Joana Gorjão Henriques na FLIP em que as mulheres estão em maioria
A jornalista do PÚBLICO, autora do livro Racismo em Português — O Lado Esquecido do Colonialismo , junta-se a Frederico Lourenço, Djaimilia Pereira de Almeida, Pilar del Río e Luaty Beirão na edição que homenageia o escritor Lima Barreto. (...)

Joana Gorjão Henriques na FLIP em que as mulheres estão em maioria
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A jornalista do PÚBLICO, autora do livro Racismo em Português — O Lado Esquecido do Colonialismo , junta-se a Frederico Lourenço, Djaimilia Pereira de Almeida, Pilar del Río e Luaty Beirão na edição que homenageia o escritor Lima Barreto.
TEXTO: Joselia Aguiar, a nova curadora da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), conseguiu responder a algumas das críticas mais apontadas àquele que é o mais importante festival literário brasileiro. Pela primeira vez, o programa terá um número de autoras mulheres superior ao de homens e a participação de autores negros estende-se a 30% de toda a programação divulgada esta terça-feira em conferência de imprensa. “Além de a programação incluir mais mulheres, muitas mesas estão pensadas a partir do ponto de vista feminino”, disse Joselia Aguiar durante a conferência de imprensa que foi sendo dada a conhecer através da conta oficial de Twitter do festival literário. A curadora espera que “o aumento de autoras e autores negros no programa seja um ponto de virada e que a FLIP possa influenciar não apenas outras programações literárias do país, mas o próprio mercado editorial, ajudando a torná-lo mais diverso”. Nesta edição da FLIP, que tem Lima Barreto (1881-1922) como autor homenageado, a pluralidade de géneros em que este autor brasileiro exerceu o seu ofício — desde a reportagem ao romance, da crónica à memória e ao diário — e as questões que atravessaram a sua obra — como a étnico-racial, a do artista como militante e a da etnografia da cidade estão presentes em toda a programação, em que participam 46 autores (22 homens e 24 mulheres). Joana Gorjão Henriques, jornalista do PÚBLICO e autora do livro Racismo em Português — O Lado Esquecido do Colonialismo (com edição em Portugal da Tinta-da-China, do PÚBLICO e da Fundação Manuel dos Santos), é uma das convidadas da 15. ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, que se realiza no Brasil de 26 a 30 de Julho. O seu livro, que resultou de uma série de reportagens à qual foi atribuído o prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença, vai ser editado pela Tinta-da-China Brasil. Será ao lado do actor brasileiro Lázaro Ramos, que ganhou protagonismo no filme Madame Satã, de Karim Aïnouz, onde interpretava a famosa drag queen carioca, e é autor de vários livros de literatura infantil, que a jornalista portuguesa participará na mesa intitulada “A pele que habito”, sexta-feira, 28 de Julho, às 10h. As identidades e as relações raciais nos países da lusofonia são o principal tema da conversa que parte da trajectória artística de Lázaro Ramos, que lançará na FLIP o livro Na Minha Pele, editado pela Objetiva, sobre o seu desejo de viver num mundo em que a pluralidade cultural, racial, étnica e social seja vista como um valor positivo e não como uma ameaça. Não é uma biografia, mas nele aborda a sua carreira como actor negro no Brasil, tendo interpretado personagens em que a questão social e racial está presente como Zumbi dos Palmares (1996) com o Bando de Teatro Olodum, Madame Satã (2002) ou Martin Luther King, na peça O Topo da Montanha, da nova-iorquina Katori Hall, que protagoniza ao lado da actriz Tais Araújo, sua mulher na vida real. A conversa em palco irá cruzar-se com a experiência da jornalista portuguesa e as histórias das cinco reportagens que fez em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe realizadas em 2015 para ouvir o lado africano sobre as marcas do racismo deixadas pelo colonialismo português e para tentar encontrar respostas à pergunta: “Racismo em português: como foi, como é?”Lázaro Ramos também participará na sessão de abertura do festival literário, “Lima Barreto: triste visionário”, título da biografia que será editada pela historiadora Lilia Schwarcz e que nela trabalhou durante uma década. A académica dará uma aula ilustrada onde o actor lerá excertos da obra do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma, num espectáculo dirigido pelo encenador Felipe Hirsch. No dia anterior, quinta-feira, 27 de Julho, será a vez de outro português estar no palco da FLIP, Frederico Lourenço, Prémio Pessoa 2016, a que se junta também o tradutor de latim e grego, Guilherme Gontijo, para falar sobre a tradição greco-latina, os seus mitos, poesia e narrativas, a Bíblia grega, a literatura e a cultura medieval. Também a autora de Esse Cabelo (que será publicado no Brasil pela Leya), Djaimilia Pereira de Almeida, nascida em Luanda, em 1982, mas que vive em Portugal desde a infância onde é investigadora da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, conversará com outras vozes da novíssima literatura em língua portuguesa, Carol Rodrigues e Natalia Borges Polesso, sobre como lidam com a tradição e a renovam. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pilar del Río, a presidente da Fundação Saramago, estará à frente da Casa Amado e Saramago, que terá uma programação própria paralela ao festival, mas é também uma das convidadas da programação principal. Também o rapper e activista angolano Luaty Beirão, cujo diário de prisão Sou eu então mais Livre, escrito durante o tempo em que esteve detido, em Angola, de Junho de 2015 a Junho de 2016, vai ser publicado pela Tinta-da-China Brasil, estará no palco principal a conversar com Maria Valéria Rezende, escritora que se dedicou à educação popular no sertão durante a ditadura. Haverá ainda um encontro inédito entre o jamaicano Marlon James e o americano Paul Beatty, dois autores negros que venceram, em dois anos consecutivos (2015 e 2016), o Man Booker Prize, bem como a presença do repórter da New Yorker William Finnegan, que cobriu conflitos em África e acaba de vencer o Pulitzer com as suas memórias dos tempos de surfista; da argentina Leila Guerriero, um dos grandes nomes do jornalismo narrativo na América Latina, e do francês Patrick Deville, escritor-viajante que, entre o Camboja e o México, pratica aquilo a que chama “romance de não ficção”, da escritora tutsi Scholastique Mukasonga e do romancista islandês Sjón (parceiro de trabalho de Björk). Por razões de orçamento, o palco da programação principal da Festa Literária Internacional de Paraty deixará de ser na Tenda do Autores, que tinha 750 lugares sentados para quem comprasse bilhete, e passará a realizar-se na Igreja da Matriz, que albergará 450 lugares. Toda a programação decorrerá à volta da Praça da Matriz, requalificada em 2012, e aí também será instalada a Tenda do Telão, onde é possível assistir gratuitamente às mesas que decorrem no palco principal através de um ecrã gigante.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Morreu Siné, o cartoonista que ilustrou a revolução dos cravos
O desenhador francês morreu esta quinta-feira aos 87 anos. Histórico do Charlie Hebdo, tinha sido afastado do jornal em 2008 por alegado anti-semitismo. (...)

Morreu Siné, o cartoonista que ilustrou a revolução dos cravos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O desenhador francês morreu esta quinta-feira aos 87 anos. Histórico do Charlie Hebdo, tinha sido afastado do jornal em 2008 por alegado anti-semitismo.
TEXTO: O ilustrador e cartoonista francês Siné morreu esta quinta-feira de manhã, aos 87 anos, no hospital Bichat, em Paris, na sequência de uma intervenção cirúrgica. A sua morte foi anunciada na página de Facebook da revista humorística Siné Mensuel, o último projecto lançado por este colaborador histórico do jornal Charlie Hebdo, cuja direcção o afastou em 2008 por causa de uma crónica considerada anti-semita. Siné, nome artístico de Maurice Sinet, era “um cartoonista provocador”, que “adorava cascar nos capitalistas, nos colonialistas, nos chuis, nos militares ou nas religiões”, mas que tinha uma paixão pelo jazz e por gatos, aos quais dedica alguns “álbuns ternos”, resume o obituário que lhe consagra o jornal Libération. Menos lembrada na imprensa francesa é a sua passagem por Portugal, onde chegou logo após o 25 de Abril para assistir in loco à revolução dos cravos, tendo então assinado alguns cartoons icónicos, como o célebre desenho em que um jovem arranca a parte vermelha da bandeira portuguesa, deixando um senhor de ar sisudo apenas com o lado verde e o escudo. As suas ilustrações estão reproduzidas em várias obras, e aparecem também no documentário Cravos de Abril (1976), de Ricardo Costa. Na véspera da sua morte, o cartoonista publicou no site de Siné Mensuel uma crónica em que, com o humor de sempre, se confessava irritado com a proximidade do fim. “Devem ter reparado que desde há algum tempo não nado numa alegria de viver dionisíaca”, observava Siné aos seus leitores, explicando: “Só consigo pensar na minha morte próxima, se não iminente, e sinto-a rondar à minha volta como um porco trufeiro”. Lamentando o desgosto que iria causar aos que lhe eram próximos, Siné também não se esquece dos que não o apreciavam: “Penso em todos os cretinos que vão esfregar as mãos de contentes e irrita-me bastante morrer diante deles”. Se se cumprirem as intenções declaradas pelo cartoonista no documentário Mourir? Plutôt Crever! (2010), de Stéphane Mercurio, Siné deverá tornar-se o primeiro locatário de um talhão do cemitério de Montmarte que co-adquiriu com outros artistas para garantir que não partilhará a eternidade com vizinhos indesejáveis. Sobre uma cave com capacidade para 60 caixões, um cacto em bronze dum metro de altura que se parece manifestamente com uma mão a mostrar o dedo do meio esticado, assinala o lugar do último repouso de Siné. Na pedra tumular, lê-se “Mourir? Plutôt Crever!”, epitáfio traduzível, em versão muito livre, por “Morrer? Antes Bater a Bota”. No documentário, Siné mostra-se particularmente satisfeito por saber que a campa mais próxima é ocupada por Louise Weber, vulgo La Goulue, uma célebre dançarina de can-can conhecida como a Rainha de Montmartre. Filho de um ferreiro e de uma merceeira, Siné nasceu em 1928 num bairro popular de Paris. O seu primeiro desenho publicado apareceu na revista France-Dimanche em 1952. Três anos depois recebia o Grande Prémio do Humor Negro pela recolha Complainte sans Paroles. E a partir de 1959 começa a desenhar os famosos gatos que se tornaram a sua imagem de marca. Sempre muito interessado em usar a sua arte para intervir politicamente, trabalhou em vários jornais, incluindo L'Express, Le Monde, Libération ou L'Humanité, e fundou ele próprio diversas revistas, a começar por Siné Massacre, em 1962, da qual só saíram sete números. Em 1974 integra a equipa fundadora do Charlie Hebdo, iniciando uma colaboração de vinte anos, abruptamente interrompida em 2008, quando o então director Philippe Val o despediu, acusando-o de ter assinado uma crónica anti-semita. Em causa estava um texto em que Siné criticava o trajecto político de Jean Sarkozy, filho do então Presidente da República Nicolas Sarkozy, ironizando com a eventualidade de este se converter ao judaísmo antes de se casar com a filha do fundador da empresa multinacional de electromésticos Darty. O afastamento de Siné do Charlie Hebdo – um jornal que já então não tinha pruridos em satirizar violentamente o islamismo – provocou uma viva polémica em França, com Val a ser acusado de ter usado um pretexto para afastar um colaborador histórico da publicação com o qual nunca tivera boas relações. Val argumentou que o texto de Siné sugeria uma relação entre a conversão ao judaísmo e o sucesso social, o que considerava inaceitável. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Liga Internacional Contra o Racismo e Anti-Semitismo (LICRA) porcessou Siné, que foi absolvido em 2009 por um tribunal que lhe reconheceu “o direito à sátira”. Em contrapartida, as Éditions Rotatives, que publicam o Charlie Hebdo, foram condenadas no final de 2010 a pagar 40 mil euros a Siné por rompimento abusivo de contrato. Recorreram da sentença e viram o Tribunal da Relação de Paris confirmar a decisão da primeira instância e aumentar a indemnização para 90 mil euros. Depois de deixar o Charlie Hebdo, Siné fundou a publicação Siné Hebdo, de vida efémera, e em 2011 lançou Siné Mensuel, que na sua página do Facebook prometia hoje “continuar o combate”.
REFERÊNCIAS:
Grada Kilomba é a artista que Portugal precisa de ouvir
Escritora e artista portuguesa a residir em Berlim, é um nome cada vez mais celebrado na arte contemporânea. A partir de hoje temos as suas primeiras exposições individuais em Portugal. Vamos ouvir Grada Kilomba – e isso é olhar de frente para a história colonial, é olhar de frente para nós. (...)

Grada Kilomba é a artista que Portugal precisa de ouvir
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-09-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Escritora e artista portuguesa a residir em Berlim, é um nome cada vez mais celebrado na arte contemporânea. A partir de hoje temos as suas primeiras exposições individuais em Portugal. Vamos ouvir Grada Kilomba – e isso é olhar de frente para a história colonial, é olhar de frente para nós.
TEXTO: “Vieram ter comigo e disseram: ‘mas como é que aqui em Portugal não se sabe quem tu és?’”Grada Kilomba é a artista que Portugal precisa de ouvir, mas a quem Portugal andou a prestar pouca atenção durante demasiado tempo. Escritora, professora e artista portuguesa a residir em Berlim, é um nome cada vez mais requisitado e celebrado nos circuitos internacionais de arte contemporânea, mas que nos últimos anos contou apenas com uma curta apresentação por cá, em 2015, nos Encontros para Além da História do Centro Internacional das Artes José de Guimarães. Finalmente, isso está a mudar. A 30 de Junho trouxe ao Porto a performance Illusions, o pontapé de saída de Incerteza Viva: Uma exposição a partir da 32. ª Bienal de São Paulo, no Museu de Serralves. Este Outubro, em Lisboa, têmo-la em dose quádrupla. Primeiro na Galeria Municipal da Avenida da Índia, com a primeira individual em Portugal, A Língua Mais Bela/ The Most Beautiful Language (de 26 de Outubro a 4 de Março). Também a 26 de Outubro inaugura Secrets To Tell no MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia. Segue-se uma conversa no Maria Matos sobre o seu trabalho, a 28 de Outubro, com Carla Fernandes, jornalista e mentora do audioblogue AfroLis (quem não conseguir estar presente terá sempre o live streaming). Uma outra conversa com a artista acontecerá na Hangar, a 3 de Novembro. “É esquizofrénico mostrar o meu trabalho regularmente em tantos sítios, do Brasil à África do Sul, passando por várias cidades da Europa, e ter sido tão difícil fazê-lo em Portugal”, diz ao Ípsilon. Na verdade, mais do esquizofrénico, é perversamente coerente: entrar no trabalho de Grada Kilomba – nas suas instalações de vídeo e som, nas suas performances, nas suas leituras encenadas, nos seus textos – é ter de lidar com a história violenta do colonialismo e pós-colonialismo, história na qual Portugal está profundamente entranhado mas que teima em fingir que não é nada com ele. “Ainda estamos em negação”, resume a artista. Desde o sistema educativo, em que se continua a perpetuar o mito do “bom colonizador”, essencial para alimentar uma certa biografia nacional, à crença romantizada de que Portugal não é um país racista. “Nós falamos dos mares, dos ‘descobrimentos’, das naus com um romantismo tal, como se a história colonial e da escravatura, que aqui é completamente banalizada, fosse um encontro intercultural e não uma história de tortura, genocídio, desumanização, exploração patriarcal”, aponta. Uma banalização que chega a vários sítios, inclusive à restauração: recentemente abriu em Lisboa um bar-restaurante chamado Café Colonial, cujo conceito é “a celebração das raízes lusófonas” (as críticas não demoraram a multiplicar-se). “A negação está sempre ligada a uma glorificação do passado”, afirma. “Podemos falar no medo de perder poder e privilégio branco, com certeza, mas acho que tem a ver também com não arriscar chegar ao presente”, assinala. “Há uma certa estupidez logística em Portugal no sentido em que há outros países que conseguiram perceber que têm essa história colonial e racista brutal e que ela tem de ser abordada. Que é importante, como diz bell hooks, interromper, ocupar e transformar a história e os espaços com novos discursos, novos sujeitos, novas configurações de poder. ”Apesar de tudo, isso “está a começar a acontecer” em Portugal, sublinha Grada Kilomba. Os convites em catadupa que recebeu são, acredita, um sinal disso mesmo – e é significativo o facto de terem vindo de “instituições grandes”. “Acho que também tem a ver com uma nova geração de curadores que agora estão em posições de poder. Como o João Mourão [ex-director das Galerias Municipais, que iniciou toda esta vinda de Grada a Lisboa], Pedro Gadanho, Paula Nascimento, João Ribas, Pedro Faro ou a Inês Grosso. ”Numa altura em que têm surgido em Portugal várias plataformas dedicadas ao combate ao racismo, à divulgação das culturas africanas e ao feminismo negro – como a Djass, a Femafro, a Consciência Negra ou a AfroLis –, entre documentos de investigação relevantes como o livro Racismo em Português – O Lado Esquecido do Colonialismo da jornalista do PÚBLICO Joana Gorjão Henriques, Grada Kilomba encontra agora um contexto diferente daquele em que começou a trabalhar. “Os estudos pós-coloniais em diálogo com o conhecimento performativo interessavam-me, mas não havia plataformas cá. ” Depois de tirar o curso de psicologia clínica e psicanálise no ISPA, em Lisboa, e de ter trabalhado no Hospital Júlio de Matos com um psicanalista e sobreviventes de guerra, Grada foi para Berlim fazer o doutoramento, à boleia de uma bolsa da Fundação Heinrich Böll. A partir da capital alemã, o seu trabalho ganhou ritmo, espaço, visibilidade. E tentáculos internacionais. “Comecei a publicar, a trabalhar noutras cidades, a dar aulas em universidades no Gana, na Áustria, em Londres. Sempre com projectos muito experimentais, em que cruzo os estudos pós-coloniais, estudos de género, performance, literatura”, explica a artista, que trabalha regularmente com o teatro berlinense Maxim Gorki e é representada pela Goodman Gallery, na Cidade do Cabo. Influenciada por pensadores e escritores negros como Frantz Fanon e bell hooks, Grada começou desde cedo a cimentar um dos pilares identitários da sua obra: a fusão entre a linguagem artística e a académica. “Acho muito fascinante trabalhar dentro das artes com conhecimento e sublinhar que se está a produzir conhecimento. ” Nesse processo, reclama a autoria, a autoridade e a validade da sua própria história – o que é, por si só, um acto político, um acto de descolonização numa estrutura académica e artística cujas hierarquias de poder ainda são brancas e patriarcais. “Sou o sujeito, não o objecto. Trabalho para mim, para perceber quem sou, para completar um puzzle que foi fragmentado. Essa é a diferença de um trabalho feminista e descolonial para um trabalho clássico. ”“Quem pode falar? Quem pode produzir conhecimento? Que conhecimento é reconhecido como tal?” são as veias que percorrem todos os seus projectos. Projectos híbridos que fintam a catalogação. “Não estou interessada em trabalhar numa só disciplina; estou interessada em contar histórias. Depois cada uma dessas histórias precisa de formatos diferentes”, nota Grada. “É uma forma de subverter as práticas artísticas que têm sido representadas pelo homem branco, pelo sujeito dominante. É descolonizar o conhecimento, é trazer a questão da raça, do género, da sexualidade como partes inseparáveis de um discurso. Eu não sou apenas uma mulher, sou uma mulher negra. Para mim é importante pensar nessa complexidade e trazê-la para a minha arte. ”Essa intersecção de linguagens e métodos vai ser clara na exposição A Língua Mais Bela, na Galeria Avenida da Índia, com curadoria de Gabi Ngcobo e produção criativa de Moses Leo. Cada peça terá “um formato diferente”, mas sempre com a palavra no centro, outra das marcas distintivas do trabalho de Grada Kilomba. Em Illusions – instalação reconfigurada a partir da performance homónima apresentada na última Bienal de São Paulo, na documenta 14, em Kassel, e em Serralves –, Grada transporta para um contexto pós-colonial e encena os mitos de Narciso e Eco, posicionando-se como uma contadora de histórias, uma griot contemporânea. “Quis recuperar a tradição africana de produção oral de conhecimento no papel de uma mulher griot. ”Já Printed Room será uma blackbox revestida por páginas de um dos livros escritos pela artista, Plantation Memories: Episodes of Everyday Racism (2008). Mais exactamente páginas enviadas por leitores de vários países, da Bolívia à Suécia, com apontamentos e notas. O público será acompanhado pelo áudio de actores a lerem o livro (livro que “a maior editora de Portugal” não teve interesse em traduzir para português, conta a autora, ficando entregue ao Brasil). Sem revelar demasiado, haverá ainda a instalação The Dictionary, em que a artista apresenta o processo de consciencialização e desconstrução do racismo não como etapa moral, mas psicológica. São cinco passos, explicados a fundo em Plantation Memories: “negação, culpa, vergonha, reconhecimento, reparação. ” De resto, o título da exposição deixa entrever um jogo irónico: “Dizemos que temos a língua mais bela, mas não pensamos em todas as exclusões e opressões coloniais e patriarcais dentro da sua terminologia”, diz Grada (por exemplo, por que não usar o termo “expansão marítima violenta” em vez de “descobrimentos”?)Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A palavra volta a ser assunto na exposição Secrets To Tell no MAAT, que dá início à programação da sala Project Room. É curada por Inês Grosso e pensada a partir da vídeoinstalação The Desire Project, concebida para a Bienal de São Paulo e entretanto adquirida pela Fundação EDP. “É uma instalação com três canais de vídeo simultâneos em três actos: enquanto eu caminho, enquanto eu falo, enquanto eu escrevo. Recupero a figura da Escrava Anastácia para falar das narrativas que foram silenciadas”, explica a autora. “Depois passa-se para um espaço digital e futurista, com um batuque composto pelo Moses Leo. Trabalho com a sonorização e a visualização da escrita. ”Para Grada Kilomba é “fundamental tornar o conhecimento vivo, corpóreo, físico”. “Através das artes consegues formular, sem impor, uma plataforma em que o público levanta questões que não estavam lá antes. Aí começa-se a descolonizar o conhecimento. Para mim, arte é isso: quando ela consegue entrar dentro de ti emocionalmente e fisicamente, e transformar-te. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra mulher negro homem racismo medo género sexualidade racista negra feminista vergonha raça escravatura feminismo
Falar sobre pornografia “não é um bicho-de-sete-cabeças”
Abordar o tema da pornografia com crianças e jovens pode ser constrangedor. Mas mais vale fazê-lo do que ignorar o assunto. A realizadora de pornografia feminista Erika Lust criou três guias a pensar nos mais novos. E para ajudar a desbloquear a conversa. (...)

Falar sobre pornografia “não é um bicho-de-sete-cabeças”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-16 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181216185833/https://www.publico.pt/n1840720
SUMÁRIO: Abordar o tema da pornografia com crianças e jovens pode ser constrangedor. Mas mais vale fazê-lo do que ignorar o assunto. A realizadora de pornografia feminista Erika Lust criou três guias a pensar nos mais novos. E para ajudar a desbloquear a conversa.
TEXTO: Um smartphone, um tablet, um computador. A maioria das crianças e jovens portugueses tem acesso a pelo menos um destes equipamentos desde cedo — em Portugal, as primeiras utilizações rondam os dez anos, altura em que as crianças terminam o 1. º ciclo. São ferramentas que lhes permitem estar em contacto com os pais, falar com amigos, jogar, fazer trabalhos da escola. Mas também lhes facilitam o acesso a infindáveis outros universos menos prosaicos, como o da pornografia. É inevitável que cheguem a este mundo através dos ecrãs, dizem os especialistas. Mais tarde ou mais cedo, durante a adolescência, os jovens entram em contacto com conteúdos sexuais explícitos disponíveis na internet ou na televisão e em revistas. Seja porque, sem querer, estes conteúdos surgem nos seus ecrãs em janelas pop-up ou em filmes que passam na TV, porque um amigo enviou uma imagem através do Snapchat ou num grupo do Whatsapp, ou porque eles próprios os procuram. O que é mais difícil de definir é a idade em que crianças ou jovens entram em contacto com a pornografia. Dados do EU Kids Online — um inquérito que avalia a forma como os adolescentes europeus utilizam a internet — mostravam, em 2014, que 27% das crianças portuguesas entre os nove e os 16 anos tinham tido contacto com imagens de cariz sexual no último ano, quer fosse através da internet, do telemóvel ou de filmes e livros. E quanto mais velhos são os adolescentes, mais provável é que tenham acedido a esse tipo de conteúdos. Os resultados do mesmo inquérito indicam que com a idade, a proporção daqueles que viram essas imagens aumenta. Quase metade dos jovens (44%) com 15/16 anos afirma ter visto estes conteúdos no último ano. São o maior grupo. Entre os adolescentes com 13/14 anos, 34% dizem ter tido acesso a imagens do género. “A forma mais comum de exposição a imagens de teor sexual acontece através da televisão ou de filmes (16%), revelando a importância que os meios de comunicação audiovisuais clássicos continuam a ter na disseminação deste tipo de imagens. As redes sociais são o meio indicado em segundo lugar, estando bastante abaixo (9%). Em ambos os casos, existe um claro efeito da idade: os adolescentes mais velhos tendem a estar mais expostos a este tipo de imagens”, detalha o documento. Um estudo britânico mais recente (2017), promovido pela NSPCC (National Society for the Prevention of Cruelty to Children), mostra que quase metade (48%) dos jovens entre os 11 e os 16 anos vêem pornografia. Entre os que dizem fazê-lo, 46% afirmam que as imagens simplesmente apareceram no ecrã na primeira vez em que tiveram acesso a estes conteúdos. A pesquisa autónoma por pornografia torna-se mais significativa à medida que os jovens ficam mais velhos. Aos 14 anos, 94% dos adolescentes que tinham respondido a este questionário já tinham tido contacto com conteúdos pornográficos. Quanto aos hábitos de consumo de pornografia pelos jovens, o mesmo estudo da NSPCC revela que 34% acede a estes conteúdos uma vez por semana ou mais. Há mais rapazes do que raparigas a dizer que vêem pornografia. Mas os jovens não são indiferentes àquilo que vêem. Num outro inquérito também promovido pela NSPCC em 2015, um rapaz de 15 anos mostrou-se preocupado: “Eu estou sempre a ver porno e alguma é muito agressiva. Ao princípio não achei que me estava a afectar, mas comecei a ver as raparigas de uma forma diferente e isso preocupa-me. ”Os pais nem sempre querem reconhecer que os filhos têm contacto com estes conteúdos. “Portugal está entre os países com maior discrepância entre as práticas declaradas de ver imagens sexuais online pelos filhos (13%) e admitida pelos pais (4%)”, indicavam os resultados do inquérito EU Kids Online feito às crianças portuguesas em 2012 (o trabalho de 2014 não faz referência a este aspecto). O que permite tirar uma conclusão: “O contacto com as imagens sexuais online parece ainda ser objecto de tabu nas famílias”, admitiam os autores — o trabalho em Portugal é coordenado pela professora Cristina Ponte, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Mas não é só em Portugal que isto acontece. Há muitos pais constrangidos em falar sobre sexo. “Percebemos que as pessoas têm vergonha de falar sobre isso e têm medo, por isso, precisam de orientação”, explica Erika Lust (o nome verdadeiro é Erika Hallqvist), uma realizadora sueca que produz filmes pornográficos feministas. Tem duas filhas de sete e 11 anos — que estão a par da profissão da mãe — e desde cedo se preocupou com a importância de falar sobre pornografia e de explicar que os conteúdos pornográficos a que os jovens têm acesso são “uma ficção muito exagerada do sexo”. Foi esta discrepância entre o que é realidade e ficção e apercebendo-se que tanto ela como o marido Pablo Dobner — que gere a produtora de filmes — têm muita descontração em falar sobre sexo levaram Erika a fundar o projecto The Porn Conversation. Em parceria com sexólogos e terapeutas, criou três guias diferentes que oferecem dicas sobre como ter “a conversa”. E a dica principal vai exactamente na indicação do momento mais oportuno para este diálogo. Não deve ser uma conversa em que toda a família se senta num sofá e, num ambiente constrangedor tanto para pais como para filhos, se decide falar sobre pornografia. A introdução do tema deve acontecer em momentos mais descontraídos, num passeio de carro ou ao pequeno-almoço. Importante a ter em mente, lê-se num dos guias, é que “o silêncio, ou seja, não dar uma resposta, é educação só por si e, normalmente, quando não se fala sobre algo é porque se assume que é perigoso, indecente ou inapropriado discutir o tema”. Falar sobre sexo e pornografia “não é um bicho-de-sete-cabeças”. Para as crianças dos nove aos 11 anos (a faixa etária mais baixa), as sugestões passam por explicar que a pornografia não é “sexo real”, sublinhar a importância de não se despir “para ninguém que faça pressão para tal” e não se deixar fotografar sem roupa — aqui uma alusão ao hábito crescente do sexting entre adolescentes. O guia sugere também formas como os pais podem limitar o acesso a esse tipo de conteúdos, nomeadamente através de aplicações que bloqueiam sites e de browsers específicos para crianças. Para aquelas que têm entre 11 e 15 anos, o guia aconselha um discurso mais focado em aspectos como o racismo, a falta de diversidade dos corpos representados, a assunção de que aquilo que surge no ecrã está longe da realidade; ou como a pornografia convencional “lucra com os clichés”, informando que existem alternativas “éticas”. A conversa com os adolescentes que têm mais de 15 anos deve abordar todos os outros pontos e voltar a frisar um aspecto: “Se alguém quiser tirar fotografias tuas ou filmar-te, tem em atenção que o cenário mais provável é que se torne viral — pelo menos entre as pessoas que conheces e o teu grupo de amigos. ”E com que idade deve começar-se a falar? Erika diz que deve ser “cedo”. E explica: “O que eu sinto é que, quando são mais jovens, não têm vergonha. Eles não têm medo de falar sobre isso. ” A realizadora dá o exemplo da própria filha de sete anos que, curiosa, lhe perguntou: “Mãe, se os pénis são todos diferentes, os de dois irmãos gémeos idênticos vão ser iguais ou diferentes?”. É este à vontade que, diz, se vai perdendo na adolescência. O enfermeiro de saúde escolar na Escola Secundária da Ramada, em Odivelas, Alexandre Oliveira, alerta, porém, que em certas idades, nomeadamente entre crianças mais jovens, corre-se o risco de ficarem “incomodadas”. O especialista admite que só se deve falar sobre o tema caso tenham dúvidas ou se o seu comportamento indicar que estão a aceder a estes conteúdos. Para Paula Pinto, coordenadora da Sexualidade em Linha e membro da comissão para a educação sexual da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC), “é importante que os pais tenham em conta que os filhos podem aceder a estes conteúdos e que tenham a informação necessária” para interpretá-los. Iniciar esta conversa pode ser o mote para “falar sobre muitas outras coisas que são muito importantes”, sublinha Erika Lust. Por exemplo, sobre a imagem corporal, o consentimento, como tratar os outros, os papéis de género, o feminismo, a identidade sexual. . . “Há tantas coisas que tocam nessa conversa. ”Para a realizadora, uma coisa é certa: os pais “precisam de falar sobre pornografia. Não há como fugir. Faz parte da sociedade em que vivemos hoje. ”“Apesar da preocupação pública com os conteúdos de natureza sexual (imagens e mensagens sexuais), importa ter em conta a idade, contrariando deste modo o pânico moral gerado à volta do assunto. No caso particular das imagens, embora a internet torne acessível este tipo de conteúdos a crianças e jovens, a regulação de meios de comunicação tradicionais (como a televisão) continua a ser importante, pois constituem a forma de acesso mais referida”, destaca o relatório de 2014 dos investigadores portugueses no âmbito do projecto EU Kids Online. A terapeuta sexual e uma das “embaixadoras” do projecto The Porn Conversation, Yana Tallon-Hicks, diz que “o Google e os smartphones mudaram o jogo quando se trata da quantidade de dicas e conteúdo sexual disponível para os jovens”. “A idade média da primeira exposição a pornografia na internet nos EUA é de 11 anos. Os adultos são insensatos ao pensar que podem simplesmente permanecer em silêncio sobre isso. Em vez disso, devemos todos trabalhar mais para ajudar os jovens a encontrar e utilizar informações precisas e desenvolver suas próprias habilidades para pensar criticamente sobre o sexo que consomem. ”A especialista conta que se juntou ao projecto de Erika Lust pela forma como a realizadora “se compromete a criar pornografia ética, que prioriza o consentimento, o prazer e a conexão entre seres humanos”. “Se eu for a esses sites [de pornografia] há muita agressão, violência, punição sobre as mulheres. E isso tem valores sexuais muito negativos”, lamenta a realizadora cujo trabalho na área começou precisamente pelo seu desagrado em relação à pornografia que via enquanto consumidora. “Acho que esses valores afectam muitos jovens que não têm muita experiência sexual. Eles acham que o sexo é assim. Quando começam a fazer sexo, querem reproduzir o que aprenderam na internet. Eles não terão prazer porque esse tipo de sexo não dá prazer às pessoas. Porque é rápido e furioso e sem sentimento. ” Além disso, “mostra factos que não são verdadeiros, como a mulher a ter um orgasmo com penetração. Isso não é correcto. A maioria das mulheres precisa de estimulação clitoriana para poder ter um orgasmo”. Alexandre Oliveira diz que a questão não será tanto a necessidade de replicar o que vêem. O problema, diz o enfermeiro de saúde escolar, é que os adolescentes interpretam a pornografia como algo que é “comum” e que “têm dificuldade” em perceber que não é real. Essa dificuldade pode levar a problemas de performance, especialmente entre os rapazes, que constroem uma “percepção errada da duração e continuidade do acto sexual” e acabam por ficar frustrados, diz o enfermeiro. Erika Lust: “Estou sempre a ouvir histórias de jovens rapazes que começam a sufocar as suas namoradas durante o sexo porque pensam que isso vai excitá-las. Há uma desconexão [com a realidade]. ”A realizadora produz filmes pornográficos desde 2004. Mas tem uma abordagem diferente daquilo que é feito pela maioria da indústria que classifica como mainstream. Erika Lust diz que os seus filmes representam a sexualidade feminina, os desejos das mulheres e a colocam no centro da trama. Já quanto à restante indústria, aponta algumas falhas e diz que, quem faz estes filmes “precisa de ter mais cuidado com a representação das pessoas e com a diversidade que se está a mostrar”. Frisa também a necessidade de “incluir pessoas de diferentes origens, etnias, tipos de corpo, idades e outro tipo de equilíbrio de poder entre homens e mulheres”. Lúcia Ramiro é professora de inglês, sexóloga e coordenadora de uma pós-graduação em Educação Sexual. “Não considero que a pornografia tenha mais desvantagens hoje do que há cinquenta anos. Hoje, a pornografia coexiste num mundo em que também existe educação sexual, educação para a cidadania e direitos humanos”, diz a professora na Escola Secundária Poeta Al Berto, em Sines. “De um modo geral, a pornografia pode contribuir para dar expectativas irrealistas sobre a imagem do corpo (tamanho do pénis, formato do clitóris, tamanho dos mamilos etc. ) e do ato sexual (duração da erecção, entre outros), promover a objectificação do corpo, e promover a ideia errada de que a mulher ‘serve’ o homem e que a relação sexual não está ligada à relação amorosa (com tudo o que a caracteriza). ”Para Marta Reis, também sexóloga, o perigo da pornografia está no “empobrecimento da capacidade de fantasiar e ser criativo”. “Para já, o que se vê nos filmes pornográficos não é o que acontece na realidade, há um desfasamento muito grande e, ao verem esses filmes, os jovens vão tentar repetir, vão achar que é uma realidade (que depois não existe). Os filmes servem para ajudar o utilizador a obter uma resposta sexual muito rápida e não propriamente para uma melhoria de sexualidade. ” Para esta especialista, “os jovens precisam de conhecer o seu corpo, de entendê-lo e de perceber o que lhes gera prazer e satisfação e como estas questões estão normalmente ligadas ao relacionamento com o outro”. Mas Erika Lust é categórica: “A pornografia tornou-se na educação sexual das nossas crianças. ” Num dos guias do The Porn Conversation é citado um séxologo dinamarquês, Christian Graugaard, que sugere que se mostre pornografia a alunos entre os 15 e os 16 anos na sala de aula e que esse momento seja acompanhado de uma discussão crítica sobre papéis de género, misoginia, diversidade e poder de decisão. E levanta a questão: “Será demasiado radical ou apenas prático?” Certo é que na Dinamarca, um dos primeiros países a legalizar a pornografia, “a educação sexual é obrigatória em todas as escolas e a maioria oferece uma semana inteira de conteúdos sobre saúde sexual e relacionamentos”, frisa o guia. E esta cultura pode ter uma relação directa com taxas mais baixas de prevalência de infecções sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e abortos. Em Portugal, há 17 anos que a educação sexual nas escolas está regulamentada. Em 2009, um decreto-lei veio esclarecer alguns aspectos e as orientações curriculares hoje seguidas datam de 2010. A pornografia não é um tema directamente contemplado nestas orientações publicadas pelo Ministério da Educação. Contudo, a abordagem de temas como “diversidade e respeito”, “sexualidade e género” e “prevenção dos maus tratos e das aproximações abusivas” é obrigatória e leva a que se toque na questão da pornografia. A conversa pode acontecer “quando surgem questões sobre o assunto”, explica Paula Pinto. O que a educação sexual deve fazer é frisar que aquilo que é representado na pornografia não corresponde à “vivência real da sexualidade”. No fundo, fazer compreender que o que ali está “é ficção”, uma “representação muito empolada da realidade”. “Há muitas noções erradas sobre o contacto sexual e o risco de que os jovens repliquem isto nas suas relações futuras”, diz Rui Ferreira Carvalho, um jovem médico, interno na especialidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência no Hospital de Santa Maria. Ainda estudante, começou o projecto SexEd. A ideia: ir a escolas secundárias e falar sobre sexo e sexualidade de igual para igual. Desde 2012, Rui e os colegas já foram a mais de 50 escolas. Na maior parte das vezes são convidados por professores para, em 90 minutos e num tom informal, abordar o tema com os alunos. “A pornografia não costuma surgir como tema isolado”, diz. Mas toca-se lá quando se fala em consentimento. Quanto à própria situação da educação sexual nas escolas portuguesas, Rui Ferreira Carvalho diz que “muitos professores não conseguem abordar estas questões com os alunos com que vão passar o resto ano”. Já tiveram relatos de casos em que dançar um slow numa aula de educação física contou para a hora que devia ser alocada à educação sexual e o mesmo com a análise de poemas românticos numa aula de português. “Percebemos as dificuldades dos professores”, afirma. A sexóloga Marta Reis diz que, entre os alunos com quem contacta, “a grande maioria acha, que se pode fazer muito mais; mas também reconhecem o progresso, em conhecimentos e comportamentos face à sexualidade, que é visível em jovens universitários de hoje”. Marta Reis e Lúcia Ramiro estiveram envolvidas no estudo que avaliou o ponto de situação da aplicação da educação sexual nas escolas, que data de 2014. Na altura, concluíram que 83, 2% dos 428 agrupamentos que participaram no estudo tinham cumprido a carga horária estipulada. “Sem dúvida que o caminho percorrido é positivo, mas ainda continua a haver muito a fazer. Impõe-se continuar a formação sistemática dos professores, envolver os pais em acções conjuntas, tornar a educação sexual parte da cultura da escola. Os gabinetes de apoio aos alunos, essenciais como locais privilegiados de reflexão e ensino para os estudantes, necessitam de revitalização porque, nalguns casos, estão transformados em locais para onde são enviados jovens com ‘mau’ comportamento. E os professores entrevistados na avaliação lamentaram a perda da redução da componente lectiva, o que se traduz por sobrecarga no trabalho quotidiano, nem sempre bem compreendido pelas direcções escolares”, resume Marta Reis. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mariana Carrito, investigadora do Sex Lab — uma unidade de investigação da Universidade do Porto dedicada à sexualidade —, diz que “existe evidência que, apesar de haver conhecimento explícito de que aquilo que é retratado na pornografia em geral é ficcional e distinto da realidade, o conteúdo apresentado influencia tanto os comportamentos como as crenças dos consumidores”. E que “algumas mulheres, mesmo admitindo saber que o que é representado na maioria dos conteúdos pornográficos não corresponde à realidade, evidenciam, por exemplo, sentimentos de desvalorização da própria imagem corporal e baixa auto-estima após a visualização dos mesmos”. A investigadora conclui assim que “a pornografia constitui um instrumento que pode contribuir para o bem-estar sexual, mas também para a propagação de mensagens alusivas a interacções não consensuais entre intervenientes com aparências físicas estereotipadas e não representativas da diversidade existente”. Mas é preciso distinguir as “muitas pornografias dentro da pornografia”, diz Patrícia Pascoal, presidente da SPSC. “Há materiais sexualmente explícitos que mostram práticas positivas (por exemplo, o uso de preservativo) e relações de paridade e consentimento e consequentemente podem conter materiais pedagogicamente relevantes. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
A bondade linguística e o cadáver adiado
O colóquio não era sobre ortografia, era sobre Unidade e Diversidade da Língua Portuguesa, mas como falar de diversidade sem pôr em causa a falsa “unidade” que a ameaça? (...)

A bondade linguística e o cadáver adiado
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O colóquio não era sobre ortografia, era sobre Unidade e Diversidade da Língua Portuguesa, mas como falar de diversidade sem pôr em causa a falsa “unidade” que a ameaça?
TEXTO: Quem for esta noite ao Coliseu de Lisboa (ou sexta-feira ao Coliseu do Porto) ouvirá Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo cantarem uma canção que a dado momento diz assim: “Tem pena d’eu”. Ou seja, “tem pena de mim”. A canção, um clássico não só do repertório nordestino mas de toda a música brasileira, é um baião, chama-se Sabiá e foi composta por Luiz Gonzaga e Zé Dantas em 1951. A frase citada, que os puristas considerarão errada, reproduz um dos muitos termos do falar nordestino, um falar que é aliás riquíssimo, não só em regionalismos como no uso de termos portugueses há muito em desuso. Ora a empatia que suscita a audição de Sabiá, tal como outras canções de Luiz Gonzaga ou Jackson do Pandeiro, só para citar dois dos compositores mais celebrados da música nordestina, conduz-nos a outro tipo de atracção: a das palavras, frases e termos que têm em si uma cultura e uma história, mesmo que os dicionários (excepto os de curiosidades ou regionalismos) não as acolham. Não foi bem disto que tratou o colóquio da Academia das Ciências de Lisboa da passada terça-feira, mas também foi disto. Expressões minoritárias, línguas nacionais em perigo de extinção (mormente algumas das africanas), falares que, por desconhecimento ou desprezo pretensamente erudito, se vêem reduzidos à classificação de “dialectos”. E se Adriano Moreira, na abertura, começou por dizer que “a língua não é nossa, também é nossa”, numa intervenção que se pretendeu esperançosa mas também eivada de cautelas (“o método da declaração seria mais recomendável”, disse ele já no final, referindo-se à CPLP, onde imperam imposições linguísticas), houve quem recordasse que em 1922, no centenário da independência do Brasil, o académico brasileiro Medeiros e Albuquerque (1867-1934) disse: “A supremacia da língua passou para nós” ou “o dono da língua, hoje, é o Brasil. ” Quem registou tais frases nas suas obras foi o escritor português João Araújo Correia (1899-1985), ali lembrado e saudado, que por sua vez escreveu: “considero insolúvel o problema ortográfico luso-brasileiro”; e, falando das reformas ortográficas que enxamearam a língua portuguesa ao longo de todo o século XX, sentenciou: “admite-se século a século, de oito em oito dias é demais!”O colóquio não era sobre ortografia, era sobre Unidade e Diversidade da Língua Portuguesa, mas como falar de diversidade sem pôr em causa a falsa “unidade” que a ameaça? Impossível. Porque sobre as mais singelas manifestações de bondade linguística continua a pairar a sombra de um cadáver adiado: o dito “acordo ortográfico” de 1990. Que foi directamente citado e posto em causa nalgumas das intervenções programadas (Ivo Miguel Barroso, Rafael Gomes Filipe, Manuel Alegre, Carmen de Frias e Gouveia, Fernando Paulo Baptista, este último recorrendo a uma exposição visual e quase poética da diversidade do planeta e do cosmos para melhor fazer entender a defesa da diversidade linguística e ortográfica), aflorado noutras e usado ou ignorado nas mais específicas, sobre neologismos ou crioulos (o português de Damão está vivo e recomenda-se, assegurou o padre António Colimão; assim como no Luxemburgo o português tem um forte peso social reafirmado em votação parlamentar, testemunhou António Callixto). Mas voltemos à diversidade. João Abel da Fonseca deu-se conta, numa visita recente a Moçambique, de um lote considerável de características dos falares locais, percebendo que o “abatanado” que bebe em Portugal ali se chama “banheira”, que um carro de transporte colectivo é “chapa my love” (vai tudo muito apertado, num involuntário “namoro”); que “xitimela” é, para muitos, comboio; e que “bichar, empeado pro vodacomes” é nada mais do que estar em fila, de pé, à espera de carregar com dinheiro o telemóvel. Ora se nos tempos da resistência se cantava “não há machado que corte a raiz ao pensamento” (Carlos de Oliveira na voz de Manuel Freire ou do Coro da Academia de Amadores de Música, aqui musicado por Fernando Lopes-Graça), também não há acordo ortográfico que “unifique” esta livre expressão. Desse ponto de vista, o colóquio foi profícuo, esperando-se agora que uma divulgação das comunicações permita relê-las e torná-las motor de novos debates, não só em prol do reconhecimento das variantes do português (faladas e ortográficas), como da perenidade das línguas maternas, sobretudo africanas, que com ele partilham vozes e nele se vão misturando, enriquecendo-o. Que triunfe, pois, a diversidade!
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE