Daniel Bausch sobre o ébola: “O surto não está sob controlo neste momento”
Este surto é o maior de sempre, mas o risco de alastrar para os países ocidentais é muito reduzido, afirma este especialista de medicina tropical. (...)

Daniel Bausch sobre o ébola: “O surto não está sob controlo neste momento”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.285
DATA: 2014-08-03 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20140803170208/http://www.publico.pt/1665108
SUMÁRIO: Este surto é o maior de sempre, mas o risco de alastrar para os países ocidentais é muito reduzido, afirma este especialista de medicina tropical.
TEXTO: Daniel Bausch, da Universidade de Tulane (EUA), passou quase todo o mês de Abril em Gueckedou, na Guiné-Conacri – o epicentro do corrente surto de vírus de ébola –, na qualidade de enviado da Organização Mundial da Saúde para a zona afectada pela doença. Também tratou doentes infectados pelo vírus num hospital da capital e esteve na Serra Leoa. Falou com o PÚBLICO desde o Peru, onde dirige actualmente um laboratório de virologia e de infecções emergentes da Marinha norte-americana. Este surto do vírus de ébola é diferente dos anteriores?É. Apresenta desafios específicos, como o facto de abranger vários países diferentes, que falam línguas diferentes – com a barreira linguística que isso implica. Portanto, para além do elevado número de casos, a distribuição dos casos é diferente. Estamos numa batalha com muitas frentes – na Guiné-Conacri, na Serra Leoa, na Libéria. E precisamos de distribuir os nossos recursos por uma zona muito mais extensa do que no passado, o que dificulta a tarefa. Este surto começou no ano passado. Por que é que os media demoraram a falar dele?Tanto quanto sei, começou de facto em Dezembro 2013 em Gueckedou, numa região remota do sudeste da Guiné-Conacri. Trata-se de uma região de floresta hoje muito desflorestada, perto da fronteira com a Serra Leoa e a Libéria. O primeiro caso terá sido uma menina de dois anos de idade, mas não podemos ter a certeza. Lembro-me que em 1995 [aquando de um grande surto de ébola no ex-Zaire], a cobertura mediática foi enorme. Acho que o interesse nestes surtos diminuiu ao longo do tempo – até certo ponto, perderam o seu carácter de novidade. De onde veio o vírus desta vez? Dos morcegos?Não é possível saber exactamente, mas é um facto que, quando os contactos entre os seres humanos e os animais selvagens aumentam, os riscos de haver um surto aumentam. O vírus poderá ter sido transmitido directa ou indirectamente por morcegos [que o vírus infecta, mas que não desenvolvem a doença], por exemplo através de fruta contaminada por animais infectados. Tem havido esforços para se desenvolver uma vacina contra o vírus de ébola. Estão a avançar?Houve alguns ensaios muito promissores de vacina nos macacos – e até um ensaio em seres humanos, que concluiu que a vacina é segura. Mas esta não é uma doença com a qual os laboratórios farmacêuticos possam ganhar muito dinheiro: é esporádica, atinge poucas pessoas e atinge as populações mais pobres do mundo. Para mais, os surtos acabam por ser controlados. Ou seja, não há realmente mercado para uma vacina. Vários profissionais de saúde têm morrido recentemente. Nas fotos que vemos, o equipamento que usam não parece muito protector…Não se trata apenas de uma questão de máscaras e batas. O problema é sobretudo a falta de recursos humanos. Quanto menos pessoal há nos serviços hospitalares, maior o risco de infecção para os que lá estão. Esteve recentemente em Gueckedou. O surto está sob controlo?Estive na região durante grande parte dos últimos três meses. Estive em Gueckedou em Abril e acabei de regressar na passada semana da Serra Leoa. E posso dizer que o surto não está sob controlo neste momento. Para o controlar, precisamos de aumentar a escala da nossa resposta, tanto em termos de recursos humanos como financeiros, porque estes países são dos mais pobres do mundo. Essa realidade tem vindo a ser reconhecida nas últimas semanas e espero que vejamos um aumento da resposta internacional contra o surto nas próximas semanas. Mas mesmo assim, vai demorar quatro a cinco meses até o surto acabar. Qual é o risco de a doença alastrar para os países ocidentais?É muito pouco provável que venha a haver grandes surtos nos países ocidentais. Poderá haver um ou dois casos importados de África, mas é muito pouco provável que isso dê origem a uma transmissão secundária [dessas pessoas para outras que não estiveram em África]. Claro que temos de ser vigilantes – mas nunca haverá centenas de doentes em Portugal, no resto da Europa ou nos EUA. Os países de grande risco são o Nigéria e outros países africanos, mas nos países ocidentais, para as pessoas em geral, tirando os profissionais de saúde, o risco de contrair ébola situa-se incrivelmente perto de zero. Se chegasse amanhã a Lisboa uma pessoa infectada, você não conseguiria apanhar a doença mesmo que tentasse. Não é possível apanhar-se ébola, por exemplo, viajando no mesmo avião que uma pessoa infectada? O vírus apenas se transmite por contacto directo – e o doente só passa a estar contagioso quando já está muito doente, com vómitos e diarreia, porque é nessa fase que dissemina o vírus através dos seus fluidos corporais. As pessoas infectadas não são contagiosas nem durante o período de incubação, nem no início dos sintomas, quando desenvolvem febre.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
A Pretty Vulgar chega à Europa com embalagens criativas e mensagens divertidas
Marca de maquilhagem norte-americana propõe um mundo de contradições. Está à venda nas perfumarias Douglas, em Lisboa e online. (...)

A Pretty Vulgar chega à Europa com embalagens criativas e mensagens divertidas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 6 | Sentimento 0.087
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Marca de maquilhagem norte-americana propõe um mundo de contradições. Está à venda nas perfumarias Douglas, em Lisboa e online.
TEXTO: Há um pássaro que está fora da gaiola na embalagem do rímel. Há uma garrafinha de licor com verniz lá dentro. Há um boião de tinta permanente que não é mais do que eyeliner em gel. A Pretty Vulgar é uma marca de maquilhagem norte-americana que se pauta pela originalidade e pelas contradições, diz o site da mesma. A marca atravessou o oceano e chegou a quase 20 países europeus onde vai ser vendida nas perfumarias Douglas. A Portugal chegou este mês e a novidade fica-se fisicamente por Lisboa, nas lojas dos centros comerciais Colombo e Vasco da Gama, e virtualmente na loja online da Douglas. Nos EUA, a Pretty Vulgar vende-se na cadeia Sephora, informa Clara Tena, directora regional para a Europa. A alguns países chegou em Setembro, há ainda mercados que estão a ser desbravados, mas será sempre vendida nas perfumarias Douglas, acrescenta. A marca que nasceu há um ano e meio foi criada por um grupo de profissionais de maquilhagem, conta Clara Tena, durante a apresentação à imprensa, em Lisboa. E, embora tenha a preocupação de ser cruelty free, ou seja, não é testada em animais; ser vegan, não ter parabenos, sulfatos e ftalatos, a comunicação da marca centra-se numa história que se quer contar: a das mulheres cheias de contradições, as mulheres que ora querem parecer lindas (pretty) ora querem parecer mais simples e soltas (vulgar), explica Clara Tena, mostrando um slide onde se lê: "Ela bebe whisky numa chávena de chá" para mostrar como é que as consumidoras podem parecer pouco coerentes e fazer coisas inexplicáveis. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além do nome da marca – que quer chegar a um largo espectro de consumidoras –, há uma enorme preocupação com o nome dos produtos. Aqui há uma série de trocadilhos feitos com as palavras, por vezes, com mensagens corrosivas, a lembrar palavrões ou gestos feios, aponta a responsável. Tudo é feito com algum humor e em inglês. Se os nomes fossem traduzidos, perder-se-ia toda a intenção, reconhece Clara Tena. Além dos nomes, o packaging também é uma preocupação. Com um ar antigo, vintage, as embalagens contam uma história e muitas têm em comum os pássaros fora da gaiola – um desejo da marca para todas as mulheres, que sejam livres como os pássaros e vivam sem barreiras, explica a responsável da Pretty Vulgar. Por exemplo, o rímel (19, 95 euros) – chamado apropriadamente Raven (corvo) por ser de cor negra – vem numa embalagem que é uma gaiola dourada e o pássaro está livre no topo da mesma. Há um eyeliner que vem numa caneta que parece de tinta permanente e que se chama On Point (19, 95 euros), e outro em gel que chega num frasco de tinta, aparentemente antigo, e se chama The Ink (24, 95 euros). A linha de batons (19, 95 euros) foi baptizada com a frase Bury them with a smile e o hidratante de lábios (19, 95 euros) tem o nome de Silent Treatment. "Há sempre uma mensagem corrosiva", resume Clara Tena, acrescentando que esta é uma marca prestige, mas com preços acessíveis, criada "para as mulheres encontrarem as suas contradições".
REFERÊNCIAS:
África: o continente desigual tem dezenas de multimilionários
Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola e empresária, está entre as três multimilionárias do continente africano, segundo a revista Ventures, que publica pela primeira vez uma lista dos mais ricos. (...)

África: o continente desigual tem dezenas de multimilionários
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento -0.2
DATA: 2013-10-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola e empresária, está entre as três multimilionárias do continente africano, segundo a revista Ventures, que publica pela primeira vez uma lista dos mais ricos.
TEXTO: África tem mais multimilionários do que se pensava e muitos mais do que há uma década. A revista especializada em Economia e Negócios Ventures, com sede na Nigéria, chegou a essa conclusão depois de publicar a sua primeira lista dos “mais ricos” de África esta semana. Entre as 55 figuras com fortunas avaliadas em mais de mil milhões de dólares (800 milhões de euros) no continente, estão três mulheres. Uma delas é Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola. A empresária tem reforçado a sua presença nos sectores da banca e das telecomunicações. Em Angola, conta entre os seus investimentos com uma participação de 25% no banco BIC (também presente em Portugal, onde adquiriu o BPN) e é uma das principais accionistas da operadora de telecomunicações Unitel (accionista do banco que o BPI detém neste país). Também em Angola associou-se à Sonae (dona do PÚBLICO) para lançar a insígnia de retalho Continente (prevendo-se as primeiras aberturas de lojas em 2015) e à Zon, tendo lançado, através de uma sociedade onde detém a maioria do capital, um serviço de televisão por satélite. Em Portugal, domina a Zon Optimus juntamente com a Sonae, é accionista (via Amorim Energia) da Galp Energia e detém 19, 5% do BPI. Graças a esta expansão, entrou também, pela primeira vez este ano, na lista dos mais ricos de todo o mundo da revista norte-americana Forbes com fortunas acima dos dois mil milhões de dólares (1600 milhões de euros). Na lista mais restrita das 40 figuras mais ricas de África, da Forbes, Isabel dos Santos está no 31. º lugar com uma fortuna estimada em três mil milhões de dólares (2300 milhões de euros). Entre os 736 multimilionários eleitos este ano, a filha de José Eduardo dos Santos surge como única representante de Angola. Na lista da Ventures, também. Os critérios para uma e outra lista são diferentes; se Isabel dos Santos foi eleita pela Forbes a “mais rica de África”, a Ventures elege antes a nigeriana Folorunsho Alakija, apresentada como a única mulher entre os “dez mais”. Além de ser dona da Famfa Oil, uma das petrolíferas que dominam a exploração na Nigéria, Folorunsho Alakija é estilista e criou uma marca de moda na Nigéria — a Supreme Stitches. Vale, segundo a Ventures, quase sete mil milhões de dólares. Isabel dos Santos junta-se a ela e à terceira mulher africana entre os 55 mais ricos de África – a viúva do primeiro Presidente do Quénia, Mama Ngina Kenyatta. O magnata nigeriano Aliko Dangote, com uma fortuna avaliada em 20 mil milhões de dólares (15 mil milhões de euros), é o mais rico de África. Tinha pouco mais de 20 anos quando se dedicou ao comércio do arroz, açúcar, farinha e cimento. Duas décadas mais tarde, era apontado como um modelo de sucesso por ter impulsionado o sector industrial do país, ao passar da comercialização para a produção. Mike Adenuga também é nigeriano — o segundo mais rico do país e o terceiro mais rico nos mais de 50 países do continente, segundo a Ventures. É o fundador da Globacom, empresa de comunicações móveis que chega a mais de 24 milhões de clientes na Nigéria, já conquistou o mercado do Benim e adquiriu licenças para operar no Gana e na Costa do Marfim. Mike Adenuga protagoniza uma das muitas histórias de sucesso que a Ventures pretende publicitar e invoca para compilar esta lista (“O dinheiro é apenas uma forma de medirmos o sucesso no mundo, mas importa”, escreve a revista. )O percurso do nigeriano, numa escala pessoal, vai ao encontro da tese, à escala do continente, defendida pelo professor da Universidade da Columbia nos Estados Unidos Jeffrey Sachs, segundo a qual a proliferação dos telemóveis pode explicar o boom económico nalguns países do continente, da mesma forma que o acesso à Internet pode vir a revelar-se uma importante ferramenta de desenvolvimento. Com os seus 55 multimilionários contabilizados pela Ventures, o continente africano andará a par da América Latina, que tem 51 “super-ricos” (identificados pela Forbes), e está muito longe da Ásia, com 399 multimilionários. No ranking “inaugural” desta revista, Nigéria (com 20 multimilionários) e África do Sul (com nove) são os países que reúnem as maiores fortunas pessoais no continente. Oito são do Egipto. Os 55 multimilionários superam os números esperados de 16 a 25, escreve o Financial Times, que atribui a diferença entre o previsto e o real a uma multiplicação de fortunas na última década, impulsionada pela subida dos preços do petróleo. O crescimento económico atingiu em média 5% ao ano desde 2000 em África, escreve o Financial Times, que aponta “a emergência de uma classe média” (embora “minúscula”) a par de um sentimento de persistente pobreza. A nova “alvorada” (como lhe chama a BBC) ou as melhorias (que o FT identifica nas estatísticas do Banco Mundial) não escondem uma realidade: a tendência é positiva mas o número de pessoas em África a viver com menos de um euro por dia continuava, em 2010, nos 48, 5%. E se a fortuna dos 55 mais ricos de África, de acordo com a Ventures, totaliza 145 mil milhões de dólares (110 mil milhões de euros), o fundador da Microsoft Bill Gates terá sozinho metade disso. com L. V.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Teme-se uma situação explosiva na República da África do Sul
A oposição sul-africana ao Governo do Congresso Nacional Africano (ANC) avisou que o assassínio do líder de extrema-direita Eugène Terre'Blanche poderá criar uma situação potencialmente explosiva, trazendo de novo a lume todas as tensões dos tempos do apartheid. (...)

Teme-se uma situação explosiva na República da África do Sul
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-04-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: A oposição sul-africana ao Governo do Congresso Nacional Africano (ANC) avisou que o assassínio do líder de extrema-direita Eugène Terre'Blanche poderá criar uma situação potencialmente explosiva, trazendo de novo a lume todas as tensões dos tempos do apartheid.
TEXTO: “Ninguém tem o direito de exercer justiça pelas suas próprias mãos”, disse o Presidente Jacob Zuma, que é de igual modo o líder do ANC, partido maioritário desde as primeiras eleições multipartidárias e multirraciais efectuadas na África do Sul, em 1994, após o fim do regime segregacionista. “É neste contexto que a morte de Terre'Blanche deve ser condenada, independentemente da forma como os seus assassinos pensem que teriam alguma justificação. Não tinham o direito de lhe tirar a vida”, diz um comunicado distribuído pelo gabinete de Zuma. Este crime verificou-se numa altura de crescente polarização racial na República da África do Sul, bem patente na polémica sobre o facto de a justiça ter ilegalizado uma canção que costumava ser cantada pelo líder da ala juvenil do ANC, com o refrão “Morte ao Boer”. E a verdade é que Eugène Terre'Blanche sempre se apresentou como o supra-sumo dos boers (fazendeiros, em holandês), os sul-africanos de ascendência holandesa, francesa e alemã, politicamente mais à direita do que os seus compatriotas brancos de ascendência britânica. Estes têm assumido tradicionalmente uma postura relativamente liberal. O Movimento de Resistência Afrikaner (AWB), de Terre’Blanche, afirmou que vingaria o assassínio do seu líder carismático, mas também aconselhou os seus militantes a não actuarem antes de uma reunião que, no dia Primeiro de Maio, deverá determinar o futuro do grupo, cuja intenção tem vindo a ser a proclamação de uma república boer independente, um Boerestaat, como chegou a haver no século XIX, quando era clara a supremacia branca, não tendo os negros quaisquer direitos. “A acção específica será decidida na nossa conferência”, declarou Andre Visagie, secretário-geral do movimento, cuja bandeira é muito parecida com a nazi: em vermelho, branco e negro, tem ao centro um símbolo que se apresenta como que uma derivação da cruz suástica. Terre’Blanche, de 69 anos, estava a aparecer pouco em público desde que em 2004 foi libertado da cadeia, depois de ter cumprido três dos cinco anos a que fora condenado por tentativa de assassínio. Vivia discretamente, ao contrário dos seus antigos desfiles a cavalo, mas o seu partido andava há dois anos a procurar ganhar novo fôlego e a criar uma frente unida com outras forças da extrema-direita. À direita de Salazar e de SmithO Afrikaner Weerstandsbeweging (AWB) foi fundado em 1970, para combater o que pessoas como Eugène Terre’Blanche consideravam a linha liberal do primeiro-ministro John Vorster, que tinha sido encarado no resto do mundo como um nacionalista de extrema-direita, aliado dos regimes do rodesiano Ian Smith e do português Oliveira Salazar. A sua intenção era criar na África do Sul estados só para brancos, onde os negros apenas poderiam entrar para trabalhar, sem quaisquer direitos de cidadania ou de residência. E chegou a ameaçar tomar o poder pela força se acaso o Governo branco capitulasse perante o ANC, que existia desde 1912 e que travou uma longa luta para acabar com o apartheid. Ebrahim Fakir, analista do Electoral Institute of Southern Africa, disse hoje à rede de televisão Al Jazira ser improvável que a causa dos extremistas brancos que era personificada por Eugène Terre’Blanche morra com ele. E é um facto que os brancos continuam a deter grande parte do poder económico e das terras, apesar de a maioria negra ter assumido há 16 anos a governação. O arcebispo emérito da Cidade do Cabo, Desmond Tutu, disse há pouco tempo, no vigésimo aniversário da libertação de Nelson Mandela, que nem tudo são rosas na África do Sul, país de 49 milhões de habitantes onde os brancos ganham em média sete vezes mais do que os negros e pelo menos uma em cada quatro pessoas não tem emprego. “Quando olhamos à nossa volta e vemos o número dos nossos compatriotas a viver na miséria, a frequentar escolas sub-equipadas ou a acamar-se como sardinhas em pequenos autocarros inseguros, interrogamo-nos sobre quando é que o fruto da democracia chegará às mesas de todo o nosso povo”, disse o prelado, distinguido em 1994 com o Prémio Nobel da Paz. Mais de um milhão de famílias vivem em casas sem água corrente nem saneamento básico, em 2600 enormes bairros de barracas, apesar de a África do Sul ser a maior economia de todo o continente africano. A esperança de vida é de apenas 53 anos para os homens e 57 para os mulheres, enquanto mais de 10 por cento da população se encontra seropositiva e o índice de criminalidade é um dos maiores de todo o mundo. “Excluídos do antigo regime não estão hoje muito melhor”“Os excluídos do antigo regime não estão hoje muito melhor”, destacou nessa altura a AFP, para mostrar que nem tudo tem vindo a correr pelo melhor desde que a figura mais carismática do ANC foi libertada da cadeia e o Presidente Frederik de Klerk decidiu acabar com o sistema de apartheid. O rendimento mensal médio dos negros aumentou 37, 3 por cento, desde 1994, o ano em que se realizaram as primeiras eleições abertas a toda a população e em que Mandela substituiu De Klerk na chefia do Estado. Mas o dos brancos, ironicamente, subiu 83, 5 por cento, tendo sido esta minoria financeiramente beneficiada com as mudanças destas duas últimas décadas. Foi neste contexto de profundo descontentamento de alguns negros por não existir ainda um maior equilíbrio e mais justiça na sociedade sul-africana que se verificou agora o assassínio do símbolo máximo do racismo branco, erguendo de novo o fantasma de um regresso aos ódios do passado. Segundo a agência noticiosa sul-africana Sapa, Terre’Blanche teria sido espancado até à morte, ontem à noite, na sua fazenda, por dois trabalhadores negros, respectivamente de 16 e de 21 anos, os quais alegaram que não estavam a ser pagos, sentindo-se portanto como escravos. E isto poderá funcionar como o rastilho para que venha à luz do dia muita tensão acumulada.
REFERÊNCIAS:
João Silva continuou a fotografar mesmo depois de ter ficado com pernas em parte decepadas por mina
O fotógrafo português João Silva, detentor de passaporte sul-africano, perdeu parte das pernas e sofreu hemorragias internas devido à explosão da mina que pisou no Afeganistão; mas mesmo assim continuou a tirar fotografias enquanto os paramédicos o tratavam, contou o jornal para o qual trabalha, o “The New York Times”. (...)

João Silva continuou a fotografar mesmo depois de ter ficado com pernas em parte decepadas por mina
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-10-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O fotógrafo português João Silva, detentor de passaporte sul-africano, perdeu parte das pernas e sofreu hemorragias internas devido à explosão da mina que pisou no Afeganistão; mas mesmo assim continuou a tirar fotografias enquanto os paramédicos o tratavam, contou o jornal para o qual trabalha, o “The New York Times”.
TEXTO: Também sofreu ferimentos na zona pélvica, contou um porta-voz do jornal, Robert Christie, num e-mail enviado ontem para a agência noticiosa sul-africana SAPA. "A repórter Carlotta Gall comunicou que o João continuou a tirar fotos depois da explosão, enquanto lhe aplicavam torniquetes, lhe davam morfina e o conduziam ao helicóptero”, disse Christie. Entretanto, contactado pelo PÚBLICO, o mesmo porta-voz do "The New York Times", manifestou a esperança de que o destacado profissional ainda possa voltar à actividade, apesar de toda a gravidade dos sofrimentos sofridos e pelos quais tem recebido muitas mensagens de solidariedade. Ontem à noite o fotógrafo luso-sul-africano seguiu para a base aérea de Bagram, perto de Cabul, a capital afegã, a fim de as suas feridas serem limpas e se proceder a mais exames, antes de uma prevista viagem para a Alemanha. A mulher de João Silva, Vivian, recebeu do cirurgião uma circunstanciada e dolorosa exposição de todo o processo, com o pormenor de que o destacado profissional do fotojornalismo é “extremamente forte”, aguentando da melhor maneira que lhe é possível os tormentos por que está a passar. Vivian deverá tomar nas próximas horas um avião da África do Sul para a Alemanha, a fim de se juntar ao marido, depois do “The New York Times” lhe ter conseguido arranjar um visto de urgência. O casal tem dois filhos, uma menina de seis anos e um rapaz de cinco. Inicialmente, João Silva, de 44 anos, natural da área de Lisboa, foi conduzido à base militar norte-americana de Kandahar, de onde transitou para Bagram, a caminho da Europa. O fotógrafo pisou a mina quando percorria uma área perto da cidade de Arghandab, contou o seu jornal. Nenhum soldado norte-americano foi ferido na explosão, mas três sofreram o impacto da mesma. Um grupo de sapadores e de cães tinha já passado pela zona alguns passos à frente de João Silva quando a bomba deflagrou. Engenhos de fabrico rudimentar e minas contribuem para as frequentes baixas entre as tropas estrangeiras destacadas no Afeganistão. Mais do que qualquer outro tipo de armamento. Muitas das bombas são feitas com uma pequena quantidade de metal e por isso mesmo extremamente difíceis de detectar. João Silva e a sua colega Carlotta Gall viajavam com uma unidade da Divisão Aerotransportada 101. Os soldados norte-americanos andavam em missão a expulsar os rebeldes taliban de Arghandab e dos campos em redor, desde há semanas, no âmbito de um grande esforço para garantir a segurança de todo o território próximo de Kandahar. Silva tem fotografado guerras no Afeganistão, Iraque, África Austral, Balcãs e Médio Oriente. E tem ganho muitos prémios pelo seu trabalho, incluindo o The World Press Photo. É autor, juntamente com Greg Marinovich, de “The Bang-Bang Club”, crónica de um grupo de quatro fotógrafos que na década de 1990 cobriram a violência na África do Sul. Os outros dois eram Kevin Carter e Ken Oosterbroek, já falecidos. Notícia actualizada às 13h15
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Palavras, expressões e algumas irritações de final de ano
“Plasma”, “Caixa”, “pós-verdade”, “yazidi” e “esperança” foram algumas palavras traduzidas… no suplemento P2, que regressou em Outubro de 2016. Comecemos pelo fim. (...)

Palavras, expressões e algumas irritações de final de ano
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Plasma”, “Caixa”, “pós-verdade”, “yazidi” e “esperança” foram algumas palavras traduzidas… no suplemento P2, que regressou em Outubro de 2016. Comecemos pelo fim.
TEXTO: Sempre que o calendário está prestes a mudar para um novo ano, há uma atmosfera de “esperança” que contagia até os mais cépticos. Por todo o lado se escutam desejos de “bom ano”, seja em família, no trabalho ou na rua. E fazemos por acreditar que assim vai ser. “Confiança, fé que uma pessoa tem em que ocorra aquilo que deseja”, é uma das definições que o dicionário nos oferece. Dito de outra forma, “disposição do espírito que induz a esperar que uma coisa se há-de realizar ou suceder”. “Esperança” é também uma das três virtudes teologais cristãs, as outras são “fé” e “caridade” (como sinónimo de “amor”, que preferimos). Podemos ter “esperança” de que um filho comece a falar e de que um político se cale. Ter a “expectativa” de que finalmente vamos aprender a fazer contas e de que os banqueiros também (não apenas as deles). Desejar que alguém melhore de saúde ou de comportamento, que um cessar-fogo seja isso mesmo, que um amigo arranje trabalho ou que um irmão regresse a casa. Não nos envergonhemos de ser optimistas: “O pessimismo alimenta-se da razão. O optimismo precisa da vontade. De certo modo, o optimismo precisa do sentido da esperança que o preserve dos excessos da razão”, escreveu Bagão Félix no PÚBLICO (“Optimismo e pessimismo. E Alepo…”, 19 de Dezembro). Gostámos. Prolonguemos então esta atmosfera o mais que pudermos e contagiemos quem está por perto. Com pequenos feitos também se pode mudar o mundo. Bom ano de 2017, mas também de 2018, 2019, 2020… e todos os que se seguirem. Na esperança de que continue desse lado a ler o que escrevemos para si. “Líquido transparente de vários tecidos orgânicos, como a linfa e o sangue, no qual se encontram em suspensão os glóbulos vermelhos, os glóbulos brancos e as plaquetas. ” Este é o primeiro significado que o dicionário nos oferece para “plasma” e que diz respeito à fisiologia. Não esperávamos outra coisa. Se os dicionários mudassem de filosofia e quisessem actualizar-se a cada dia, poderiam acrescentar a esta entrada uma correlação (linear positiva) entre litros de plasma humano e cilindrada de automóveis. Já que, por estes dias, ficámos a saber que ser presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica é uma das variáveis que podem interferir na relação entre plasma e luxo automobilístico. Um dicionário actualizado também poderia remeter para os vocábulos “negócio”, “concurso”, “corrupção” e ainda para os nomes “Octapharma”, “Cunha Ribeiro”, “Lalanda e Castro” ou para advogados eternos defensores de poderosos. Assim, os leitores teriam oportunidade de se inteirar dos argumentos de todas as partes. E o conhecimento é sempre enriquecedor, mesmo que não nos torne tão ricos como os vendedores do “líquido transparente”. Sugerimos que os dadores de sangue comecem a cobrar pelo líquido vital que oferecem, já que o Estado desperdiça grande parte dele para a comprar mais adiante. Ou então tornem-se accionistas da Octapharma. É rentável. Há um outro registo para “plasma” (além de “ecrã cuja tecnologia usa esse gás”): “Fluido composto por moléculas gasosas, iões ou electrões. ” Uma frase ilustra a definição: “Estima-se que 99% da matéria do Universo exista sob a forma de plasma. ”Percentagem que faz ecoar outra, a de que 1% da população mundial, a mais rica, tem tanto dinheiro como os restantes 99%. E é então que o sangue ferve. Esta é a época de sermos todos bonzinhos. “Solidariedade”, “generosidade” e palavras derivadas ou semelhantes multiplicam-se pelas várias campanhas de Natal de ajuda a quem precisa. É bonito. Diz o dicionário para “solidariedade”: “Apoio activo e desinteressado a uma causa alheia, em momento de necessidade. ” E acrescenta: “ajuda”, “apoio”, “fraternidade”. Este ano, a ajuda dos consumidores à recolha directa do Banco Alimentar Contra a Fome à porta dos hipermercados diminuiu relativamente à campanha do ano passado por esta altura. Em 2015, foram angariadas 2270 toneladas de alimentos; neste Natal, 2129 (menos 141 toneladas). Não sabemos se os portugueses estão menos generosos, se desconfiam da palavra “Banco” ou se se questionam por não haver recolha à porta de mercearias e minimercados (poderiam também beneficiar da “dádiva” dos cidadãos benfeitores). “No Natal, oferecia-se fruta e uns sapatos velhos que andavam lá por casa”, recordou ao PÚBLICO Maria Filomena Mónica, que lançou por estes dias o livro Os Pobres. A autora constatou: “Ainda há pobres a dez minutos de minha casa. ”Para “generosidade”, o dicionário regista: “Virtude daquele que se dispõe a sacrificar os seus interesses em benefício de outrem. Altruísmo. ”Escreve o Banco Alimentar num folheto distribuído nas caixas do correio: “A verdadeira prova de generosidade é partilhar aquilo que sobra. ”Aquilo que sobra? Não. Generosidade é dividir o que se tem. Mais: prescindir do que se tem. Dar sobras de alimentos e vestuário usado é reorganizar a despensa e ganhar espaço no guarda-vestidos para a nova colecção Outono-Inverno. Sei lá!“Sentimento de mágoa e pesar pela morte ou desaparecimento de alguém”, regista o dicionário, que ilustra assim a explicação: “Dias de dor e de luto. ”É o que se vive em Cuba, porque morreu Fidel Castro, e no Brasil e na Colômbia, pela queda de um avião que fez 71 vítimas, entre elas, 19 jogadores de futebol do Chapecoense (mais 32 ligadas ao clube). Falamos das perdas mais mediatizadas da semana, sem querer minimizar o sofrimento que persiste noutras geografias. Há mais significados para “luto”, como “conjunto de manifestações convencionais desse sentimento, ao nível individual e colectivo, nomeadamente as que dizem respeito ao traje e ao comportamento”. Pensamos em vestuário negro, solenidade e no “período de tempo em que se respeitam essas manifestações de pesar”. O dicionário lembra que “o luto das mulheres viúvas era para toda a vida”. Por isso se torna comovente ver um estádio cheio de gente vestida de branco, verde e azul, a erguer velas e cachecóis em homenagem aos que iam jogar a primeira mão da final da Taça Sul-americana, em Medellín (contra os colombianos do Atlético Nacional). Em Cuba, foram decretados nove dias de “luto nacional” e milhares de pessoas homenagearam Fidel na Praça da Revolução. Um cortejo com as cinzas do líder percorreu desde quarta-feira até hoje perto de mil quilómetros, de Havana até Santiago, berço da revolução de 1959. Existem muitas formas de “fazer o luto”, ou seja, o “período em que uma pessoa se confronta, no seu íntimo, com a perda de alguém, procurando conquistar o equilíbrio psicológico que essa perda ameaçou ou destruiu”. O desaparecimento aos 90 anos pode ser doloroso, mas não inesperado. Não é igual para quem tem entre 21 e 35, as idades dos atletas. Como um furacão, a morte saiu à rua num dia assim. “Qualquer recipiente rígido usado para guardar ou transportar alguma coisa. ” Todos sabemos. “Cofre ou receptáculo de dinheiros em estabelecimentos comerciais. ” Fácil de perceber. “Empregado que tem a caixa a seu cargo, nomeadamente uma caixa registadora. ” Aproximamo-nos do que nos traz aqui. “Repartição onde se fazem pagamentos ou recebimentos. ” Mais perto ainda. “Nome dado a certos estabelecimentos financeiros, destinados a crédito ou a aplicação e gestão de fundos. ” Chegámos. Um dos dicionários nomeia mesmo Caixa Geral de Depósitos e Caixa de Previdência, mas é de uma data em que não se prestava atenção a declarações de património e de rendimentos nem a reuniões prévias com nomeados prévios a presidentes de instituições previamente candidatas a recapitalizações. Uma “caixa-forte” é um “compartimento muito seguro, de banco ou empresa, onde se guarda dinheiro, documentos ou objectos de valor”. Faz-nos lembrar o Tio Patinhas (e outras personagens fora dos livros): era um pato magnata e “caixa-de-óculos”. Há a expressão “fazer caixinha”, isto é, “fazer segredo” ou “guardar uma revelação para o momento conveniente”. Prática comum na política e na banca. “Pensar fora da caixa” quer dizer “pensar livre das amarras convencionais”. Já a “toque de caixa” remete para alguém “obrigado a fugir, de forma rápida e violenta”. Na sexta-feira, a Caixa deu origem a insulto e retractação no Parlamento, a propósito da expressão “disfuncionalidade cognitiva temporária”. Fica-se a pensar que por ali, volta e meia, ninguém “dá uma para a caixa”. Só para a Caixa. Estranho vocábulo este que os prestigiados dicionários Oxford elegeram como palavra do ano. “Pós-verdade” dirá pouco a quem lê (e escreve) em português, mas achámos por bem trazê-la aqui. Segundo os editores britânicos, trata-se de um substantivo “denotando circunstâncias em que factos objectivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crença pessoal”. Sintetizando, “as pessoas votam nos palhaços porque se revêem neles”, recorrendo às palavras de João Paulo Batalha, da Associação Cívica Transparência e Integridade. O uso de “post-truth” vulgarizou-se nos paises anglo-saxónicos com o “Brexit” e com a eleição de Donald Trump — dois “choques” para os que tinham certas verdades como garantidas. “Verdade” significa “propriedade de estar conforme aos factos, ao real”. Quanto ao elemento “pós”, exprime a noção de “posterioridade no espaço e no tempo”, como “pós-guerra”. Na nova acepção, “pós” desvaloriza o conceito que prefixa, retirando importância à ideia de “verdade”. Em Setembro, a revista The Economist considerava Trump como “o principal expoente da política ‘pós-verdade’”. E exemplificava: “Ele vive num reino fantástico onde a certidão de nascimento de Barack Obama foi falsificada, o Presidente fundou o Estado Islâmico, os Clinton são assassinos (. . . )”Na política nacional, fala-se mais em “inverdade”. Um dicionário regista: “Neologismo que só se justifica pelo facto de com ele se desbrutalizar a palavra ‘mentira’. ” O mesmo se poderá dizer para “pós-verdade”, uma forma de desbrutalização da “aldrabice”. Com inspiração brasileira, também criámos neologismos: “pós-peta”, “pós-patranha”, “pós-lorota”, “pós-potoca”. Haverá sempre forma de nos divertirmos com o que é triste. Como fazem os palhaços. Afinal o que é um “presidente”? “Pessoa que preside, que ocupa o mais alto cargo ou que dirige os trabalhos numa assembleia ou numa instituição. ” No caso concreto de Presidente da República, “o chefe de Estado”. Na quarta-feira, os norte-americanos elegeram o Presidente para os vários estados do país, Donald Trump de sua graça. Ali, vigora o “presidencialismo”, ou seja, o “modelo político ou sistema de governo em que compete ao Presidente da República a chefia do governo”. E o republicano que fintou os media está agora no “mais alto cargo” do país (e do mundo). Há que dar razão a Miguel Esteves Cardoso, que escreveu: “Trump ganhou porque foi eleito. Nós perdemos porque fomos derrotados pelos nossos próprios preconceitos e pelo excesso de zelo com que perseguimos a vitória de Hillary Clinton. ”Excerto do discurso do novo Presidente, que sossegou alguns: “Agora chegou o momento para os EUA sararem as feridas que nos dividem, para nos juntarmos e para que republicanos, democratas e independentes deste país se juntem como um povo unido. Chegou a altura. ”Ao “mordomo da festa de uma freguesia” também se chama “presidente”, mas não nos merece registo com maiúscula. Nem o “presidente da junta” nem o “presidente da Caixa” (mesmo com altos rendimentos e vasto património). Por coincidência, chamamos “caixa alta” à letra grande, mas só a concedemos mesmo ao Presidente da República. E ao Papa. Num dicionário brasileiro, descobrimos em tempos que “presidente” também é nome de ave. Trata-se de um pássaro que “vive nos cisqueiros e nos lugares em que os esgotos desembocam nos riachos”. “Macuquinho” de sua graça. Mas não estamos aqui para insultar ninguém. Citar Camões no Parlamento português será sempre algo a assinalar, até porque se trata de um fórum onde a língua do poeta nem sempre é tratada como se impunha. “A oposição está cativa de uma tabela”, disse Mário Centeno, ministro das Finanças, na discussão do Orçamento do Estado para 2017 para aprovação na generalidade. E declamou: “Aquela cativa que me tem cativo, porque nela vivo já não quer que viva. ”Citação de “Endechas a Bárbara Escrava”. (“Endecha” é um poema lírico, melancólico, “formado por estrofes de quatro versos de cinco ou seis sílabas”. Para “cativo”, o dicionário oferece vários significados. Primeiro de dez: “Que está privado de liberdade, que vive em prisão ou cativeiro. ” Seguem-se exemplos de frases, mas nada de tabelas: “A história de uma moura cativa” ou “sentia-se como um animal cativo”. Há uma outra definição (certamente não a que Centeno se queria referir quando se dirigia à oposição): “Que está seduzido ou rendido a alguém ou a algo. ” Mas o nosso erudito ministro utilizou o vocábulo noutras acepções: “Não há cativos na Educação, não há cativos na Saúde. ” Aqui, a palavra pode traduzir-se por algo “que está retido ou sujeito a hipoteca”. Um pouco mais da “redondilha menor”, que se pensa ser dedicada a um amor com origem na Índia (não especificamente Goa. . . ): “(. . . ) Eu nunca vi rosa, em suaves molhos, que para meus olhos fosse mais fermosa. / Nem no campo flores, nem no céu estrelas, me parecem belas como os meus amores (…)”“Refém” e “cativo” são sinónimos. E qualquer político parece estar “refém” de alguma coisa, seja de tabelas por revelar, de exigências da União Europeia ou de reivindicações de partidos com que se alia para viabilizar governo ou o que quer que seja. “Cativos” de tudo isto estamos nós. E o mexilhão. Nome de comunidade concentrada no Norte do Iraque e que combina elementos de várias religiões do Médio Oriente. Ficámos a sabê-lo pelos piores motivos. “Em Junho, um relatório das Nações Unidas reconhecia que o Estado Islâmico está a cometer um genocídio contra os yazidis na Síria e no Iraque, nos territórios que tem sob o seu controlo. Está a fazer uma tentativa deliberada de destruir esta comunidade religiosa de cerca de 400 mil pessoas através do assassínio, escravatura sexual e outros crimes”, descreveu-se na imprensa. E de que é que falamos quando falamos de “genocídio”? De “extermínio sistemático de um grupo humano por motivos raciais, linguísticos, religiosos, políticos”. Ou seja, de um “crime contra a humanidade”. O mesmo é dizer “contra todos nós”. Esta semana, o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento distinguiu duas mulheres yazidis que foram escravas sexuais do Estado Islâmico e tiveram a força de se tornar activistas e porta-vozes desta minoria que os jihadistas continuam a dizimar. (O Parlamento Europeu, quando quer, faz boas escolhas. )Nadia Murad e Lamiya Haji Bashar sofreram o inimaginável às mãos do Daesh. Nadia também já tinha recebido no início do mês o Prémio Vaclav Havel dos Direitos Humanos. E se nada apagará o sofrimento e revolta destas jovens, distingui-las pela coragem renova em nós alguma esperança na espécie humana (e na Europa). Há notícias de que, apesar de Sinjar ter sido reconquistada ao Estado Islâmico, por forças curdas apoiadas por bombardeamentos da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, “a maioria dos yazidis não pensa em regressar”. Compreende-se. “Não voltes ao lugar onde foste infeliz. ” Frase bem mais acertada do que a que se vulgarizou. No caso, “brutalmente infeliz”. Expressão que se vulgarizou como referente a Marte. Isto porque o óxido de ferro predominante na sua superfície lhe dá uma aparência avermelhada. Por estes dias, esperava-se saber mais sobre este planeta (que em sentido figurado significa “guerra” e “homem guerreiro”), mas o módulo de aterragem “Schiaparelli”, que na tarde de quarta-feira descia até ao solo de Marte, deixou de enviar sinais. “Tudo terá corrido bem até aos últimos 50 segundos da viagem”, noticiou-se. O director-geral da Agência Espacial Europeia, Jan Woerner, escolheu destacar o que correu bem naquele dia, lembrando que a sonda europeia “Trace Gas Orbiter” se mantém correctamente posicionada na órbita de Marte “e pronta para a ciência”. Garantiu ainda que a segunda parte da missão ExoMars não está comprometida. Dentro de algum tempo ficará a saber-se o que aconteceu afinal na travessia da atmosfera pouco densa do “planeta vermelho”, onde apenas… sete aparelhos (da NASA) conseguiram pousar. Em 2015, descobriu-se que por lá corre um mar muito mais salgado do que os nossos. A ficção, na literatura e no cinema, há muito que pintou os marcianos de verde. E ninguém ousará contrariar tal “convenção”. Aqui no planeta azul e especificamente em Portugal, há pelo menos dois “universos vermelhos”. No futebol, o planeta Benfica saiu-se bem na semana que passou (venceu o Dínamo de Kiev na Liga dos Campeões). Na política, o planeta PCP+BE, onde habitam mesmo alguns seres “verdes”, parece estar a tornar-se mais rosáceo, a cor do Governo. Como o módulo “Schiaparelli”, há que prevenir a possibilidade de se perder o sinal. E evitar espatifar-se. A cada ano, todos temos de “orçar” as nossas vidas em função dos “cálculos” e “contas” de quem gere os bens públicos. E nem sempre é fácil perceber o léxico dos decisores. Há conceitos complexos como “dotação provisional”, “défice orçamental nominal” ou “indexante dos apoios sociais”. Outras palavras já nos são mais familiares: “impostos”, “aumentos”, “cortes”, “austeridade”. Em semana de apresentação do Orçamento do Estado para 2017, fomos revisitar os dicionários. Em sentido alargado, “orçamento” significa “apreciação dos meios necessários para se realizar qualquer empreendimento”. Orçamento do Estado propriamente dito define-se como “a conta das receitas e das despesas públicas prováveis de um Estado durante um ano económico”. Nada de novo, mas é bom consolidar conhecimentos. Logo na sexta-feira de manhã ficou a saber-se algumas das medidas com que os portugueses terão de contar no próximo ano: os automóveis, as bebidas alcoólicas e o tabaco vão ficar mais caros, haverá aumento do subsídio de refeição na função pública e uma subida faseada das pensões. A descida na íntegra do IVA na restauração fica adiada. No debate quinzenal na Assembleia da República, também se deu a conhecer que o “imposto Mortágua” (sobre o imobiliário a partir de 600 mil euros) financiará a Segurança Social. Uma discussão que envolveu palavras e expressões como “olhómetro”, “duelo”, “campeã da lavoura”, “diabo” e até “cidadões” (sic). “Orçar um navio” significa “voltar a proa da embarcação para a linha do vento”. Como o PCP e o Bloco de Esquerda decerto farão com “o barco” do PS. E saiba o leitor que existe a palavra “orçamentívoro”. Diz-se de alguém “que vive do Orçamento do Estado”, “do tesouro público”. Ou seja, um parasitário. Foi uma palavra que se repetiu bastante esta semana, quer no singular quer no plural. E começou assim: “O país tem de fazer escolhas. ”Uma declaração do primeiro-ministro ao PÚBLICO sobre o Orçamento do Estado para 2017. António Costa fez saber que “o novo IMI será ‘equilibrado’, que não é ‘oportuno’ taxar valores mobiliários, que a subida das pensões será ‘a possível’, que em 2017 não há aumentos para a função pública ou que é preciso aumentar impostos indirectos”, resumiu David Dinis em editorial. Na quinta-feira, chegava outra “escolha” de Costa e, presume-se, de Centeno: o perdão fiscal. Especificando: uma medida que permite regularizar dívidas ao Fisco e à Segurança Social, perdoando juros e custas judiciais. Uma “opção” (sinónimo de “escolha”) que fez com que parte da “caranguejola” (sinónimo de “geringonça”) se ressentisse. “Catarina Martins não está contente”, escreveu-se. Antes, ainda houve as escolhas de Marcelo… que preferiu vetar o decreto-lei que introduzia a quebra do sigilo bancário em contas acima de 50 mil euros. “Inoportunidade política”, justificou. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Diz o dicionário que “escolha” é “a preferência voluntária que se dá a pessoas ou coisas entre outras”, mas também “eleição”. António Guterres foi o “escolhido” e “eleito” para secretário-geral da Organização das Nações Unidas. Por unanimidade. Até Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, e que todos sabíamos apoiar Kristalina Georgieva, “escolheu” mostrar-se “extremamente satisfeito”. Civilizadamente, “escolhemos” fingir que acreditamos. Na literatura, a “escolha” do festival Escritaria, em Penafiel, foi para Alice Vieira. Assim se homenageia uma escritora de livros “esperançosos” para crianças e jovens. Precisamos disso: de esperança e de leitores.
REFERÊNCIAS:
Reclamação de Sócrates rejeitada pelo Tribunal da Relação
Advogados ponderam agora recorrer para o Constitucional. (...)

Reclamação de Sócrates rejeitada pelo Tribunal da Relação
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Advogados ponderam agora recorrer para o Constitucional.
TEXTO: A reclamação apresentada pelos advogados de José Sócrates em relação ao acórdão em que os juízes questionam a origem da riqueza do ex-primeiro-ministro, recorrendo a ditados que remetem para o reino animal, foi rejeitada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Em causa estava não apenas a metáfora usada, mas sobretudo o facto de o Tribunal da Relação ter validado a prisão preventiva do antigo governante decretada pelo Tribunal Central de Instrução Criminal em Novembro sem acolher os argumentos dos advogados, no entender dos quais se as suspeitas que recaem sobre o seu cliente se reportam à altura em que ele era primeiro-ministro, então deviam ter sido procuradores do Supremo Tribunal de Justiça, e não do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, a conduzir a investigação. Por esta razão, a prisão seria ilegal. Por outro lado, o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre as questões de constitucionalidade que também levantaram sobre a prisão de José Sócrates, têm argumentado os advogados João Araújo e Pedro Delille, a quem desagradou a terminologia usada no acórdão em causa, datado de Março passado. "Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm" e "gato escondido com rabo de fora" foram os ditados populares utilizados pelos juízes da Relação de Lisboa para manifestar a sua concordância com a legitimidade da prisão preventiva, baseada na tese de que os milhões de euros que se encontram nas contas bancárias do empresário Carlos Santos Silva pertencem, na realidade, ao ex-primeiro-ministro, que os terá conseguido em troca de favores que prestou quando estava no Governo. As alusões ao reino animal mereceram fortes críticas de Araújo e de Delille, para quem os juízes desembargadores que proferiram a decisão se limitaram a misturar “anexos, franjas de prova, presunções ilícitas, rabos de gato, cabras e cabritos, as inevitáveis mulheres de César e outras razões de semelhante juridicidade". Foi deste acórdão que reclamaram, novamente para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem sucesso. Uma decisão desta semana rejeita os argumentos dos representantes de José Sócrates, que agora ponderam recorrer para o Tribunal Constitucional.
REFERÊNCIAS:
Ministra não respondeu aos deputados sobre lista de abusadores de menores
Paula Teixeira da Cruz deixou esgotar o seu tempo de intervenção e não pediu tempo emprestado à bancada da maioria. Sobre a constitucionalidade das suas medidas remeteu-se ao silêncio. (...)

Ministra não respondeu aos deputados sobre lista de abusadores de menores
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Paula Teixeira da Cruz deixou esgotar o seu tempo de intervenção e não pediu tempo emprestado à bancada da maioria. Sobre a constitucionalidade das suas medidas remeteu-se ao silêncio.
TEXTO: Foi morno e durou menos de uma hora o debate parlamentar em torno de uma das propostas mais polémicas do mandato da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz: a criação de uma base de dados de pessoas condenadas por abuso sexual de menores, que permite aos pais saber, em determinadas circunstâncias, a identidade de alguém que já cumpriu uma pena e mora agora na sua área de residência. A governante do PSD esgotou o tempo que tinha para falar na Assembleia da República com outros assuntos e quando chegou a hora de defender a medida já só teve escassos dez minutos para fazer a sua apresentação. Por esse motivo, as perguntas que lhe fizeram os deputados ficaram sem resposta – apesar de poder ter pedido à bancada da maioria para lhe emprestar alguns minutos que lhe permitissem reagir às interpelações da oposição, o que não fez. A defendê-la saíram em primeiro lugar não os deputados laranja mas os centristas. Asseguraram que Paula Teixeira da Cruz não se encontra sozinha nesta batalha: “Tem o CDS e o PSD ao seu lado, e, sem dúvida, a maioria dos portugueses”, assegurou o vice-presidente da bancada centrista, Telmo Correia. Mas a verdade é que os deputados laranja vão estar sujeitos à disciplina partidária quando votarem a proposta esta quinta-feira. Um facto não passou despercebido à bloquista Cecília Honório durante o debate em que a ministra se manteve muda por já não lhe restar tempo para falar. “Entre os seus já há quem levante a voz para dizer que a lista não faz sentido nestes termos. Por isso foi necessária a disciplina de voto”, observou a deputada, virada para a bancada do PSD. Ninguém lhe respondeu. Minutos antes, Paula Teixeira da Cruz tinha defendido a conformidade das bases de dados de condenados por abuso de menores com as normas da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. “O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos concluiu que este registo assenta num justo equilíbrio entre os interesses públicos e privados, uma vez que os crimes em causa são particularmente censuráveis e as suas vítimas são pessoas vulneráveis - a que acresce o facto de a inscrição no registo ter um prazo máximo de duração e o seu acesso ser subordinado a regras de confidencialidade”, alegou, tendo acrescentado que são já seis os acórdãos daquele tribunal no mesmo sentido. Alguns deles debruçaram-se sobre os regimes deste género em vigor em França e no Reino Unido, especificou. “Foi considerada uma medida puramente preventiva e dissuasora – e não punitiva”. Sobre as objecções de inconstitucionalidade deste tipo de medidas levantadas quer pela Associação Sindical de Juízes Portugueses, quer pelo Conselho Superior do Ministério Público e também pela Comissão Nacional de Protecção de Dados nem uma palavra disse a governante. Nem voltou, como tinha feito nos últimos meses, a pronunciar-se sobre as “elevadíssimas taxas de reincidência” dos abusadores de menores, uma afirmação que não conseguiu confirmar com nenhum estudo científico. “Não vale a pena esgrimir estatísticas sobre reincidência. Nunca ninguém terá a certeza absoluta de nada. As cifras negras e o facto de muitos destes abusadores terem sido detidos por outro tipo de crimes também não permitirá compreender todo o fenómeno”, observou, acrescentando que a Polícia Judiciária recebe uma média diária de três queixas por este tipo de crime. “Vê-se de tudo, até crianças pré-púberes presas, sodomizadas, violadas”, lamentou, recordando que a violação de uma criança do sexo feminino até aos cinco anos resulta habitualmente na sua morte. O argumento de que a permanência de um abusador que já cumpriu cadeia numa lista de condenados por este crime durante até 20 anos impede a sua ressocialização e o estigmatiza não comove a maioria. Para ilustrar o ténue equilíbrio entre o direito à privacidade de quem já pagou pelo seu crime e o direito das crianças a serem protegidas Telmo Correia recorreu a uma metáfora do reino animal: “Às vezes é tanta a preocupação em proteger o lobo que nos esquecemos do rebanho”. E mesmo não usando a palavra reincidência, o centrista deu-lhe as mesmas voltas. “Se o abuso sexual de menores é um comportamento compulsivo há um risco”, referiu, sem escamotear que é igualmente real o perigo de a proposta de Paula Teixeira da Cruz poder desencadear fenómenos de justiça popular. Algo que a governante não admite:Socialistas e comunistas apresentaram propostas alternativas à do PSD. Os primeiros querem aumentar as molduras penais de alguns dos crimes deste género, enquanto os segundos apostam na criação de uma estratégia nacional para a protecção das crianças contra a exploração sexual e também os abusos sexuais.
REFERÊNCIAS:
O voo de Momo pousou em Lisboa e aí fez outro Brasil
Ao quinto disco, Momo voou. Com produção de Marcelo Camelo e gravado em Lisboa, onde o cantor brasileiro mora desde 2015, Voá é um salto em frente num caminho promissor. (...)

O voo de Momo pousou em Lisboa e aí fez outro Brasil
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ao quinto disco, Momo voou. Com produção de Marcelo Camelo e gravado em Lisboa, onde o cantor brasileiro mora desde 2015, Voá é um salto em frente num caminho promissor.
TEXTO: Aquela noite começou mal. Marcelo Frota chegou a Lisboa numa noite de Maio de 2015, eram umas duas horas da manhã. No aeroporto, o seu violão (“que só uso para estúdio, um violão de 1940”), quebrou-se e o taxista que o transportou desentendeu-se com a morada e deixou-o, só, junto à estação de Santa Apolónia. Até que um outro, mais compreensivo, o transportou até à porta da casa que alugara em Alfama. E foi aí que o pesadelo inicial se desvaneceu: “Tinha uma casa de fado em frente, aquela música linda, e pensei: cheguei no lugar certo. Aí mudou tudo. ”Quando chegou a Lisboa, Marcelo já não era um principiante. Nascido em Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais, em 17 de Fevereiro de 1979, faz hoje 38 anos (a mãe é de São Paulo e o pai do Ceará), ele já se iniciara na música como Momo. Gravou o primeiro disco em 2006, A Estética do Rabisco, aplaudido pelas revistas Down Beat e Muziq, seguindo-se Buscador (2008), Serenade of a Sailor (2011) e Cadafalso (2013), que foi elogiado por Patti Smith. Isso a solo, já que ele foi participando noutros projectos. Em 2012 cantou em dois tributos: gravou Alguém cantando no álbum internacional Tribute to Caetano Veloso; e fez uma versão no disco The Clube Da Esquina Years. Já em 2013-2014, numa passagem por Lisboa, integrou o disco colectivo O Clube, junto com os brasileiros Cícero, Wado (seu parceiro de composições) e os portugueses Diego Armés, Fred Ferreira, Alexandre Bernardo e Bernardo Barata. Das doze canções do disco, Marcelo (ou Momo) assinava três: Pescador, Flores do bem e Nuvem negra. Na bagagem, porém, ele tinha já um misto de experiências. Morou cinco anos em Luanda, pois o pai trabalhava no sector do petróleo (“morava eu, meu pai, minha mãe e meu irmão”); depois no Rio de Janeiro; esteve nos Estados Unidos, aos 17 anos, num intercâmbio, ficando mais de um ano no Michigan (“um dos estados que elegeu Trump”); e por fim em Espanha, Barcelona: “Fui produzir o disco de uma cantora brasileira, Flávia Moura, em Palma de Maiorca e depois fui para Barcelona e fiquei apaixonado pela cidade”. Isto não significa que a sua música, hoje, reflicta tais viagens. “Conscientemente não”, diz Momo. “Mas ainda há dias eu estava a tocar uma das músicas do meu primeiro disco, A Estética do Rabisco, que gravei depois de vir de Espanha, e acho que tem ali alguma coisa do flamenco. ” Certo é que a sua maior inspiração é mineira: “O Clube da Esquina, pra mim, é das grandes pérolas da música popular brasileira. Aquele primeiro disco, o duplo, tem coisas maravilhosas, Milton, Wagner Tiso, Lô Borges…”Autoria:Momo UniversalQuando Momo esteve em Lisboa pela primeira vez achou a cidade agradável mas não pensou nela para morar. Foram Marcelo Camelo e Mallu Magalhães que o incentivaram, num encontro ocasional no Rio de Janeiro. “Na época, o Marcelo e a Malu já estavam morando em Lisboa. Em 2014 eu estava morando em Chicago, fui lá fazer shows e gravar. Quando voltei para o Brasil, encontrei o Marcelo e a Mallu numa esquina do Leblon. A Banda do Mar [grupo que os dois músicos brasileiros formaram com o português Fred Ferreira] estava fazendo uma tournée no Brasil. Aí eles me incentivaram a ir para Portugal. Eu estava no Rio, mas estava querendo alguma mudança. E eles me desafiaram: vamos passar um tempo em Lisboa, a cidade está muito pulsante, muita coisa acontecendo, muita música, muita gente vindo de fora. ” Ele foi e ficou. Primeiro em Alfama e depois na Madragoa, onde vive. “É uma cidade calma. E a gente precisa desse clima, dessa paz interna. Eu não me inspiro no caos urbano ou no barulho, preciso de paz, uma coisa contemplativa. E Lisboa é uma cidade perfeita para esse tipo de coisas. ”Esse “tipo de coisas” inclui, naturalmente, compor e gravar. E foi assim que Voá nasceu em Lisboa. “Fiz mais de vinte músicas aqui, foi difícil escolher as dez para o disco. ” Os discos anteriores foram todos gravados e produzidos por ele. “Eu sou autodidacta. ” Mas neste foi Marcelo (Camelo) quem produziu Marcelo (Frota, aliás Momo). “A gente conversou muito, antes de gravar. Eu ia fazendo as músicas e mandando para o Marcelo. E ele foi fazendo a maqueta na casa dele. ” Das doze canções de Voá, três são exclusivamente de Marcelo Frota (Alfama, Pássaro azul e Song of hope), sendo as restantes feitas em parceria, a maioria com Thiago Camelo, irmão de Marcelo Camelo (Esse mar, Pensando nele, Meu menino, Roseiras) e as restantes com Wado (Nanã) e Rita Redshoes (Mimo). “O que é bom nas parcerias é poder entrar o olhar do outro, a ideia do outro, a poesia do outro, porque cria uma terceira coisa. Músicas como Pensando nele, onde ele diz ‘meu menino’, são coisas que eu não escreveria antes e isso é enriquecedor. ” Em geral, o género de canções escolhidas imprime-lhe um outro rumo. Momo: “Uma coisa decisiva, neste disco, é o repertório. Que imprime um outro lado meu, o de compositor. Menos introspectivo, um pouco mais para fora, um pouco mais solar. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas se o lado solar é privilegiado, há também no disco um toque da Lisboa nocturna. Em Alfama, Momo conta com a participação especial de Camané, que ele ali conheceu e se foi tornando seu amigo. “Conheci-o assim que cheguei aqui, uns amigos nos apresentaram, eu não sabia sequer que era o Camané. Mas comecei a mandar umas músicas pra ele, dos discos anteriores, e aí começou a nossa amizade e admiração mútua. Ele viu nascer quase todo o repertório desse disco, eu gravava as músicas e mandava pra ele, ele ia nos shows. Essa era uma música onde achei que fazia sentido a voz dele. E quando o Marcelo me mandou a mixagem da música fiquei super-emocionado, para mim é um momento muito especial no disco. ”No dia 10 de Fevereiro foi o Voá de Momo que abriu a Avenida Paulista no São Luiz, na cidade onde mora. É que, para já, voe para onde voar, Momo pensa continuar em Lisboa. Pela música e pelo resto. “Fiquei por condições da vida, do destino. Eu vou com o vento. Vejo para onde o vento está soprando e ele realmente me guia. Estou sempre tentando perceber o que o mundo me diz, o que ele é pra mim. E a minha música é um pouco isso, talvez por intuição, não sei. ”
REFERÊNCIAS:
“Putin pode vir a ser o coveiro do seu próprio país”
Chegou a Moscovo como estudante, saiu de lá como jornalista. Nas quatro décadas que durou a aventura, viu ruir o comunismo, viu a URSS dar lugar à Rússia, chegou com Brejnev e saiu com Putin. José Milhazes fala do seu livro As Minhas Aventuras no País dos Sovietes e do que o motivou. (...)

“Putin pode vir a ser o coveiro do seu próprio país”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.6
DATA: 2017-02-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Chegou a Moscovo como estudante, saiu de lá como jornalista. Nas quatro décadas que durou a aventura, viu ruir o comunismo, viu a URSS dar lugar à Rússia, chegou com Brejnev e saiu com Putin. José Milhazes fala do seu livro As Minhas Aventuras no País dos Sovietes e do que o motivou.
TEXTO: Naquele dia, José tinha todas as razões para estar feliz. Ia entrar num comboio rumo ao "paraíso terrestre". O comboio era ainda a carvão, e partia de um país atrasado no rumo da história, mas no destino esperava-o o modelo mais perfeito da sociedade do futuro. Ele, um estudante português nascido numa família pobre, "ia viver na sociedade quase perfeita, na transição do socialismo desenvolvida para o comunismo", a União Soviética. A bagagem que levava era reduzida: uma mala de cartão, um par de botas de couro, pouca roupa e dois livros. Mais para quê? No "paraíso terrestre" havia de tudo!Foi assim que começou, no dia 9 de Setembro de 1977, na Póvoa de Varzim, uma saga que duraria quase quatro décadas. E é assim também, na ânsia deste embarque, que começa o livro As Minhas Aventuras no País dos Sovietes - A União Soviética tal como eu a vivi, de José Milhazes, agora lançado pela Oficina do Livro. Quando deu início àquela viagem, a um mês de fazer 19 anos, ele não tinha a mínima ideia do que o esperava, mesmo logo à chegada. Foi a vontade de olhar criticamente esse passado, na primeira pessoa (título e subtítulo do livro sublinham-no), que quis rever o caminho que fez de estudante até tradutor e jornalista, como correspondente da TSF e do PÚBLICO. Actualmente, já de regresso a Portugal, é comentador político da SIC e da RDP e colunista do jornal Observador. Mas como lhe surgiu a ideia do "paraíso terrestre"? Nascido na Póvoa de Varzim, a 2 de Outubro de 1958, "no seio de uma numerosa família de humildes pescadores", José Manuel Milhazes Pinto acabou por escolher o apelido materno e não o paterno porque na escola já havia vários Pintos. E Milhazes era só ele. Muito novo, foi escuteiro. "O escutismo", explica ele agora, confrontado com as memórias contadas no livro, "era uma actividade que me permitia fazer coisas que até aí eu não podia fazer. Por exemplo: os meus pais não me podiam comprar uma tenda de campismo ou um bilhete de inter-rail. Se não fosse os escuteiros, se calhar até era a Mocidade, não faço ideia. Era sempre uma possibilidade de eu conhecer e participar nalguma coisa de novo. Conhecer outras pessoas, outras regiões. "E depois do escutismo veio o seminário. "Entrei pela religião, porque queria ser padre. Sou de uma família em que, durante várias gerações, os homens estavam largos períodos fora de casa. A pesca, a África, o Brasil, afastavam-nos. Desde criança que eu ouvia as histórias do bisavô que desapareceu em Manaus, ou o que arranjou uma amante brasileira. Eram sempre histórias de ausências. " O impulso para ser padre veio-lhe também do que ouvia. "Histórias de países distantes e o querer ajudar aqueles desgraçados sem alma que por lá andavam. Era isso que ouvíamos desses nossos parentes ou vizinhos. Isso e as leituras que eu ia fazendo dos números velhos dos jornais Primeiro de Janeiro e Comércio do Porto. Porque em minha casa não havia livros. Eu lia os jornais velhos que a minha mãe usava para embrulhar os tachos que os pescadores levavam com as refeições quando iam para o mar. "Isto levou-o a estudar numa ordem missionária, a dos combonianos, e, depois do 25 de Abril, a trocar uma fé por outra. Foi então que entrou na UEC (União dos Estudantes Comunistas), ligada ao PCP. E foi ela que lhe garantiu o "passaporte" para ir estudar na União Soviética (URSS). "Tinha respostas fáceis para perguntas difíceis", diz hoje. "Essa fé, ou fanatismo, levava-nos a aderir de alma e coração àquelas ideias que pareciam estar perto, a pensar que através delas podíamos resolver as coisas. "A União Soviética aonde ele chegou, de comboio, às 20h40 (locais) do dia 10 Setembro de 1977, já não existe. Nesse ano, o seu homem forte era Brejnev. Hoje, recuperada a velha Rússia, há um rosto que a partir dela se impõe ao mundo: o de Vladimir Putin. José Milhazes assistiu à sua ascensão, tal como à morte de Brejnev, à sucessão de líderes a um passo da morte (Andropov, Tchernenko), à onda de esperança surgida com Gorbatchov e à irrupção do populismo de Boris Ielstin, "o Donald Trump daquela época". Foi, aliás, com Ieltsin, que a Rússia pós-comunista passou o seu período mais terrível. "A Ieltsin só interessava uma coisa: a independência da Rússia. Porque queria ser o primeiro a mandar nela. E ganhou, mas à custa de rebentar com o país. " Nesse período surgiram os oligarcas, agravou-se a pobreza, tornaram-se "normais" os assaltos e o banditismo. Interrogados nas escolas sobre o que queriam ser quando crescessem, muitos alunos respondiam "bandidos" ou "prostitutas". "Porque era o que dava dinheiro! As pessoas vêem-se totalmente perdidas e tentam salvar-se de qualquer maneira. "É nessa altura que surge Putin, primeiro-ministro em Agosto de 1999 e depois Presidente interino (cargos que ocupou, alternadamente, até hoje). "Ieltsin era já um homem doente, uma marioneta na mão dos oligarcas, e aparece um jovem saído dos serviços secretos, a transpirar confiança e a dizer: nós dentro de 15 anos vamos ultrapassar Portugal. " Não cumpriu essa e muitas outras promessas, sublinha Milhazes, mas isso foi irrelevante para a sua perpetuação no poder. "Aqui está o fenómeno que alguns não querem encarar e que se vê hoje com Trump ou com qualquer populista. As pessoas são levadas a um nível tal de desgraça, de humilhação, de insegurança, que quando lhes prometem o contrário, e rapidamente, elas aceitam e ‘vendem’ metade das suas liberdades ou mesmo todas. "Nesta nova fase, diz José Milhazes, "há dois períodos e o segundo ainda não acabou. O primeiro é quando Putin chega ao poder. Nessa altura, o preço do petróleo anda nas ruas da amargura, baixíssimo. E Putin tinha uma oportunidade única, modernizar o país. Não modernizou. Substituiu a oligarquia pelos amigos dele. Mas quando se tem muito dinheiro é possível fazer demagogia social. E o nível de vida dos russos subiu, a classe média aumentou (passou a ser 12 a 13%) e mesmo os mais desfavorecidos viram as suas reformas aumentar significativamente. "O que diminuiu? As liberdades. Hoje os correspondentes estrangeiros voltam a ser vistos como um incómodo ou um perigo, e a falta de condições para o exercício do jornalismo na Rússia levou Milhazes a regressar a Portugal. "O país não regressa à era do comunismo mas compete com ela no campo do absurdo", escreve ele no último capítulo do livro. Outra razão foi o próprio ambiente social. "Há um momento recente que marca uma mudança, mesmo dentro da sociedade russa: é a invasão da Crimeia. A invasão, com toda a propaganda feita à volta, transformou muita gente. Antigos colegas meus de universidade, completamente normais, que eu achava avançados ou pró-europeus, mostraram-se de súbito de um nacionalismo absolutamente incrível. " Um desejo de expansionismo? "Claro! E até teve êxito. "A Ieltsin só interessava uma coisa: a independência da Rússia. Porque queria ser o primeiro a mandar nela. E ganhou, mas à custa de rebentar com o país. "O expansionismo russo da era soviética, dando continuidade ao dos czares mas sob a bandeira da foice e do martelo, era, para o jovem estudante acabado de chegar à URSS uma abstracção. Se alguma coisa havia, era o desejo de expandir o socialismo por amor aos povos. "Era uma ideologia que prometia o paraíso neste mundo e através da qual começamos a acreditar no determinismo histórico. Fizéssemos o que fizéssemos, nós iríamos construir o socialismo e o comunismo. " Talvez por isso não era a URSS que ele tinha em mente quando quis ir para fora, mas sim a Bulgária, a RDA ou até Cuba. Ele queria assistir e ajudar à construção do socialismo, mais do que vê-lo já construído. Mas foi para a URSS que o mandaram. À chegada teve um choque. "Começaram a virar-nos as malas de pernas para o ar. Imagine-se: vamos para o paraíso, vamos para o pé dos nossos camaradas que já têm experiência de viver no paraíso, e a primeira coisa é fazerem-nos uma revista de passaportes e de malas que nos põe de boca aberta. " Achou estranho, mas a ideologia ajudou-o a aceitar: "Era o combate à CIA, porque a CIA podia entrar na União Soviética e fazer coisas más. Então era uma forma de defesa do socialismo! Uma reacção quase pavloviana. Nos primeiros tempos, há desculpas para tudo: a CIA, o imperialismo, os restos das classes exploradoras que por lá andassem, embora já se tivessem passado tantos anos. "Foi em Moscovo que Milhazes passou da UEC ao PCP. "Foi uma transição bastante formal. A não ser que eu tivesse feito uma asneira muito grande, passaria sempre. Não era uma promoção, era uma fase de crescimento: eu tinha de sair da UEC para entrar no PCP. " A língua, de início, não foi fácil. Mas "tive que aprender, para comunicar, ler, ir para universidade, que, no fundo, era o que eu queria". Por isso aplicou-se. "O russo, gramaticalmente, é diabólico. Mas como nós, na universidade, não tínhamos exames escritos, na realidade nunca nos dedicávamos à escrita. Era só falar e compreender. "A par dos estudos, iniciou-se nas traduções. Filmes, primeiro ("era uma coisa mais simples e de menos responsabilidade") e depois, mais tarde, já quando estava a acabar a universidade, discursos. "Só podíamos fazer traduções por escrito, nunca em simultâneo. Isso eram os soviéticos que faziam. " Valia-lhe o facto de os discursos serem muito parecidos, muito repetitivos. "Quando há velhinhos de oitenta e tal anos a pronunciarem discursos com extrema dificuldade, tinham de ser muito simples". Mas ao mesmo tempo que ia percebendo o russo, ia também percebendo os russos. E isso ajudou-o a ir pondo em causa velhas crenças. Filas crónicas para aquisição de bens essenciais, livros reservados e de acesso quase proibido, um anti-semitismo latente na população, levaram-no a questionar o estado do "paraíso". "É um processo lento, porque há um factor que o vai travando: a resistência. O edifício começa a ruir mas nós não queremos acreditar que ele vai ruir. Porque é o fim daquilo em que acreditamos. Tanto que, quando Mikhail Gorbatchov aparece e começa com as suas reformas, há uma esperança de que é possível construir o tal socialismo com rosto humano. "Gorbatchov chega à liderança no culminar de um período de ascensão e queda de dirigentes decrépitos (Brejnev, Andropov, Tchernenko). Foi em 1985, no mesmo ano em que nascia o segundo filho de José Milhazes e de Siiri, de nacionalidade estónia, com quem casou em 10 de Maio de 1983 e com quem partilha a vida ainda hoje. "As pessoas já se riam quando era eleito um novo secretário-geral, porque já estavam todos a pensar no funeral do homem. Não é por acaso que esse período ficou conhecido como o pântano. A propaganda dizia uma coisa mas via-se que estávamos num país estagnado. " Gorbatchov trouxe uma esperança. "Foi uma espécie de 25 de Abril. As pessoas discutiam, liam, uma experiência única. Ia-se de madrugada para a fila dos quiosques para comprar jornais. " Não durou muito. "É minha convicção que Gorbatchov, quando chegou ao poder, julgava que tinha um país minimamente organizado e viável. E não tinha. E quando ele começa a mexer no edifício, percebe que pode ir tudo abaixo. Ele tenta desesperadamente novas vias, mas o problema estava nos alicerces. "Entretanto, a realidade ultrapassa-o. O comunismo começa a abrir brechas, os nacionalismos vêm à tona, o descontentamento popular generaliza-se. No 1. º de Maio de 1990, pela primeira vez na história soviética, os dirigentes alinhados na tribuna são apupados pelos manifestantes. Grita-se "Abaixo Gorbatchov!" e "Abaixo o Partido Comunista!" Para José Milhazes, isso foi "um sinal evidente de que Gorbatchov tinha sido ultrapassado, passava a ser conservador. O processo começou a andar mais depressa do que ele. " Até aí, "era o medo e o terror que ‘colavam’ a União Soviética, não era a ideologia". Quando o medo começa a desvanecer-se, "tudo aquilo vem abaixo. ""É minha convicção que Gorbatchov, quando chegou ao poder, julgava que tinha um país minimamente organizado e viável. E não tinha"Durante a era Gorbatchov, os Estados Unidos tiveram para com a URSS uma atitude de aproximação e paternalismo. Primeiro com Reagan, depois com Bush. Ficaram célebres as coxas de frango congeladas vindas da América, para suprir as carências alimentares soviéticas, conhecidas como "as coxas de Bush". "Os meus filhos continuam a ter esse trauma quando olham para as coxas de frango", diz Milhazes. "Depois vim a saber que os americanos não gostam de comer as coxas, preferem a asas. "Mas, quando emerge Ieltsin, os EUA deixam "cair" Gorbatchov. "Os soviéticos, principalmente os russos, sentiram-se humilhados, porque no momento em que Gorbatchov precisava de apoio, tiraram-lhe o tapete e apoiaram Ieltsin, que era um político completamente imprevisível mas que já indicava que ia acabar com qualquer tipo de União. Acredito que Gorbatchov salvaria uma parte da União. O Báltico estava perdido, por razões históricas, a Geórgia também, porque tinha um grande movimento nacionalista que nunca desapareceu, talvez o Azerbaijão também se fosse embora. Mas a Ásia central podia continuar na União e até talvez a Ucrânia, transformando aquilo numa federação a sério ou até numa confederação. " Mas falhou e Ieltsin substitui-o, abrindo caminho à ascensão de Putin. José Milhazes diz que "Gorbatchov é uma personagem trágica na história, um reformador falhado. Falhado, porque não conseguiu levar a cabo as suas ideias e intenções. Claro que se virmos pelo prisma da destruição do regime comunista, acertou. Mas ele não tinha como objectivo essa destruição, ele lutou até ao último momento pela União Soviética e pelo regime que acabaria por ser, se as ideias dele fossem por diante, um regime social-democrata. Porque ele era um social-democrata. "A Rússia não é hoje um país mais próspero nem inovador. Perdeu o comboio da modernização e perdeu-o graças a Putin. Porque a tal chuva de petrodólares desapareceu na corrupção. "Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Putin é bem diferente. E instalou-se no poder com uma determinação calculista. Mas não cumpriu o que prometeu aos russos, longe disso. "A Rússia não é hoje um país mais próspero nem inovador. Perdeu o comboio da modernização e perdeu-o graças a Putin. Porque a tal chuva de petrodólares desapareceu na corrupção. " Será possível, agora, retomar ainda o caminho da modernização? José Milhazes mostra-se pessimista. "Teriam de ser feitos sacrifícios, com reformas profundíssimas. É preciso modernizar grande parte das infra-estruturas e é preciso fazer com que os estrangeiros queiram investir na Rússia, não apenas para ganhar dinheiro rápido mas numa perspectiva de futuro. Ora hoje acontece o que aconteceu também depois da queda da União Soviética, uma fuga de cérebros. Pessoas com formação superior foram para os Estados Unidos. Há prémios Nobel com apelidos russos mas que trabalham noutros países. "É neste cenário pouco propício, que se desenvolve o segundo período do domínio de Vladimir Putin no Kremlin: "Agora começa a outra parte, que não sabemos como vai acabar, aquela onde Putin se começa a envolver em coisas que não se sabe se o país tem capacidade de aguentar ou não. A guerra na Ucrânia, a intervenção na Síria e talvez uma próxima intervenção no Afeganistão. É que a desestabilização da Ásia Central pode ser fatal para a Rússia, é uma grande área onde a Rússia diz ter interesses especiais. E a Rússia afundando-se numa zona daquelas as coisas podem complicar-se mesmo muito. E Putin pode vir a ser o coveiro do seu próprio país. "
REFERÊNCIAS: