinco filhos com a Maria Tavares, dois com a Hermínia, mais três com outra senhora. Essa situação perturbava-o?Sim. Perturbava-me um pouco. Não gostava de saber na rua que tinha outros irmãos. Acho que isso acontece com todas as crianças. Mas o meu pai nunca falava disso e a minha mãe também não. E fomos sabendo assim. Ainda há pouco tempo conheci mais um irmão. Acha que ainda pode ter outros que não conhece?Acho que sim. Há menos de quatro anos fui à ilha de São Vicente visitar uma irmã minha, a primeira filha do meu pai, ainda antes do casamento com a minha mãe. E essa primeira filha mostrou-me mais dois irmãos, que só conheci nessa altura. O seu pai era remador, andava de ilha em ilha. Era. Remador de escaler. Fazia várias ilhas. Era um homem muito simpático, muito elegante. Sobretudo tinha um bom coração, como diziam. Tem traumas associados a essas relações familiares complicadas?Bem. Era uma espécie de tradição, sabíamos que quase todos os homens tinham um ou dois filhos fora do casamento. Tinha que ver com uma realidade social e económica. Havia muitas mulheres, poucos homens. Não me lembro, na vida, de ter tido um único trauma, de nada. Fui muito feliz. Fui dono, sozinho, de todo um quartel. Era Rei Artur, era todos os reis da Escócia ou da Dinamarca. É daí que vem a minha imaginação. Vivi ali pensando que era o chefe de todos os reis, de todos os mundos. Não conhecia o sofrimento associado àquele lugar, como campo de concentração. Não, naquela idade, não. Foi só felicidade. A primeira vez que vi uma guitarra foi assim um espanto, uma comunicação, uma atracção. Entrei num quarto de um dos oficiais, estava a passar a porta, entrei sem autorização, peguei no violão e comecei a tocar. A tocar, a tocar, a tocar, doidamente. À noite já tocava com os outros. Foi assim rápido, de caras. A música foi anterior à leitura, para si?No sentimento, sim. Lembro-me de tocar em cima da mala da minha avó, fazendo piano com a boca. Percutia o teclado em cima da mala. Também cantava muito sozinho. Passava muito tempo sozinho em casa. Ficava sempre ao pé da minha mãe e passava a vida a cantar. Achavam que eu era um anormal, tinham esses cuidados. Mas era muito bem-comportado, muito tímido, muito disciplinado. Lembro-me de uma cena: a minha avó deixou-me na casa de Sra. Manazinha porque foi fazer a sementeira. Levou-me para lá aí por volta das sete da manhã. Estava muito frio. Sentou-me ao lado de uma parede que era feita de tiras de carriço, de bambus finos. Quando voltou, às cinco da tarde, eu ainda lá estava, sentado na mesma posição. E ouvi a Manazinha dizer: “Nha nhinha, que menino é este?” Comi, dormi, fiquei ali na mesmíssima posição. Até hoje, eu gosto de ficar dois, três dias sentado na mesma posição, num sítio com o mínimo movimento possível, a deixar a imaginação caminhar. São viagens muito engraçadas. Nessa altura já tinha isso. Começou a escrever histórias desde cedo?Sim. Antes de ir na escola, já sabia escrever e então fazia de padre de baptizados de bonecas. Tomava notas, como era o nome da boneca, do padrinho, da madrinha, rabiscava. Depois comecei a inventar coisas. Uma das coisas que tive de enfrentar, desde cedo, foi a palavra “mentiroso”. Enquanto os meus colegas contavam factos, eu inventava factos. Tinha essa necessidade e ainda tenho, de inventar. Inventava, atribuindo coisas a si próprio?Não. Raramente. Nunca menti para me favorecer ou favorecer alguém, mas a imaginação era fora do comum. A primeira vez que me chamaram mentiroso foi quando eu dizia que contava até mil. No liceu, uma das primeiras vezes que me confrontaram com uma mentira, assim a fazer chacota de mim, foi quando disse que havia um chinês que tinha um tumor de 17 quilos na barriga. Tive de ir ao quartel buscar o livro e mostrar. O nosso mundo era muito reduzido. Não havia muita curiosidade em ler, e eu nasci com isso. A que é que atribui essa sua particularidade?Não sei. Talvez por isso eu leia muito sobre religiões. Talvez por isso acredite no transcendental. Talvez por isso acredite que há outro complemento e outra visão. O budismo acredita na reencarnação, o cristianismo acredita na ressurreição, todas as religiões têm uma componente post mortem. Sente que pode estar aí a explicação?Sinto que sou apenas um intermediário das coisas que faço. Quando componho uma música, tenho muito respeito pela forma como ela desce. Não retoco a música. Ela vem, se é feia ou bonita. O imperfeito também existe. Também não revê o que escreve?Eu escrevo de uma catadupa. Quando começo a escrever, não sei o que vou escrever e nunca faço pausa. Escrevo um livro de uma assentada. Pode demorar o que demorar. Escrevo todos os dias de oito a dez horas, e linear. O seu romance anterior não tinha sequer um único ponto final. Não. Não faço pausas, não tomo notas. E um dia digo: “Acabou-se. ” Quando acabar, não quero mais saber do livro. Depois de um tempo, faço uma releitura, até para dizer: “Quem é que escreveu isto?” Aquele espanto. Depois mando para a editora, que me dá umas orientações, porque às vezes também viajo, como se diz, e torna-se ilegível. Teve consciência, ao escrever Biografia do Língua, de estar a usar o processo narrativo das Mil e Uma Noites?Quando me vem uma história à cabeça, às vezes é só uma frase. A partir daí começo a contar a história às pessoas. Quando contei o que ia escrever à [editora e escritora] Maria do Rosário Pedreira, num jantar, ela disse-me: “Mas isso é Xerazade. ”Não tinha lido As Mil e Uma Noites?Não. De modo que fui obrigado a introduzir Xerazade no livro para dizer: “Isto não é Xerazade. ” Há dias estava a conversar com um amigo em São Vicente, gente do teatro, e disse-lhe: “A aprendizagem é uma lembrança, a gente já nasce sabendo tudo. Isto é próprio do cosmos. O universo é holográfico. Tudo o que existe no cosmos existe num fio de cabelo ou na ponta de uma unha. Tudo o que se vai sabendo vai-se acrescentando e está em nós, nós não estamos desligados de nada. ” Então acontece que essas histórias que inventamos podem correr o risco de plágio, porque já estão em nós embora sem o sabermos. Leva-se mais a sério como músico ou como escritor?Nisto de me levar a sério, só sou. É importante exercer a vida em toda a sua plenitude. O exercício de ser é que é bonito. No fundo, sou um homem apaixonado. Isso sim, é uma característica. E confesso com toda a humildade: com uma grande intuição. Isso, eu sei: tenho um saber intuitivo muito grande. Cultiva-o ou é apenas inato?O saber intuitivo não se deve cultivar, senão estraga-se. Sou um grande sonhador, acordado e a dormir, também. E sonho coisas incríveis, de um surrealismo, às vezes de uma plasticidade. . . Uma maravilha. Lembro-me todos os dias de todos os pormenores, de tudo. E não escreve isso?Comecei a escrever. Quando comecei a escrever, comecei a esquecer os sonhos. Então parei. Tenho 20 ou 30 contos que se chamam “personhagens”, sobre os meus sonhos. Deixei de escrever os meus sonhos para continuarem a ser sonhos. Os sonhos revoltaram-se contra essa apropriação que estava a fazer deles?Parece que há essa combinação. Esse tal lado que a mim me interessa muito, um lado que compõe o ser humano, que exploramos muito pouco, mas que depende muito pouco da razão. Isso já se fez em milénios passados, foi-se perdendo. Já se perdeu muito. Quando diz que se perdeu, há um lamento nessa afirmação?Sim, evidentemente. E tem a ver com um lamento da condição humana. Perdeu-se por causa do domínio de uma cultura sobre a outra. Já vivemos melhor do que hoje?Sim. O ser humano já viveu melhor e isso acontece com tudo o que existe. Há um pico e depois há a decadência. Considera que estamos num momento de decadência?Sim. Basta ver o mundo. O século XXI é um século decadente em termos da condição humana. Podemos ter Internet, ir à Lua, temos tudo isso…Temos analgésicos para a dor de dentes, por exemplo. Isso é capaz de ter melhorado um pouco as nossas vidas, não?Pode ser, e isso é bom. E tantas outras coisas. E já não temos uma esperança média de vida de apenas 25 ou 30 anos. Pois é, isso na conta racional faz todo o efeito. Na sua não faz?Não faz, enquanto não houver um complemento e um equilíbrio. Inventar analgésicos para a dor de dentes é uma coisa óptima. Não termos nenhum analgésico contra a intolerância cultural é terrível. Fazermos com que a esperança de vida aumente, mas que haja milhares de pessoas a morrer ao atravessar o mar mediterrânico, fazer com que haja armas super-sofisticadas, mas que essas mesmas armas estejam a matar centenas de milhares de pessoas todos os dias, fazer com que nunca se tenha tido tanta abundância alimentar no planeta, mas que haja tanta gente a passar fome no mundo, não faz nenhum sentido. Esse desequilíbrio tem a ver com um desenraizamento da condição humana. Quando olhamos para a relação que os índios do Peru, da Bolívia, do México tinham com a natureza antes da chegada dos espanhóis, vemos que tudo isso foi interrompido. Onde havia uns templos das deidades, dos incas, dos maias e dos aztecas, foram construídos templos católicos. A história dos incas, dos maias e dos aztecas não é propriamente um modelo daquilo que hoje designamos por direitos humanos. É evidente que todas as civilizações no seu auge também tiveram a sua parte sanguinária. Todas. Mas nunca antes tínhamos visto 40 mil pessoas morrer em dez segundos. Isso aconteceu com o lançamento das bombas atómicas. Ao mesmo tempo que utilizamos todo o nosso conhecimento para o progresso, vemos paralelamente o uso de todo esse conhecimento para a destruição e para a decadência. Sinto em si uma pontinha de nostalgia por uma espécie de paraíso perdido. Talvez. O planeta já foi melhor. O lamento não está no facto de ter havido um paraíso no passado. O paraíso e o inferno são vizinhos. Mas havia no homem uma relação com a natureza muito melhor do que há neste momento. Essa relação fazia com que o próprio progresso na antiguidade tivesse também um efeito sobre o homem na sua relação com o universo. Hoje há uma corrida para a abundância, para a acumulação. Essa corrida exige uma velocidade tal que despreza todos os outros valores. O homem que quer acumular biliões de dólares na venda do petróleo vai fazer tudo para não respeitar os acordos sobre a redução do carbono, por exemplo. Em todo o caso, sempre que é dada a uma sociedade a opção entre ter ou não ter, a escolha é ter. Depende, nem sempre é assim. Hoje em dia, quando falo de outros saberes, de outras razões, eu que me considero um homem de formação ocidental, mas que já leu e cultiva e trabalha muito a cultura oriental, é para dizer: “Atenção, há um outro mundo, há uma outra visão do mundo, é preciso complementar isso. ” Quando disseram a Siddhartha Gautama “escolha o palácio ou a vida desprendida”, ele escolheu a vida desprendida. Isso existe em várias culturas do mundo em que entre acumular, o ter, e a escolha de não ter, escolhemos o não ter. A acumulação faz mal. Existem várias culturas no mundo em que a abundância é substituída pela palavra “plenitude”. Trabalhamos para atingir a plenitude e não a abundância. Onde abunda há sempre, também, escassez. No seu caso, trabalha para escolher o quê?Trabalho para encontrar a felicidade, e encontro, todos os dias. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Tem uma ideia daquilo a que corresponde essa noção?Tenho. Se há uma coisa que dá felicidade, é o desapego. O desapego de tudo significa libertação. Pode-se ser desapegado e membro de um governo?Com certeza. Ser membro de um governo é trabalhar para os outros. Agora, querer perpetuar-se no poder é apego. Já disse há uns meses que me ia embora, já me despedi. Só vim dar essa contribuição. Vai terminar o seu mandato quando?Em Março do próximo ano. Entrei para ficar menos tempo, mas não deu para sair antes. Não tenho o desapego de tudo, ninguém tem. Quem me dera. Mas pratica-se, e ajuda. Considero-me um homem feliz porque também tenho as minhas angústias. E por saber reconhecê-las.
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo Budismo
Histórias do interior: o “milagre” do Seixo, onde a população duplicou
Para ocupar uma dezena de casas de pedra, no monte do Seixo, há apenas um homem. Nas últimas semanas deu-se quase um milagre – a população cresceu 100 por cento. Ele arranjou uma companheira (...)

Histórias do interior: o “milagre” do Seixo, onde a população duplicou
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para ocupar uma dezena de casas de pedra, no monte do Seixo, há apenas um homem. Nas últimas semanas deu-se quase um milagre – a população cresceu 100 por cento. Ele arranjou uma companheira
TEXTO: Despovoamento rima com desertificação, em todo o Nordeste algarvio. Alcoutim, Castro Marim e Tavira (zona serrana) estão em queda livre na demografia. As pessoas vão tombando uma a uma, à medida que a idade avança, e nem rasto de gente jovem se vê no horizonte. Por aqui “só há notícias das pessoas que morrem”, lamenta a presidente da Junta de Freguesia de Cachopo, Otília Cardeira, atarefada, com a preparação dos festejos natalícios. “Vou cozinhar uma açorda de galinha, pois tenho um grupo de convidados da In Loco. Esta associação de desenvolvimento local, diz, “foi quem primeiro deu a conhecer o interior algarvio”, quando ainda não existia GPS para localizar o povoamento disperso. A autarca, tecedeira de profissão, arranca no carro oficial da autarquia – uma carrinha todo-o-terreno de caixa aberta. O motor da viatura, ao acelerar, acusa o cansaço das muitas voltas e reviravoltas percorridas pela montanha. “Quando vou a reuniões, riem-se deste carro velho”, graceja. Ao descrever o que se passa à sua volta, a mulher de 68 anos faz uma espécie de marcha atrás no conta-quilómetros da vida. “A freguesia [concelho de Tavira] tinha 46 montes, mas hoje já só temos 31 habitados”, assinala. Os sobreiros, os que não se perderam no grande fogo de 2012, morrem aos poucos, de doença incurável. Os raros habitantes que ainda resistem sentem as vertigens de um tempo que não volta para trás. Projectos de centrais fotovoltaicas não faltam, e os chineses estão nesse negócio em Alcoutim, acompanhando uma tendência comum a outras zonas do Sul do país. O ladrar dos cães faz eco pelo vale, mas não há quem ouça o apelo dos animais. O aglomerado, monte do Seixo, tem cerca de uma dezena de casas, onde não falta o equipamento de painéis solares, pregados em habitações de pedra. Porém, a modernidade fica-se por este equipamento. “Não se ouve um passarinho”, lamenta José Gonçalves, enquanto apanha medronhos. O homem, de 70 anos, sozinho, com balde de plástico no braço esquerdo, colhe os frutos silvestres que se hão-de converter, daqui por alguns meses, em aguardente. No sítio dos Currais, onde nasceu, há três destilarias – lugares icónicos da partilha de saberes e de afectos. Por todo o lado, com a chuva que caiu de mansinho, os medronheiros surgem pujantes. O mesmo não sucedeu com outras espécies autóctones: “Este sobreiro é novo, e já tem aqui as marcas da doença”, aponta o agricultor, mostrando a mazela no tronco da árvore, de folhas pálidas. José Gonçalves reside em Faro, mas é na serra que encontra a paz e tranquilidade para se reencontrar consigo próprio. “Perdi uma filha, de 39 anos, com uma doença terrível. Deixou-me três netinhos”, lamenta. A ida para Cachopo, explica, deve-se ainda à necessidade de “dar apoio” ao sogro, de 93 anos, e à sogra, de 88 anos, que vivem no lugar dos Currais. “Este ano, apanhei mais de mil quilos de medronho”, diz, prevendo que a colheita do próximo ano seja melhor. A descida até ao Seixo obriga a uma condução com cuidados redobrados, pelo caminho de terra batida. “Só lá vive o Valério, mas ele anda quase sempre por fora”, avisa, deixando cair lamentos: “É pena é não haver pessoas. . . ” A presidente da junta de freguesia, em tom de graça, exulta: “A população do Seixo aumentou 100%, porque ele [Valério] arranjou uma companheira”. Ela vive no Garrobo, um monte próximo. José Gonçalves comenta: “Estavam os dois sozinhos, fizeram muito bem: ele deve ter aí uns 55 anos, a Celeste é um pouco mais velha”, adianta. Durante a visita do PÚBLICO, confirma-se a indicação do vizinho: o casal estava ausente, algures na apanha do medronho. Os animais, cães e galinhas, sinalizam a presença humana, sem dar tréguas. A luz eléctrica só chegou ao local em 1996, através de um projecto de “desenvolvimento rural” no concelho de Tavira – um investimento de 215 mil euros. Nessa altura, os moradores já estavam a desaparecer por falta de perspectivas de futuro, e pela força da lei da vida. No concelho de Alcoutim, no lugar do Vale da Rosa (freguesia de Vaqueiros), há mais de três décadas uma empresa francesa instalou um projecto experimental de energia fotovoltaica, que permitiu a cada um dos moradores ter um televisor, frigorífico e meia dúzia de lâmpadas acesas, em casa. Por falta de manutenção, o sistema falhou ao fim de três anos. A câmara municipal, entretanto, conseguiu que a electricidade lá chegasse através da rede da EDP. A medida não foi suficiente para manter as pessoas ligadas à terra. “Está tudo em ruínas, já lá não mora ninguém”, esclarece o presidente do município, Osvaldo Gonçalves, enfatizando: “Sentimos aqui, no Nordeste algarvio, as duas faces da interioridade: a desertificação física dos solos e o despovoamento”. O problema, esclarece o autarca, (vice-presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve – Amal), entranhou-se como uma doença crónica: “Nós só sentimos, efectivamente, o efeito da desertificação quando nos começámos a aperceber de que não havia pessoas”. Metade da dezena de habitações do Vale da Rosa está reduzida a ruínas. A capacidade de resiliência da população, enfatiza o autarca socialista, “mitigou, de alguma forma, o êxodo que continua para a zona litoral”. Em contraciclo, na freguesia de Vaqueiros, está projectada a construção de um dos maiores parques fotovoltaicos da Europa. O grupo CITEC – China Triumph International Engineering, em parceria com a empresa We Link, do Reino Unido, anunciou no ano passado a instalação de um equipamento capaz de produzir electricidade para abastecer uma cidade com 130 mil habitantes, duas vezes a população de Faro. Os trabalhos, num terreno com área de 400 hectares, encontram-se ainda na fase de desbaste do mato, mas a perspectiva é de que a produção se inicie no final do próximo ano. O investimento anunciado é de 200 milhões de euros. De regresso a Cachopo, há um número a reter. O autocarro municipal, de 30 lugares, faz o transporte diário de 12 crianças – de várias idades – daqui para a escola da freguesia de Martim Longo, já no concelho de Alcoutim. No edifício sede da junta funcionam, ao mesmo tempo, os serviços administrativos da autarquia, o posto médico e o serviço de Correios. No primeiro andar de um prédio a precisar de manutenção, os utentes falam de “noites mal dormidas”, enquanto trocam impressões sobre os sintomas de doenças – hipertensão, diabetes e colesterol, as mais frequentes. “Esta casa precisava toda de ser remodelada, leva mais de 40 anos sem manutenção”, queixa-se a autarca Otília Cardeira, convidando o PÚBLICO a ver uma exposição fotográfica sobre gente da terra. “Este, o ferreiro, já morreu”, aponta. À medida que sobe as escadas, vai passando as páginas da história local. Segue-se o quadro do albardeiro, em grande plano. Passa ao capítulo seguinte, faz uma pausa: “Estas mãos são de uma tecedeira”, comenta, como que se revisse no retrato. “A associação In Loco foi quem criou aqui uma oficina de tecelagem, trouxe professores da escola António Arroio para dar formação, e fizemos coisas muito interessantes”, destaca. Assim, as mulheres de Cachopo recuperam técnicas antigas e o gosto de preservar as tradições. “Desapareceu quase tudo, só estamos duas na tecelagem”, diz, referindo-se ao progressivo desmoronar do tecido económico e social, alicerçado na promoção e venda do artesanato. “Chegámos a participar numa passagem de modelos em Vilamoura”, recorda. Victor Palmeira, médico, prestou serviço em Cachopo, entre 1986 e 1989. Neste período, recorda, “nasceram apenas quatro crianças em toda a freguesia”. Na altura, a câmara reabilitou uma habitação para fixar clínicos. Não resultou. “Nunca cheguei a ocupar a casa”. Casado e com filhos, não deixou de residir em Tavira, porque os interesses familiares obrigavam a permanecer na cidade. A deslocação ao interior era compensada por um subsídio, atribuído pela administração regional de saúde, mas não foi isso que o motivou. “Mal dava para o combustível e os pneus do carro”, diz. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Osvaldo Gonçalves, cujo avô nasceu no Seixo, critica as medidas que têm sido aplicadas para revitalizar o interior. “Não existe uma interligação entre os vários projectos”. Em meados dos anos 80, exemplifica, foi o criado o Plano do Nordeste Algarvio, o que permitiu a construção de vias e equipamentos públicos. Seguiram-se os apoios à reflorestação. Nesta sub-região foram plantados 37 mil hectares de pinheiro-manso (844 árvores por hectare) para evitar a erosão do solo, mas ficou por avaliar o resultado e o impacto ambiental desse projecto. “Todas essas medidas padecem da falta de continuidade e de harmonia com os instrumentos de ordenamento do território”, sintetiza. Além disso, destaca a necessidade de manter os serviços públicos nesses locais. “Perde-se o contacto com o terreno, retira-se a presença do Estado, e cria-se uma realidade virtual”, diz, lembrando que desapareceram do concelho as extensões de desenvolvimento rural e do Ministério da Agricultura, entre outras. A história do Alcoutim divide-se entre o interior a zona raiana do Guadiana, marcada pelas histórias do contrabando e emigração. A ponte transfronteiriça, flutuante, que une as duas margens do rio (Alcoutim-Sanlúcar) só funciona três dias por ano, em Março, durante o festival do contrabando. Uma vez passados os festejos, os dias desaguam na “falta de compreensão” da administração central, sublinha, para encarar o interior de um país debruçado sobre o litoral.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Será a ciática europeia contagiosa?
Eis, diante de nós, um pormenor desta Europa política. Guiada não por estadistas, mas por políticos vulgares que não se dão ao respeito. (...)

Será a ciática europeia contagiosa?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Eis, diante de nós, um pormenor desta Europa política. Guiada não por estadistas, mas por políticos vulgares que não se dão ao respeito.
TEXTO: O homem cambaleante, mas bem-disposto, afinal, estava sofrendo de um súbito ataque de ciática. Assim foi diagnosticado por António Costa, pelo chefe de governo holandês e pelo próprio porta-voz da Comissão Europeia, este em jeito de boletim clínico, assim todos nos tratando como néscios europeus. Amparado pelos membros superiores de altos dignitários de Estados-membros mais superiores ou mais inferiores, Jean-Claude Juncker conseguiu descer do palanque e caminhar sem antes dar os seus etílicos beijos. Uma ciática de muitos graus!Eis, diante de nós, um pormenor desta Europa política. Guiada não por estadistas, que esses já quase não existem, mas por políticos vulgares que não se dão ao respeito, nem servem de exemplo credível. Tudo boa rapaziada, numa qualquer função ou disfuncionalmente, entre beijos, abraços e cachecóis de futebol, cheios de “non-papers” e, não raro, vazios de ideias e estratégias. Nas cimeiras aparecem-nos sempre entre sorrisos tão falsos quanto enfastiados, tweetando das salas e corredores para o mundo, fotos de família aparentemente unida, decisões sem decisão. Aparentam andar felizes, entre bolinhos, croquetes, bebidas espirituosas e amendoins. A mediocridade tomou conta do directório europeu. Esta é a Europa que nos querem prodigalizar. Esta é a Europa que dão a entender aos jovens de hoje como sendo o seu farol à distância de uns euros com que tudo julgam ou fingem comprar. CITAÇÃO: “Ninguém me encomendou o sermão, mas precisava de desabafar publicamente. Não posso mais com tanta lição de economia, tanta megalomania, tão curta visão do que fomos, podemos e devemos ser ainda, e tanta subserviência às mãos de uma Europa sem valores" (Miguel Torga em 1993)JARGÃO EUROPEU: Arquitectura organizacional. Geometria variável. Perspectiva integracional e multifocal. Alocar, assignar e impactar. Sinergias e imparidades. Envelhecimento activo. Relatórios de iniciativa própria. Memorando de Entendimento. Adicionalidade. Alavancagem. Estereótipos de género. Bem-estar dos animais. Comitologia. Cooperação estruturada permanente. Mecanismo único de resolução. Abordagem managerial e societal. Empoderamento. Governança. Incumbente e colateral. Etc. , etc. GREGUERIAS: “Os que vêm da chuva trazem cara de copo de água” (isto a propósito da molha de Macron e da Presidente croata na entrega das medalhas no Mundial). Já Putin, indelicadamente, tinha um guarda-chuva só para ele, pelo que se poderia aplicar-lhe uma outra greguería de Ramon de la Serna: “A água não tem memória: por isso é tão limpa”O poliedro europeu atingiu a sua plenitude de imperfeição. Países do Leste são sinceros: só lá estão pelo dinheiro e quanto ao resto estão-se borrifando para as regras básicas da democracia. Na Hungria, o músculo é que conta e ninguém cora pela criminalização da ajuda a desvalidos imigrantes. Na Polónia, essa coisa da separação de poderes foi ao ar, apesar da fingida ameaça de Bruxelas. Visegrado é o itinerário da nova peregrinação contra os que não são deles. A Alemanha já não é o que era e a chanceler – antes odiada como o diabo personificado, ora louvada como o exemplo do equilíbrio e sensatez – limita-se a mudar a cor da jaqueta em razão dos seus aliados e adversários internos ou externos. O Reino Unido procura, com um "Brexit" voluntarista e atamancado, ficar fora da União, mas com um pé dentro, para substituir o estar na União, mas com um pé fora. A primeira-ministra britânica anda aos papéis sem ninguém a avisar do papel que está a fazer! O Presidente francês, sem o ar soberbo e presunçoso dos que o precederam, lá vai tentando aparentar que a França ainda é importante. No Sul, a música é variada e para todos os gostos. Nós, sempre a fazer o papel do bom aluno, seja no ciclo austeritário, seja no ciclo reversitário, com os salamaleques do costume perante figurinhas de doutos comissários e outros altos funcionários de uma bem instalada Comissão. Em Espanha, depois do justo castigo de corruptos e corruptores, está agora uma "geringonça" de largo espectro, entre engasgadelas sobre as autonomias e independentismos e mais preocupada com magnos problemas para o bem-estar da população, como são a “estrutura” do Vale dos Caídos ou as inadiáveis reformas fracturantes. Na Itália, eis a total imprevisibilidade de um governo que olha para a Europa como a Antárctida olha para a Amazónia. Quanto à Grécia desgravatada, a Europa convenceu-a que tem futuro e lá anda a esquerda do poder a fingir que o é. Encharcada em questões de minorias ruidosas e mediáticas, por mais respeitáveis que sejam, a Europa esquece os problemas das maiorias sem voz europeia. Possuída pelas políticas monetárias e subjugada ao magno poder banqueiro, é incapaz de ir além de meras declarações românticas sobre os paraísos e escapatórias fiscais. Nesta Europa decadente de valores, axiologicamente relativista, espiritualmente desertificada, só parecem contar os euros como forma de exercício de poder e permuta de influências. O financeiro domina o político e determina o económico. O social – apesar dos discursos – não é uma premissa, antes um resultado meramente adjectivo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Vinha (Vitis vinifera L. )A vinha (videira ou parreira) é uma das sete espécies vegetais da Bíblia, citada logo no Génesis. A Vitis vinifera é a espécie de videira mais cultivada para a produção do vinho na Europa. Trata-se de uma trepadeira cultivada em todas as regiões de clima temperado, com um tronco de forma muito retorcida, folhas grandes e repartidas em cinco lóbulos pontiagudos e flores esverdeadas em ramos. O fruto (a uva) é uma baga com as sementes livres e dispersas no mesocarpo. O cultivo da videira para a produção de vinho é uma das actividades mais antigas da civilização, havendo muitas espécies e múltiplas variedades denominadas castas. Não sei quais serão as castas preferidas pelo actual presidente da Comissão Europeia. Esta Europa, sem verdadeira liderança, é lenta e preguiçosa nos actos, atrasada nas decisões, prolixa no palavreado. Na União (!), todos se demarcam de todos! Todos iguais, todos diferentes. Todos solidários, todos egoístas. Todos unidos, todos de costas voltadas. Todos em cadeia, todos encadeados. Sem visão e sem liderança, a União caminha aos solavancos, não em geometria variável, mas em cacofonia assimétrica. Incapaz de responder, em tempo certo, aos desafios da globalização, a Europa deste alucinante inverno demográfico menospreza a ideia de família e passa de Velho Continente a Continente velho, no nevoeiro de crescente irrelevância. Entre um Trump errático e disruptivo, um Putin ardiloso e jogador de xadrez e um dragão chinês paciente, estratégico e insensível aos direitos humanos, Juncker definiu, ainda que burlescamente, o estado da “Nação Europeia”: sem rumo, trôpega, embriagada com tanta ciática institucional. Será contagiosa?
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos humanos ataque ajuda homem social género espécie chinês