Margaret Groff: Entre tecnologia e direitos da mulher não há fronteira
Há 40 anos que Itaipu é propriedade binacional, do Brasil e do Paraguai. Há mais de uma década que promove o fim da fronteira de oportunidades entre mulheres e homens no local de trabalho. Margaret Groff é o rosto dessa luta. E é com oportunidades mais iguais que Itaipu tem a ambição de construir um carro eléctrico. (...)

Margaret Groff: Entre tecnologia e direitos da mulher não há fronteira
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-06-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há 40 anos que Itaipu é propriedade binacional, do Brasil e do Paraguai. Há mais de uma década que promove o fim da fronteira de oportunidades entre mulheres e homens no local de trabalho. Margaret Groff é o rosto dessa luta. E é com oportunidades mais iguais que Itaipu tem a ambição de construir um carro eléctrico.
TEXTO: Começou, em 2003, por um questionário a 450 mulheres, funcionárias da empresa onde trabalhava ou a ela ligadas. Perguntou-lhes pelas suas maiores preocupações e como as resolveriam. O local de trabalho de Margaret Mussoi Luchetta Groff era nessa altura e continua a ser a barragem de Itaipu, no Brasil, a maior ou a segunda maior do mundo, conforme a perspectiva. Abastece 17% do consumo de electricidade do país, o equivalente ao dobro do que Portugal consome, e tem um orçamento anual de quatro mil milhões de dólares. Margaret Groff, filha de emigrantes italianos e engenheira de formação, administradora financeira executiva do gigante hidroeléctrico desde 2007, tinha então um cargo intermédio. No ano passado, uma década depois do questionário que foi uma das iniciativas a abrir portas a muitas mudanças na vida de três mil trabalhadores, sobretudo das trabalhadoras, o comité formado por prémios Nobel da Paz e da Economia atribuiu-lhe o galardão Negócios pela Paz, em reconhecimento do programa pela cultura da igualdade de género no ambiente de trabalho e que tornaram Itaipu um caso exemplar. O prémio, recebido em Oslo, deu também ao Brasil a sua primeira distinção internacional neste campo. Os 10% de mulheres com cargos de chefia do passado são hoje 23% e elas “estão também mais no topo, no terceiro nível”, ao nível dos executivos, o que não acontecia antes. Margaret Groff afirma que “a qualidade da gestão melhorou muito, não porque as mulheres estão ali, mas porque também estão ali, porque foram capacitadas e dadas oportunidades”. Na “empresa de homens”, não mudaram só as chefias. Passaram a ser contratadas mulheres para cargos em que antes não entravam – operador fabril e segurança, por exemplo – e relações estáveis do mesmo sexo ficaram abrangidas pelos benefícios concedidos como dependentes. O projecto foi levado para as comunidades à volta da barragem, não há ainda números globais do impacto local destas acções, mas conta que "são muitas mulheres, nas pescas, nas energias renováveis”, com casos que se tornaram famosos, como o da jovem “catadora” de lixo. Transportava diariamente o lixo num “carrinho de machucar as costas”. Trocou-o por um carro eléctrico que Itaipu lhe deu, foi estudar e licenciou-se. “Como poderia chegar onde chegou sem ‘empoderamento’?”, pergunta a gestora, que junta o pelouro financeiro de Itaipu a programas de género e de saúde e à mobilidade eléctrica. Quando recebeu o prémio em Oslo, Margaret prometeu que iria alargar a divulgação da igualdade de género aos fornecedores de Itaipu. Em menos de um ano, estruturou a iniciativa, recebeu o apoio do Pacto Global da ONU e da ONU Mulheres, que a ajudaram a divulgar a primeira edição do prémio “WEP Brasil”, inspirado nos princípios das Nações Unidas de defesa dos direitos da mulher (Women Empowerment Principles). “Tivemos 180 empresas a auto-avaliarem-se. É muita empresa, por muito grande que seja o Brasil”. Oitenta e uma responderam a todo o questionário e trinta e duas delas chegaram a finalistas. “Isso é valorizar a empresa”, sublinha, convicta de que as grandes empresas têm particular responsabilidade na “disseminação da cultura da igualdade de género junto dos seus fornecedores”. Convidada para a cerimónia de 2014 dos Negócios pela Paz, voltou recentemente à capital norueguesa para provar que cumprira a promessa e para anunciar o projecto que se segue, na área da mobilidade eléctrica inteligente – uma espécie de passo à frente na forma como as empresas podem integrar a promoção da igualdade de género, a tecnologia, a preocupação com o clima e a prevenção da corrupção. É o que Margaret e o parceiro português de Itaipu para este projecto, o CEIIA, esperam poder levar, em Setembro, à conferência da ONU “Caring for Climate”, em Nova Iorque. Curitiba e BrasíliaA parte mais visível deste projecto, que liga Itaipu e o CEIIA até 2020, começou em Março passado, com o lançamento de um laboratório de mobilidade eléctrica inteligente, na foz do Iguaçu. No próximo ano, o plano é ter bicicletas eléctricas inteligentes a circular na região, mas a maior ambição é o desenvolvimento de um veículo inteligente para o Brasil e o Mercosul, a partir do protótipo do CEIIA, que cedeu entretanto 50% dos direitos de propriedade intelectual industrial do seu veículo a Itaipu. A juntar a esta parte que decorre em Itaipu, a parceria vai iniciar experiências-piloto de mobilidade inteligente em Curitiba e Brasília, nos próximos dias 5 e 9 de Junho, respectivamente, baseadas no sistema de gestão de mobilidade eléctrica, Mobi. Me, desenvolvido em Portugal pelo CEIIA. As demonstrações usarão autocarros e veículos ligeiros eléctricos da Renault. Com estas acções, a parceria procura respostas para as preocupações com o clima, desde a partilha de veículos à monitorização das emissões de dióxido de carbono, entre outras.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU MERCOSUL
Uma rapariga, uma carrinha e muitas estradas até à China
Susi Cruz desistiu da faculdade, deixou o trabalho e fez-se à estrada, sozinha. Há um ano que a alemã de 25 anos viaja na carrinha que converteu em casa sobre rodas. O objectivo é chegar à China. Mas acaba sempre por voltar a Portugal (e, agora, a um português). (...)

Uma rapariga, uma carrinha e muitas estradas até à China
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Susi Cruz desistiu da faculdade, deixou o trabalho e fez-se à estrada, sozinha. Há um ano que a alemã de 25 anos viaja na carrinha que converteu em casa sobre rodas. O objectivo é chegar à China. Mas acaba sempre por voltar a Portugal (e, agora, a um português).
TEXTO: Há um mês que a carrinha de Susi Cruz está parada numa oficina nos Carvalhos, Vila Nova de Gaia — e para quem anda na estrada há um ano, um mês com o mesmo cenário é “mesmo muito tempo”. Como é que uma jovem alemã que quer chegar à China por terra vai parar à garagem no meio do nada do Sr. Manuel, já reformado? Susi, 25 anos, tira a máscara, sacode o pó da roupa e estende a mão. “Uma lição: as coisas nunca acontecem como tu imaginas”, ri-se. Com Peño, um cão de porte pequeno e grande energia, partiu de Düsseldorf, na Alemanha, em Setembro de 2017. Já passou pela Bélgica, França, Espanha, Portugal e Marrocos. Desistiu da universidade quase no final do curso — “design de moda não era 100% o que eu gostava” — deixou o trabalho — “a vida é mesmo muito curta para não fazermos o que queremos, não é?” — e pegou no dinheiro que tinha juntado durante dois anos a servir às mesas e a gerir Airbnbs (continua a ser uma forma de rendimento durante a viagem). Os pais, a razão pela qual fala chinês e quer chegar à China, “eram completamente contra”. Mas Susi Cruz procurava, na vida real, a mesma “liberdade” das publicações marcadas pela hashtag #vanlife, que lhe apareciam no Instagram. Famílias inteiras que partilhavam as viagens por parques naturais ou estradas desertas, a bordo de uma carrinha que “tem o conforto de uma casa”. Casais que tentavam perceber se conseguiam viver de forma minimalista, num espaço confinado, onde têm de estar sempre na cara um do outro. Jovens que se recusavam a pagar uma renda e a voltar sempre ao mesmo sítio, no final do dia. “Eu vi aquelas histórias e só disse: tenho de fazer isto. Vou construir a minha carrinha. E vou viajar pelo mundo. ”Foi descobrindo o "como" pelo caminho. Spoiler: “Não foi assim tão difícil. ” “É incrível o quanto eu aprendi só porque estava realmente interessada em aprender”, partilha. Comprou a camper van Vw T3 com a caixa vazia e remodelou-a, sozinha, ao longo de quatro meses. Leu muito sobre mecânica, viu tutoriais no YouTube (agora faz os dela), aderiu a grupos no Facebook de pessoas que estavam a tentar fazer o mesmo. “A entreajuda é um valor muito importante neste estilo de vida”, aprendeu. No início da viagem, “ligava pouco às redes sociais". Um ano depois, passa duas horas por dia só a responder às mensagens que lhe chegam, de desconhecidos. “Apercebi-me que quando viajas sem parar torna-se um bocadinho aborrecido. ” Interrompe-se rapidamente: “É estranho dizer isto, porque toda a gente quer viajar. Mas eu estava habituada a um horário de trabalho muito pesado, a ter aulas ao mesmo tempo e comecei a sentir-me muito vazia. Houve alturas em que em vez de achar que estava a aproveitar a vida, achei que a estava a desperdiçar”, justifica. “É bonito veres esta cidade. É muito bom estares nesta praia, mas depois de 200 cidades, 400 praias, só dizes: ‘Boa, mais uma’. ”Como parar não estava nos planos, arranjou maneira de transformar “paixões numa ocupação”. Gostava de vídeo, fotografia e divertia-se com o “poder de inspirar” das redes sociais. “Fico muito contente por termos esta oportunidade, hoje em dia. ” Agora, concentra-se em fazer crescer a comunidade que, a partir de um ecrã, entra directamente na sua carrinha: 60 mil seguidores no Instagram e 120 mil subscritores no YouTube. A porta de entrada, defende, é “a honestidade”. “Não tens a noção profunda do que é a van life se só vês fotografias bonitas, em paisagens espectaculares e onde tudo parece um sonho. O feed faz com que te sigam, porque ninguém quer ver pessoas tristes o tempo todo. Mas quando vês os meus vídeos, percebes que uma carrinha antiga avaria muitas vezes, que a minha experiência em Marrocos não correu nada bem, que às vezes me sinto sozinha, que choro. Ou que não tenho uma casa de banho e que parte do meu tempo é passado a arranjar uma solução para isso”, brinca. “Quero encorajar as pessoas a serem honestas e a fazerem o que gostam e não o que acham que é suposto fazerem. Mas não lhes vou mentir. ”No canal de YouTube apresenta receitas fáceis para cozinhar na carrinha (foi uma das participantes na versão alemã do Masterchef); mostra o processo de conversão da camper van; explica como se consegue sustentar a viver a tempo inteiro na carrinha; fala da rotina diária; de como é ser mulher e viajar sozinha (“Meninas, de que estão à espera?”); das pessoas que conhece ao longo da viagem; de como, sem querer, começou uma relação à distância. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E isso traz-nos de volta à oficina em Portugal. E à resposta à pergunta no início do texto: na primeira vez que veio ao Porto, Susi conheceu João, o rapaz português que começou a aparecer ao seu lado, em algumas fotografias. “Não era suposto isto acontecer”, ri-se. “E tenho adorado o tempo que passo aqui, com ele. Mas, para mim, acho que está na hora de continuar. ”A carrinha está a passar por uma segunda remodelação. O interior, cuidadosamente decorado, está um caos. Vai ser pintada, desta vez com tinta própria para carros, já que Susi Cruz a pintou de cor-de-rosa só com um pincel e tinta para paredes. É ela que vai para a garagem trabalhar todos os dias, e que fica lá, mesmo depois de a oficina fechar. Espera que para a semana já esteja pronta. “Ter um namorado não muda o meu sonho. Dá-me alguém com quem o partilhar”, sorri, a espreitar para ver se João está ou não a fazer um bom trabalho na carrinha onde ela vai seguir viagem, outra vez sozinha. Dali ao Reino Unido ainda são quase três mil quilómetros. Muita coisa pode acontecer pelo caminho.
REFERÊNCIAS:
O bolsonarismo na favela
O novo Presidente do Brasil atacou verbalmente mulheres, gays, negros e pobres. Jair Bolsonaro, que toma posse no dia 1 de Janeiro, teve forte apoio da elite branca. Mas nem por isso a periferia deixou de votar nele. O que terá levado tantos moradores de favelas a escolhê-lo? O P2 esteve em algumas do Rio de Janeiro à procura de respostas. (...)

O bolsonarismo na favela
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O novo Presidente do Brasil atacou verbalmente mulheres, gays, negros e pobres. Jair Bolsonaro, que toma posse no dia 1 de Janeiro, teve forte apoio da elite branca. Mas nem por isso a periferia deixou de votar nele. O que terá levado tantos moradores de favelas a escolhê-lo? O P2 esteve em algumas do Rio de Janeiro à procura de respostas.
TEXTO: Na sede do circo Crescer e Viver onde trabalha Richard Gomes Estrela, 20 anos, há uma enorme tenda de lona azul de onde sai e entra gente. Hora de almoço e a cantina serve carne, feijão, legumes grelhados. Estão a organizar um festival e a actividade é intensa. Richard acabou de ganhar um prémio na mostra competitiva de abertura do festival com um número de acrobacia e lira. Passando pelos cartazes a anunciar espectáculos, aponta orgulhoso para um deles, onde um corpo está contorcido na lira, de uma flexibilidade impressionante: “Aquele ali sou eu. ”O Crescer e Viver é um projecto que junta arte e transformação social, desde os seis anos fazendo acrobacia, contorção, aéreo, malabarismo, teatro, dança e ballet. Neste momento, Richard só se dedica mesmo ao circo, deixou de estudar. No início, o Crescer e Viver era “tudo isso aqui”, diz. Aponta para uma área onde agora há prédios altos na Praça Onze, à boca do metro. É uma zona com carências sócio-económicas e privações habitacionais, onde as casas estão visivelmente degradadas. Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal) chegou a Presidente da República — toma posse a 1 de Janeiro — e a extrema-direita no Brasil venceu em várias frentes, com grande apoio de cidades mais ricas, incluindo o Rio de Janeiro, mas nem por isso deixou de ter votos da população mais desfavorecida e discriminada. No estado do Rio de Janeiro chegou quase aos 68% e na capital passou os 66%. Entre quem estava no escalão económico mais baixo de todos, segundo uma sondagem do Ibope, a maioria votou Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores, PT) mas na fatia seguinte — a de quem ganha até dois salários mínimos, 440 euros — Bolsonaro teve uma ligeira vantagem (47% contra 53%). Foi também entre os jovens dos 25 aos 34 anos que o candidato da extrema-direita conseguiu a maior aceitação, com 49%. As mulheres também preferiram Bolsonaro a Haddad. Não foi o único candidato com posições extremistas a vencer. Estando no Rio, há que acrescentar a eleição de Wilson Witzel, com quase 60% dos votos como governador, um homem que defendeu a intervenção militar nas favelas e a licença para matar quem fosse visto com armas. “O correcto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correcto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”, disse. Richard Estrela foi um dos que elegeram Bolsonaro. Leva-nos a sua casa bem no meio do bairro. Passamos por uns edifícios degradados, ele bate numa das portas de onde sai música alta. Há raparigas de biquíni a tomar “banho de lage”; usam copos de água para refrescar o corpo estendido ao sol para bronzear. A casa de Richard vai sofrer em breve remodelações. Numa das áreas da entrada, sem tecto, espalham-se latas de bebidas gaseificadas e outros objectos entre as ervas que crescem. Da cozinha saem dois gatos magros. “Estão rolando muitas críticas sobre Bolsonaro, mas a gente em casa votou nele no segundo turno”, comenta. “Pela segurança. Aqui é um bairro muito perigoso à noite por causa de traficantes e tiroteios”, diz. “Sei que ele pode acabar com projectos sociais, que ele pode liberar as armas. Mas votei mais nele para colocar respeito na sociedade, que falta. ” Como é que Bolsonaro o fará, Richard Estrela não sabe. Mas acredita que arranjará forma de colocar os bandidos na cadeia, “botar mais polícia na rua”: “Todo o momento tem assalto, alguém sendo baleado. Talvez com ele a segurança seja melhor”, responde sem grande convicção ou ideia de como, na prática, o Presidente irá resolver aquilo que ele quer que resolva. Nunca foi assaltado, mas no bairro onde vive já ouviu serem disparados muitos tiros. Jovem negro e assumidamente homossexual, Richard Estrela diz que o discurso homofóbico de um Presidente que fala em “cura gay” e fez vários comentários racistas não o impediram de votar nele. “Ofender até ofende. Eu saio à noite e tenho o maior medo de encontrar homofóbico na rua e querer me bater. Mas não acho que Bolsonaro está incentivando, não. Criaram um fake [news] em cima dos discursos dele. ”A família sempre o aceitou, tanto que chegou a apresentar o único namorado que teve. Mas Richard acha-se diferente de outros homossexuais. Não concorda “com tudo o que fazem os gays”. Por exemplo, não concorda que os casais homossexuais expressem os seus afectos como os heterossexuais, beijando-se em público em frente a crianças. Acredita, por isso, que de alguma forma Bolsonaro irá colocar ordem na “moral e bons costumes”. A dada altura, ele e o padrinho, com quem vive desde os seis anos, falaram sobre em quem votar na segunda volta. De camisa de alças, este ex-motorista que agora está reformado chega à cozinha para nos explicar que o seu voto foi para Bolsonaro por ser “uma verdadeira incógnita”. O sentimento anti-Partido Trabalhista (PT) é grande. “O Haddad sei que seria mais corrupção, uma bandalheira. ”No escritório do Crescer e Viver, o coordenador Júnior Perim, 46 anos, ex-secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, comenta que Bolsonaro “falou ao imaginário popular porque a população é vítima de crime”. Continua: “Há uma certa hipocrisia que pode minar a democracia brasileira, uma incapacidade de os sectores progressistas da intelectualidade fazerem autocrítica sobre a ausência de uma agenda para a segurança pública pela esquerda. Não são apenas as operações policiais que geram danos colaterais, é também o cara que está a ser assaltado numa comunidade [favela] e que comprou o celular em dez meses. ”Segundo o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2016 houve mais de 62 mil vítimas de homicídio e 71, 5% foram negros. A taxa — que é superior a 30 mortes por 100 mil habitantes — é também 30 vezes mais alta do que a da Europa. No Rio de Janeiro, depois de uma descida entre 2003 e 2010 de 44, 6 para 29, 8, a taxa de homicídios voltou a subir para 31, 7 em 2016. Júnior Perim critica o Governo PT por ter estado 14 anos no poder sem resolver o problema da segurança, sem dar resposta aos homicídios no Brasil. Perim quer acreditar que “a dimensão litúrgica do cargo e a instituição Presidência da República vão reorganizar a fala de Bolsonaro”. A questão da segurança é central para muitos dos analistas. Atila Roque, historiador, ex-director executivo da Amnistia Internacional e actualmente director da Fundação Ford no Brasil, sublinha que a violência está concentrada nas periferias, com os jovens e negros a ser as principais vítimas: “Se compararmos as taxas de homicídio no Leblon [bairro rico do centro do Rio] são tão baixas quanto a Suíça mas se pegar na Baixada Fluminense [periferia da área metropolitana do Rio de Janeiro] vai chegar a patamares altíssimos. A violência é selectiva em termos territoriais e de perfil populacional. ”Apesar de o racismo, o machismo e os preconceitos fazerem parte da sociedade, a novidade foi existir um candidato que teve apoio de pessoas que não são necessariamente racistas e homofóbicas, mas que não encontraram opção e votaram nele, analisa. “Não devemos cometer o erro de achar que todo o mundo que votou Bolsonaro foi cooptado pelo pensamento dele. Temos de escutar com atenção o que é que o campo dos direitos humanos não foi capaz de conquistar ao longo destes últimos dez anos e perdeu para as igrejas evangélicas fundamentalistas: não tratámos da segurança pública e eles foram avançando. ”Com 23 anos, Luca Santana sai todos os dias às 10h de casa, na Vila Kennedy (uma favela na zona oeste) para demorar cerca de 1h30 ou 2h até ao emprego de vigilante num banco na zona sul (a zona abastada). Trabalha em part-time, ganha um salário de menos de mil reais (228 euros), que dá para “sobreviver, não para viver”. Ainda mora com os pais e com os irmãos. Muitos lá em casa — nem todos — votaram em Bolsonaro. Ele não deu o seu voto ao actual Presidente na primeira volta, apenas na segunda. “Não penso nele como um salvador, nem votei por gostar dele. Mas a gente não atura mais o PT. E não votei em Bolsonaro, votei nas propostas dele. ”Isto porque depois de ler as propostas dos dois candidatos concluiu que “entre Bolsonaro e Haddad era impossível votar em Haddad”. Por exemplo, o candidato do PT queria “reduzir as penas” de prisão — mais concretamente, sugeria alterar a lei para dar prioridade a pena de prisão para crimes violentos e ter penas alternativas para crimes não violentos. “O Bolsonaro é o oposto, o preso tem que permanecer na cadeia, não tem que ser solto. Acho que soltar o presidiário só ia aumentar o crime. Já dá para ver que ele [Haddad] não vive a mesma realidade, não fala a mesma língua do povo. A gente vive assassinato, estupro…”Assaltado duas vezes, ameaçado porque não tinha nada numa delas e “salvo” porque a polícia apareceu, Luca Santana considera que a questão da segurança no Brasil só se resolve com o “confronto directo”. Não é que concorde com tudo o que Bolsonaro defende, nomeadamente a posição de que “bandido bom é bandido morto” ou com a castração química para violadores em troca de redução da pena. Mas acha que “é preciso reprimir, apertar o cerco, não abrir o espaço para que os bandidos tenham acesso às armas”. As ideias de Bolsonaro são “as mesmas que o povo sente de revolta com toda esta situação”, diz. Porque “ele conhece esse espaço e as pessoas que enfrentam este tipo de situação”. Concorda “plenamente” com a solução que apresenta de reforçar a polícia federal e a polícia civil. Quanto ao radicalismo do Presidente, é algo que não o incomoda. “Sinto a raiva que ele tem por essa situação do Rio de Janeiro. A questão do racismo, da homofobia e misoginia, não vi nada disso. ”Embora não tenha ilusões de que Bolsonaro vá mudar o Brasil, acredita pelo menos que vai “melhorar”. Para chegar a Chapadão, em Pavuna, uma das favelas no Rio de Janeiro com menor índice de desenvolvimento humano, tem de se atravessar a cidade e andar quase uma hora de carro. Estamos em meados de Novembro e a viagem é suficientemente longa para perceber que chegámos bem à periferia, fora do centro do poder. Passamos por várias favelas com as suas casas de tijolo, fios eléctricos pendurados, contentores de água azuis, antenas de televisão a perder de vista. Na Pavuna, como em todas as outras favelas brasileiras, há néones de igrejas evangélicas. Numa das entradas do complexo onde vivem quase 209 mil pessoas está justamente o edifício moderno da Igreja Universal do Reino de Deus. Do terraço de casa de Sinara Rúbia, a vista não é muito diferente do que fomos vendo pelo caminho noutras favelas. Nem tudo na paisagem é homogéneo: há casas inacabadas e outras que podiam ser uma moradia em qualquer outra zona do centro da cidade. A Pavuna tem sido notícia sobretudo por causa de episódios de violência como assaltos, mortes ou fogos ateados em autocarros. A feijoada está pronta. Passam-nos uma cerveja e indicam-nos os pratos para encher com arroz, couve mineira e laranja, tudo o que compõe uma das mais conhecidas refeições brasileiras. À mesa sentam-se vários jovens que participam da Agência de Redes para a Juventude, um programa que estimula pessoas entre 15 e 29 anos — e que são moradores de favelas e periferias — a transformarem ideias em projectos de intervenção. Marcus Faustini, 47 anos, é o mentor. Cresceu em favelas diferentes, nomeadamente em Cesarão. Formado em teatro, faz cinema e usa a arte como metodologia, formando jovens que ajudam outros jovens. A agência já actuou em 40 favelas e pôs na rua projectos de cem pessoas, estando presente em vários locais do Brasil e Reino Unido. No grupo há vários evangélicos, todos moradores de favelas. Ao declarar o seu apoio a Bolsonaro, Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e proprietário da RecordTV, facilitou-lhe um enorme apoio. Quando o candidato da extrema-direita se tornou, então, Presidente da República, algumas igrejas evangélicas fizeram festa nos seus espaços, conta Ellen Rose, 26 anos, arquitecta. “Isso é muito grave”, comenta esta jovem, uma possível futura pastora que dirige uma célula da igreja. Tem tatuado à volta do braço “nada nos poderá separar do amor de deus que está em cristo jesus nosso senhor”. Ellen Rose está muito distante do radicalismo de algumas igrejas evangélicas no Brasil, nomeadamente as neopentecostais. Tem uma atitude bastante crítica em relação ao Presidente. “Na minha igreja tem gente que votou no Bolsonaro, mas tem gente que não votou também. ” Ela confessa que conseguiu “virar o voto” de umas 20 pessoas ao falar do lado violento do Presidente: “As pessoas caíam na real. Diziam: ‘Espera aí, de facto estou votando numa pessoa horrível, que é uma pessoa inaceitável. ’ Inaceitável pelo discurso anti-democrático, de apologia à tortura, violento, racista, xenófobo, homofóbico. Nada disto é velado, é tudo muito aberto. ”Bolsonaro disse abertamente ser a favor da tortura e da ditadura militar, proferiu discursos de ódio homofóbico e racista e não teve pudor em defender posições machistas, nem afirmar que irá banir os opositores. Estão disponíveis na Internet, em vários vídeos no YouTube, as imagens. Ellen Rose diz que alguns eleitores evangélicos se identificavam porque ele foi vendido como alguém com ética. João Baptista, mais conhecido como “Big” por causa do seu porte físico, estudante de audiovisual com 20 anos, também evangélico, sublinha que entre a comunidade os argumentos para votar em Bolsonaro passavam muito por: “Não negoceio meios princípios e Bolsonaro tem princípios cristãos. ”O discurso teve aceitação porque o Brasil é conservador, acrescenta Ellen Rose. Mas não só: “Há uma onda americanizada. Ouvi demais a galera falar que o Bolsonaro é o nosso Trump. Os evangélicos norte-americanos também elegeram Trump e há pastores que fizeram a cabeça de pastores nacionais. Nós sabemos que o povo evangélico elegeu Bolsonaro. ”Os jovens evangélicos que se sentam nesta roda de conversa não são como aqueles que defendem Bolsonaro. Foram reunindo as razões pelas quais os que lhes são próximos votaram nele. Carol Du Pré, 24 anos, lembra-se de ter ouvido como explicação dos seus irmãos a promessa de Bolsonaro poder “trazer ordem e acabar com a corrupção”. No seu projecto social, acontece muitas vezes, por causa dos tiros na favela, que algumas crianças não apareçam. “A gente vive numa favela dominada pelo tráfico. Aquilo que diziam é que Bolsonaro era o candidato que mais trazia uma ‘solução’ para a guerra das drogas. Muito moleque é preso, sai da cadeia e volta a cometer os mesmos crimes, ou então roubam e matam, mas só tardiamente são punidos ou nem chegam a pagar pelos seus crimes. A justiça é tardia, falha. E o discurso do Bolsonaro fala sobre a justiça que nos atinge directamente, que é a do tráfico”, explica. Outro tema que as irmãs falavam muito lá em casa: “Criou-se uma aversão ao PT, diziam que o Haddad ia soltar o Lula. Isso deixava elas indignadas porque ele foi preso por corrupção. ”Carol du Pré dinamiza aulas de pintura na igreja, mas o objectivo não é a doutrinação. O pastor cedeu uma sala para o seu projecto com as crianças. Aqui está um exemplo de uma das razões que faz o sucesso e crescimento dos evangélicos, apontam: o facto de ocuparem um espaço deixado vazio pelo Estado nas zonas mais pobres. Como lembra Veruska Delfino, coordenadora da agência, a igreja acolhe a comunidade, tem as suas políticas de assistência local para a melhoria da vida das pessoas. E reúne um atributo importante: “É confiável. ”É confiável porque está ali, completa Marcus Faustini. “O Governo só vai às favelas com a polícia. E a esquerda também não vai lá. ”Veruska Delfino explica: “Se um líder de uma igreja fala que tem que votar no candidato X, que ele é o cara de Deus, que o outro traz um kit gay que vem com cartilha ensinando que pode beijar menino e menina e é contra os princípios da igreja, mesmo que isso seja falso, ele vota. ”Na verdade, o Brasil “é racista, homofóbico mas estava encoberto pelo politicamente correcto”, diz César Varella, 19 anos, actor que conhece de perto pessoas mais conservadoras, como o pai. Extrovertido, falador, vai acrescentando dados a conversa: “Quando chega alguém como Bolsonaro que fala isso e não é punido, as pessoas que estão caladas há muito tempo vêem ali a oportunidade de ser quem são sem terem de se moldar, sem sofrerem represálias. ”Foi determinante, acrescenta Marcus Faustini, o tema da segurança, algo que afecta a vida das pessoas mais pobres no Rio de Janeiro que “não gostam” de acordar com armas, com tráfico e violência. “A esquerda esteve muito tempo no poder, esquecendo as favelas como qualquer outro Governo. ”Acabado de ser pai e a escrever um livro sobre essa experiência, Felipe Salsa, 27 anos, dançarino, toca noutro ponto importante, que é a capacidade de comunicação de Bolsonaro. Muitos políticos “falam bonito” mas “nem toda a gente de comunidade entende”: “Você também tem que saber traduzir, explicar. ” Já “Bolsonaro falava directamente, era simples. ”Esta é uma questão central, continua Marcus Faustini, porque as causas como o feminismo ou a luta de minorias fecharam-se sobre si próprias e entraram “numa linguagem de classe média universitária”, critica: “São lutas numa estrutura de linguagem de elite, comportamental” que não chega às favelas. Veruska Delfino complementa: “Quando a esquerda radical vem comunicar com a base, traz aquilo que acha que é bom e não procura saber como a gente constrói o mundo que a gente quer. Quem cresce na periferia sem pai quer ter uma família tradicional. Bolsonaro traz uma radicalidade que é contra esses princípios da diversidade, diz que vai botar ordem na escola. Depois aparecem as notícias falsas. Fica muito difícil lutar contra a sua candidatura. . . ”Até porque é uma candidatura que vem sendo preparada há muito tempo. Juliana Carmo, 19 anos, estudante de Engenharia de Alimentos, lembra-se de ver a cara de Bolsonaro a circular na Internet há uns anos, mas como motivo de gozo entre os seus amigos. De repente, o gozo tornou-se realidade. “A campanha dele foi toda muito virtual. Entrávamos no Twitter e as pessoas acreditavam nas fake news e replicavam-nas. Ele conseguiu mexer com gente mais jovem, mas também com o pai e a avó”, analisa. O pai “superconservador” concorda quando ele diz que não quer um filho gay ou quando fala de bandidos mortos porque isso “replica o que muita gente diz há anos”. Marcus Faustini nota ainda que Bolsonaro ganhou em favelas onde os chefes do tráfico disseram para as pessoas não votarem nele. “Então foi um voto de rebeldia, um voto revolucionário, de esquerda. De alguma maneira, Bolsonaro captou uma energia de esquerda, de oposição, anti-sistema. ” Por isso também conquistou jovens. No grupo trocam-se impressões sobre a postura física de Bolsonaro, as frases bombásticas, a rapidez com que discursava e desaparecia deixando os eleitores com “bombinhas”. Sinara Rúbia acentua: a forma de ele falar, “a irritação, a energia, o tom de voz”, o “não querer ir à televisão” aproximou as pessoas. O mais grave: “Ele não precisou de explicar qual o plano de Governo, qual o projecto dele para o Brasil. ” César continua: “Ele chegava com um textinho, só o título, enquanto a esquerda falava de segurança de uma forma que as pessoas não entendem. ”Ouviu-se muitas vezes a crítica à falta de informação dos eleitores. Na verdade, são comuns entre os apoiantes de Bolsonaro atitudes negacionistas sobre as suas posições mais radicais: “Não disse, não fez, são fake news. ” Quem votou no Bolsonaro é mal informado?Veruska Delfino acha que é necessário um maior diálogo com o eleitor que não é activista mas está preocupado com a saúde, a segurança, a educação. Não é óbvio para esse eleitor que Bolsonaro viola direitos. Até porque falta formação política no Brasil, analisa. Tem-se falado muito da radicalidade do novo Presidente, catalogado como extrema-direita, mas poucos usam a palavra “fascista”. César Varella não sabe se ele tem força suficiente para ser um fascista ou se o seu discurso já o torna um fascista. “Pessoas negras, professores e educadores votaram no Bolsonaro mesmo ele falando tudo o que ele falou. ” Isto explica-se, diz Faustini, porque é errada a ideia da esquerda de “que as pessoas se reconhecem prioritariamente na sua identidade de origem”. É um retrocesso a sua eleição: aumenta os riscos de ataques a direitos fundamentais, afirma. A questão, acrescenta Carol Du Pré, é que a Constituição no Brasil proíbe a tortura e Bolsonaro defende-a. As pessoas concordam com as ideias extremistas, aprovam-nas e “já vira lei”. Juliana: “O Bolsonaro não vai chegar aqui e matar todo o mundo, quem vai fazer é o clube de fãs dele. ”Sinara Rubia, activista do movimento negro, faz uma autocrítica. “O voto de pessoas negras ou mulheres no Bolsonaro mostra o nosso distanciamento dessas pessoas enquanto activistas. A nossa produção intelectual está falando de quem para quem?” O seu medo é de que, se não forem tomadas precauções, o risco de alastramento de fascismo seja maior. “Aí o bicho vai pegar e vai ser uma era. Eu tenho muito medo. ” Juliana vai mais longe: “Tenho medo de morrer. ”Já depois da roda, com música a tocar e a festa a começar, Sinara Rubia encosta-se ao muro do terraço, com a Pavuna e os seus telhados desalinhados a estenderem-se pelo horizonte. Com o semblante preocupado, confessa: “Acho que somos um país muito mais conservador do que a gente pensava. Hoje entendo a força da palavra ‘tolerância’. Quando você trabalha a tolerância você vai trabalhando politicamente, no imaginário das pessoas, o respeito, o tolerar aquilo a que elas têm resistência. Quando um governo como o do Bolsonaro legitimiza e impulsiona a intolerância, ninguém mais vai precisar de tolerar. ”Quem sai e quem entra do Rio de Janeiro a partir do aeroporto passa necessariamente entre o complexo da Maré, um conjunto de 16 favelas que foi artificialmente unido, com 140 mil pessoas e uma autêntica cidade dentro da cidade que começou a ser ocupada na década de 1940. A carrinha onde seguimos é parada por um jovem de espingarda em punho, sem camisola, a vigiar quem entra e sai e num cerco a quem travar o tráfico de droga e de armas. Para se ter uma ideia da dimensão, mais de 96% das cidades no Brasil não têm este número de habitantes, diz Eliana Sousa e Silva, 56 anos, que chegou à Maré com sete anos. Há 20 iniciou aquilo que viria dar origem ao projecto Redes da Maré, organização para o desenvolvimento daquele território, que se divide em várias áreas, do apoio a mulheres até às crianças e segurança. Contabilizam as violações de direitos e homicídios — por exemplo, em 2017, houve 42 vítimas de homicídios na Maré em sequência de confrontos armados com a polícia ou o tráfico, as crianças tiveram menos 35 dias de aulas (ou seja, 17% dos dias lectivos) e os postos de saúde funcionaram menos 45 dias por causa disso. Se o processo continuar, aos nove anos uma criança terá menos um ano e meio de escola, afirma Eliana Sousa e Silva. Isto numa favela em que em 1997 apenas 0, 5% tinham acesso à universidade: hoje essa percentagem cresceu e 1200 moradores já entraram para a universidade. “A favela é vista como única e por isso a polícia vem em carros blindados para enfrentar o exército inimigo que somos todos nós”, diz a fundadora numa visita às várias valências do projecto, que inclui biblioteca para crianças. “O direito à segurança pública não foi estabelecido aqui. Isso foi responsável pela violência. ”Na Redes da Maré há um projecto em que se contabilizam o número de violações de direitos pela polícia, comunicam por WhatsApp com outras redes. Por exemplo, desde que Bolsonaro foi eleito que Eliana Sousa e Silva tem recebido mais imagens chocantes nos seus grupos de chat. Mostra algumas com vídeos e fotografias de operações policiais. Numa delas vemos um monte de corpos em cima uns dos outros numa carrinha, mortos. “A relação dos políticos com a favela sempre foi muito conservadora e clientelista”, afirma. “E isso faz com que as pessoas nas favelas não tenham a noção real da importância do seu voto e de que isso vai trazer uma mudança directa para a sua vida”, analisa. “É por isso que o voto é conservador. Bolsonaro pegou um discurso muito forte de que teria de haver uma mudança, atingiu intermediários que têm acesso a essas pessoas e que passaram esse discurso muito bem. ”Há anos que Eliana Sousa Silva se debate com as diferentes oposições ao seu trabalho social. Chegou a ser questionada pelos chefes de tráfico sobre as suas intenções, é questionada por outros poderes sobre a origem dos fundos — a Redes tem financiamento de organizações internacionais como a Open Society Foundation. Analisando em maior profundidade, acha que “é chocante” o facto de a favela se identificar com um discurso que contradiz a sua própria vida e as suas escolhas — “pessoas negras, homossexuais, que foram os mais atacados”. É por isso que há uma lição a estudar, afirma, pois esse voto “foi para além da sua identidade, daquilo que as representa”. Por outro lado, “muitos que vivem na favela têm a mesma visão preconceituosa e estereotipada da favela onde vivem” do que os outros. Um dos objectivos da Redes é precisamente romper com essa representação negativa: “Porque há grupos armados, violência, acção violadora da polícia e existe a visão de que todo o mundo que mora ali tem relação com esses grupos armados e com as actividades ilícitas”, diz. A Redes da Maré conseguiu a colaboração da justiça para ajudar a cumprir direitos básicos dos cidadãos durante as operações da polícia, como a obrigatoriedade de mandado nas rusgas. “E Bolsonaro diz que a polícia pode agir do jeito que achar. Imagina um policial despreparado e doido para matar. ”Nem todos ficaram surpreendidos com a eleição do Presidente de extrema-direita. Moradora da Maré, a deputada estadual Renata Souza, do PSOL — foi chefe de gabinete de Marielle Franco, assassinada este ano —, é uma delas. “Porque não foram votos apaixonados de defesa intransigente da sua agenda. O que a gente ouviu muito foi que votariam no Bolsonaro porque ele ia atacar os corruptos, que ele era ético e que essa coisa de ele falar contra os negros e as mulheres era bobeira porque ele faz muita brincadeira. Bolsonaro foi encarado como essa pessoa de fibra que tem capacidade de fazer frente contra a corrupção. ”Agora, acrescenta, vai ser preciso mobilização, trabalhar com os sectores mais vulnerabilizados, a população LGBT, negra e as mulheres. “A gente tem que estar forte e organizado a partir de debates concretos dentro e fora do Parlamento. Vamos ter que nos reorganizar na nossa sociedade para que a barbárie não vire política pública e o medo não seja o instrumento principal dessa política. ”A análise da coordenadora pedagógica da casa das mulheres da Redes da Maré, Andreza Jorge, também moradora, é um pouco diferente. Entre um percurso pelo complexo em dia de chuva, com valões onde boiam garrafas, lixo, ratos e outros animais que são portadores de doenças contagiosas, vai comentando aquilo que moradores de outras favelas repetem: a distância do poder político com estes espaços. “Dentro desses micro-universos, o voto em Bolsonaro pode ser uma forma que os eleitores encontraram de fazer justiça contra os civis armados e contra o tráfico de que eles discordam. O lance é que esses eleitores não entenderam que ele é visto como parte do pacote. ”Falta ainda outra dimensão importante, a da comunicação e das redes sociais que chegam em força à periferia. Bolsonaro é um Presidente eleito pelo WhatsApp e pelas redes sociais, dialogando directamente por estes meios com os eleitores sem passar pelo confronto político e ideológico com os adversários. Neste momento com 8, 8 milhões de seguidores na página de Facebook, Bolsonaro tinha a maior percentagem de eleitores com acesso a redes sociais, segundo uma pesquisa do Datafolha. Também era entre os seus eleitores que estava a fatia maior de pessoas que liam notícias sobre política no Facebook e WhatsApp. Dríade Aguiar, 28 anos, é gestora de comunicação da rede de colectivos Fora do Eixo e uma das fundadoras do Mídia Ninja, um projecto alternativo de informação que tem 16 milhões de seguidores. Sempre conectada às redes sociais, a especialista divide os eleitores de Bolsonaro em vários tipos. Há os que realmente acreditam naquilo que ele diz e que, apesar de serem a maioria discursiva, em termos numéricos são uma pequena percentagem: “É essa galera que faz barulho, comenta e gera ódio” Há o grosso dos votantes, pessoas “esperançosas” — a combinação de instabilidade política, crise económica e caos mediático levou a que a maior parte votasse anti-PT. E há uma terceira fatia que “se encanta pela personagem de Bolsonaro como aquele ‘pai’ que vai resolver as coisas”. Num país onde há periferias sem água canalizada, mas com Internet, Bolsonaro tirou partido da utilização das redes sociais em grande escala, inspirado por eleições como a de Donald Trump. “A grande sacada é que ele entendeu onde estão as pessoas e como chegar a elas de forma mais efectiva. Ele sabe que na política a verdade é um detalhe e conseguiu jogar com isso. A gente está falando de um homem que tem um certo apelo carismático, extremamente menosprezado e que é limitado politicamente. A grande coisa é que ele tem uma máquina e sabe o que colocar nela. Soube fazer uma matemática que vai para além da máquina e que é uma falha que a esquerda mundial não conseguiu calcular. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Usou também, como nenhum outro candidato, o discurso identitário, forçando “todos os candidatos” a “navegar” com ele, considera esta mulher negra e defensora de direitos LGBT. O Brasil é estruturalmente um país conservador, analisa, com uma grande fatia da população que não concorda com as quotas para negros ou direitos homossexuais mas “que não votaria contra”. “A área progressista do Brasil é programa social e desenvolvimento económico, mas a disputa por direitos não é de todos. Sabia que essa é a nossa existência, mas não estava à espera de que um líder usasse isso como plataforma. Porque até agora os líderes ignoraram isso, até o Lula. Ele não falava sobre mulheres, sobre negros, era o avanço de classes. ” De qualquer forma, Dríade acha que este debate foi “de nicho”: na hora de votar, o que pesou ao eleitor foi educação, segurança, saúde. Quem ficou com medo agora foram pessoas que ainda “não tinham elaborado sobre os problemas que tiveram”. Os negros, a comunidade LGBT, as mulheres têm medo, mas não vem de agora. “Por muito tempo o medo era inconsciente: se você é uma pessoa negra, LGBT, de periferia e mulher nasce com medo. Depois passa a vida descobrindo que esse medo tem nomes: pode chamar racismo, machismo. O medo agora tem um nome próprio: Bolsonaro. ”Na Mídia Ninja, a “atitude mais revolucionária” que vão ter é continuar com os projectos. “Não estou a dizer que a gente não vai fazer uma frente de resistência. Mas se a gente parasse ia perder o grande trunfo que é sermos nós mesmos — e é justamente disso que ele tem medo. ”
REFERÊNCIAS:
Madrid vai multar quem acampar, pedir esmola ou solicitar prostitutas na rua
Um novo conjunto de proibições poderá entrar em vigor no próximo ano e as multas vão até aos 3000 euros. (...)

Madrid vai multar quem acampar, pedir esmola ou solicitar prostitutas na rua
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.416
DATA: 2013-10-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um novo conjunto de proibições poderá entrar em vigor no próximo ano e as multas vão até aos 3000 euros.
TEXTO: Abordar prostitutas; pedir esmolas; acampar em espaços públicos; fazer truques de malabarismo; alimentar ou dar banho a cães na rua. Este é parte do cardápio de proibições que a Câmara Municipal de Madrid quer pôr em prática na capital espanhola. As multas para “acabar com os costumes pouco respeitosos ou conflituosos nas ruas” vão dos 750 aos 3000 euros, de acordo com o jornal El País. Os novos regulamentos prevêem três tipos de proibições com punições em conformidade com a gravidade dos actos. As multas até 750 euros são aplicadas a quem solicite serviços de prostituição na via pública; peça esmolas à porta de um centro comercial; cuspa ou atire papéis para o chão; ofereça folhetos nos semáforos; perturbe os vizinhos enquanto rega as plantas; faça malabarismos; suba a uma fonte ou alimente ou dê banho ao cão na rua, entre outras. As multas ascendem a 1500 euros por comportamentos racistas, xenófobos ou sexistas; condutas de mendicidade perturbadoras dos transeuntes; solicitação de serviços de prostituição perto de colégios ou centros comerciais; oferta de jogos ou apostas com dinheiro; urinar ou defecar na rua; ou danificar mobiliário urbano. Finalmente, as contra-ordenações mais graves, com multas até 3000 euros, visam aqueles que têm comportamentos discriminatórios e perturbam menores, idosos ou deficientes; utilizam menores incapacitados para pedir esmolas; promovem a prostituição junto de colégios ou exercem-na na rua; transportam toxicodependentes a pontos de tráfico de droga; ou ainda que coloquem jarras nas varandas sem protecção adequada. É esperado um aumento das multas, de acordo com a câmara, mas “não existe nenhum interesse na indemnização”, garante Dolores Navarro, vereadora dos Assuntos Sociais. O município não prevê o aumento do policiamento nas ruas para assegurar o cumprimento do novo regulamento. Apesar do valor elevado das coimas, haverá uma ponderação de acordo com critérios que levam em conta a capacidade económica do infractor. Segundo o El País, desta forma, as multas leves podem chegar aos 750 euros, mas também se podem ficar pelos 90 cêntimos ou por serviços comunitários, de acordo com a decisão do município. A aprovação dos novos regulamentos está prevista para o início de 2014.
REFERÊNCIAS:
"Nunca esqueceremos", foi a promessa deixada às meninas de Chibok
No dia em que se cumpriu o primeiro aniversário do rapto das alunas da escola de Chibok, no Nordeste do país, o recém-eleito Presidente Muhammad Buhari disse que "honestamente" não podia garantir o seu resgate. (...)

"Nunca esqueceremos", foi a promessa deixada às meninas de Chibok
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: No dia em que se cumpriu o primeiro aniversário do rapto das alunas da escola de Chibok, no Nordeste do país, o recém-eleito Presidente Muhammad Buhari disse que "honestamente" não podia garantir o seu resgate.
TEXTO: O recém-eleito Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, descreveu o rapto de centenas de meninas de uma escola de Chibok, pelos militantes islamistas do Boko Haram, há exactamente um ano, como “um ataque aos sonhos e aspirações de toda uma geração”. Mas ao contrário do seu antecessor Goodluck Jonathan, disse “honestamente” que não estava em condições de garantir o seu resgate. “Por mais que queira fazê-lo, não posso prometer que as vou salvar. Não sabemos se as podemos salvar porque não sabemos onde elas estão”, lamentou Buhari, que durante a campanha eleitoral repetiu que teria mão-de-ferro contra o Boko Haram e seria implacável com o terrorismo. “Este crime provocou uma justa reacção de horror e indignação na Nigéria e em todo o mundo. Hoje é um dia para reflectirmos na dor e sofrimento das vítimas, os seus amigos e familiares”, declarou o Presidente, numa breve cerimónia para assinalar o primeiro aniversário do rapto e desaparecimento das meninas. Malala Yousafzai, a estudante paquistanesa que foi baleada pelos taliban por insistir em ir à escola, juntou a sua voz à de muitos outros líderes internacionais que lembraram a data. “Hoje sou uma entre milhões de pessoas de todo o mundo que estão a pensar e a rezar por vocês. Não conseguimos imaginar a extensão dos horrores por que têm passado. Mas queremos que saibam que nunca vos vamos esquecer”, escreveu a activista e prémio Nobel da Paz. Durante a noite ou madrugada de 14-15 de Abril de 2014, cerca de 300 jovens estudantes de diferentes estabelecimentos de ensino foram forçadas a sair dos dormitórios da escola secundária de Chibok onde ia decorrer o exame final de Física. O lugar fora invadido por militantes do Boko Haram, um grupo jihadista que se opõe à educação nos moldes ocidentais; depois de uma troca de tiros com os guardas da escola, obrigaram as meninas a embarcar em autocarros ou a caminhar mais de 15 quilómetros até ao mato de Sambisa, onde desapareceram. O Governo nigeriano tinha suspendido as aulas nas escolas da região um mês antes, numa medida de precaução perante a ameaça representada pelos islamistas. Mas as estudantes tinham sido chamadas à escola de Chibok para realizarem as suas provas finais, debaixo da vigilância de seguranças. Dezenas de meninas conseguiram escapar dos captores e fugir para segurança, dias depois do rapto. Mas o rasto das restantes 216 mantidas pelos militantes perdeu-se logo depois: até hoje, não há nenhuma suspeita sobre o seu possível paradeiro, nenhuma prova de vida que alimente a esperança de um resgate. Em declarações ao jornal nigeriano This Day na semana passada, o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al Hussein, duvidava que as estudantes ainda estivessem vivas. “Acreditamos que entre as vítimas dos massacres [do Boko Haram] iremos encontrar as meninas de Chibok”, afirmou, referindo-se às descobertas recentes de valas comuns em Bama e outras localidades abandonadas pelos jihadistas. No dia em que se assinalou o primeiro aniversário do rapto, o mistério e as dúvidas continuam a atormentar as famílias que esperam pelo seu regresso. Não é só porque as estudantes continuam desaparecidas, mas também porque os esforços encetados para as resgatar falharam nesse propósito ou na dissuasão dos militantes: de então para cá, terão sido raptadas mais de 2000 estudantes pelo Boko Haram, alegadamente traficadas como escravas sexuais. A campanha internacional para trazer de volta a casa as meninas desaparecidas em Chibok (o movimento #BringBack OurGirls que se se tornou viral na Internet) ainda não produziu o resultado esperado. Os seus activistas, como a professora de Maiduguri, Hauwa Biu, entrevistada pela cadeia norte-americana NBC, dizem que além do mérito de chamar a atenção mundial para o que aconteceu na Nigéria, a campanha “tornou evidente o fracasso da resposta do Governo”. Esta terça-feira, o slogan da campanha foi alterado para “Nunca esqueceremos”. “Nos últimos 365 dias não nos cansamos de gritar pela libertação das nossas irmãos, e hoje continuamos a exigir, mais alto do que nunca, o seu regresso a casa”, disse à AFP Rebecca Ishaku, uma das activistas que participou numa marcha na capital Abuja, até à porta do Ministério da Educação. “O Governo deve tornar a educação e a segurança nas escolas uma prioridade”, reclamaram os manifestantes. O então Presidente nigeriano Goodluck Jonathan, que levou semanas sem falar sobre o rapto, inicialmente recusou as ofertas de assistência internacional (dos Estados Unidos, França, Reino Unido ou China) para uma operação de resgate das estudantes. Foi só depois, sob pressão da opinião pública, que o Governo intensificou as suas incursões contra os islamistas, e já este ano lançou uma vasta ofensiva militar contra o Boko Haram, com o apoio das forças dos países vizinhos Chade, Níger e Camarões, para recuperar o território dominado pelos jihadistas. “A pressão teve algum resultado, mas continuamos a receber notícias de raptos e mortes. Esta é uma organização que continuará a existir e que não desistirá dos seus objectivos e métodos. Nesse aspecto, neste ano que passou nada mudou: eles continuam a raptar meninas e a transformar meninos em soldados”, disse à NBC o analista do think-tank londrino Royal United Services Institute, Raffaello Pantucci. Muhammad Buhari, que só toma posse no final de Maio, disse que o seu Governo terá uma “abordagem diferente” na resposta ao drama e às “angústias dos nossos concidadãos” afectados pela tragédia. “Tenciono fazer tudo o que estiver em nosso poder para encontrar as meninas. Mas honestamente não posso garantir que as vou salvar”, acrescentou.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos escola humanos educação ataque desaparecimento rapto
Boko Haram diz ter casado as 200 raparigas raptadas com combatentes islamistas
Um homem que diz ser o líder do grupo diz em vídeo desconhecer o acordo de cessar-fogo que permitiria a libertação das estudantes. (...)

Boko Haram diz ter casado as 200 raparigas raptadas com combatentes islamistas
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.25
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501210010/http://www.publico.pt/1674904
SUMÁRIO: Um homem que diz ser o líder do grupo diz em vídeo desconhecer o acordo de cessar-fogo que permitiria a libertação das estudantes.
TEXTO: As raparigas que foram sequestradas em Abril de uma escola no nordeste da Nigéria já terão sido casadas com combatentes do Boko Haram, disse sábado num vídeo um homem que alega ser o líder do grupo islamista, Abubakar Shekau. A alegação contradiz assim o Governo nigeriano, que em meados de Outubro anunciou um acordo de cessar-fogo com o Boko Haram que incluiria a libertação das mais de 200 jovens raptadas pelo grupo. O mesmo homem fala ainda de um refém, um “homem branco”. O Exército nigeriano tinha anunciado, há um ano, que tinha morto Abubakar Shekau, bem como um impostor que aparecia em vídeos divulgados pelo grupo islamista fazendo-se passar pelo seu líder. A agência Reuters relata que o vídeo mais recente não permite identificar claramente o homem que faz as alegações sobre o destino das meninas sequestradas (foi filmado à distância), e sobre o acordo de tréguas que facilitaria a sua libertação e que decorreria de um mês de negociações secretas mediadas pelo Chade, país vizinho da Nigéria. “Casámo-las e estão todas nas casas dos seus maridos”, garantiu o homem que diz ser o líder do grupo, citado pela agência noticiosa. O mesmo homem alega que as raparigas se “converteram ao Islão, que confessam ser a melhor religião. Ou os seus pais o aceitam e também se convertem ou podem morrer”. A maioria das 200 raparigas raptadas em Abril de uma escola secundária em Chibok, no nordeste do país, era cristã. O mesmo homem que diz ser Abubakar Shekau nega a existência do acordo de cessar-fogo e denuncia o seu alegado interlocutor, um representante do Boko Haram no Chade. “Quem é que diz que estamos a dialogar ou a discutir com alguém? Estão a falar sozinhos?” Vincando a imagem do Boko Haram, responsável por uma campanha de terror que desde 2010 terá já causado cerca de duas mil mortes na Nigéria, o homem no vídeo garante: “Tudo o que estamos a fazer é chacinar pessoas com facas de mato e a atingir pessoas com armas… o que queremos é guerra”. Sobre a situação dos reféns, o indivíduo frisa ter na sua posse “um homem branco”. Não é indicado, no entanto, se se trata de um professor alemão raptado por homens armados de uma universidade na cidade de Gombe em Julho. O sequestro nunca foi reivindicado mas pensa-se que esteja associado ao Boko Haram. Nas últimas semanas, os combatentes do Boko Haram têm perpetrado ataques quase diários e na semana passada passaram a controlar a cidade de Mubi, indica a Reuters, de onde é originário o marechal Alex Badeh, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas nigerianas que anunciou o cessar-fogo em conjunto com o secretário da presidência nigeriana, Hassan Tukur. Esse ataque resultou na morte de dezenas de pessoas e em assaltos a bancos, além do hastear da sua bandeira negra no palácio do Emir, segundo relataram testemunhas citadas pela Reuters. Já na sexta-feira de manhã explodiu um carro armadilhado em Gombe junto a uma paragem de autocarro repleta de pessoas – pelo menos dez delas morreram. O grupo fundamentalista diz estar a lutar pela instauração de um Estado Islâmico no Norte da Nigéria e pela rigorosa interpretação da lei islâmica, a sharia – em língua haussa, Boko Haram significa “a educação ocidental é pecado”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens guerra lei escola educação ataque homem morto negra
Joana Gorjão Henriques na FLIP em que as mulheres estão em maioria
A jornalista do PÚBLICO, autora do livro Racismo em Português — O Lado Esquecido do Colonialismo , junta-se a Frederico Lourenço, Djaimilia Pereira de Almeida, Pilar del Río e Luaty Beirão na edição que homenageia o escritor Lima Barreto. (...)

Joana Gorjão Henriques na FLIP em que as mulheres estão em maioria
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A jornalista do PÚBLICO, autora do livro Racismo em Português — O Lado Esquecido do Colonialismo , junta-se a Frederico Lourenço, Djaimilia Pereira de Almeida, Pilar del Río e Luaty Beirão na edição que homenageia o escritor Lima Barreto.
TEXTO: Joselia Aguiar, a nova curadora da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), conseguiu responder a algumas das críticas mais apontadas àquele que é o mais importante festival literário brasileiro. Pela primeira vez, o programa terá um número de autoras mulheres superior ao de homens e a participação de autores negros estende-se a 30% de toda a programação divulgada esta terça-feira em conferência de imprensa. “Além de a programação incluir mais mulheres, muitas mesas estão pensadas a partir do ponto de vista feminino”, disse Joselia Aguiar durante a conferência de imprensa que foi sendo dada a conhecer através da conta oficial de Twitter do festival literário. A curadora espera que “o aumento de autoras e autores negros no programa seja um ponto de virada e que a FLIP possa influenciar não apenas outras programações literárias do país, mas o próprio mercado editorial, ajudando a torná-lo mais diverso”. Nesta edição da FLIP, que tem Lima Barreto (1881-1922) como autor homenageado, a pluralidade de géneros em que este autor brasileiro exerceu o seu ofício — desde a reportagem ao romance, da crónica à memória e ao diário — e as questões que atravessaram a sua obra — como a étnico-racial, a do artista como militante e a da etnografia da cidade estão presentes em toda a programação, em que participam 46 autores (22 homens e 24 mulheres). Joana Gorjão Henriques, jornalista do PÚBLICO e autora do livro Racismo em Português — O Lado Esquecido do Colonialismo (com edição em Portugal da Tinta-da-China, do PÚBLICO e da Fundação Manuel dos Santos), é uma das convidadas da 15. ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, que se realiza no Brasil de 26 a 30 de Julho. O seu livro, que resultou de uma série de reportagens à qual foi atribuído o prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença, vai ser editado pela Tinta-da-China Brasil. Será ao lado do actor brasileiro Lázaro Ramos, que ganhou protagonismo no filme Madame Satã, de Karim Aïnouz, onde interpretava a famosa drag queen carioca, e é autor de vários livros de literatura infantil, que a jornalista portuguesa participará na mesa intitulada “A pele que habito”, sexta-feira, 28 de Julho, às 10h. As identidades e as relações raciais nos países da lusofonia são o principal tema da conversa que parte da trajectória artística de Lázaro Ramos, que lançará na FLIP o livro Na Minha Pele, editado pela Objetiva, sobre o seu desejo de viver num mundo em que a pluralidade cultural, racial, étnica e social seja vista como um valor positivo e não como uma ameaça. Não é uma biografia, mas nele aborda a sua carreira como actor negro no Brasil, tendo interpretado personagens em que a questão social e racial está presente como Zumbi dos Palmares (1996) com o Bando de Teatro Olodum, Madame Satã (2002) ou Martin Luther King, na peça O Topo da Montanha, da nova-iorquina Katori Hall, que protagoniza ao lado da actriz Tais Araújo, sua mulher na vida real. A conversa em palco irá cruzar-se com a experiência da jornalista portuguesa e as histórias das cinco reportagens que fez em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe realizadas em 2015 para ouvir o lado africano sobre as marcas do racismo deixadas pelo colonialismo português e para tentar encontrar respostas à pergunta: “Racismo em português: como foi, como é?”Lázaro Ramos também participará na sessão de abertura do festival literário, “Lima Barreto: triste visionário”, título da biografia que será editada pela historiadora Lilia Schwarcz e que nela trabalhou durante uma década. A académica dará uma aula ilustrada onde o actor lerá excertos da obra do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma, num espectáculo dirigido pelo encenador Felipe Hirsch. No dia anterior, quinta-feira, 27 de Julho, será a vez de outro português estar no palco da FLIP, Frederico Lourenço, Prémio Pessoa 2016, a que se junta também o tradutor de latim e grego, Guilherme Gontijo, para falar sobre a tradição greco-latina, os seus mitos, poesia e narrativas, a Bíblia grega, a literatura e a cultura medieval. Também a autora de Esse Cabelo (que será publicado no Brasil pela Leya), Djaimilia Pereira de Almeida, nascida em Luanda, em 1982, mas que vive em Portugal desde a infância onde é investigadora da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, conversará com outras vozes da novíssima literatura em língua portuguesa, Carol Rodrigues e Natalia Borges Polesso, sobre como lidam com a tradição e a renovam. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pilar del Río, a presidente da Fundação Saramago, estará à frente da Casa Amado e Saramago, que terá uma programação própria paralela ao festival, mas é também uma das convidadas da programação principal. Também o rapper e activista angolano Luaty Beirão, cujo diário de prisão Sou eu então mais Livre, escrito durante o tempo em que esteve detido, em Angola, de Junho de 2015 a Junho de 2016, vai ser publicado pela Tinta-da-China Brasil, estará no palco principal a conversar com Maria Valéria Rezende, escritora que se dedicou à educação popular no sertão durante a ditadura. Haverá ainda um encontro inédito entre o jamaicano Marlon James e o americano Paul Beatty, dois autores negros que venceram, em dois anos consecutivos (2015 e 2016), o Man Booker Prize, bem como a presença do repórter da New Yorker William Finnegan, que cobriu conflitos em África e acaba de vencer o Pulitzer com as suas memórias dos tempos de surfista; da argentina Leila Guerriero, um dos grandes nomes do jornalismo narrativo na América Latina, e do francês Patrick Deville, escritor-viajante que, entre o Camboja e o México, pratica aquilo a que chama “romance de não ficção”, da escritora tutsi Scholastique Mukasonga e do romancista islandês Sjón (parceiro de trabalho de Björk). Por razões de orçamento, o palco da programação principal da Festa Literária Internacional de Paraty deixará de ser na Tenda do Autores, que tinha 750 lugares sentados para quem comprasse bilhete, e passará a realizar-se na Igreja da Matriz, que albergará 450 lugares. Toda a programação decorrerá à volta da Praça da Matriz, requalificada em 2012, e aí também será instalada a Tenda do Telão, onde é possível assistir gratuitamente às mesas que decorrem no palco principal através de um ecrã gigante.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Eles são católicos, homossexuais e praticam
Estas histórias falarão por milhares de portugueses: homens e mulheres, catequistas e ex-seminaristas, professores, gestores, artistas. São católicos homossexuais praticantes. Para a doutrina católica oficial, é incompatível. Talvez eles vivam na Igreja do futuro. Mas o preço é alto: silêncio, solidão, sofrimento. (...)

Eles são católicos, homossexuais e praticam
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-04-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estas histórias falarão por milhares de portugueses: homens e mulheres, catequistas e ex-seminaristas, professores, gestores, artistas. São católicos homossexuais praticantes. Para a doutrina católica oficial, é incompatível. Talvez eles vivam na Igreja do futuro. Mas o preço é alto: silêncio, solidão, sofrimento.
TEXTO: 1. AlentejoO quarto de José António Almeida dá para a fachada da igreja matriz. É isto "numa vila da província", diz um dos seus poemas. Uma vila do interior alentejano cujo nome ele prefere calar. Mas aqui estamos, num começo de tarde, no começo da Primavera. Lá fora cheira a pólenes, e a luz aquece, quase cega. Cá dentro cheira a tabaco, ao óleo de ícones e santos, e a sombra quase arrepia. - Como vê, é o quarto de um católico - diz José António. Ao lado da janela, a reprodução de um ícone bizantino e uma imagem de Santa Teresa do Menino Jesus. Ao lado da cama, uma pintura com um crucifixo espetado num coração bastante carnal, com nervos e válvulas. - Esta imagem do Sagrado Coração foi proibida algum tempo por ser um órgão anatómico. Sim, é o quarto de um católico, mas também vemos que é o quarto de um poeta. Do outro lado da cama está emoldurada uma carta de Vieira da Silva escrita em 1983: "Meu querido poeta. . . " De passagem por Paris, José António quis conhecê-la, deixou-lhe poemas e um bilhete, ela respondeu com esta folha. O que talvez não se veja no quarto, mas se vê no escritório, é que além de católico e poeta, este habitante da casa é homossexual. Entre ícones bizantinos, lá estão "ícones" homoeróticos como Kavafis, o poeta de Alexandria que tanto escreveu sobre o amor a rapazes, ou colagens fotográficas com torsos musculados. E com estas "três identidades" - poeta, católico e homossexual - se apresenta José António Almeida no livro O Casamento Sempre Foi Gay e Nunca Triste (& etc, 2009). Tanto quanto sabemos, é o primeiro (e até agora único) livro que um português escreve sobre a sua condição de católico e homossexual praticante. Fé e sexualidade apareciam em obras anteriores deste poeta, mas só aqui são tratadas em relação uma com a outra, primeiro em ensaio, depois em poemas. E a dedicatória abre uma janela para algo invisível na sociedade portuguesa, com datas e lugares: "Ao pequeno grupo de católicos com quem me reuni na Capela do Rato e na Capela dos Fiéis de Deus para rezar e reflectir sobre a nossa condição homossexual de 18 de Outubro de 2003 a 22 de Março de 2008. "Ou seja, ao longo de quase cinco anos, no centro de Lisboa, católicos praticantes organizaram-se para reflectir sobre uma parte intrínseca da sua vida que a Igreja Católica considera um "mal moral intrínseco" ou um "comportamento intrinsecamente desordenado". Segundo a doutrina actual, os católicos homossexuais têm direito a ser acolhidos mas são convidados à castidade. Entretanto, o debate sobre direitos dos homossexuais, nomeadamente o casamento, está a multiplicar os sinais de católicos que buscam uma conciliação entre a sua prática religiosa e a sua prática homossexual. Além do livro de José António Almeida e do grupo que se reuniu na Capela do Rato, a Pública encontrou trabalhos académicos, blogues e sítios online, grupos só de leigos e grupos que se reúnem com acompanhamento não-oficial de padres. E não foi difícil convencer católicos homossexuais a falar. Quando se soube da reportagem, alguns contactos partiram dos protagonistas. Todos os encontros foram pessoais, às vezes repetidos. Isto pode anunciar a dinâmica de um movimento. Mas ainda será sobretudo o impulso de quem esteve calado. E o facto de quase todos não mostrarem a cara expõe a dificuldade que tudo ainda é. Homens e mulheres, catequistas e ex-catequistas, ex-seminaristas e ex-monges, entre os que aqui vão falar há quem se tenha sentido a enlouquecer. "Cada criatura humana aspira a escrever a sua própria história", escreve José António Almeida. Nascido em Lisboa há 50 anos, mas com raízes no Alentejo, este poeta começou a escrever a sua história antes mesmo de falar dela. - A família soube com os versos. Nunca escondi, nunca menti, as pessoas é que muitas vezes não querem ver os sinais. Depois há um momento em que temos necessidade de pôr preto no branco. Mas passaram-se anos até encontrar os católicos homossexuais que se reuniram na Capela do Rato. Esse grupo nasce inspirado pelo padre italiano Domenico Pezzini, que veio à Igreja de Santa Isabel, Lisboa, em Setembro de 2003. - O grupo começou em Outubro - recorda José António. - Soube por um amigo, desloquei-me a Lisboa e participei. Era uma vez por mês, numa salinha contígua à capela. O dia variava. Haveria uma média de seis, sete, pessoas, às vezes 10, 12. Só homens?- Houve uma altura em que apareceu uma rapariga. De resto, eram homens, mas não estava fechado a mulheres. E estava aberto a não-crentes. Recordo-me de lá ter estado um padre, mas eram reuniões de leigos, organizadas por nós. Havia uma ligação ao padre José Manuel, que tinha permitido aquelas reuniões, mas ele não aparecia. Foi muito corajoso. Um dos membros do grupo guardava a chave da capela. Eram autónomos e discretos, mas não clandestinos:- A hierarquia tinha conhecimento. Este grupo desfez-se, conta o poeta, depois de uma reportagem no Expresso que não precisava local nem datas, e dizia que todos queriam anonimato. Mas José António estava pronto a ser fotografado, e escreveu isso numa carta ao jornal, que não a publicou por não a considerar direito de resposta. Vem incluída em O Casamento Sempre Foi Gay e Nunca Triste. Quanto à fotografia, vamos a ela. No meio do Alentejo, agora, de caras. 2. Igreja de Santa IsabelNoite de Domingo de Ramos. O largo da Igreja de Santa Isabel parece uma festa. Mas é só o fim da missa celebrada pelos padres José Manuel Pereira de Almeida e José Tolentino Mendonça. Lua quase cheia e dezenas de jovens a conversarem. Vista daqui, a Igreja Católica nem parece envelhecida. - A presença de universitários é enorme - diz Tolentino Mendonça, que já tirou os paramentos e agora atravessa a comunidade, cumprimentos, despedidas, jantares combinados. José Manuel Pereira de Almeida aparece já de blazer, também, e os dois guiam o caminho para a casa paroquial, onde nos sentaremos junto a uma pintura de Ilda David". Como a doutrina católica considera a homossexualidade um mal, os sacerdotes são levados a reprovar a sua prática. Por isso, os grupos de homossexuais dentro da Igreja que debatem o assunto se têm mantido discretos. - Eu já era pároco em Santa Isabel - conta José Manuel P. de Almeida. - E convidámos o padre Domenico Pezzini. Estudioso de místicos medievais e professor de literatura inglesa, Pezzini fora nomeado pelo então arcebispo de Milão para dar "particular atenção" aos homossexuais. Era "o motor" de um movimento chamado La Fonte que procurava concretizar a "opção preferencial" da Igreja "pelos pobres", "pelos marginalizados, pelos excluídos", "em tantas circunstâncias, os últimos", escreve José Manuel P. de Almeida no prefácio ao livro de Pezzini As Mãos do Oleiro (Paulinas, 2009). Os retiros e encontros de La Fonte atraem gente de todo o mundo, e o pároco de Santa Isabel sabia dos efeitos. Assim, recebeu Pezzini aqui, a 16 de Setembro de 2003. - Organizámos um encontro com um título discreto: "Uma experiência pastoral na cidade de Milão". Ele chega e diz: "A experiência pastoral é esta: acompanhar pessoas homossexuais. " Na sequência do encontro, houve pessoas que me pediram um espaço para uma vez por mês rezarem e perceberem o que entre nós podia ser feito, poderem olhar para a sua condição sem se mentirem. Como o movimento italiano se chama La Fonte, esse grupo decidiu chamar-se Riacho. Fizeram um blogue (ainda activo: riacho. blogs. sapo. pt) e o padre José Manuel cedeu-lhes um espaço na Capela do Rato. - Era uma reunião de quem estava, eu nunca estive. Os leigos são maduros o suficiente para darem orientação a si próprios. Eu ia fazendo a coordenação com um deles. Quando deixei a Capela do Rato, continuaram mais um tempo, mas depois passaram a encontrar-se noutro lado. O patriarca de Lisboa sabia?- O Senhor Patriarca estava ao corrente da minha atenção pastoral, sem detalhe. Como agora acontece com outros grupos que têm acompanhamento recomendado, para que as pessoas não se sintam marginalizadas. No prefácio ao livro de Pezzini, o padre José Manuel diz: "Tenho também notícia de que, autonomamente, de forma discreta, algumas pessoas que se reconhecem como homossexuais têm procurado viver e aprofundar, em grupo, a experiência de fé em Jesus Cristo. Experiência exigente, séria, verdadeira. "Mas que se mantém discreta e alcança poucos, quando esta não é uma história de poucos. Os que a contam dizem que é uma história de muitos, e sentem que a Igreja Católica não tem resposta para eles. Uma igreja ou outra podem responder a alguns. Falta a resposta da Igreja para todos. 3. ChiadoP. quase morreu disto. Durante 33 anos não disse a ninguém que era homossexual. Tentou não ser. Tentou ser padre. Tentou ter uma namorada. - Até que rebentou tudo da pior maneira. Tive uma vida antes e outra depois. Agora está com 40 anos, a tentar viver a segunda vida "em verdade". Foi ele quem se predispôs para este encontro. Sentado num café do Chiado, Lisboa, falará com despojamento, convicto de que é preciso. Por ele, mostrava a cara. Hesita ainda porque recolhe fundos para solidariedade e não quer prejudicar a instituição. - Tive uma educação católica conservadora. Depois comecei a meter-me em grupos católicos de acção social e criei esta instituição com amigos. Trabalhávamos em bairros sociais. Isso, e uma experiência espiritual forte, fez-me pensar que a minha vida tinha de passar por ser padre. Não sabia que gostava de homens?- Soube desde sempre, mas não falava disso com ninguém. Tinha esperança de dar a volta à coisa, de me tornar heterossexual. O ambiente familiar, com distância entre pais e filhos e entre irmãos, empurrava-o para isso. - Os comentários homofóbicos predominavam. A homossexualidade era tratada como aberração, uma coisa nojenta. Eu julgava que era o único, não sabia de mais ninguém. E as piadas homofóbicas eram minhas também, para desviar qualquer suspeita. O estudo de Teologia não ajudou. - Aposta-se muito na moral sexual, parece que é mais importante do que as outras. Havia sempre em mim uma tensão quanto à verdade com que podia estar no seminário. Mesmo em castidade, achava o próprio desejo homossexual antinatura. E assim foi até aos 33 anos. - É um processo tenebroso. De uma violência brutal para connosco próprios. Estamos quase metade da vida a reprimir a identidade e com pânico de que se saiba. Quando entrei no seminário, foi uma questão que me começou a perturbar cada vez mais, por não me sentir em verdade. Só a possibilidade de a verbalizar causava-me uma ansiedade indizível. No fim do primeiro ano fez um retiro com jesuítas. - E quando fui, a questão não me saía da cabeça. Tive insónias dias seguidos para conseguir verbalizá-la com o padre. A resposta foi a pior possível, não me senti minimamente acolhido. Que ouviu?- Que estava a fazer uma tempestade grande demais e tinha de ir falar com o director espiritual do seminário. Depois daquela conversa é que não dormi mais. Quando o retiro acabou, foi falar com o director espiritual. - Disse-me que naquele momento é que eu estava em verdade para entrar no seminário. Mas com o tempo, a homossexualidade era uma questão de tal maneira dolorosa que mesmo perante ele fui dando a coisa como superada. Até se tornar insustentável. - No começo do quinto ano, saí. Não entrei por razões ligadas à homossexualidade, mas saí por isso. Como reagiram os pais?- Ficaram um pouco desiludidos. O meu pai principalmente, porque gostava de exibir o filho seminarista. Mas P. já estava com 28 anos. Vida sexual?- Inexistente. Reduzia-se à masturbação, que para mim era um pecado grave. Mas eu também não me conseguia confessar ao meu director espiritual. Vinha aqui à Igreja do Loreto, que eram padres italianos e ninguém me conhecia. Segue-se um túnel de anos. - Eu era um católico fervoroso a lutar contra a homossexualidade. Comecei a ter experiências homossexuais vividas com grande sentimento de culpa. Tinha um one night stand e ficava dias sem dormir, ia-me confessar, jurava que nunca mais. Até nova explosão. Ainda tive uma namorada, num esforço derradeiro para ser heterossexual. Até que, depois de terminar esse namoro, comecei a falar. Com um amigo, também católico. E aproximaram-se. - Aí, um amor com uma pessoa do mesmo sexo começou a tornar-se possível. Eu estava em carne-viva. Com uma sensibilidade exacerbada e ao mesmo tempo muito feliz. Noites inteiras em que só me corriam lágrimas pela cara, descompressão pura e dura. Fomo-nos aproximando até que passámos à parte física. Eu tinha medo, mas correu bem. E dois dias depois ele telefona a acabar comigo. Foi nessa altura que afundei. Rebentei por todos os lados, em ansiedade extrema. Emagreci 12 quilos num mês. Deixei de comer, de trabalhar, de conseguir estar sozinho e de conseguir estar acompanhado. Toda a gente se apercebeu. Fui internado numa clínica para casos de depressão. Esteve lá três semanas. Tinha 33 anos e ainda não contara aos pais, aos irmãos, aos amigos. - Quando saí, afastei-me de tudo. Não conseguia estar com amigos mais antigos, repugnava-me. Cortei com tudo o que era religioso. E desde então estou num processo de reconstrução. Começou por dizer à psiquiatra: "Não sei viver com isto, ser homossexual. "- Tem sido um processo lento, aprender a integrar. Comecei a descobrir outros mundos, a ir ao Bairro Alto, a fazer novos amigos, a falar com padres que me ouviam de outra maneira. A recusar padres como aquele que o ia visitar à clínica, obcecado com a homossexualidade. - Dizia-me: "Quando estiveres bem, vais para os Estados Unidos, tratas a homossexualidade e depois trazes o tratamento para cá. " E depois da clínica vinha-me com estas conversas: "Sabes que os homossexuais não entram no Reino dos Céus. " Até que lhe disse: "Consigo não quero falar mais, não me faz bem. " Comecei a falar com um padre jesuíta que me ajudou imenso. E depois com outro padre de quem fiquei amigo. Tinha já 37 anos. E só então contou aos pais. - Foi uma nova crise. Fizeram daquilo um problema deles: "Coitados de nós que temos um filho homossexual. " Diziam que eu continuava a ser filho deles, mas se tivesse alguém não queriam saber. Não queriam que os meus sobrinhos soubessem. Nunca pensaram no que eu tinha sofrido. E com os meus irmãos foi semelhante. Desde então, a questão é como se não existisse. Estou com eles regularmente, mas é como se tivesse duas vidas. E os amigos?- Nenhum deixou de me falar, mas para alguns é uma aceitação, e eu quero que gostem de mim sem nada de condescendente. Só cinco anos depois voltou a ter outro namoro. E entretanto foi conhecendo cada vez mais cristãos homossexuais. - Via muitas pessoas que não sabiam conciliar as duas coisas. Há muita homossexualidade entre cristãos, e muita repressão como a minha. Isso é que é assustador. A educação que os meus irmãos dão aos filhos é idêntica à que os meus pais deram. Comentários já homofóbicos, que eu contrario na hora. Então, há dois anos, empenhou-se na fundação de um grupo de católicos homossexuais orientado por um padre. - Todos temos vivências e sofrimentos que se tocam. Há uma história de repressão, um conflito de culpa e pecado, uma tentativa de ser outra coisa. Ajudamos a desfazer nós, a partilhar questões, e paralelamente é um grupo que reza, que nos ajuda a manter a dimensão espiritual. O padre que os orienta não quer falar sobre isso na reportagem, para não pôr em risco os encontros. A visão do grupo não coincide exactamente com a doutrina da Igreja. Tal como outros membros, P. não quer ser abstinente. Mais, defende a legalização de uma prática que a Igreja condena. - É claro que sou a favor do casamento homossexual. Que espera então desta Igreja que é a sua, mas não o aceita na prática?- Tem de voltar às suas origens, à pessoa de Jesus Cristo. Tem de deixar de ser a Igreja da moral para ser a Igreja do amor. Uma Igreja que está agarrada ao supérfluo e não ao essencial não pode ajudar o ser humano. Está tão centrada na norma que se esquece das pessoas. Jesus olhou para cada um como um caminho a ser construído. A perfeição está no amor e não na moral. A perfeição não é uma família heterossexual com filhos. Quando há amor, uma relação hetero é boa e uma relação homo é boa. E tentar assim conciliar a prática católica e a prática homossexual só o tornou mais crente. - Desde que fiz este corte, cada vez mais me revejo na figura de Cristo. E é tão radical aquilo que Ele disse, que a maior parte das pessoas não consegue lá chegar. Mas encontro muitos cristãos hoje que procuram a verdade sobre si próprios, como pessoas capazes de amar. O oposto disto é a repressão, o encobrimento, o que deveria fazer a Igreja pensar, sobretudo agora, com tantas acusações de pedofilia. - A repressão leva à doença. 4. Bairro AltoUm dos católicos homossexuais que P. levou para o grupo foi A. , este rapaz com olhos azul-violeta e dedos de pianista que podia estar numa pintura. Também pinta, e estudou Belas-Artes, mas agora estuda Música no Conservatório de Lisboa. Por isso é que nos encontramos aqui, num café da Rua da Rosa gay friendly, como ele disse, quando telefonou à Pública, por sua iniciativa. Nasceu há 33 anos nos arredores de Lisboa, numa família de católicos praticantes. - Tive catequese, grupo de jovens, participei num grupo missionário, comecei a cantar no coro da igreja. Depois, no primeiro ano da faculdade, visitou a comunidade ecuménica cristã de Taizé, em França. - Voltei no ano a seguir, fiz silêncio, voltei na Páscoa. Acho que tem a ver com a abertura: centramos no que nos une e não no que nos divide. E a estética, que para mim sempre foi uma forma de comunicação com Deus: a liturgia é de uma beleza simples, a oração é centrada nos cânticos e no silêncio. Na nossa tradição há pouco espaço para o silêncio, e o silêncio é abrir um poço de ar para a oração. Assim inspirado, A. decidiu viver um ano num mosteiro. - Foi tão bom que decidi entrar na congregação. Tinha 21 anos. Passou a ser noviço, ainda antes dos votos de pobreza, obediência e castidade. - Mas na prática já os cumpria. Era virgem. Não sabia que era homossexual. E não sentia necessidade. Hoje, a gente acha que quem não tem sexo não é completo, mas eu vivia bem o meu celibato. Sempre tive um lado espiritual desenvolvido. Uma pessoa não fica mutilada, continua a sentir pulsões, mas se nos sentimos bem não é um problema. Tudo corria tão bem que o mosteiro o enviou para um ano de missão num país muçulmano da Ásia, fora da capital. - A presença dos frades é discreta, a intenção não é evangelizar, é de apoio a mulheres e deficientes. Foi um ano extremamente difícil e o mais enriquecedor. Porquê difícil?- O clima é muito húmido, não pára de chover, às vezes parece que não se consegue respirar. Os frades vivem numa situação muito pobre. Tive muitas disenterias. E havia problemas com o visto. Tinha de atravessar a fronteira para os resolver. - Mas gostei muito do trabalho. Foi na altura do ataque às Torres Gémeas e sentia-se muita pressão. Aquela sociedade é dura com os estrangeiros, mas as pessoas com quem eu trabalhava eram cinco estrelas. Que fazia?- Além de aprender a língua, trabalhei num atelier de artesanato criado pelos frades para mulheres com deficiência. E estava muito com crianças deficientes. Só extrair essa miséria escondida era um pequeno trabalho de mudança. Tudo isto acabou de forma abrupta. - Vim cá a um casamento e descobri que estava com uma doença respiratória. Passei nove meses em tratamentos, o que me levou a repensar tudo. Acabei por ficar. Não se sentia com forças para voltar à missão, e portanto não fazia sentido voltar ao mosteiro. - O meu regresso foi quase uma vocação interrompida, um acidente. De repente, estava cá, e tive dificuldade em me reintegrar. Entregou-se à arte. Começou a dar aulas de Desenho e a posar como modelo em Belas-Artes. E teve uma namorada. - Era uma amiga de há muito. Tenho mais facilidade num amor para muita gente do que concentrado numa pessoa, então foi importante. Mas ela queria estabilidade, formar família. Falámos de filhos, de adoptar, mas eu não gostava de projectar as coisas. A atracção por homens não aparecera?- Estava enterrada. Eu era muito rápido a mandar isso para o fundo. Agora olhando para trás, com uns anos de psicoterapia, vejo que na adolescência já sentia atracção por homens, mas não me permitia isso. Só bastante tempo depois de acabar com a minha amiga comecei a interpretar sinais em mim. Não foi por isso que iniciou a psicoterapia, mas a psicoterapia fê-lo falar. - Eu pensava numa bissexualidade, mas era construção. Reconheço beleza numa mulher, como num edifício ou num homem, mas não tenho atracção. Na psicoterapia, foi um tema que me deu muita luta. Comecei a perceber que não era um erro, que não podia ser algo que condenasse em mim porque não acredito num Deus que diz: "Gostas de outros homens, mas tens de viver a tua vida como se não gostasses. " Não acredito num Deus que joga, acredito num Deus que ama desmesuradamente, e foi por isso que consegui reconciliar-me com esta circunstância, que não é qualidade nem defeito. Mas ainda hoje isto me faz tremer, tenho calafrios, é uma descoberta sofrida que vai contra os estereótipos que temos, aquilo que desejávamos ter, se calhar. Ser heterossexual seria mais fácil. - Se pudéssemos escolher, a maioria de nós provavelmente não agradeceria ser homossexual. Só depois de termos feito muitas pazes é que podemos agradecer a Deus sermos assim. Por isso, fico muito zangado quando falam em escolha. Mas não quero que ninguém fique com pena. Quero chegar a um ponto em que agradeço. Estou a gostar mais de mim do que já gostei. Entretanto, teve as primeiras relações homossexuais. - Experiências com pessoas que já conhecia. Fui conhecendo sítios nocturnos, mas nunca me revi nesse ambiente de engate. E abri-me gradualmente com os amigos novos, do meio artístico. Estar com naturalidade, comentar se passa um rapaz giro: "Epá, que giro. " Isso é libertador. Esgotado o tempo, ainda não chegámos à conversa de A. com os pais, ou com o irmão, que é padre. Três dias depois, novo encontro, com novidades:- Desde a nossa conversa criei um blogue. Não posso estar sempre à espera que seja a Igreja a vir ao meu encontro. Chama-se moradasdedeus. blogspot. com. É para cristãos homossexuais. Mas não quero que seja um campo de batalha, não é um Prós & Contras. É para tentar chegar à solidão das pessoas. Um dos primeiros posts fala d"As Mãos do Oleiro, o tal livro de Pezzini, para as famílias com homossexuais. A. leu-o antes de contar aos pais. Mas primeiro contou à tia, com quem vive. - No ano passado apaixonei-me e estive seis meses numa relação. Foi nessa altura que contei à minha tia. Ela aparentemente aceitou bem, mas depois houve um recuar. Diz que me aceita mas não tem de aceitar as pessoas com quem estou. Entretanto, A. pôs termo à relação e decidiu contar aos pais. - Disse-lhes que tinha chegado a um ponto de mim que não conhecia e que tinha recusado isso inicialmente. Que gostava que o assunto não ficasse como tabu e que gostava muito deles. O meu pai mostrou-se muito carinhoso e perguntou se eu estava à espera que deixassem de gostar de mim. A minha mãe disse que compreendia que existissem pessoas assim, só não compreendia que tivessem de ir para a rua. Eu respondi que iam para a rua como as mulheres foram, exigir direitos básicos. Depois a minha mãe disse-me que eu era o filho dela, e era um filho extraordinário. Foi muito bom, senti-me acolhido. Eu achava que a visão deles sobre mim era diferente. E o irmão padre?- Foi a conversa mais complicada, antes de falar com os meus pais. Percebi que ele já sabia, porque a minha tia tinha desabafado com ele. Veio com os argumentos oficiais da Igreja: "Então tens de ser coerente, não podes comungar. " Não voltámos a tocar no assunto, e eu senti um afastamento grande. Ele está fechado, tipo muro, não há um sorriso. Espero que não seja definitivo, mas não posso fazer esse trabalho por ele. Quando P. lhe falou no grupo de católicos homossexuais, A. começou a ir às reuniões. - Primeiro, era sempre em casa das pessoas, rodava entre casas. Ultimamente, as orações têm sido numa capela. Têm duas reuniões por mês. Numa rezam, noutra falam. Experimentaram várias fórmulas, por exemplo, debater um livro como o Diário de Hetty Hillesum. - Mas não funcionou porque as pessoas têm ritmos diferentes. Agora cada um traz aquilo que quer partilhar. E numa segunda fase pega-se em algo e fala-se disso em especial. Já discutiram o casamento. - Deve ser uma possibilidade para quem quiser. Não sei se casaria, mas se encontrasse alguém com quem quisesse partilhar a vida, por que não? Acho que é uma hipocrisia aquela manifestação em que se viam freiras ao pé de pessoas do PNR. Choca-me como isso pode coabitar. A igreja às vezes peca por omissão, de tão cautelosa que quer ser. Nunca ouvi um padre a falar de os cristãos poderem ser associados aos partidos extremistas em que de facto há discriminação. Também defende que os homossexuais possam adoptar. E não vê porque é que a família heterossexual será um modelo. - Há muitas famílias disfuncionais, muita violência entre pais e filhos, muita traição, muitas relações de fachada, muitas vidas duplas. 5. GraçaE as mulheres?Quando a Pública falou com a ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero), e a dirigente Sara Martinho fez circular a mensagem, a primeira mulher que se dispôs a falar foi Ana Oliveira. Aqui está ela, agora que os sinos da Igreja da Graça tocam as seis da tarde. O colégio onde dá aulas é nos arredores de Lisboa, mas hoje tinha compromissos na Graça. E nem de propósito, num miradouro que se chama Sophia de Mello Breyner Andresen, o que Ana traz como epígrafe do trabalho Homossexualidade e Igreja Católica (Curso de Espiritualidade da Universidade Católica, 2009) é um poema de Sophia que começa assim: "Escuto mas não sei / Se o que oiço é silêncio / Ou deus. "Nesta síntese académica, Ana diz que a "proposta oficial da Igreja Católica é clara: acolha-se o pecador, condenando-se o pecado", o que remete o homossexual "para um celibato "secular"", "ou para um estado permanente de culpa grave, no caso de expressar sexualmente a afectividade que lhe é natural". Esta proposta "tem sido considerada desumana e impraticável por inúmeras pessoas, que acabam por resolver o conflito interno afastando-se da Igreja". Noutros casos, "a caracterização patológica da homossexualidade pode contribuir para a sua vivência patológica". O que Ana propõe é "explorar a conciliação entre essas duas vivências, a de pessoa homossexual e a de pessoa católica". Como? Partindo do princípio de que "a homossexualidade pode não ser um problema de ética sexual, mas antes "o surgimento de uma verdade antropológica acerca de uma variante regular, normal e não-patológica da condição humana". "E a razão por que está aqui, a tiritar estoicamente ao vento da Graça, é a mesma que a levou a fazer o trabalho: é católica e homossexual praticante. - Tenho um pé em cada mundo. Já se cruzam, mas eu quero contribuir para uma sobreposição. Camisola preta, jeans, cara lavada, 36 anos, vem de uma família católica não-praticante com profissões liberais. Foi baptizada e nada mais, até entrar na Universidade Católica, aos 18 anos. - Aí descobri o trabalho dos grupos de acção social e entusiasmei-me. Senti-me chamada. De tal maneira que passou dois anos como voluntária fora de Portugal. O que lhe deu o gosto pela vida em comunidade, mas também a ajudou a saber quem era. - A descoberta da fé fez-me procurar o mais verdadeiro em mim, e foi o que abriu a porta para verbalizar para mim própria que me tinha apaixonado por outra rapariga. Foi a fé que levou a isso. Mas não foi fácil. - Fiquei superaflita e procurei um padre. Estava num retiro em Taizé. Ele era africano e falámos inglês. Disse-me que não tinha de estar tão aflita: "Não é pecado, é quem és, não tens de te confessar. " E disse: "Talvez chegue o tempo de vermos o primeiro santo gay. " Foi um choque ver as duas palavras na mesma frase. Penso que a experiência dele como africano deve ter contribuído, porque o primeiro santo africano deve ter sido um momento de viragem. São duas experiências de exclusão. Isso abriu um caminho, e deixei de estar desesperada. Mas na vez seguinte em que se voltou a apaixonar, já não estava em Taizé. - Tive uma má experiência com o meu orientador espiritual. Era novo, entrou em pânico e foi muito bruto. Este padre, que é um orientador, não tinha resposta para a minha questão. É um problema da própria Igreja. O que fez?- Durante cinco anos vivi a minha relação e afastei-me da Igreja. Foi um tempo de deserto. Procurei outras comunidades espirituais não religiosas. Identificava-me com as personagens bíblicas negativas, Caim, Judas, o Leproso. Até que esse namoro acabou, e Ana se viu novamente em Taizé. - E tive uma experiência de Deus muito forte. Estava sentada a rezar, e entraram ingleses. Era uma celebração anglicana. Eu sentia que não podia comungar, mas o padre abriu os braços e disse: "Venham todos, Deus chama todos. " E eu fui. O convite desse pastor foi terapêutico, e havia em mim uma disposição para a entrega, uma certeza de que Cristo estava comigo. Voltei a procurar quem me orientasse dentro da Igreja, cá, uma freira. Disse-lhe que já tinha levado um pontapé, e não queria levar outro. Mas ela não pôs condição alguma. Leia-se: abstinência. - Para mim, é um absurdo pensar que para viver a fé tenho de desistir da sexualidade. É por isso que acho que a Igreja não tem solução para nós. Ser homossexual já é difícil na integração social. Não é justo que a um católico falte também o apoio da Igreja: nem com isso pode contar. Falta uma outra doutrina. É essa tensão que é vivida pelas pessoas da hierarquia que estão mais próximas de nós. Como outras questões de ética sexual. Estou na missa e tenho a certeza de que a maioria daquelas mulheres tomou a pílula. Neste momento, vai à missa, dá catequese a 18 crianças, pertence a um grupo de oração. - Mas sinto que vivo na Igreja do futuro, na Igreja como ela vai ser. E isso une-me a outros católicos que têm uma visão da Igreja naquilo que ela ainda não é. (A Pública quis ouvir o cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, para este trabalho. O responsável pela comunicação, padre Jardim Gonçalves, respondeu que o momento era inoportuno, tendo em conta os afazeres da época pascal e a preparação da visita do Papa. )Sara Martinho, que agora vem ter à Graça, tem uma experiência de ruptura com a Igreja. Católica de baptismo e crisma, com um percurso de catequista e animadora de grupos, hoje, aos 33 anos, bissexual e dirigente da ILGA, define-se como não-crente. Não porque tenha perdido a fé, mas porque se sente roubada pela doutrina. - Tiram-te quase tudo: a comunidade, o sentimento de pertença, a liberdade. Tentam inclusivamente roubar a relação com Deus. Ninguém tem o direito de intervir na tua relação com Deus se isso implicar a tua exclusão. Isso, sim, é fracturante. E diz respeito a muitos. - Eu tinha amigos católicos gays e lésbicas, mas não sabíamos uns dos outros. Claro que há muitos homossexuais católicos. A Igreja por ser a Igreja devia ser a primeira a sair para a rua por direitos humanos como a igualdade. E é isso que se deve esperar. Vejo os perdões que os dois últimos papas têm pedido às pessoas que perseguiram há 500 anos, e é assustador imaginar que a Igreja daqui a 200 anos vai pedir perdão por ter perseguido os homossexuais. Esse momento vai chegar. A questão é que não vai ser no nosso tempo de vida. Porquê?- Porque a Igreja Católica ainda tem passos muito mais fáceis, antes. Por exemplo, a paridade, para as mulheres poderem ser sacerdotes. Esse passo ainda não foi dado, e todas as outras igrejas já o deram. 6. ÉvoraCéu transparente, prados com flores, um esplendor. De tanto Inverno, já não sabíamos como era. Aqui vamos, no Alto Alentejo. Em qualquer busca sobre cristãos homossexuais portugueses, Évora aparece em destaque. Foi lá que em 2007 nasceu o Rumos Novos (rumosnovos. no. sapo. pt). Foi lá que este grupo organizou encontros nacionais e ibéricos. E é lá que se continuam a planear reuniões mensais (17 de Abril, Hotel Ibis Saldanha) e o encontro anual de aniversário (1 de Maio, Fátima). Também há elementos da Rumos Novos em Lisboa, Setúbal, Coimbra e Lamego, mas o centro continua em Évora. Não é um escritório. É mesmo a casa de José Leote e do seu companheiro Ricardo, num bairro à saída da cidade. O arquitecto que o desenhou pôs madeira nas janelas, e outras simplicidades, mas José reformulou. Agora, há azulejos, vidros laminados e paredes azul-petróleo. José, 39 anos, é professor no secundário. Ricardo, 25 anos, é chefe de cozinha, trabalha até tarde, e só agora está a descer do quarto. Dos dois, só José é católico. - Mas não sou seguidista nem acéfalo. Questionei sempre orientações que punham em causa a justiça. O maior mandamento que Cristo deixou foi: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. " Portanto, não é justo que a Igreja pseudo-acolha os homossexuais. Não basta que desde 1975 tenha deixado de ser pecado, porque continua a ser algo negativo. - A Igreja tem um problema em relação à sexualidade, ponto final. Também lida mal com a pastoral dos divorciados. Há o problema dos casais inférteis. O problema do preservativo e da pílula. E virando-se para o companheiro:- Ó amor, dá-me aquela pasta do Rumos Novos. Ricardo passa-lhe várias. José folheia exemplos bíblicos de condenação da homossexualidade. - Mas na altura da Bíblia não se conheciam as relações estáveis entre pessoas do mesmo sexo. A sexualidade era a do Império Romano, em que a homossexualidade era corrente. E como os cristãos queriam formar uma sociedade diferente, atribuíam causas negativas ao que viam. Mas Cristo nunca se pronunciou sobre a homossexualidade. Disse: "Aquilo que fizerdes ao mais pequenino, é a mim que fazeis. " Exortou os fiéis a amar por acções. Isto mostra que ir buscar a Bíblia para condenar a homossexualidade é escorregadio. As maiores atrocidades foram justificadas pela Bíblia, a repressão das mulheres, a escravatura, condenar pessoas à fogueira, a legitimação política de alguns regimes. Como vê a actuação da Igreja Católica portuguesa, especificamente?- Dá-se uma no cravo, outra na ferradura. Na manifestação da dra. Isilda Pegado [contra o casamento gay], a hierarquia disponibilizou os meios, mas não veio para a rua. Foi uma manifestação de ódio. Seria bom que a dra. Isilda Pegado viesse fazer uma manifestação para defender as vítimas de pedofilia da Igreja. Ainda não consegui perceber como é que o casamento entre pessoas do mesmo sexo põe em causa os fundamentos da sociedade. - Eles têm medo que as crianças absorvam aquilo e se tornem todas homossexuais - diz Ricardo. - Na SIC Notícias, um senhor estava indignado porque a filha ia ver raparigas aos beijos. José suspira. - Tem de se explicar ao senhor que isto não se pega. No fim de Junho, o Rumos Novos estará em Barcelona, no Encontro Europeu dos Grupos Homossexuais Cristãos. 7. SaldanhaSobre o casamento, vale a pena ouvir Frederico Lourenço, porque ele traz uma novidade. Pouca gente em Portugal terá feito tanto contra clichés como este helenista de 46 anos, tradutor de Homero e escritor. Católico, aprumadíssimo no trato, sempre vestido como se estivesse a chegar de Oxford (onde passou a infância), não só vive a sua homossexualidade desde os 18 anos, como a assumiu de forma pública em 2002, e escreve sobre ela. Como se mudou para a Universidade de Coimbra, quando vem a Lisboa fica num hotel, sempre o mesmo, e é aí que nos encontramos, ao fim da tarde. A grande coincidência é ser o Ibis Saldanha, onde o Rumos Novos faz reuniões mensais. Mas é mesmo coincidência. Frederico Lourenço não sabia. Não faz parte de nenhum grupo. Há anos foi convidado a assistir aos encontros da Capela do Rato, mas não aceitou. - Já vivia certo afastamento da manifestação pública do sentimento religioso, e senti que não me iria rever. Esse seu afastamento reforçou-se. A novidade é que não defendia o casamento homossexual, e agora defende. - Eu disse num inquérito do PÚBLICO que isso colidia com a minha formação, que votaria sim num referendo, mas a minha vivência não passava por aí. E fui-me dando conta de que isso não correspondia ao que sinto. O que o fez mudar?- O próprio debate sobre o casamento gay. Foi fundamental. Acho que há um Portugal antes e depois. As pessoas foram obrigadas a olhar para a questão. Eu sabia que havia uma discrepância em mim. Desde os 20 anos que não estou solteiro, tive três longas relações encadeadas. Isso foi-me fazendo afastar da Igreja. Nunca tive qualquer embate negativo, nem no confessionário, mas houve sempre um convite à castidade, e eu não nasci para viver em castidade. Mesmo assim, achava que a questão do casamento era um limite. Mas, de repente, dei-me conta de que os argumentos da Igreja já não faziam sentido. A este ponto:- Coloco a hipótese de me casar. Não por razões pragmáticas, herança, impostos, contas bancárias, mas como gesto romântico, de compromisso perante pessoas, um voto de confiança no outro, na relação, em nós próprios. E agora isso é uma barreira entre mim e o catolicismo. Para ser coerente, não vê alternativa. - A Igreja não tem resposta. Nunca ouvi outra resposta que não fosse esse convite optimista à castidade. Para mim foi inevitável um corte, embora acredite em Deus, reze quase todos os dias e sempre que posso entre numa igreja. Mas estar inserido numa prática pública do catolicismo é uma mentira, porque a minha vida sexual não corresponde a essa personagem. Já não comungo desde 1998. Comecei a sentir o peso da contradição, e não pactuo com isso. Se não posso ser aceite exactamente como sou, então não faz sentido estar a representar um papel. E não vê bons sinais no Vaticano. - Terá de vir um papa muito mais aberto. Este parece-me uma figura anacrónica, que leva a Igreja para o passado ainda mais que João Paulo II. Grande teólogo, não duvido, inteligentíssimo, mas está a fazer tudo para que a Igreja não se aproxime do futuro. A questão do celibato tem de ser urgentemente revista. A não-ordenação de mulheres é o cúmulo, é impensável. Há toda uma série de premissas que tinham de ser revistas: a sexualidade como reprodução, o não se aceitar que a sexualidade tem um alcance infinitamente maior. A estreia pública de Frederico Lourenço a defender o casamento homossexual será dia 3, na Universidade Católica de Braga. 8. Capela do Rato/Igreja de Santa IsabelDomingo de Ramos, de novo, mas agora de manhã. Na Capela do Rato prepara-se a missa. Além dos ramos verdes a toda a volta, há uma pintura contemporânea no altar. É uma instalação de Rui Moreira, a convite de José Tolentino Mendonça, que está a tentar trazer a arte para a igreja. Há uma alteração de eixo nesta capela. O altar não está ao fundo, mas a meio, o que faz com que as pessoas fiquem em volta, ou seja, mais perto. Se os lugares absorvem o que neles acontece, como a vigília contra a guerra em 1972, este lugar estará cheio de inquietação e empenho. A missa aqui será às 12h30, na Igreja de Santa Isabel às 19h30. Saltemos então para Santa Isabel, já noite escura, com os padres Tolentino Mendonça e José Manuel novamente sentados junto a uma tela de Ilda David". Um a um, os católicos homossexuais ouvidos pela Pública dizem que a Igreja não tem resposta para eles. Que pensa o padre José Manuel?- Não tenho uma resposta. Uns dirão: "Não consigo, vou-me embora. " É uma maneira. Outros dirão: "A castidade é uma proposta que me fazem, é para lá que quero caminhar. " Não é sim ou não. Há uma proposta de um caminho. Que pensa o padre Tolentino?- A realidade da Igreja é sempre atravessada por uma tensão, e essa tensão é atravessada por aquilo que somos, e pela dimensão utópica que a Igreja transporta. A Igreja não é um lugar de plenitude, é um lugar de procura. A nossa condição é a sede e o desejo. Não é aqui e agora que se realizam os sonhos. A Igreja é esse caminho comum, não isento de imperfeições, aberto a uma progressividade. A condição comum é que alguém se sinta desafiado a um caminho. E quando as pessoas nem se sentem acolhidas?- Sempre que a Igreja não acolhe é um erro. Todos os documentos oficiais e todas as expectativas justíssimas de um cristão são no sentido de acolhimento e hospitalidade. Incondicional?- Incondicional. O padre José Manuel reforça:- Incondicional. A abstinência não é uma condição?- Não se trata de entender a castidade pela negativa - prossegue Tolentino. - Mas entendê-la como um dom, uma oferta, um serviço. É uma proposta que não se pode impor, mas que é feita. Cada pessoa que se aproxima da Igreja transporta uma história sagrada e tem de ser acolhida. Não se pode tomar as formulações da doutrina como um fantasma. Isto quer dizer que é muito importante que as pessoas sintam que a sua história é valorizada, e que o discernimento que cada um faz da sua vida é feito em liberdade. Muitas pessoas sentiram o contrário ao falar com padres. - Às vezes há falta de interlocutores pastorais, é verdade. Algumas dioceses no mundo têm mesmo padres responsáveis por acompanhar homossexuais. Em Portugal ainda não há esta pastoral organizada, o que não quer dizer que não existam experiências de escuta, de acompanhamento, e isso está a construir um património de mútua confiança. Mas são raríssimos os testemunhos públicos. O Casamento Sempre foi Gay e Nunca Triste é um livro único. Que pensa Tolentino sobre ele?- É um texto que mostra a procura de um cristão, com poemas de grande intensidade. Dá que pensar. 9. AlentejoVoltemos, então, ao princípio. "Viver uma ficção alheia, ou ser reduzido a uma ficção dos outros, é uma forma de desumanização", escreveu José António Almeida. E se isso custa em Lisboa, mais ainda "numa vila da província" como esta. À volta, campos de vinhas e olivais que começam a aquecer. No centro, a igreja matriz tão cuidada, com o seu debrum vermelho. Em frente, a casa onde José António mora. Primeiro estamos lá dentro a olhar o largo. Depois saímos e ele pára no largo a olhar a casa. No livro Obsessão (& etc, 2010), fala da manhã em que as paredes apareceram cheias de insultos. "A minha casa branca pintada de azul /com letras infames. " Respondeu em verso: "- eis aquela província que não muda. / Sobreviver de pedra e cal à beira / disto: diário gesto repetido. "E que eco teve do livro anterior, o tal dedicado aos católicos homossexuais com quem rezou e reflectiu?- Silêncio. Silêncio. A única recensão saiu no Expresso. Enviei o livro a vários padres mas só tive uma resposta. Não suscitou qualquer debate. O nosso clero "conservador" não abre portas cerradas e o nosso clero "progressista" só arromba portas abertas. Reportagem publicada na edição da revista Pública de 11 de Abril de 2009
REFERÊNCIAS:
O primeiro retrato oficial de Kate convenceu a princesa, mas não os críticos
É uma encomenda da National Portrait Gallery, mas a pintura não está a ser bem recebida. Uma crítica de arte diz que o retrato da duquesa de Cambridge parece saído da saga Crepúsculo. (...)

O primeiro retrato oficial de Kate convenceu a princesa, mas não os críticos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.25
DATA: 2013-01-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: É uma encomenda da National Portrait Gallery, mas a pintura não está a ser bem recebida. Uma crítica de arte diz que o retrato da duquesa de Cambridge parece saído da saga Crepúsculo.
TEXTO: A pintura, muito realista e detalhada, na linha dos retratos que Emsley fizera já do antigo Presidente sul-africano Nelson Mandela ou do escritor V. S. Naipul, convenceu a mulher do príncipe William. “É simplesmente espantoso, achei-o brilhante”, disse Kate, citada pelo diário britânico The Guardian. “É maravilhoso, absolutamente maravilhoso”, acrescentou o príncipe, segundo o site de notícias Huffington Post. No retrato de Emsley, o cabelo longo da duquesa está solto e o seu rosto é marcado pelos olhos claros brilhantes e por um sorriso contido. Kate é representada com uma blusa azul-escuro, simples, mas elegante. Não há tiara nem peles, não há tecidos púrpura nem longos vestidos. O fundo é negro. A única jóia visível é um brinco discreto, que faz lembrar o seu anel de noivado, o mesmo que pertenceu a Diana de Gales, mãe de William. O artista, que recebeu o prestigiado prémio BP de retrato em 2007, trabalhou a partir de uma série de fotografias da duquesa – vários grandes-planos – e de alguns esboços, explicou esta sexta-feira, na apresentação da obra a dezenas de jornalistas, incluindo equipas de televisão alemãs e russas. Kate é uma celebridade, sobretudo agora que está grávida pela primeira vez e que a Rainha Isabel II determinou que todos os filhos do primogénito do príncipe de Gales receberão o título de príncipe ou princesa, algo que não acontecia desde 1917 (por ordem de Jorge V, avô de Isabel II, o título estava reservado aos descendentes directos do rei ou da rainha). A princesa chegou de manhã bem cedo, com o marido, os pais e os irmãos, antes de o museu abrir, para fugir aos jornalistas. À espera de Kate Middleton estavam o director da National Portrait Gallery (NPG), museu londrino que encomendou o primeiro retrato oficial da duquesa de Cambridge ao pintor escocês Paul Emsley, e o próprio artista. Kate gostou do retrato de Emsley, e Emsley gostou de Kate. “É muito agradável estar com ela”, disse o pintor. “E genuíno. ” O artista, que nasceu na Escócia mas viveu sobretudo na África do Sul até regressar ao Reino Unido em 1996, garantiu aos jornalistas que, desde o início, a princesa procurou pô-lo à vontade e mostrou-se interessada na evolução da pintura. Kate posou para o retrato no estúdio de Emsley em Bradford on Avon e no Palácio de Kensington em Maio e Junho. A única coisa que pediu ao pintor foi que a representasse como um ser humano comum e não como uma mulher com um cargo oficial, conta o Guardian. O retrato de Kate Middleton, mecenas da National Portrait Gallery, foi uma encomenda do museu e, ao mesmo tempo, um presente de sir Hugh Leggatt, um antigo negociante de arte. A oferta foi feita à NPG em homenagem a um amigo, sir Dennis Mahon, coleccionador e historiador de arte que morreu em 2011. "Há uma tradição de retratos de princesas à qual [Mahon] estava particularmente atento”, disse Leggatt. “Ele queria encomendar este retrato antes que o peso das responsabilidades de Estado e da maternidade caíssem sobre ela – e, como se vê, foi mesmo a tempo. ” Diz a BBC que foi Sandy Nairne, director do museu, quem escolheu Emsley, mas Kate, que estudou História de Arte na Universidade de St. Andrews, também foi ouvida durante o processo de decisão. “Gosto de caras grandes, acho-as fortes e contemporâneas”, disse o pintor à BBC, explicando por que razão não gosta de fundos pormenorizados, que perturbem o sujeito retratado. “Interessa-me a paisagem do rosto, como a luz e a sombra caem sobre as formas. ” Inicialmente, Emsley não tencionava pôr a duquesa a sorrir, mas depois do seu primeiro encontro, mudou de ideias: “Acho que, no final, tomei a decisão acertada ao tê-la a sorrir. Ela é realmente assim. ” A avaliar pela reacção dos britânicos que decidiram comentar a obra nos sites dos principais jornais britânicos, é justo dizer que muitos acham que Emsley ficou bem longe de conseguir retratar a verdadeira Kate. Para uns, fê-la parecer demasiado velha – “parece ter 51 anos, e não 31”, escreve um leitor do Guardian –, para outros demasiado artificial. As vozes mais ferozes vêm, para já, do Guardian e o do Independent. Charlotte Higgins diz que o retrato da duquesa de Cambridge parece saído da saga Crepúsculo, o franchise cinematográfico baseado nos livros de Stephenie Meyer. A crítica escreve, entre outras coisas, que há na pintura um “brilho sepulcral” e que Kate parece esconder um balão de pastilha elástica na bochecha direita. Higgins admite que os retratos reais podem ser uma armadilha, que é preciso um “grande artista para fazer algo que seja mais do que insípido”, e lembra que, nos últimos tempos, o único inesquecível é o que Lucian Freud fez da Rainha Isabel II, “completamente descomprometido”. Emsley, por seu lado, parece ter ficado com medo da encomenda. Michael Glover, crítico do Independent, diz que o retrato mostra uma princesa de “rosto caído”, cujo cabelo parece ter sido roubado a um anúncio de champô. Glover diz que, na tentativa de atingir um realismo fotográfico, o escocês acabou por fazer um retrato com “resultados catastróficos”. Higgins concorda e lamenta-o, sobretudo, porque Emsley provou, com o retrato de outro artista, Michael Simpson, obra que lhe valeu o prémio BP, que pode ser muito melhor. Provavelmente antevendo críticas, na apresentação do retrato, Emsley explicara já por que razão é difícil pintar alguém tão bonito como Kate Middleton: “Creio que qualquer artista concordará que, com um rosto mais velho, com linhas e rugas, ou traços distintivos, é mais fácil criar parecenças. Com um rosto genuinamente belo, a expressão é mais difícil. ”
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Não há biquínis mas raparigas eleitas pelas suas virtudes morais
Na Indonésia, o concurso Miss Mundo é em Bali e em Jacarta elege-se a Miss Mundo Muçulmano. (...)

Não há biquínis mas raparigas eleitas pelas suas virtudes morais
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na Indonésia, o concurso Miss Mundo é em Bali e em Jacarta elege-se a Miss Mundo Muçulmano.
TEXTO: Indonésia. Na ilha paridisíaca de Bali encontram-se centenas das mais bonitas mulheres, que representam a beleza dos seus países no concurso Miss Mundo. Enquanto, em Jacarta, o concurso é também de beleza mas, sobretudo, de virtudes morais. O concurso chama-se Miss Mundo Muçulmano e é a resposta islâmica ao Miss Mundo. Na próxima quarta-feira, as duas dezenas de concorrentes que participam vão estar completamente vestidas, de forma modesta, em cima do palco. Concorreram cerca de meio milhar de jovens, através da Internet, mas apenas 20 chegaram à final. Além da Indonésia, estarão em palco as concorrentes do Irão, da Malásia, do Brunei, da Nigéria e do Bangladesh, entre outros. O processo de selecção teve como provas a recitação do Corão e partilha de anedotas de como usar o lenço na cabeça, um requisito obrigatório para participar. O evento destina-se a "senhoras muçulmanas" que respeitam as tradições religiosas e é promovido por uma organização de mulheres islâmicas, a Fundação Mundo Muçulmano. Os fatos vão reflectir as "cores do mundo muçulmanos" e a beleza não é o único critério, explica Eka Shanty, da organização ao site Asia News. As concorrentes serão avaliadas segundo três "s" – smartness (inteligência), style (estilo) e sholehah (moral). "Não queremos apenas gritar 'não' ao Miss Mundo. Queremos mostrar às nossas crianças que existem opções. Querem ser iguais às mulheres do Miss Mundo? Ou querem ser como as do Miss Mundo Muçulmano?", justifica Shanty, à AFP. Entretanto, em Bali – onde a maioria da população é hindú – há polícia armada para assegurar que tudo corre bem com as participantes no Miss Mundo. Estava previsto que a final fosse realizada na capital da Indonésia, no dia 28, mas face às dezenas de protestos e ameaças numa dúzia de cidades do país – alguns dos manifestantes chegaram a empunhar cartazes onde declaravam estarem dispostos a morrer para acabar com o Miss Mundo–, a organização do concurso e o Governo decidiram ficar por Bali, em nome da ordem pública. Mas não só: para evitar mais polémicas o tradicional desfile em biquíni foi abolido. Os críticos ferozes acusam o concurso de explorar as mulheres, além de insultar a religião islâmica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulheres