Novo livro levanta mais suspeitas sobre financiamento da Fundação Clinton
Autor de Clinton Cash e jornais americanos deixam implícito que os anos de Hillary na Secretaria de Estado foram menos transparentes do que se julga. (...)

Novo livro levanta mais suspeitas sobre financiamento da Fundação Clinton
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.318
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Autor de Clinton Cash e jornais americanos deixam implícito que os anos de Hillary na Secretaria de Estado foram menos transparentes do que se julga.
TEXTO: A polémica sobre os donativos recebidos pela fundação da família Clinton tem acompanhado as vidas de Bill e Hillary nos últimos 15 anos, mas o casal nunca se tinha visto debaixo de um fogo tão intenso como nesta semana. A poucos dias da publicação de mais um livro sobre o assunto, os mais respeitados jornais e estações de televisão dos EUA começaram a lançar uma série de notícias que deixam implícitas duas acusações – que Hillary Clinton se aproveitou do cargo de secretária de Estado para recompensar quem ajudou as causas humanitárias da fundação, e que os fundos recolhidos por Bill Clinton serviram também para engordar a conta bancária do casal. O livro Clinton Cash vai ser posto à venda no dia 5 de Maio e foi escrito por Peter Schweizer, um colunista do site conservador Breitbart News com um longo passado de ligações ao Partido Republicano – fez parte da equipa que redigia os discursos do antigo Presidente George W. Bush; presidiu ao Hoover Institution, um think tank frequentemente associado aos republicanos; e dirige a organização conservadora Government Accountability Institute. Este rasto de ligações ao Partido Republicano é apontado por Hillary como a prova de que o objectivo do livro de Peter Schweizer é contribuir para uma teoria da conspiração contra os Clinton, que ressurgiria no momento em que a antiga secretária de Estado formalizou a sua candidatura à presidência dos EUA. Mas o facto de o autor ter trabalhado em conjunto com jornalistas de investigação de jornais como o The New York Times e The Washington Post indica que Hillary Clinton poderá enfrentar mais dificuldades para negar as acusações com base no argumento de que tudo não passa de uma cabala. Peter Schweizer enviou o manuscrito ou partes do manuscrito a vários repórteres para que eles pudessem verificar a credibilidade das suas próprias investigações. Uma delas – a que o The New York Times teve nesta quinta-feira em grande destaque no seu site – refere-se à compra de uma empresa de extracção de urânio a operar nos EUA pela agência de energia atómica da Rússia, a Rosatom. O caso remonta a 2005, quando o empresário canadiano Frank Giustra fechou um lucrativo negócio no Cazaquistão para a sua empresa UrAsia, “dias depois de ter visitado o país com o antigo Presidente Bill Clinton”, escreve o The New York Times. A viagem de Giustra e Clinton já tinha sido notícia em Janeiro de 2008, no mesmo jornal, no auge da campanha para as primárias do Partido Democrata que Hillary Clinton acabaria por perder para Barack Obama. Nessa altura, ficou implícita a acusação de que a viagem de Bill Clinton – e o seu apoio à candidatura do Cazaquistão à liderança da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, que viria a tornar-se realidade em 2010 – foi fundamental para o sucesso empresarial de Frank Giustra, que acabou por assegurar importantes participações em três projectos de extracção de urânio detidos pelo Estado cazaque. "Poucos meses depois de o acordo no Cazaquistão ter sido finalizado", escreveu o The New York Times em Janeiro de 2008, "a Fundação de Clinton recebeu o seu próprio prémio: uma doação de 31, 3 milhões de dólares de Giustra que foi mantida em segredo até que ele admitiu a sua existência, no mês passado. "A razão oficial da visita de Bill Clinton foi um negócio para a venda de medicamentos contra o HIV ao país, a um preço reduzido, mas o facto de Hillary Clinton ter criticado publicamente o regime do Cazaquistão em várias ocasiões contribuiu para que as acusações de falta de transparência ganhassem ainda mais fôlego. Em 2007, a UrAsia fundiu-se com a sul-africana Uranium One e lançou uma mega-operação nos EUA, com o objectivo de se tornar "num gigante do sector do urânio do país" – em 2013, a Uranium One controlava um quinto da capacidade de produção de urânio nos EUA. O envolvimento do nome de Hillary Clinton surge precisamente em 2013, quando ainda era secretária de Estado. Meses antes de ter saído da Administração Obama, Hillary foi uma das responsáveis norte-americanas a autorizarem a venda da Uranium One à russa Rosatom, o que na prática significa que a Rússia detém hoje em dia um quinto da capacidade de extracção de urânio dos EUA. Nada nas informações reveladas pelos media norte-americanos nos últimos dias prova que Bill e Hillary Clinton tenham de facto aproveitado as suas posições para financiar a fundação e enriquecer pessoalmente, enquanto recompensavam os doadores com declarações de apoio ou decisões políticas – a venda da Uranium One à russa Rosatom ocorreu antes do agravamento das relações entre os EUA e a Rússia, e teve a aprovação unânime de várias agências norte-americanas e, em última análise, do próprio Presidente Obama –, mas as facas já estão afiadas e o Partido Republicano vai aproveitar cada frase do livro Clinton Cash para encostar Hillary à parede na corrida à Casa Branca.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Angola: os generais estão em guerra!
O jornalista Rafael Marques é o inimigo a abater. (...)

Angola: os generais estão em guerra!
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O jornalista Rafael Marques é o inimigo a abater.
TEXTO: “Irei a tribunal, no dia 24 de Março próximo, como arguido em nove acusações distintas de denúncia caluniosa imputadas à minha pessoa por sete poderosos generais e seus comparsas de negócios. Escrevi um livro no qual relatei violações sistemáticas dos direitos humanos na indústria diamantífera. Os queixosos neste processo são grandes accionistas de empresas diamantíferas, e as empresas de segurança privada sob sua alçada levaram a cabo muitas das violações que denuncio. É uma honra e um orgulho enfrentar um tal imenso poder e criar a oportunidade para que muitas das vítimas se expressem através dos relatórios que tenho vindo a elaborar ao longo dos últimos dez anos. Sairei mais resiliente deste julgamento e fortalecido pela experiência. ”Estas palavras proferidas pelo jornalista angolano Rafael Marques no passado dia 18, ao receber em Londres o Prémio Liberdade de Expressão da ONG Index On Censorship, só pecam pela modéstia: chegado a Luanda, para além dos nove crimes de denúncia caluniosa de que já estava acusado, confrontou-se com a acusação da prática de mais cerca de 15 crimes de difamação. Sendo certo que os grandes acionistas das empresas diamantíferas e de segurança privada são, na sua maior parte, generais que fazem parte do círculo do poder angolano. A coragem do jornalista Rafael Marques na sua luta, quase quixotesca face aos enormes poderes com que se defronta, em defesa dos seus ideais de liberdade de expressão, de respeito pelos direitos humanos e da solidariedade é notável. Em 2004, Rafael Marques começou a fazer um trabalho sistemático de investigação e compilação de dados sobre violações de direitos humanos na região diamantífera das Lundas, em especial nos municípios do Cuango e Xá-Muteba. Sobre o assunto, com dados concretos de torturas e homicídios impunes, publicou em 2005 o relatório Lundas: As Pedras da Morte, em 2006 o relatório Operação Kissonde: os Diamantes da Miséria e da Humilhação e em 2008 o relatório Angola: A Colheita da Fome nas Áreas Diamantíferas. Por último, publicou em 2011 o livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola que foi disponibilizado gratuitamente online pela editora Tinta da China e onde relata atos de tortura e homicídios praticados contra os garimpeiros e as populações dos referidos municípios. Rafael Marques não tem dúvidas: dos testemunhos que ouviu, do material que recolheu e observou há inequívocas responsabilidades diretas nesses factos dos empregados e agentes de duas sociedades — Sociedade Mineira do Cuango e Teleservice — de que são sócios importantes figuras do poder político angolano, nomeadamente diversos generais. Os generais queixaram-se criminalmente em Portugal do conteúdo do livro, mas o processo foi arquivado já que o Ministério Público considerou, e bem, que Rafael Marques estava no legítimo exercício da sua liberdade de expressão e de informação. Mas Rafael Marques não se bastou com a, já de si corajosa, recolha de testemunhos e publicação de relatórios e do livro. Foi mais longe no seu combate na defesa dos direitos humanos em Angola: em Setembro de 2011, apresentou uma queixa crime contra diversos gestores, sócios e acionistas das sociedades envolvidas na práticas reiteradas de violações de direitos humanos que constatara no terreno, convicto como estava da existência de indícios de que davam cobertura, “por ação ou omissão”, aos abusos que constatara. Como prova juntou o seu livro e indicou diversas testemunhas. E solicitou ao procurador-geral da República angolano “a abertura de inquérito para investigação e apuramento da prática pelos denunciados dos factos criminosos“ descritos no livro. O inquérito foi curto e concluiu pelo arquivamento. Os generais e outros sócios queixaram-se, então, da prática por Rafael Marques do crime de denúncia caluniosa e de difamação e é por estes crimes que Rafael Marques está a ser julgado. Mas, como é evidente, estamos perante um julgamento em que se procura silenciar e intimidar, utilizando o aparelho judicial, não só Rafael Marques, mas todos os angolanos que pensem sequer em denunciar abusos, prepotências e eventuais crimes dos poderosos. Não se atreverão a denunciá-los ao próprio Ministério Público, já que correm o risco de a queixa ser arquivada e terem de se sentar no banco dos réus. Para serem esmigalhados. Este processo é, assim, fatalmente, político e o tribunal terá de decidir se aceita ser um instrumento de terror cívico e de negação da cidadania, ou se se assume como um defensor da legalidade e dos direitos, nomeadamente da liberdade de expressão e do direito de participação cívica dos angolanos na construção da sua Pátria. Uma opção que não devia ser difícil de adivinhar, mas que só poderemos saber quando terminar o julgamento, que, iniciado na passada terça-feira, recomeça no próximo dia 23 de Abril. Advogado
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos morte humanos tribunal fome
Um holograma em Madrid para protestar pelo direito a protestar
Milhares de pessoas manifestaram-se frente ao Parlamento espanhol. Só não estavam fisicamente presentes. (...)

Um holograma em Madrid para protestar pelo direito a protestar
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.285
DATA: 2015-04-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Milhares de pessoas manifestaram-se frente ao Parlamento espanhol. Só não estavam fisicamente presentes.
TEXTO: Tendo estado na vanguarda da mobilização social nos últimos anos — o movimento dos indignados inspirou fenómenos semelhantes na Grécia e em Portugal, bem como o Occupy Wall Street nos Estados Unidos —, Espanha tenta um novo modelo de protesto popular: virtual. Aconteceu na sexta-feira à noite, em Madrid, frente ao edifício do Parlamento espanhol. Milhares de pessoas de todo o mundo — incluindo 400 portugueses, segundo a agência Lusa — participaram numa manifestação contra uma nova lei espanhola que restringe o direito à assembleia e ao protesto em espaços públicos. Parecia e soava como uma manifestação tradicional: os participantes desfilaram na rua; cartazes de protesto pairavam sobre o cortejo; ouviram-se palavras de ordem. Só que nenhuma dessas pessoas estava fisicamente presente no local; a sua imagem foi projectada por holograma. Os organizadores chamam-lhe “o primeiro protesto de holograma da história”. A concentração foi convocada pela No Somos Delito (“Não somos crime”), uma plataforma que junta mais de cem movimentos de cidadania e organizações, como a Greenpeace e o SOS Racismo, que se opõem à nova Lei Orgânica de Segurança dos Cidadãos, aprovada a 26 de Março com os votos únicos (181) do partido do Governo, o Partido Popular, e rejeitada por toda a oposição (140 votos contra). A legislação é conhecida como “lei mordaça” pelos seus opositores, que a consideram uma ameaça a protestos políticos e ambientais no espaço público. Ela prevê multas entre os seis mil e os 30 mil euros para manifestações públicas — frente ao parlamento, por exemplo — que não sejam previamente autorizadas. A lei entra em vigor a 1 de Julho. “Com a aprovação da lei mordaça, não poderás manifestar-te frente ao parlamento. Não poderás fazer uma assembleia em espaços públicos sem correr o risco de que te multem. Não poderás participar numa manifestação sem autorização prévia. Só o poderás fazer se te converteres num holograma”, dizem os organizadores num vídeo introdutório no seu site. Carlos Escaño, um dos porta-vozes da plataforma No Somos Delito, disse ao El País que um dos objectivos da nova lei é abafar o protesto social que foi desencadeado desde as mobilizações do movimento 15-M. “Proibir manifestações frente ao parlamento constitui uma restrição desproporcionada da liberdade de reunião; disse-o o relator especial das Nações Unidas”, afirmou outra porta-voz da organização, Alba Villanueva, ao mesmo jornal. “Não é certo que os cidadãos exijam mais segurança. De acordo com as sondagens públicas, a insegurança ocupa o 12. º lugar nas preocupações dos espanhóis, atrás da saúde, da educação, do desemprego, da situação económica e da corrupção”, acrescentou. Segundo uma sondagem feita para a ONG Avaaz. org, 82% dos espanhóis são contra a lei, exigindo a sua alteração ou supressão. Nas últimas semanas, pessoas de todo o mundo enviaram mais de 2000 vídeos contestando a lei, que foram posteriormente convertidos em hologramas e projectados numa tela translúcida frente ao parlamento espanhol, no centro de Madrid. A manifestação durou uma hora, entre as 21h30 e as 22h30 de sexta-feira. Os organizadores admitem que a acção de protesto “é uma caricatura”. Alejandro Gámez Selma, da No Somos Delito, disse à Lusa que manifestações de hologramas são o sonho de qualquer governo que queira limitar as liberdades dos seus cidadãos. “É uma espada de dois gumes. Por um lado, provámos que este tipo de protesto se pode fazer; por outro lado, qualquer governo gostaria que todos fossem assim. Mas acreditamos que o povo sairá sempre à rua para defender os seus direitos. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos lei concentração educação racismo social desemprego
Morreu José Rodrigues, o escultor que não acreditava no efémero
Foi um dos fundadores da Bienal de Vila Nova de Cerveira e da Cooperativa Árvore (Porto). Fez parte do marcante grupo Os Quatro Vintes. (...)

Morreu José Rodrigues, o escultor que não acreditava no efémero
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi um dos fundadores da Bienal de Vila Nova de Cerveira e da Cooperativa Árvore (Porto). Fez parte do marcante grupo Os Quatro Vintes.
TEXTO: O artista plástico José Rodrigues morreu este sábado, aos 79 anos, no Hospital da CUF, no Porto, onde se encontrava internado há já vários dias. O funeral realiza-se no domingo, às 11h, no Tanatório de Matosinhos, onde o corpo estará em câmara ardente a partir de hoje. É um dos escultores mais emblemáticos da segunda metade do século XX em Portugal. Tornou-se conhecido muito novo, quando integrou o grupo Os Quatro Vintes, que tomou o nome da nota final que todos receberam no curso de Escultura na Escola Superior de Artes Plásticas do Porto (ESBAP), mas também de uma famosa marca de tabaco – "Três Vintes" – que então existia. Mesmo se não pretendeu assumir-se como manifesto político, este grupo que José Rodrigues formou, em 1968, com Jorge Pinheiro (n. 1931), Armando Alves (n. 1953) e Ângelo de Sousa (1938-2011), afirmou uma elite que iria contribuir para o acerto da arte que se fazia em Portugal com aquela que se via então no resto do mundo ocidental, desde os demais países europeus às Américas. Os Quatro Vintes “nunca foi um manifesto estético”, disse Armando Alves em entrevista ao PÚBLICO, aquando do seu 80. º aniversário. “Foi sempre quatro artistas que resolveram juntar-se como grupo, sobretudo, pela convicção de que a união faz a força. E até do ponto de vista da imprensa desse tempo, que não falava de uma pessoa só. Mas quando aparecemos como grupo, essas portas abriram-se completamente”, explicou o pintor alentejano, que se tinha radicado no Norte para estudar na ESBAP. E Os Quatro Vintes atingiram esse objectivo, nomeadamente pelo mediatismo que conseguiram para três exposições que fariam sucessivamente em Paris, no Porto e em Lisboa. “Conseguimos agitar as águas. Mas nunca tivemos uma estética comum. Éramos um grupo com quatro individualidades diferentes”, acrescentou Armando Alves. Embora tenha desenvolvido toda a sua carreira no Porto (e depois em Vila Nova de Cerveira, no Alto Minho), José Rodrigues era natural de Luanda, onde nasceu a 21 de Outubro de 1936, partilhando com Ângelo de Sousa essa origem africana que o marcava, tal como ao seu amigo, com uma irreverência que guardou até ao fim. Deixou-nos uma obra ecléctica, que viaja da figuração à abstracção, reveladora de uma atenção às mudanças de gosto e estilo que se fizeram sentir na prática artística durante as quase cinco décadas em que trabalhou. A cidade do Porto e os portuenses conhecem-no pelo actualmente muito degradado Monumento ao Empresário (1992), na Avenida do Marechal Gomes da Costa, e pelo Cubo na Praça da Ribeira, dos anos 70. Ambas as obras traduzem uma apropriação do léxico formal minimalista para utilização no espaço público – uma estética que desenvolveu e deixou a marcar muitos espaços públicos no Norte do país, mas também em lugares de Macau, do Brasil e dos Estados Unidos. Tão importante como as esculturas que deixou, foram as iniciativas culturais e educativas que fomentou. José Rodrigues foi um dos fundadores Cooperativa Árvore no Porto, em 1963, que dirigiu durante três décadas, e da escola profissional com o mesmo nome. "Nem à bomba nos destroem", foi uma frase célebre dita pelo escultor, depois de uma explosão ter destruído a sede da cooperativa, em 1976. “Além de um criador fantástico, José Rodrigues era um homem de causas, da cultura e da cidadania, e tinha uma generosidade enorme”, testemunhou ao PÚBLICO Amândio Secca, presidente da direcção da Árvore – que em 2013 celebrou o cinquentenário da cooperativa precisamente com uma exposição do escultor enquanto cenógrafo, com trabalhos realizados ao longo de décadas com as companhias do Porto (o TUP, o TEP, a Seiva Trupe), mas também o Teatro Experimental de Cascais (TEC). Foi esta companhia dirigida por Carlos Avillez que estreou, com cenários de José Rodrigues, a peça de Mário Cláudio Medeia (2007). O escritor lamentou também este sábado o desaparecimento do criador e seu amigo de há muitos anos, desde os primeiros tempos da Árvore. “Foi uma amizade e um relacionamento que passou muito pelo trabalho conjunto”, disse Mário Cláudio, para quem José Rodrigues desenhou o cenário de outras peças e ilustrou também vários livros – o último deles foi Dezassete Sonetos Eróticos e Fesceninos, de Tiago Veiga (ed. Simples Mente), lançado em Junho, em Paredes de Coura. “Estivemos sempre muito próximos, e do muito que guardo dele, o mais relevante é a memória de um homem de uma grande luminosidade, que trabalhava sempre com alegria, e que não fechava a porta a ninguém”, acrescentou o escritor. José Rodrigues foi também um dos fundadores da Bienal de Cerveira, em conjunto com Jaime Isidoro e Henrique Silva, no final da década de 70, na vila onde também viveu, e onde criou ainda a Escola Profissional de Ofícios Artísticos. “A Bienal e a relevância da vila para as artes não existiriam sem ele, que se tornou verdadeiramente um homem de Cerveira”, realçou António Cabral Pinto, actual coordenador artístico do evento. “José Rodrigues foi uma peça fundamental desta obra, a que deu o seu esforço, as suas criações e o seu prestígio”, acrescenta o responsável, lembrando que a Fundação Bienal de Cerveira detém hoje um número considerável de obras dele, à imagem do que acontece com o espaço público da terra. E a própria sede da Bienal tem também uma sala com o seu nome (como, de resto, acontece com os dos outros dois fundadores), a cuja inauguração, em Maio passado, “ele ainda assistiu”, recorda António Pinto. Professor mas não “mestre”O ensino, tal como sucedeu com os demais membros d'Os Quatro Vintes, também apaixonou José Rodrigues. Ainda deu aulas na ESBAP, mas contava que, quando percebeu que o tinham passado a tratar por “mestre”, deixou de lá ir. Possuía uma consciência rara do papel que o artista deve exercer na sociedade. De certo modo, as múltiplas actividades a que se dedicou, o interesse pela escultura em espaços públicos e a fundação de instituições hoje essenciais na arte contemporânea portuguesa, como a Cooperativa Árvore e a Bienal de Cerveira ainda o são, confirmam essa vocação altruísta e social que encontra eco nos mais jovens artistas de hoje. “O José Rodrigues punha a generosidade acima do carreirismo, e hoje em dia não há muita gente assim”, realçou Mário Cláudio. Numa entrevista de 2001 dada ao jornal A página da educação, o escultor afirmou que o efémero não o interessava. De facto, a sua obra plástica transmite a vocação para a eternidade que encontramos no trabalho da pedra e do metal desde os primórdios da civilização até aos nossos dias. Provocador, afirmava mais à frente que os políticos se serviam dos artistas como antigamente das coristas… este espírito jocoso marcou-o até ao fim. No Porto, José Rodrigues recuperou a antiga Fábrica Social, um espaço que usava como atelier e onde está instalada a fundação com o seu nome, que tem salas de exposição e um auditório para teatro e artes performativas. "Recordo sobretudo a facilidade e o gosto com que ele desenhava. Tive o privilégio de ser amigo dele durante 30 anos e de o ver a desenhar e esculpir. Os dedos dele bailavam no papel", disse à Lusa Agostinho Santos, artista plástico e director da Bienal de Arte de Gaia – que na sua primeira edição, em 2015, homenageou José Rodrigues –, e autor do livro Na Sombra dos Deuses, publicado em Junho, e que resultou de uma longa entrevista feita ao escultor. Este sábado, os presidentes das câmaras do Porto e de Vila Nova de Cerveira decretaram dois dias de luto municipal. E a câmara portuense iniciou já este mês obras de restauro do Monumento ao Empresário, na Boavista, estando prevista a sua conclusão no final de Outubro, na data de nascimento do escultor. No mesmo dia 21, segundo a Lusa, será feita uma homenagem a José Rodrigues que estava já a ser preparada. Ainda este mês, haverá uma exposição na Fábrica Social – Fundação José Rodrigues, também já prevista, comissariada por Agostinho Santos, onde 80 artistas foram convidados a interpretar o rosto e a obra do escultor – que iria fazer 80 anos. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lembrou o legado de “brilhantismo, diversidade e dinamismo” que o escultor e artista plástico José Rodrigues deixou ao país. Em mensagem de condolências enviada à família de José Rodrigues, e divulgada na página Internet da Presidência da República, o chefe de Estado lembra que o escultor “tornou-se um dos artistas mais conhecidos da sua geração, e um nome emblemático do Porto, com obras tão marcantes como o Cubo da Praça da Ribeira ou as ilustrações dos livros de Eugénio de Andrade”. E prossegue: “Mas é importante lembrar também o seu notável trabalho como dinamizador cultural, da Cooperativa Árvore, de qual foi fundador, ao seu ateliê que transformou em fundação, passando pela Bienal de Vila Nova de Cerveira”. Por tudo isto e mais, “o brilhantismo, a diversidade e o dinamismo” constituem o “legado” de José Rodrigues, assinala Marcelo Rebelo de Sousa na nota de condolências. Também o ministro da Cultura lamentou a morte do escultor, que considerou “uma perda terrível”, salientando a obra “considerável” do artista e o seu papel como “militante” da cultura e também político. Luís Filipe de Castro Mendes falava à Lusa à margem da entrega do Prémio Europa Nostra 2016. “É um grande artista, não só pela obra que deixou, que é considerável, mas também pelo papel de agente cultural, de militante da cultura, que sempre teve, e também de militante político destemido contra a ditadura”, afirmou o ministro, adiantando que estará presente no funeral do artista, para lhe prestar a sua homenagem. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Numa nota emitida este sábado, o Ministério da Cultura destaca José Rodrigues como “um dos artistas plásticos mais relevantes da sua geração”. “Além da obra notável, foi agente activo na divulgação descentralizada das artes, nomeadamente na Bienal de Cerveira, que fundou com Jaime Isidoro e Henrique Silva. Um evento que Agustina Bessa-Luís definiu como ‘um encontro de escolas e uma decisão de vida pública com as artes’”, lê-se nessa nota.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte escola cultura educação homem social corpo luto desaparecimento
Morreu o arquitecto Nuno Teotónio Pereira, o último dos modernos
Uma das mais destacadas personalidades da arquitectura portuguesa, com uma obra que reequacionou os modelos da habitação social, foi também uma figura decisiva da militância católica contra o Estado Novo. (...)

Morreu o arquitecto Nuno Teotónio Pereira, o último dos modernos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma das mais destacadas personalidades da arquitectura portuguesa, com uma obra que reequacionou os modelos da habitação social, foi também uma figura decisiva da militância católica contra o Estado Novo.
TEXTO: O arquitecto Nuno Teotónio Pereira morreu esta quarta-feira aos 93 anos, confirmou ao PÚBLICO fonte da família – completaria os 94 no próximo dia 30. Com uma carreira de seis décadas, foi uma das mais destacadas personalidades da arquitectura em Portugal – e, possivelmente, o último dos arquitectos modernos. Pelo seu atelier da rua da Alegria, em Lisboa, que deixou de frequentar definitivamente depois de cegar, passaram sucessivas gerações dos mais importantes arquitectos portugueses, de Gonçalo Byrne a Nuno Portas. Os seus traços estão espalhados pelo país: da Igreja de Águas (1949-57), em Penamacor, o seu primeiro projecto, construído quando tinha 27 anos, à Moradia Barata dos Santos (1959-63), em Vila Viçosa, já projectada em parceria com Nuno Portas, passando pelos projectos de habitação social que projectou para Braga, Castelo Branco, Barcelos ou Póvoa de Santa Iria. Mas é em Lisboa que está o mais significativo conjunto de obras de Teotónio Pereira: o Bloco das Águas Livres (1953-56), assinado com Bartolomeu Costa Cabral; as torres do bairro de Olivais Norte (1957-67), projecto em co-autoria com Nuno Portas e Pinto de Freitas que ainda hoje é festejado como uma das melhores histórias da habitação social em Portugal; o icónico Edifício Franjinhas (1965-69), com João Braula Reis; e a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, novamente com Nuno Portas – os três últimos vencedores do prémio Valmor. Será justamente na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, onde repetiu a proposta de assembleia em leque já experimentada em Penamacor, que o seu velório terá lugar esta quinta-feira, a partir das 17h. O funeral realiza-se no dia 22, às 13h30, no Cemitério do Lumiar. Autor de vários artigos e comunicações nas áreas da arquitectura, do urbanismo, do património e do ordenamento do território, manteve também, com outros católicos progressistas, uma militância política extraordinariamente activa, sobretudo durante o regime de Salazar, a que se opôs frontalmente apesar de ter crescido numa família conservadora e afecta ao regime (e de, adolescente, ter desfilado entusiasticamente com a farda da Mocidade Portuguesa). Histórico defensor dos direitos cívicos e políticos durante os anos mais duros do Estado Novo (dinamizou o boletim clandestino Direito à Informação criado em 1963 para fazer a denúncia activa da Guerra Colonial, integrou a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos constituída em finais de 1969), foi um dos mentores e participantes da famosa vigília da Capela do Rato de 30 de Dezembro de 1972, uma greve de fome de 48 horas destinada a promover a reflexão sobre a Guerra Colonial que a polícia acabaria por interromper fazendo várias detenções. Ele próprio seria várias vezes preso (e duramente torturado) pela PIDE. Quando finalmente se deu o 25 de Abril de 1974, estava aliás há vários meses na prisão de Caxias, de onde seria libertado um dia depois da revolução. Já em democracia, prosseguiu a sua militância, tendo ainda em 1974 sido um dos fundadores (com Jorge Sampaio e Ferro Rodrigues, entre outros) do Movimento de Esquerda Socialista, extinto em 1981. Na mensagem de condolências que enviou à família de Nuno Teotónio Pereira, Cavaco Silva recordou-o justamente não só como "um dos maiores arquitectos portugueses do século XX", mas também como um "militante empenhado na defesa da liberdade, antes e depois do 25 de Abril de 1974". O Presidente da República sublinhou a "carreira notável" ao longo da qual projectou "edifícios emblemáticos que nos fascinam pela rigorosa beleza do seu traço", e a sua acção como "católico oposicionista" e, mais tarde", "defensor da independência dos povos africanos": "Lutou toda a vida, com uma fé inabalável, contra todas as formas de opressão", dando "o melhor de si ao seu país e à causa dos direitos humanos em todo o mundo". Também o ministro da Cultura, João Soares, lembrou a "figura maior e inovadora da arquitetura portuguesa" e o "cidadão especialmente corajoso que sempre pugnou pelas liberdades públicas e por uma sociedade mais justa". Como católico, Nuno Teotónio Pereira foi um dos grandes impulsionadores do Movimento da Renovação da Arte Religiosa (MRAR). A Igreja do Sagrado Coração de Jesus – onde se realizou uma homenagem por ocasião dos seus 90 anos –, classificada como monumento nacional, é disso um exemplo. Pensado com Nuno Portas, este projecto surgiu na sequência da criação, em 1952, do MRAR, de que faziam parte artistas plásticos como José Escada, Jorge Vieira, Cargaleiro, Madalena Cabral ou Eduardo Nery, e arquitectos como Nuno Portas, Luís Cunha, Diogo Lino Pimentel ou Formosinho Sanches. O arquitecto foi mesmo o primeiro presidente do MRAR, que se definia como “uma comunidade católica de artistas, com o fim genérico de promover, em todos os domínios da arte religiosa, o encontro de uma verdadeira criação artística com as exigências do espírito cristão”. Este movimento deu um grande contributo para a recepção e para a difusão, em Portugal, das mudanças provocadas pelo Concílio Vaticano II (1962-65), que encetou o movimento de reforma da Igreja Católica. "O último arquitecto moderno"Nuno Portas, um dos arquitectos com quem Nuno Teotónio Pereira mais trabalhou no seu atelier, sobretudo entre 1957 e 1971 – e aquele com quem mais gostou de trabalhar –, destaca sobretudo "a força excepcional" com que Teotónio Pereira reorganizou a arquitectura portuguesa (muitas vezes nos bastidores, como convinha ao seu feitio inveteradamente discreto). "Nunca aparecia em público a dizer 'eu fiz', 'eu sei', tínhamos de ser nós a lembrá-lo. E a verdade é que ele esteve em tudo o que foi preciso reorientar: nas igrejas, primeiro, e depois na habitação social, que considero o seu legado mais importante e que nos marcou a todos. Ficámos todos com essa 'doença'", disse ao PÚBLICO o arquitecto, que, enquanto secretário de Estado da Habitação e do Urbanismo dos primeiros três Governos provisórios lançou as operações do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL). Além da dívida pessoal ("Foi ele que me convenceu, quando saí da escola e estava a pensar fazer cinema, a ficar no atelier; e creio também que terá sido ele a indicar-me para tratar das questões da arquitectura e de urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil"), Nuno Portas sublinha a dívida colectiva que a classe dos arquitectos tem em relação a Teotónio Pereira, e à sua acção decisiva na organização e na regulação da profissão, primeiro no Sindicato Nacional dos Arquitectos e, já depois do 25 de Abril, na Associação dos Arquitectos Portugueses, que em 1998 daria lugar à actual Ordem dos Arquitectos. "Tinha muito força naquilo que ele próprio desenhava mas também no que organizava com os outros e para os outros. Nunca quis ser só o arquitecto que faz projectos, tal como nunca quis ser só o militante político. "É essa dupla condição de "cidadão e arquitecto exemplar" que Manuel Graça Dias considera melhor definir o percurso de Nuno Teotónio Pereira. "Durante a sua longa vida, nunca deixou de lutar pela causa da liberdade e, como católico, pela renovação da relação da Igreja com a sociedade, que pessoalmente abordou em projectos como a Igreja do Sagrado Coração de Jesus. De resto, o facto de ter sido muito activo como católico e como antifascista não diminuiu minimamente a sua paixão pela arquitectura – manteve sempre um escritório em Lisboa pelo qual passaram imensos arquitectos com quem estabeleceu relações de amizade e de cumplicidade", nota o arquitecto e crítico de arquitectura. "O rigor que tinha em relação às autorias", acrescenta, também era invulgar: "Não queria para ele os louros das obras que produzia com outros arquitectos e fazia questão de partilhar a assinatura com todos os colaboradores de um projecto. Prova disso é a lápide da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em que o nome de Nuno Portas precede o do próprio Nuno Teotónio Pereira. Manuel Graça Dias destaca o "brilhantemente executado" Bloco das Águas Livres, "um óptimo exemplar da arquitectura moderna feita na Lisboa dos anos 50, com uma complexidade não muito habitual para um edifício de habitação, e que até hoje permanece muito disputado". Mas também elogia o à época "injustamente maltratado" Edifício Franjinhas, que os jornais então chamaram "mamarracho": "É um edifício muito inteligente, com a sua pele que protege o interior tanto do ponto de vista da temperatura como do excesso de luz. Essas peças brise-soleil são resultado de um desenho bastante trabalhado que curiosamente foi sendo aperfeiçoado na incomodidade da prisão e enviado de Caxias para o atelier. "Foi, defende, "o último dos arquitectos modernos, no sentido do grande profissional que faz escola e deixa uma herança tanto na obra construída como nas pessoas que ajudou a formar" – "o equivalente em Lisboa ao que o Fernando Távora foi no Porto, liderando sem se impor e fazendo nascer à sua volta, mesmo nunca tendo sido professor, o gosto pela arquitectura numa série de discípulos". "Preocupei-me muito com as pessoas"Nascido em 1922 e formado na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, em 1949, Teotónio Pereira começou por estagiar com Carlos Ramos (1897-1969), um impulsionador da arquitectura moderna em Portugal. Apesar do seu "entusiasmo inicial" por Le Corbusier, cuja Unité d'Habitation influenciaria assumidamente projectos como o Bloco das Águas Livres, tinha também uma admiração declarada pela arquitectura vernácula, que aliás ajudaria a inventariar como impulsionador do lendário Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa (1955-60) lançado pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos. A atenção ao problema da habitação, outro eixo fundamental (e profundamente moderno) da sua obra construída, levou-o a acumular, entre 1948 e 1972, o trabalho no atelier da rua da Alegria com as funções de consultor da Federação das Caixas de Previdência para o programa de casas de renda económica, no âmbito do qual foram projectados (e acompanhados por arquitectos como Fernando Távora, Nuno Portas e Bartolomeu Costa Cabral) conjuntos habitacionais para vários pontos do território nacional. Essa luta para "encontrar uma linguagem para a arquitectura portuguesa" ajustada à nova realidade de materiais como o cimento e o betão armado e da construção em altura foi outro dos seus legados, frisa Manuel Graça Dias. E isto "no clima muito retrógrado" do pós-guerra, dominado pela visão "anedótica" que o Estado Novo tinha do que seria uma suposta "arquitectura tradicional portuguesa". Nesse aspecto, "o Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa foi uma bofetada de luva branca no regime, que subsidia as equipas enviadas pelo país fora para um levantamento rigoroso da arquitectura do país profundo" – como se suspeitava, "não havia 'uma' arquitectura popular portuguesa", apesar de todos os desejos em contrário do discurso oficial. O Estado reconheceu a sua acção como arquitecto e como cidadão em 1995, concedendo-lhe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Mais tarde, em 2004, foi também condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante, e em Abril de 2010 a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Municipal. Recebeu o Prémio Nacional de Arquitectura da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1961, e o Prémio da Associação Internacional dos Críticos de Arte, em 1985. Recebeu por duas vezes o grau de doutor honoris causa: em 2003 pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e em 2005 pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Nos últimos anos, de resto, não lhe faltaram homenagens. Quando, em 2010, somou 60 anos de carreira, a Ordem dos Arquitectos celebrou a sua vida e a sua obra. “Mostra que tive alguma importância na sociedade portuguesa ao longo de mais de meio século no plano profissional e noutros planos”, reagiu então Teotónio Pereira à Lusa, quando soube da homenagem dos seus pares. E lembrou os tempos em que tudo tinha começado: “Quando me formei havia muito poucos arquitectos e tinham pouca importância social. Eram os engenheiros que dominavam a construção, e os arquitectos eram subalternos. Hoje são socialmente muito reconhecidos”, dizia. “Antigamente havia um conceito errado ao recorrer aos arquitectos apenas para criar obras sumptuosas. Hoje, os arquitectos devem fazer desde as obras mais modestas às mais grandiosas. "Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Dois anos depois, foi a Igreja que lhe reconheceu o trabalho: “Num momento nacional dramático para a arquitectura, profissão que tem sido duramente flagelada pela crise económica, pensamos que a estatura ética e criativa de Nuno Teotónio Pereira representam uma lição de humanidade para todos nós e uma luz oportuníssima para pensar o lugar e o modo da arquitectura reinscrever-se no presente e no futuro. ”O Prémio Árvore da Vida/Padre Manuel Antunes, que lhe foi atribuído pela Igreja Católica, foi pretexto para uma entrevista ao PÚBLICO, na qual defendia que a arquitectura devia assentar em três pilares: a funcionalidade, a resistência ou solidez e a beleza. “A arquitectura tem que se adequar às necessidades das pessoas que habitam as casas ou dos empregados que trabalham numa firma ou dos operários de uma fábrica. ” E dava como exemplo o seu edifício Franjinhas, declarado imóvel de interesse municipal: “Preocupei-me muito com as pessoas que passavam ali a maior parte do dia sentadas às secretárias, a trabalhar. As secretárias mais perto da janela recebem a mesma luz das que estão ao fundo da sala, por causa dos efeitos do tecto e das faixas de betão penduradas nas janelas. ”No caso de Teotónio Pereira, reforça Manuel Graça Dias, essa noção de "uma arquitectura pensada para as pessoas que a vão utilizar é muito importante e muito verdadeira": "Há histórias interessantíssimas que se contam desse projecto – como a de às tantas ele perguntar como é que que aquelas janelas se iam limpar por fora. Atestam como a sua arquitectura estava de facto ligada ao real, ao dia-a-dia, e não se limitava à retórica do desenho".
REFERÊNCIAS:
Morreu Maurice White, a alma dos Earth, Wind & Fire
Para ele o funk não era apenas música. Era uma forma de aceder à felicidade. Morreu o líder de um dos grupos fundamentais dos anos 1970. (...)

Morreu Maurice White, a alma dos Earth, Wind & Fire
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para ele o funk não era apenas música. Era uma forma de aceder à felicidade. Morreu o líder de um dos grupos fundamentais dos anos 1970.
TEXTO: Fundador, compositor, baterista, cantor, o líder, o pregador, a alma do grupo Earth, Wind & Fire, grupo funk que criou alguma da música mais jubilosa alguma vez feita, o americano Maurice White morreu quarta-feira, na sua casa de Los Angeles, aos 74 anos, soube-se na noite desta quinta-feira, através da agência Associated Press. O irmão, Verdine White, também ele membro do grupo, utilizou a página do Facebook para anunciar que Maurice “morreu pacificamente enquanto dormia. ”O músico tinha sintomas da doença de Parkinson desde os anos 1980, o que o levou a desistir de fazer digressões a meio dos anos 1990 enquanto a banda continuou a tocar, com várias formações – o último álbum Now, Then & Forever data de 2013. A sua doença foi tornada pública em 2000, quando o colectivo entrou para o Hall da Fama do Rock & Roll. O colectivo de funk, soul e R&B constituído por nove membros, que conheceu grande protagonismo principalmente nos anos 1970 e 1980, vendeu mais de 90 milhões de álbuns em todo o mundo. Entre os seus sucessos encontram-se canções como Shining star, Sing a song, September, After love has gone, Boogie wonderland, Serpentine fire, Let’s groove ou a versão de uma canção dos Beatles, Got to get you into my life. O período de maior sucesso da formação começou a desenhar-se em 1975 com o álbum That’s The Way The World e haveria de continuar pelo resto da década. O seu sucesso é inegável, mas os Earth, Wind & Fire conheceram períodos de alguma incompreensão, nem sempre sendo reconhecidos artisticamente. A sua música é física, espiritual, enlevada, possuída por uma jovialidade popular contagiante. O contrário daquilo que tantas vezes é credibilizado como sendo mais elaborado e estetizante e, no entanto, quantos tentaram e falharam totalmente o objectivo de criar qualquer coisa de semelhante? Na verdade, a alegria irradiante que foram capazes de exalar, de forma tão séria e certeira, é extremamente difícil de alcançar. É verdade que nem tudo o que experimentaram funcionou, mas no seu melhor foram uma das melhores formações funk de sempre, marcados pela visão de Maurice White. Além dos irmãos White, o grupo contava com o cantor Philip Bailey e com uma distintiva secção de sopros. Mas era verdadeiramente Maurice o seu líder espiritual. Em todas as entrevistas fazia questão de afirmar que a actividade do grupo não era apenas entretenimento. Perseguia um desígnio interior. Acreditava nele. E queria que outros acreditassem com ele. Em 2000, afirmava que o objectivo desde sempre havia sido inspirar as pessoas a acreditarem nelas próprias, a tirarem partido da vida, seguindo as suas ideias. “Acredito que as canções podem tocar as pessoas. Têm esse poder. Essa forma de magia. ”Na música exuberante do grupo, o jazz de fusão, a soul, o gospel, o funk, elementos de rock, mais tarde de disco ou de música africanizada, serviam para estruturar mensagens de positivismo e misticismo. Não é por acaso que as capas dos álbuns são uma mistura de iconografia religiosa, egiptologia e cosmologia. Em tudo o que faziam existia uma dimensão de celebração colectiva. Os seus espectáculos ao vivo reflectiam-no, com um dispositivo cénico ambicioso, com jogos de luzes psicadélicos, dois bateristas e uma sonoridade dançante, com o falsete de Philip Bailey secundado pelo pregação de Maurice White. Na música e na atitude do grupo não havia espaço para cinismos. Eram desarmantes, na forma como o seu funk épico difundia ideais de esperança e de transcendência. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Paralelamente aos Earth, Wind & Fire, Maurice White, viria a produzir e a compor para outros artistas, principalmente quando se deixou dos concertos, incluindo Cher, Barry Manilow, Barbra Streisand e muitos outros. Co-escreveu e produziu o êxito Best of my love, dos Emotions, para além de também ter lançado um disco a solo. Nasceu em Memphis, em 1941, filho de um médico e neto de um pianista de Nova Orleães. Estudou música em Chicago e na adolescência começou a tocar bateria com o Ramsey Lewis Trio. Em 1960 formou os Salty Peppers, que depois se mudaram para Los Angeles, onde adoptariam o nome de Earth, Wind & Fire, lançando o álbum homónimo de estreia em 1971. Ao longo dos anos teve um papel fulcral na carreira de décadas do grupo, com mais de 20 álbuns lançados, compondo e produzindo obras fundamentais para se perceber parte importante da história do funk como That’s The Way Of The World (1975), All ‘N All (1977) ou Faces (1980)Manteve-se sempre firme na forma límpida como olhava para a música, quase como se ela tivesse poderes curativos, e através dela fosse possível percepcionar a realidade de uma forma mais positiva. Talvez tivesse razão.
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Palavras-chave filho doença
Morreu Almeida Santos, um "príncipe da democracia"
Morreu na noite desta segunda-feira António Almeida Santos, figura histórica e presidente honorário do PS. (...)

Morreu Almeida Santos, um "príncipe da democracia"
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Morreu na noite desta segunda-feira António Almeida Santos, figura histórica e presidente honorário do PS.
TEXTO: Morreu na noite desta segunda-feira António Almeida Santos, 89 anos, figura histórica e presidente honorário do PS. O corpo do fundador do PS estará em câmara ardente na Basílica da Estrela, em Lisboa, a partir das 17h desta terça-feira, mas não haverá cerimónia religiosa, a pedido do próprio, adiantou fonte da família. Almeida Santos. ex-presidente da Assembleia da República durante a década de 1990, morreu em casa, em Oeiras, pouco antes da meia-noite, disse a mesma fonte à Lusa. O presidente honorário do Partido Socialista sentiu-se mal após o jantar e foi ainda assistido na sua residência. Recorde-se que já tinha sido submetido por duas vezes a cirurgias cardiovasculares. O antigo advogado que nasceu em Seia e se formou em Coimbra completaria 90 anos no próximo dia 15 de Fevereiro. Terminado o curso, Almeida Santos rumou a Moçambique e estabeleceu-se na então Lourenço Marques, actual Maputo, onde se envolveu em actividades políticas e de apoio a nacionalistas, fazendo oposição a Salazar. Ali viveu durante duas décadas, regressando a Portugal em 1974, a convite do então Presidente da República António Spínola. O envolvimento na política levou-o a ser um dos protagonistas no Portugal pós-25 de Abril de 1974, como ministro de várias pastas, desde o I Governo Provisório. Mais tarde foi conselheiro de Estado, presidente da Assembleia da República e presidente do PS, tendo sido um dos mais próximos colaboradores de Mário Soares. Foi autor de dezenas de livros, tinha várias condecorações, designadamente as portuguesas Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e da Ordem Militar de Cristo. Actualmente era o presidente honorário do PS. O corpo de António Almeida Santos vai estar a partir das 17h desta terça-feira em câmara ardente na Basílica da Estrela, em Lisboa, sendo o funeral quarta-feira no cemitério do Alto de São João, também na capital. Assim, o corpo sairá pelas 13h de quarta-feira da Estrela em direcção ao Alto de São João, onde será cremado às 14h, sem qualquer cerimónia religiosa, tal como pedido pelo próprio. PS em choque, Costa faz homenagem em Cabo VerdeO PS manifestou "profunda consternação e choque" com a morte do seu presidente honorário, António de Almeida Santos, salientando que foi um "príncipe da democracia" e um "combatente desde sempre pelos valores da democracia". "Portugal perdeu um príncipe da sua democracia e os socialistas sofreram uma perda irreparável", assinala o Partido Socialista numa nota enviada à Lusa. Na nota de pesar, o PS afirma que a "capacidade tribunícia" de Almeida Santos "fez dele um terrível adversário da ditadura, também na defesa de presos políticos, designadamente em Moçambique, e depois do 25 de Abril um parlamentar incomparável", como deputado, líder do grupo parlamentar socialista e presidente da Assembleia da República, cargo que exerceu entre 1995 e 2002. Os socialistas salientam também que Almeida Santos foi o "artífice de uma parte substancial da malha legislativa no dealbar da Democracia portuguesa, contribuindo decisivamente para a construção do Estado de Direito Democrático". "Na sua acção fez da capacidade de diálogo, da consensualização e da concertação política -- sem abdicar da firmeza das suas ideias - uma verdadeira arte e uma das suas imagens distintivas", lê-se na nota. O PS recorda também que Almeida Santos foi ministro de vários governos e afirma que "desempenhou um papel crucial nas negociações com os movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas com vista à sua independência". Foi também presidente do PS entre 1992 e 2011, e eleito em congresso como presidente honorário, "numa justa e unânime homenagem a alguém capaz de reunir um conjunto de qualidades dificilmente igualável", diz o partido. Na nota, o PS refere que o contributo de Almeida Santos para a democracia em Portugal e os "relevantíssimos serviços" prestados ao partido e ao país "fazem dele uma figura de referência inesquecível para todos os socialistas, em particular, e para os democratas em geral". "Neste momento de tanto pesar para todos os socialistas, o PS apresenta as suas mais sentidas condolências à família do nosso querido camarada Almeida Santos, associando-se à sua dor, que é também a nossa", lê-se ainda na nota. Por decisão da Comissão Permanente do PS, a bandeira do partido será colocada a meia haste nas respectivas sedes até ao final das cerimónias fúnebres de Almeida Santos. Esta quarta-feira, os primeiros-ministros de Portugal, António Costa, e de Cabo Verde, José Maria Neves, vão prestar homenagem ao papel desempenhado no processo de descolonização por Almeida Santos. "Vou manter o programa oficial e, certamente que na quarta-feira, que é um dia muito importante em Cabo Verde - o Dia dos heróis da Nação - certamente que haverá ocasião para também prestarmos uma homenagem a Almeida Santos. Como disse o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, Almeida Santos teve também um papel decisivo na História de Cabo Verde", disse António Costa, na cidade da Praia. Logo na sua primeira declaração, na conferência de imprensa, António Costa referiu-se ao papel desempenhado por Almeida Santos, enquanto ministro da Coordenação Interterritorial após o 25 de Abril de 1974, para a concretização das independências dos países africanos de expressão oficial portuguesa - "um processo que pudemos celebrar no ano passado quando fez 40 anos". "Estamos perante um momento de tristeza partilhada por todos e a melhor forma de rendermos homenagem ao seu combate e luta pelo que nos legou é prosseguirmos este novo ciclo histórico que se abriu há 40 anos quando se firmaram os acordos pela independência, designadamente de Cabo Verde", declarou. Belém, Nóvoa, Marcelo e Cândido Ferreira cancelam campanhaRecorde-se que neste domingo, o histórico do PS participou na campanha às presidenciais de Maria de Belém, na Figueira da Foz. Foi a sua última aparição pública. Na altura, Almeida Santos declarou que se a ex-presidente do PS não ganhar no próximo domingo, "ganha para a próxima" e prometeu. "A próxima vez que a Maria de Belém se candidatar eu cá estarei com ela, porque nessa altura já vai ser muito difícil derrotá-la, lembrem-se do que eu vou digo hoje: se não ganhar desta vez, não sei se ganha ou não, da próxima ganha ela”, declarou. Esta terça-feira, Maria de Belém já fez saber que não fará campanha até ao funeral de Almeida Santos; também não irá ao debate dos dez candidatos, na RTP esta noite; e marcou para o meio-dia uma declaração formal. "Pessoas desta craveira fazem sempre falta, são absolutamente insubstituíveis", disse, ouvida pela SIC Notícias, acrescentando que "o mundo não ficará igual". Também o candidato presidencial Sampaio da Nóvoa recordou, na noite de segunda-feira, no Facebook, Almeida Santos como um “combatente pela liberdade e por todos acarinhado” enquanto presidente da Assembleia da República. Foi uma “personalidade marcante do Portugal contemporâneo, fundador da nossa Democracia, combatente pela liberdade e por todos acarinhado como Presidente da Assembleia da República exemplar na sua forma de construir consensos e prestigiar o debate democrático”, escreveu o candidato na sua conta de Facebook, na madrugada desta segunda-feira. Esta terça-feira, Sampaio da Nóvoa também acabou por cancelar as actividades de campanha até à hora do funeral de Almeida Santos, incluindo o almoço na Trindade e a tradicional descida do Chiado, em Lisboa, mantendo-se prevista apenas a agenda da noite, um jantar com apoiantes em Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro. De manhã, o candidato enviou condolências à família do fundador do PS e a "todos os socialistas" e tinha anunciado que cancelaria, até ao final da campanha, todas as actividades "mais festivas", mas que a continuação do debate político é uma forma de homenagear "o legado de Almeida Santos. Com uma acção de rua prevista no Barreiro a meio da manhã, Marcelo Rebelo de Sousa também decidiu cancelá-la por respeito à morte do histórico socialista, anunciou a sua assessoria de imprensa. “Uma nota pessoal, eu conheci António Almeida Santos em 1969, em Moçambique e ficámos amigos", disse o candidato apoiado por PSD e CDS. "Pude acompanhar o seu percurso pessoal e político, além da luta contra a ditadura. Foi essencial na construção jurídica da democracia, sobretudo como ministro da Justiça. Nos primórdios da democracia foi o pai de muitas leis com a sua inteligência e educação para os consensos. Era um pacificador”, acrescenta. Cândido Ferreira, outro candidato da área do PS, também suspendeu as actividades de campanha eleitoral esta tarde e desloca-se, na companhia do mandatário nacional, Victor Caio Roque, à Basílica da Estrela, para prestar homenagem a Almeida Santos. "Morreu um bom amigo com quem trocava frequentemente livros e ideias. A sua morte empobrece a democracia e ensombra a campanha. À família e ao PS envio sinceras condolências", diz Cândido Ferreira, numa mensagem enviada às redacções. Também Henrique Neto, candidato e militante socialista, emitiu um comunicado, onde considera que António de Almeida Santos "deixa uma marca inconfundível na política nacional e deve ser recordado pelo seu papel no combate à ditadura, enquanto membro da oposição democrática, e como eminente legislador no período democrático, tendo deixado a sua influência decisiva em muita da legislação produzida em Portugal desde o 25 de Abril, muita dela ainda hoje em vigor". A candidata presidencial apoiada pelo Bloco de Esquerda dirigiu os pêsames à família do Partido Socialista. "É uma perda para a democracia em Portugal e é um dia triste nesse sentido. Dirijo os meus pêsames à família socialista, do Partido Socialista", disse Marisa Matias à margem de uma visita ao Tribunal de Loures. A candidata apoiada pelo BE adiantou ainda que vai tentar "passar num momento em que tenha disponível para pessoalmente cumprimentar e deixar a manifestação dessa perda para a democracia em Portugal". Também o candidato presidencial do PCP, Edgar Silva, manifestou o seu pesar pela morte de António de Almeida Santos à sua família e ao PS, à margem de uma acção de campanha, em Carcavelos, que manteve. "Manifestar o pesar pelo falecimento de Almeida Santos, uma pessoa que tem uma longa história de intervenção política e no PS, em particular, onde desempenhou dos mais elevados cargos e que, nos órgãos de soberania, também assumiu responsabilidades de representação institucional das mais elevadas", disse. Reacções de pesarCarlos César deu a notícia no Facebook: "Em pouco tempo morreram dois amigos – Pedro Coelho e António Almeida Santos. Ao Pedro devo uma amizade fraternal e uma camaradagem continuada. A Almeida Santos, cuja notícia de falecimento acabo há pouco de receber, devo uma amizade quase paternal. "O presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, recebeu com "surpresa e consternação" a notícia da morte de António Almeida Santos, que apelidou de "democrata exemplar" e "modernizador" do Parlamento. "Jurista reputado e culto, grande orador e escritor, deixou a sua impressão digital em muitas e importantes leis da República, por isso, muitos o recordam e, justamente, como o grande legislador da democracia", frisou. Ferro Rodrigues lembrou, ainda, os quase sete anos que Almeida Santos esteve à frente da Assembleia da República, afirmando que "deixa uma memória ainda muito viva junto de todos os funcionários e deputados que com ele se cruzaram e deixou uma marca que a história parlamentar recordará como uma marca modernizadora". "Foi com ele que o Parlamento cresceu, com novas instalações, foi com ele que o Parlamento se começou a adaptar à era da internet e foi com ele que o parlamento consolidou a sua aproximação às novas gerações", afirmou. O presidente da Assembleia da República lembrou ainda Almeida Santos como "um dos grandes estadistas destes 41 anos de democracia". "Lutou pelas liberdades antes e depois do 25 de Abril, exerceu com grande competência política e inegável patriotismo vários e relevantes serviços à causa pública, tanto no Governo como na oposição". O primeiro-ministro, António Costa, só soube da morte à chegada a Cabo Verde e recebeu-a “com enorme choque”, confessou. “Recebi com enorme choque a notícia da morte de Almeida Santos, agora à chegada a Cabo Verde”, afirmou, acrescentando que se trata da “perda de um grande amigo, de um camarada”. Para o chefe do governo, Almeida Santos “foi um homem extraordinário, um grande legislador, que construiu o Estado de Direito a seguir ao 25 de Abril de 1974”. E realçou que Almeida Santos foi “um grande combatente pela liberdade e um dos obreiros da descolonização”. A acompanhar Costa a Cabo Verde está o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva: "Devem-se a António de Almeida Santos algumas das traves mestras que constituíram a primeira legislação democrática. Assinalo a sua participação muito importante no processo de descolonização, mas, muito antes disso, foi também um combatente pela liberdade, um grande advogado e um jurista insigne. "O antigo primeiro-ministro José Sócrates considera que a morte de Almeida Santos provocou um "grande vazio e uma grande tristeza" e destacou o seu papel no pós 25 de abril, considerando-o o "legislador da liberdade". "Todos aqueles que conheceram o Almeida Santos estão certamente mergulhados num grande vazio e numa grande tristeza, porque a sua morte causa-nos estes sentimentos, esta vontade de nos recolhermos em silêncio, porque temos consciência de que qualquer coisa de raro se perdeu e que já não pode ser dita: a vida do Almeida Santos", lamentou José Sócrates, em declarações à Lusa. "Foi o político que mais influenciou a ordem jurídica constitucional da liberdade e da democracia no pós-revolução do 25 de abril. Foi também um dos grandes socialistas da geração da fundação democrática e da fundação do Partido Socialista e da implementação do Partido Socialista. Mário Soares, Salgado Zenha e Almeida Santos foram, digamos, os três grandes socialistas dessa geração e dessa época", sublinhou José Sócrates. Almeida Santos "vai fazer muita falta, pelo seu bom senso e capacidade para encontrar soluções para as questões e também pelo respeito que as pessoas lhe tinham", declarou por seu lado Jorge Coelho. O ex-ministro lamentou a morte do "grande amigo", uma "referência para todos os que se revêem numa sociedade mais humana e solidária". "Estou profundamente chocado com a morte de um grande, grande amigo, que deu tudo de si ao país e ao Partido Socialista e era uma referência gigantesca para todos os que se reveem numa sociedade mais humana e mais solidária", declarou. Também o ex-ministro socialista João Cravinho recordou Almeida Santos como um "grande consultor da democracia no pós 25 de Abril", mas também "um homem extremamente afável e de uma inteligência superior". "Almeida Santos foi uma figura que marcou a política nacional por muitos anos depois do 25 de Abril. Foi um legislador notável, quer directamente como ministro, quer como conselheiro de membros do Governo e um excepcional parlamentar", recordou João Cravinho, sublinhando que o antigo político foi "um redactor de imensa legislação que está no Diário da República". O antigo ministro António Arnaut também lamentou a morte do seu amigo e presidente honorário do PS, que considerou "um republicano e um socialista exemplar". António Arnaut, principal impulsionador do Serviço Nacional de Saúde (SNS), recordou à Lusa que conheceu pessoalmente Almeida Santos após o 25 de Abril de 1974, passando a admirar "as suas qualidades intelectuais e a sua capacidade de trabalho". "Esteve sempre ao meu lado na defesa do SNS", enfatizou o antigo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano -- Maçonaria Portuguesa. "Perdi um companheiro, um amigo, um camarada e um irmão", disse. "Foi uma pessoa muito influente na história do Partido Socialista desde o seu início, embora não tenha sido um dos seus fundadores, e foi uma pessoa muito influente também na governação do país, porque foram produzidas por ele muitas das leis na altura em que esteve no Governo", disse à Lusa Arons de Carvalho, para quem a morte de Almeida Santos representa "uma grande perda para o país". Por seu lado, o antigo ministro da Justiça Alberto Martins manifestou “uma tristeza imensa”, lembrando-o como uma grande figura da democracia do país. “Almeida Santos foi uma grande figura da democracia do nosso país, cruzou o seu destino com alguns dos momentos mais marcantes do Portugal moderno”, disse, acrescentando que o ex-presidente do Parlamento foi “um homem da política portuguesa, uma grande figura humana”, sublinhando a sua resistência à ditadura e o papel na construção da democracia, na descolonização e na formação do Portugal democrático na vida política e parlamentar. “É uma tristeza imensa, pois é um dos raros portugueses que fazem parte da história e de muitos de nós da nossa vida pessoal”, declarou. Em Estrasburgo, o líder da delegação socialista ao Parlamento Europeu, Carlos Zorrinho, classificou a morte de Almeida Santos como “uma enorme perda” para Portugal, mas realçou que “a sua memória perdurará por muito tempo”. “Os seus livros mostram bem como se preocupava com o desenvolvimento integral do planeta, com as questões ambientais, muito antes de elas estarem na primeira linha das preocupações, com as desigualdades sociais”, comentou. Foi também em Estrasburgo que a deputada Ana Gomes soube pela rádio portuguesa da morte do líder socialista, uma notícia que recebem com "choque e profundo pesar". “O Almeida Santos era um amigo. Para além de presidente do partido, que foi durante muitos anos, era um amigo. Era uma figura incontornável da nossa construção democrática em Portugal e da descolonização”, disse, recordando algumas das suas qualidades: “uma gentileza como ser humano, uma figura política de uma elegância de atitude, que marcou várias gerações em Portugal, e certamente a minha”. À Lusa, o também eurodeputado do PS Francisco Assis recordou Almeida Santos como "o mais brilhante parlamentar" da democracia portuguesa e "um homem generoso". "O doutor Almeida Santos marcou de forma indelével as últimas décadas da nossa vida pública. Foi um lutador pela liberdade e pela consolidação da democracia. Teve um papel absolutamente essencial nos anos iniciais do nosso regime democrático", afirmou. Francisco Assis, que foi líder parlamentar do PS enquanto Almeida Santos era presidente da Assembleia da República, destacou as qualidades de orador e de "legislador incansável" do ex-dirigente socialista, considerando que foi "o mais brilhante parlamentar da nossa democracia". "Um homem de uma cultura vastíssima, uma das maiores referências da nossa vida pública e um cidadão exemplar", afirmou Assis, sublinhando ainda que Almeida Santos era também "um homem generoso" e "muito atento ao sofrimento humano". Assis sublinhou ainda que António de Almeida Santos "foi um homem, mais cedo que outros, percebeu o verdadeiro significado da globalização, no que ela comportava de positivo e de negativo, era uma inteligência superior". Respeitado por todos os quadrantes políticos"Homem de causas, causídico da liberdade, António de Almeida Santos distinguiu-se pelas suas qualidades como jurista, sendo autor de vários diplomas estruturantes do nosso regime democrático", lê-se numa mensagem enviada pelo chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva, à família do presidente honorário do PS. Na mensagem, divulgada no site na Presidência da República, Cavaco Silva lembra também a forma como Almeida Santos se manteve "sempre fiel ao ideário e aos princípios que marcaram a sua trajectória de vida", na qual exerceu as mais altas funções do Estado, com destaque para a presidência da Assembleia da República. "Cidadão exemplar pelo seu empenho na defesa do modelo democrático europeu, Almeida Santos deixa, em todos os que tiveram o privilégio de o conhecer, a memória afectuosa da cordialidade e da afabilidade de trato, da sua admirável cultura humanista e dos seus invulgares dotes de orador e cultor da Língua Portuguesa", é ainda referido na missiva. O PSD emitiu a meio da tarde desta terça-feira um comunicado manifestando o seu pesar pelo falecimento de Almeida Santos, que classifica como "uma das personalidades mais marcantes da sua história recente". "Homem de invulgar cultura, jurista notável, tribuno brilhante, o Dr. António de Almeida Santos foi, no plano político, um estadista de grande visão, que conduziu a sua vida pela defesa das causas nobres em que acreditava – a liberdade, a democracia, os direitos humanos", lê-se na nota. "O nosso regime democrático deve-lhe, desde a primeira hora, muito, seja pela sua participação marcante na estruturação do nosso sistema político, seja pela forma como exerceu múltiplas e exigentes tarefas governativas. E a história recordará, em particular, o modo como desempenhou as funções de Presidente da Assembleia da República, em que o seu exemplo de competência, de espírito dialogante e de capacidade de construir consensos contribuiu fortemente, com o reconhecimento de todos, para a dignificação da instituição parlamentar", acrescenta. O pesar do grupo parlamentar do PSD veio pela voz do seu líder, Luís Montenegro. "É de facto uma das figuras mais marcantes deste percurso de 40 anos de implementação e evolução da nossa democracia", afirmou numa declaração no parlamento em que exprimiu se dirigiu à família e em particular à filha, a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos. Montenegro manifestou "grande respeito por todo o percurso do doutor Almeida Santos", e, sublinhando estar a falar no parlamento, realçou as suas "qualidades de orador, de eminente jurista e também o seu trabalho como presidente da Assembleia da República". Para o CDS-PP, o "Dr. Almeida Santos será recordado como um Presidente da Assembleia da República que foi respeitado pelos seus pares. E independentemente das diferenças políticas claras, sempre lidou com grande cordialidade e respeito todos os Grupos Parlamentares", refere o partido, numa nota à imprensa. O Secretariado do Comité Central do PCP já expressou à sua família e ao Partido Socialista as suas condolências, "lembrando o seu posicionamento anti-fascista e sublinhando as suas mais altas responsabilidades no plano institucional e no Partido Socialista". O antigo líder centrista Basílio Horta, actual presidente da Câmara de Sintra, eleito pelo PS, confessou que perdeu um amigo. “O país perde um grande português, um jurista emérito, um político que esteve na fundação do nosso regime democrático e um governante de excepção e eu perco um amigo”, disse. “O Partido Socialista está de luto, o país está de luto e eu tenho hoje um grande desgosto”, lamentou. O social-democrata Mota Amaral, que sucedeu na presidência da Assembleia da República a Almeida Santos, considera que a democracia portuguesa perdeu “um dos [seus] fundadores e figura de referência”. O primeiro presidente do Governo dos Açores recorda o contributo de Almeida Santos para a descolonização. “O seu empenho na promoção de uma descolonização justa e honrosa está documentado no seu livro de memórias, que se junta a uma produção literária e doutrinária de muito mérito”, referiu, acrescentando que se tratou de um "legislador por excelência da fase de implantação da democracia” no país, “devendo-se à sua pena muitos dos textos legislativos dos governos provisórios e, mesmo, dos primeiros governos constitucionais, dos quais foi membro com a responsabilidade de variadas pastas”. “Sempre esteve na primeira linha das suas preocupações, enquanto presidente da Assembleia da República, prestigiar e enobrecer o Parlamento, sobretudo mediante a eficácia e a qualidade da produção legislativa e fiscalizadora da instituição”, afirma, notando que Almeida Santos se "preocupou por melhorar as condições de trabalho dos parlamentares e de todos os seus colaboradores, introduzindo inovações que continuam a dar frutos”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O presidente do Governo regional da Madeira, Miguel Albuquerque, também lamentou esta terça-feira a morte de Almeida Santos, definindo o histórico dirigente socialista como uma “figura grande” da história da democracia portuguesa. Numa nota enviada às redações, o gabinete de Albuquerque endereça “sentidas condolências” à família e amigos, sublinhando que o pesar é extensível a todo o executivo madeirense. ”Também a Fundação Champalimaud lamentou o falecimento do histórico socialista. Numa carta enviada para a Lusa e assinada por Daniel Proença de Carvalho e Leonor Beleza, a Fundação Champalimaud escreve: "O Dr. Almeida Santos foi amigo e advogado do Fundador António Champalimaud, foi indicado por ele para o Conselho de Curadores e participou desde o início no projecto da Fundação, dando-lhe um relevante contributo, pelas suas excepcionais qualidades de inteligência, sensibilidade e cultura. Sentiremos a falta do seu conselho", referem os dois responsáveis da instituição em comunicado. Com Paulo Pena, Sofia Rodrigues, Márcio Berenguer
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Morreu Boutros Boutros-Ghali, antigo secretário-geral da ONU
Diplomata egípcio tinha 93 anos. (...)

Morreu Boutros Boutros-Ghali, antigo secretário-geral da ONU
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Diplomata egípcio tinha 93 anos.
TEXTO: O antigo secretário-geral das Nações Unidas Boutros Boutros-Ghali morreu aos 93 anos. A notícia foi dada esta terça-feira aos membros do Conselho de Segurança pelo embaixador venezuelano Rafael Dario Ramirez Carreno, que assegura a presidência daquele órgão durante o mês de Fevereiro. Os 15 membros do Conselho de Segurança observaram um minuto de silêncio em memória do diplomata egípcio que foi o primeiro africano a chegar ao posto de secretário-geral da ONU, uma função que desempenhou entre 1992 e 1996. Como representante do continente africano, Boutros-Ghali foi responsável por organizar a primeira missão de auxílio humanitário de larga escala das Nações Unidas à Somália devastada pela fome. Mas, sublinha a Reuters, não foi bem sucedido nem naquele país do Corno de África nem noutras partes do globo. Foi criticado pelo incapacidade das Nações Unidas agirem para travar o genocídio do Ruanda de 1994 e por não ter pressionado resolutamente para uma intervenção da ONU em Angola para travar a guerra civil durante os anos 1990, que na altura era um dos conflitos que há mais tempo se arrastava no mundo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Boutros-Ghali foi vaiado em Sarajevo, Mogadishu e Addis Abeba. Mas isso não o impedia de confrontar as multidões de manifestantes quando os seus seguranças o permitiam. “Estou habitado a discutir com os fundamentalistas no Egipto”, disse numa entrevista antiga à Reuters. Foi polémico em Sarajevo quando disse que não estava a minimizar os horrores da guerra na Bósnia mas que achava que existiam outros países onde “a mortandade absoluta era maior”. Na Etiópia, disse aos senhores da guerra somalis e aos líderes tribais para pararem de acusar as Nações Unidas e ele próprio de colonialismo, acrescentando que os somalis deviam estar mais preocupados com a possibilidade das antigas potências coloniais ignorarem os seus compromissos se os combates continuassem. “A guerra fria acabou”, disse o então secretário-geral da ONU. “Ninguém quer saber dos países pobres de África ou de outras partes do mundo. A Somália pode ser facilmente esquecida em 24 horas. ”
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Delfim Sardo: Temos obras para um museu de arte contemporânea de relevância mundial
Deitou para o lixo os desenhos que fez. Escreveu uma vez um poema e rasgou-o. A arte fugiu dele, mas ele não fugiu da arte. Delfim Sardo, 54 anos, ensaísta, professor e curador, descobriu a vocação de dar a ver a arte dos outros. A partir de Outubro será o responsável pelas exposições da Culturgest. (...)

Delfim Sardo: Temos obras para um museu de arte contemporânea de relevância mundial
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.166
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Deitou para o lixo os desenhos que fez. Escreveu uma vez um poema e rasgou-o. A arte fugiu dele, mas ele não fugiu da arte. Delfim Sardo, 54 anos, ensaísta, professor e curador, descobriu a vocação de dar a ver a arte dos outros. A partir de Outubro será o responsável pelas exposições da Culturgest.
TEXTO: Parece uma galeria de arte e é de facto um espaço para artistas. Parece um estabelecimento comercial e é realmente uma loja. Não tem nada do ambiente asséptico e burocrático que costuma definir a maior parte dos gabinetes, mas chama-se Gabinete, evocando os famosos cabinets de curiosités, os antepassados renascentistas dos museus dos nossos dias. É no Gabinete de Delfim Sardo que marcamos encontro, por entre obras de Nuno Sousa Vieira, José Pedro Croft ou Francisco Tropa, para venda; tal como um saco de plástico da campanha de Joseph Beuys, no princípio dos anos 70, em defesa da democracia directa, com a particularidade de estar assinado pelo próprio Beuys. Em Outubro, Delfim Sardo abandona este projecto que iniciou há cerca de um ano com três amigos. Aceitou o desafio de programar as exposições de uma das principais instituições culturais do país, a Culturgest. Continuará a dar aulas na Universidade de Coimbra, publicará dois livros ainda este ano e tem em preparação uma série televisiva para a RTP2. Comecemos por um lugar-comum: reconhece validade na ideia de que um crítico (ou um curador) é inevitavelmente um artista falhado?Não sei se é uma verdade universal. Validade pessoal, sim, reconheço. Falhado ou frustrado?Frustrado, não; falhado, sim [risos]. Passei boa parte da minha adolescência a julgar que ia ser artista. Desenhava imenso. Houve períodos da minha vida em que desenhava diariamente e com intensidade. A certa altura percebi que aquilo que fazia não chegava aos calcanhares das coisas de que gostava, e houve um momento em que decidi que não ia ser artista. Foi uma epifania ou uma desilusão?Isto já foi há muitos anos. Teve uma componente de desilusão, sim. Faltou-lhe um empurrão para continuar?O principal empurrão que me faltou foi o meu. Morri na praia. Chegou a expor?Sim. Em coisas completamente locais, sem qualquer relevo. Duas ou três exposições regionais em Aveiro, onde cresci. Como é que lembra o momento em que decidiu que não seria artista?Deitei fora todos os materiais que tinha. Foi uma decisão consciente. Agarrei naquilo e pus tudo no caixote do lixo. Diziam-lhe que tinha jeito?Tinha um certo jeito para o desenho. Desenhava bem dentro dos parâmetros comuns. Desenhava com alguma verosimilhança em relação ao mundo. Tinha antecedentes familiares. O meu pai foi estudante em Coimbra, como eu, e enquanto estudante foi um excelente caricaturista. Tem algumas caricaturas notáveis, nomeadamente a sua autocaricatura. Continua a ser reconhecível hoje, tantos anos depois. O seu pai fez estudos ligados às artes?Não, é advogado. Esteve em Coimbra a estudar Direito. Foi por isso que o Delfim começou por se inscrever em Direito?Provavelmente, sim. Foi com influência paterna. Andei dois anos em Direito. Dois malfadados anos. Depois acabei por mudar para Filosofia. De que é que não gostou no curso de Direito?Eu não tinha nada que ver com aquele universo. Ainda houve algumas cadeiras em que tive algum interesse: as cadeiras claramente mais filosóficas. Filosofia do Direito. Sim. Introdução ao Direito, pelo professor Castanheira Neves, que dava a cadeira com um tom neokantiano. Mas percebi muito rapidamente que aquele não era o meu caminho. No fim do segundo ano dei-me conta de que tinha andado ali a perder tempo da minha vida e mudei para Filosofia. O período em que desenhava terminou ainda em Aveiro?Ainda se prolongou durante o tempo de Coimbra. Fiz algum design gráfico. Colaborei com os organismos autónomos da Academia. Desenhava logótipos de jornais universitários?Sim. Desenhei os jornais de campanha das listas de que fiz parte. Foi activista?Sim [risos]. Desenhei os cartazes e a imagem gráfica da Bienal Universitária de Coimbra, da Semana Internacional de Teatro Universitário. Ainda continuei a fazer design gráfico com o primeiro Área Urbana, em Viseu, que foi um projecto do Ricardo Pais, em 1985. Nunca foi profissional?Nunca. O último trabalho que fiz foi o projecto do catálogo para a recuperação do Teatro Viriato. Ainda há dias lá fui dar uma conferência, num programa promovido pela Dalila Rodrigues, e, qual não foi a minha surpresa, ao chegar e ver num canto um desenho meu emoldurado na parede. Tive muita vergonha, uma vontade enorme de me meter pelo chão abaixo. Por não se reconhecer nele?Reconheci-me, mas não tenho orgulho nenhum. O seu activismo, em Coimbra, era partidário?Não. Completamente apartidário. A única ligação partidária que tive foi na minha tenra adolescência. Fiz parte da juventude do MES. De resto, não tive mais nenhuma ligação partidária. Havia listas independentes na Academia de Coimbra?Na altura, havia. Foi, aliás, o último período em que houve listas independentes. Se pensarmos na Colecção Berardo, na Colecção Elipse, na Colecção da Caixa Geral de Depósitos e noutros núcleos de colecção que existem em Portugal, percebe-se que havia condições para termos um museu de arte contemporânea com um espólio relevante em termos europeus e até em termos mundiais. A Academia de Coimbra é muito partidarizada. Claro. Naquela altura ainda não era. Eu nem me lembro quem eram os dirigentes da Associação Académica de Coimbra. Nunca fez parte de nenhuma lista eleita?Nunca. Sempre direccionado à derrota [risos]. Era um anarca?Não, não era. Eram sempre projectos dentro do campo da esquerda, onde, aliás, continuo a situar-me ideologicamente. Mas projectos muito desalinhados. Em tempos mais recuados, com umas influências marcusianas. Depois, noutras alturas, com umas influências mais Guy Debord. Mas dentro do campo alargado da esquerda. Influências que uma boa parte da esquerda, provavelmente, também não aceitaria de bom grado. Pois não. Claro que há pessoas daquela altura que depois foram alinhando. Não foi o meu caso, nunca tive militância partidária rigorosamente nenhuma. Além da leitura e do desenho, na sua adolescência em Aveiro também se dedicou à natação. Aveiro era uma cidade com muito poucas actividades possíveis para a malta mais nova. Portanto, era uma necessária uma ocupação quase frenética do tempo. No meu grupo de amigos praticava-se natação. No período a seguir ao 25 de Abril tínhamos um envolvimento político grande. A música também era muito importante na altura. Tocou?Não, nunca toquei nada. Era um bom ouvinte. Havia cinema?O cinema que havia, o Avenida, já não é cinema; agora é uma loja da Lacoste [risos]. Nesse cinema tínhamos, aos domingos à tarde, as chamadas "Matinés Clássicas", que não eram necessariamente clássicas. A programação era excelente. Foi lá que vi alguns filmes marcantes para mim. Lembra-se do primeiro que teve esse papel?Não me lembro do primeiro, mas lembro-me de alguns filmes que vi lá. O Inserts, do John Byrum, Os Mistérios do Organismo, do Dusan Makavejev. Ia todos os domingos à tarde ao cinema. Tinha a sorte de ter uma amiga que era filha do dono e que me oferecia bilhetes. Mas o filme que mudou claramente a minha relação com o cinema foi o Apocalypse Now. Estreou-se quando eu devia ter uns 16 ou 17 anos. Esse, vi-o no outro cinema que havia em Aveiro, o Teatro Aveirense. Havia matinée e soirée. Vi-o na sexta-feira à noite, no sábado à tarde, no sábado à noite, no domingo à tarde e no domingo à noite. Cinco vezes, nesse fim-de-semana. Em que momento é que as artes plásticas entraram na sua vida?Um determinado gosto pela arte começou muito cedo, por causa do tal jeito para desenho, de miúdo. Eu gostava de desenhar e também ia vendo. Havia exposições regulares em Aveiro?Não. Havia uma associação, com a qual cheguei a expor, chamada Aveiroarte. Tinha artistas de Aveiro e alguma dinâmica própria. Havia também algum gosto em casa, incutido pelos meus pais. A família fazia viagens a exposições?Não. Também não havia muito onde ir. O Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian só abriu em 1983, a meio do meu percurso em Coimbra. O meu primeiro contacto com artes plásticas, no sentido mais cosmopolita, com propostas que saíam completamente daquilo que eu conhecia e do que eu imaginava que devia ser arte, foi quando cheguei a Coimbra. As primeiras exposições que vi foi no Círculo de Artes Plásticas. Foi aí que vi a primeira exposição do Fernando Calhau, do Michael Biberstein, do Julião Sarmento. Tudo em 1980. Artistas que viriam a tornar-se marcantes para si, nomeadamente o Fernando Calhau. Qualquer um dos três. São artistas que muitos anos depois conheci. E com quem trabalhou. Continuo a trabalhar com o Julião muitas vezes, e com muita cumplicidade. Com o Fernando Calhau, trabalhei durante muito tempo. E com o Michael Biberstein também. Infelizmente, já nem o Fernando Calhau nem o Michael Biberstein estão vivos. As artes plásticas, os museus e as galerias não fizeram parte do roteiro da sua viagem de Interrail, no final da adolescência?Não. Os interesses aí eram bastante mais prosaicos. Estava mais preocupado com a praia, na Grécia, do que em ver museus [risos]. Mas não era só a praia pela praia: já o ouvi dizer que leu As Memórias de Adriano nas praias gregas. É verdade. Lembro-me perfeitamente de estar na praia, a ler, em frente ao Mediterrâneo, e de me deparar com uma frase que dizia qualquer coisa como: “Adriano estava sentado em frente àquele mar sem marés. ” E eu olho e de repente dou-me conta: pois é, isto não tem marés, a água não sobe nem desce, não tenho de mudar a toalha de lugar. [risos]As suas leituras eram anárquicas ou foram de algum modo guiadas?Há uma primeira parte, de leituras infantis e juvenis, que foram guiadas. Tive a sorte de os meus pais terem uma excelente biblioteca em casa: o Tolstoi todo, o Dostoievski todo, o Gorki todo. E obviamente os portugueses, também. A minha formação de leitura foi muito guiada pelo que tinha disponível em casa. Ia à estante, de vez em quando?Sim. Lembro-me perfeitamente do primeiro livro que li, literatura, foi do Soeiro Pereira Gomes. Esteiros?Por acaso foi a Engrenagem, li o Esteiros a seguir. O Esteiros, a certa altura, fazia parte do programa escolar. Sim. Mas li a Engrenagem quando tinha dez anos. Tenho ideia de ter sido essa a minha entrada na literatura adulta. Depois, quando cheguei a Coimbra, o ambiente era muito literário. Havia um amigo meu, muito próximo, do tempo de Aveiro, o Fernando Cascais, com quem andei no liceu, que tinha começado a colaborar com a Fenda. Foi ele que me disse: “Há um tipo, em Coimbra, que tens de conhecer, o Vasco Santos. ” Conheci o Vasco e ainda hoje continuamos muito amigos. A respeito do Cascais tenho uma lembrança incrível. Em 1976 tocam-me à porta, no Verão, num dia de muito calor, e era ele. Vinha nervosíssimo. Trazia na mão um LP. “Tens de ouvir isto!” Era o Radio Ethiopia, da Patti Smith. Em Portugal foi publicado primeiro o Radio Ethiopia e só depois o Horses, pela ordem inversa da saída original. Lembro-me perfeitamente de estarmos os dois sentados na sala a ouvir aquilo, completamente embasbacados. Nunca tínhamos ouvido nada assim. Ecoava ali todo um imaginário: o Rimbaud, o Verlaine, tudo aquilo vinha em catadupas. Esse ambiente literário chegou a puxá-lo, alguma vez, para tentativas poéticas?Fiz uma vez um poema que foi imediatamente parar ao caixote do lixo [risos]. Nunca fui puxado para aí. Como leitor, sim. Havia uma grande circulação de livros e um ambiente de troca de informação permanente sobre o livro que saiu, o livro que se leu. Lembro-me da excitação que vivemos quando chegou a primeira versão da Poesia Toda do Herberto Helder. Eu tinha as primeiras edições em casa. Aliás, em Coimbra, na república onde vivi…Qual era a sua república?Era o Palácio da Loucura. E estive num quarto onde estava, pintado na parede, aquele que normalmente se diz ser o primeiro poema do Herberto Helder. Não sei se ainda lá estará. O Herberto Helder também tinha vivido naquela república. Aliás, tinha sido o meu pai a pintar o poema na parede. Eram contemporâneos, da mesma idade. Conheceram-se?Sim. Não sei se eram amigos. O Herberto Helder era muito próximo do Lousã Henriques, o psiquiatra de Coimbra, esse sim, muito amigo do meu pai. São muito chegados ainda hoje. Não sei que grau de proximidade é que o meu pai teria com o Herberto Helder. Creio que não muito grande. Sabe em que circunstâncias é que o seu pai pintou o poema do Herberto Helder na parede do Palácio da Loucura?Não sei. Por acaso, não foi há muito tempo que soube disso. Estávamos a falar e ele disse-me: “Fui eu que escrevi esse poema na parede. ” É um poema, na história do Herberto, mais ou menos ingénuo. Creio que ainda foi escrito no tempo dele na Madeira. Anterior a A Colher na Boca. Sim. Mas o Herberto era uma presença comum em casa, pelos livros. Lembro-me perfeitamente da excitação que foi quando chegou a primeira edição da Poesia Toda. Foi muito impactante para todos. A sua Coimbra era mais uma Coimbra intelectual do que a da estúrdia estudantil. Foi de tudo um pouco. A exposição é, portanto, um momento extraordinário. As obras de arte que vemos são sempre desenraizadas do seu lugar de origem, que é o atelier do artista. Somos muito poucos os que entramos em ateliers de artistas. Também fez tropelias estudantis?Como toda a gente [risos]. Mas Coimbra teve o seu prazo de validade. Nos últimos anos estava fartíssimo. Queria sair de Coimbra, vir-me embora. Logo que acabei o curso vim viver para Lisboa. O que é que o trouxe para Lisboa?Vim dar aulas para o ensino secundário. Dei aulas de Filosofia. A primeira colocação que tive foi em Cascais, numa escola secundária. Ainda dei aulas também no Pedro Nunes, à noite. Depois fiz o curso de Gestão das Artes do Instituto Nacional de Administração. Comecei o curso em Janeiro e em Maio fui convidado para ir para o Ministério da Cultura. Foi aí que conheci o Fernando Calhau. Era o director de serviços da altura. Convidou-me a coordenar uma divisão na Secretaria de Estado, onde ainda estive durante dois anos. Foi nessa altura que as artes plásticas começaram a ter uma preponderância maior na sua vida?Eram muito importantes. Já durante o curso, em Coimbra, consegui sempre converter os trabalhos das várias disciplinas em trabalhos no campo da arte ou da estética. Na sua actividade há duas vias paralelas: uma de ordem ensaística, ligada à reflexão sobre a arte, e outra de âmbito prático, que tem que ver com a curadoria. . . Sim. E o ensino. Ainda sente o ensino como uma actividade recompensadora?Sim e não. É recompensador, porque continuo a ter a certeza de que a relação com os alunos me é essencial. É um ensino completamente virado para a prática curatorial. A vertente do ensino está ligada à sua prática enquanto curador?Intimamente ligada. E também à minha prática enquanto ensaísta. Há muitas ideias que testo em aulas antes de as escrever. Mas o ensino, neste momento, é também bastante deceptivo. Esta é, certamente, uma sensação generalizada de muitos professores universitários: há uma proletarização do ensino universitário em relação à função do docente. E uma enorme burocratização das tarefas universitárias. Vive-se uma formatação da avaliação que sofre de um vício a que em arte se chama "formalismo". O formalismo avaliativo traz consigo também um outro problema: uma normalização do discurso. Quanto mais os discursos estiverem normalizados, mais facilmente podem ser comparados e avaliados. O que é paradoxal quando a matéria em causa é artística. Completamente. O seu trabalho como curador apareceu por iniciativa sua ou por convite?Apareceu por iniciativa minha, porque me interessa a exposição. Mais do que ser curador, gosto de fazer exposições e catálogos de exposições. É curioso que a palavra "curador", que tem uma raiz latina, tenha chegado ao português por via anglo-saxónica. A primeira vez que aparece em Portugal é o António Ferro que a utiliza nos catálogos da exposição do Mundo Português. Ele tinha estado na exposição mundial de Nova Iorque, em 1939, e tinha apanhado lá a terminologia. Depois, a partir dos anos 80, quando ela começa a generalizar-se em Portugal, é claramente por influência anglo-saxónica. A terminologia usada era francesa: commissaire d'exposition; era o comissário, por influência francófona. O que é que o entusiasma na organização de exposições?As exposições, nas artes, têm um lado extraordinário: provocam, constroem uma relação corporalizada do espectador com as obras num determinado espaço. Essa ligação entre o espectador, o espaço, as obras de arte e a sua circunstância produzem um acontecimento. Esse acontecimento convoca, obviamente, dimensões estéticas, mas também dimensões emocionais, intelectuais, de conhecimento, políticas, antropológicas, por aí fora. A exposição é, portanto, um momento extraordinário. As obras de arte que vemos são sempre desenraizadas do seu lugar de origem, que é o atelier do artista. Somos muito poucos os que entramos em ateliers de artistas. Vêem-se de forma diferente no atelier do artista?Sim, obviamente. A exposição é uma construção cultural com um determinado depósito do conhecimento e um depósito cultural sobre ela, sobre a sua história, que afecta de uma maneira determinante a recepção que as obras de arte têm e a maneira como o espectador se relaciona com elas. A mim interessa-me esse dispositivo, para usar um termo do Foucault, enquanto sedimento de histórias, memórias, hierarquias, relações políticas, relações perceptivas, fenomenológicas, etc. Não há casos em que é o artista o seu próprio curador, determinando ele as condições de exposição?Claro que há. E por vezes com uma grande capacidade de perceber as relações que quer estabelecer com o seu público. Normalmente, no entanto, é interessante para o artista ter um interlocutor. Um olhar externo. Sim, que não é tão externo assim, porque é um olhar contaminado pela proximidade da relação com o artista. Mas é muito profícuo haver alguém que trabalhe esta instância da mediação. O modo como as obras estão expostas tem impacto sobre o modo como o espectador as percebe. Tem impacto ao centímetro. Uma obra que está cinco centímetros abaixo ou cinco centímetros acima na parede convoca relações corporais, perceptivas, de escala, totalmente diferentes. Como é que se sente naquele corredor do Museu do Vaticano, que parece um hipermercado de obras-primas?Aí sou mais o basbaque e menos o curador [risos]. O que me fascina é a situação em que a exposição deliberadamente constrói relações. Hoje em dia, na maior parte dos museus, essas relações são construídas culturalmente. Outros, como o Museu do Vaticano, são um depósito histórico de hierarquias políticas e de historiografia. A mim interessa-me mais quando essas condições são manipuladas para poderem construir reptos diferentes de interpretação para o espectador. Esse lado do pensamento sobre a exposição encontrei-o de uma forma consciente quando comecei a trabalhar na Secretaria de Estado da Cultura. E aí há uma pessoa que foi para mim uma referência fundamental: o Fernando Calhau. Era alguém que tinha uma intuição espacial excepcional. O Estado em Portugal tem um problema endémico muito grande: entende a sua relação com a cultura sistematicamente como um apoio à produção artística. O Estado devia, sobretudo, dar apoio à mediação artísticaOrganizavam exposições?Sim. A primeira exposição que fiz, fi-la com o Fernando Calhau. Com obras dele?Não. Com obras do Alberto Carneiro. Era uma exposição chamada Contingências. Essa aprendizagem com o Calhau não foi só aprendizagem das questões da exposição, foi uma aprendizagem do olhar. Há pessoas que têm ouvido absoluto, o Calhau tinha uma visão apuradíssima – aguda e certeira. A Secretaria de Estado da Cultura, na altura, era produtora de eventos artísticos?Sim. E até tinha uma galeria que ficava no rés-do-chão do edifício da Avenida da República, a Galeria Almada Negreiros. Isso hoje parece impensável. Sim. Já na altura parecia um bocadinho impensável. Era o resultado de uma grande falta institucional. Há que pensar que o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian abriu as portas em 1983. Em 1989 abriu a Casa de Serralves, que ainda não era museu. Só em 1993 é que abrem a Culturgest e o CCB. E só em 1999 o Museu de Serralves. Todo este nosso panorama artístico de arte contemporânea é muito recente. O Museu do Chiado, que já era uma instituição com imensas dificuldades antes do incêndio, fechou devido ao incêndio do Chiado e só abriu na década seguinte. Em 1990, tínhamos um terreno muito depauperizado em termos dos mecanismos de divulgação da arte. O papel do Estado entretanto alterou-se por completo nas últimas décadas. Para melhor ou para pior?Aí está uma pergunta muito difícil de responder. Não sei se para melhor, se para pior. Alterou-se de muitas maneiras ao longo do tempo, vezes demais, com mudanças de mais, e com alterações demasiadas ao nível do modo como o Estado entende a sua relação com o universo produtivo da cultura. O Estado em Portugal tem um problema endémico muito grande: entende a sua relação com a cultura sistematicamente como um apoio à produção artística. O Estado devia, sobretudo, dar apoio à mediação artística. Apoiar as instituições?As instituições – sejam elas de pequena escala, média escala ou de grande escala – que trabalham a mediação em todas as áreas. Muito raramente o Estado conseguiu produzir um discurso coerente, ou um discurso sólido sobre qual era o seu papel na relação com a cultura. O caso de Serralves não lhe parece um caso bem sucedido?Obviamente, há momentos bons. Esse é um dos momentos altos da relação do Estado com a sociedade no campo da cultura e das artes visuais. Já em relação ao CCB, o Estado nunca foi capaz de escrever um documento que definisse o seu modo de relacionamento com aquela instituição. Há também a Culturgest. A Culturgest é um caso diferente, é uma fundação que pertence a um banco. Mas é um banco público. Mas não há financiamento directo do Estado à Culturgest. A Culturgest funciona a partir da relação que tem com a Caixa Geral de Depósitos. Não há ali nenhuma injecção de dinheiro directo dos contribuintes. É um caso diferente. Há só um momento no qual houve de facto uma perspectiva sobre o papel do Estado em relação à cultura: foi no ministério do Manuel Maria Carrilho. O Manuel Maria Carrilho foi um bom ministro da Cultura. Teve uma ideia e uma acção com um aspecto muito positivo: o de agilizar as estruturas de apoio, fazendo estruturas mais leves. A lógica dos institutos. Mais flexíveis, mais capazes de estabelecerem ligação permanente quer com os criadores, quer com os mediadores. A partir daí, com a reconversão da estrutura de Estado em direcções-gerais, deu-se um passo atrás que agora muito dificilmente se vai recuperar. Hoje em dia, o papel do Estado encolheu a um ponto que os mecanismos fora da sua alçada ganharam dinâmicas próprias, e frequentemente não contam com o Estado para a sua sobrevivência, pelo menos nas artes visuais. Isso não tem um aspecto positivo, apesar de tudo?Sim, é uma consequência positiva de uma falta de acção determinada. Provavelmente com uma acção bem determinada estaríamos hoje numa outra plataforma, que não estamos. A colecção da Caixa Geral de Depósitos está ligada à Culturgest?Sim, é a Culturgest que gere a colecção. Aliás, é uma colecção exemplarmente tratada em termos de conservação e de inventariação. Pode servir bem como case study em Portugal, embora seja uma colecção que está parada há alguns anos, não tem crescido. Não tem havido dinheiro para comprar mais obras. Não tem havido orientação nesse sentido. Mas seria fantástico que pudesse um dia voltar a crescer e a assumir um papel importante. Tem sido suficientemente exposta?Talvez seja pouco exposta na Culturgest em Lisboa, mas tem tido um programa de itinerância. Neste momento está em Tavira, numa exposição feita pelo Bruno Marchand, um jovem curador que está a viver em Barcelona. A partir da colecção têm sido activados projectos interessantes. Já tem planos concretos para o que vai fazer na Culturgest?Não. Vou construir esses planos, mas ainda é muito cedo para falar deles. Neste momento a Culturgest vai continuar com o excelente programa feito pelo Miguel Wandschneider. A colecção do BPN faz parte agora também da colecção da Caixa Geral de Depósitos?Não sei exactamente qual é o estatuto que tem. E a colecção da Ellipse, que também é muito conceituada, e que está encaixotada desde que o BPP faliu?A colecção da Ellipse é um espólio extraordinário. Nunca mais haverá condições em Portugal para reunir um espólio como aquele. Olhando um bocadinho em mapa, se pensarmos na Colecção Berardo, na Colecção Ellipse, na Colecção da Caixa Geral de Depósitos e noutros núcleos de colecção que existem em Portugal, percebe-se que havia condições para termos um museu de arte contemporânea com um espólio relevante em termos europeus e até em termos mundiais. Teria de estar tudo sob a mesma alçada?Teria de haver uma articulação. Seria, com certeza, um esforço negocial muito difícil. Seria necessária uma grande criatividade por parte dos poderes públicos. Mas, se essas condições pudessem ser reunidas, poderíamos ter um museu de arte contemporânea de referência mundial. Uma Tate?É difícil dizer. Para ser uma Tate era necessário que esse museu de arte contemporânea fosse articulado também com o Museu do Chiado. Há muitos modelos para isso: o da Tate, por exemplo é de divisão nacional. Temos a Tate Britain e a Tate Modern, ainda co-adjuvadas pelas outras Tate mais periféricas, que fazem a distribuição de projectos de menor escala. Temos outro modelo, o de Düsseldorf, que tem o K20, o museu de arte do século XX, e o K21. Um dedicado à arte dita "contemporânea", o outro dedicado à arte dita "moderna". Não gosto destas categorias, mas uso-as pela facilidade de percebermos do que é que estamos a falar. Esse é um outro modelo, o modelo de divisão epocal e não de corte nacional. Qualquer modelo tem vantagens e desvantagens. Qual lhe pareceria mais adequado no caso português?O Museu do Chiado é um museu centrado sobretudo na arte moderna e com uma colecção portuguesa. Tem essas duas vertentes. Depois haveria lugar para um museu nacional com arte a partir do momento em que o Museu do Chiado deixa de cobrir a sua área de intervenção. Esse modelo duplo provavelmente seria muito interessante. O que é que falta: dinheiro, vontade política?Falta dinheiro. Provavelmente faltam condições políticas para o fazer. Falta o momento histórico para isso acontecer. A Colecção da Caixa Geral de Depósitos é uma colecção exemplarmente tratada em termos de conservação e de inventariação. Pode servir bem como case study em Portugal, embora seja uma colecção que está parada há alguns anos, não tem crescidoFalta apoio da opinião pública?O apoio público não começa antes de a iniciativa ser tomada. O apoio público deve ser capitalizado a seguir. Há certamente apoio público para um grande projecto deste género. Há pelo menos um apoio público que começa por aquelas pessoas que estão directamente envolvidas no tecido artístico: artistas, galeristas, coleccionadores. Com muitas diferenças de opinião sobre metodologias, certamente; mas todas essas diferenças são negociáveis, e também não é preciso haver unanimidade. Imagino que o Delfim Sardo vai a museus onde encontra frequentemente obras que não reconhecerá como arte. Com certeza. Eu e todas as pessoas. Mas isso faz parte da nossa condição moderna: não ser possível qualquer tipo de consensualidade. Tentamos perceber, a cada momento, quais os protocolos que esta obra que tenho perante mim pretende que eu active. São frequentes as anedotas de obras, no chão da galeria, que a senhora da limpeza varre, porque as confundiu com lixo. Já me aconteceu. Onde?Numa exposição realizada na Figueira da Foz. Era uma instalação de um artista norte-americano chamado Jimmie Durham; uma instalação muito interessante que resultou de uma performance. Dessa instalação consta um lavatório de mãos. Esse lavatório durante a acção da performance foi partido e os cacos remanescentes do lavatório eram colocados no chão ao pé do lavatório. Quando foi feita a instalação dessa peça na Figueira da Foz, houve uma reunião com as senhoras da limpeza para lhes dizer: “Atenção, isto pertence à obra. ”É favor não varrer. Um dia recebo um telefonema a dizer que houve um problema: a obra foi varrida. Mudou o turno da limpeza?A senhora que tinha feito a formação adoeceu e houve uma outra senhora, parece que muito boa profissional e muito competente, e zelosa, que fez aquilo que lhe competia: tirar os cacos do chão e deitá-los fora. [risos]Essa história, que tem graça. . . Depois, não teve graça nenhuma. Houve consequências jurídicas?Jurídicas, não. Houve uma negociação longa com o próprio Jimmie Durham para se perceber como é que a peça podia ser restaurada. Ele teve de realizar novamente a performance para substituir aquela peça por outra. À parte o lado anedótico, que problemas é que essa história lhe coloca em termos da validade daquela obra?Não me coloca problema nenhum. Basta pensarmos, por exemplo, que o próprio Picasso teve as Demoiselles d'Avignon, hoje em dia uma obra-prima incontestada do século XX, durante décadas no atelier sem saber exactamente o que aquilo era. A primeira entrevista em que menciona o episódio famoso do Trocadero, onde teria visto as máscaras africanas e teria tido a inspiração para aqueles rostos, é de 1936, e a peça tinha sido pintada em 1907. Vinte e nove anos antes, portanto. E é a primeira vez que ele abre a boca para falar daquela situação. Quer dizer que ele próprio não a valorizava. Ele próprio não sabia o que pensar daquela peça. Ela foi recusada pelo museu de arte moderna de Paris. Picasso teve as Demoiselles d’Avignon, hoje em dia uma obra-prima incontestada do século XX, durante décadas no atelier sem saber exactamente o que aquilo era. A primeira entrevista em que menciona o episódio famoso do Trocadero, onde teria visto as máscaras africanas e teria tido a inspiração para aqueles rostos, é de 1936, e a peça tinha sido pintada em 1907. Vinte e nove anos antes, portanto. E hoje está no MOMA. Sim. Os franceses devem estar bastante arrependidos. Certamente que estão [risos]. Pode dizer-se que a arte se antecipa no tempo a outros fenómenos sociais?Sim, claramente. Não sei se viu uma notícia recente de um senhor que decidiu enlatar ar de Fátima para o vender em latinhas a três euros cada uma. Não vi [risos]. Quando li aquilo, lembrei-me imediatamente do Air de Paris, a ampola que Marcel Duchamp levou para os Estados Unidos. . . 50 cc d’Air de Paris. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Não sei se o senhor que enlatou o ar de Fátima conhecerá a obra de Duchamp. Suspeito que o que ele conhecia eram as latinhas de ar de Berlim enlatado que se vendem na torre da televisão. Eu comprei uma, da primeira vez que fui a Berlim [risos]. Naquela torre, em Alexanderplatz. E será que aí havia um eco de Duchamp. Aí é capaz de ter havido, sim. No do senhor de Fátima, não sei. Embora seja lá um dos melhores restaurantes que eu conheço; e tem na parede uma fotografia de Jorge Molder [risos]. A arte contemporânea está presente em Fátima, no Tia Alice.
REFERÊNCIAS:
Paul Gascoigne acaba num hospital após confrontos num hotel
O ex-jogador inglês aparentava estar embriagado e está agora debaixo de uma investigação policial. (...)

Paul Gascoigne acaba num hospital após confrontos num hotel
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DATA: 2016-12-29 | Jornal Público
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SUMÁRIO: O ex-jogador inglês aparentava estar embriagado e está agora debaixo de uma investigação policial.
TEXTO: O antigo futebolista inglês Paul Gascoigne teve de receber tratamento hospitalar, em consequência de confrontos ocorridos na noite de terça-feira num hotel londrino, noticia, esta quarta-feira, a comunicação social britânica. O porta-voz de Gascoigne, Terry Baker, adiantou que o ex-futebolista não chegou a ser detido e que deixaria o hospital directamente para casa. Todavia, a polícia londrina, que foi chamada ao hotel, informou ter iniciado uma investigação. Segundo testemunhas citadas pela imprensa inlesa, Gascoigne, de 49 anos, aparentava estar "muito bêbado", e proferiu insultos racistas contra clientes do Ace Hotel. O antigo internacional inglês acabou por ser transportado para um hospital com ferimentos na cabeça. Gascoigne, iniciou a carreira no Newcastle United, em 1985, onde fez toda a sua formação. O ex-craque dos “magpies” sempre foi mais conhecido pela sua carreira na Premier League, tendo tido uma curta experiência na Lazio (1992-95). Durante e depois de ter terminado a carreira de futebolista, em 2004, Gascoigne envolveu-se em vários incidentes. Em 2015, foi multado em 1000 libras (1170 euros) por ter dito uma piada racista numa aparição pública, anteriormente já tinha sido associado a outros casos polémicos devido ao seu problema com o alcoolismo. Texto editado por Jorge Miguel Matias
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave social racista