Empresas vão tentar mostrar ao mundo que a fruta portuguesa é única
Portugal leva maior delegação de sempre à maior feira de frutas e legumes do mundo. Colômbia e México são os próximos a autorizar a entrada de pêra rocha. (...)

Empresas vão tentar mostrar ao mundo que a fruta portuguesa é única
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.375
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Portugal leva maior delegação de sempre à maior feira de frutas e legumes do mundo. Colômbia e México são os próximos a autorizar a entrada de pêra rocha.
TEXTO: É o país convidado da Fruit Logistica, a maior feira de frutas e legumes do mundo, e isso deverá ser suficiente para atrair as atenções de alguns dos 65 mil visitantes que são esperados, até sexta-feira, em Berlim, num espaço tão grande como sete campos de futebol. O stand da Portugal Fresh, que representa as empresas do sector, tem 44 empresas, a maior delegação desde que, em 2011, a associação se estreou no certame. Nos cartazes dentro e fora da capital alemã, a fruta portuguesa tem o slogan “atlantic breeze taste”. E é essa a mensagem que se quer passar aos clientes estrangeiros. “Em 2010 exportávamos 780 milhões de euros. Em Novembro de 2014 chegámos aos mil milhões. Trata-se de um crescimento de 41%. São números brilhantes para o sector”, diz Manuel Évora, presidente da Portugal Fresh. As empresas estão preparadas para mostrar a fruta e os legumes que produzem, “não em termos de grandes volumes, mas de qualidade”. “O que queremos vender são produtos diferenciados”, continua. Os adjectivos são muitos: cor, crocante, aroma e sabor, proporcionados “pela posição [geográfica] única de Portugal”. O sector parece estar preparado para exportar cada vez mais, contudo, falta ainda desbloquear inúmeras barreiras sanitárias em países fora do espaço europeu. A pêra rocha, por exemplo, não entra na Índia, na Indonésia ou no Irão. “Neste momento, temos mais dificuldade em ultrapassar as barreiras sanitárias do que em encontrar clientes”, admite Domingos dos Santos, da Frutoeste, uma das seis empresas que compõem a Unifarmers, criada especificamente para procurar mercados fora da Europa, numa reacção à crise do mercado interno e ao embargo russo. O Governo garante estar a trabalhar no assunto e, de visita à feira de Berlim, Assunção Cristas, ministra da Agricultura, anunciou que nas próximas semanas a Colômbia e o México deverão autorizar a entrada de pêra rocha. “Para a Colômbia em concreto há 14 dossiês em curso e o da pêra rocha é o mais avançado. A abertura dos mercados internacionais fora do mercado europeu é um trabalho que não termina. Tem processos muito exigentes do ponto de vista fitossanitário”, afirmou. A ministra dá outros exemplos de negociações em curso, como o Brasil, com quem Portugal tenta há muito desbloquear a venda de uva de mesa. Para a China já foi possível abrir as exportações de leite, mas as da carne de porco, um ano após o início do processo, ainda não foram autorizadas. Ainda assim, Assunção Cristas salienta que nos últimos anos o Governo teve “dossiês abertos de cerca de 150 produtos ou grupos de produtos para 70 mercados diferentes”. “É um mercado muito intenso e não tem fim”, disse. Ameaça chinesa?Esta semana na Alemanha, os portugueses vão tentar vender maçãs de Alcobaça, pêra rocha, morangos, melões e abóboras, polpas de fruta ou uvas. Cada empresa traz o que a distingue no mercado e ninguém parece incomodado com a forte presença de concorrentes chineses, instalados em grande força mesmo ao lado do espaço português. “É o maior produtor de uva do mundo, mas não chega por enquanto à Europa. Nenhum país nos assusta. Portugal tem condições para fazer produtos distintivos de outros países”, diz Mário Rodrigues, da Frutalmente, uma organização de produtores sedeada em Vila Franca de Xira que factura 3, 5 milhões de euros (2014). João Pereira da Silva, da Cooperfrutas (Cooperativa de Produtores de Frutas e Produtos Hortícolas com 102 produtores) também desvaloriza. “Vendem mais para a Ásia”, diz. No stand da Goodfarmer, da província chinesa de Shandong, há 32 pessoas prontas a vender fruta. O responsável pela comercialização da fruta, que no seu cartão de visita se apresenta como Andy, admite que por ano vende mil toneladas de pêra para a Europa. “É pouco. Vendemos muito para a Índia, Malásia, Bangladesh, Singapura ou Indonésia”. Andy destaca a maçã qinguan, a mais barata que tem no seu portefólio, a 0, 80 euros o quilo. E admite que não espera fazer grande negócio na Fruit Logistica. Os produtores de fruta e legumes querem chegar a 2020 com dois mil milhões de euros de exportação. As vendas internacionais cresceram 11, 2% entre Janeiro e Novembro de 2014, em comparação com o mesmo período do ano anterior e excluindo flores. No total, as empresas venderam ao estrangeiro 996 milhões de euros.
REFERÊNCIAS:
Comprar é um voto. Sabemos usá-lo?
“Temos de questionar muito os nossos alimentos”, diz um jovem pai de família. “Precisamos recuperar o domínio da alimentação”, defende o director-geral da FAO. E como é que isso se faz? Sazonal, local, bio, barato, sem plástico, sem glúten, sustentável — o que é que procuramos, afinal? Hoje, Dia Mundial da Terra, iniciamos uma série de cinco reportagens à procura de respostas sobre a alimentação nas cidades. (...)

Comprar é um voto. Sabemos usá-lo?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Temos de questionar muito os nossos alimentos”, diz um jovem pai de família. “Precisamos recuperar o domínio da alimentação”, defende o director-geral da FAO. E como é que isso se faz? Sazonal, local, bio, barato, sem plástico, sem glúten, sustentável — o que é que procuramos, afinal? Hoje, Dia Mundial da Terra, iniciamos uma série de cinco reportagens à procura de respostas sobre a alimentação nas cidades.
TEXTO: Em 2050, seremos 9, 5 mil milhões, a maior parte a viver em cidades (66%, segundo previsões das Nações Unidas, contra 54% actualmente e 30% em 1950) e, em muitos casos, em megacidades, com 10 ou 20 milhões de pessoas. Como vamos alimentar uma população mundial em crescimento? Os cálculos da ONU indicam que será preciso aumentar a produção em 60%. Mas como iremos produzir alimentos suficientes se a área agrícola tende a diminuir, engolida pelo avanço urbano, e se muitos dos solos produtivos correm o risco de ficar esgotados por uma agricultura intensiva?A China é um dos países mais atentos ao problema. Para alimentar uma população de 1, 4 mil milhões, com uma dieta que tem vindo a aproximar-se da ocidental, com um aumento do consumo de proteínas animais (as vendas de carne de vaca aumentaram 19. 000% numa década, indica um artigo da Bloomberg), o Governo chinês está a comprar terras agrícolas noutras zonas do mundo, nomeadamente em África. Até porque, ainda de acordo com a FAO, entre 1997 e 2008, a China perdeu 6, 2% da sua terra cultivável para a construção (uma evolução que tentou, entretanto, travar) e cerca de 20% da que lhe resta está altamente contaminada pelo uso excessivo de químicos. Grande parte da produção de cereais e grãos no planeta destina-se à alimentação animal, sendo a pecuária uma das principais causas de emissão de gases com efeito de estufa. Além disso, a produção de 1kg de carne de vaca consome de 1500 litros de água — e dos 263 milhões de toneladas de carne produzidas por ano no mundo, cerca de 20% é desperdiçada. A estes números soma-se outro alerta, deixado pelo World Wildlife Fund (WWF): 70% da água doce do planeta é usada para a irrigação de campos agrícolas e a agricultura é a maior causa de desflorestação. Ou seja, o sistema alimentar que temos hoje é “responsável por 60% da perda global de biodiversidade”. O mesmo alerta chegou recentemente a Portugal pela voz do director-geral da FAO (Food and Agriculture Organization, das Nações Unidas), o brasileiro José Graziano da Silva, que veio dizer que um dos grandes problemas do sistema alimentar que criámos nas últimas décadas é “a concentração da produção em quatro ou cinco produtos: arroz, milho, soja, batata são 80% do que comemos no mundo”. Não pode ser assim, diz. “Temos 36 mil plantas e animais que fornecem alimentação. Não podemos estar concentrados em cinco. ” E conclui: “Hoje quem alimenta o mundo não são os agricultores, são as cadeias da agro-indústria. Temos de mudar isso. ”E conseguiremos fazê-lo? Todos somos consumidores. Teoricamente, isso dá-nos algum poder. Mas sabemos usá-lo?Quisemos perceber como é que nos alimentamos hoje numa cidade. Essa comida que todos os dias entra, por diversas vias, e se espalha, por mercados, mercearias, super e híper mercados, restaurantes e que, por fim, chega a cada uma das nossas casas, sabemos de onde vem, quem a produz? Que relação temos com o que comemos?“Nós, consumidores, temos cada vez menos controlo sobre o sistema alimentar e os produtos que estão na nossa mesa. É isso que queremos?”, pergunta Cecília Delgado, urbanista e investigadora da Universidade Nova de Lisboa. Conversamos com Cecília em frente a uma mesa cheia de frutas e legumes que comprámos num supermercado local — decidimos começar por aí, uma cesta de compras básica semelhante à que cada um de nós leva para casa. Temos sobre a mesa um pouco de tudo, vindo de muitos sítios diferentes do mundo: cebolas da Holanda e do Peru, abóbora portuguesa, aipo espanhol, batata francesa, beringela espanhola, cenoura portuguesa (havia a opção de comprar a espanhola, ligeiramente mais barata), morangos espanhóis, melão do Brasil, maçã de três variedades, uma portuguesa, uma italiana, outra francesa, abacate espanhol, uvas da África do Sul e do Chile, tomates de Marrocos e de Espanha, limões também espanhóis, feijão-verde vindo de Marrocos, courgette de Espanha. Tivemos alguma preocupação em olhar para os rótulos do que comprámos, em perceber se era nacional ou não, em identificar o que era biológico. O processo dá algum trabalho, claro, tudo demora mais tempo quando temos de ler com atenção rótulos em letras pequenas (embora a origem dos produtos esteja mais visível nas caixas onde eles se encontram). Mas, muitas vezes, não tínhamos alternativas — não estava disponível nenhuma batata ou cebola de produção portuguesa, por exemplo. Há muitos consumidores a ter este tipo de preocupações e a fazer escolhas mais conscientes? Tudo indica que são cada vez em maior número, mas o que é que isso implica, exactamente? Como é que podemos saber mais?Foram muitas as perguntas com que partimos para esta série de cinco reportagens, inspirada pelo trabalho que está a ser feito pelo Colégio F3 (Food, Farming, Forestry) da Universidade de Lisboa para perceber como se alimenta uma cidade — e que tem sido apresentado num ciclo de seminários mensais sobre Planeamento Alimentar Urbano, no Centro de Informação Urbana de Lisboa. Uma das questões que têm surgido é se o sistema alimentar que temos hoje poderia ser mais racional. Fomos à procura dessa resposta também. “Estamos a viver num cenário de produção em quantidade, que não é feita no sentido de aumentar a resiliência do sistema, mas no sentido de aumentar a sua eficácia”, prossegue Cecília Delgado. “Estamos a comer coisas do mundo global, alimentos com grande pegada ambiental. Supostamente pagamos um contributo para reduzir a pegada quando compramos um bilhete de avião, mas depois, no dia-a-dia, não temos consciência do que estamos a fazer. E se o fizermos correctamente, será que nos conseguiremos alimentar? Tenho algumas dúvidas. ”Contornar o plásticoRicardo e Catarina Medeiros Rodrigues têm dois filhos, a Leonor, de quatro anos, e o Artur, que acabou de nascer, e são um casal de Lisboa que tenta precisamente fazer o que acredita que é o mais correcto. Tem sido um caminho, que começou por razões de saúde e que têm vindo a construir, mas, garante Ricardo, não é tão complicado como pode parecer. “Quando a Catarina ficou grávida da Leonor, logo no primeiro mês foram-lhe diagnosticados diabetes gestacional”, conta Ricardo. “Tínhamos dois caminhos: ou tomávamos insulina ou melhorávamos a dieta. Decidimos seguir o plano alimentar da dietista, que era rigoroso e correu muito bem. ”Catarina fica em casa a tomar conta do bebé e nós vamos com Ricardo e Leonor até à mercearia do bairro, um dos lugares onde se abastecem, a par dos supermercados que vendem a granel e do cabaz da Fruta Feia que recebem. “Normalmente não faço compras a correr, venho aqui com tempo, sobretudo para comprar fruta e legumes, que são a base da nossa alimentação”, diz Ricardo, enquanto vai mostrando a Leonor que há uma lata de milho que veio da Alemanha e por isso “andou mais de carro”. “Vamos levar esta que é de Portugal?”Neste momento, uma das preocupações essenciais de Ricardo e Catarina é a de evitar tanto quando possível comprar coisas que venham em plástico. “Quando descobri o projecto da Bea Johnson e do movimento Zero Waste, foi muito motivador”, conta Catarina. “Comecei devagarinho, em algumas coisas minhas, pequenas mudanças, substituí o champô, as escovas de dentes. O Ricardo também quis experimentar e lancei o desafio de tentarmos reduzir o plástico noutras coisas da nossa vida. ”(Segundo dados do Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física, de 2017 — citados no documento Alimentar o Futuro, da Associação Portuguesa de Nutrição-, 71, 2% do material de embalagem usado pelos portugueses é de plástico e apenas 9, 4% é de vidro. )Nem sempre as opções são evidentes. “No nosso grupo de amigos, costumamos dizer que cada um de nós escolheu uma luta. Alguns são vegetarianos, ou vegan, há outros que não comem produtos processados, nós somos da luta contra o plástico. Há produtos que podem ser bons, que são bio e que podiam ser uma alternativa, mas para nós deixam de o ser porque têm uma embalagem. ”É uma atitude que exige planeamento, admite Ricardo. “Não se pode deixar os produtos irem até ao fim, é preciso planear para ter as coisas em casa. ” Na mercearia, tenta informar-se olhando para as fichas dos produtos. “Vale o que vale, porque se pode pôr isto noutra caixa, mas normalmente percebo de onde vêm. Comecei a notar que nestas pequenas mercearias, muitas vezes de chineses ou paquistaneses, há mais produtos portugueses do que nos grandes supermercados. ”O sazonal é bomOutra preocupação da família Medeiros Rodrigues é a da sazonalidade. “Damos sempre prioridade ao que é da estação. ” E como é que sabem isso? “Não sabemos de cor”, responde Ricardo, com um sorriso. “Não tivemos essa relação com a terra para sabermos, mas a informação está disponível e temos uma tabela na porta do frigorífico. ”“Nos produtos da época é tido em conta o tempo de produção de cada alimento”, sublinha, por seu lado, Cecília Delgado. “Se comermos produtos da época, estamos a reduzir a pegada ecológica e a garantir que comemos alimentos nutricionalmente mais interessantes. ” A investigadora acredita que o debate sobre a alimentação nas cidades está cada vez mais na ordem do dia. Mas, lembra, “há um papel pedagógico do Estado que deve ser feito e as crianças são, no núcleo familiar, o detonador dessa mudança”. Na casa dos Medeiros Rodrigues, Leonor vai com o pai à mercearia e ouve-o fazer perguntas sobre o que está a comprar. Mas será assim com todas as crianças? Cecília Delgado sublinha: “Se eu não souber que não é altura de tomate, vou querer comer tomate. Temos de introduzir a temática do que é sazonal, isso pode ser trabalhado nas cantinas escolares. Mas estarão as nossas crianças preparadas para comer feijão-verde só na época do feijão-verde?”Parecem, de facto, estar a consolidar-se algumas tendências no comportamento dos consumidores portugueses. Dados de 2018 da Kantar Worldpanel mostram que há uma preocupação crescente com a saúde — aumenta, por exemplo, o número (84%, mais 4, 5%) dos que dizem que “os alimentos sem conservantes ou aditivos são mais seguros para as crianças” e também do que dizem comer menos gorduras (77, 5%), menos sal (69, 3%) e fazerem dieta regularmente (21, 8%). Mas, se há um crescimento nos produtos biológicos e nos que são apresentados como saudáveis (sem glúten, sem lactose, granolas, etc. ), há uma quebra na venda de legumes e frutas (que pode estar associada a um aumento do consumo fora de casa). Os dados do Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física indicam também que os portugueses comem menos fruta e legumes do que o recomendado pela Roda dos Alimentos: 11% de hortícolas quando deveriam consumir 23% e 14% de fruta quando deveria ser 20%. Também os cereais e tubérculos e as leguminosas estão abaixo (16% versus 28%, para os primeiros, e 1% versus 4% para as segundas). Quanto à carne, ovos e pescado, estão claramente acima, representando 15% da dieta dos portugueses quando não deveriam ultrapassar os 5%. A Câmara Municipal de Lisboa tem um programa chamado Vamos ao Mercado, através do qual alunos do ensino básico das escolas da capital visitam o Mercado de Alvalade acompanhados por duas nutricionistas, que os levam a conhecer as bancas do peixe, dos legumes, das frutas e, no final, brincam de vendedores e compradores. Marline, uma das nutricionistas, aponta para uma banca com frutas exóticas, chamando a atenção das crianças. “As mangas e as papaias vieram de avião ou de barco. Foi assim que chegaram cá. Agora vamos ver frutos portugueses, está bem? No nosso país temos as estações todas certinhas, não é? Consoante a época em que estamos, vamos ter frutos diferentes. Ainda não estamos na estação dos morangos, por isso é que os senhores ainda não têm muitos. Se vierem cá na Primavera, o mercado vai estar cheio de morangos e cerejas. ”Algumas crianças já chegam aqui com um conhecimento razoável, mas outras não. “Muitos dizem que já comeram peixe e carne, mas quando lhes mostro uma pescada não fazem ideia de que dali vêm os filetes ou as postas”, diz Goretti Lopes, outra das nutricionistas que organizam as visitas. “Quando mostram conhecimento, é bom sinal, significa que têm contacto com os alimentos na cozinha. Não é muito frequente verem o processo de cozinhar, provavelmente porque estão muito ocupados com outras tarefas. ” Mas, acrescenta, “não podemos mudar se não tivermos conhecimento, se eu sei que devo ter determinado comportamento, vou fazer uma escolha”. Antes de deixarmos o mercado, passamos pela banca de legumes e frutas de Maria de Fátima Soares. Os clientes perguntam-lhe de onde são os produtos? “Sim, sim, é quase tudo nacional na minha mercadoria. Até porque tenho clientes que se eu não tiver as coisas nacionais não levam. Se disser que é espanhol, preferem não levar. Não é que seja mau, também há coisinhas boas, mas pronto, enquanto houver o nosso, os meus clientes preferem o nacional. ”Também os chefs de cozinha se mostram cada vez mais atentos a estas questões e tentam sensibilizar os seus clientes para temas como a sazonalidade ou a importância de comer produtos de proximidade. Mas, tal como acontece com o Ricardo e a Catarina, também num restaurante isso exige um esforço suplementar. Tudo, todos os dias, sempreAntónio Galapito, chef do Prado, em Lisboa, explica como faz. “Tudo o que usamos é da estação, a não ser umas cebolas de vez em quando. ” E é complicado gerir isso? “Não é tão fácil, mas é mais divertido, pelo menos. Estás fechado naquele círculo do que queres usar. Queres fazer coisas com tomates, mas não podes, o que é que os teus clientes diriam? E para quê usá-los, se não estão bons? É melhor usar brócolos, couves. ”Muitas vezes não sabe como vai usar o que recebe. Mas é precisamente isso que lhe estimula a criatividade. Nas carnes, por exemplo, tenta comprar animais inteiros. “É mais divertido para a malta aprender coisas. Descobres imensas coisas ao trabalhar assim, e é mais rentável. Por exemplo, hoje vamos ter picanha mas é a única picanha num carregamento de 100 quilos de carne e vamos usá-la esta noite e esta noite apenas. ” Amanhã, haverá outros pratos, feitos com outras peças, menos nobres (mas não menos boas), do mesmo animal. Mesmo assim tem dificuldades quando quer trabalhar com certas raças autóctones ou com produtos diferentes. Um exemplo: “Batatas. Somos provavelmente a nação que pior trata as batatas. Vais ao supermercado e é batata para cozer, assar ou fritar. Nenhuma batata tem nome ali, apesar de as variedades terem um nome. Não faz sentido. ”Porque é que não se limita a encomendar os produtos de que precisa a um grande fornecedor? “Um, pela qualidade, que é imbatível. E depois estás a ajudar as pessoas, a mostrar o trabalho delas através do teu. ”Sazonal, local, biológico. Cada pessoa pode ter uma prioridade diferente. António Galapito coloca o sazonal à frente do local, Ricardo e Catarina preocupam-se com o plástico. “O que muitos estudos indicam é que esta ligação entre as questões do ambiente e as da saúde é a que funciona melhor”, diz Susana Fonseca, da Associação ambientalista Zero. “Quando, em restaurantes da Finlândia, se fez um cálculo sobre a pegada de carbono por refeição, as pessoas escolhiam a que tinha menos carbono por acharem que era também a mais saudável. ”Uma das propostas feitas pela Associação Zero para que os consumidores possam comprar de forma mais informada foi, por exemplo, a de que estivesse disponível informação mais fidedigna sobre a forma como os animais são criados, para saber se foi num regime intensivo ou não intensivo. E o que dizem sobre isto os produtores, os que estão no início desta cadeia que termina no consumidor e nas escolhas que este é, ou não, capaz de fazer? “Há maneiras de se funcionar melhor dentro do que está instituído”, defende Joana Macedo, da Quinta do Poial, um projecto de agricultura biológica em Azeitão, iniciado pela sua mãe, Maria José Macedo. “Acredito que tem de haver mudanças e que o consumidor tem um poder. Acho que falamos do poder de compra de maneira errada. O poder de compra não é o poder que temos para comprar. O comprar é uma escolha. É dar o dinheiro a esta pessoa ou àquela. O problema é que agora queremos tudo, todos os dias e sempre. ”Uma das pessoas mais envolvidas no debate sobre estas questões é Alfredo Cunhal Sendim, da Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo. Fomos encontrá-lo na herdade, num dia em que recebia aqueles a que chama co-produtores — trata-se, na realidade, de clientes, compradores, que, neste caso, têm uma relação diferente com o produtor, no âmbito do programa CSA Partilhar as Colheitas. Andamos pela herdade, a conhecer o novo galinheiro (Alfredo pede às crianças mais pequenas que ajudem a tirar alguns ovos, o que as deixa encantadas), a apanhar bolotas (“somos dos únicos povos do mundo que temos bolotas doces e somos dos únicos que não comemos as bolotas”, lamenta o produtor, que tem feito um grande trabalho em torno da recuperação da bolota para a alimentação). O grupo é composto por algumas pessoas que já conhecem o Freixo do Meio e outras que vêm pela primeira vez. São compradores dos cabazes de produtos biológicos da herdade, mas Alfredo acredita que é preciso ir mais longe. “Com os co-produtores, isto funciona através de um compromisso de parte a parte”, explica. “Os produtores comprometem-se a fazer as coisas de determinada forma e os co-produtores a usar os produtos durante seis meses. Há aqui uma aliança. E o consumidor deixa de estar apenas focado em fazer a melhor escolha na compra, passa a estar também preocupado com a seca no Alentejo. ”Há um almoço, com hambúrgueres feitos de bolota, uma tarde de convívio e troca de ideias. “Aqui as pessoas podem vir perguntar quanto é que eu ganho, porque é que os alimentos são tão caros, porque é que se faz de uma maneira e não se distribui de outra, quem é que cá trabalha”, continua Alfredo. “A palavra mais importante é ‘responsabilização’. ”Reconhece que, apesar de termos cada vez mais consciência dos impactos sociais e ambientais da agricultura, “um consumidor em Lisboa tem muita dificuldade em poder actuar consentaneamente com a sua consciência. Pensa: ‘Eu sei disto tudo, mas o que é que posso fazer?’ O que o Freixo do Meio propõe é um caminho”. “O Agostinho da Silva dizia: nós só comemos como sabemos e como podemos. É fundamental não apenas sabermos, mas criarmos plataformas que permitam às pessoas actuar consentaneamente com o que sabem. ” Alfredo acredita que o consumidor precisa disso, dessas plataformas de participação. “E o agricultor também precisa dessa aliança, de outra forma não sobrevivemos. ”“Comprar é um voto”A ideia aqui é oferecer uma alternativa a um sistema alimentar industrial, de grande escala e sem rosto, permitindo que se conheça a pessoa que cultiva os legumes com que vamos fazer a sopa. Jaime Ferreira, da associação de agricultura biológica Agrobio, explica porque é que considera isso importante: “Um consumidor mais informado vai consumir alimentos mais seguros para ele, mais saudáveis e que respeitem o ambiente. Nós temos um poder enorme, o de decidir aquilo que de facto consumimos. O agricultor também não sabe quem é o destinatário, aqui na cadeia perdeu-se alguma coisa, é a tal agricultura sem rosto. O consumidor consciente destes problemas deve perceber a origem dos produtos. Não é só dizer que vem da Alemanha, é ter um código e nós vamos à Internet e, se quisermos, vamos até à quinta de onde veio o produto. ”A consciência da importância dos pequenos agricultores e da agricultura familiar chegou já à FAO. Diz José Graziano da Silva: “Precisamos de recuperar o domínio da alimentação. Saber o que comemos é um problema de educação alimentar, mas também um esforço por comer de forma saudável, comida saudável — mais frutas, mais verduras, mais produtos frescos. ”Ricardo e Catarina Medeiros Rodrigues estão empenhados nesse esforço: “Se uma empresa me informa que está a mudar as suas práticas, eu também posso mudar os meus hábitos de consumo e voltar a deixar lá o meu dinheiro. É muito questionável comprarmos uma lasanha que custa um euro e meio. Para custar isso, quanto é que a empresa pagou aos trabalhadores? Não sei se tenho coragem de dar uma lasanha que custou um euro e meio aos meus filhos. Temos de questionar muito os nossos alimentos. ”E concluem: “Comprar é um voto. Quando compramos um produto a uma empresa, estamos a concordar com as políticas dela, ambientais, sociais, estamos a dizer que queremos mais disto, que queremos que essa empresa continue a fazer o que está a fazer. ” Do outro lado da cadeia, em Montemor, Alfredo Sendim acredita no mesmo. Será este um caminho?A percepção de que há mais produtos importados do que nacionais nas prateleiras dos super e híper mercados não coincide com o retrato que faz a grande distribuição. Ondina Afonso, presidente do Clube de Produtores do Continente, afirma que, “dependendo da categoria, podemos ter até 100% de produtos nacionais nas lojas”, sublinhando que “cerca de 80% dos fornecedores são portugueses” (em 2017, as compras a membros do Clube dos Produtores foram de 140 milhões de toneladas, segundo números fornecidos pela marca). Ondina Afonso explica que “a preferência recai sempre nos produtos nacionais e até locais” e que “a dimensão do produtor não é problema” porque “as pequenas quantidades são sinónimo de edições limitadas”. O Grupo Jerónimo Martins (Pingo Doce) diz que em 2017 “manteve-se a aquisição de, no mínimo, 80% de produtos a fornecedores locais, que, na sua maioria, são produtores”. E adianta ainda que “cerca de 96% da fruta e vegetais foram comprados a fornecedores locais”, valor que “subiu para 99% no caso dos legumes frescos”. Pode acontecer que o país não produza certos produtos em quantidade suficiente ou que os clientes os procurem fora de época, o que exige que sejam importados. “O consumidor hoje quer ter o máximo de variedade disponível em qualquer altura do ano”, explica o grupo através do seu gabinete de comunicação. Já o Intermarché chama a atenção para o seu Programa Origens, com o qual “promove o desenvolvimento do património agrícola e gastronómico português” e que passa por “parcerias directas com vários produtores locais”, sendo depois os produtos identificados com o respectivo selo. Além disso, criou um prémio para a produção nacional e tem tomado algumas medidas relativamente a produtos específicos. “Ciente das dificuldades por que passa a fileira do leite no nosso país […] todo o leite de marca própria vendido nas embalagens tetra é 100% português […] e o Intermarché mudou a receita de todos os iogurtes líquidos Páturages para que estes incorporem única e exclusivamente leite nacional. ”Por seu lado, a associação ambientalista Zero fez, através dos seus associados, um inquérito que resultou numa amostra — “não representativa” dado o seu pequeno universo, sublinha Susana Fonseca, da Zero — que aponta para que no caso das frutas a produção nacional represente nos super e híper mercados cerca de 50% e no caso dos legumes 65%. “Precisávamos destes dados para argumentar que poderíamos ter em Portugal políticas mais activas de produção de certos legumes que são de uso comum”, diz Susana Fonseca. A ambientalista reconhece, contudo, que está a haver uma evolução. “Há uns anos não víamos as grandes cadeias de supermercados a usar tanto o argumento do produto nacional como hoje se vê. Acreditamos que muitas grandes cadeias já perceberam que este é um argumento de venda. ”
REFERÊNCIAS:
O limão verde que gera a pantera
Uma vasta, densa e rica colectânea de textos de variada índole, forma e escopo. O clássico dos clássicos do taoismo. (...)

O limão verde que gera a pantera
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma vasta, densa e rica colectânea de textos de variada índole, forma e escopo. O clássico dos clássicos do taoismo.
TEXTO: Quando foi publicada, em 1889, a primeira edição inglesa de ‘Chuang Tse’ (traduzida pelo histórico sinólogo Herbert Giles), Oscar Wilde dedicou-lhe uma entusiástica recensão, publicada no ano seguinte no periódico The Speaker. No seu característico estilo paradoxal (que faz dele, aliás, um epígono longínquo daquele Huí Tse que integra o elenco de personagens históricas presentes no grande clássico taoista), afirmava o irlandês que Chuang Tse continha em si todas as variantes do pensamento metafísico ou místico europeu, “desde Heráclito até Hegel”. E terminava dizendo, com proverbial ironia, que Mestre Chuang era um autor “perigoso” e que “a publicação do seu livro em inglês, dois mil anos após a sua morte, [era] obviamente prematura”. Um século depois, vislumbra-se idêntica percepção da ‘perigosa’ actualidade de Chuang Tse no livro que Octavio Paz lhe dedicou e no qual o mexicano afirma que o taoismo filosófico actua como um “dissolvente” das nossas cobardes certezas e que há nele uma “persistente tonalidade anarquista”. Tradução e comentários: António Miguel de Campos Relógio D’ÁguaNo texto introdutório desta edição, escreve o tradutor que “o mais longo dos clássicos do taoismo” (cerca de 100 mil caracteres, que comparam com os 5 mil do ‘Tao Te King’), embora sendo uma obra “praticamente desconhecida no Ocidente, fora dos meios sinológicos” (Wilde, afinal, tinha razão), será “superior, em quase todos os aspectos, ao muito mais conhecido” livro de Lao Tse. António Miguel de Campos chega mesmo a dizer que, “em muitos aspectos, a lucidez e a atitude filosófica de Chuang Tse têm mais pontos em comum com o pensamento de Nietzsche do que com a sabedoria exposta no ‘Tao Te King’”. Não podemos deixar de concordar. E acrescentaríamos que as vozes de Chuang Tse e de Nietzsche são também entre si comunicantes nos prodígios metafóricos e imagéticos. É claro que Chuang Tse, que viveu na segunda metade do século IV a. C. , ecoa o lendário Lao Tse, que o teria precedido dois séculos (tal como ecoa, aliás, criticamente ou parodicamente, Confúcio e muitos outros pensadores e filósofos) mas, enquanto o ‘Tao Te King’ é uma colecção breve de aforismos poéticos e enigmáticos, o ‘Chuang Tse’ é uma vasta, densa e rica colectânea de textos de variada índole, forma e escopo. Um arquipélago compósito, heteróclito e heterodoxo, de narrativas, raramente longas, e ora surreais e aforísticas, ora realistas e bem-humoradas, alegorias e parábolas, jogos de palavras, fábulas e contos maravilhosos (Borges dizia que a literatura chinesa desconhecia o género “fantástico” porque toda ela era de algum modo fantástica), quase sempre sob a forma de diálogos interpretados, maioritariamente, por personagens históricas (Confúcio, Huí Tse, etc. ) mas também por personificações (há, por exemplo, um diálogo entre “Encandeamento de Luz” e “Não-Existente” e outro entre a “Penumbra” e a “Sombra”). A presente edição da Relógio D’Água não inclui a totalidade dos 33 capítulos fixados na transição do século III para o século IV da era cristã pelo erudito Kuo Hsiang, que dividiu a obra em três partes: “Capítulos Interiores” (aqueles cuja autoria era menos problemática), “Capítulos Exteriores” (atribuíveis a discípulos e comentadores de Mestre Chuang) e “Capítulos Diversos” (de feitura posterior e atribuição duvidosa). Mas o texto traduzido “corresponde a mais de 40% do ‘Chuang Tse’”, incluindo a totalidade dos sete “Capítulos Interiores” (não faltando, portanto, o famoso e borgesiano sonho com a borboleta) e “cerca de 30%” dos textos dos Capítulos Exteriores” (que são 15) e “mais de 20%” dos textos dos “Diversos” (11). Tal como fizera já na sua tradução do ‘Tao Te King’, António Miguel de Campos optou também por reorganizar o livro, intercalando nos “Capítulos Interiores” textos provenientes das outras secções (“Exteriores” e “Diversos”) mas com “tema idêntico ou afim e pontos de vista essencialmente coerentes com os daqueles”, remetendo para a segunda parte do livro seis textos (dos capítulos “Exteriores” e dos “Diversos”) “que transparecem pontos de vista um tanto divergentes, influenciados por outras fontes”. No lote destes, conta-se a magnífica história de proveito e exemplo “O Ladrão Tche” – na qual Confúcio escapa por pouco à boca de um tigre que, nem por ser metafórico, é menos perigoso –, e o antológico conto intitulado “O Velho Pescador”, no qual se fala de um homem “que tinha medo da sua sombra, Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. e não gostava das suas pegadas, / e fugia delas a correr. / […] / Não tinha entendido que, se ficasse à sombra, a sua sombra desapareceria, / nem que, se ficasse parado, as suas pegadas cessariam. / A sua ignorância era igualmente extraordinária!” Uma outra forma de dizer que “O homem perfeito não tem eu” e que “O homem sábio não tem nome”. Ou que (dito de outra maneira, ainda) “A mente de um homem perfeito é como um espelho”. Cada capítulo é ainda entremeado por minuciosos e (por vezes muito) extensos comentários do tradutor. É claro que o leitor poderá abordar este livro de calmo desassossego como lhe aprouver: lendo-o de fio a pavio (ou inversamente), saltando capítulos e comentários, etc. Todos os caminhos vão dar ao Caminho. Chuang Tse viveu tempos sombrios, os dos Reinos Combatentes que ao longo de dois séculos e meio disputaram o poder na China, e durante os quais floresceram “Cem escolas” de pensamento que procuravam uma saída, o Caminho (o Tao). E a sua obra é tanto uma rejeição radical dos costumes morais, intelectuais e políticos, quanto uma crítica não menos radical da linguagem e de outras ilusões da mundanidade. Do “miradouro espiritual” do ‘Chuang Tse’, avista-se o “monte da Vastidão Ausente” e “o limão verde que gera a pantera”, e percebe-se que “os livros não vão mais longe do que a linguagem. A linguagem tem valor, mas o que tem valor na linguagem são as ideias, / e as ideias têm algo que vem depois. / E isso que vem depois das ideias não pode ser transmitido por palavras”.
REFERÊNCIAS:
Bali e ilhas Gili, um guia para o Paraíso
A rota para o Paraíso pode ser árdua – de Portugal a Bali é, no mínimo, uma viagem de um dia de avião, com uma ou duas escalas. Mas a recompensa espera-nos no final. Com a ajuda de um habitante local, eis aqui um roteiro para poder melhor apreciar o que a grande ilha da Indonésia tem para oferecer. (...)

Bali e ilhas Gili, um guia para o Paraíso
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: A rota para o Paraíso pode ser árdua – de Portugal a Bali é, no mínimo, uma viagem de um dia de avião, com uma ou duas escalas. Mas a recompensa espera-nos no final. Com a ajuda de um habitante local, eis aqui um roteiro para poder melhor apreciar o que a grande ilha da Indonésia tem para oferecer.
TEXTO: Há sítios que são únicos no mundo (como, por exemplo, os Açores) e Bali é um deles, juntando praias, belezas naturais, monumentos e santuários. O que distingue Bali do resto da Indonésia é a religião predominante ser a hindu, muito tolerante face a outras confissões religiosas. Por isso, em Bali, é frequente ver lado a lado igrejas católicas, mesquitas e templos hindus. Essa convivência reflecte-se no dia-a-dia e as diversas crenças não são obstáculo às relações pessoais, não só de amizade, mas até de casamentos. Ponto prévio: face à distância entre Bali e Portugal e ao facto de ser necessário reservar dois dias para viagens (ida e volta), tudo o que seja menos de 12 dias não é aconselhável. No nosso caso, estivemos em Bali 12 dias, mais quatro nas ilhas Gili (de que falaremos adiante). Já tínhamos estado na ilha e, como é frequente, quem a visita pela primeira vez fica com vontade de repetir – não só pelas belezas que encerra, mas pelas gentes, que são extremamente simpáticas e acolhedoras. Voltámos a ficar mesmo à entrada (mas fora) de um luxuoso resort em Nusa Dua, na residencial La Orein, onde tínhamos criado estreitas relações com um dos funcionários, Fransiskus (Frangky) Xavierus Way, natural de Kupang, Timor, que é segurança nessa pensão. Quando lhe dissemos que íamos voltar, Frangky trabalhou sem folgas durante um mês e tirou férias para nos poder acompanhar e nos conduzir no seu monovolume a sítios que desconhecíamos. Porém, não é preciso conhecer alguém para nos sentirmos bem recebidos, como é exemplo o episódio que a seguir descrevemos. É usual o corte de estradas para a passagem de cortejos de casamento ou de enterros. Numa das vezes, a caminho da praia, o trânsito estava interrompido por uma cerimónia hindu de cremação. Saímos do carro para ver o desfile (com andores, músicos, etc. ) e logo fomos instados a incorporarmo-nos nele. No local da cremação, fomos apresentados aos familiares do defunto, tirámos fotografias com eles e fomos convidados a assistir à cremação e participar no banquete a seguir à cerimónia. La Orein, em Nusa Dua, é uma residencial modesta, mas limpa, com ar condicionado, casa de banho privativa, camas confortáveis e preços baixíssimos (13€ por quarto normal e 16€ por uma suíte). Os funcionários são, na sua maioria, jovens, mas o que lhes pode faltar em profissionalismo é largamente compensado pela simpatia e disponibilidade. Um exemplo: Jheeyn, uma das recepcionistas, tinha saído de serviço às dez da noite mas esperou até depois da meia-noite só para nos receber e dar-nos as boas-vindas. Esta é, porém, uma das muitas propostas. O alojamento é barato e é possível encontrar um hotel com todas as comodidades por cerca de 50€/dia. Como apreciamos sossego e tranquilidade, ficámos em Nusa Dua. Porém, o sítio mais famoso de Bali é Kuta, recheada de lojas, restaurantes, hotéis e casas de diversão nocturna – o local certo para quem goste de férias agitadas. Já as praias de Kuta e Legian (na prática, uma única) são as piores de Bali – sujas no areal e na água, cheias de gente. Nusa Dua, no outro lado da península, no Sul de Bali (o aeroporto fica ao meio, Kuta está pegada ao aeroporto na costa ocidental e Nusa Dua fica a 14km do aeroporto na costa oriental), é o oposto de Kuta. O sossego impera, em especial num excelente resort onde os hotéis estão escondidos pela vegetação luxuriante. Belas praias, Nusa Dua e Geger, limpas e com água transparente. As duas praias de Nusa Dua são Geger, a maior, gerida pela comunidade local (espreguiçadeiras, toldos, restaurantes e umas muito recomendáveis massagens); e Nusa Dua, que serve o resort, com uma fila de três lojas/restaurantes à entrada da praia. Recomenda-se o último, mais junto à praia, com comida local a preços acessíveis. Um bando de esquilos que vêm comer à mão são atracção suplementar. A praia de Nusa Dua está dividida em duas partes, sendo uma delas uma baía com dois templos em cada extremidade, que merecem uma visita, bem como o Water Blow (Esguicho de Água), junto do templo mais distante. A sul de Kuta, na costa ocidental, Djimbaran (jantar na praia ao pôr do sol), Pandawa, Dreamland, Padang Padang, Blue Point (Uluwatu) e Pandawa (na extremidade sul de Bali) juntam águas límpidas a paisagens deslumbrantes. Umas são boas para nadar, como Pandawa, e outras para surfar, como Dreamland e Blue Point. Não chegámos a visitar o Norte da ilha, mas dizem-nos que Amed é também uma praia muito bonita. Sanur, na costa oriental, é local de residência de muito estrangeiros, mas a praia não é muito limpa. A gastronomia indonésia é muito similar à de outros países da região, como Tailândia ou Malásia. Porém, ao contrário dos tailandeses, que usam pauzinhos, os indonésios utilizam faca e garfo, o que se torna mais fácil para ocidentais. Os pratos mais comuns são nasi goreng (arroz frito com vegetais e ovo) ou mie goreng (massa de arroz frita com os mesmos acompanhamentos), que podem ser complementados com ayam (galinha desfiada). A versão líquida do mie goreng, uma sopa com os mesmos ingredientes da variante seca, é deliciosa. Outros pratos comuns são lumpia (rolos chineses) e satay (espetadas de carne de vaca ou galinha com molho de amendoim). Os indonésios usam pouco sal, mesmo no peixe ou nos mariscos – o gosto é fornecido pelos vegetais e pelo picante (mas em geral há sempre o cuidado de saber se o cliente quer ou não picante na comida). É normal servirem a carne de vaca muito bem passada (por vezes até de mais), pelo que se deve pedir para que tal não suceda. A fruta é barata e abundante. Destaque para as bananitas, o ananás baby, o rambutão, o mangustão, o salak/snake fruit (come-se a polpa branca destes três frutos), a pitaia (abre-se ao meio e come-se o interior com uma colher) e o durian (muito apreciado, mas com um sabor peculiar). E, claro, o coco, servido com palhinha para beber a água e colher para comer a polpa – servido fresco, não só mata a sede como é um preventivo de desarranjos intestinais, pelo que é aconselhável beber um de manhã. Também se recomenda beber só água engarrafada. Há três marcas de cerveja, mas a mais comum e melhor é a Bintang (garrafas de 0, 33l ou 0, 66l). O vinho e os outros álcoois são caros. Os sumos de fruta são baratos. O café expresso é no geral bom, mas nem sempre está disponível. O mais normal é o café de Bali (tipo turco com borras), feito em cafeteira ou na chávena, de paladar agradável, mas se lhe adicionar açúcar e o mexer, deve esperar que as borras voltem a assentar no fundo. Tanto em Bali como em Gili, pode-se comer bem por menos de cinco euros por cabeça. Em Kuta, há centenas de restaurantes para todos os preços e gostos. Em Nusa Dua, a oferta é mais reduzida mas ainda abundante. Pegado a La Orein, há um pequeno e baratíssimo warung (restaurante), Sosialita, que só serve jantares. Outro restaurante de comida local é o Warung Bule & Susy. Mais requintada e menos barata é a Tavern de Bali, com ambiente acolhedor e boa cozinha local e internacional. Nusa Dua Pizza é uma surpresa: uma excelente pizaria (ao nível das melhores napolitanas) e as pizzas (suficientes para duas pessoas) custam cerca de 5 euros. Em Gili Air, recomenda-se o Warung Sunny. Muito barato (4/5 euros por pessoa), tem uma extensa lista de pratos tradicionais das várias regiões da Indonésia. O dono faz questão de perguntar as preferências dos clientes (mais ou menos picante, etc. ) e com base nessa avaliação recomenda uma série de pratos. O Frangky, como bom indonésio, pediu nasi goreng, mas foi dissuadido: “Isso está na lista como street food, isto é, que se pode comer em qualquer outro lugar; em vez disso vai experimentar outro prato”, disse o proprietário. E, na verdade, o Frangky ganhou com a troca. Cada um de nós experimentou pratos diferentes e até o mais novo, que tem intolerância a ovos, comeu muito bem. Escusado será dizer que o Frangky, a partir daí, foi alvo de brincadeiras – cada vez que íamos comer, dizíamos: “Já sabemos, para ti é nasi goreng…” O único inconveniente do Warung Sunny é não servir bebidas alcoólicas. Outras recomendações em Gili Air são o Classico Italiano, excelentes pizzas, o Turtle Beach e o Ruby´s Café. O Coffee & Thyme Gili Air, no porto, serve um óptimo café expresso. Em Bali, é obrigatório um roteiro que inclua uma visita a Thopati, às fábricas de batik (tecidos artesanais tradicionais) e de prata, seguindo para Ubud, com os seus templos e a Floresta Sagrada dos Macacos. A viagem prossegue pelos arrozais plantados em degraus (como as vinhas no Douro) e pelas produtoras de café Luwak. Este café, muito caro, é produzido da seguinte forma: a civeta (luwak em indonésio), um mamífero, come o fruto do café e expele os grãos nas fezes. Estes são lavados e torrados para produzir um café especial – um “café de merda”, com um sabor delicado e único que vale a pena degustar. A rota termina nas alturas em Kintamani, no restaurante Sari, com buffet e uma vista esplendorosa para o vulcão Batur. Outra sugestão é um circuito que inclua os templos de Tamam Ayun, em Mengwi, os templos junto ao lago Berantan, com vista para a montanha, e depois rumar à costa, para o templo de Tanah Lot, junto ao mar, onde poderá tocar em cobras sagradas, formular três desejos e receber a bênção de sacerdotes hindus. Imperdível é ainda o espectáculo de Kecak e Dança do Fogo, ao pôr do sol, em Uluwatu, dança ritual que conta uma lenda hindu. Recomenda-se a chegada com antecedência para comprar os ingressos, porque a lotação do anfiteatro está limitada a 400 lugares. Depois de assegurada a entrada, pode aproveitar o tempo que antecede o início do espectáculo para visitar o templo adjacente e percorrer um longo trilho que termina num promontório com vistas de cortar a respiração. Já menos recomendável é a visita à Turtle Island, um local de criação e preservação das tartarugas, em Benoa. A deslocação custa 400. 000 rupias (25€) para duas pessoas, e o que há para ver é uma praia sujíssima e alguns tanques onde conservam tartarugas nos diferentes estágios de crescimento – a visão das tartarugas a nadar livremente nas ilhas Gili é muito mais gratificante. Esculturas em madeira, panos batik e pratas. Os melhores batik (mas também os mais caros) são os da tecelagem artesanal em Thopati. O mesmo se aplica à ourivesaria em prata na fábrica da localidade. Porém, é possível comprar tudo isso em inúmeras lojas de rua. O Frangky, porém, recomendou-nos que fizéssemos as compras no Krisna, em Kuta, uma grande loja onde se pode adquirir tudo (batiks, prata, esculturas em madeira) mais barato (muitas lojas de rua abastecem-se ali). Ir a Bali e não visitar as ilhas Gili é como ir a Roma e não visitar o Vaticano. A viagem por barco rápido demora cerca de três horas e custa entre 50€-60€ ida e volta, incluindo transporte de recolha e retorno ao hotel em Bali. Devido ao tempo de viagem, recomenda-se um mínimo de três dias de estada. O arquipélago Gili é composto por três ilhas, Trawagan, Meno e Air. Trawagan é a mais movimentada, com vida nocturna, Meno a menos, de Gili Air vê-se a costa da grande ilha de Lombok (a travessia de barco leva 10 minutos). Há ligações directas para Trawagan e Air; para Meno é preciso apanhar um barco nas duas outras ilhas. Ficámos em Gili Air, na muito recomendável Melbao Homestay, uma pequena pensão de lotação limitada, cuja diária em quarto duplo é 250. 000 rupias indonésias (14, 50€) pagas em numerário, incluindo um excelente pequeno-almoço. Tem boa cama, ar condicionado, casa de banho privativa (o chuveiro é ao ar livre, a sanita e o lavatório estão sob um telheiro), um alpendre com mesa, duas cadeiras (onde é servido o pequeno-almoço) e uma cama de rede. Há outra oferta hoteleira, mais luxuosa, mas sempre com preços muito acessíveis. As ilhas Gili são pequenas, perto umas das outras e lá não há automóveis: as deslocações são a pé, de bicicleta ou em carrinhas puxadas por pequenos cavalos. Porém, há inúmeras caixas de multibanco e restaurantes – ilhas primitivas mas com todos os confortos civilizacionais. Por 100. 000 rupias (6€) é possível fazer um passeio de cinco horas pelas três ilhas com snorkeling (óculos e barbatanas incluídos no preço), para ver peixes, corais e tartarugas. O almoço, em Gili Meno, não está incluído. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A atracção principal das Gili (e quase única) é o mar, a praia e os corais, mas a viagem vale a pena. Em Gili Air, a melhor praia é Turtle Beach (Praia das Tartarugas), onde a 20 metros da costa existe um jardim subaquático de águas transparentes, em que, como o nome indica, é possível ver, além de corais e peixes, tartarugas. Os melhores meses são Abril, Maio e Setembro. Em Julho e Agosto, Bali é invadida por turistas australianos, de Novembro a início de Março é a época das chuvas. A temperatura não varia durante todo o ano: 30º C de dia, 26º-28º à noite. A moeda local é a rupia indonésia. Ao câmbio actual, 1€ equivale a mais de 15. 000 rupias. Há inúmeras caixas de multibanco, mas trocando euros nos cambistas locais obtém-se uma taxa mais favorável.
REFERÊNCIAS:
Provar Pequim, do pato assado ao banquete dos imperadores
Dourado e brilhante, o pato é servido no Dadong como ícone de uma gastronomia com cinco séculos de tradição. Uma longa história que pode ser apreciada no Museu da Gastronomia Imperial. (...)

Provar Pequim, do pato assado ao banquete dos imperadores
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dourado e brilhante, o pato é servido no Dadong como ícone de uma gastronomia com cinco séculos de tradição. Uma longa história que pode ser apreciada no Museu da Gastronomia Imperial.
TEXTO: Mais que ir a Roma e não ver o Papa, impensável mesmo é passar pela capital chinesa e não provar o célebre pato assado, uma receita de que há relatos pelo menos desde o século XIII e sempre associada aos banquetes das cortes imperiais chinesas. Pequim e pato são, portanto, indissociáveis, se bem que só a partir do século XV o assado tenha passado a estar ligado à cidade, depois de a Dinastia Ming para aí ter deslocalizado a capital antes instalada em Nanquim. Demoraria, no entanto, ainda mais de dois séculos até que o prato saltasse os muros dos aposentos imperiais para se tornar verdadeiramente icónico e popular. Os historiadores contam que foi já em 1864 que abriu na capital o primeiro restaurante dedicado ao pato assado, iniciativa de um comerciante de patos e galinhas que para o efeito desafiou um antigo cozinheiro do palácio real. É, pois, a partir daí que verdadeiramente a receita passa a ser conhecida como o pato à Pequim e rezam as crónicas que se contam hoje por vários milhares o número de aves que diariamente são consumidas na capital chinesa. Muitos são também os restaurantes a puxar de credenciais para exibir a melhor ou a mais genuína receita, mas parece consensual que o mais reconhecido e prestigiado é o Dadong, hoje instalado num moderno edifício espelhado do centro da capital e rodeado de lojas das mais luxuosas marcas internacionais. É preciso subir depois até ao quinto andar, onde o ambiente espalhado e o amplo espaço decorado a branco logo se insinuam no contexto de novo luxo. A par de fotos e dedicatórias de ilustres como o realizador Steven Spielberg ou múltiplos dignitários internacionais, a extensa carta (um livro de capa dura com dezenas de páginas de requintados e criativos menus a partir da cozinha tradicional chinesa) e uma lista de vinhos (também em livro) com boa parte dos ícones mundiais do sector, não deixam espaço para dúvidas. Dadong Restaurante (Beijind Dadong Kaoyadian) Jinbao Place, 5º Jinbao Jie, 88 (Dongcheng Central) Pequim Site Tel. : +86 010 8522 1111Yuxiandu Royal Gastronomy Museum North Rd – 117, West Sihuan Street Haidian District Pequim Tel. : +86 186 1037 0980/ +86 010 8849 5185/81 SiteAlguns vinhos à parte — sobretudo champanhes — diga-se desde já que quanto ao pato, e olhando aos preços europeus, a coisa estará até bem acessível: os 198 renminbi pedidos para cada exemplar não ultrapassam os 30 euros, e a dose é suficiente para servir três a quatro comensais. Com cerveja — que até liga com a pele crocante — a conta acaba mesmo contida, mas há também na lista alguns brancos de qualidade interessante a preços absolutamente normais. E se pela carne macia e suculenta e pele crocante o pato cativa o palato, o ritual de serviço representa ainda um atractivo extra. Dourado e brilhante, chega inteiro e é dissecado em frente à mesa com tal mestria que as finas fatias de carne quase recompõem a ave na travessa, que é colocada no centro giratório da mesa. Manda a tradição que, depois de depenados e limpos, os patos gordos são insuflados de forma a fazer separar a pele da gordura. Depois de escaldados, há que os pendurar e uma vez escorridos são “encerados” com xarope de maltose que lhe vai dar a cor dourada depois da assadura no forno em espeto rolante, ao estilo do leitão da Bairrada. É servido com panquecas, molho adocicado de feijão, palitos de pepino e de caule de cebola, alho picado e sal a gosto, que se enrolam com as fatias de carne e comem à mão, tal como a pele crocante. Com os ossos e gordura restantes é feito um consomé que é servido no final do repasto. E mesmo que do ponto de vista gastronómico não se revele absolutamente excitante, é claramente uma experiência imperdível sem a qual ficará sempre incompleta qualquer passagem pela capital chinesa. Visita que neste caso teve lugar no âmbito do Concurso Mundial de Bruxelas, evento que avalia vinhos de todo o Mundo e foi na edição deste ano acolhido em Pequim. E foi neste contexto que a cidade proporcionou aos participantes uma experiência gastronómica, esta sim, única e excepcional. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Foi no Xiandu Royal Gastronomy Museum, um espaço museológico dedicado à gastronomia imperial que pretende mostrar as origens de uma tradição culinária com mais de cinco séculos e a sua evolução ao longo das várias dinastias. A culminar a visita, um jantar ao estilo imperial, não só com pratos a remeter para sabores e receitas da época, mas também envolvidas numa extraordinária e deslumbrante encenação, a recrear o ambiente dos banquetes que eram servidos à família imperial. Memorável e emocionante, incluindo a vertente gastronómica, com um menu que, depois de alguns acepipes ao estilo da dinastia Qing, incluiu um soberbo caldo de cogumelos, estufado de tartaruga e assado de borrego, cujas texturas, sabores e envolvência andaram perfeitamente a par com a exuberância cénica. Esta sim, uma sensação única, intensa e exaltante. E até com aquela ponta de emoção que é o corolário das experiências gastronómicas verdadeiramente marcantes.
REFERÊNCIAS:
Novos Cartazes do PS: Uma chinelada de confiança
Pessoas verdadeiras usadas como rosto de histórias não autorizadas e sem dizer a verdade. O PS de António Costa (é o que dá um líder meter seis dias de férias)* anda às voltas com a confiança. (...)

Novos Cartazes do PS: Uma chinelada de confiança
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pessoas verdadeiras usadas como rosto de histórias não autorizadas e sem dizer a verdade. O PS de António Costa (é o que dá um líder meter seis dias de férias)* anda às voltas com a confiança.
TEXTO: Depois do grupo de lesados do BES, esteve à vista a criação do Grupo de Lesados dos Cartazes do PS. Um conjunto de cabeças de cartaz anónimas que, contra sua vontade, espalharam mentiras e números errados pelas ruas. Funcionários da Junta de Freguesia de Arroios que foram promovidos a “desempregados” por culpa do Governo, em cartazes gigantes. Na sua fúria (e a fazerem beicinho de desempregados desde 2012 como nos cartazes), o grupo de enganados quase invadiu a sede do PS no largo do Rato, exigindo indemnizações e a reposição do seu “capital de confiança”. Mas eram muito poucos e António Costa pediu desculpas imensas e demitiu os estrategas da campanha, quase contribuindo para aumentar a taxa de desemprego. Por sorte, os autores destes cartazes eram uns simples curiosos ligados ao PS que nada recebiam em troca das ideias tolas. Mas deram um forte contributo à ciência política em Portugal, ao mostrarem em campanha a dialéctica actual do PS: muito amadorismo e pouco dinheiro. Antes disso, o PS tivera cartazes criados na escola de marketing das igrejas evangélicas (uma senhora a mostrar um nascer-do-sol, rasgando um cenário de tempestade dentro do próprio cartaz). Depois disso, a coligação PSD-CDS também admitiu a verdade sobre os seus cartazes. Todos os caramelos risonhos que lá se estampam são cidadãos estrangeiros que venderam a fronha a bancos internacionais de imagens publicitárias. Podem ser da coligação Portugal à Frente cá, e duma botija de laxante na Austrália. Por exemplo, o senhor que na foto anuncia mais investimento económico e mais emprego em Portugal é o mesmo que vende ao mundo hispânico as virtudes das próteses dentárias Corega. Com isto se prova que a situação do emprego em Portugal continua a ser bastante postiça. Perdeu os dentes, algures. E, para aborrecimento de Passos Coelho, mesmo atacando a credibilidade da economia, a banca de imagens já é privada. Não a pode vender por três cêntimos aos chineses como tudo o resto nesta vida. Depois de uma semana intensa de pirosices e de fracassos na mensagem, António Costa deu uma entrevista à Visão**. Pediu novas desculpas pela “sucessão de equívocos” de “um caso lamentável”. E reforçou a estratégia de um PS centrado no líder, no slogan “tempo de confiança” e no “contacto directo”. Mas não só, não só. Depois disso, no Rato, em reunião sigilosa de emergência com o novo responsável da campanha, Duarte Cordeiro, admitiram-se outras abordagens. Será verdade o que vamos ler? Até parece que a verdade tem alguma coisa a ver com este assunto. — Dr. António Costa, boa entrevista. — Tentaram apanhar-me com os cartazes e com o Sócrates. — Dizer que ao PSD, com o caso Sócrates, “foge-lhe sempre o pezinho para a chinela” foi inteligente. Mas a melhor foi aquela: “O que eu mais ouço na rua é ‘corra com eles’”! Parabéns. — Obrigado. Bom, e esse famoso contacto directo, como é?— A entrevista foi providencial. Podemos avançar para além da mensagem de “confiança”, abalada com os cartazes dos falsos desempregados. — E então?— Bem, vamos colar os seus dois conceitos do “corra com eles” com o “pezinho para a chinela”. Na verdade, fazem sentido juntos. — Mas não queria uma campanha sóbria?— Imagine um cartaz com a sua cara confiante e a legenda: “Vamos Correr Com Eles”. — Hum. . . não é muito forte?— É contacto directo. É a linguagem que cala fundo nos portugueses depois de anos de crise e de promessas falsas. Daqui, podemos partir para uma série de mensagens cada vez mais directas. “Vamos Dar-lhes Uma Ensaboadela”. — Não sei, hesito. — E que tal “Ó Passos, Põe-te a Pau Comigo”. Ou “Portas, Vai Dar Uma Volta ao Bilhar Grande”. — Que tal centrarmo-nos antes na austeridade europeia? “Eurogrupo, Vai Mas é Dar Banho ao Cão”. — Ah, vejo que o dr. Costa apanhou o espírito! “Schäuble, levavas era um Par de Patins. ”— Ui! — É giro fazer cartazes, não é? O António Costa podia fazer um manguito: “Queres Mais Austeridade? Toma!” — E ideias para o Cavaco Silva? Está colado ao Governo. — “Aníbal, Eu Já te Topei”. — Isso é verdade, mas. . . — “Olé, Olé, e Quem Não Salta é Cavaquista”. Não, não é suficientemente sóbrio. Por falar nisso, é verdade. . . Chegou ao gabinete de campanha uma carta do eng. José Sócrates, de Évora. — Já o visitei uma vez, uma vez. — Posso ler? “Caros senhores. É altura de corrigirem a ofensa do figurante que supostamente perdeu o emprego há cinco anos, no meu tempo. Que tal um cartaz com a minha foto de preso político e a legenda: “E Só Eu é que Estou no Xilindró?” — (Silêncio)— Enfim, é linguagem próxima do povo. É contacto directo, dr. Costa. — Já o visitei uma vez, uma vez. Chega de contacto directo. Essa chinela eu não calço.
REFERÊNCIAS:
Valemos mais como consumidores do que como cidadãos?
O poder crescente dos monopólios é “a maior ameaça às democracias”. As alterações climáticas são “o maior acontecimento da história da humanidade”. E, no entanto, agimos como se esta ainda não fosse a nossa realidade. Economistas e ambientalistas reunidos no encontro da Slow Food deixaram um aviso: o futuro já é aqui. (...)

Valemos mais como consumidores do que como cidadãos?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: O poder crescente dos monopólios é “a maior ameaça às democracias”. As alterações climáticas são “o maior acontecimento da história da humanidade”. E, no entanto, agimos como se esta ainda não fosse a nossa realidade. Economistas e ambientalistas reunidos no encontro da Slow Food deixaram um aviso: o futuro já é aqui.
TEXTO: Sabem aquele momento no início de uma intervenção numa conferência em que o orador lança algumas generalidades, preparando o terreno para o que vai dizer mais à frente? Esqueçam. Barry Lynn não tem tempo para isso. A situação é, acredita ele, demasiado grave. “Hoje, nos Estados Unidos e pelo mundo, enfrentamos a maior ameaça às nossas democracias desde o fim da II Guerra na Europa e desde o fim da Guerra Civil nos EUA”. E isto, sublinha, é apenas “para começar [esta intervenção] com a nota certa”. Estamos no Terra Madre – Salone del Gusto, o encontro do movimento Slow Food que se realiza de dois em dois anos em Turim (e que este ano aconteceu entre 20 e 24 de Setembro), e Barry Lynn, antigo jornalista e fundador do Open Markets Institute, é, juntamente com o economista também norte-americano John Ikerd, orador na conferência intitulada Apenas Lucro ou Sustentabilidade? Comparando Modelos para a Economia de Amanhã. E de onde vem a ameaça de que fala Lynn? “Vem da concentração de poder económico e do controlo”, algo sobre o qual “não falamos nas nossas sociedades”. O problema, segundo o analista, é que “foi-nos dito por pessoas como o Presidente Clinton, o Presidente Obama, [o antigo primeiro-ministro britânico] Tony Blair, que tudo estava bem, que íamos viver numa utopia e que o mundo ia ser pacífico e próspero para todo o sempre”. Mas, prossegue Lynn, “enquanto nos diziam isto, estavam a destruir todas as leis que tínhamos criado nas nossas sociedades e que nos EUA datam de 1776 [Guerra da Independência], da revolução feita precisamente contra os monopólios”. E aqui chega ao ponto central daquela que nos últimos anos tem sido a sua luta: “Se se permitir que exista o poder do monopólio, não existe liberdade, não existe democracia. Ao longo de 200 anos nos EUA lutámos contra os monopólios, e há 35, 40 anos, discretamente, sem dizerem nada, estou a falar da era de Reagan e Thatcher, mudaram as regras e disseram que em vez de as usar para combater os monopólios e proteger a democracia, iam promover a eficiência e que isso era bom para o consumidor. ”O que “eles” decidiram, continua Lynn, foi que, em vez de nos protegerem como cidadãos iriam proteger-nos como consumidores, e disseram “vocês, como consumidores, querem mais coisas e coisas mais baratas”. O problema é que “vivemos num mundo que tem um problema: estamos a consumir recursos a um ritmo que é insustentável”. Quando fala dos que “mudaram as regras”, Lynn está a referir-se à Escola de Chicago, o grupo de economistas que nos anos 70 reinterpretaram as leis anti-monopólio, considerando que estas deviam proteger apenas o “bem-estar do consumidor” e defendendo que se uma fusão não levasse a uma subida de preços não havia razão para a bloquear. No entender de Lynn, esta visão levou à situação em que se encontram hoje os EUA, com uma extraordinária concentração de poder nas mãos de algumas, gigantescas, empresas. Um dos exemplos no universo agro-alimentar é o da Monsanto, a empresa produtora de agro-químicos e de sementes geneticamente modificadas e que este ano foi comprada pela farmacêutica alemã Bayer – perdendo o nome Monsanto no processo – num “casamento feito no inferno”, como lhe chamaram os críticos, que dá origem à maior e mais poderosa empresa mundial do agronegócio. Outro exemplo dado por Lynn é o da brasileira JBS, “a maior produtora de gado do mundo” (vaca, galinha e porco). “Os brasileiros, depois de terem visto o que aconteceu ao México, decidiram ter uma abordagem diferente e o Governo deu dinheiro aos banqueiros para poderem comprar uma data de coisas e garantir que não seriam destruídos da forma que o México foi. ”O que isto significa, explica o analista, é que uma grande parte da produção de alimentos nos EUA está hoje nas mãos de banqueiros do Brasil. “Os americanos pensam que os brasileiros não são uma ameaça porque não têm um grande Exército ou Marinha e não são um rival estratégico como os chineses. Mas o facto é que os nossos sistemas alimentares estão a ser geridos por um conjunto de banqueiros brasileiros. Estamos a assistir a uma tomada de consciência, mas temos que ter cuidado porque o que Trump e a sua Administração estão a tentar é fazer com que as pessoas se sintam zangadas com isto e queiram fechar as fronteiras. ”A fusão Monsanto/Bayer é apenas um dos mais recentes casos da concentração de poder em monopólios que “se tornou particularmente má com a Google, o Facebook e a Amazon”. Há um antes e um depois, segundo Lynn. “As anteriores corporações faziam dinheiro e iam comprar os nossos políticos e os nossos governos. O Google, o Facebook e a Amazon controlam o fluxo de informação entre cidadão e cidadão. Os jornalistas e editores das publicações nas quais acreditamos dependem do Google, do Facebook para poderem difundir as suas notícias e para terem alguma publicidade que lhes permita pagar as contas. O Google e o Facebook deixaram os repórteres e editores do nosso mundo com medo porque podem calá-los de um momento para o outro. ”Lynn sabe do que fala: ele próprio foi forçado a sair, com o Open Markets Program, da New American Foundation, o think thank ao qual pertencia e que é financiado em parte pelo Google depois de ter elogiado a aplicação de uma multa a este gigante por parte da União Europeia. Após a saída fundou, com outros jornalistas e investigadores, o Open Markets Institute, que se apresenta como uma organização sem fins lucrativos destinada a “proteger a liberdade e a democracia das extremas – e crescentes – concentrações de poder privado”. Transformar este debate numa crítica ao capitalismo não é o que pretende Barry Lynn – “nós queremos fazer a revolução mas não somos os radicais, somos os conservadores, estamos ao lado dos grandes conservadores do passado, pelos equilíbrios que funcionam”, diz – nem é o que pretende o outro orador desta conferência, o economista John Ikerd. “O capitalismo é dado como culpado de muitos dos problemas que temos hoje em relação à forma como a nossa democracia funciona. Mas eu diria que não temos nem capitalismo nem democracia”, prossegue Ikerd. “O que temos é corporativismo em vez de capitalismo e hipocrisia em vez de democracia. ”Para que os mercados funcionem, são necessárias algumas condições, uma das quais é “um grande número de vendedores e compradores, de maneira a que nenhum deles tenha um impacto significativo no mercado”. Se isso não acontecer, corre-se o risco de haver um controlo do mercado. Ou seja, é essencial que exista concorrência. E é precisamente isso que está ameaçado pelo crescimento dos monopólios, explica. “Não temos essas condições hoje porque o nosso Governo falhou numa das suas principais responsabilidades, que é a de manter a competitividade dos mercados. ”Actualmente, não existe nada que impeça a economia de extrair os recursos humanos e naturais que deveriam garantir a sustentabilidade do sistema, argumenta. “É isto que está a destruir a sustentabilidade da agricultura. […] Há muitas pessoas, nos EUA e no mundo, hoje, que não têm comida suficiente ou que estão a ficar doentes por causa do que comem, e isso porque estamos a fazer o que é lucrativo em vez de fazermos o que é essencial para o futuro e o presente. ”A visão de Ikerd não é muito distante da de Lynn. Num artigo recentemente publicado no Journal of Agriculture, Food Systems and Community Development, intitulado, A Batalha pelo Futuro da Alimentação, afirma que “estamos em plena batalha pelo futuro dos nossos sistemas alimentares”. Não vale a pena continuar em negação, frisa, porque “o chamado sistema alimentar moderno não é sustentável durante muito mais tempo”. A própria indústria agro-alimentar já percebeu isso, diz Ikerd, e o que se desenha no horizonte são dois modelos que lutam por se impor. Um é o que quer “corrigir” o sistema actual por medo de “perder a sua posição dominante”. “Todas as grandes empresas agro-alimentares actualmente incluem a sustentabilidade nas declarações sobre a sua missão e lançam um relatório anual de sustentabilidade para convencer os seus investidores e clientes”. O que está a acontecer é uma “campanha de relações públicas multimilionária para tentar reconquistar a confiança”. Tudo isto baseado numa “grande falácia” que é a de que “não podemos alimentar o mundo sem a agricultura industrial”. O sistema alternativo, defendido por Ikerd, é o da agro-ecologia, que, argumenta o economista, não tenta “separar a produção de alimentos da natureza” (sementes resistentes ao clima, por exemplo) mas aplicar métodos sustentáveis e ecológicos. Calcula-se que a agricultura que está a ser feita actualmente seja responsável por cerca de 15% de emissões de gases com efeito de estufa, mais ou menos o mesmo que os transportes. Ikerd lança um alerta: “Está a esgotar-se o tempo para mudar o sistema alimentar americano antes que ele destrua o sistema alimentar do mundo. ”As mudanças climáticas atravessaram o debate, mas não eram o tema da conferência – sobre elas houve, no Salão Terra Madre da Slow Food, uma outra conferência, com o escritor Amitav Ghosh e a activista ambientalista Sunita Narain. E também aí o tom foi de urgência perante o desastre que, segundo ambos, não está iminente – já aqui está. “As alterações climáticas são o maior acontecimento da história da Humanidade. Como espécie, nunca enfrentámos nada assim”, afirmou Amitav Ghosh, cujo último romance, The Great Derangement – Climate Change and the Unthinkable, pergunta precisamente porque é que continuamos em negação perante uma coisa que é já evidente. Sunita Narain tornou-se ambientalista no início dos anos 90. “Quando iniciámos esta discussão, tudo parecia ainda tão distante. Agora sinto que está a chegar. O normal de hoje é um normal muito diferente. ” E entra-nos pelos olhos – e pelas cidades e campos – dentro. No estado indiano de Kerala, as mais recentes chuvas “não provocaram uma inundação, “provocaram um dilúvio”, afirma a ambientalista indiana Sunita Narain. “O estado, que é um dos mais desenvolvidos da Índia, ficou totalmente debaixo de água”. Em sete dias caiu a mesma quantidade de água que cai durante um ano inteiro em Itália. “O custo da reconstrução é imenso, temos que começar do zero. ”E, no entanto, ainda não há uma verdadeira consciência de que o desastre chegou. Isso deixa Amitav Ghosh estupefacto: “O tema não tem o espaço que devia no debate público. Há dificuldade em falar sobre o fenómeno. ” Por isso escreveu o seu mais recente livro, optando desta vez pela não-ficção, para perguntar: “Como é que não vemos o muro contra o qual a humanidade está a embater?”. Sobre The Great Derangement, escreve o crítico Alexandre Leskanich: “Tal como em Huis Clos [de Jean-Paul Sartre, em que três condenados, no inferno, têm a eternidade para pensar nos seus pecados] somos forçados a transformar-nos nos guardiões da nossa própria prisão e de um futuro vazio. Sem objectivos éticos, o futuro está entregue aos caprichos do mercado e ao niilismo do crescimento económico. ” Partindo da análise da literatura, da história e da política, Ghosh revela os “limites do pensamento e da linguagem contemporâneos” e a consequente “frustração do poder cognitivo humano sobre um mundo que julgávamos conhecer”. Sim, os fenómenos extremos são os mais espectaculares, mas para o escritor não são os mais assustadores. “A violência lenta é a que mais assusta, fenómenos como a seca duradoura, que leva milhares a deixar certas zonas. ”Mas se Ghosh parece à beira da desistência, Sunita Narain acredita que é (ainda) o tempo de agir. “Se ficamos demasiado assustados tornamo-nos impotentes. Não podemos desistir. ” Na Europa e na Ásia, diz a activista, “a conversa já começou a mudar", embora nos EUA “sejam precisos muito mais furacões para que isso aconteça”. Politicamente, como podemos enfrentar esta crise? Há, pergunta o moderador do debate, Roberto Giovannini do jornal italiano La Stampa, uma via democrática e liberal na luta contra as alterações climáticas? “Foi o poder que nos trouxe os problemas, não é o poder que nos vai tirar deles”, responde Sunita. As alterações climáticas estão a tornar-se também uma luta de classes – e, eventualmente, uma guerra entre países. “Existe um ambientalismo dos ricos e um ambientalismo dos pobres”, explica a activista. O dos “ricos” passa por uma “gestão do lixo”, que nos deixa constantemente atrasados porque “cada nova solução cria um novo problema”. O dos “pobres” acontece quando “as pessoas assumem a palavra” – é isso que, segundo Sunita, começa a acontecer na Índia, onde “os pobres de Deli estão a dizer ‘no meu quintal, não!’, e isso deixa os ricos a perguntar ‘que quintal vamos agora encontrar?’”. Perante o agravamento da situação, quem tem dinheiro (sejam indivíduos ou países) vai tentar descobrir uma forma de escapar, afirma. Ao seu Centro para a Ciência e o Ambiente, em Deli, chegam pessoas perguntando se devem comprar filtros para tornar o ar mais respirável (“sim, mas mesmo assim mais cedo ou mais tarde terá que respirar o ar”, responde-lhes ela) ou se devem simplesmente ir para outro lado. Mas não há para onde fugir, diz Sunita. “As mudanças climáticas tornam-nos todos iguais. Ricos e pobres são igualmente afectados. Isto é um assunto sem classes. Os ricos acham que não serão afectados, mas serão. ” Aparentemente, os países mais poderosos sentem que ainda há tempo para fazer valer esse poder. Um dos aspectos mais visíveis desse jogo de forças é o outsourcing do lixo para os países mais pobres, mas também a deslocalização da produção – é fácil, lembra Sunita, baixar as emissões de gases poluentes quando se transfere a produção para a China. Na assistência, alguém pede para fazer uma pergunta – é um queniano que quer saber porque é tão difícil para um país como o dele ter “um lugar à mesa” no debate sobre alterações climáticas. Porque para isso é preciso ser um grande poluidor, responde Sunita. “A China garante que as suas emissões hoje são equivalentes às americanas e assim torna-se parte do clube. Para nos sentarmos à mesa, precisamos não apenas de vestir um fato, mas de sermos grandes poluidores. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por outro lado, o mundo está unido pelo comércio. Voltamos por um instante à conferência sobre economia para ouvir Barry Lynn responder a uma mulher que na audiência fala da falta de água para a agricultura na Califórnia. “Porque é que produzimos arroz e alfafa na Califórnia?”, pergunta Lynn. “Para vender à China. É isso que acontece à sua água – está a ser exportada para a China sob a forma de alfafa. ”O mundo começa a compreender que “somos um único planeta”, argumenta Sunita. Mas isso não significa que não haja sinais cada vez mais preocupantes. Cabe a Amitav Ghosh a nota mais pessimista perante um mundo em que, ironiza, o Governo indiano anuncia que vai construir 100 aeroportos eco-friendly (“o que raio são aeroportos eco-friendly?”). “O único índex que tem aumentado tão rapidamente como as emissões de gases com efeito de estufa é o dos gastos com a defesa”, declara Ghosh. “E a guerra das mudanças climáticas vai acontecer no Oceano Índico, que é actualmente a zona mais militarizada do planeta. Os ‘homens dos fatos’ estão a preparar-se para o mundo do futuro armando-se até aos dentes. ”
REFERÊNCIAS:
Tribos isoladas: é tão perigoso achar que são selvagens como que são puras
A curiosidade e os mitos são uma ameaça para os povos isolados, seja por turistas em “safaris humanos”, seja por missionários a tentar chegar ao que vêem como o último recanto “selvagem”. (...)

Tribos isoladas: é tão perigoso achar que são selvagens como que são puras
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento -0.09
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: A curiosidade e os mitos são uma ameaça para os povos isolados, seja por turistas em “safaris humanos”, seja por missionários a tentar chegar ao que vêem como o último recanto “selvagem”.
TEXTO: As tribos isoladas são fontes de inesgotável curiosidade, de admiração pelo exótico, e de falsas ideias feitas. Se nenhuma tribo é igual a outra – por vezes até na mesma região há muitas diferenças entre tribos – seja na Amazónia ou no mar de Andamão, a maioria destas tribos tem algo em comum: têm consciência de que há um mundo diferente à sua volta, já viram barcos ou aviões ou helicópteros, e… não querem contacto com este mundo. A questão foi debatida após a morte do missionário norte-americano John Allen Chau, que terá sido atingido por uma seta depois de tentar repetidamente entrar na ilha Sentinela do Norte, no mar de Andamão, em Novembro. A tribo dos sentinelas tem deixado claro há décadas que se quer manter isolada, e o facto de viver numa ilha do tamanho de Manhattan, assim como a política de não-contacto da Índia, responsável pelo território, ajudará a que se mantenham assim. As autoridades indianas proíbem todas as aproximações à ilha. A tribo terá tido provavelmente vários contactos anteriores com o mundo não indígena. O primeiro contacto registado data dos anos 1880, quando o oficial britânico Maurice Vidal Portman liderou uma expedição à ilha. Os membros da tribo esconderam-se e durante dias os membros da missão de Portman encontraram apenas aldeias abandonadas e caminhos. Até que um dia capturaram um casal mais velho e quatro crianças. Pouco depois de chegar à ilha mais próxima, o casal adoeceu e morreu, e as crianças adoeceram. Foram enviadas de volta com presentes, mas ninguém sabe o que aconteceu, se tinham alguma doença infecciosa que possam ter transmitido aos outros elementos da tribo. “Todos os processos de contacto implicaram mortes, e em escala que punham em causa a sobrevivência da tribo”, sublinha a antropóloga Susana Matos Viegas, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), por telefone, ao PÚBLICO, falando das tribos isoladas em geral. “O primeiro problema do contacto é o perigo de epidemias, já que qualquer contacto aparentemente inócuo pode implicar a morte de um número muito substancial de pessoas. ”Expedições amigáveis e distribuição de presentes feitas nos anos 1980, quer às tribos da Amazónia, quer às do arquipélago Andamão e Nicobar, foram levadas a cabo com uma série de cuidados. “Algo que os missionários ou os turistas aventureiros não têm”, diz a antropóloga. E mesmo apesar destes cuidados, nessas missões morreram muitos índios. “Há muitos casos nas últimas décadas, especialmente no Brasil e no Perú”, diz a Survival International, organização que faz campanha pelas tribos. “Por exemplo os Nahua, no Perú, sofreram mais de 50% de mortes nos anos 1980 a seguir ao contacto. ”Além das doenças, houve vários casos em que membros da tribo acabaram escravizados, fosse em tempos mais antigos por piratas malaios, birmaneses ou chineses ou, mais tarde, por colonialistas britânicos no caso das ilhas Andamão, fosse por colonialistas portugueses ou exploradores de borracha no caso da Amazónia. A informação sobre o perigo será passada oralmente de geração em geração. O caso de John Allen Chau trouxe para a ribalta um frágil antropólogo indiano, T. N. Pandit, que tem sido ouvido por vários jornalistas em Bombaim. Pandit foi o líder de uma missão que, em 1991, conseguiu contacto amigável com a tribo sentinela em Andamão – a única. Pausadamente, Pandit conta como foram precisos anos e anos de aproximações, sublinhando que estas foram sempre feitas nos termos da tribo. Os seus membros sinalizavam desagrado quando não queriam mais proximidade, mas não agressividade, sublinha. Por exemplo, aproximaram-se sem armas dos visitantes para receber cocos (que não existem na ilha) mas sempre dentro de água. Os sentinelas não quiseram que os antropólogos chegassem a terra, e estes não tentaram. Desde então, a Índia desistiu destas missões e estabeleceu uma política de não-contacto, e a tribo manteve-se isolada. Em 2006, dois pescadores aproximaram-se demasiado e pernoitaram no barco ao largo da ilha – foram mortos pelos membros da tribo. Desde então criou-se, e repete-se, um mito de que os membros da tribo teriam deixado os corpos dos pescadores em paus de bambu para serem vistos. Sophie Grig, especialista nas ilhas Andamão da ONG Survival International, disse ao PÚBLICO por email que nunca teve confirmação deste acontecimento e que este é, provavelmente um de “muitos mitos estranhos e histórias sobre estas tribos, como que os jarawa têm saliva venenosa, o que é obviamente um disparate”. Um piloto de helicóptero que liderou na altura uma expedição para tentar recuperar os corpos dos pescadores também não relatou nada do género. Pravin Gaur foi recentemente entrevistado sobre esta tentativa: conta que aterrou na ilha e passado um pouco a tripulação de quatro pessoas ficou sob ataque dos membros da tribo. Ainda conseguiram ver os corpos dos pescadores enterrados mas não os conseguiram recuperar. Quanto ao número de indígenas que viu, o piloto não conseguiu ser muito exacto (actualmente não se sabe quantos membros terá a tribo, as estimativas variam muito): “Talvez mais de cem”, disse Gaur. “Não conseguir contar, não se consegue contar quando se está numa situação daquelas a tentar salvar as vidas das pessoas [da equipa]”. As autoridades indianas ainda não comunicaram se desistiram de tentar recuperar o corpo do missionário morto em Novembro. Uma pequena missão de reconhecimento deparou logo com membros da tribo alerta na praia. Uma carta aberta de uma série de antropólogos pediu que não fossem levadas a cabo missões violentas. Pandit não vai tão longe, mas aconselha prudência, uma pequena missão com presentes, uma tentativa suave. Se não resultar, então, não aconselha insistência. Pandit tem ainda a experiência de uma tribo próxima dos sentinelas que depois de anos de recusa de contacto, resolveu aproximar-se. O que aconteceu aos jarawas foi que acabaram por, apesar de serem alvo de algumas protecções e terem terreno para si, se tornaram uma atracção turística para “safaris humanos”. Vivem numa ilha maior onde o seu território é atravessado por uma estrada, e essa estrada tem filas, todos os dias, de turistas que os querem vislumbrar. Além disso, disputam os recursos locais com os outros habitantes, o seu número tem vindo a diminuir. Susana Matos Viegas nota que “no Peru há mesmo uma expressão que define o não querer contacto”, e sublinha: “Estas tribos têm meios se quiserem ser contactadas. ” Elas sabem que há mundo além da sua terra: vêem os navios e os aviões, usarão aliás metal que encontram vindos de destroços nas suas setas, por exemplo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há duas maneiras perigosas de ver estas tribos, diz Susana Matos Viegas: uma negativa, em que são consideradas como mais primitivas (e nós melhores e mais desenvolvidos), e outra a de uma nostalgia romântica, em que são idealizadas como algo puro, que só interessa enquanto se mantiver assim. Poderá ser também isso que deixa os turistas encantados, diz a antropóloga. De qualquer modo, “ambas as ideias são perigosas e cegam-nos à grande variedade humana. ”Apesar do seu isolamento e de não dependerem do mundo capitalista, estas tribos “vivem no mesmo mundo que nós e são susceptíveis a mudanças como as alterações climáticas, que têm obrigado a adaptações e mudanças mesmo em comunidades com um modo de vida muito tradicional”, sublinha.
REFERÊNCIAS:
O Borda d’Água faz 90 anos e ainda ajuda vendedores a pagar a renda
Diz quem compra que a previsão de chuva “bate quase sempre certo”. O “verdadeiro almanaque” com repertório “útil a toda a gente” é feito na editorial Minerva, em Lisboa. Criado para agricultores, é hoje lido por vários tipos de leitores. A Lua é o grande farol desta publicação vendida por muitos que andam a pedir na rua. (...)

O Borda d’Água faz 90 anos e ainda ajuda vendedores a pagar a renda
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Diz quem compra que a previsão de chuva “bate quase sempre certo”. O “verdadeiro almanaque” com repertório “útil a toda a gente” é feito na editorial Minerva, em Lisboa. Criado para agricultores, é hoje lido por vários tipos de leitores. A Lua é o grande farol desta publicação vendida por muitos que andam a pedir na rua.
TEXTO: Pode ou não vender o Borda d’Água, mas António da Silva, 61 anos, consegue sempre receber algumas moedas. Vésperas de Natal, compraram-lhe apenas dois exemplares – 2, 30 euros cada, só metade é que foi lucro. Em esmolas conseguiu bem mais: entre 20 e 30 euros. “Há pessoas que não querem comprar, mas dão [dinheiro]; há outras que dão cinco euros para comprar, outras que não querem o troco”, conta no dia a seguir ao Natal, à porta da estação de comboios em Sete Rios. Coxeando, António Silva, reformado pensionista, ex-servente de pedreiro, precisa de canadianas por causa de um acidente de trabalho: há anos o eixo de uma grua tombou para cima dele, conta-nos, enquanto sobe umas escadas com dificuldades. Hoje circula pelas carruagens do metro de Lisboa com os Borda d’Água numa mala ao peito, a apregoar: “Ajudem-me por favor, um cêntimo que seja, mesmo que não queiram comprar nada. Ao menos um bocadinho de pão que seja. ” Diz sobre o almanaque: “Mercado, jardinagem, marés”. Em 2019, o Borda d’Água faz 90 anos. Ainda hoje ajuda a pagar rendas. António da Silva vive no Bairro Alentejano, em Penalva, e dia sim, dia não vem a Lisboa, para vender “o verdadeiro almanaque” como está escrito na capa. Assim complementa a sua reforma. Se fica parado, por exemplo, não consegue mais do que uma ou duas moedas; é por isso que, apesar das dificuldades de locomoção, escolhe circular de carruagem em carruagem, até ao Rossio, passando nas linhas azul, verde e azul. A venda e peditório não funcionam em todas as linhas: a vermelha, que vai para o aeroporto, não costuma ter gente que o ajude, “é mais estrangeiros”. “É um repertório único de interesse geral”, apregoa de novo para os potenciais clientes do Borda d’Água ouvirem. “Traz tudo sobre signos, jardinagem, agricultura, marés, contém todo o repertório de interesse geral, do astronómico ao religioso. ”Sentada num banco dentro do metro, Ilda Neto chama António Silva, passa-lhe moedas, pede o almanaque. Assistente operacional na ilha da Madeira, gosta do Borda d’Água por causa das indicações para a horta que tem em casa onde cultiva milho, feijão, cana-de-açúcar. Compra o Borda d’Água para saber quando pode preparar a terra para o milho ou a batata. “Venho ver as luas. Faz diferença. Depende do que a gente planta”, comenta. Na porta de vidro da loja de Rohit Himatlal, no Martim Moniz, está colada a primeira página do Borda d’Água. O dono chama-lhe um mini-hipermercado. É aqui, onde se vendem desde utensílios de cozinha a perfumes, de pastilhas elásticas a produtos para o cabelo ou fita-colas, que António Silva vem buscar os seus exemplares para vender na rua. Há 18 anos que esta drogaria de revenda e venda ao público distribuiu o Borda D’Água. “Havia muito vendedor de rua do Rossio que se abastecia aqui de coisas pequenas. O Borda D’Água era muito pedido”, conta Rohit Himatlal, 48 anos, português de origem indiana nascido em Moçambique. Quando começou a distribuir o almanaque, Rohit Himatlal não tinha percebido que se vendia tanto. Chega a haver alturas em que se torna o produto da sua loja com mais saída – por exemplo, próximo da feira da Golegã “vende-se bastante, porque apanha muito agricultor”. Estamos a falar de vendas de 25 a 30 mil exemplares num ano. Dias para plantar, o horóscopo, as horas do pôr-do-sol, as fases das Lua: é isto que as pessoas procuram no almanaque, comenta. Muitos também compram porque os pais já o faziam, torna-se tradição, continua o vendedor. Também há a “nova tendência de as pessoas fazerem as hortas” nos seus quintais em Lisboa e o almanaque é útil para isso. A vantagem é que “não é um jornal, não se deita fora, fica lá para memória futura”, comenta. Mais do que venda directa do almanaque, a drogaria de Rohit Himatlal funciona sobretudo como ponto de distribuição. Vende para quiosques ou papelarias. Marina Antunes, 58 anos, é uma das compradoras. Está sentada em frente ao seu quiosque nos Restauradores onde se empilham livros antigos, cromos, calendários dos vários clubes de futebol e de animais, mapas, livros aos quadradinhos, lenços de papel e o Borda d’Água. Passam vários turistas, mas poucos param. “A minha mãe já vendia. Começou do chão, depois em tabuleiros e depois no quiosque. ”É caso para dizer que Marina Antunes está no negócio desde que nasceu. “Só tive três dias em casa, vinha todos os dias para a venda com a minha mãe”, conta. Fez a quarta classe e seguiu depois as pisadas da mãe na rua. As coisas amontoam-se desordenadas dentro do quiosque, algumas publicações são visivelmente antigas. Ela, doente, lamenta não conseguir ter as coisas arrumadas. O negócio do quiosque está em declínio, mas dá para ir sobrevivendo. “O Borda d’Água foi sempre o mesmo, foi sempre vendável. A maioria das pessoas que compram são as pessoas antigas. Já se vendeu mais, mas vende-se na mesma”. Marina Antunes também é leitora e garante que é uma “mais-valia” para tudo. “Se chove ou não, bate quase sempre certo. ”Narcisa Fernandes, a editora e directora do Borda d’Água, sabe que a venda do almanaque ajuda muitas pessoas. Inclusive ajuda alguns a pagar a renda, comenta, na Rua da Alegria, onde o almanaque é impresso, dobrado e empilhado moda antiga, com cordéis. As receitas correspondem a uma grande fatia do lucro da Editorial Minerva - pode mesmo dizer-se que também ajuda a editora a sobreviver. Criado para agricultores, o Borda d’Água é hoje lido por vários tipos de leitores, explica a directora. Hoje pode não ter tiragens de 350 mil exemplares como um dia chegou a ter, mas não deixa de ser menos popular - agora são cerca de 270 mil. “Ainda não temos as máquinas [a imprimir] e já nos estão a telefonar”, comenta. De Julho e até Dezembro são os meses em que vende mais. A partir do Carnaval, as vendas caem. Na capa do Borda d’Água há um senhor com um chapéu, óculos, bengala e fraque. Um detalhe: a ferradura vermelha distingue o original dos falsos, explica Narcisa Fernandes, que está na Editorial Minerva há 52 anos, ou seja, desde os 14. Tem havido muita contrafacção com fotocópias. “Já perdi a conta dos processos em Tribunal”, comenta. “Agora ponho uma cor por trás [uma bola a simbolizar a Lua cheia] que é difícil de fotocopiar. ”A directora começou como aprendiz, a carimbar os Borda d’Água, acompanhando Artur Augusto Campos, que esteve à frente do Borda d’Água durante cerca de 40 anos. Ela ia batendo à máquina e fazendo as correcções. Foi ela quem decidiu por à frente do almanaque uma mulher em 2008. Há quatro anos assumiria a edição. “Tem dado certo. O meu receio era nas previsões do tempo. Em 2018 disse que o ano ia correr como antigamente e o que é certo é que este ano tivemos Primavera, Verão, Outono e agora o Inverno. ”Para 2019, prevê que o ano será parecido com 2018, isto pelas “contas que fez com as fases da Lua” e com os sete dias da semana. A fórmula para calcular a meteorologia? “É segredo. ”Mas comenta: “A nossa vida é uma bola. Se formos ver o passado e o tempo se calhar vamos encontrar novamente as mesmas coisas. ”As previsões do Borda d’Água dão um 2019 auspicioso. O “Juízo do Ano”, texto que vem sempre na contracapa, diz que vai ser o planeta Marte a reger o início de 2019, e isso quer dizer que estarão presentes “sentimentos competitivos e de conquista”. No horóscopo chinês, o ano pertence ao Porco, ou seja, chega ao fim um ciclo de 12 signos daquele zodíaco e por isso espera-se um “ano feliz”. Será também o Ano Internacional das Línguas Indígenas e o Ano Internacional da Moderação. A 1 de Janeiro o Sol nasce às 7h55 em Lisboa e no Porto cinco minutos depois. Aumentam os dias naquele mês em 43 minutos - se for Lisboa - e em 47 minutos - se for no Porto. O ditado deste primeiro mês é “em Janeiro: sete casacos e um sombreiro”. Ficamos também a saber que faltam por “vencer” 334 dias até final do ano quando o mês chegar ao fim. Que a 21 vai estar frio, e é noite de Lua cheia. Se tiver uma horta pode semear couve, repolho e rabanete ou então alface. Em Janeiro, não haverá chuva segundo aquele almanaque, tirando dia 14 e dia 27. Mas se por acaso nevar no mês seguinte, em Fevereiro, “não faz bom celeiro”. Abrindo uma folha ao acaso, sai “Setembro molhado: figo estragado”. Os dias diminuem 1h12 em Lisboa e no Porto 1h18. Na horta é de semear agrião, cenoura, chicória, feijão, nabo, é plantar com as primeiras chuvas morangueiros e regar até pegarem, aconselha. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Criado sobretudo para os agricultores, o Borda d’Água tem como grande farol a Lua, explica a directora Narcisa Fernandes. O quarto crescente e o quarto minguante são as duas fases importantes para a agricultura. Cortar madeira é no quarto minguante. Se quer que algo cresça, planta no quarto crescente. Já as tabelas sobre eclipses que aparecem nas últimas folhas, por exemplo, são fornecidas pelo Observatório Astronómico de Lisboa: em 2019 haverá três eclipses do Sol e dois da Lua. Os oráculos que Narcisa Fernandes escreve são uma combinação do tradicional e do novo, o que diziam antigamente sobre os signos e o que dizem agora, conta. É também ela quem escolhe os ditados. Agora que estamos a chegar ao fim do ano, lembramos : “Em Dezembro descansar, para em Janeiro trabalhar”.
REFERÊNCIAS:
A comichão faz comichão aos cientistas
Em menos de um mês, três equipas de cientistas publicaram estudos sobre a comichão e a vontade de coçar. Desde uma revisão das causas da comichão crónica à identificação de um grupo de neurónios que tem um papel importante neste ciclo, passando ainda por uma possível forma de travar a comichão usando a luz. (...)

A comichão faz comichão aos cientistas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em menos de um mês, três equipas de cientistas publicaram estudos sobre a comichão e a vontade de coçar. Desde uma revisão das causas da comichão crónica à identificação de um grupo de neurónios que tem um papel importante neste ciclo, passando ainda por uma possível forma de travar a comichão usando a luz.
TEXTO: Para a maioria das pessoas não há um grande mistério na comichão e na vontade de nos coçarmos. É simples: se sentimos comichão, coçamos e a comichão passa. Mas o tema é bem mais complexo. Os cientistas têm tentado esclarecer os diversos mecanismos que são activados na incómoda comichão, principalmente na sua versão crónica associada a algumas patologias da pele. Prova do interesse por este assunto é que, em menos de um mês, houve três estudos publicados em revistas científicas sobre a comichão. Acreditem ou não mas existe uma unidade de investigação chamada Centro para o Estudo da Comichão, criada em 2011 na Universidade de Washington, nos EUA. Os investigadores deste centro publicaram recentemente um artigo sobre a “biologia do ciclo comichão-coçar”, que apresenta uma revisão das causas conhecidas para a comichão crónica. Não são os únicos interessados no tema. Uma equipa de investigadores financiados pela Fundação Nacional de Ciência Natural da China também publicou um artigo este mês na revista Neuron, do grupo Cell, que nos mostra alguns detalhes sobre como o cérebro nos diz para coçar o que nos faz comichão. Por fim, foi publicado ainda um terceiro trabalho sobre o mesmo assunto e, desta vez, os cientistas do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL, na sigla em inglês) colocaram o foco numa possível forma de travar a comichão usando a luz. A universal e incómoda comichão é uma questão bem mais complicada do que pode parecer à primeira vista. Logo para começar, há múltiplas causas como, por exemplo, reacções alérgicas a produtos químicos irritantes ou a parasitas, ou doenças de pele (como a dermatite atópica). Se, por um lado, estamos perante um instinto de protecção contra um agente invasor – coçamo-nos para afastar a ameaça e limpar a pele – por outro lado, o facto de nos coçarmos também pode tornar-se em si mesmo um problema. Isso acontece quando nos coçamos ao ponto de nos agredirmos. O irritante ciclo quando estamos perante uma comichão crónica “pode prejudicar significativamente a qualidade de vida e levar a sérios danos na pele e nos tecidos”, avisam os investigadores que tentaram perceber como é que o cérebro nos dá a ordem de coçar uma comichão. “Ainda não existe um tratamento para a comichão crónica, o que em grande parte se deve ao nosso conhecimento limitado sobre o mecanismo neuronal da comichão”, diz Yan-Gang Sun, investigador da Academia Chinesa de Ciências e um dos autores do artigo publicado na revista Neuron, num comunicado de imprensa sobre o seu trabalho. “O nosso estudo fornece um ponto de partida para decifrar como a comichão é processada e modulada no cérebro. Isto acabará por levar à identificação de novos alvos terapêuticos. ”Estudos recentes já tinham identificado subtipos específicos de neurónios no circuito da medula espinhal associados à comichão. Mas ainda pouco se sabe sobre as regiões do cérebro envolvidas no processamento desta sensação. Yan-Gang Sun e sua equipa suspeitaram de que a substância cinzenta periaqueductal (ou substância cinzenta central) poderia estar envolvida neste ciclo da sensação de comichão e do acto de coçar. Porquê? Esta região cerebral, explicam os investigadores, tem um papel crítico e bem conhecido no processamento de outras informações sensoriais relacionadas, como a dor. Como veremos mais à frente com os resultados dos outros estudos, a comichão e a dor têm mais pontos em comum. No estudo em ratinhos, os investigadores confirmaram que a actividade de um pequeno subconjunto de neurónios, localizados nesta região do cérebro, acompanha o comportamento de coçar evocado pela comichão. Como é que foi possível chegar a essa conclusão? Os animais foram induzidos a coçar-se através de injecções de histamina (substância produzida pela nosso organismo para resposta imunitária) ou de um fármaco usado no tratamento da malária chamado cloroquina. Nas experiências, os investigadores vigiaram a actividade de um conjunto específico de neurónios que produz determinados neurotransmissores, um chamado glutamato e um neuropeptídeo chamado taquicinina 1 (Tac1). Quando os investigadores desactivaram os neurónios que expressam a Tac1, o coçar induzido pela comichão diminuiu significativamente. Em contraste, a estimulação desse mesmo grupo de neurónios desencadeou o comportamento espontâneo de coçar, mesmo sem histamina ou cloroquina, activando ainda os neurónios do circuito da medula espinhal que tinham sido identificados em estudos anteriores. No comunicado de imprensa do grupo Cell, Yan-Gang Sun reconhece que se sabe muito pouco sobre a evolução deste circuito, apesar da sua importância para a sobrevivência dos animais. “A sensação de comichão desempenha um papel fundamental na detecção de substâncias nocivas, especialmente aquelas que estão ligadas à pele”, lembra o cientista que adianta ainda que, em alguns casos, a lesão causada por coçar-se pode desencadear respostas imunitárias que, por sua vez, podem ajudar a combater as substâncias invasoras. O próximo passo deste trabalho será investigar quais as moléculas neste grupo de neurónios cinzentos periaqueductais (que expressam a Tac1) que podem ser alvo de fármacos. A equipa vai também procurar outros pontos de ligação a esta sensação na complexa rede do cérebro. “Estes estudos vão ajudar a desenvolver novas abordagens ou novos medicamentos para o tratamento de doentes com comichão crónica”, conclui Yan-Gang Sun. O estudo em ratinhos dos investigadores do EMBL também é dedicado às pessoas que sofrem de prurido persistente. “A comichão é seguramente uma das sensações mais irritantes. Para doenças de pele crónicas como o eczema, é também um sintoma importante. Embora garanta algum alívio temporário, coçar só piora as coisas, pois pode causar danos na pele, inflamação adicional e até mais comichão”, começam por justificar os autores do trabalho publicado na revista Nature Biomedical Engineering. O título do comunicado do EMBL é esclarecedor: “Usar a luz para travar a comichão”. Linda Nocchi, Paul Heppenstall e outros membros da equipa de Roma do EMBL desenvolveram uma substância química sensível à luz que se liga apenas às células nervosas que estão na superfície da pele e que normalmente detectam a comichão. “O efeito do tratamento pode durar vários meses. E os outros tipos de células que existem na pele – que transmitem outras sensações como dor específica, vibração, calor ou frio – não são afectados pelo tratamento com luz”, referem no comunicado. Nas experiências, aquele método mostrou bons resultados em ratinhos com eczema (dermatite atópica), e com uma doença de pele genética e rara chamada amiloidose. “A parte mais emocionante deste projecto foi ver as melhorias na saúde dos animais”, diz Linda Nocchi, primeira autora do estudo, que participou num outro trabalho que já tinha usado um método semelhante para controlo da dor através da luz. Por seu lado, Paul Heppenstall espera que, um dia, o método desenvolvido “seja capaz de ajudar os seres humanos que sofrem de uma doença como o eczema”. Para já, sabe-se que os ratinhos e os humanos partilham a mesma molécula-alvo para esta terapia da comichão crónica: uma proteína chamada interleucina 31 (IL-31). Um dos próximos passos será assim testar a terapia da luz em tecidos humanos. Por fim, há ainda o artigo do Centro de Estudo da Comichão, publicado na revista Trends in Immunology, também do grupo Cell. “Podemos pensar que as nossas respostas imunitárias terminam no sistema imunitário. Mas o ciclo comichão-arranhão liga o sistema imunitário com todo o corpo, interagindo com o comportamento e o ambiente também”, refere Brian Kim, dermatologista e imunologista da Escola de Medicina da Universidade de Washington e um dos autores do artigo que quis fazer uma revisão das causas conhecidas para a comichão crónica. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mais uma vez, os especialistas sublinham que o problema não é tão trivial como pode parecer à primeira vista. “Num distúrbio como o eczema, um problema que faz com que a pele seque, a irritação é constante. Infelizmente, coçar-se apenas exacerba a comichão. ” Ou, como diz a sabedoria popular, “no comer e no coçar o mal está em começar”. A coagulação em resposta à irritação da pele danifica as células mais externas, libertando proteínas de sinalização, como as citocinas, que activam os neurónios sensíveis à comichão na pele, explicam os cientistas, acrescentando que esses neurónios produzem, por sua vez, sinais que desencadeiam inflamações e arranhões. E, de novo, a relação próxima com a dor. “Acredita-se que algumas vias sensoriais de comichão e dor se sobreponham no sistema nervoso”, refere o comunicado de imprensa. O laboratório de Brian Kim dedica-se especificamente ao estudo das moléculas que poderiam ser os melhores alvos para terapias do prurido crónico. “As citocinas são alvos óptimos, mas não sabemos realmente se são os melhores alvos”, diz o investigador que também está a investigar se um equivalente do ciclo comichão-coçar no sistema imunitário pode estar por trás dos distúrbios intestinais causados pela inflamação dos intestinos. Quem diria que a comichão era um assunto tão complexo?
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA