O terror do Boko Haram desenhado pelas crianças
“Foram ter com as pessoas que estavam à beira da água e dispararam contra elas, na cabeça”, conta Soumaila Ahmid. Com canetas de feltro conta o que viu os membros do grupo radical islamista que controla parte do Nordeste da Nigéria fazerem. (...)

O terror do Boko Haram desenhado pelas crianças
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-04-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Foram ter com as pessoas que estavam à beira da água e dispararam contra elas, na cabeça”, conta Soumaila Ahmid. Com canetas de feltro conta o que viu os membros do grupo radical islamista que controla parte do Nordeste da Nigéria fazerem.
TEXTO: Rostos ensanguentados, corpos sem cabeça, casas queimadas: no campo de refugiados de Dar-es-Salam, perto do lago Chade, quando as crianças sobreviventes ao Boko Haram desenham as atrocidades que sofreram na Nigéria, o resultado é impressionante. Frente à grande tenda branca da Unicef, está uma multidão. São dezenas de rapazes vestidos com roupas poeirentas, que se acotovelam e riem à gargalhada, antes de serem chamadas à atenção pelos animadores. Todos querem participar no atelier de desenho organizado no espaço “Amigos das crianças”. Mas quando ficam frente à grande folha de papel branco, caneta de feltro na mão, o silêncio instala-se. O tema do dia é doloroso, e cada um deles se concentra para reconstituir o fio dos acontecimentos que testemunhou quando os islamistas atacaram a sua aldeia. Soumaila Ahmid diz que tem 15 anos, mas não lhe daria mais de 12. “No dia do ataque estávamos à nossa porta quando vimos os Boko Haram. Foram ter com as pessoas que estavam à beira da água e dispararam contra elas, na cabeça”, conta o rapaz de olhos amendoados. De cócoras, desenha com afinco uma embarcação de forma abaulada e cadáveres flutuando num rio: “Há os que conseguiram entrar em canoas, estão a fugir. Os outros estão mortos”, diz, sem pestanejar. Esquecer o quotidianoOutro desenho, outra cena de causar arrepios na espinha. “Este homem está em casa. Está a arranjá-la mas ouviu tiroteio lá fora. Quando vai ver o que se passa, um Boko Haram atira e pega-lhe fogo”, explica Nour Issiakam, também ele com 15 anos. Com se contasse uma história banal, conclui: “O homem tenta sair mas não consegue: toda a casa está a arder”. Será queimado vivo. “Desde que começamos esta actividade [o desenho], precipitam-se para se inscreverem”, diz o responsável do atelier, Ndorum Ndoki. “Eles desenham e depois podemos falar. Foi preciso levá-los a abrirem-se, o que não era fácil no início. Hoje estão orgulhosos de serem ouvidos. ” A equipa que com eles trabalha tenta “identificar” os que se isolam, ou que parecem ainda muito próximos da tragédia vivida, para tentarem evitar que o trauma se instale, explica. Todas as tardes, os ateliers de desenho são também ocasião para, entre dois jogos de futebol, o tricot, ou o ludo, abordar outros temas, como o amor ou a escola. É um parêntesis durante o qual as crianças enganam o tédio e esquecem um pouco o quotidiano do campo, pontuado pelo racionamento de alimentos e pelo calor infernal desta área de deserto, a uma dezena de quilómetros dos bancos do lago. “Nunca tiveram uma caneta”Perto de 800 crianças estão também a ser aprender na “escola de emergência” – oito grandes tendas abertas em Janeiro pela Unicef. “Antes não conheciam nada da escola, ainda que alguns tivessem tido ensino corânico. Muitos nunca tiveram uma caneta, mas eles aprendem depressa”, garante Oumar Martin, um animador camaronês que viveu anos na Nigéria e que se viu no fluxo de 18 mil refugiados que vieram para o Chade. No Nordeste da Nigéria, maioritariamente muçulmano e durante muito tempo abandonado pelo poder central, jovens que não falam outras línguas que haussa ou kanuri “constroem já frases em inglês e balbuciam de forma dificilmente compreensível algumas palavras em francês”, diz. Nos bancos da escola, encontram-se “crianças grandes” que ultrapassaram já os 20 anos, mas querem, eles também, aprender a ler e a escrever. De piroga ou a pé, a maior parte desses jovens viveram uma fuga perturbante, perseguidos mesmo já em águas chadianas. Mais de 140 de entre eles chegaram sem os pais, perdidos na confusão ou mortos pelo Boko Haram. Mahamat Alhadji Mahamat, 14 anos, demorou quase uma semana a chegar ao campo de Dar-es-Salam, junto a Baga Sola. De ilha em ilha, com os tios, escondia-se de dia e avançava de noite. Os pais, esses, ficaram na Nigéria. No seu desenho, alguns pássaros voam ao lado de um camião carregado de armas de vários tamanhos. “Nunca poderei esquecer o que vi”, diz, com um sorriso tímido. “Houve mesmo crianças que nasceram na estrada, durante a fuga. Quando encontro essas crianças [no campo], não posso deixar de pensar nisso…”“Mas vou aprender e um dia voltarei a casa, na Nigéria. ”
REFERÊNCIAS:
Militares portugueses evitam massacres e “têm de se orgulhar do que estão a fazer”
Os portugueses são a única força europeia em acções de combate no terreno na missão das Nações Unidas de estabilização da República Centro Africana. (...)

Militares portugueses evitam massacres e “têm de se orgulhar do que estão a fazer”
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.350
DATA: 2018-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os portugueses são a única força europeia em acções de combate no terreno na missão das Nações Unidas de estabilização da República Centro Africana.
TEXTO: Os militares portugueses na República Centro Africana "têm de se orgulhar do que estão a fazer" na protecção dos civis perante os grupos armados, num teatro de operações marcado pela violência extrema, sustentou o general Marco Serronha. Em entrevista à Agência Lusa, de passagem por Lisboa antes de regressar ao quartel-general da componente militar da missão de estabilização das Nações Unidas na RCA (MINUSCA), com cerca de 11 mil militares, o general Marco Serronha disse que as forças portuguesas já conduziram operações que "impediram massacres" que poderiam ter resultado em "centenas ou mesmo milhares de mortos". "Quem lá está sabe que impediu um massacre, que defenderam pessoas ou apoiaram campos de refugiados, isso também é uma vitória que tem de ser registada na contabilidade", defendeu o general, que iniciou funções como Segundo Comandante da MINUSCA, para um mandato de um ano, na missão comandada pelo general senegalês Balla Keita. A protecção dos civis é o principal objectivo da MINUSCA [Missão Multi-dimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização] da RCA. A força portuguesa de reacção rápida, que já vai no 4. º contingente, conta com 159 militares. O primeiro e o segundo contingentes foram constituídos por comandos e o terceiro e o actual por pára-quedistas. No próximo ano regressam os comandos à RCA. Com mortes verificadas entre os capacetes azuis na RCA — este ano já morreram seis — num teatro de operações perigoso, o general Serronha recusa atribuir à sorte o facto de não ter havido ainda situações mais graves do que "ferimentos ligeiros" entre os militares portugueses. "A principal protecção que a força tem deriva de duas coisas. Do seu equipamento, temos bons equipamentos de protecção, coletes balísticos, capacetes e as viaturas", disse, acrescentando que, em segundo lugar, "a operação no terreno é muito boa" e tem um efeito dissuasor. A realidade, frisou, é que a força portuguesa — a única força europeia em acções de combate no terreno na MINUSCA — é a tecnologicamente mais bem equipada e a mais bem treinada, cumprindo padrões de eficácia que não estão ao alcance da grande maioria das outras forças, provenientes do Ruanda, Paquistão, Egipto, Bangladesh, Zâmbia, Burundi, Marrocos, Camarões e Mauritânia, entre os maiores contribuidores, num total de 11. 650 militares. O general Serronha, que assumiu funções como segundo comandante da MINUSCA em Setembro, admitiu ser "evidente que não se pode dizer que não há risco". Contudo, os grupos armados não atiram sobre os portugueses "de ânimo leve". Nas palavras do general Serronha, os grupos armados sabem que se se meterem com os portugueses "levam na touca". "Eles [grupos armados] sabem que as forças portuguesas que lá estão, se fizerem tiro sobre elas, elas reagem ofensivamente de forma assertiva e portanto pensam duas ou três vezes antes de abrirem fogo", disse. "Tivemos três feridos ligeiros nos quatros contingentes. No primeiro contingente, dos Comandos, houve um [ferido], no segundo não tivemos ninguém, no terceiro houve em Bangui um soldado pára-quedista que teve o impacto de uma granada, e tivemos há um mês em Bambari um sargento que levou um tiro, mas nada de grave", resumiu. No último ano, a força portuguesa de reacção de rápida conduziu operações militares em Bambari, uma cidade com 40 mil habitantes a 300 km da capital, Bangui, actualmente considerada uma das cidades mais problemáticas em termos de segurança e na qual elementos de grupos armados têm provocado conflitos, quebrando um acordo com a MINUSCA. "Foi acordado que Bambari era uma zona livre de grupos armados. Os grupos armados não podiam andar na zona de Bambari uniformizados e com armas. Sempre que tentam tomar alguma posição de mais força na cidade tem havido intervenções da MINUSCA e tem sido a companhia de reacção imediata portuguesa que o tem feito", disse. Recentemente foi decidido o envio de seis viaturas blindadas PANDUR e de mais 20 militares para reforçar o contingente português na RCA, o que "dará um incremento do ponto de vista da letalidade". A força portuguesa, de reserva do comandante operacional, também tem a "missão de evacuação" e isso exige "capacidade de transporte com viaturas blindadas", explicou. O general Serronha frisou que o ambiente no teatro de operações da RCA é particularmente inóspito e os militares portugueses enfrentam condições duras, chegando a estar, quando saem de Bangui, um mês a viver em tendas não climatizadas, com temperaturas de 40 graus e rede mosquiteira, a dormir nos chamados "burros do mato" [camas articuladas] que têm de transportar, além das cozinhas de campanha. Além das condições no terreno, a força portuguesa sofre o que o general Serronha classifica como "guerra psicológica": "[os grupos armados] emitem comunicados a dizer que os portugueses massacram pessoas nos sítios onde estamos, é evidente que isso é desmentido pela MINUSCA e por toda a gente, mas tentam pôr alguma pressão psicológica sobre a força portuguesa de modo a inibi-la de ter uma acção operacional mais efectiva", especialmente em Bambari. O próximo passo da missão portuguesa, disse, é "colocar oficiais no Estado-maior da MINUSCA", na logística, no planeamento e nas informações, um objectivo que passará pela negociação no âmbito da ONU e que contribuirá, acredita, para "um Estado-Maior do quartel-general da MINUSCA mais efectivo". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O conflito neste país, com o tamanho da França e uma população que é menos de metade da portuguesa (4, 6 milhões, já provocou centenas de milhares de mortos entre os civis, 700 mil deslocados e 570 mil refugiados, e colocou 2, 5 milhões de pessoas a necessitarem de ajuda humanitária. O governo do Presidente, Faustin-Archange Touadéra, um antigo primeiro-ministro que venceu as presidenciais de 2016, controla cerca de um quinto do território. O resto é dividido por 18 milícias que, na sua maioria, procuram obter dinheiro através de raptos, extorsão, bloqueio de vias de comunicação, recursos minerais (diamantes e ouro, entre outros), roubo de gado e abate de elefantes para venda de marfim.
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Partidos LIVRE
Jean-Pierre Léaud morre como um homem
A morte desembaraça-se dos rituais no ocaso do rei-Sol: La Mort de Louis XIV, de Albert Serra. Jean- Pierre Léaud, real, é realmente humano. O actor vai ser homenageado em Cannes. (...)

Jean-Pierre Léaud morre como um homem
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-05-31 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20160531194747/http://publico.pt/1732476
SUMÁRIO: A morte desembaraça-se dos rituais no ocaso do rei-Sol: La Mort de Louis XIV, de Albert Serra. Jean- Pierre Léaud, real, é realmente humano. O actor vai ser homenageado em Cannes.
TEXTO: Jean-Pierre Léaud, a criança turbulenta que desencadeou em Cannes, em 1959, a Nouvelle Vague (Os 400 Golpes, de François Truffaut), vai ser homenageado no domingo, 22 de Maio, na cerimónia de encerramento do festival, com uma Palma de Honra. Léaud tem 72 anos. O seu último filme, La Mort de Louis XIV, do cineasta Albert Serra, é exibido nesta edição do festival em sessão especial. Tem havido alguns sussurros, que em alguns casos se transformaram já em vozes: o festival quer apoderar-se do corpo de Léaud, meter-se com ele na História que quer contar, mas isso não lhe deu coragem suficiente para colocar o filme do catalão (o realizador, também, de O Canto dos Pássaros, de 2008, ou de Honra de Cavalaria, de 2006) numa secção mais oficial, a competição por exemplo, em vez de aproveitar-se apenas do espectáculo da História. Não deixa de ser irónico que La Mort de Louis XIV trata de uma agonia, as duas semanas do ano 1715 em que cortesãs, médicos, eclesiastas, ministros desfilaram perante o leito de morte real enquanto a gangrena ia conquistando um corpo: a morte não precisa de se bater com rituais, não se deixa aprisionar pelo espectáculo, anula qualquer protocolo e encenação de poder. Serra não se afasta nunca da cama onde se dá o crepúsculo do rei-Sol, seguindo as descrições de cortesãos que assistiram a esses últimos momentos, no caso concreto as Mémoires de Saint-Simon e do Marquês de Dangeau. Como se filmasse um inventário de pormenores, gestos, tentativas (falhadas) de encenação e de espectáculo que nunca vão poder acontecer – o corpo em decadência é que manda, e desembaraça-se disso tudo. La Mort de Louis XIV dá direito a que uma personagem tenha a sua morte privada – sempre coisa íntima e solitária. É justo que se diga que esta coerência descarnada, podendo ser obviamente um statement moral sobre o cinema (e sobre as fronteiras do espectáculo), dá origem a um filme, e não devemos ter medo da palavra, encantador: a impotência dos humanos perante a morte é comovente e hilariante – dá para atrever dizer que é dos filmes mais “humildes” de Serra, porque se trata também do confronto de um “formalista” e “troublemaker” (assim ele se define) com as suas idiossincrasias. Léaud é real: realmente humano, desaparecendo dentro da sua carne apodrecida. A morte anuncia-se de forma gongórica no novo filme de Xavier Dolan. Xavier não pode estar surpreendido. Numa entrevista à Radio Canadá antes do festival, terá reconhecido que Cannes, que praticamente o criou e que em 2014 ajudou à festa Mamã com o Prémio do júri, sabe que “é muito duro, é severo” o que se joga na Croisette – mesmo se ao longo da sua carreira ele não tenha tido razão de queixa, até pelo contrário. “As pessoas às vezes podem ser vis. Elas adoram detestar, elas adoram odiar. Mas não sinto pressão alguma, porque estou orgulhoso do filme que fiz, e tenho uma vontade enorme de o partilhar”. Chama-se Juste la Fin du Monde, é o regresso à competição depois de um ano sabático, em que até foi jurado no festival, e para ele é o seu “melhor filme”. A reacção, como neste momento Dolan já sabe, é de ressaca (no mínimo…). Cannes, o que quer que essa palavra englobe, não concorda com ele, a julgar pelas primeiras reacções. Pouca gente compreende, para começar, porque é que a seguir ao fôlego do filme anterior e às experiências com o melodrama, se encerrou num huis clos com uma peça de teatro de Jean-Luc Lagarce, Juste la Fin du Monde, escrita em 1990 quando o dramaturgo se sabia atingido pela Sida, que repete os temas, os sufocos e as decisões de vida e de morte de Tom na Quinta (2013), que também era baseado numa peça de teatro, de Michel Marc Bouchard. Será sempre coisa privada de Dolan, a resposta, mas tem muito o ar de também ele ter sentido um efeito de ressaca no pós-Mamã e ter-se refugiado em território seguro, sem força para explorar horizontes. E, como para compensar, investiu em esforço, num cast de pompa - Nathalie Baye, Marion Cotillard, Léa Seydoux, Vincent Cassel e Gaspard Ulliel (é ele que regressa à família, 12 anos depois de ausência, para lhes anunciar que vai morrer) – que dirige como quem resume uma enciclopédia gráfica do grotesco. Que se vai afastando do espectador, emocionalmente, à medida que o tempo passa, o efeito do espectáculo reduzindo-se drasticamente. O resultado é um objecto anacrónico mas até mesmo por isso não se pode dizer que não haja aqui um enigma para decifrar: Dolan vai fazer 27 anos e já fez um filme de velho?
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte humanos carne criança medo corpo refugiado
Don Walsh: com a subida das águas do mar, “teremos nações inteiras a ter de ir embora”
Já 12 pessoas caminharam na Lua, mas só quatro foram ao ponto mais fundo do mar. Os dois primeiros a lá chegar foram Don Walsh e Jacques Piccard, em 1960 — e só deixaram de ser os únicos em 2012, quando o realizador James Cameron se decidiu aventurar nas profundezas pouco exploradas. E, para quem conhece bem os oceanos, é impossível não notar o rasto ruinoso das alterações climáticas. (...)

Don Walsh: com a subida das águas do mar, “teremos nações inteiras a ter de ir embora”
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Já 12 pessoas caminharam na Lua, mas só quatro foram ao ponto mais fundo do mar. Os dois primeiros a lá chegar foram Don Walsh e Jacques Piccard, em 1960 — e só deixaram de ser os únicos em 2012, quando o realizador James Cameron se decidiu aventurar nas profundezas pouco exploradas. E, para quem conhece bem os oceanos, é impossível não notar o rasto ruinoso das alterações climáticas.
TEXTO: Foi há quase 60 anos que o tenente norte-americano Don Walsh e o engenheiro suíço Jacques Piccard decidiram ir onde nunca ninguém tinha ido: o ponto mais fundo do mar, na Fossa das Marianas, a quase 11 mil metros de profundidade — e conseguiram-no. Agora, volvidas seis décadas, o oceanógrafo Don Walsh tem notado nas suas expedições o efeito destruidor das alterações climáticas e deixa o alerta de que ainda “temos tempo” para mudar as cidades costeiras para terrenos mais elevados; caso contrário, haverá cada vez mais refugiados climáticos. “Pela primeira vez na história da humanidade, teremos nações inteiras a ter de ir embora das suas terras por causa das alterações climáticas. Para onde vão?”, questiona. É o caso das ilhas Seicheles, de Tuvalu ou das Maldivas, onde a maior parte do terreno está nem a um metro acima do nível da água do mar, diz ao PÚBLICO Don Walsh, numa entrevista à margem da Conferência Global de Exploração (Glex), que se realizou pela primeira vez em Lisboa para assinalar os 500 anos da circum-navegação de Fernão de Magalhães. “É um assunto muito sério e o mais provável é que muitas das pessoas perderão as suas casas e as suas terras por não darem ouvidos aos conselhos dos especialistas”, explica. De olhos postos no rio Tejo, Don Walsh refere que a natureza se mexe devagar, mas que é ela que está ao comando. “Nesta zona ribeirinha de Lisboa não se está muito acima do nível da água. Até ao final deste século, poderemos não ter edifícios submersos, mas as estradas e infra-estruturas começarão a ficar inundadas”, aponta o explorador. Dos 87 anos de vida de Don Walsh, a maior parte deles foi passada enquanto uma das únicas duas pessoas no mundo a ter ido ao ponto mais fundo do oceano (em 2012 o realizador James Cameron juntou-se à lista, assim como Victor Vescovo em Maio deste ano; Jacques Piccard morreu em 2008). Foi quando tinha 28 anos, a 23 de Janeiro de 1960, que se aventurou com Jacques Piccard a bordo do batíscafo Trieste – desenhado pelo pai de Piccard, Auguste – até ao Challenger Deep, uma ranhura nas profundezas da Fossa das Marianas que é o ponto mais fundo do mar (o nome é uma homenagem ao navio britânico Challenger II, que descobriu o ponto em 1951). Chegaram aos 10. 911 metros. “Foi bom estar no rés-do-chão – podemos dizer rés-do-chão quando estamos a falar do oceano? – para ser pioneiro em alguma coisa. Não é uma oportunidade a que todos tenhamos acesso”, observa Walsh. Um dos maiores desafios na altura era a falta de conhecimento, de tecnologia adequada e o uso inevitável de técnicas “primitivas”: “Tudo o que queríamos usar tivemos de construir nós mesmos. Tudo era novo. Às vezes, em feiras, vejo equipamentos subaquáticos e quase consigo ver as minhas impressões digitais neles” – e muito mudou em 60 anos. Antes do dia do mergulho nas águas do Pacífico, os dois aventureiros passaram nove meses perto de Guam a fazer dezenas de mergulhos, testes e alterações nas coisas “que poderiam correr mal”. Ao todo, a viagem de ida e volta durou umas nove horas, conta Don Walsh. A descida levou perto de cinco horas. Iam às “apalpadelas”, muito devagar e com cautela. “Não tínhamos nenhum mapa do fundo marinho, como agora”. Assim que passaram a barreira dos 9000 metros, enquanto desciam, ouviram uma janela a rachar. “Se nós ainda a conseguimos ouvir, é porque estávamos vivos; se tivesse havido uma falha na barreira de pressão entre nós e o oceano, teríamos morrido logo. Seríamos uma poça enorme de gelatina vermelha”. Assim continuaram, apesar da probabilidade sempiterna de algo correr mal. “Não podemos ter medo, se tivermos perdemos a acuidade e não somos tão perspicazes”, admite. Demoraram-se 20 minutos no fundo e o regresso à superfície levou pouco mais de três horas. O batíscafo – um submersível utilizado para exploração subaquática – foi durante muitos anos a única forma de se poder ir ao oceano profundo. O Trieste não era pequeno e era preciso carregar as suas 150 toneladas a reboque. “Quando olhamos para este dia, parece que foi apenas um dia mais longo no escritório e isso é maravilhoso: o trabalho que tínhamos antes e depois de fazer o mergulho para pôr o submersível na ‘garagem’ era a mesma, estejamos a mergulhar dez metros ou dez mil metros”. E qual a sensação de se estar no fundo, com quase 11 mil metros de água por cima das cabeças? A resposta é lacónica: “Nem pensei muito nisso. ” De resto, tudo correu como planeado: “Fizemos o que dissemos que íamos fazer, dentro do prazo e do orçamento, com apenas 14 pessoas na equipa. ”Passaram mais de 50 anos desde este primeiro mergulho até que o ser humano se voltasse a aventurar nas profundezas da Fossa das Marianas. Foi em 2012 que o cineasta canadiano James Cameron desceu sozinho a bordo do Deepsea Challenger; passou lá quatro horas e bateu o recorde de Walsh e Piccard por seis metros. “Seis metros em 11 mil não é nada. Só mesmo para brincarmos uns com os outros”, ri Don Walsh. “É uma viagem dos diabos, passei o tempo a gritar na descida e a gritar na subida”, confessou James Cameron depois de regressar à superfície. “É sem dúvida o local mais remoto e isolado do planeta. Sinto que num único dia estive noutro planeta e voltei. ”O recorde foi novamente ultrapassado em Maio deste ano, pelo oficial da Marinha norte-americana Victor Vescovo, que chegou aos 10. 927 metros e foi o primeiro a fazer mais do que um mergulho (foram cinco mergulhos em dez dias). Antes, o norte-americano tinha subido aos pontos mais altos de todos os continentes e o seu objectivo agora é chegar ao ponto mais fundo dos cinco oceanos, ao longo de dez meses, na missão autofinanciada e intitulada Five Deeps. Terminará no final de Agosto e ainda o fará mergulhar até aos destroços do Titanic “porque fica a caminho” do ponto mais fundo do oceano Árctico. Don Walsh esteve presente tanto na missão de Cameron como de Vescovo. No fundo do mar, não há luz solar, as águas são gélidas e a pressão é enorme. “É um ambiente muito hostil”, contou o explorador Victor Vescovo na quinta-feira, durante a conferência Glex, na Aula Magna da Universidade de Lisboa. Ainda assim, há vida. Ao longo da viagem, foram captadas imagens de peixes, crustáceos, plantas e vermes marinhos. “A vida encontra sempre um caminho”, declara Vescovo. Além de vida, houve uma reviravolta agridoce na sua “proeza”: o mergulhador encontrou plástico no fundo da Fossa das Marianas, a milhares de metros de profundidade. A experiência de Don Walsh nos mares não lhe permitiu ficar surpreendido com isso: “O plástico vai para onde quer. Está em todo o lado nos oceanos, há milhões e milhões de toneladas de plástico nas águas. ”Don Walsh fez mais de 40 expedições ao Árctico e à Antárctida – tem até uma montanha chamada Walsh Spur na Antárctida – e não tem dúvidas de que as alterações climáticas são a principal ameaça para os glaciares e para os oceanos, numa equação onde também entra a acidificação dos oceanos e a pesca excessiva. “O plástico é só um sinal de que não estamos a tomar bem conta do nosso planeta. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As mudanças são subtis, diz, mas quando se vai muitas vezes aos pólos – e em muitos anos diferentes –, as diferenças notam-se. “A Antárctida é o continente mais seco do mundo porque a quantidade de precipitação é mínima; mas quando chove, fica lá durante milhares de anos. Agora, umas décadas depois, há muita chuva e não há tanto gelo nem neve”, descreve. O mesmo acontece no Árctico. Mesmo que a maior parte da superfície do planeta Terra seja água, os oceanos continuam a ser pouco explorados e há ainda muito por saber. Na Lua já caminharam 12 pessoas, num total de 300 horas, mas no ponto mais fundo do oceano só estiveram quatro pessoas, durante cerca de sete horas. “A minha mensagem quando falo com pessoas mais novas é de que no oceano encontramos sempre coisas novas”, como animais e novas plantas, o que já dificilmente acontece em Terra. “É onde está o nosso futuro. ”
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Palavras-chave medo
Pamela Anderson com os "coletes amarelos". Contra a “violência estrutural” das elites
A actriz e modelo tomou a palavra para criticar Macron e apoiar os manifestantes. O activismo é o outro lado da cara conhecida de Baywatch. (...)

Pamela Anderson com os "coletes amarelos". Contra a “violência estrutural” das elites
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: A actriz e modelo tomou a palavra para criticar Macron e apoiar os manifestantes. O activismo é o outro lado da cara conhecida de Baywatch.
TEXTO: A luta dos “coletes amarelos” em França ganhou uma nova, mas não totalmente inesperada, aliada: Pamela Anderson. Esta semana, a actriz e modelo canadiana escreveu um texto e alguns tweets que surpreenderam os que não seguem o seu papel de activista. "Comprar um carro novo não é, provavelmente, uma grande coisa para o Presidente Macron e seus ministros, mas é muito difícil para muitos cidadãos franceses que estão financeiramente sobrecarregados. Muitos cidadãos com menos condições financeiras não poderão trabalhar se não existir nenhum transporte público fiável no local. Muitos idosos não poderão ir às compras ou ao médico”, escreveu Pamela no site Pamela Anderson Foundation. "Vários meios de comunicação social vêem os 'coletes amarelos' como criminosos que causam destruição. Eu vejo as forças de destruição no outro lado", defende. "Eu sou pacifista, prometo, desprezo a violência", prossegue, "mas também sei que quando os protestos fazem uso da violência muitas vezes a culpa é do Estado que falhou e impediu que os cidadãos fossem ouvidos". Pam Anderson has a better critique of global neoliberalism than the Democratic Party https://t. co/1TekWxRJrePamela Anderson incentiva quem a lê a parar de se deixar hipnotizar pelas imagens de caos nas ruas de Paris e perguntar a si mesmo: de onde veio este movimento?A activista contrapõe aos actos de violência, como queimar carros luxuosos, a "violência estrutural" das elites francesas e globais exercida sobre os cidadãos das classes mais baixas. I despise violence. . . but what is the violence of all these people and burned luxurious cars, compared to the structural violence of the French -and global - elites?"Quando alguns manifestantes destroem carros e queimam lojas estão a atacar simbolicamente a propriedade privada que é a base do capitalismo. Quando atacam agentes da polícia, estão a rejeitar e a desafiar as forças repressivas do estado", concluiu. Não é a primeira vez que Pamela Anderson se associa a movimentos activistas: há vários anos que protesta contra o uso de peles na indústria da moda e luta contra a extinção de certas espécies de animais. A modelo já foi mais do que uma vez a cara de campanhas da PETA, a mais recente para salvar as focas. Vegetariana há vários anos, a actriz de Baywatch está associada a mais de 20 associações que lutam por várias causas, como a PETA, a Rights 4 Girls, a Oceanic Preservation Society e plataformas de ajuda a refugiados. Fala publicamente sobre estes e outros temas no Twitter e através da Pamela Anderson Foundation, plataforma que já recebeu vários prémios internacionais. Foi por estes meios que se pronunciou sobre o movimento que contesta a perda de poder de compra e o aumento dos impostos dos combustíveis em França, que vê como o seu país adoptivo – depois da participação na versão francesa do programa Dancing with the Stars e da sua alegada relação com o futebolista do Marselha Adil Rami. Na quarta-feira, Pamela Anderson disse na sua plataforma que estava contente por ver que os seus comentários sobre os "coletes amarelos" geraram reacções nos média (do Guardian ao Huffington Post) e nas redes sociais. Pamela Anderson foi descoberta aos 20 anos quando assistia a um jogo de futebol no Canadá, onde nasceu: uma das câmaras que filmam a audiência deu-lhe destaque num grande plano. Poucos segundos de fama bastaram para que ficasse conhecida como a "The Blue Zone Girl", culpa da t-shirt da marca de cerveja canadiana Labatt que usava nesse dia, e fosse chamada para ser o rosto da campanha de uma marca de lingerie e, mais tarde, da própria marca de cerveja. Até ser capa da Playboy em 1990, trabalho que fez explodir a sua carreira, foram dois passos. Pouco depois, estreava-se no pequeno ecrã como C. J. Parker, uma das personagens mais populares da série Baywatch, sobre um grupo de nadadores-salvadores que patrulham as praias movimentadas de Los Angeles, na Califórnia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nos anos que se seguiram, foram várias as vezes em que Pamela e Tommy Lee, baterista dos Mötley Crüe com quem casou em 1995, foram capa de tablóides, que retratavam um casamento repleto de violência conjugal e expunham a relação difícil de Lee com as drogas. Durante a relação do casal, um dos seus empregados revelou um vídeo íntimo que encontrou na casa de Pamela e Tommy. O vídeo, com cenas de sexo explícitas, circulou na Internet durante vários anos. Entre vários casamentos e respectivas separações, um striptease na festa de aniversário de 82 anos de Hugh Hefner, dono da Playboy, e mais 13 capas da revista masculina, entres elas a última capa de sempre da edição americana, Pamela foi realizando mais alguns trabalhos como modelo e actriz. Mais recentemente, em 2009, destacou-se na área da moda, quando se tornou a cara da marca da estilista Vivienne Westwood.
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Entidades PETA
Gaza, a "maior prisão ao ar livre do mundo"
O exército israelita avisa sobre os bombardeamentos antes de disparar. Mas, na Gaza bloqueada, para onde podem fugir os civis? (...)

Gaza, a "maior prisão ao ar livre do mundo"
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-07-31 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20140731170208/http://www.publico.pt/1664842
SUMÁRIO: O exército israelita avisa sobre os bombardeamentos antes de disparar. Mas, na Gaza bloqueada, para onde podem fugir os civis?
TEXTO: Há imagens que acompanham todas as guerras – bombas a cair levantando o pó da destruição, clarões de disparos de artilharia, mortos, pessoas a gritar e a chorar com raiva e despero, pessoas fugindo, chegando ao país do lado, tendas de refugiados brancas do outro lado da fronteira. Vimos estas imagens na Síria ou no Iraque. E em Gaza? Também. Excepto as imagens dos refugiados em fuga. Porque em Gaza não há fronteira para atravessar, nem tendas brancas do outro lado para acolher quem foge da guerra. Os habitantes da Faixa de Gaza chamam-lhe a maior prisão ao ar livre do mundo. Em resposta aos bombardeamentos israelitas, às acusações do Hamas usar civis como escudos humanos, aos avisos por telefone ou sms do exército israelita para evacuarem uma dada área, a pergunta dos residentes era repetida uma e outra vez: “Fugir, mas para onde?”Uma série de organizações de defesa de direitos humanos de Israel pediram esta semana ao Estado hebraico que proporcione corredores humanitários seguros para que as pessoas pudessem fugir de combates. Até agora, durante o conflito, Israel permitiu a saída de cerca de 800 palestinianos com dupla nacionalidade. As organizações lembram que o território é densamente povoado e que a evacuação de uma série de zonas é quase impossível de conseguir porque não há zonas seguras para onde ir. Os ataques a escolas geridas pela UNRWA, organização da ONU responsável pelos refugiados palestinianos, mostram isto mesmo. A UNRWA conta mais de 200 mil deslocados nestas três semanas de conflito, acolhidos em 85 centros improvisados. Em Gaza a grande maioria da população (1, 2 entre um total de mais 1, 5 a milhões) são refugiados, palestinianos que viviam em território que é agora Israel e fugiram em 1948, quando foi criado o Estado judaico. Meio milhão deles vivem em oito campos oficiais da UNRWA. Mais de 80% dos habitantes de Gaza são dependentes de ajuda, um número que aumentou à medida em que o território foi progressivamente mais fechado. Houve alguns anos com uma expectativa de liberdade. Mas um aeroporto e um porto, construídos após os Acordos de Oslo de 1993, encerraram e foram destruídos pouco depois. O número de pessoas autorizadas a sair – a maioria para tratamento médico no Egipto ou Israel, em "casos humanitários graves" – diminuiu radicalmente. As expectativas de quem vive em Gaza são as mesmas de que noutros sítios do mundo, comentava Said Jnead, um agricultor de 53 anos, ao diário britânico The Telegraph, numa reportagem feita há alguns meses. Olhando para o filho de 13 anos, Jnead dizia: “Quero que ele seja médico ou advogado - tenho as mesmas aspirações que um pai no Ocidente. Mas aqui, com as coisas como estão, que hipótese é que ele terá na verdade?”Em Gaza nem o mar poderia ser opção de escapatória. Aliás, os pescadores têm sido dos mais afectados pelo bloqueio, com a marinha israelita a controlar quem passa as três milhas náuticas impostas como limite – antes eram seis, já foram nove. De vez em quando distraem-se atrás de um peixe e dão por si a ultrapassar os limites e na mira dos militares israeltias.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Nem toda a Espanha vira costas ao Rochedo
Enquanto Madrid e Londres trocam ameaças, milhares de espanhóis atravessam a fronteira todos os dias para fugirem ao desemprego. Em La Línea de la Concepción, muitos preferem que Gibraltar permaneça território britânicoA Guardia Civil aperta o controlo na porta de entrada em Gibraltar. A poucos metros dali, dezenas de jovens fixam o olhar na porta de saída, nas inspecções aos veículos que deixam a colónia britânica para voltarem a entrar em Espanha. Sentados no chão, refugiados na sombra, mas à vista de todos, dividem a atenção entre a fronteira e o telemóvel. São "vigias", explica uma agente da Guardia Civil, co... (etc.)

Nem toda a Espanha vira costas ao Rochedo
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-19 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20130819160357/http://www.publico.pt/j1742712
TEXTO: Enquanto Madrid e Londres trocam ameaças, milhares de espanhóis atravessam a fronteira todos os dias para fugirem ao desemprego. Em La Línea de la Concepción, muitos preferem que Gibraltar permaneça território britânicoA Guardia Civil aperta o controlo na porta de entrada em Gibraltar. A poucos metros dali, dezenas de jovens fixam o olhar na porta de saída, nas inspecções aos veículos que deixam a colónia britânica para voltarem a entrar em Espanha. Sentados no chão, refugiados na sombra, mas à vista de todos, dividem a atenção entre a fronteira e o telemóvel. São "vigias", explica uma agente da Guardia Civil, com um encolher de ombros e um sorriso que transformam tudo num dado adquirido. Estão ali para garantir que quem entra em Gibraltar para fazer contrabando não regressa a Espanha com a desculpa de que o tabaco foi confiscado. A fronteira entre La Línea de la Concepción e Gibraltar é isto: uma questão de soberania para Madrid e Londres, com navios de guerra e ameaças de queixas nos tribunais internacionais, e um quotidiano de dependência entre dois mundos que não podem e não sabem viver um sem o outro. La Línea de la Concepción é também a fronteira que separa Espanha do sonho de recuperar Gibraltar à Coroa britânica. Com mais de 64. 000 habitantes, vive de frente para o Rochedo e de costas para o desenvolvimento. É uma das cidades com mais desempregados da província de Cádiz, uma das mais afectadas pelo desemprego em todo o país, com taxas superiores a 30%. "Olha, entre trabalhares num supermercado a ganhar 400 euros por mês e fazeres contrabando para alimentares melhor a tua família e pagar as contas, o que preferias?", pergunta um linense, que aceita falar sobre o clima de tensão entre Espanha e o Reino Unido, mas prefere manter-se anónimo - "Podia dar-te um nome, mas iria mentir. "Tem 62 anos, quatro filhas e seis netos. Mais a mulher e quatro genros, são pelo menos dez os que podiam contribuir para pôr mais comida na mesa. "De todos, só trabalham dois dos meus genros. Tenho duas filhas a tirar uns cursos profissionais, para não ficarem sem ocupação. Aqui não há trabalho. Não há indústria, não há turismo, não há comércio", diz. Depois de uma pequena pausa, tenta acomodar a ideia de contrabando à economia local: "Bem, comércio até há, se o comércio é comprar e vender. . . "Enquanto o navio britânico HMS Westminster cruza os mares para aportar em Gibraltar e Madrid ameaça levar a contenda para os tribunais, linenses e llanitos (como em Espanha se designam os habitantes de Gibraltar) preferiam que a tensão desse lugar ao bom senso. Porque o bom senso é bom para o negócio. David tem 38 anos e é taxista na cidade espanhola. À primeira abordagem torce o nariz a falar sobre "isso de Gibraltar", mas acaba por dizer mais do que o Governo de Madrid gostaria de ouvir. "Se aquilo fosse espanhol, nem os macacos lá ficavam. Gibraltar sempre deu de comer a este povo. Madrid está desligada da realidade desta cidade", acusa. Recusa-se a dizer o apelido, que "até é português", mas deixa uma ideia a Mariano Rajoy, que ouvimos da boca de outros habitantes de La Línea: "Se querem resolver isto, que façam uma zona franca aqui também, para podermos competir com eles. " Quanto à guerra de palavras entre Madrid e Londres, o espanhol é pragmático. "Cada um defende o que é seu. Entre os povos daqui, não há nenhum problema. "Política sem diálogoDo outro lado da fronteira, o Rochedo cresce muito para além das suas limitações geográficas. Com quase 30. 000 habitantes, Gibraltar está ligada a Espanha por um istmo, mas fica muito distante da crise financeira. Em contraste com as taxas de 30% e 40% no Sul de Espanha, o desemprego em Gibraltar não chega aos 3%. O Governo de centro-direita de Mariano Rajoy e o Governo de centro-esquerda gibraltino, liderado por Fabian Picardo, têm explicações diferentes para este fenómeno. Em inglês, chama-se "jurisdição vibrante e atractiva para o investimento europeu", mas Madrid prefere reduzir a eloquência a duas palavras: paraíso fiscal. A rivalidade entre Espanha e o Reino Unido por causa de Gibraltar tem 300 anos, mas a causa directa do recente clima de tensão começou em Julho, com o lançamento de 70 blocos de cimento na baía de Gibraltar, que o governo local descreve como um recife artificial para a preservação dos recursos piscatórios. Madrid acusa a colónia britânica de violar águas territoriais que considera suas e de prejudicar os pescadores espanhóis, que têm agora de evitar aquela zona para não verem as redes danificadas. Mesmo os habitantes de La Línea de la Concepción que admitem uma certa dependência do turismo em Gibraltar preferiam que o governo de Fabian Picardo tivesse dialogado com Madrid antes da criação do recife artificial, mas a diplomacia não é uma actividade bem-sucedida em nenhum dos lados da fronteira quando o assunto é o Rochedo. Questionado pelo PÚBLICO sobre as possibilidades de diálogo para ultrapassar a actual situação, Stuart Green, assessor de imprensa do governo de Gibraltar, não deixa espaço a esperanças: "Desde que o PP [espanhol] chegou ao poder, tem-se recusado a honrar as conversações tripartidas. Recusam-se a comunicar directamente com Gibraltar. E por que haveríamos de falar com Madrid sobre o que fazemos nas nossas próprias águas territoriais?"Controlos de surpresaPor estes dias, a aventura de atravessar a fronteira a pé ou de carro é uma lotaria. As autoridades espanholas dizem que o reforço do controlo é uma obrigação perante um território que não faz parte do espaço Schengen e uma medida para travar o contrabando. O Reino Unido e o governo de Gibraltar afirmam que é uma medida com intenções políticas. Seja como for, ninguém sabe o que vai acontecer quando se põe a caminho de Gibraltar, para trabalhar, passear ou fazer "comércio". Recostado numa cadeira num pequeno cubículo, um agente da Guardia Civil esforça-se para mostrar que se interessa pelos documentos de identificação de quem passa a fronteira a pé. O contraste entre estes dois mundos é evidente desde que se põe um pé em Gibraltar. Uma típica cabine telefónica vermelha marca o início da Avenida Winston Churchill, que corta o pequeno aeroporto a meio. A entrada para o centro da cidade, no sopé do Rochedo, avisa-nos que aquela era "a única entrada em Gibraltar sem ser por mar, reconstruída em 1727, depois de ter sido palco de duras batalhas em 13 cercos". O som monocórdico de uma harmónica e a agitação de turistas por causa das proezas dos famosos macacos servem de banda sonora a uma paragem para café no bar Landport, o primeiro a dar as boas-vindas a quem chega ao centro. Uma oportunidade para perceber se as relações entre os gibraltinos e os vizinhos de La Línea são vistas da mesma forma deste lado da fronteira. Seth Corvus tem 34 anos e trabalha no Landport a servir às mesas. Nasceu em Gibraltar, mas os pais levaram-no para Inglaterra aos sete anos. Regressou há três meses, para encontrar uma Gibraltar "maior". "Quando saí daqui, não existia a Ocean Village [um complexo que inclui a marina, um casino, apartamentos e empresas]. Era só água. Mas, no essencial, as pessoas não mudaram", diz. O gibraltino confirma as impressões recolhidas do outro lado da fronteira, mas não se detém apenas na reflexão sobre os povos. "As relações entre as pessoas de La Línea e de Gibraltar são boas. As relações com o Governo [espanhol] e com a Guardia Civil não são nada boas. Eles causam problemas na fronteira com regularidade. Fazem isso uma ou duas vezes por ano", acusa. E desta vez há uma diferença. "Estão muito mais agressivos, mas a Inglaterra também está a responder, enviando navios de guerra", referindo-se ao exercício militar no Mediterrâneo que tanto o Reino Unido como Espanha já fizeram saber que estava programado antes do recente clima de tensão. Seth Corvus prefere acreditar numa outra versão. Os ingleses estão a "mostrar os dentes" a Espanha e usam o argumento do exercício militar como um "encobrimento para chegarem a Gibraltar". Mas a ideia de que o conflito entre Londres e Madrid não beneficia ninguém na região mantém-se no discurso. "Os habitantes de La Línea beneficiam muito com o turismo em Gibraltar. É assim que eles conseguem encher os hotéis, porque ficar lá é muito mais barato do que ficar aqui", afirma. A conversa é bruscamente interrompida pelo choro estridente de uma criança. A sua avó acabara de cair num degrau do Landport, depois de a proprietária, uma gibraltina, lhe ter recusado o acesso à casa de banho por não estar a consumir. Depois de todas as conversas sobre boa vizinhança, sobe à superfície uma camada de tensão que simboliza o conflito entre Espanha e o Reino Unido. Há ameaças de queixas à polícia por parte da família espanhola e acusações de que a queda foi simulada. Que um sabe falar a língua do outro, mas que ambos fingem não saber. Saímos para a praça central de Gibraltar, onde o cheiro a "fish and chips", as casas de apostas e uma exposição sobre os The Beatles fazem com que qualquer britânico se sinta em casa. Sentado ao lado da mostra sobre os Fab Four de Liverpool, Joe Brugada, nascido no Rochedo há 74 anos, promove a venda de um CD com música tocada pela banda do Regimento Real de Gibraltar. A música que dá nome ao álbum tem como título "Stand Firm" ("Mantenham-se firmes") e o coro transpira orgulho: "Mantenham-se firmes, gibraltinos/Firmes como o Rochedo que guarda o mar. "A história repete-se: a firmeza a que Joe Brugada apela não é contra o povo de La Línea. "Eles dependem de nós para arranjarem trabalho e nós dependemos deles para termos trabalhadores", afirma. Mas a frase seguinte é também um aviso, que traz à memória os tempos do bloqueio imposto pelo general Franco em 1969, que só viria a ser levantado em 1982: "Quando as relações com o regime [de Espanha] se complicam, a força de trabalho é substituída por marroquinos ou por portugueses. "O orgulho de ser gibraltino nota-se em cada palavra, mas nenhuma delas é uma seta apontada ao povo vizinho. O problema é com "o regime espanhol". Aconteça o que acontecer entre Madrid e Londres, para Brugada a firmeza do Rochedo não é questionável: "A situação actual é má, mas não será pior do que na época do bloqueio. E nós sobrevivemos. "Na manhã seguinte, também a Guardia Civil mostrou a sua firmeza no cumprimento das ordens de Madrid, com o reforço das inspecções na fronteira. São 10h27 e Jessica Piedad desespera ao volante do automóvel na única fila que dá acesso a Gibraltar. Chegou a La Línea há uma hora, para começar a trabalhar às 10h no Rochedo. Um dia antes, 30 minutos chegaram para deixar a bandeira de Espanha no retrovisor e dar início a mais um dia de trabalho em território britânico; desta vez, Jessica estima que a fronteira de que tanto se fala por estes dias está ainda a hora e meia de distância, separada por uma rotunda e pela orquestra de buzinas em que se especializa quem pouco mais pode fazer do que esperar. Só falta uma rotunda, mas por aqui não há referência que sirva para medir a distância entre dois mundos que só vivem de costas voltadas nos discursos de Madrid e de Londres.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra mulher criança desemprego
Costa do Marfim: Ouattara admite governo de unidade desde que Gabgbo saia
O vencedor das eleições presidenciais na Costa do Marfim, Alassane Ouattara, admite formar um Governo de unidade com membros do líder cessante, Laurent Gbagbo – desde que este saia. (...)

Costa do Marfim: Ouattara admite governo de unidade desde que Gabgbo saia
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 12 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-01-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: O vencedor das eleições presidenciais na Costa do Marfim, Alassane Ouattara, admite formar um Governo de unidade com membros do líder cessante, Laurent Gbagbo – desde que este saia.
TEXTO: A proposta de Ouattara foi anunciada pelo embaixador do país na ONU, Youssoufou Bamba. Ouattara é reconhecido pela comunidade internacional como o vencedor das eleições, e vários países retiraram as credenciais aos embaixadores de Gabgbo dando-as aos representantes escolhidos por Ouattara. A Costa do Marfim está num impasse desde as eleições do final de Novembro, quando Ouattara venceu as eleições, um resultado depois anulado pelo Conselho Constitucional um organismo leal a Gabgbo, que se recusa a deixar a presidência, dizendo que é o vencedor. A comunidade internacional decretou sanções a Gabgbo e a CEDEAO (Comunidade Económica de Estados da África Ocidental) ameaçou uma intervenção militar. Mas Gbagbo tem-se mantido firme na recusa de reconhecer a derrota. Enquanto isso, o Alto-Comissariado para os Refugiados afirmou que 600 mafinenses fogem a cada dia para a LIbéria, temendo a violência pós-eleitoral no seu pais. Governos de unidade têm sido soluções para impasses eleitorais, como no Zimbabwe, em que o Presidente derrotado, Robert Mugabe, formou um Executivo com o seu antigo opositor, Morgan Tsvangirai. O líder nigeriano, Goodluck Jonatham, tinha antes avisado contra a solução de um governo de unidade juntando antigos rivais, como no Zimbabwe ou ainda no Quénia. “Vimos que estes governos de unidade de facto não resultam”, comentou. “Houve eleições, alguém ganhou, ele [Gbagbo] tem de ceder o poder. ”Notícia corrigida às 16h18
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Mais de cem corpos encontrados na Costa do Marfim
Mais de cem corpos foram descobertos pelos investigadores da ONU, nas últimas 24 horas, no Oeste da Costa do Marfim, informou nesta sexta-feira o alto-comissariado da ONU para os direitos humanos. (...)

Mais de cem corpos encontrados na Costa do Marfim
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 12 | Sentimento 0.5
DATA: 2011-04-08 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais de cem corpos foram descobertos pelos investigadores da ONU, nas últimas 24 horas, no Oeste da Costa do Marfim, informou nesta sexta-feira o alto-comissariado da ONU para os direitos humanos.
TEXTO: “Mais de cem corpos foram encontrados em três localidades no Oeste da Costa do Marfim”, declarou o porta-voz do alto-comissariado, Rupert Colville, numa conferência de imprensa. Colville indicou que pareciam tratar-se de vítimas de violências “étnicas”. Para a Costa do Marfim, que se mantém num impasse político-militar, estas são “más novidades”, acrescentou o porta-voz. A descoberta dos corpos acontece ao mesmo tempo que a ONU ordena a abertura de corredores humanitários no país para ter acesso às milhares de pessoas que fogem das violências. Através do Programa Alimentar Mundial (PAM), a ONU afirma ter distribuído alimentos para seis dias na cidade de Duékoué, onde milhares de pessoas estão refugiadas. O PAM prevê também distribuir ajuda durante a próxima semana a perto de 30 mil pessoas deslocadas na região de Danané e a cerca de 20 mil outras pessoas em Bouaké, Bouna, Tiébissou e Korhogo. O impasse em que vive a Costa do Marfim levou ontem o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, a apelar a Gbagbo para ceder o poder a Alassane Ouattara (o Presidente reconhecido pela comunidade internacional). Ouattara declarou, na noite de quinta-feira, que o palácio presidencial estava cercado e acusa Gbagbo de ter provocado uma crise humanitária na cidade mais importante do país, Abidjan, por se recusar a ceder o poder. A crise política arrasta-se na Costa do Marfim desde o passado dia 28 de Novembro e transformou o país num palco de uma sangrenta guerra civil.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Presidente eleito da Costa do Marfim pede fim de sanções à UE
O Presidente eleito da Costa do Marfim, Alassane Ouattara – reconhecido internacionalmente como vencedor das eleições de Novembro passado – instou a União Europeia a pôr fim às sanções contra o país, visando o relançamento e recuperação da economia apesar do impasse político causado pela recusa do rival, Laurent Gbagbo, em ceder o poder. (...)

Presidente eleito da Costa do Marfim pede fim de sanções à UE
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-04-08 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Presidente eleito da Costa do Marfim, Alassane Ouattara – reconhecido internacionalmente como vencedor das eleições de Novembro passado – instou a União Europeia a pôr fim às sanções contra o país, visando o relançamento e recuperação da economia apesar do impasse político causado pela recusa do rival, Laurent Gbagbo, em ceder o poder.
TEXTO: Já com controlo do principal porto, São Pedro, Ouattara quer restabelecer as exportações de cacau do país (maior produtor mundial) e anunciou, num discurso transmitido pela televisão ainda ontem à noite, ter pedido à União Europeia o levantamento do embargo que “fechou” aquela cidade portuária assim como o porto em Abidjan, a capital, além do fim das sanções a algumas das instituições públicas. Mas as suas forças não detêm ainda o controlo total da capital, onde o chefe de Estado cessante se mantém irredutível, refugiado na residência presidencial, apesar das várias tentativas nos últimos dias para o forçar à capitulação e da intervenção das Nações Unidas, ao abrigo da resolução 1975 do Conselho de Segurança, que permitiu ataques às posições militares de Gbagbo para “protecção da população civil”. As agências de assistência humanitária têm vindo a alertar com cada vez maior insistência que a situação se está a agravar em Abidjan, começando a faltar serviços básicos como água corrente e electricidade e os alimentos igualmente a escassear. Residentes da capital contam às agências noticiosas que há cadáveres espalhados pelas ruas depois de vários dias de confrontos ferozes entre os leais a Ouattara e aqueles que permanecem do lado de Gbagbo. No discurso de ontem à noite, o vencedor das eleições presidenciais de 28 de Novembro apelou à reconciliação de todos os cidadãos e anunciou que as condições de recolher obrigatório vão ser aligeiradas já a partir de hoje, para “permitir um regresso progressivo à normalidade”. Prometeu também manter o cerco à residência presidencial, onde Gbagbo permanece sob a protecção da Guarda Republicana e de milicianos – num total estimado de mil homens, mas dotados de armamento pesado – e anunciou ter dado ordem às suas forças para “tomarem todas as medidas de forma a assegurar a ordem e a segurança”, assim como a “liberdade de movimento” das pessoas no país.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens refugiado alimentos humanitária