Quinta da Fonte: Três pessoas atingidas a tiro e uma viatura incendiada
Três indivíduos foram atingidos a tiro ontem à noite por um grupo de etnia cigana, que disparou a partir de uma viatura em andamento na Quinta da Fonte, Sacavém, onde uma viatura também foi incendiada. (...)

Quinta da Fonte: Três pessoas atingidas a tiro e uma viatura incendiada
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 9 | Sentimento -0.15
DATA: 2010-08-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Três indivíduos foram atingidos a tiro ontem à noite por um grupo de etnia cigana, que disparou a partir de uma viatura em andamento na Quinta da Fonte, Sacavém, onde uma viatura também foi incendiada.
TEXTO: Fonte do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa explicou à Lusa que o alerta foi dado às 23h35 de ontem para uma ocorrência na zona da Apelação, na Quinta da Fonte (Sacavém). “Um grupo de indivíduos de etnia cigana (desconhece-se o seu número) dispararam cinco tiros, a partir de uma viatura em andamento com uma pistola que se presume ser de calibre 6. 35 mm, contra um grupo de indivíduos negros, tendo atingido três deles, causando ferimentos ligeiros”, adiantou a PSP. “Dois dos indivíduos feridos, com idades entre os 15 e 18 anos, foram socorridos no local pelos bombeiros de Sacavém e um foi transportado para o hospital de Santa Maria, em Lisboa”, acrescentou a mesma fonte. De acordo com a PSP, foi também incendiada no local uma viatura, que “pertence a um indivíduo de etnia cigana, desconhecendo-se, para já, o autor do incêndio”. O bairro da Quinta da Fonte, na freguesia da Apelação, alberga cerca de 2500 pessoas de várias etnias, tendo sido construído para acolher os desalojados pela construção dos acessos rodoviários à Expo 98.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
Billy Idol cumpriu e os Gogol Bordello levantaram pó
Cantor inglês apresentou os seus maiores sucessos, enquanto a banda de rock cigano exibiu um andamento imparável. Ebony Bones surpreendeu pela positiva. (...)

Billy Idol cumpriu e os Gogol Bordello levantaram pó
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cantor inglês apresentou os seus maiores sucessos, enquanto a banda de rock cigano exibiu um andamento imparável. Ebony Bones surpreendeu pela positiva.
TEXTO: Na noite mais concorrida até ao momento do festival Marés Vivas, no Cabedelo, em Vila Nova de Gaia, nenhuma banda falhou os “mínimos olímpicos”. Billy Idol foi o rockeiro de serviço que se aguardava, enquanto o punk cigano dos Gogol Bordello encheu o recinto de dança e muita poeira. Destaque ainda para Ebony Bones, autora do concerto mais inventivo do certame, ainda antes dos portugueses Os Azeitonas celebrarem 10 anos de carreira. Às 21h, Ebony Bones subiu ao palco acompanhada de duas bateristas, um teclista, um guitarrista e dois percussionistas nos timbalões, com máscaras representando cavalos. Estes últimos tinham uma função tanto musical quanto cénica, que Ebony Bones, também actriz, assumiu como parte integrante do espectáculo. Navegando entre o punk e o funk, linhas de sintetizador bizarras e ritmos tribais, a britânica – que já tinha marcado presença, em Portugal, na Casa da Música e nos festivais Super Bock em Stock e Sudoeste – assinou um concerto intenso, apesar de pouca atenção que a reduzida assistência lhe ofereceu. Explorando Bone of My Bones, disco de estreia lançado em 2009, apresentou “W. A. R. R. I. O. R. ”, suportada por um riff quase metal, “We know all about U”, algures entre o rap e o trip-hop, e ainda uma contida versão de Enjoy the silence, dos Depeche Mode. Apesar de estar algo deslocada no âmbito do cartaz, ninguém retira a Ebony Bones, dona de uma farta cabeleira loira, o título de espectáculo mais surpreendente e aventureiro. Os Azeitonas tomaram o palco por volta das 22h. Resultado de uma miscelânea de influências, desde a pop anglo-saxónica dos anos 1960 ou 1970 até ao nacional-cançonetismo e o mais que o valha (ouviram-se, por exemplo acordes de "All the Young Dudes", de David Bowie), a banda portuense viu a sua popularidade subir em flecha graças a “Anda comigo ver os aviões”. Por isso, não foi de estranhar que reunissem muito mais público do que Ebony Bones, satisfeita que estava a fome na zona de alimentação. Fazendo a ronda pelos temas mais conhecidos, como “Dança, menina dança” ou “Quem és tu miúda?”, o colectivo pareceu confortável, até porque repetiu um modelo de concerto já testado na Queima das Fitas. Rui Veloso, convidado especial, cantou os versos finais de “Nos Desenhos Animados” e um dos seus grandes sucessos, “Paixão”, o que motivou uma cantoria colectiva e muitos telemóveis no ar. Mas o ponto alto chegou mesmo no fim, com “Anda comigo ver os aviões”, cujas vocalizações estiveram novamente a cargo de Rui Veloso. Tratou-se de um concerto simpático, mas as atenções estavam viradas para Billy Idol, que tinha actuado pela última vez em Portugal há quase 19 anos, quando fez a primeira parte dos Bon Jovi no Estádio de Alvalade, em Lisboa. Em suma, tratava-se de um espectáculo para maiores de 40 anos, “condenado” à partida a girar em torno dos grandes êxitos do britânico. Não é aos 56 anos que ele irá conquistar novos adeptos, por isso interessa-lhe sobretudo que os fãs de sempre regressem a casa satisfeitos. Julgámos que foi isso que aconteceu. Rodeado de músicos rodados e competentes, Idol protagonizou um espectáculo em que estiveram presentes grande parte dos clichés rock & rol: o casaco de cabedal, o vocalista em tronco nu, longos solos, o guitarrista tocando em modo windmill (como Pete Townshend dos Who) e o uso constante do calão (“I’m Billy fucking Idol”, despediu-se o músico, no termo do concerto). Idol apresentou-se em boa forma física e vocal. O passar dos anos é notório, mas ainda lá está o cabelo loiro e espetado e o ar rebelde. Os sucessos surgiram todos em interpretações escorreitas: Dancing with myself, a balada Sweet sixteen, Eyes without a face, Rebel yell, White wedding, Mony mony e uma versão eléctrica de L. A. Woman, dos Doors. No cômputo geral, pode falar-se em missão cumprida.
REFERÊNCIAS:
Étnia Cigano
Manifestação contra medidas "racistas" do Governo francês em Lisboa e Porto
"Direitos Humanos sim!" A frase, gritada por cerca de 70 pessoas, ecoou hoje junto à embaixada de França, em Lisboa, numa manifestação a favor dos direitos humanos e contra a política de expulsão de ciganos que está a ser aplicada pelo Governo francês. (...)

Manifestação contra medidas "racistas" do Governo francês em Lisboa e Porto
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 9 Ciganos Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-09-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: "Direitos Humanos sim!" A frase, gritada por cerca de 70 pessoas, ecoou hoje junto à embaixada de França, em Lisboa, numa manifestação a favor dos direitos humanos e contra a política de expulsão de ciganos que está a ser aplicada pelo Governo francês.
TEXTO: De acordo com Maria José, professora universitária e elemento da organização, "não se pode ficar indiferente" face às recentes decisões tomadas em França. "Achei que Portugal também não podia ficar fora desta onda de solidariedade", acrescentou. Lisboa e Porto alertaram para o tema, reunindo mais de uma centena de pessoas. "Estamos aqui em nome da igualdade de oportunidades, mas também para mostrar indignação face às medidas instituídas", disse. Claire Healy, uma das muitas pessoas presentes junto à embaixada, não podia deixar de comparecer. "Sabemos o que acontece quando existem leis contra uma etnia. É perigoso, e pode ter consequências muito graves", afirmou a investigadora de migrações, acrescentando que o Governo francês está a dar um passo "em direcção ao passado", ideia partilhada por todos os presentes. Para Manuel Carlos Silva, também professor universitário, França tomou decisões "xenófobas e racistas". Actos considerados "muito graves", que exigem "que se faça algo". José Quintino, mediador sociocultural de etnia cigana, juntou-se à manifestação para apoiar a sua comunidade, com quem trabalha "directamente". "O essencial é dar-lhes oportunidades! Integrar em vez de expulsar!", explicou o jovem. Para Maria José, o Governo francês está "a começar pelos mais fracos", e se não existir uma reacção, "depressa chegará a outros grupos". Para João Teixeira Lopes, também membro organizador da iniciativa, o essencial é "não ficar em silêncio". "Não aprendemos nada com os erros que foram cometidos no passado", acrescentou. De acordo com João Teixeira Lopes, o Porto contou com cerca de 50 pessoas na iniciativa e Lisboa reuniu cerca de 70 pessoas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave comunidade igualdade
Maria de Fátima Bonifácio e a cristandade
Afirma que nem africanos nem ciganos “fazem parte de uma entidade civilizacional e cultural milenária que dá pelo nome de Cristandade”. Não só isso é factualmente errado, como a própria história da cristandade é, desde a sua fundação, baseada no universalismo e no desejo de abertura a todos. (...)

Maria de Fátima Bonifácio e a cristandade
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20190711010623/https://www.publico.pt/n1879196
SUMÁRIO: Afirma que nem africanos nem ciganos “fazem parte de uma entidade civilizacional e cultural milenária que dá pelo nome de Cristandade”. Não só isso é factualmente errado, como a própria história da cristandade é, desde a sua fundação, baseada no universalismo e no desejo de abertura a todos.
TEXTO: É sempre uma chatice quando pessoas de quem gostamos escrevem textos de que não gostamos, e é ainda uma chatice maior quando nos sentimos moral e profissionalmente obrigados a comentá-los em público. Se este meu artigo sair mais coxo do que é habitual, dêem-me o desconto: eu conheço, gosto e admiro intelectualmente Maria de Fátima Bonifácio. Infelizmente, não gosto nem um bocadinho do artigo “Podemos? Não, não podemos”, não reconheço nele a mulher que admiro, nem percebo como pôde ele ser intelectualmente sustentado com tantas generalizações de cair o queixo — e que, sim (custa-me muito dizer isto), entram mesmo no campo do racismo. Porque é que não fico calado, então, e escrevo sobre outra coisa qualquer? Porque sinto que não devo, nem quero participar numa jogatana esquerda-direita nesta matéria, como alguns já se preparam para fazer, com a claque pró-Bonifácio a defender que ela disse grandes verdades que ninguém tem a coragem de verbalizar e a claque anti-Bonifácio a garantir que o seu artigo é incitação ao ódio e merece perseguição criminal. Seria fácil para mim ignorar o texto original e atirar-me às reacções descabeladas que já ouvi por aí (José Eduardo Agualusa, homem habitualmente ponderado, escreveu que Bonifácio e o PÚBLICO deveriam responder “perante a justiça portuguesa”, por amor de Deus), mas sendo uma estratégia fácil também seria cínica, até por causa de uma palavra que foi invocada e me é muito cara: cristandade. Maria de Fátima Bonifácio afirma no seu artigo que nem africanos nem ciganos “fazem parte de uma entidade civilizacional e cultural milenária que dá pelo nome de Cristandade”. Não só isso é factualmente errado (estima-se que 40% dos africanos sejam cristãos e os ciganos tendem a adoptar a religião dos países onde se instalam), como a própria história da cristandade é, desde a sua fundação, baseada no universalismo e no desejo de abertura a todos, sejam eles brancos, amarelos ou vermelhos, lusitanos, africanos ou ciganos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A discussão entre Pedro e Paulo sobre se os gentios, por não serem circuncidados, poderiam ser cristãos, foi ganha por Paulo no século I — ou seja, quase 2 mil anos atrás. Faz algum sentido retomar essa discussão hoje em dia, assumindo que há uns que podem partilhar os valores da cristandade (os circuncidados do século XXI) e outros, coitados, que não podem?Tal como Maria de Fátima Bonifácio, não acredito que todas as culturas se equivalham. Acredito no progresso; acredito que há culturas superiores a outras; acredito que o multiculturalismo assolapado desembocou numa guetização nefasta em certos países ocidentais; acredito que a cultura que produziu os Direitos Universais é infinitamente superior ao wahhabismo ou às tradições ancestrais de mutilação genital feminina; e acredito que existe demasiada complacência em relação ao tratamento das mulheres nalgumas comunidades. Só que pular da crítica a uma determinada cultura para a crítica de todos os indivíduos que a integram é um salto inaceitável, precisamente por ir contra os valores que Maria de Fátima Bonifácio quer defender. A razão é simples: não é possível acreditar numa matriz cultural que diz que podes ser salvo até ao último suspiro (Lucas 23, 39-43) e depois pregar que há grupos de gente condenada a ficar às portas da civilização que tanto consideras. Isso seria, mais uma vez, querer proteger a cristandade traindo os melhores valores que ela tem para nos oferecer.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos cultura campo mulher homem racismo mulheres feminina perseguição
Orbán acusa UE de condenar a Hungria por não querer ser um país de migrantes
Primeiro-ministro húngaro esteve no Parlamento Europeu na véspera da votação de relatório que pede abertura de processo contra Budapest por violar de forma sistemática os valores fundamentais europeus. Recusou-se a inverter o caminho. (...)

Orbán acusa UE de condenar a Hungria por não querer ser um país de migrantes
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Primeiro-ministro húngaro esteve no Parlamento Europeu na véspera da votação de relatório que pede abertura de processo contra Budapest por violar de forma sistemática os valores fundamentais europeus. Recusou-se a inverter o caminho.
TEXTO: Com um discurso breve mas inflamado no Parlamento Europeu, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, admitiu a possibilidade de ser iniciado o processo para activar o artigo 7º do tratado europeu contra a Hungria, acusada de desvio das normas democráticas. Mas colocou-se no papel de vítima, ele e todo o seu país, classificando a acção como uma “vingança contra o povo húngaro”, congeminada pelas forças de esquerda que não souberam digerir a derrota nas urnas. “Não vão condenar um Governo mas sim um país que faz parte da História dos países cristãos europeus há séculos”, declarou, assumindo a sua posição clássica de defensor da civilização cristã - face aos imigrantes muçulmanos. “A Hungria vai ser punida por ter decidido que não vai ser um país de migrantes. Mas não deixarei de proteger a fronteira e de defender o povo húngaro. Todos os países têm o direito de organizar a vida no seu território”, acrescentou. Segundo a eurodeputada dos Verdes, Judith Sargentini, relatora de um relatório sobre a Hungria aprovado pelo Comité de Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu, a governação de Orbán constitui “uma ameaça sistémica à democracia, ao respeito pela letra da lei e pelos direitos fundamentais”, e impede que a Hungria possa ser considerada um Estado de Direito. A lista de acusações contra o regime é extensa: censura dos media e da academia; nepotismo e corrupção no uso de fundos comunitários; perseguição de minorias (ciganos, judeus, LGBT) e de refugiados, negação de direitos económicos e sociais e vários problemas no funcionamento do sistema constitucional. O relatório Sargentini foi publicado dias depois de Orbán ter conquistado um terceiro mandato consecutivo, com uma expressiva maioria de 50% nas eleições legislativas de Abril. O Governo de Budapeste atacou o documento, que descreveu como uma “colecção de mentiras inqualificáveis”, e uma “inaceitável interferência nos assuntos internos de um Estado-membro”. Para activar o artigo 7º, é precisa uma maioria de dois terços no plenário do PE, o queé uma fasquia difícil de ultrapasar. Por isso não é fácil estimar qual será o resultado da votação PE do relatório SargentiniA votação representa a mais significativa escalada no braço-de-ferro entre Bruxelas e Budapeste: há muito que as instituições europeias vêm dando conta da sua “preocupação” com a deriva autoritária e nacionalista do primeiro-ministro, Viktor Orbán, e esta iniciativa é a mais clara censura à sua governação iliberal. “Usaremos todos os mecanismos à nossa disposição, e seremos implacáveis”, declarou o vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, que tem a pasta dos direitos fundamentais e Estado de Direito. Depois de Orbán chegar ao poder, em 2010, a Comissão Europeia abriu dezenas de processos de infracção contra a Hungria, por incumprimento das regras europeias nos mais variados domínios (segundo o Politico, uma lista preparada pela Comissão com a totalidade dos procedimentos abertos ultrapassa as 30 páginas). Na maioria das vezes, Budapeste acabou por recuar e emendar a sua legislação. Mas os casos recentes da lei do ensino superior e da regulamentação da actividade das organizações não-governamentais (ambos em avaliação no Tribunal Europeu) provam, pelo menos para o Parlamento Europeu, que o Governo húngaro continua a esticar a corda — e que chegou a altura de dizer basta. Se os legisladores europeus decidirem iniciar o procedimento do artigo 7º, o Governo de Budapeste poderá perder o seu direito de voto nas cimeiras europeias. Essa é a penalização máxima para a violação grave dos valores europeus. Mas mesmo que o processo chegue até aí, a suspensão do direito de voto dificilmente será aplicada, por causa da prerrogativa de veto dos Estados membros do Conselho. Num jogo de alianças regionais e ideológicas, Viktor Orbán prometeu ao Governo da Polónia travar a aprovação de sanções num procedimento semelhante lançado em Dezembro, quando Varsóvia recusou fazer marcha atrás numa controversa reforma judicial que Bruxelas diz põe em causa a independência dos tribunais. A garantia de solidariedade dos seus parceiros deixará Viktor Orbán “sossegado” quanto à possibilidade de perder a votação desta quarta-feira. Mas a eventual abertura de um processo contra a Hungria não deixará de ter consequências políticas profundas para a política europeia, num momento pré-eleitoral delicado. O líder húngaro sente claramente que o “momentum” populista lhe dá força: “Somos o partido de maior sucesso no Parlamento Europeu e estamos prontos para restabelecer a democracia na Europa nas próximas eleições de Maio”, avisou. O recado era dirigido ao Partido Popular Europeu, que tem uma escolha difícil: há muito que o Fidesz de Orbán se tornou um constrangimento para a maior bancada no Parlamento Europeu, que espera manter o seu domínio na próxima legislatura. Se aceitar a abertura do processo, o PPE estará para todos os efeitos práticos a abrir mão do Fidesz e dos seus actuais 12 eurodeputados (num total de 21 parlamentares húngaros). Vários membros garantiram que o procedimento contra a Hungria levará imediatamente à suspensão do Fidesz do grupo. O contexto actual, com as sondagens a apontar o encolhimento das maiorias dos partidos conservadores noutros países europeus, pode não ser o mais propício para “irritar” Orbán. Mas por outro lado, se a bancada continuar a cerrar fileiras em defesa do (cada vez mais) homem forte da Hungria, corre o risco de ser ainda mais penalizado pelo eleitorado dos maiores países europeus, que já não estão dispostos a dar uma terceira oportunidade ao regime húngaro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Manfred Weber, o presidente do PPE e primeiro candidato interno à liderança da Comissão Europeia após as eleições de Maio de 2019, conseguiu, até agora, conter uma rebelião e confrontação interna que levasse à expulsão do Fidesz, argumentando que esse passo levaria a uma radicalização ainda maior do partido húngaro. Mas o desconforto na bancada do PPE é indisfarçável. Os partidos da Escandinávia e Norte da Europa entendem que o Fidesz ultrapassou as “linhas vermelhas” dos valores democráticos com o seu discurso xenófobo e nacionalista e defendem abertamente a sua expulsão. “O PSD está muito à vontade, pois sempre manifestou a sua censura, e cada vez mais forte, à política do senhor Orbán. Essa é uma posição documentada nos votos”, disse ao PÚBLICO o eurodeputado Paulo Rangel. Esta quarta-feira, os eleitos do PSD aprovam o relatório Sargentini. Durante o debate, Manfred Weber lamentou que Orbán permanecesse determinado a manter o mesmo rumo e indisponível para chegar a compromisso.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD Partido Popular Europeu
Portugal cala-se sobre violações de direitos em África por "razões económicas"
Salil Shetty, secretário-geral da Amnistia Internacional, considera que os direitos humanos estão em retrocesso na Europa e lamenta que mesmo líderes europeus “com visões progressistas” fiquem “em silêncio por medo de perderem votos”. (...)

Portugal cala-se sobre violações de direitos em África por "razões económicas"
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.1
DATA: 2014-05-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Salil Shetty, secretário-geral da Amnistia Internacional, considera que os direitos humanos estão em retrocesso na Europa e lamenta que mesmo líderes europeus “com visões progressistas” fiquem “em silêncio por medo de perderem votos”.
TEXTO: É por “razões económicas” que Portugal nada diz sobre violações de direitos humanos em países africanos a que está ligado. A denúncia é do secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty, que ontem se encontrou com o primeiro-ministro, Passos Coelho. Horas antes, falou ao PÚBLICO sobre assuntos como a discriminação na Europa e disse que as políticas migratórias actuais consistem em “empurrar as pessoas para fora”, o que é um erro porque “mais imigração representaria mais sucesso económico”. Nos contactos que tem mantido em Lisboa, Shetty, 53 anos, indiano, lembra que a Amnistia foi criada em 1961, depois de o fundador, Peter Benenson, ter lido uma notícia sobre a detenção de estudantes portugueses. “Não existiríamos sem Portugal. ” Em véspera de eleições para o Parlamento Europeu falou também sobre assuntos como a Síria – “provavelmente a maior tragédia do nosso tempo” – e os programas de vigilância global em larga escala. Edward Snowden “está do lado certo do direito internacional”, afirma. Veio falar sobre discriminação na Europa. Como avalia a situação e como acha que se deve lidar com ela?Estamos muito preocupados com os retrocessos dos direitos humanos desde há uns anos. Estamos focados em duas dimensões: o tratamento de refugiados, imigrantes e requerentes de asilo; e a discriminação contra ciganos. São exemplos da inversão dos valores fundamentais da inclusão e igualdade. E a crise económica agravou a situação. Esses valores estão em perigo?Sim. Os membros da Amnistia em Portugal contaram-me que quando vão às escolas falar da pena de morte, jovens de 15 e 16 anos acham que a pena de morte é uma coisa boa. Pensaríamos que na Europa isso seria coisa do passado, mas essas ideias estão a voltar. Vimos em Lampedusa [ilha italiana, importante porta de entrada de imigrantes] pessoas que vinham a fugir de perseguições, de violência, da pobreza, literalmente empurradas de volta para o mar e muitos morreram… Diz-se que a Europa está cheia e não pode receber mais gente mas o número dos que acolhe é muito pequeno. O caso dos ciganos é também um exemplo de discriminação e aí a questão institucional é importante: há legislação anti-discriminação mas não é utilizada. Veja-se o caso da República Checa. Critica a Europa pelas suas políticas migratórias e de asilo e por achar que a resposta à vaga de refugiados da Síria foi inadequada. O que é que a Europa podia fazer diferente?As políticas actuais assentam na detenção, em empurrar as pessoas para fora, o que leva a graves violações dos direitos humanos e não corresponde aos padrões europeus. A detenção é um último recurso. Em Junho, o Conselho Europeu vai discutir estas políticas e o que propomos é que o sistema de busca e resgate existente serva para proteger os imigrantes, refugiados e requentes de asilo e não para os manter à distância. O apoio que é dado pela Europa aos países por onde entram é muito fraco, deve ser reforçado. Outra dimensão é o outsourcing que a Europa tenta fazer do problema: procura manter os imigrantes em países como a Líbia, Marrocos, Turquia, para não virem, mas isso não pára a imigração. Erguer barreiras não funciona. O que defendemos é que deve haver mais formas de permitir que as pessoas entrem legalmente. Em que medida é que a crise influencia as políticas de asilo? As políticas existentes foram definidas antes da crise. A crise foi usada por grupos populistas para atacar pessoas. O argumento económico contra a imigração é muito fraco. Na maior parte dos países, mais imigração representaria mais sucesso económico. Quando há crise aparece esse argumento de que os imigrantes devem partir mas a verdade é que os imigrantes normalmente fazem os trabalhos que mais ninguém quer fazer. Toda a gente beneficia. Falou de sentimentos anti-imigração. Como encara o crescimento de grupos extremistas?O bom da democracia é que todos podem expressar os seus pontos de vista mas precisamos de liderança. Infelizmente mesmo líderes com visões progressistas ficam em silêncio por medo de perderem votos. A liderança implica não estar apenas preocupado com a próxima eleição mas com a próxima geração. Se se acredita em valores não se pode ter políticas de imigração e de asilo contrárias a esses valores, que contrariem os direitos das pessoas. A Europa vai ter agora eleições. Qual é melhor cenário pós-eleitoral em matéria de direitos humanos? Se considerar por exemplo a austeridade, que é um problema sério em muitos países, como Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda, e me perguntar o que é um bom resultado nesses países, digo-lhe que não importa quem ganhe, o que importa é que sejam pessoas sensíveis aos direitos das pessoas vulneráveis porque infelizmente a austeridade foi provocada por alguns mas as consequências atingem os mais vulneráveis. Precisamos de Parlamento Europeu de pessoas sensíveis aos direitos humanos e que os promovam. É esse o melhor cenário.
REFERÊNCIAS:
Django perdoa? Nós, não
Etienne Comar não filmou a vida de Django Reinhardt, mas meteu-o num convencionalíssimo filme de guerra que é uma das mais desinspiradas aberturas de Berlim em anos. A música é boa, mas o filme é fraco. (...)

Django perdoa? Nós, não
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-15 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170215070109/http://publico.pt/1761451
SUMÁRIO: Etienne Comar não filmou a vida de Django Reinhardt, mas meteu-o num convencionalíssimo filme de guerra que é uma das mais desinspiradas aberturas de Berlim em anos. A música é boa, mas o filme é fraco.
TEXTO: "Venho à espera de filmes controversos!", dizia o sulfuroso holandês Paul Verhoeven, presidente do júri de Berlim, em entrevista ao jornal Süddeutsche Zeitung. Berlim, afinal, tem a reputação de ser um “festival do tema” — ainda no ano passado, o Urso de Ouro foi para o documentário de Gianfranco Rosi sobre os refugiados, Fogo no Mar. O actor Diego Luna, na conferência de imprensa de apresentação do júri do qual faz parte (com as actrizes Maggie Gyllenhaal e Julia Jentsch, a produtora Dora Fourati, o realizador Wang Quan’an e o artista Olafur Eliasson), completava as declarações do seu presidente: "Não estamos aqui para enviar mensagens, mas para ouvir vozes diferentes, para as celebrar. "Como abertura, contudo, há que dizê-lo com frontalidade: Django, primeira realização do francês Etienne Comar, não surpreende, não cria controvérsia, não convence, não traz nada que justifique a atenção. É uma das mais desinspiradas escolhas para a abertura de Berlim em bastante tempo, o exemplo perfeito de um filme que tem ideias mas que não tem a arte para as levar a cabo. Tem, ainda assim, uma coisa a seu favor: o olhar sobre o modo como o regime nazi tratou a etnia cigana, que raramente o cinema dito mainstream explorou. Mas mesmo esse olhar sobre os ciganos se perde numa abordagem algo canhestra, cheia de boas intenções mas incapaz de evitar os lugares-comuns mais puídos. É caso para dizer que Comar, produtor (de Xavier Beauvois, Maiwenn ou Abderrahmane Sissako) e argumentista, não tem unhas para a guitarra que quis tocar – e, ainda por cima, é a guitarra de Django Reinhardt (1910-1953). E se a música continua a ser muito boa, o filme não lhe faz justiça nenhuma. Esse é o primeiro problema: não vale a pena vir aqui à espera de uma biografia tradicional de Reinhardt, nem de um olhar sobre a sua música, porque o que Comar faz, adaptando uma “biografia ficcionada” do guitarrista escrita por Alexis Salatko, é muito mais uma convencional história de um homem em processo de aprendizagem da cidadania e da resistência. Reinhardt, interpretado por Reda Kateb com presença mas sem convicção, é a coqueluche da Paris ocupada durante a Segunda Guerra Mundial e recebe um “convite” daqueles que não se podem recusar para tocar na Alemanha, mas só depois de compreender que os ciganos estão a ser alvo da perseguição nazi é que a sua consciência acorda. O músico que só queria fazer música percebe que, afinal, não pode escapar à sua identidade de cigano; herói entre os seus por ter conseguido uma aclamação internacional (que até os alemães, até certo ponto, admiravam), percebe que esse estatuto arrasta consequências que não pode ignorar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E arrasta também o segundo problema: Django transforma-se numa daquelas histórias de abnegação e heroísmo em tempo de guerra que fizeram as grandes horas do cinema nos anos 1950 e 1960. Muitos dos factos que Comar intercala na sua narrativa ficcionada são verídicos, o filme teve a bênção dos herdeiros de Reinhardt, e — à excepção de Kateb e de Cécile de France, no papel de uma patrona das artes com aparentes amizades equívocas — os actores secundários são não-profissionais, oriundos da comunidade cigana ou músicos. Mas essa vontade de realismo escorrega brutalmente na casca de banana do lugar-comum simplista da aventura de guerra. E Django sofre o mesmo destino que o lendário swing contagiante do guitarrista belga, ao ser manietado pelas regras metronómicas dos censores nazis: música de fundo para jantares de gala, ou, no caso, telefilme preguiçoso de domingo à tarde. A ideia de pegar num artista que descobre que não pode fugir a tomar partido pela simples dignidade e humanidade é boa. É até perfeitamente relevante para os nossos dias. Mas para isso era preciso que Etienne Comar fosse capaz de lhe injectar energia ou urgência. É uma entrada com o pé esquerdo para Berlim 2017, à espera de que o que aí vier compense o tropeção — com ou sem controvérsia.
REFERÊNCIAS:
Quando as luzes se apagarem, brilharão os corpos que pagaram a crise
Dos estaleiros de Viana do Castelo aos bairros mais duros da Grande Lisboa, Marco Martins vem-se fixando obstinadamente nos despojos da crise. Desta vez, foi encontrá-los em Inglaterra, onde nos tornámos os melhores a esquartejar perus e a limpar rabos de reformados com Alzheimer. Provisional Figures Great Yarmouth, peça que agora chega ao Porto e a Lisboa, tinha tudo para ser um matadouro, só que não: este espectáculo salvou várias vidas. (...)

Quando as luzes se apagarem, brilharão os corpos que pagaram a crise
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 11 Ciganos Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dos estaleiros de Viana do Castelo aos bairros mais duros da Grande Lisboa, Marco Martins vem-se fixando obstinadamente nos despojos da crise. Desta vez, foi encontrá-los em Inglaterra, onde nos tornámos os melhores a esquartejar perus e a limpar rabos de reformados com Alzheimer. Provisional Figures Great Yarmouth, peça que agora chega ao Porto e a Lisboa, tinha tudo para ser um matadouro, só que não: este espectáculo salvou várias vidas.
TEXTO: Os números sempre foram provisórios, como no título que Marco Martins acabou por roubar ao jargão das estatísticas da imigração, mas, mais desemprego, menos “Brexit”, ainda hoje haverá cinco ou seis mil portugueses que sabem marcar com um X no mapa de Inglaterra o lugar exacto onde o zumbido das agulhas dos salões de tatuagens se cruza com o cheiro a fritos dos estaminés de fish & chips e com os néons intermitentes daquela que só pode ser a maior concentração de casas de máquinas a oeste de Las Vegas. Há dias em que parece uma trip das boas, com castelos insufláveis e algodão doce. Há dias em que parece um apocalipse de obesidade mórbida, gravidez adolescente e overdoses de heroína. É o lugar exacto onde ainda hoje, mais desemprego, menos “Brexit”, o bacalhau para demolhar, as alheiras de Mirandela e o vinho em boxes de cinco litros se pagam em libras num dos dois minimercados Lusa, onde há missa em português ao primeiro domingo do mês na igreja católica da Regent Street (“Tens de dizer ‘Rua Augusta’, se não ninguém conhece”), onde à entrada de um beco sem saída alguém escreveu “Dukes of Ribatejo”. O tipo de lugar a que por sorte ou por azar cinco ou seis mil portugueses passaram a chamar casa. Great Yarmouth. “The finest place in the universe”, escreveu Charles Dickens em 1849, quando para ali levou um dos mais amados working class heroes da Inglaterra vitoriana, David Copperfield, sem imaginar que 160 anos depois a indústria alimentar e a doentia atracção dos ocidentais por carne processada e perus para rechear no Natal lhe dariam abundante descendência portuguesa. “Uma cidade de merda”, actualiza Victoria, que numa vida anterior, quando tinha 22 anos, tentou afogar num jacuzzi com cinco desconhecidos a tragédia proletária de se ver coroada Miss Great Yarmouth (200 libras não pagam um ano de sorrisos nos jornais locais e de presenças em quermesses, mas pagam uma dívida a um dealer, e Victoria tinha e ainda tem uma irmã bastante pragmática). A ela nunca lhe disseram que Great Yarmouth era “o Algarve inglês”. Nunca lhe mentiram, ou pelo menos não acerca disso. Também não a chamaram para uma entrevista depois de responder a um anúncio do Correio da Manhã, nem lhe pediram para mostrar as mãos e os dentes, nem lhe disseram que ia para Inglaterra embalar fiambre, also known as esquartejar perus (peitos para a Europa, testículos para a China). Victoria e Carmo continuariam até hoje a viver vidas paralelas em Great Yarmouth se não se tivessem cruzado num ensaio do espectáculo que Renzo Barsotti convenceu Marco Martins a montar, depois de ter descoberto “os portugueses da Bernard Matthews” (also known as Bernardo Mateus), então um colosso da indústria alimentar do Reino Unido movido a mão-de-obra barata importada da periferia da União Europeia. Em 2012, já fora o produtor italiano, para quem o trabalho é definitivamente “o grande tema do século XXI”, a levá-lo aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, então já em estado terminal, onde Marco Martins acabaria por levantar um auto popular com 16 trabalhadores; aí se iniciou uma aproximação aos “despojos da crise” que, radicalizando o vaivém entre ficção e realidade, o encenador e cineasta prosseguiu no seu último filme, São Jorge (2016), descida ao submundo das cobranças difíceis e da sobrevivência nos bairros mais duros da Grande Lisboa, e agora aprofunda nesta peça em que junta no mesmo palco crepuscular quatro working class heroes da última vaga da imigração portuguesa, quatro outcasts locais que não tiveram pernas para fugir quando a explosão do turismo low-cost no Mediterrâneo apagou a costa inglesa do mapa, e ainda um cozinheiro esloveno. É para eles finalmente sobressaírem que as luzes se vão apagar sexta-feira e sábado no Porto, onde, depois da estreia de há duas semanas no Norfolk & Norwich Festival, Provisional Figures Great Yarmouth se apresenta no Rivoli, via FITEI — Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, e depois, de 28 de Junho a 4 de Julho, em Lisboa, no Maria Matos, onde encerrará o ciclo Migrações (e todo um período da vida daquele teatro municipal, mas essa já seria outra história, outra despedida). No escuro, veremos como brilham os corpos que pagaram a crise. Hão-de mostrar-nos o cabelo quebradiço, os braços que já não dá para esticar totalmente, as pernas que passaram a coxear, as cicatrizes da queda aparatosa que pôs fim a uma vida inteira de trabalho, a pele que tiveram de largar, as tatuagens que fizeram para poder aguentar, e as que desfizeram porque já não aguentavam. “Great Yarmouth? Deus do céu, é a primeira vez que lá vais?”, pergunta o funcionário na bilheteira da estação, ar apreensivo até perceber que a viagem vai ser de ida e volta. Great Yarmouth. Carmo (dois ataques cardíacos, um osso sobreposto a outro no ombro esquerdo, uma tendinite crónica, e o pior ainda foram as depressões) tem jeito para frases bombásticas à mesa do café: “Se vivesses aqui morrias. ”Encenação:Marco Martins Porto. Teatro Rivoli. Praça Dom João I. T. 223392200. 15 e 16 de Junho. Sexta às 21h30; Sábado às 19h00 (FITEI 2018 - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica). 7, 50€ Lisboa. Maria Matos Teatro Municipal. Avenida Frei Miguel Contreiras, 52. T. 218438801. De 28 de Junho a 4 de Julho. Terça a domingo às 21h30. 6€ a 12€ (c/desconto)Ao longo dos últimos dois anos, Marco Martins foi apanhando aviões para lá e para cá na esperança nem sempre muito realista de muitas milhas depois ter um espectáculo para estrear, um espectáculo a que pudesse chamar, para esconjurar a dor e a poesia de atrás dos números haver pessoas, Provisional Figures. Tinha uma história de trabalho com Renzo Barsotti e o seu Centro de Criação para o Teatro e Artes de Rua que, antes de chegar a Viana do Castelo, já vinha da comunidade cigana da Baralha, em Santa Maria da Feira, e o tema interessava-lhe “muito” — mas a primeira ida a Great Yarmouth “foi devastadora”, diz ao Ípsilon horas antes da segunda apresentação do espectáculo na cidade que, com o tempo (e com as idas e vindas dos portugueses que nunca deixaram de estar ali apenas provisoriamente, mesmo que entretanto já se tenham passado 15 anos), se impôs como protagonista. “Lembro-me de ir para a paragem às 4h da manhã, a hora em que saía o autocarro para a Bernardo, e de os portugueses passarem por mim como se fossem fantasmas. O regresso, à noite, ainda era mais duro. E depois havia os ingleses que eu via dia e noite a fumarem de pijama à porta de casa, com montes de filhos à volta. Estava a acabar o São Jorge e na minha cabeça Great Yarmouth ia ser um filme: as imagens eram muito fortes. ”Não foi um filme (talvez ainda venha a ser). Quando Marco Martins começou a fazer entrevistas para escolher os seus não-actores, já se tinha tornado claro que Great Yarmouth ia ser “um espectáculo sobre a vida dos imigrantes portugueses em Inglaterra e sobre o trabalho na Bernardo Mateus” (os anúncios dos anos em que a fábrica só tinha trabalhadores ingleses, e que hoje são memorabilia alojada no YouTube, pareceram-lhe, diz, “material muito sugestivo”). Mas a intermitência da produção à distância e da própria comunidade portuguesa, naturalmente flutuante, obrigaram-no a reconfigurar o projecto mais uma vez. “Era impossível manter um grupo fixo. Passava dois ou três meses sem cá vir e quando regressava as pessoas tinham desaparecido para outro trabalho, para outra cidade. Mudei de estratégia e pedi ao director de casting com que costumo trabalhar, o Zé Pires, para passar cá um mês a fazer entrevistas. À medida que ia vendo o que ele me mandava — a Victoria que foi Miss Great Yarmouth, o Bob que trabalhou na reserva ornitológica… —, fui percebendo que tinha de abrir o espectáculo a esta cidade estranha onde vêm parar tantas pessoas perdidas, tantas pessoas em fim de vida. O contraste entre os portugueses fechados na fábrica 12 horas por dia e os habitantes originais da cidade tornou-se uma via. ”Através deles, das suas histórias de infância, juventude e lágrimas nos olhos quando os filhos nasceram ou saltaram pela primeira vez no castelo insuflável vermelho com estrelas azuis e brancas, Great Yarmouth é outra vez a cidade technicolor dos circos ambulantes e dos sorvetes, dos hotéis chiques para os ricos e das pensões para a classe média, dos luna parks e das barracas de praia, dos bikers e dos mods; a cidade que se reconverteu, esgotado o ciclo de prosperidade do arenque e mal refeita da destruição da Segunda Guerra Mundial, em estância balnear de massas. Os casinos, os carrosséis, os pontões e o Jardim de Inverno, agora abandonado, enchem-se de gente feliz em férias e não apenas de casais de adolescentes com bebés ao colo ou de reformados que desistiram de andar a pé porque o mercado lhes impinge cadeiras de rodas eléctricas ou scooters de mobilidade em suaves prestações mensais. A Regent Street ainda não se chama Rua Augusta nem é este amontoado de lojas de souvenirs baratos e de roupa em “SALDOS SALDOS SALDOS”. As fábricas ainda não olharam para tantos quartos e parques de campismo vazios e pensaram que podiam fazer de Great Yarmouth um dormitório para operários polacos, lituanos e portugueses. Através deles, também, das suas histórias de perda, fracasso e noites mal dormidas, Great Yarmouth é de novo a cidade que correu mal. Uma bolsa de pobreza endémica, white trash, numa região genericamente rica, um fracasso estatístico em termos de desemprego, abandono escolar, gravidez adolescente, obesidade, doença mental, alcoolismo e abuso de heroína que nas eleições locais de 2014 deu 41% dos seus votos ao UKIP (entretanto já os reduziu a menos de 5%) e dois anos depois, no referendo do “Brexit”, se revelou a quinta cidade mais eurocéptica de toda a Inglaterra, com 71, 5% de votos “leave”. “Um lugar bizarro”, confirma Joe McIntosh, director do SeaChange Arts, o centro de criação ligado ao circo e às artes de rua que co-produziu Provisional Figures e o acolheu na Drill House. “No período vitoriano, Great Yarmouth ganhou fama como estância balnear para gente com dinheiro, daí os belos edifícios e toda a parafernália de entretenimento da marginal. Hoje continua a ser uma das três estâncias balneares mais frequentadas de Inglaterra — recebe seis milhões de visitantes por ano —, mas quando a classe média começou a ir para o estrangeiro ficou com o refugo do mercado. A pesca e a transformação do arenque, que durante séculos foram o pilar da economia local, já tinham acabado, a marinha mercante passou a operar com barcos demasiado grandes para a barra que aqui havia, e Great Yarmouth entrou numa espiral de decadência. Há famílias que não trabalham há três gerações, desde que o avô perdeu o emprego na pesca. ”O lucro gerado pelas reservas de petróleo e de gás descobertas mais recentemente passa literalmente ao largo de Great Yarmouth e dos seus quase 99 mil habitantes. O novo maná da energia eólica também. “É riqueza que não fica na cidade. Quem trabalha nesse sector tende a viver fora daqui. Restam as fábricas, e a indústria dos cuidados domiciliários, mas essas só parecem entusiasmar a mão-de-obra imigrante”, diz Joe McIntosh. Sorte, azar ou lei da oferta e da procura, enquanto o desemprego local se mantiver galopante, muitos polacos, lituanos e portugueses (mas também cabo-verdianos, angolanos, curdos, paquistaneses…) continuarão a ter aqui o seu lugar a esquartejar perus ou, como se ouve dizer num dos cafés da King’s Street, “a limpar rabos de reformados com Alzheimer”. Não será o “Brexit” a fazer os ingleses salivar com isso. Pouco passa do meio-dia, a hora em que os mais pobres dos pobres se juntam à porta do Exército da Salvação para a distribuição de comida. Raparigas de pele acastanhada pela heroína, punks de 60 e tal anos ainda com a crista intacta, só que murcha. Não há portugueses aqui. Esses caminham em passo apressado, vindos “lá do office”, onde “a assistente social não estava”. Jogam sueca no Café Tropical, SIC Notícias ligada. Trocam receitas de bolo de mármore na biblioteca, onde há um escaparate inteiro de livros sobre como lidar com a demência e permanecer são. Já terão sido mais. Na King’s Street, os cafés e as mercearias portuguesas ainda se sucedem, há sempre gente a entrar e a sair da Fernanda Lopes Hairdresser, mas o Pátio das Cantigas (“Portuguese foods, wines and delicacies”) fechou. Cátia e Hugo, que há sete anos vieram de Almada (ele à frente, “com um contrato de trabalho na Bernardo”, depois ela e os dois filhos, que entretanto já são três), têm visto muitas famílias a irem de férias para já não voltarem. “Umas dez só no ano passado. ” Na mercearia de que tomaram conta há oito meses, e que além de portugueses também abastece cabo-verdianos, angolanos e guineenses (“Essa variedade toda de feijões é por causa deles”) e ainda polacos, lituanos e moldavos que "vêm à carne e aos enchidos”, os clientes queixam-se do aumento do custo de vida, “dizem que não compensa trabalhar só para pagar as despesas”. “Há menos dinheiro, menos avios grandes. Mas vamos ficar, agora são as crianças que já não querem ir embora. O ‘Brexit’ não nos assusta, trabalhamos os dois a tempo inteiro, os miúdos estão cada um na sua escola. ”A imigração portuguesa em Great Yarmouth esteve no auge entre 2009 e 2014, o ano em que o UKIP fez o seu sinistro brilharete eleitoral. Mesmo depois desse sinal, “a votação expressiva no ‘Brexit’ foi um choque para os portugueses, não tinham noção de que não eram bem-vindos”, conta Marco Martins. “No dia seguinte muitos tiveram medo de sair à rua. De repente descobres que o teu vizinho não te quer aqui — e começam a aparecer histórias. Nessa fase senti um enorme decréscimo de interesse no projecto, havia o receio de que quiséssemos falar de política e as pessoas esquivavam-se. ” De resto, acrescenta Renzo Barsotti, a descoberta de que a comunidade portuguesa em Great Yarmouth não é verdadeiramente uma comunidade como as que caracterizaram a emigração das décadas de 50, 60 e 70, de que “é cada um por si” (“A precariedade laboral também é uma precariedade identitária, os processos de identificação e desidentificação com Portugal e com Inglaterra são contínuos, complexos e concorrentes”), foi “dura, pessoal e artisticamente”. E uma dor de cabeça para o encenador. “Estava perdido. Sabia que queria trabalhar com as histórias pessoais, mas faltava-me um corpo de texto que lhes desse chão. E então o Gonçalo M. Tavares sugeriu-me que fizesse um espectáculo sobre aquilo em que as pessoas estão a pensar enquanto matam animais. Passou a ser sobre isso. ”No processo de passar a ser sobre isso, os nove não-actores que acabaram por chegar à estreia tiveram de se transformar em animais de palco. Mesmo quando trabalharam com a sua própria verdade. Sobretudo quando trabalharam com a sua própria verdade. A verdade dos movimentos repetitivos da Carmo na linha de montagem da Bernardo (“choques eléctricos, cortar o pescoço, tomates para a China, furar o cu, tirar pulmões”), aqui convertida em número de circo. A verdade dos cabelos em desalinho do Bob em mais um dia ventoso, quando ainda não precisava de binóculos para ver o sol reflectido na penugem de uma pêga, a sua ave favorita. A verdade da receita de peru recheado que o Ivan cozinhou na Alemanha, na Suíça, na Jamaica, em Miami, no Havai, até vir parar a Great Yarmouth, este desterro para imigrantes e misfits que já não vivem, apenas vegetam. A verdade de que o Pedro nunca ficará sem um par. A verdade da filha da Ana a dançar Nirvana em versão Patti Smith. A verdade da tatuagem que o Richard, coração partido, esfolou com uma lixa depois de uma noite de copos e drogaria. A verdade do casting que poderia ter feito da Victoria uma das Spice Girls, em vez de uma Miss Great Yarmouth. A verdade dos invernos em que dormia num quarto diferente todas as noites e dos verões em que ficava sem quarto para dormir, e de que o Peter, cujos pais geriram um hotel em Great Yarmouth, não quer falar. A verdade dos dois amores que o Sérgio teve no circo, e que estão longe de chegar ao amor que o vemos a gritar pelos pais, antes de abrir as asas do anjo que tem nas costas e voar. Só dois dos nove não-actores de Provisional Figures alguma vez tinham entrado num teatro. Nenhum tinha lido os manifestos de Marinetti, Yvonne Rainer ou Mierle Laderman Ukeles. Quase todos parecem ter nascido para isto. “A primeira regra do trabalho com não-actores é não os pôr a representar personagens”, explica Marco Martins na sessão de perguntas e respostas que a Drill House abre na noite de estreia, minutos após o fim da peça e o momento Cristiano Ronaldo do Sérgio — que, claro, com a sua cicatriz de uma ponta à outra da nádega e as suas lágrimas verdadeiras roubou o palco como estava escrito (lá fora, o filho de Victoria, que estuda teatro na universidade, comenta que “nasceu uma estrela, um performer nato”). Peter, o primeiro a entrar em cena, já não esfrega as mãos uma na outra para libertar a tensão dos últimos instantes antes de as luzes se apagarem, e fala agora pelos cotovelos dos amigos portugueses que fez nos ensaios, e de como passou a andar para todo o lado com o Sérgio, apesar de esse veterano em Great Yarmouth que antes disso foi funcionário da limpeza no aeroporto de Gatwick e embalador de lasanhas numa fábrica de Bristol ainda não conseguir completar uma frase em inglês ao fim destes anos todos. Quase na outra ponta da meia-lua de cadeiras, Bob continua “a tremer como uma folha”: quando o foco se acendeu em cima dele, a marcação que dá início ao espectáculo, percebeu que não conseguia arrancar nenhuma palavra da boca. Foi já no fim de um processo de criação particularmente lento, e para o qual precisou de recorrer a “facilitadores" (Nuno Lopes, Sara Carinhas, Romeu Runa e Victor Hugo Pontes), que Marco Martins percebeu que os dois pólos do espectáculo só podiam ser esses “dois homens da mesma idade, mais ou menos da mesma altura, mas com histórias de vida radicalmente diferentes” e, o que também interessava, “uma relação com os animais fatalmente distinta”: “Antes de trabalhar na manutenção de um parque de auto-caravanas, o Bob passou muitos anos em projectos de conservação da natureza. O Sérgio andou com um circo, teve aquela história com a rapariga das cobras, e depois matou perus na Bernardo. ”Naturalmente, o corpo impôs-se num espectáculo que, por causa das assimetrias no domínio da língua, nunca teria podido depender exclusivamente do texto. Mas impôs-se também porque “a própria morfologia de cada um diz muito acerca do que foram estas vidas”, aponta o encenador, “basta olhar para a diferença entre a Carmo e o Bob”: ela pequena e densa, os músculos deixados a amolecer à sua sorte desde a reforma antecipada, ele esguio e frágil (“como uma folha”, de facto), as bochechas mirradas praticamente coladas aos maxilares sem dentes. Estes corpos contam desamores, internamentos em unidades psiquiátricas, suicídios falhados. Duas gravidezes, anos a fio no Colégio Militar, uma nova vida a dar aulas de zumba. E contam uma crise. Não apenas porque Marco Martins a tenha querido contar, mas porque ela estava lá: há uma diferença entre a poesia destas vidas e a sua pornografia. “Não gosto daqueles espectáculos comunitários em que cada um vai lá lamentar-se como se fosse o café do bairro organizado em forma de palco. Talvez venha daí a minha obsessão de levar isto para um lado que se sobreponha ao testemunho. Na verdade, quando lhes peço para me contarem as suas histórias, dou por mim a interessar-me sempre pelas coisas mais poéticas, não pelas mais gráficas. E depois esforço-me por encontrar uma zona em que o intérprete sinta que o que está a contar é importante e significativo não só para mim mas também para ele. É muito complicado. E muito delicado. Queres sempre saber mais acerca destas pessoas. A realidade nunca deixa de estar à flor da pele porque aqui tudo muda diariamente de uma forma drástica — é isso que torna Great Yarmouth tão apaixonante. ”Great Yarmouth. Uma sucessão de casas de máquinas com nomes flamejantes (Caesar Palace, Silver Flipper, Flamingo, Circus Circus, Golden Nugget, The Mint, Gold Rush, Leisure Island), e no fim o bingo dos anos 60 em que dois cartões só custam dez pence. Um pub de esquina onde se chega ao fim da tarde para comer caracóis e ver reality-shows da TVI. Hotéis que agora são residências para seniores de classe média-baixa porque o clima aqui é o melhor de toda a ilha — mesmo com esta ventania. Um esloveno grande e volumoso que chegou para ser catering manager de uma rede de casinos e acabou a fazer voluntariado no centro de refugiados local, entre 1001 outras actividades comunitárias, porque quando regressou ao lugar onde nasceu percebeu que os amigos casaram/emigraram/morreram e ele passou a ser um estranho: Ivan, que ainda hoje não entende como é que Marco Martins o quis no elenco final (dos 15 participantes do último workshop foram escolhidos apenas nove), se havia “pessoas mais profissionais” e ele nem sequer pode dar um passo sem as muletas. Uma portuguesa de Sintra que há 15 anos, “por causa de um amor proibido e de um capricho que se tornou um pesadelo” (“Eu achava que a vida lá fora era um mar de rosas, não um dia-a-dia árduo de desgaste físico e psicológico”), respondeu a um anúncio e se viu a esquartejar perus de noite e a dormir em quartos de pensão partilhados de dia (ou foi ao contrário?): Carmo, que em Provisional Figures representa “a fábrica em si e o que a maior parte da imigração portuguesa viveu” e que desde os ensaios, diz-nos o filho de 22 anos, atende o telefone com outra voz. Um inglês da cidade grande mais próxima que só veio a Great Yarmouth beber uma cerveja com a irmã e ficou a fazer uma peça de teatro com “oito completos estranhos”: Richard, um trabalhador da construção civil que precisou de se expor no palco para “fechar um capítulo” pessoal que mete uma tatuagem e uma ex-mulher, e que daqui só sai ou para o próximo filme de Marco Martins (“Seria fantástico, seria o ideal”) ou para o Sul da Europa, onde pretende abrir um parque de campismo para motoqueiros com a nova namorada. Uma descendente de cabo-verdianos que saiu de Oeiras para se juntar ao irmão em Londres e que ao fim de dez anos “daquela vida agitada” desembarcou em Great Yarmouth para umas férias e decidiu ficar, por causa do sol e de uma certa vida portuguesa que encontrou nos cafés e nos minimercados: Ana, a agitadora local, que fundou uma associação de dança comunitária, a Afrolusa, e entretanto abriu o seu próprio negócio de aulas de zumba. O filho de um guarda-costeiro que cresceu junto ao rio, a apanhar boleias dos barcos-piloto, quando ainda não havia estrangeiros em Great Yarmouth a não ser a rapariga asiática da escola e “o chinês do take-away”: Bob, uma cabeça tão extraordinária e tão disponível para tudo (“Nunca deves deixar de aprender, é fixe fazeres coisas que nunca fizeste antes: expandem-te como pessoa”) que na vida já estudou as migrações das salamandras, já tratou sozinho dos oito hectares de uma reserva ornitológica, já consertou telhados, e agora é um intérprete em digressão internacional. Um moçambicano que o pai meteu com dez anos num avião para Lisboa, direcção Colégio Militar, “para dar um futuro ao puto”, e que depois de reprovar no último ano veio parar a Inglaterra, onde entre outros expedientes limpou o chão da Bernard Matthews (bem menos mau “do que tirar as tripas ou estar no deboning”): Pedro, que entretanto descobriu que numa cidade onde “as pessoas vêm morrer” — “descansar em paz, era assim que eu devia ter dito” — podia ganhar a vida a cuidar de idosos e deficientes, pelo menos “se não der certo andar pelo mundo como rapper”. Um inglês que aos 12 anos veio com os pais abrir um hotel em Great Yarmouth e depois se entusiasmou quando regressou, já adulto, “com a quantidade de imigrantes”: Peter, que não sabia se ia conseguir conseguir levar Provisional Figures até ao fim porque quando chegou aos ensaios vinha de “uma série de problemas pessoais” que lhe deixaram “a auto-confiança muito em baixo”, e depois ainda passou por “uma ruptura amorosa”. Um português de olhos azuis e rosto de actor de cinema que ainda sabe de cor todos os transportes que teve de apanhar para se mudar de Bristol, onde rebentou duas hérnias inguinais a levantar tabuleiros industriais de molhos de lasanha, para Great Yarmouth, onde trabalhou 15 anos na Bernardo até “um acidente na sanitation” o deixar incapaz: Sérgio, para quem todos os dias são iguais, “um cafezito” de manhã, “uma volta até ao shopping para ver as lojas de uma libra” pela tarde, “um copito” no Galante ao cair da noite. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Uma ex-Miss Great Yarmouth que nos últimos meses, “em vez de continuar sentada ao sol no jardim a detestar a vida por ter fodido tudo com as drogas”, teve um trabalho, coisa que já não lhe acontecia há nove anos: Victoria, a quem este espectáculo deu “uma razão para viver”. Ivan, Carmo, Richard, Ana, Bob, Pedro, Peter, Sérgio, Victoria. Também conhecidos por Great Yarmouth. O Ípsilon viajou a convite do Teatro Municipal do Porto e do Teatro Maria Matos
REFERÊNCIAS:
As “manifestações de segunda-feira” regressaram à Alemanha, agora contra os imigrantes
Um grupo baptizado com o nome “Patriotas europeus contra a islamização do país” está a mobilizar cada vez mais alemães. Merkel já fez saber que “não há lugar na Alemanha” para o ódio contra os muçulmanos. (...)

As “manifestações de segunda-feira” regressaram à Alemanha, agora contra os imigrantes
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-01-09 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150109050747/http://www.publico.pt/1679387
SUMÁRIO: Um grupo baptizado com o nome “Patriotas europeus contra a islamização do país” está a mobilizar cada vez mais alemães. Merkel já fez saber que “não há lugar na Alemanha” para o ódio contra os muçulmanos.
TEXTO: Principal destino da imigração na Europa, a Alemanha enfrenta com preocupação um aumento de uma vaga populista, com a multiplicação nas últimas semanas de manifestações contra os estrangeiros. Estes protestos, que ocorreram em várias cidades do país, são organizados ou apoiados por diversos movimentos de extrema-direita ou neonazis, bem como pelo jovem partido anti-euro Alternativa para a Alemanha (AfD), que adoptou também ele um discurso xenófobo. Símbolo deste movimento populista, o grupo baptizado “Patriotas europeus contra a islamização do país” (PEGIDA), que nasceu em Outubro, não tem parado de crescer. Há já várias semanas, organiza as “manifestações de segunda-feira”, replicando os protestos que fizeram vacilar o regime comunista na ex-RDA até à queda do Muro de Berlim, há 25 anos. O grupo foi mesmo ao ponto de reciclar o slogan da altura : “Nós somos o povo. ”Dusseldorf (Oeste), Würzburg (Sul), Rostock (Norte), Bochum (Oeste), Munique (Sul). . . os protestos, que inicialmente chegaram a juntar várias centenas de pessoas expandiram-se rapidamente. Na passada segunda-feira, o PEGIDA surpreendeu ao juntar dez mil pessoas em Dresden, a capital da Saxónia, um land da ex-Alemanha de Leste que enfrenta dificuldades económicas e sociais. Para esta segunda-feira está convocada nova manifestação na mesma cidade, o que levou a chanceler Angela Merkel a fazer saber que “não há lugar na Alemanha” para o ódio contra os muçulmanos ou qualquer outro grupo religioso ou racial. Outro exemplo: Marzahn, bairro deserdado de Berlim Leste onde os protestos de segunda-feira, oficialmente organizados por “cidadãos”, se repetem há várias semanas. No final de Novembro, 800 pessoas, entre neonazis e residentes locais, protestaram contra a construção de centros de alojamento para os estrangeiros que pediram asilo. Na semana passada, perto de Nuremberga (Baviera, Sul), três edifícios vazios que deveriam servir para albergar refugiados foram incendiados, sem dúvida por mão criminosa, segundo a polícia. No local, foram encontradas inscrições racistas e cruzes suásticas. Estes movimentos tentam “mobilizar o ressentimento, designar um inimigo”, analisa Hajo Funke, professor de Ciência Política da Universidade Livre de Berlim. “Isso torna-se perigoso quando se transforma em ataques desprezíveis” e favorece “o despertar dos instintos de massas”, avisa. O nome “Patriotas europeus contra a islamização do país”, o seu desejo de salvar a Alemanha do islão, tudo isto soa como “um apelo às armas lançado por populistas de extrema-direita” e faz lembrar as cruzadas cristãs e a propaganda nazi, afirma o professor. Bodes expiatóriosEstas manifestações acontecem num contexto de imigração maciça para a Alemanha. No início de Dezembro, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) revelou que o país, visto como uma ilha de prosperidade, se tornou em 2012 o principal destino de imigração na Europa, acolhendo nesse ano 400 mil pessoas. A Alemanha também se tornou no primeiro destino daqueles que pedem asilo na Europa, e as suas estruturas de acolhimento chegaram ao ponto de saturação. Desde o início do ano, o país acolheu 180 mil refugiados (mais 57% do que no mesmo período de 2013), nomeadamente pessoas que fugiram de países assolados por conflitos armados: Síria, Iraque, Afeganistão, Somália… bem como muitos ciganos dos Balcãs. A enorme manifestação da passada segunda-feira em Dresden atraiu militantes da extrema-direita mas também simples cidadãos descontentes, o que mostrou que a expressão pública de sentimentos xenófobos deixou de ser um tabu, num país marcado pelo seu passado nazi. Muitos daqueles que saíram à rua são pessoas que “fracassaram nas suas vidas e no seu trabalho e projectam nos outros os seus próprios fracassos. Eles procuram bodes expiatórios”, disse Rainer Wendt, presidente do sindicato de polícias alemães, numa entrevista ao canal N-Tv. Oficialmente, o PEGIDA é contra os jihadistas e os estrangeiros que se recusam a integrar-se na sociedade alemã. Mas durante as manifestações, os alvos dos slogans e dos cartazes também foram as “elites políticas”, os “burocratas europeus” e os “grandes media”, promotores de um multiculturalismo que “dilui” a cultura alemã.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
“Houve um falhanço para explicar o que significa a Europa”
O co-fundador da European Alternatives alerta para o perigo de os partidos políticos tradicionais europeus deslocarem-se para a direita para recuperar eleitores aos populistas da extrema-direita. E reafirma a importância da resistência dos cidadãos para não perder de vista o bem comum europeu. (...)

“Houve um falhanço para explicar o que significa a Europa”
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento -0.31
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O co-fundador da European Alternatives alerta para o perigo de os partidos políticos tradicionais europeus deslocarem-se para a direita para recuperar eleitores aos populistas da extrema-direita. E reafirma a importância da resistência dos cidadãos para não perder de vista o bem comum europeu.
TEXTO: Niccolò Milanese é co-fundador da organização European Alternatives — torce um pouco o nariz à expressão think tank, sorri à palavra rede —, que procura promover a reflexão entre indivíduos e organizações da sociedade civil. Iniciou o European Alternatives em 2007 com o amigo Lorenzo Marsili — que mais tarde esteve na fundação do DiEM25 — e hoje o grupo tem escritórios em Londres, Paris, Roma e Berlim, promovendo eventos e debates em outras cidades, incluindo Lisboa. Em conjunto, como europeus, por todo o continente, “vamos ter que inventar novas formas de fazer política”, diz. Milanese - que com Marsili publicou este ano o livro “Cidadãos de lado nenhum” - esteve em Serralves, no Porto, esta segunda-feira, para participar no ciclo de conferências “Utopias Europeias”, onde se reflectiu sobre cidadania europeia. Em conversa com o PÚBLICO antes da conferência, este activista fala sobre o “falhanço catastrófico da coordenação europeia” e da “necessidade de uma imaginação europeia colectiva”. Quais são as propostas do European Alternatives para estas eleições europeias?Vamos enviar caravanas pelo continente europeu, antes das eleições europeias, para falar com as pessoas. Não tanto sobre as eleições europeias, mas sobre o que é que as preocupa enquanto cidadãos. Não estamos em campanha, porque não somos candidatos. Também não estamos a tentar convencer as pessoas a votar. Queremos que as pessoas vejam a importância das questões europeias para as suas vidas quotidianas, mostrando-lhes como é que os diferentes assuntos que as preocupam estão relacionados com as mesmas questões para outras pessoas em outros países da Europa. Se estão a tentar parar uma exploração de minério no norte da Roménia, explicamos-lhes como é que isso está ligado a campanhas contra a exploração no Mar Adriático. Se estão a melhorar a situação de migrantes, explicamos-lhes como é que isso está ligado ao que outras pessoas estão a fazer pela Europa. Pode haver uma solução europeia para isso. Estamos a tentar, de uma forma muito concreta, usar a oportunidade das eleições para construir solidariedade e entendimento entre cidadãos da Europa. Estamos a fazer isto, e também a preparar o nosso festival, que vai acontecer em Palermo em Outubro. Depois das eleições. Exactamente. Vai ser uma oportunidade para avaliar o estado das novas instituições europeias. Talvez haja uma nova Comissão nessa altura. O plano é continuar a resistência. Nestes 11 anos de European Alternatives, o que mudou na Europa?Tornou-se claro para nós que havia um grande vazio político na Europa, onde os cidadãos deveriam estar. Quando começámos a European Alternatives, em Londres, ninguém sabia o que é que estávamos a tentar fazer. Dizíamos que nos chamávamos European Alternatives e as pessoas perguntavam "o que é que isso quer dizer". Hoje, dizemos que nos chamamos European Alternatives e as pessoas respondem que isso é exactamente o que precisam, mesmo antes de explicarmos o que significa. E há uma reacção à extrema-direita, a tudo o que está a acontecer na Europa nos últimos dez anos, a crise do euro, o desemprego jovem, o Brexit, por aí fora. Há agora jovens europeus radicais, e isto já não se via nos últimos 60 anos, na história europeia. Quando diz europeus radicais, fala de radicais progressistas ou de uma ideia radical de Europa?O que significa ser um europeu radical hoje em dia é ainda indefinido. Certamente não é a mesma coisa que se passava nos anos de 1980 quando se pensava num estado ou federação europeia, mas talvez seja algo mais semelhante a uma "europeidade" radical dos prisioneiros do 2010, Altiero Spinelli e as pessoas da resistência italiana. Os jovens de hoje vêem-se numa posição de resistência, em que nenhuma opção política lhes parece boa. Sentem-se, por um lado, totalmente comprometidos, mas por outro lado não se sentem bem representados. E fortemente ligados a uma ideia de Europa. A juventude, em particular, não parece identificar-se com estruturas tradicionais como partidos ou mesmo o voto. Depois da experiência da crise económica e dos movimentos de protesto, Occupy e outros, tentaram ter alguma influência e em alguns aspectos falharam totalmente. [Mas] não concordo que os mais jovens estejam desinteressados nos partidos políticos. Percebem cada vez mais a importância do voto, também. Não me surpreenderia se a afluência ao voto nas eleições europeias for maior. As pessoas estão a perceber como é importante envolverem-se nas instituições, ou então acabam com instituições de que gostam ainda menos. Também em vários países diferentes, em particular à esquerda, há movimentos juvenis fortes a tentar reformar os partidos. Claro que não são todas as pessoas jovens no país, mas há uma fatia suficiente a organizar-se e a tentar transformar a política partidária. E as próximas eleições? Como se está a lidar com os discursos populistas e nacionalistas?Antes de mais, não devemos entrar em pânico em relação à extrema-direita. É correcto dizer que existe um perigo de a extrema-direita ganhar uma percentagem grande [de votos], mas não há nenhum perigo, de acordo com as sondagens, de que eles tenham uma maioria, estamos a falar de 15%. E mesmo aí a extrema-direita está dividida em diferentes grupos políticos, pode ser que se reorganizem, mas ainda assim são pequenos. O verdadeiro perigo é que os grupos políticos tradicionais, em particular o PPE, mas também os socialistas, pensam que têm que usar a linguagem da extrema-direita para ganhar mais alguns votos. Este é o perigo. Porque aí temos os partidos tradicionais, que vão [de facto] compor a maioria do Parlamento, a mover-se cada vez mais para a direita. A extrema-direita está presente e é um perigo, mas não representa as opiniões da vasta maioria dos europeus. A vasta maioria dos europeus está até bastante chocada e preocupada com o facto de a sociedade estar a tornar-se mais e mais racista e colérica. Esta é uma responsabilidade nossa em relação aos políticos. Toda a gente está a falar sobre a Europa agora, o que quase nunca se vê em eleições europeias. E os partidos tradicionais estão a trazer as mesmas campanhas aborrecidas, com os seus partidos políticos nacionais a fazer o mesmo tipo de argumentos sem nenhuma agenda transformadora para a Europa. E temo que não haja tantas novas propostas vindas de novos actores porque é deliberadamente difícil formarem-se novos partidos políticos na Europa. Há algumas tentativas, a European Spring, o Volt. O que gostaríamos que acontecesse era que os principais partidos políticos reparassem na emergência destas novas iniciativas e pensassem que afinal não precisam de andar sempre atrás da extrema-direita. Diz que as ideias da extrema-direita não são necessariamente apoiadas pela maioria da população. Está-se a dar demasiada atenção a esses discursos?Não deveríamos estar fascinados com a extrema-direita, e não acho que vão vencer as eleições europeias, mas também temos que reconhecer que a extrema-direita está no poder em alguns países. Claramente, a extrema-direita é um perigo real. E porque é que as pessoas se sentem pressionadas a votar neles? Faltam alternativas credíveis a nível nacional. Há uma combinação de pessoas desesperadas e pessoas genuinamente racistas a votar pela extrema-direita. E as pessoas que não votam pelos partidos estão muito frustradas. Uma das grandes razões para isso é que é impossível apresentar alternativas credíveis. Por exemplo, para a crise migratória — que não é uma crise sobre migração, mas é assim que lhe chamam —, ou para a crise do euro. . . É impossível apresentar alternativas credíveis para essas coisas a nível nacional. Só podem ser resolvidas através de coordenação europeia, e esta tem falhado nestes últimos dez anos. Houve um falhanço catastrófico da coordenação europeia e de uma imaginação europeia colectiva. Porque é que estas coisas acontecem? É um misto de líderes políticos que infelizmente não estiveram à altera da tarefa histórica com que se depararam - temos que reconhecer isso -, mas também um falhanço na criação de pré-condições na sociedade para uma cooperação europeia real funcionar. Falta uma esfera pública europeia para pôr as pessoas a pensar "europeicamente"?Sim, apesar de que falar na falta de uma esfera pública europeia é um pouco abstracto. Há coisas muito concretas que a União Europeia devia ter feito, desde o Tratado de Maastricht [em 1992], e particularmente no contexto do alargamento. No momento em que o muro de Berlim caiu, o que deveria ter sido feito era um grande esforço para explicar aos europeus ocidentais e orientais quem eram os seus novos vizinhos. Um esforço público, a envolver escolas, informação na televisão, líderes políticos a desenvolver discurso para explicar o que é esta nova comunidade. Se não explicarmos às pessoas a comunidade política de que agora fazem parte, é claro que em momentos de crise acontece todo o tipo de incompreensões. Temos que reconhecer que isto falhou na Europa. Um falhanço de responsabilidade intelectual. . . Não apenas dos intelectuais, apesar de eles também terem tido o seu papel, mas de todas as pessoas em posições de autoridade na sociedade, para explicar o que significa a Europa. Quais seriam os meios para atingir este pensamento europeu?Na Europa, temos o luxo de ter tempo para construir uma alternativa radical, que possa tornar a globalização democrática e progressista. Temos sistemas legais relativamente sólidos, temos riqueza relativa na sociedade, temos segurança global contra a guerra ou a fome, e com esse enorme luxo vem uma forte obrigação, em particular para as pessoas em posições de autoridade que falam publicamente, para explicar o que a Europa significa, explicar as obrigações e vantagens que traz para todos nós. Não temos que concordar em tudo, mas temos que admitir que se queremos ter uma capacidade colectiva de mudar o curso da História global num momento em que todas as pessoas reconhecem este perigo, vamos ter que trabalhar juntos, como europeus, por todo o continente. E vamos ter que inventar novas formas de fazer política. No Parlamento Europeu, e até nos parlamentos nacionais. “Cidadãos de lugar nenhum”. Qual é a ideia do seu livro?O título do livro vem daquela espécie de insulto que Theresa May, a primeira-ministra britânica, fez em Outubro de 2016, quando disse “se pensam que são cidadãos do mundo, são na verdade cidadãos de lado nenhum”. E o que dizemos no livro é que, se quisermos ler de outra forma o que Theresa May quis dizer, talvez possa haver alguma verdade ali. Mas não a verdade que ela pensa. Porque todos nos tornamos cidadãos do mundo, desde os mais ricos aos mais pobres. Hoje, todas as pessoas estão cientes de que fazem parte de um mundo interconectado onde o que acontece em lugares muito distantes pode ter consequências muito imediatas para elas. Têm reacções muito diferentes a esse facto, mas temos consciência de que esta é uma viragem histórica. Se nos tornarmos cidadãos do mundo, somos ainda cidadãos de lado nenhum, de alguma forma, porque ainda não temos uma agência cívica para ter influência na direcção do mundo onde vivemos. Falava das questões que nos preocupam colectivamente, como o ambiente, a questão dos refugiados. Como encontrar união nestas questões?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As instituições europeias são das mais poderosas do mundo e, para bem e para o mal, não há como escapar a isso, se se estiver nesta parte do mundo. É muito melhor estar dentro da UE, tentar influenciar a forma como estas instituições muito poderosas funcionam, e perceber que com esta capacidade colectiva, como o maior mercado do mundo que é o que é o mercado único [europeu], podemos ter uma influência enorme sobre a forma como a globalização funciona. Isto é uma conclusão muito concreta. Mas parte dessa conclusão requer compreender que todos temos que trabalhar em conjunto por toda a Europa para fazer isso. Se andamos a lutar uns contra os outros para ter um mínimo de vantagens nacionais e recusarmos cooperar. . . Nós vimos nos últimos dez anos que isto leva apenas a tentativas de criar muros entre nós que não funcionam. Nós temos a experiência de não-cooperação europeia, e deveríamos perceber a tolice que é termos refugiados retidos em ilhas no Sul da Grécia, mini-empregos na Alemanha pagos a 200 euros por mês, níveis históricos de pobreza no Reino Unido, desemprego jovem maciço em Espanha e em Portugal. Estas são consequências da "descooperação" europeia. Agora, vamos tentar a cooperação europeia?Veio ao Porto falar sobre a utopia europeia. A cidadania europeia é algo fora do alcance? Estamos mais perto disso, apesar das forças antieuropeias?É uma boa pergunta. Penso que a resposta é ambígua. A sociedade está dividida. Há uma tendência para ignorar o vizinho, há uma crescente incompreensão. O que não é o mesmo que ignorância, não é que os alemães não saibam que os italianos estão lá ou que os franceses estão lá. É precisamente por saberem que os outros estão lá que começam a tentar ignorá-los, ou a não ouvi-los devidamente. Há esta espécie de incompreensão crescente, mas por outro lado há uma energia positiva, utópica. Mais e mais pessoas estão a aperceber-se de duas coisas. A primeira, que muitas áreas da política não estão a funcionar de forma isolada na Europa. A segunda, a nossa classe política actual não vai lidar com o problema a não ser que sejam mesmo obrigados pelos cidadãos. Nos últimos dez anos, entre alguns grupos da população europeia tem havido uma reivindicação da cidadania europeia, enquanto antes poderia ser apenas uma coisa escrita no passaporte, agora as pessoas estão a reclamar isso para si mesmas. Com mais força, claro, no Reino Unido, onde há o risco de isso ser retirado, mas também entre outras pessoas. Quando Nicolas Sarkozy tentou expulsar pessoas de etnia cigana de França, muitas dessas pessoas e também associações romani diziam “nós somos cidadãos europeus, temos direito de estar aqui”. Há esta espécie de reivindicação de uma cidadania europeia, independentemente do que as autoridades nos digam. E isto é uma coisa muito positiva.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE