Nos Primavera Sound: 19,7 milhões de impacto económico e mais mulheres que homens no público
Pela primeira vez no Primavera Sound o público feminino (60,2%) ultrapassou o masculino. Este e outros dados fazem parte de um estudo que a organização do festival do Porto divulgou este domingo. (...)

Nos Primavera Sound: 19,7 milhões de impacto económico e mais mulheres que homens no público
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.275
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pela primeira vez no Primavera Sound o público feminino (60,2%) ultrapassou o masculino. Este e outros dados fazem parte de um estudo que a organização do festival do Porto divulgou este domingo.
TEXTO: Este ano o Nos Primavera Sound teve um impacto económico de 19, 7 milhões de euros para a cidade do Porto e registou, "pela primeira vez", uma predominância do público feminino (60, 2%), revela um estudo divulgado este domingo. "A sétima edição do NOS Primavera Sound gerou valores que ascenderam a cerca de 19, 7 milhões de euros para a cidade do Porto", lê-se num estudo a que a Lusa teve acesso e que foi conduzido pelo Núcleo de investigação do Instituto Superior de Administração e Gestão (ISAG). Os valores têm origem, sobretudo, no alojamento — os visitantes que dormiram no Porto preferiram hotéis (22, 2%), apartamentos turísticos (29, 4%) e hostels (16, 3%) —, na alimentação e em actividades paralelas, como visitas às caves de vinho do Porto, museus, idas a espetáculos, animação nocturna e compras no comércio local. E isto num ano em que a organização do festival de música divulgou que foi ultrapassada a barreira dos 100 mil visitantes, contando com os três dias no recinto do Nos Primavera Sound e com o concerto grátis de Fat Boy Slim na Avenida dos Aliados, uma das principais artérias da cidade. Um dos grandes objectivos do estudo feito pelo ISAG foi traçar o perfil do visitante e outro dos principais resultados demonstrou que as faixas etárias mais representadas são a dos 18 aos 25 anos (43, 9%) e a dos 26 aos 35 (22, 8%). A maioria (80%) encontra-se solteiro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A presença do público internacional registou pelo menos 25 nacionalidades diferentes, destacando-se a espanhola (31, 7%), a inglesa (28%), a alemã (7%), a irlandesa (7%), a italiana (4, 4%) e a brasileira (3, 3%) ao longo dos três dias de festival. Cada visitante gastou uma "média de 437, 8 euros no recinto e na cidade". Na sétima edição, o festival do Parque da Cidade contou com quatro palcos, que receberam nomes como Nick Cave, Lord, The War on Drugs, Mogwai, Jamie XX, Father John Misty, The Breeders, Idles, Staples, Mavi Phoenix, Superorganism, Four Tet Live, Thundercat e Fever Ray, entre outros.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave estudo
A menina bonita de Portugal
Vender a TAP é uma decisão que paira há mais de 20 anos sobre aquele que é um dos mais preciosos símbolos portugueses, “uma bandeira de Portugal no céu das marcas”. (...)

A menina bonita de Portugal
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.85
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vender a TAP é uma decisão que paira há mais de 20 anos sobre aquele que é um dos mais preciosos símbolos portugueses, “uma bandeira de Portugal no céu das marcas”.
TEXTO: Foi profética. Margaret Thatcher tirou da bolsa um lenço de papel branco para cobrir a cauda do 747 diante si. “Voamos com a bandeira britânica, não com esta coisa horrenda”. Estávamos em 1997, numa conferência do Partido Conservador britânico. Thatcher acabara de ver as maquetas dos novos desenhos da British Airways para a cauda dos seus aviões. A operadora estava em franca expansão e queria agarrar a frente da onda globalizadora no sector. Abandonou por isso a tradicional Union Jack e trocou-a por uma série desenhos étnicos, ousados, imediatamente impopulares. A operadora, aliás, voltou atrás poucos anos depois, recuperou as cores tradicionais da bandeira britânica, que ainda hoje usa, e deu razão a Thatcher e ao seu lenço branco. Thatcher estava certa, mas não inocente. Fora ela quem privatizara a British Airways na década de 80, para além de um grande número de outras empresas sob o controlo do Estado britânico. A opinião pública não se esquecera disso. O caso das caudas da British fez surgir um debate no Reino Unido em torno da representação da identidade nacional no exterior e Thatcher foi acusada de cinismo. Se queria a bandeira nas caudas da British Airways, não a deveria ter privatizado. O que estava em causa na British Airways não era um projecto estético falhado, explica à Revista 2 Carlos Coelho, o autor da imagem da TAP que foi para os ares em 2005, quando a empresa fez 60 anos. “Perderam a identidade. A ideia de que a British Airways é uma companhia do mundo é falsa”. Em Portugal, o debate sobre a privatização da companhia de bandeira durou quase duas décadas. Até que, na quinta-feira, o Governo anunciou a venda de 61% da TAP ao consórcio de David Neeleman, dono da Azul, e de Humberto Pedrosa, o empresário português que controla o grupo Barraqueiro. Os novos donos da transportadora aérea ofereceram, para já, 354 milhões de euros (que podem crescer para quase 500 milhões), mas só dão garantias quanto à manutenção da sede da companhia e de rotas estratégicas durante dez anos. A conversa com Carlos Coelho acontece num dos gabinetes da sua empresa, a Ivity, a poucos metros das duas torres brancas que em breve se tornarão numa das novas sedes da EDP em Lisboa. O terceiro andar da Ivity é uma obra de imaginação quase pueril, certamente globalizada. Encontramos uma fuselagem vinda do Reino Unido, à saída do elevador, cujo interior funciona como sala de conferências por Skype. Noutra divisão há uma máquina-decoração, a Gertrudes 3000, que finge controlar a empresa. Lá fora, as duas torres da EDP parecem feitas de luz. Há uma sensação palpitante de estranheza. A EDP foi privatizada em 2011. Seguiram-se a REN e a ANA, em 2012, os CTT em 2013 e, pelo meio, a participação que o Estado detinha em vários negócios através da Caixa Geral de Depósitos. Só a privatização da EGF, já no final de 2014, vai para um grupo português. Por ela, a Mota-Engil paga quase 150 milhões de euros, uma gota de água num universo de quase 9300 milhões que o Estado encaixou desde 2011 com o programa de privatizações. Há 20 anos que a TAP está para ser privatizada também. Mas só com o actual Governo é que está em causa a venda total do grupo. Numa primeira fase, serão vendidos 66% do capital do Estado. O restante seguirá no período máximo de dois anos. Para Carlos Coelho, vender a TAP não é a mesma coisa do que uma outra empresa do Estado. É uma questão de “alinhamento identitário”, diz. “A TAP é uma bandeira de Portugal no céu das marcas, onde voam nacionalidades. ”Carlos Coelho sabe do que fala quando fala de marcas de aviação. Quando estava a preparar a mais recente imagem da TAP, foi pressionado para usar um tema mais fresco, mais azul, “verde e encarnado não, que são cores foleiras”. A pressão não foi ostensiva e a equipa de Carlos Coelho acabou por fazer o contrário. Reforçou a imagem do país e acentuou a palavra Portugal. Mais do que isso: as cores da bandeira nacional foram engrossadas, a bold, na cauda do avião, no mesmo local em que Thatcher tapou com um lenço as imagens dispersas da British Airways. A marca TAP parece ter-se tornado num caso de paixão para Carlos Coelho. “Ela está no céu. As outras estão na terra. Estas são as nossas caravelas de agora. Isto é tudo muito romântico, mas é um bocado assim. Nós somos um país de ligações. ”Parte da oposição à venda da TAP é ideológica e o que está em causa não é inteiramente uma questão de soberania. Carlos Jalali, politólogo, explica que essa é uma das razões pelas quais os processos de privatização são historicamente pouco decisivos em períodos de eleições. É património que sai das mãos do Estado, sim, mas não há necessariamente uma crise de identidade. “Nós não temos questões nacionais prementes que nos dividam, não é como em Espanha, onde a questão da identidade é uma questão que se vive”, diz Jalali à Revista 2. “Os eleitores percebem que a oposição à privatização da TAP é também uma questão de manutenção da participação pública nestas empresas”. Tal como Thatcher no Reino Unido, Cavaco Silva não saiu prejudicado do período de privatizações que encabeçou nos anos 90. A sensação de desapropriação até se poderia ter ela própria desvanecido, se é que alguma vez existiu, não fosse pela imagem recente do desmantelamento de uma das grandes empresas privatizadas na altura, a Portugal Telecom. Há muito na TAP, sobretudo na história e relação que Portugal tem com a operadora de bandeira nacional, que faz com que a sua privatização seja diferente das restantes. A começar pelo momento em que é decidida. “A TAP representa o culminar desse processo de privatizações — o último reduto —, que as forças críticas a muitas destas privatizações e ao abandono do papel do Estado e dos símbolos do Estado-Nação procuram, em desespero de causa, evitar”, diz por escrito à Revista 2 o economista Ricardo Cabral. A operadora aérea atinge também uma dimensão estratégica, que, pelo menos em parte, continua desconhecida dos portugueses por oposição aos números da dívida do grupo. Segundo Ricardo Cabral, por exemplo, a operadora é a porta para um grande volume de exportações indirectas e para a entrada de mais de 11 mil milhões de euros em divisas estrangeiras. É algo decisivo para Carlos Coelho. “A TAP divide-me no meu pensamento liberal. Se, por um lado, eu não acredito na intervenção do Estado na economia, de forma directa, uma companhia aérea de bandeira é um elemento fundamental num país. ”Mas o que é que se haveria de fazer pela TAP? O tema é frequentemente opaco. O consenso, contudo, sempre foi o de que alguma coisa teria de ser feita. A empresa está tecnicamente falida e há muito que era necessária uma solução. Fosse ela na esfera do privado ou do público. Nos últimos anos, a TAP tem variado entre lucros e prejuízos, com bons resultados sempre muito agarrados ao transporte aéreo e outros ruinosos devido ao negócio da compra de uma unidade de manutenção à falida Varig, em tempos a grande operadora brasileira. Uma operação que está ainda a ser investigada pela Procuradoria-Geral da República. Os problemas agravaram-se em 2014. A actividade mais lucrativa do grupo começou a derrapar pelas mais diversas causas: mau planeamento na entrega de seis novos aviões e, com isso, problemas na operação durante a época alta; uma queda acentuada das tarifas, uma onda de contestação interna do pessoal de voo e os 120 milhões de euros que ainda não foram recuperados da Venezuela e de Angola. Todos estes efeitos negativos fizeram com que o negócio da aviação apresentasse, em 2014, o maior prejuízo de sempre: 46, 4 milhões de euros. No grupo, os resultados foram ainda piores: 85, 1 milhões de euros negativos, fruto do negócio da manutenção no Brasil. A dívida cresceu para 1062 milhões de euros. O mais grave, em termos de passivo, é que dominam os empréstimos de curto prazo, com datas de vencimento apertadas. Depois de 20 anos de indefinição, entre intervenções do Estado, possibilidades de privatização parcial e total, a situação agravava-se. Há algum simbolismo na prolongada indeterminação da TAP. Bárbara Coutinho, directora do Museu do Design e da Moda (Mude), prepara por estes dias uma exposição sobre a imagem da operadora aérea portuguesa. Diz à Revista 2 que a história da representação da TAP foi uma luta constante entre a globalização e o património português. “Há aqui um ideário que se constrói e cria sempre essa tensão. Uma ideia modernizadora e globalizante, e depois, ao mesmo tempo, uma intenção de ligar a TAP de forma clara a uma marca nacional. ” Este jogo de forças não lhe é exclusivo. Outras transportadoras de bandeira promoveram durante décadas a sua identidade nacional e agora concorrem num mercado altamente competitivo e globalizado. “A companhia aérea como símbolo nacional de Portugal no ar, do Reino Unido no ar, da França no ar, é algo que se alimentou durante muito tempo e que agora colide com as dinâmicas da globalização”, afirma Carlos Jalali. A diferença é que a TAP se manteve no Estado à medida que a esmagadora maioria das outras companhias seguia tendência contrária. As sucessivas crises da aviação criaram a necessidade de muitas se reestruturarem e capitalizarem através de privatizações. Outras fundiram-se e muitas faliram. Já as tentativas de venda da TAP caíram todas pelo caminho. Aconteceu primeiro com a Swissair, em 2001, dez anos depois de se começar a pensar pela primeira vez em privatizar a operadora, no Governo de Cavaco Silva. A queda do negócio foi mais um duro golpe nas contas já desgastadas da TAP. Mais recentemente foi Germán Efromovich, rejeitado em 2012 por falta de garantias financeiras e novamente candidato este ano. A exposição da TAP no Mude abre no dia 15 de Julho. Os artigos ainda estão a ser catalogados e a maioria dos cartazes estão empilhados no cimo das mesas. Bárbara Coutinho vasculha por exemplos daquilo a que prudentemente chama, por agora, “época de ouro” da TAP. Os anos 60 e 70. Este período foi, de facto, a época de maior prosperidade da companhia. E não só na sua imagem — a directora do Mude diz, entusiasmadamente, que este foi o período em que a empresa começou a ser trabalhada pelas mãos de designers como Daciano Costa. Junte-se também a década de 50 e tem-se o grande período de afirmação da TAP. Têm-se também os últimos anos de prosperidade e crescimento financeiro. Uma situação a que a companhia nunca mais regressaria depois do 25 de Abril. Coincidentemente, as décadas de maior riqueza na TAP foram aquelas em que a companhia teve uma gestão privada. Mas a transportadora não começa assim, nem é com ela que começa a história aérea comercial portuguesa. Antes da TAP, Portugal já tivera um voo titubeante daquela que foi a sua primeira companhia aérea comercial, os Serviços Aéreos Portugueses, SAP, parte capital alemão, parte português. Faziam a ligação aérea entre Lisboa, Madrid e Sevilha. Era todavia muito cedo para uma operadora portuguesa e os SAP acabariam por encerrar em 1930 . Na época não houve acordo sobre as operações aéreas entre Portugal e Espanha, como escrevem Alexandre Coutinho e Alda Rocha no livro Tap Air Portugal, a História da Companhia Aérea, editado pela Contra a Corrente. Os SAP desapareceram sem grande brilho. Mas quatro anos depois, ainda a TAP não era uma possibilidade, surgia a icónica Aero Portuguesa. Tratava-se da única companhia aérea que fazia ligações regulares entre a Europa e o Norte de África durante a Segunda Guerra Mundial. Especificamente Lisboa, Tânger e Casablanca. O avião para Lisboa que Claude Rains debate com Humphrey Bogart no filme Casablanca é um Dakota da Aero Portuguesa. Não que isso seja mencionado no filme. No entanto, esta companhia, que mais tarde seria absorvida pela TAP, desempenhou um papel importante na travessia dos exilados da guerra. Em 1945, Humberto Delgado propõe a Salazar a criação de uma companhia aérea portuguesa que fizesse a ligação entre Portugal e os territórios ultramarinos. A guerra na Europa estava prestes a terminar e o país, entretanto, criara órgãos de Estado para a gestão da aviação comercial. Salazar, diz-se, aceita imediatamente a proposta de Humberto Delgado. Era criada a TAP – Transportes Aéreos Portugueses. Os seus primeiros aviões seriam os Dakota DC-3, bimotores, adaptados da sua origem militar para a aviação comercial. “Quando a TAP é criada, ela é criada como um serviço”, diz à Revista 2 Alexandre Coutinho, director da revista Avião e co-autor do livro que retrata a história da TAP. “O que dá origem à TAP não é uma motivação económica, é uma motivação colonial. ”Roque Brás de Oliveira tem 92 anos e uma memória prodigiosa. Na verdade, Roque, o primeiro nome, é pouco utilizado. O seu nome próprio é já de há muito tempo Comandante. Foi o último a sê-lo na Aero Portuguesa e fez parte da segunda geração de pilotos da TAP. Entrou em 1947 na companhia, pouco depois dos mitificados 11 de Inglaterra, o primeiro grupo de comandantes da TAP. Brás de Oliveira tem um discurso perfeitamente afinado. Vai percorrendo-o quase por inteiro, por vezes com trechos idênticos ao registo triunfalista da sua vida descrito pela jornalista Rita Tamagnini, no livro Aeronauta Entre o Céu e o Mar. É uma das poucas testemunhas vivas da origem da companhia e daquela que foi a maior aventura da TAP: A Linha Aérea Imperial. Tratava-se da ligação mais longa no mundo feita em DC-3. Perto de 12 mil quilómetros de trajecto entre Lisboa e, então, Lourenço Marques, a bimotor. Fazia-se 12 escalas e uma viagem de ida e volta demorava 15 dias. A TAP era a única companhia no mundo a fazer esta ligação em África. Nada disto era lucrativo, mas a principal preocupação era então manter vivo o nervo aéreo entre Portugal e as colónias. É uma surpresa que nenhum avião se tivesse despenhado durante este período. Os tripulantes da Pan Am ficaram estupefactos, conta Brás de Oliveira. “Fazemos isto em DC-3”, disse-lhes num hotel em África, num dia que se encontraram numa escala. “Boa anedota”, responderam-lhe. As rotas de África, contudo, acabariam por se tornar mais tarde na maior fonte de rendimento para a TAP e o seu fim acabaria por ser dramático para a companhia. Com a descolonização, a operadora perde 40% do seu tráfego só nessas ligações. Acabaria por reequilibrar as operações de voo nas décadas seguintes, a troco de cortes, despedimentos e reestruturações de vários tipos. Mas as ramificações da empresa e a dívida acumulada durante esse período acabariam por ser determinantes para o estado da empresa agora. Os antigos trabalhadores da empresa contactados pela Revista 2 afirmam que não se aperceberam de que o grupo começava acumular dívidas e capitais negativos. Durante as décadas de 80 e 90, aliás, o grupo vive os seus períodos de maior crise. As administrações vão-se sucedendo em catadupa, o que é tido como uma das principais razões para a instabilidade financeira na TAP. Brás de Oliveira fez o seu último voo em 1981, mas nunca ficou completamente afastado da TAP. Tentou aliás, em privado, influenciar um dos mais importantes acontecimentos recentes na empresa, quando o Sindicato dos Pilotos da Avição Civil (SPAC), que Brás de Oliveira e outros fundaram, fez uma greve de dez dias em Maio de 2015. “Estar dez dias em greve é a maior estupidez que há”, conta à Revista 2. “Depois, ainda por cima, o [Hélder] Santinhos: ‘ei pá, bestial, perdemos 30 milhões’. Eu disse-lhe simplesmente: ‘Estás doido. Não sabes o que estás a pensar. Estás a destruir o sindicato e estás a destruir uma empresa. ”De novo para o pré-25 de Abril. Em 1953, a TAP precisava de capital e Salazar decidiu que o melhor caminho seria transformá-la em sociedade anónima. Era a sua privatização. O Estado só voltaria a controlar a TAP em 1975, através de uma nacionalização a dois tempos, directa e indirecta. Na década de 50, o Governo chamou os principais grupos económicos portugueses para participarem na aquisição de capital da operadora. Os relatos recolhidos por Alexandre Coutinho e Alda Rocha apontam para que tenha havido um banqueiro português que não aceitou o convite de Salazar. Era Ricardo Espírito Santo Silva, tio de Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi, décadas antes de o Grupo Espírito Santo surgir na calha como um dos possíveis candidatos à privatização da TAP, já na década de 90. Salazar terá então chamado Ricardo Espírito Santo para o convencer a entrar na empresa. Quando o banqueiro lhe disse que o negócio não lhe interessava e era mau, Salazar terá respondido que se este queria entrar nos bons negócios, teria primeiro de comprar alguns maus. As palavras que lhe são atribuídas: “Ora vá lá meter-se na TAP. . . ” E foi isso mesmo que aconteceu. “Mostra bem como a economia era bastante controlada na altura”, diz Alexandre Coutinho, “os empresários só podiam fazer aquilo que o Governo autorizava. A TAP crescia. Nos anos seguintes, a companhia aérea troca os DC-3 em África por Dc-4 Skymaster, com quatro motores, e encomenda três Lockheed Super Constellation, os topo de gama desse período em matéria de longo curso. Eram os percursores da era do jacto e o maior símbolo da modernização da operadora. Seria um destes aviões que, em Novembro de 1961, é desviado por Palma Inácio, que comandava outros quatro piratas do ar. A operação foi concebida por Henrique Galvão, que apenas meses antes capturara o navio Santa Maria. O objectivo da missão foi cumprido: o avião da TAP rasou Lisboa, Barreiro, Setúbal, Beja e Faro e lançou dezenas de milhares de panfletos a apelar ao combate ao Estado Novo e Salazar. Orloff Esteves era o chefe de cabine no voo que foi desviado. Antes de contar a história do sequestro, Orloff percorrera umas fotografias do comandante José Marcelino a voar a uma altitude absurda na Costa da Caparica. “Andou com o avião tão baixinho que as pessoas até fugiram da praia”, disse à Revista 2. “Olhem à altura que nós andávamos com o Super Constellation, íamos a 14 metros da água, nem isso. ”Foi por isso uma sorte que o comandante que levava o Super Constellation no dia 10 de Novembro de 61 acabaria por ser Marcelino. “Isto poderia ter sido um acidente do caraças. Era o Marcelino que por acaso lá estava”, diz Orloff. Garante que seria pior se tivessem sido uns pilotos belgas que por ali andavam. “Eram uns descontraídos do caraças”, afirma. Poderiam ter deixado Palma Inácio voar e ele, diz Orloff, “tinha a mania das grandezas”. “Tinha a mania que tinha o brevet, mas o gajo nunca passou de mecânico. ”Orloff Esteves trabalhou 40 anos na TAP. Tem agora 88 anos e vê os desenvolvimentos políticos com desconfiança. Diz que não percebe por completo a questão económica, como disseram à Revista 2 outros antigos trabalhadores da empresa. Orloff entrou na TAP em 53 e nada o poderia preparar para o que vinha a acontecer com a indústria da aviação. “Quando veio o primeiro Super Constellation, lembro-me que fui ao aeroporto e entrei no avião. Eu olhei para aquilo e disse: ‘Ena pá. Ao ponto que chegou a aviação. Onde é que isto vai chegar?”. A TAP, reconhece-o, tem de fazer alguma coisa para se manter à tona na nova indústria, mais competitiva e globalizada. Mas nem Orloff nem os cerca de 150 antigos trabalhadores com que se encontra anualmente querem que a empresa seja privatizada. A alternativa, contudo, também não lhes agradaria. Além da venda a privados, há um outro cenário possível para tirar a empresa da asfixia: a injecção de dinheiro do Estado, como aconteceu em 1994, quando entraram nos cofres da TAP 180 mil milhões de escudos (1450 milhões de euros a valores actuais) do accionista público. Mas, à semelhança do que aconteceu nessa altura, esta capitalização estatal teria de ser necessariamente acompanhada de uma reestruturação profunda, com a anuência obrigatória da Comissão Europeia. Isto porque as regras comunitárias impedem ajudas deste tipo sem que sejam assumidos alguns compromissos. Há 20 anos, Bruxelas impôs a redução de quase 2600 trabalhadores, a supressão de rotas na Europa e a eliminação de seis aviões, por exemplo. Se isto voltasse a acontecer, é melhor a TAP ir buscar capital a outro lado, diz Orloff Esteves. “Eu acho que a ela é um bocadinho minha, como eu sou dela. Mas também, como as pessoas que têm uma doença grave e definham e definham. . . Isso não quero. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O fantasma da reestruturação da TAP foi sempre o grande argumento usado pelo Governo para prosseguir com a privatização. José Maridalho esteve nos confrontos que explodiram entre trabalhadores e polícia em 1993, quando se suspenderam os acordos da empresa. Já tinha estado nas lutas laborais de 73, ano em que os trabalhadores da TAP estiveram num dos principais momentos de reivindicação do pré-25 de Abril. Deu “à sola” nos dois confrontos. O pior, diz, foi o último. “Houve agressões de parte-a-parte. Vidros partidos, pedras arremessadas, cocktails molotov. ” Maridalho continua sindicalista mesmo na reforma. Tem um discurso combativo mas independente, assegura. É da opinião, por exemplo, de que as contas do grupo foram manipuladas para sobrevalorizarem o transporte aéreo. Mas aceita a privatização. Não se sente bem em dizer “ao povo português para pagar a viabilização da TAP” e a única coisa que deseja é uma boa gestão. Não a terá de pedir agora ao Estado português.
REFERÊNCIAS:
Uma viagem ao Verão Quente
Isabel Lindim é filha de Isabel do Carmo. Desde sempre é a “Bli”. Nasceu no começo de 1972, quando a mãe já era médica endocrinologista e fundadora das Brigadas Revolucionárias. Hoje, quando olha para as fotografias do Verão Quente de 75, vê na cara da mãe a preocupação. (...)

Uma viagem ao Verão Quente
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.25
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Isabel Lindim é filha de Isabel do Carmo. Desde sempre é a “Bli”. Nasceu no começo de 1972, quando a mãe já era médica endocrinologista e fundadora das Brigadas Revolucionárias. Hoje, quando olha para as fotografias do Verão Quente de 75, vê na cara da mãe a preocupação.
TEXTO: “Bli” é a filha. Isabel como a mãe, nunca chamada assim. A “Bli” é tão parecida com a mãe quando a mãe tinha a idade que ela tem hoje que chegamos a duvidar quem é quem. O discurso, a atitude distingue-as. A filha nunca terá a energia da mãe, confessa. A energia de quem tem a urgência de mudar o mundo. Mas a filha é tão de esquerda quanto a mãe e fascinada pelo tempo em que a mãe e Carlos Antunes fundaram as Brigadas Revolucionárias, militaram no PRP, Portugal era uma folha que parecia em branco. Por isso mergulhou nos arquivos em 2007, fez o site www. memoriando. net, com Alfredo Caldeira continuou o trabalho em www. casacomum. org, editou o livro Mulheres de Armas (2012) sobre a acção das mulheres nas Brigadas Revolucionárias. É jornalista. Isabel do Carmo é natural do Barreiro. É especialista em endocrinologia e nutrição. É provável que aqueles que a consultam, e que nasceram depois da década de 1970, não saibam do seu passado político, ou que esteve presa anos, da sua longa greve da fome. Os da sua geração lembram-se bem. Dela e de Carlos Antunes, seu companheiro durante 25 anos. O que a seguir vão ler resume duas horas e meia de gravação. É um recuo no tempo, ao Verão de 75, à leitura de Isabel do Carmo do que então se passou (por exemplo, no 25 de Novembro), às memórias de “Bli” e ao que hoje compreende a partir do trabalho de investigação a que se tem dedicado. As actividades políticas nunca foram objecto de crítica em casa. Contudo, quando foi presa, foi um grande choqueO meu projecto era ser médica. O meu projecto não era ter actividade política para o resto da vida. Tudo isto eram coisas transitórias. É importante lutar. Tenho muita admiração pelo percurso da minha mãe. Nunca houve um interesse senão o de lutar pela igualdade, contra a injustiça. . Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filha fome igualdade mulheres
Estas mulheres já não trocam os seus bebés pelas armas
Durante vários meses, a fotojornalista Catalina Martin-Chico viveu nos acampamentos das FARC, na selva colombiana, acompanhando o processo de desarmamento. Impedidas de ter filhos durante a luta armada, as guerrilheiras começaram a engravidar, e tudo mudou. (...)

Estas mulheres já não trocam os seus bebés pelas armas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Durante vários meses, a fotojornalista Catalina Martin-Chico viveu nos acampamentos das FARC, na selva colombiana, acompanhando o processo de desarmamento. Impedidas de ter filhos durante a luta armada, as guerrilheiras começaram a engravidar, e tudo mudou.
TEXTO: Uma mulher segura uma criança nos braços, como se nada mais no mundo importasse naquele momento. O cenário é inesperado. A mulher está em pé, num caminho enlameado, que corta uma selva densa, onde é possível vislumbrar algumas tendas. O senso comum diria não se tratar do local mais adequado para cuidar de um recém-nascido, mas a ternura e a determinação expressas no rosto daquela mãe desfazem todas as dúvidas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher criança
No Maio de 68, "eles não queriam o poder, queriam transformar o mundo"
Maria Antónia Palla foi despedida do Diário Popular por insistir fazer o balanço do Maio de 68, um ano depois da revolta. Em Paris, procurou respostas junto de intelectuais, protagonistas das manifestações e pessoas anónimas. Chegou a publicar uma pequena parte dessas conversas no Diário de Lisboa, mas a censura impediu que continuassem. Publicou-as então num livro, que foi apreendido pela PIDE. E depois, o esquecimento. Revolução, meu amor volta agora às livrarias à boleia dos 50 anos do Maio de 68. (...)

No Maio de 68, "eles não queriam o poder, queriam transformar o mundo"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Maria Antónia Palla foi despedida do Diário Popular por insistir fazer o balanço do Maio de 68, um ano depois da revolta. Em Paris, procurou respostas junto de intelectuais, protagonistas das manifestações e pessoas anónimas. Chegou a publicar uma pequena parte dessas conversas no Diário de Lisboa, mas a censura impediu que continuassem. Publicou-as então num livro, que foi apreendido pela PIDE. E depois, o esquecimento. Revolução, meu amor volta agora às livrarias à boleia dos 50 anos do Maio de 68.
TEXTO: Sem autorização do Diário Popular, onde trabalhava, Maria Antónia Palla foi para Paris em Maio de 1969. Tinha um mês e uma pergunta: o que ficou dos acontecimentos que sacudiram a França e mundo no ano anterior? Ainda hoje não sabe como os classificar. “Foi menos do que uma revolução, mas também foi muito mais do que uma insurreição. ”Do rescaldo desses 365 dias haveria de escrever o livro Revolução, Meu Amor – uma frase lida nas paredes de Paris. “Na euforia da grande festa colectiva, as pessoas ousaram questionar tudo: para que servem a ciência, a técnica, a família, o amor, quando já não se crê em Deus, nos filósofos, na arte, na cultura, nos políticos, nas formas tradicionais de organização, nos Governos, nos sindicatos, no Estado?”. A procura de respostas às muitas questões que foram surgindo naquele tempo alimentou ainda mais a curiosidade daquela que é uma das pioneiras no jornalismo português, confrontando artistas, sociólogos, historiadores, estudantes e “povo anónimo”. O livro que contém sete destas entrevistas, apreendido pela PIDE um mês depois de ter saído para as bancas, volta às livrarias em Maio, pela mão da Sibila Publicações. É apresentado pelo investigador em Ciências Sociais Manuel Villaverde Cabral, no dia 7 de Maio, pela 18h30, na Livraria Ferin, em LisboaEste é o segundo livro de Maria Antónia Palla, depois de Só Acontece aos Outros, publicado na colecção Mulheres de Palavra da editora recém-criada pela escritora e empresária Inês Pedrosa. Revolução, meu amor foi originalmente publicado em 1969. . . . . . 69 ou 70, nem sei. Eu tenho esta miséria [o único exemplar que guarda]. É dos poucos. O livro foi apreendido um mês depois do lançamento pela PIDE e, portanto, chegou a muita pouca gente. Foi editado pela Prelo, chancela que também já não existe. . . Pois é. Este [exemplar] estava em casa dos meus pais, salvou-se. Certo é que o escrevi em 69. No ano anterior entrava para o Diário Popular naquele que seria o primeiro grupo de mulheres jornalistas a fazê-lo por concurso, com Margarida Silva Dias e Maria Armanda Passos. Como viveu o Maio de 68?Estava no Brasil quando aconteceu. Tinha ido fazer um trabalho para o Diário Popular, mas ainda não estava bem no jornal. Estive lá um mês e fiz uma reportagem para dar o ambiente daquele país que era um bocado estranho, porque já se vivia em ditadura, mas havia uma total liberdade de imprensa. Isto permitiu-me, quando estalou o Maio de 1968, seguir passo a passo os acontecimentos, sobretudo através da imprensa, e muitas das coisas que foram levantadas nessa contestação. Enfim, nisto penso que o Maio de 1968 foi menos do que uma revolução, mas também foi muito mais do que uma insurreição. Pôs tudo em causa: a sociedade, o Estado, a família, a própria vida pessoal. Tudo isso foi revisto. E isso vinha ao encontro de muitas das interrogações que eu fazia a mim própria. Fiquei entusiasmadíssima com aquilo. E apercebi-me que era uma coisa muito importante, porque era a primeira vez que se punham em causa valores vários da sociedade moderna. E com aquela pujança, com aquela alegria. Depois vim para Portugal, escrevi uma reportagem sobre o Brasil. Um Brasil que não era o país dos comendadores, que era o que se conhecia em Portugal, e dos escritores consagrados pela Academia Brasileira de Letras, a maior parte deles muito conservadores. Havia uma geração muito pujante que eu conhecia, não só através de livros, como através da música brasileira. As pessoas da minha geração já tinham em casa os discos do Chico Buarque, da Maria Bethânia, do Caetano Veloso. . . Enfim, toda aquela geração que exprimia coisas completamente diferentes daquelas que se podiam fazer em Portugal. E coisas muito modernas. Essa reportagem acabou por sair em sete textos. Chamava-se Brasil, olha que coisa mais linda, que era um verso do Vinicius de Moraes [de Garota de Ipanema]. Entrei para o jornal e comecei a pensar que seria interessante avaliar o Maio de 68 um ano depois. Porque um dos slogans era “Nada voltará a ser como dantes”. Portanto o que restava? O que é que ainda sobrava?Encontrou respostas?Em 69 fui para Paris e estive lá um mês. O meu critério foi o de procurar entender o que se tinha passado. Porque em Portugal a censura não deixou passar nada. Ao contrário do Brasil?Sim, no Brasil houve notícias em permanência. Mas em Portugal a censura praticamente não deixou sair nada, apenas umas notícias muito breves no jornal. Por outro lado, a oposição portuguesa não deu o devido valor àquilo que se estava a passar. Em grande medida porque havia consenso [na ideia] de que uma revolução haveria de ser feita por operários e camponeses. Era a doutrina do Partido Comunista na altura e que muita gente partilhava, mesmo que não fosse do partido. Poucos entenderam, porque, para além da informação muito reduzida, o interesse que ela despertou também foi pequeno. As perspectivas com que as pessoas analisavam os acontecimentos políticos e sociais eram muito antiquadas. E Maio de 68 rompia com isso tudo. Era ver o mundo de outra forma, ver o mundo de novo. Por isso digo que não foi uma revolução no sentido clássico do termo – o Governo nem caiu –, mas realmente os problemas que eles punham nunca se tinham posto. O Maio de 68 foi uma resposta? Na entrevista que lhe fez, o realizador Jean-Luc Godard acreditava que sim…O que desencadeou aquele movimento foi o autoritarismo que se verificava nas universidades por parte dos professores em relação à maneira como não contactavam com os alunos. E que se reflectia na pouca compreensão relativamente às novas relações que a descoberta da pílula anticoncepcional tinha permitido entre os rapazes e as raparigas. Uns não podiam visitar as instalações dos outros. Depois apareceram outras coisas, mas, essencialmente, o que eles contestavam era o autoritarismo, as regras, tudo aquilo que já não se coadunava com o sentimento de liberdade que existia entre a juventude. Depois, enfim, foi a explosão. Uns influenciados pelo Trotski, outros influenciados pelo conflito sino-soviético [que em 1969 abeirara a China e a União Soviética de uma guerra pelo modelo comunista]. Com influências ou sem influências, o que existia era um sentimento contra o autoritarismo na família, contra o Estado, contra a sociedade. Talvez hoje seja difícil compreender a intensidade com que estas questões se puseram, porque de facto as coisas não ficaram como dantes. Procurei falar com pessoas que haviam revelado atitudes contestatárias. E isso levou-me até ao Jean-Luc Godard [que realizou, entre outros, O Maoísta (1967) e Tudo Vai Bem (1972)], ao Jacques Brel [cantor que apresentou em Paris de 68 L’Homme de la Mancha], ou a um desenhador que realmente desmontava aquilo tudo, que era o Siné [como era conhecido Maurice Sinet, que foi cartoonista do jornal satírico Charlie Hebdo]. O único português foi o António José Saraiva [historiador de literatura portuguesa], um contestatário que se contestava a si próprio. E nessa altura havia um sociólogo que emergia e se haveria de tornar famoso, o Alain Touraine. E ainda Françoise Giroud, que era directora do L’Express e tinha sido a primeira secretária de Estado para a Condição Feminina em França. E consegui falar com um dos líderes daquele movimento, o Jacques Sauvageot. Falei com muita gente. Nessa altura, em 69, os principais protagonistas da revolta já estavam fora de cena. . . Sim, o [Daniel] Cohn-Bendit já tinha sido expulso de França. Só 18 anos depois é que haveria de falar com ele. Até o Sauvageot já tinha sido chamado para a tropa. “Quando a cólera ressoa nas ruas, estende-se à Terra inteira”, dizia uma das muitas canções usadas pelos manifestantes. Mas essas consequências não chegaram tão rapidamente a Portugal. O que ficou cá?Não só em França como nos países europeus esses acontecimentos marcaram. Se hoje rapazes e raparigas decidem viver juntos sem estar casados, isto era impossível antes do Maio de 68. Embora a sociedade ainda continue muito burocratizada, muito hierarquizada, as relações entre alunos e professores também se alteraram. Aqui em Portugal, alteraram-se no bom e no mau sentido. Quando andei na faculdade, era quase um cerimonial falar com um professor. Hoje essa relação é muito próxima. A frase que referiu há pouco, “Nada voltará a ser como dantes”, aparece no livro seguida de uma conclusão sua: “Algo que não chegara a concretizar-se, mas que abriu caminhos que não foram abandonados. ” Foi um rastilho?Foi um rastilho. Por isso é que depois veio o 25 de Abril. Mas há uma questão sobre o Maio de 68: é que tudo se fez num clima de festa. Era a grande festa da liberdade. E aqui, no 25 de Abril, acho que houve isso no início, mas depois surgiram os partidos vindos de diferentes classes de pessoas. Não eram estudantes, eram pessoas já com uma certa experiência de vida, mas não terão percebido o suficiente que havia uma nova vida. E a festa acabou muito cedo. Depois começaram as lutas partidárias e a festa acabou. E acha que isso não aconteceu em França?Não. No fim do Maio de 68 as pessoas estavam cansadas, foram para férias. E acho que o Estado procurou dar resposta a muitas das reivindicações dos trabalhadores, que já não eram de cariz revolucionário, mas de cariz administrativo. E, de certa maneira, a universidade sossegou. Em Portugal, acho que a luta partidária sufocou muito daquilo que o 25 de Abril podia ter sido. Podia ter-se avançado mais. Hoje em dia a sociedade portuguesa está no máximo da sua burocracia. As pessoas já não aguentam tantos papéis, tantos certificados. . . E agora instalou-se uma coisa na imprensa, que é achar que o jornalismo de investigação é andar a vasculhar na vida das pessoas. Eu acho que isso tem a ver com a Inquisição. No Maio de 68 não houve medidas inquisitoriais e agora há. Agora há. Sinto-me extremamente triste e incomodada com o que se está a passar. E nisso sacrifica-se a liberdade. Acho que há pouca liberdade na sociedade portuguesa, que há pouca espontaneidade. Porque tudo isto [o Maio de 68] foi espontâneo. E agora nada é. Os sindicatos e os políticos que dizem sempre as mesmas coisas. Houve um sociólogo que me disse: “As pessoas respondem a isso tudo com a arma que têm. Não votam”. E isto é mau para a democracia. E não foi propriamente esta sociedade que nós sonhámos quando veio o 25 de Abril. Escreveu que o Maio de 68 valeu como libertação. “Colocaram-se perguntas essenciais, mesmo que não se tenham dado as respostas”. Acha que é preciso voltar a colocar essas questões?Acho que era bom que as pessoas reflectissem nisso, não como uma coisa bizarra de uns quantos estudantes, mas como uma coisa que de facto abalou a sociedade. Havia um atraso muito grande nas mentalidades. E agora acho que se nota, além disso, um retrocesso. Acho que se subverteu a espontaneidade. Com este comércio todo da noite, por exemplo. As pessoas já não organizam festas, as pessoas vão ao lugar das festas. O Godard disse: “Os lugares de festa do mundo burguês são os mais burgueses, são os mais desinteressantes”. Ele recusava-se a ir. Essa questão do mundo burguês é uma referência constante nas suas entrevistas. Escreveu que “sob o olhar complacente do burguês, levantam-se as primeiras barricadas” no Quartier Latin. E refere-se a França como o “mais burguês dos países burgueses da Europa”. Mas não acredita que o Maio de 68 se explique por uma luta de classes…Nunca fui marxista nem comunista e sempre achei essa história da luta de classes uma burrice, porque não acho que seja isso que faça mover o mundo. E aqui aparece pela primeira vez – não é bem assim, porque em 62, em Portugal, houve um movimento universitário que em alguns aspectos está relacionado com o Maio de 68, mas é muito comedido nas suas reivindicações – a afirmação concreta de uma nova força revolucionária que é o saber. Parte das universidades e parte dessas pessoas já não estão nessa da luta de classes. Porque eles próprios contestam os sindicatos, os partidos. Há realmente uma força nova que emerge e que faz dos estudantes agentes revolucionários. E isso é novo na história moderna. Questiona com frequência o facto de a revolta dos estudantes, a que se juntaram os trabalhadores, se ter fragmentado. Por que é que acha que isto aconteceu?Os estudantes tentaram que os operários se juntassem à luta deles. Uma das reivindicações que acabaram por surgir foi a de que os operários e os filhos dos operários pudessem ascender à universidade. Mas estes são ainda dominados pelo pensamento dos sindicatos, segundo o qual tudo se resolve pela luta de classes. A 13 de Maio há uma grande manifestação – um milhão de pessoas desfila em Paris –, e aí estão estudantes, trabalhadores, etc. . Mas essa união foi rapidamente rompida por força dos sindicatos e, também um pouco, dos partidos políticos. A 28 de Maio, o [François] Mitterrand, apoiado por Pierre Mendès-France, propõe-lhes [aos estudantes] a criação de um movimento com vista às eleições que viriam a ser convocadas. E ele não entende que lhe respondam simplesmente “não”. Porquê? Porque eles não querem o poder. Eles querem transformar o mundo. São muito mais exigentes, vão muito mais longe. É nesse sentido, por exemplo, que se vão criar as novas correntes feministas, que já não reclamam o voto, mas reclamam a transformação da sociedade e rejeitam o poder. Tudo isso também alterou as suas ideias?Eu já me identificava com isso antes mesmo do movimento estalar. Digo que numa sociedade democrática como a que vivemos, em que o poder é representativo, o poder representa muito mal. Acho que cada deputado devia apresentar o seu currículo e que a lei eleitoral devia mudar. Por outro lado, acho que o Governo e a Assembleia da República não esgotam a democracia. Acho que a democracia deve ter em consideração as causas que espontaneamente os cidadãos consideram suas. Por exemplo, não percebo como neste momento, em Portugal, acontece a coisa mais grave que é a Lei das Rendas. Toda a vida houve casas alugadas, mas nunca houve esta loucura de senhorios e proprietários. As pessoas estão contra o trabalho a termo, mas não estão contra o aluguer a termo. Isto não pode ser assim, as pessoas não podem viver sem um mínimo de estabilidade. E a coisa mais estável que há na vida de uma pessoa é a casa. É o último refúgio contra tudo o que lhe pode acontecer na vida. Agora há arrendamentos que chegam a ser de seis meses, um ano. Que relação é que a pessoa cria com a casa? Essa relação é absolutamente necessária. E isto vai-se quebrar. Porquê? Pela ganância dos proprietários. Porque julgam que esta onda do turismo veio para ficar, quando se sabe que a coisa mais sujeita a moda é o turismo. E como nunca houve uma política de habitação em Portugal, só uma política de apoio à construção, as pessoas estão a ser chutadas para fora de Lisboa. E isso transforma a vida das pessoas num inferno. Por exemplo, Portugal é o país europeu com maior número de divórcios. Eu sou pelo divórcio, claro, mas acho que as condições para que os divórcios aconteçam estão a aumentar no dia-a-dia. É por isso que classifica o Maio de 68 como o último gesto heróico de um passado romântico? Acha que a globalização, as cidades e a vida moderna acabaram com a possibilidade de se repetirem gestos assim?Posso estar errada e oxalá esteja, mas não vejo na sociedade portuguesa a possibilidade desse movimento. Porque o desemprego não torna as pessoas reivindicativas. Não é só a perda do dinheiro, há uma falta de auto-estima. O desempregado está a ser recusado por uma sociedade que não o quer. E da parte dos jovens instalou-se um sentimento de competitividade que não creio que se venha a traduzir num movimento do tipo do Maio de 68. Eles não querem alterar nada, eles querem adquirir o que existe. E, mais uma vez, vejo que os sindicatos e os partidos contribuem para isso. O bom militante é o que obedece à ordem do partido, não é? E as causas que eles escolhem são muito efémeras. As pessoas precisam de mais lazer, de ter tempo para ganhar cada vez mais instrução, de estudar – digo isto para homens e mulheres, para adultos e jovens. Porque entre eles há uma competitividade que me assusta. Em todas as profissões. Nós, jornalistas, na altura, vivíamos com uma paixão que não vejo hoje. Hoje é um emprego. E acho que, no meu tempo, era uma paixão. Também porque aconteceu uma coisa terrível, que foi afastar os meios de comunicação da cidade. As pessoas estão fechadas em guetos e não convivem, não é?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Como vê a reedição deste livro agora?Eu não pensava nisso. A Inês Pedrosa é que criou uma nova editora, a Sibila, e acha que este livro é um documento que não pode ser esquecido. E como ele praticamente não foi lido e o Maio de 68 faz agora 50 anos. . . Ela convenceu-me. Mas este livro não é um ensaio político. Desde o início que não o é. Eu podia ter continuado a estudar o Maio de 68, mas fiz essa reportagem e depois surgiram outras coisas. Outras acendalhas, outras causas. Foi despedida do Diário Popular por insistir em fazer este balanço do Maio de 68. As entrevistas chegaram a ser publicadas?Sim, no Diário de Lisboa. O primeiro capítulo, que era uma espécie de introdução, saiu. O segundo já foi muito cortado pela censura e depois desistimos de publicar mais. Eu pensava que ficava por ali. Mas um dia estava com uns amigos e um médico biólogo, que também tinha estado no Maio de 68, disse-me: ‘Não, se você tem esse material todo, não vai ficar com ele aí’. E um jornalista muito meu amigo manda-me ir para casa um mês e escrever um livro. Foi isso que eu fiz. Depois fui para Luanda e aí esqueci-me do livro. Quando voltei disseram-me: “Olha, a PIDE levou-o”. Foram muito poucos os que ficaram. Acabaram por desaparecer com o tempo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra lei cultura espécie mulheres desemprego feminina divórcio
Eu vi o futuro e é jovem
O cenário é duro. Sinto-o de cada vez que olho para o futuro e o vejo tão jovem. Mas, mais do que nunca, sinto uma enorme esperança. (...)

Eu vi o futuro e é jovem
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.05
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O cenário é duro. Sinto-o de cada vez que olho para o futuro e o vejo tão jovem. Mas, mais do que nunca, sinto uma enorme esperança.
TEXTO: Hoje mais de 1, 8 mil milhões de pessoas no mundo são jovens. São milhões de vozes, de agentes que apoiados com os investimentos necessários em saúde, educação, emprego e participação podem transformar o mundo. Todos os dias acordo consciente deste enorme potencial e desafio. Trabalhando há quase 2 anos para o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), a agência da ONU para a saúde sexual e reprodutiva, cuja missão é garantir direitos e escolhas para todas as pessoas, foco-me especialmente nas mulheres, nas adolescentes e nos jovens. Se queremos um mundo com mais liberdade e dignidade para todos, sem deixar ninguém para trás – o mantra dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - temos que chegar primeiro àqueles que têm sido deixados mais para trás e esses são sempre as mulheres e os jovens. Frequentemente sem voz e sem um lugar à mesa da tomada de decisão, as suas necessidades e potencialidades têm sido ignoradas quer nos grandes compromissos políticos internacionais, quer na tradução destes para programas que visam, precisamente, transformar a vida de jovens e mulheres. Mas deixem-me traçar-vos um breve e incompleto cenário dos desafios que os jovens enfrentam. Sabemos que, todos os dias, nos países em desenvolvimento, cerca de 20. 000 raparigas com menos de 18 anos dão à luz e que a maior parte destas gravidezes não resultam de uma escolha deliberada. Para muitas é a consequência de pouco ou nenhum acesso à escola, informação ou cuidados de saúde. Uma rapariga que não tem acesso a educação sexual compreensiva e a saúde sexual e reprodutiva não consegue evitar uma gravidez indesejada, por exemplo, e o impacto desta falta de escolha na sua saúde, educação e autonomia constitui um conjunto de violações dos seus direitos fundamentais. Uma adolescente que não tem controlo sobre o seu corpo, não tem controlo sobre nada na sua vida. Fica mais exposta à pobreza, à dependência, ao abandono escolar e ausente dos espaços onde a sua vida é decidida. Se pensarem que todos os dias morrem 800 mulheres e jovens de causas ligadas à gravidez, parto e pós-parto, na sua maioria preveníveis, pensem no impacto transformador que garantir acesso à saúde sexual e reprodutiva e direitos conexos pode ter na vida destas pessoas, no desenvolvimento dos seus países e do mundo. Todos os anos milhões de raparigas casam precocemente e antes de atingir a idade adulta. O casamento precoce, infantil e forçado é uma violação dos Direitos Humanos. E apesar de todas as leis que o punem, globalmente, uma em cada 5 raparigas casa-se, ou entra para uma união, antes de atingir os 18 anos. São quase 12 milhões todos os anos. O casamento infantil viola o direito de escolher se e com quem casar. E quando as raparigas têm escolha, casam-se mais tarde. Um jovem casado precocemente corre maiores riscos de abandono escolar, de uma gravidez indesejada (as complicações decorrentes da gravidez adolescente são a principal causa de morte entre raparigas adolescentes mais velhas) ou de contrair uma infecção sexualmente transmissível. Por todo o mundo há hoje cerca de 200 milhões de mulheres e raparigas que vivem com as consequências de mutilação genital feminina; e, de acordo com as nossas estimativas, até 2030 há cerca de 68 milhões de meninas, raparigas e mulheres em risco. A mutilação genital feminina é umas das mais graves violações dos Direitos Humanos. A despeito de todos os sucessos com a criminalização da prática, das declarações públicas de abandono e de uma quase consciência universal para a gravidade do acto e das violações de direitos que aporta, o trabalho está longe de estar terminado. E posso vos falar ainda dos contextos humanitários e de como todas as violações de direitos que possam imaginar são exacerbadas e exponencializadas e de como os jovens eram reduzidos a sobreviventes e portadores de necessidades – que o são – mas nunca reconhecidos como agentes de resposta de primeira linha, como actores na construção de sociedades resilientes. Ou, ainda, de como nas negociações para a paz e segurança o elo que faltava era os jovens, a sua voz, as suas redes, a sua capacidade de inovar em soluções e em parcerias transformadoras, que ocupassem o seu lugar à mesa. Bem sei que o cenário é duro. Sinto-o de cada vez que olho para o futuro e o vejo tão jovem. Mas, mais do que nunca, sinto uma enorme esperança. Primeiro porque vemos, ouvimos e lemos e não o podemos ignorar, como tão bem o dizia a nossa Sophia; depois porque os jovens dizem alto e a bom som “nada sobre nós, sem nós” e, como exige a enviada especial para a juventude do Secretário-Geral da ONU, se os jovens não cabem na mesa de negociações, construam mesas maiores; e também porque investir nos jovens, na sua saúde sexual e reprodutiva, nos seus direitos sexuais e reprodutivos, na sua educação/formação, no seu emprego e na sua participação não é apenas algo que possamos fazer, é a coisa certa a fazer, se realmente não queremos deixar ninguém para trás. O meu optimismo, sempre informado, vem sobretudo do trabalho notável que organizações internacionais, Estados e sociedade civil – em parcerias com a academia e a comunicação social – têm feito, por exemplo, em recolher dados desagregados ao género e à idade, que usam para desenhar políticas e programas com impacto; vem dos enormes compromissos que todos temos sabido gizar e proteger; vem do reconhecimento de cada um de nós como portador de deveres e de direitos. E é isso que agências como aquela a que eu tenho o privilégio de pertencer fazem diariamente: conhecer para agir, inovar para transformar a vida dos Povos das Nações Unidas, como tão inspiradoramente somos referidos na abertura da Carta das Nações Unidas. 2019 é um ano de charneira. É o ano dos 25 anos da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento que muda o papel percebido das pessoas no desenvolvimento: de números humanos para Direitos Humanos, celebrando os direitos sexuais e reprodutivos como Direitos Humanos, colocando jovens e mulheres no centro do desenvolvimento. E foi já há 25 anos, é tempo de cumprir as promessas desta agenda perpétua. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O UNFPA, que tem como missão construir um mundo em que cada gravidez é desejada, cada parto é seguro e o potencial de cada jovem é realizado, celebra 50 anos. 50 anos a colocar os jovens no centro dos processos, de todos os processos, incluindo na construção da paz e da segurança e na ação humanitária, empoderando-os, trabalhando com eles e para eles, fazendo de cada espaço um espaço seguro e de autonomia, dando aos jovens as competências, a informação, o poder e os meios para decidirem sobre os seus corpos, as suas vidas, as suas famílias, comunidades, países e o mundo. Por isso quando olho para o futuro ele é jovem. É feito das vozes e da acção de 1, 8 mil milhões de jovens e de todos os que lutam ao seu lado pela reconhecimento dessa extraordinária força transformadora, dos que aliam a esse reconhecimento um investimento na sua saúde, educação, emprego e participação, dos que combatem as tentativas de encurtamento desse espaço, dos que dizem “nada sobre os jovens, sem os jovens. ” Porque sabem que mais, afinal o presente já é jovem. Directora do escritório do Fundo das Nações Unidas de Apoio à População em Genebra
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Tanto é quase tudo
Foi reconfortante saber que há uma rede tentacular de vigilantes espalhados pelo território, posta de pé pelo Comité Contra as Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau e pela sua carismática líder Fatumata Djau Baldé. Claro que não há garantias de que a excisão tenha sido erradicada — mas foi retirada do espaço público e isso não é, de todo, irrelevante. (...)

Tanto é quase tudo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi reconfortante saber que há uma rede tentacular de vigilantes espalhados pelo território, posta de pé pelo Comité Contra as Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau e pela sua carismática líder Fatumata Djau Baldé. Claro que não há garantias de que a excisão tenha sido erradicada — mas foi retirada do espaço público e isso não é, de todo, irrelevante.
TEXTO: Não mudou tudo, mas mudou tanto. E tanto é muito mais do que um princípio, é quase tudo quando se fala de um tema tão complexo como a mutilação genital feminina, prática que há séculos viola os direitos humanos de milhões de meninas e raparigas pelo mundo fora. Não visitei a Guiné-Bissau durante quase dez anos e a última vez foi uma deslocação relâmpago para acompanhar o na altura ministro da Defesa Nuno Severiano Teixeira, para este jornal onde agora escrevo, mas no qual já não trabalho. Em equipa com o fotojornalista Daniel Rocha, só tivemos tempo, e pouco, para ir registar os danos que um surto de cólera estava a provocar no hospital central de Bissau. Na verdade, o meu trabalho aprofundado sobre mutilação genital feminina na Guiné-Bissau remonta a 2002, altura em que comecei a escrever sobre o tema para o PÚBLICO. A primeira investigação é publicada a 4 de Agosto, sobre a situação em Portugal, após três meses intensos de leitura, pesquisa, entrevistas, reportagem, dúvidas e mais dúvidas. Um privilégio a que me dediquei fora das horas regulares de trabalho, mas que foi recebido com honras de primeira página e umas raras oito páginas de diário. Escrevi tudo o que achei importante, sem constrangimentos de espaço, como voltaria a acontecer uma e outra vez. Como acontece agora — e por isso agradeço ao PÚBLICO, onde cresci como jornalista durante dez anos. Só em Novembro de 2003 pousei em chão guineense pela primeira vez — e nunca mais encontrei cor ou cheiro como aquele. Desde então, escrevi tanto sobre a mutilação genital feminina que o PÚBLICO decidiu editar um livro, em 2006 — edição esgotada e sem cópias sobrantes. Nessa mesma altura, a Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP) organizou e financiou o lançamento do livro na Guiné-Bissau. Menciono isto porque é esta mesma organização que agora nos permitiu, através de uma bolsa, fazer o trabalho plasmado nestas páginas. E porque acho que nada é por acaso. Num assunto como este, isto significa comprometimento. E não é pouco, porque todos sabemos que, no que à mutilação genital diz respeito, o que conseguirmos hoje pode ser revertido amanhã, que tudo muda muito lentamente, que ainda há tantas meninas por salvar. Foi, por isso, reconfortante saber que há uma rede tentacular de vigilantes espalhados pelo território, posta de pé pelo Comité Contra as Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau e pela sua carismática e respeitada líder Fatumata Djau Baldé. Claro que não há garantias de que a prática tenha sido, efectivamente, erradicada — mas foi retirada do espaço público e isso não é, de todo, irrelevante. Em 2003, quando fui à Guiné pela primeira vez, assisti ao fim de um fanado — nome dado ao ritual de iniciação, neste caso uma cerimónia alternativa, sem corte de genitais mas mantendo tudo o resto, que era financiada no âmbito de um projecto coordenado por Paula da Costa, a minha primeira anfitriã na Guiné-Bissau e profunda conhecedora do tema. Lembro-me bem da saída das fanadozinhos (meninas e jovens iniciadas), olhos no chão, cabeças baixas, encostadas umas às outras, no trilho do comboio para a idade adulta. Lembro-me de a comunidade as receber em festa, em contraste com o medo que traziam inscrito no rosto. Era um cerimonial efusivo, no qual as comunidades respectivas se envolviam activamente, e tolerado como costume pelos não praticantes. Fazia parte da cultura guineense e não havia muito quem o questionasse. Essa cobertura foi-lhe retirada. Já não se ouve como justificação que sempre se fez assim e que qualquer alteração seria uma ofensa à memória dos antepassados. Outra boa surpresa deste regresso à Guiné foi a descoberta de que o tema da excisão já não é tabu. Pode parecer insignificante, mas é muito mais difícil acabar com aquilo de que ninguém fala. Lembro-me de me virarem a cara quando fiz perguntas sobre o tema, em 2003. Não voltou a acontecer agora. As próprias mulheres guineenses são agora muito mais empoderadas, capacitadas e assertivas. Querem dar a sua opinião sobre o assunto — e sabem do que falam. Querem porque vivem com as consequências do que lhes fizeram; querem porque estão esclarecidas sobre os danos da prática — para si próprias, para as suas filhas, para as comunidades, para todo o país. Agora, há outros desafios. Tivemos a sensação de que a prática passou à clandestinidade e, num território onde a denúncia não é bem vista, isso pode colocar obstáculos à acção. Mas também é verdade que as casas das tabancas são viradas umas para as outras e que é difícil ocultar uma coisa destas — só se os vizinhos escolherem não ver. Ora, o ritual do fanado perdeu a dimensão social e cultural que lhe estava atribuída, as fanatecas perderam o estatuto que tinham e viram-se forçadas, algumas com dificuldades, a reconverterem-se profissionalmente. Sabemos que não são poucos os exemplos de países que adoptaram leis apenas no papel, que não são aplicadas na prática. Não se pode dizer que seja esse o caso da Guiné — onde dez casos já foram julgados —, mas também não se pode dizer que a justiça está a fazer tudo o que deve, nomeadamente perante as sentenças pouco exemplares que tem aplicado. A excessiva proximidade entre as autoridades e as comunidades também tem dificultado uma intervenção mais musculada. Afinal, na Guiné toda a gente se conhece e não raramente são até da mesma família. Também os políticos mantêm o silêncio, na generalidade abstendo-se de comentarem o assunto e mais ainda de combaterem activamente a prática. Todos os votos contam e acreditam — provavelmente com razão — que perderão uns quantos se se referirem a um assunto considerado “privado”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por tudo isto, é de louvar o esforço continuado e persistente das organizações da sociedade civil guineense, que nunca abandonaram o assunto. É que agora podem reclamar vitória. Não total, mas sem dúvida uma vitória. Prefiro sempre ver o copo meio cheio do que meio vazio. Muita coisa já mudou. Vamos lá mudar o resto. Nô pintcha, Guiné-Bissau! Nô sta djuntu!P. s. : Deixo aqui um agradecimento ao meu camarada Mussá Baldé, com quem tive o privilégio de fazer este trabalho, numa experiência de aprendizagem mútua, rara entre dois continentes tão próximos e tão distantes. As nossas muitas e saudáveis diferenças nunca nos desviaram da rota traçada: perguntar, perguntar e perguntar — para tentar perceber e fazer o mais abrangente retrato possível de um tema complexo. Sem preconceitos, mas também sem falsas neutralidades. O jornalismo deve testemunhar, sem abdicar de denunciar as violações de direitos humanos, ao serviço da transformação social.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos humanos cultura mulher comunidade social criança medo mulheres feminina
Tribunal espanhol confirma nove anos de prisão para La Manada
O Tribunal Superior continua a considerar que se tratou de assédio. Pelo menos dois magistrados discordaram de decisão, por considerarem que se tratou de agressão sexual (ou violação). (...)

Tribunal espanhol confirma nove anos de prisão para La Manada
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Tribunal Superior continua a considerar que se tratou de assédio. Pelo menos dois magistrados discordaram de decisão, por considerarem que se tratou de agressão sexual (ou violação).
TEXTO: O Tribunal Superior de Navarra confirmou nesta quarta-feira a condenação do grupo de cinco homens auto-intitulado La Manada a nove anos de prisão pelo crime de abuso sexual de uma rapariga de 18 anos, durante as festas de San Fermín, em 2016, reafirmando a pena conhecida em Abril. Pelo menos dois juízes votaram contra a decisão do tribunal. A maioria dos juízes do Tribunal Superior de Navarra deu razão à decisão do tribunal provincial e concluíram que, apesar de não ter havido consentimento, também não houve intimidação. Os juízes acreditam que não é “verosímil” que a vítima, uma jovem de Madrid, “tenha consentido os maus-tratos e o vexame, a atmosfera opressiva e a prevalência do grupo em que se desenvolve a acção criminosa”. Mas consideram que “é duvidosa a ocorrência de intimidação, necessária para qualificar aquelas acções como agressão sexual ou violação”, lê-se no documento tornado público pelo Tribunal Superior. De entre os cinco juízes, dois discordam da decisão. Joaquín Galve e Miguel Ángel consideram que não se trata de assédio, mas sim de agressão sexual, por entenderem que “houve intimidação”, lê-se no mesmo documento. Os dois magistrados entendem que os homens de La Manada “fizeram uma emboscada à vítima” da qual era “praticamente nula a possibilidade de fugir ou escapar”. Estes dois magistrados pedem uma pena de prisão de 14 anos, três meses e um dia para os cinco acusados. Há ainda outro recurso, apresentado pela vítima, que não foi julgado por este tribunal e que pode representar uma nova sentença para estes homens: o facto de terem gravado a jovem enquanto a obrigavam a manter relações sexuais com eles. Tal pode constituir uma ofensa contra a intimidade e, se forem considerados culpados pelo tribunal provincial (responsável por reavaliar se constitui delito ou não), a pena ainda lhes pode ser aumentada. De acordo com o Código Penal espanhol, a diferença entre abuso sexual e violação assenta na existência (ou não) do recurso à violência e intimidação. Caso exista intimidação ou violência, a pena atribuída é de um a cinco anos de prisão. Já se não existir violência a pena oscila entre um a três anos de prisão. A esta definição soma-se o agravamento da pena caso exista penetração (vaginal, anal ou oral), quer com o corpo ou através de objectos. Neste caso, a pena poderá chegar aos 15 anos. Diz ainda a lei espanhola que a intimidação acontece caso exista uma “ameaça concreta de um mal se a vítima não concordar em participar numa determinada acção sexual”. Ora, os criminosos foram julgados com base no artigo 181. 3 do Código Penal espanhol, que pune os crimes sexuais cometidos com base no consentimento “obtido através de uma situação de manifesta superioridade que corta a liberdade da vítima”. O Ministério Público está a avaliar se, na sequência desta decisão — que ainda está dependente de recurso — se pode suspender a liberdade condicional dos membros do La Manada. Esta entidade, assim como o governo de Navarra e os advogados de defesa de La Manada já anunciaram que iam recorrer da decisão tornada pública nesta quarta-feira. Os cinco membros do La Manada, o grupo que abusou sexualmente de uma rapariga nas festas de San Fermín, em Pamplona, estiveram detidos durante dois anos, mas foram libertados em Junho deste ano, depois de terem pago uma fiança de 6000 euros cada um. A condenação por abuso sexual e não por violação gerou uma onda de indignação em Espanha. Também a decisão de os libertar levou milhares de espanhóis às ruas, em protesto. Vários líderes políticos manifestaram-se sobre a decisão, entre eles, Pedro Sanchéz, à época na oposição, que escreveu no Twitter: “Ela disse NÃO. Acreditámos em ti e continuamos a acreditar. Se o que fez #LaManada não foi violação em grupo contra uma mulher indefesa o que entendemos então por violação?”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Junho, os cinco homens ficaram obrigados a apresentar-se às autoridades às segundas, quartas e sextas-feiras, proibidos de entrar na comunidade de Madrid (onde mora a vítima), de comunicar com ela, de sair de Espanha sem autorização judicial e os seus passaportes foram apreendidos. Actualmente apenas quatro membros continuam em liberdade, visto que um deles, Ángel Boza, 26 anos, foi preso novamente por ter roubado um par de óculos de sol no valor de 200 euros num centro comercial em Sevilha.
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Palavras-chave crime homens lei violência tribunal mulher prisão comunidade violação sexual maus-tratos corpo rapariga abuso assédio
CP tem comboios abandonados que podiam evitar crise na ferrovia
Dezenas de locomotivas e carruagens estão encostadas no Entroncamento e no Barreiro. Empresa nunca lhes fez uma manutenção mínima para serem reserva estratégica. Alugueres a Espanha e supressões em todo o país teriam sido desnecessários. (...)

CP tem comboios abandonados que podiam evitar crise na ferrovia
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-09-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dezenas de locomotivas e carruagens estão encostadas no Entroncamento e no Barreiro. Empresa nunca lhes fez uma manutenção mínima para serem reserva estratégica. Alugueres a Espanha e supressões em todo o país teriam sido desnecessários.
TEXTO: A CP já tem 20 automotoras a diesel alugadas a Espanha (pelas quais paga 7 milhões de euros por ano) e prevê alugar mais quatro (por mais 1, 4 milhões de euros anuais), bem como comboios eléctricos de longo curso. Mas nas suas instalações a empresa tem encostadas locomotivas e carruagens que poderiam ser postas ao serviço e evitar esse aluguer, caso tivessem sido alvo de uma manutenção mínima. O caso mais flagrante é o de 20 locomotivas Alstom que estão parqueadas ao ar livre no Entroncamento, inicialmente com o objectivo de serem reserva estratégica para a CP, mas que nunca foram alvo de qualquer manutenção. Mais: nem sequer foram ligadas periodicamente, o que aumentou rapidamente o seu grau de obsolescência. Um engenheiro ferroviário, que foi nos anos 90 director de material da CP, explicou ao PÚBLICO, sob anonimato, os riscos associados a esta situação. “A imobilização prolongada no exterior provoca a degradação do isolamento do equipamento eléctrico, em particular dos motores de tracção. Na parte mecânica os principais danos estão relacionados com a corrosão devida à condensação da humidade durante os ciclos de variação da temperatura ambiente. Este fenómeno afecta também os rolamentos porque associado à imobilidade provoca a ruptura da película lubrificante causando danos irreversíveis nas pistas”. Foi muito tempo a depender de muito pouco. Bastaria ligar as locomotivas periodicamente e pô-las a fazer uma rotação de vez em quando para que elas se mantivessem hoje operacionais sem necessidade de reparações que, a serem executadas, serão dispendiosas. Aliás, a prática de colocar material mais antigo ao serviço para evitar a sua obsolescência é frequente em praticamente todas os operadores ferroviários, com destaque para os suíços, franceses e alemães. >>> Leia o especial A Ver Passar Comboios <<<Além das locomotivas, a CP tem também encostadas algumas dezenas de carruagens Sorefame que durante décadas fizeram parte da geografia ferroviária portuguesa. Construído na Amadora entre 1961 e 1975, este material circulou em todo o território nacional e algum foi até modernizado e dotado de ar condicionado para integrar a frota dos actuais Intercidades. Em 2016 a CP fez movimentar 25 destas carruagens do Entroncamento para Contumil (Porto) a fim de as renovar e pô-las ao serviço nos Intercidades, mas o projecto nunca avançou. A falta de pessoal na EMEF, que já na altura se fazia sentir, terá sido uma das razões. Em consequência a CP terá agora de alugar a Espanha comboios eléctricos para o longo curso. A empresa detém também algumas locomotivas a diesel da série 1400 que, rebocando uma ou duas carruagens, poderiam efectuar alguns serviços regionais em linhas onde constantemente estão a ser suprimidos comboios (Oeste, Alentejo e Algarve). Mas a empresa não o faz alegando que as carruagens não têm ar condicionado e que os custos de exploração são mais elevados porque estas locomotivas precisam de um segundo agente a acompanhar o maquinista. E porque implicam custos de manobra para reverter a locomotiva nas estações terminus. A CP, porém, nunca fez um inquérito aos seus clientes sobre se preferem ter um comboio sem ar condicionado ou ficar em terra sem transporte. A sua opção, nesse aspecto, é clara: prefere suprimir comboios em vez de assegurar a sua oferta regular com custos mais elevados. A AMT (Autoridade da Mobilidade dos Transportes), que é o organismo regulador, ainda não se pronunciou pelo facto de a empresa ter vindo, desde Janeiro de 2017, a suprimir comboios praticamente todos os dias por falta de material circulante. António Brancanes, da Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-Ferro, em cujas fileiras se encontram verdadeiros especialistas na ferrovia, também é de opinião que mais vale voltar a pôr a circular nos carris material que tinha sido retirado do serviço, do que permitir supressões todos os dias por as automotoras existentes estarem envelhecidas e não aguentarem mais quilómetros. “Não é a solução ideal e as 1400 e carruagens Sorefame poderiam apenas constituir um reforço às automotoras que estão em fim de vida útil, mas é a que configura mais respeito pelos clientes que hão-de preferir um comboio velho a não ter comboio”, disse ao PÚBLICO. “Afinal é o serviço público que está em causa”, concluiu. Em sintonia está Rui Raposo, da Comissão de Defesa da Linha do Oeste, que defende também a utilização de locomotivas 1400 e carruagens na linha que liga Lisboa a Caldas da Rainha e Coimbra. “Essa possibilidade iria resolver, pelo menos provisoriamente, o problema das supressões. Qualquer dia não há comboios na linha do Oeste”, frisou em declarações ao PÚBLICO. A CP possui ainda material eléctrico parqueado em Campolide e Algueirão que está em estado de semi-abandono e que, se estivesse operacional, reduziria os riscos de supressão de serviços por avaria, como já tem acontecido na linha de Sintra. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O ex-director de material da CP alerta que algumas estão a ser canibalizadas, isto é, utilizadas como reserva de peças sobressalentes, tornando-se assim inúteis para o serviço. Em sua opinião, corre-se o risco de, quando as linhas forem electrificadas, não haver material de tracção eléctrica para nelas circularem. Atento às questões da manutenção, este especialista diz que não entende por que motivo a electrificação da linha do Algarve não é prioritária (é um dos últimos investimentos previstos no Ferrovia 2020). “Se se electrificassem as ‘pontas” da linha do Algarve, podia-se retirar de lá o material a diesel e ter a tracção eléctrica uniformizada em praticamente todo o sul do país”, diz. O PÚBLICO fez várias perguntas à CP relacionadas com o material circulante encostado e a sua possível utilização, mas não obteve resposta em tempo útil.
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Serão poucas as mães que nunca desejaram que "os filhos tivessem um botão de desligar"
Parir? "Se os homens tivessem que passar por isto, há muito que a humanidade se teria extinguido", diz Carmen Garcia, enfermeira alentejana que escreveu um livro em que fala abertamente sobre o lado menos romântico da maternidade. (...)

Serão poucas as mães que nunca desejaram que "os filhos tivessem um botão de desligar"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-11-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Parir? "Se os homens tivessem que passar por isto, há muito que a humanidade se teria extinguido", diz Carmen Garcia, enfermeira alentejana que escreveu um livro em que fala abertamente sobre o lado menos romântico da maternidade.
TEXTO: Cansada da “visão cor-de-rosa da maternidade” que predomina nas redes sociais, uma enfermeira com dois filhos pequenos aventurou-se, no início deste ano, a criar um blogue e uma página no Facebook em forma de desabafo, com uma grande dose de humor e num tom provocador. O blogue e a página foram conquistando seguidores e acabaram por desaguar no livro Os 10 Mandamentos de Uma Mãe Imperfeita (Ego), que Carmen Garcia lançou ontem. Nele, admite, sem pruridos, que não gostou de estar grávida, que tem muitas saudades de tomar um banho demorado, e que não se encheu “de um amor infinito mal viu” o primeiro filho após o parto. Enfermeira de cuidados intensivos no Hospital de Évora, Carmen, 32 anos, ousou avançar por este terreno minado durante a gravidez de risco do segundo filho, quando começou a enjoar, digamos assim, a visão romantizada da maternidade que abunda nas redes sociais. “É que para onde quer que olhasse as mães tinham sempre um cabelo saudável, um bronzeado natural, viviam em casas decoradas por profissionais e passeavam pelo mundo com filhos vestidos a condizer. E eu, grávida do segundo filho no espaço de um ano e meio, sentia-me permanentemente cansada, não vestia outra coisa que não leggings com camisolas velhas, vivia numa casa sem um único cortinado e Armação de Pêra tinha sido o meu destino de férias mais tropical dos últimos tempos”, escreve. Decidida a assumir frontalmente que “a maternidade também tem um lado negro”, ainda pensou no início que o blogue A Mãe Imperfeita iria funcionar como uma espécie de terapia e se limitaria a ser lido “pelo marido e pelas irmãs”. Surpreendentemente para ela, foi conquistando muitas mulheres. São agora “mais de vinte mil mães imperfeitas, mulheres que amam incondicionalmente os filhos, mas que não têm medo de dizer que ser mãe é uma tarefa hercúlea, que assumem que às vezes têm saudades da vida pré-maternidade e que aprenderam a viver com mais dúvidas do que certezas”, sintetiza. A enfermeira está longe de ser a primeira mãe a desvendar em público o lado mais sombrio da maternidade. Nos últimos anos têm-se multiplicado blogues e páginas no Facebook deste tipo, como o Ser Supermãe É Uma Treta, só para dar um exemplo (porque haverá muitos outros). E, em matéria de livros, várias mulheres já se aventuraram antes neste domínio. Como Filipa Fonseca Silva que também começou a falar da experiência da maternidade tal como ela é, sem filtros, num blogue e, há três anos, publicou o livro Coisas Que Uma Mãe Descobre (e de Que Ninguém Fala), editado pela Bertrand, que desencadeou alguma polémica. Também Sofia Anjos, que foi colunista da secção Life&Style do PÚBLICO, escreveu em 2015 um livro sobre o tema, o Difícil É Parir a Mãe. Sofia tinha desencadeado a fúria de algumas mulheres, como recordou na altura ao Observador, quando assinou uma crónica intitulada “As mães não se medem às mamadas”. É que, no reino das mães, a amamentação é um tema extremamente delicado. Carmen Garcia não poupa as mulheres que agrupa na “brigada das mamas” para lamentar a espécie de bullying que algumas mães que se imaginam perfeitas fazem às mães que se reconhecem muito imperfeitas e que amamentam durante poucos meses. “Os próprios pediatras não são fundamentalistas ao ponto de insistirem na amamentação quando esta já é um problema”, acentua. “Fuja dos fundamentalismos” é, justamente, um dos “dez mandamentos” da obra inaugural da enfermeira. Exagero? Carmen desafia os leitores a visitar meia dúzia de grupos de Facebook de mães que, “em termos de terrorismo psicológico e técnicas intimidatórias, conseguem fazer tremer de inveja a rapaziada do Estado islâmico”. Em tempos, recorda, atreveu-se a confessar que por vezes dava ao filho mais velho papa instantânea. “Fui encostada às cordas por uma brigada de fanáticas. ” E uma delas atirou-lhe: “Depois não se venha queixar para as redes sociais que o seu filho é diabético!”A vida de mãe não tem sido fácil, admite. “Quando engravidamos, vamos um bocado iludidas, ao engano. ” “[Mesmo] tentando sempre descomplicar, tenho chorado muitas vezes desde que o mais velho nasceu, [porque] me sinto cansada, porque estou farta, porque tenho demasiado sono. . . ”, explica. “Estive e continuo a estar a milhas de distância do ar tranquilo e sapiente que ostentam as mães do Ruca desta vida”, suspira. Antes de engravidar, também ela era, confessa, “toda cheia de certezas”. “Que filhos meus não haviam de ser largados em frente à televisão, que filhos meus não fariam aquelas birras de se atirarem para o chão enquanto gritavam e puxavam os cabelos, que filhos meus teriam hora certa para adormecer todos os dias. . . ”Se antes era “cheia de teorias sobre pedagogia e psicologia infantil”, hoje é “pelo que funciona”, remata a enfermeira, que admite que “leva o tablet para os restaurantes para o puto estar entretido” e poder “comer em paz e sossego”. “Devem existir muito poucas mães que nunca tenham desejado que os filhos tivessem um botão de desligar”, atira. Com muita polémica à mistura, o silêncio que tradicionalmente imperava sobre o “lado b” da maternidade acabou há algum tempo e cada vez são mais as mulheres que dão a cara e se expõem em público. Em Espanha, um blogue popular é o Club de Malasmadres, um espaço de desabafo para muitas mulheres que podem queixar-se ali da dificuldade de conciliar a maternidade e a carreira profissional sem falhar em qualquer uma das frentes. São, como as próprias se definem, uma comunidade emocional de mães com poucas horas de sono, alérgicas a lamechices e empenhadas em destruir o mito da mãe perfeita. “A vida é melhor com filhos. Agora, não me venham dizer que fica tudo melhor depois”, sintetiza Carmen, que ainda não regressou ao trabalho — o filho mais pequeno tem três meses —, mas já se cansou de estar permanentemente “em privação de sono”, de ter de sair à rua com “um cabelo sem corte” e de há quase dois anos não tomar “o pequeno-almoço sentada”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quanto aos mandamentos que prega no livro, começa por propor que se “discorde da expressão ‘estado de graça’” com que a gravidez costuma ser baptizada. A gravidez? Foi “um mal necessário”, diz. “Sentia-me cansada por causa da anemia, estive nauseada do primeiro ao último dia (. . . ), as hormonas queimaram-me os circuitos, os odores corporais intensificaram-se, tive ciática e diabetes gestacional. ”Parir? “Se os homens tivessem que passar por isto, há muito que a humanidade se teria extinguido”, resmunga. Mesmo sendo um “acto de amor gigantesco”, parir é difícil e “não tem nada de purpurinas, corações ou unicórnios”, resume a enfermeira, cujo primeiro parto foi muito doloroso e complicado — de tal forma que o filho acabou por ficar surdo. Agora, faz aquilo que gostava que tivessem feito com ela, antes de ficar grávida. Teria apreciado que a tivessem avisado para aquilo que realmente se ia passar a seguir. “Esqueçam o romance”, durmam tudo o que puderem na fase final da gravidez, chorem quanto tiverem vontade e sobretudo “peçam ajuda”, propõe. A “supermulher”, lembra, “é uma personagem de banda desenhada que está longe de existir na vida real”.
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Palavras-chave homens filho ajuda negro comunidade medo espécie mulheres infantil