Jazz activista de Metá Metá em batalha ganha pelos War on Drugs
No último dia do Nos Primavera Sound, os brasileiros e os norte-americanos, a milhas da dimensão a que pertence Nick Cave, entraram para o quadro de honra das boas actuações a que assistimos noutros pontos do recinto, do qual também fazem parte os Public Service Broadcasting e Vagabon. (...)

Jazz activista de Metá Metá em batalha ganha pelos War on Drugs
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: No último dia do Nos Primavera Sound, os brasileiros e os norte-americanos, a milhas da dimensão a que pertence Nick Cave, entraram para o quadro de honra das boas actuações a que assistimos noutros pontos do recinto, do qual também fazem parte os Public Service Broadcasting e Vagabon.
TEXTO: No dia em que o magnetismo de Nick Cave atraiu todas as atenções, aqui e ali, noutra dimensão e noutros palcos, investia-se no esforço de não se passar para segundo plano. Entre a surpresa do jazz de fusão dos Metá Metá, a melancolia de Vagabon e o rock didáctico dos Public Service Broadcasting, foram os War on Drugs que se evidenciaram com uma visão ampla do rock americano mais clássico, em noite que não correu particularmente bem para os escoceses Mogwai. A chuva tinha ameaçado cair desde que a edição deste ano do Nos Primavera Sound arrancou na quinta-feira. Foi este sábado que decidiu não dar tréguas ao público que esgotou o último dia do festival. Benditos impermeáveis, indispensáveis em maratonas musicais longas, os melhores amigos dos melómanos que estacionam frente aos palcos, irredutíveis, em áreas geográficas onde já não se pode confiar nas estações do ano. De um país quente, os brasileiros Metá Metá vinham preparados para recentrar o foco na música. No Brasil, menos favoráveis estão as questões políticas. O jazz de fusão com MPB, ritmos africanos e algumas intervenções mais rockeiras deste trio base de baixo, voz e saxofone, apoiado por guitarrista e baterista convidados, serve também de veículo para a reflexão sobre o caos político em que se encontra actualmente o seu país. Umas vezes mais musicais, outras mais exploratórios, asseguraram uma actuação surpreendente sem cair em onanismos muitas vezes dispensáveis em território free jazz e sem perder a musicalidade, muito por força da condução da vocalista Juçara Marçal, que consegue ser o Norte para que, apesar dos desvios, se chegue ao destino. Agradável e eficaz também foi o Indie rock melancólico de Vagabon, alter-ego da camaronesa Laetitia Tamko, que desde a adolescência vive em Nova-Iorque. Por vezes depressivo, mas também com progressões de dedilhados de guitarra mais esperançosos, conseguiu entregar no palco Pitchfork um alinhamento bem estruturado e sólido. Da lua à subida ao Evereste, os londrinos Public Service Broadcasting fazem uma viagem pelo arquivo público de informação. Banda sonora para os maiores feitos da humanidade, são uma espécie de plataforma audiovisual que organiza som, imagem e informação num pacote didáctico trabalhado para ser musical. E conseguem fazê-lo com alguma eficácia. No palco criam uma simbiose entre estes mundos, para onde somos transportados com a ajuda de composições apoiadas numa secção rítmica que aguenta acordes e notas de teclado e guitarra inspiradores e mais viajantes, muitas vezes a estender o indie rock que praticam para a esfera do kraut. Depois da actuação densa de Nick Cave ter justificado a presença da chuva, ainda embrenhados numa sensação de que as feridas infligidas pelo australiano, acompanhado pelos seus Bad Seeds, não vão sarar tão cedo, seguimos para o Palco Seat para assistir ao regresso a Portugal dos The War on Drugs, com a sensação de que a noite podia ter acabado minutos antes. A música dos norte-americanos é feita de camadas. Numa primeira impressão pode achar-se que pouco mais há além da americana de onde partem para o resto das composições. Bateria a marcar passo num quatro por quatro constante a servir de cama a uma guitarra e a um teclado de acordes simples, mas eficazes, surgem os solos inspirados do guitarrista/vocalista Adam Granduciel. O músico não cai na tentação de seguir a via do virtuosismo bacoco que nada acrescenta. Serve apenas e só a música e deixa de lado o ego. Ocasionalmente, é notória alguma inspiração floydiana, da ala David Gilmour, nas melodias mais introspectivas. Os War on Drugs não são uma banda de explosão, mas sim de contenção e é nessa contenção que se escondem os pormenores mais interessantes. Foram responsáveis por uma actuação irrepreensível que nos trouxe de volta ao festival. Aproveitando a chama reacendida, procurámos alimentá-la no último concerto do palco Nos da edição deste ano, que marcou o regresso dos Mogwai ao festival quatro anos depois de lá terem tocado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Scotch 20 anos servido lentamente fora de horas. Ao pós-rock dos Mogwai não se pode exigir mais do que aquilo que é. Impulsionadores de um género que na entrada para a segunda década de 2000 se massificou, foram eles próprios engolidos pelo som que ajudaram a criar. Entre crescendos para descargas sónicas apoteóticas, momentos de puro resguardo e outros mais viscerais, estão presos a uma fórmula gasta da qual não têm por onde fugir se não a reinventarem. Os escoceses cumpriram o propósito, mas não fizeram mais do que entregar o reportório iniciado em 1997, quando saiu Mogwai Young Team. Nalguns momentos a lutarem com problemas de som, foram responsáveis por uma actuação sofrível, num palco ainda com o cheiro de Nick Cave.
REFERÊNCIAS:
Étnia Escoceses
Português envolvido em escândalo de offshores
Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira é referido nos Panama Papers pelo alegado envolvimento na Lava-Jato. (...)

Português envolvido em escândalo de offshores
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira é referido nos Panama Papers pelo alegado envolvimento na Lava-Jato.
TEXTO: O único português citado – para já – nos 11, 5 milhões de documentos revelados neste domingo pelo Süddeutsche Zeitung e o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação é Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira. O empresário de Vouzela era dono de um conglomerado de nome Lusitania Group, composto por 14 empresas sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, entre 2003 e 2011. Os interesses empresariais de Rodrigues de Oliveira estavam relacionados com sectores de exploração de petróleo, gás natural e minérios. Em 2011, referem os documentos agora revelados, vendeu à Petrobras metade dos direitos de exploração num campo de petróleo que uma das suas empresas detinha no Benim. Foi quando entrou no radar da Justiça brasileira. A movimentação de capitais registadas à volta da nova parceria com a petrolífera brasileira no Oeste africano levantou suspeitas. De resto, a maioria das empresas de Rodrigues de Oliveira (12 das 14) foram criadas apenas alguns meses antes deste negócio com a Petrobras, salienta o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. Em Maio de 2011, o procurador-geral brasileiro refere num relatório que o empresário transferiu 10 milhões de dólares (8, 8 milhões de euros) para uma conta na Suíça mantida por João Augusto Rezende Henriques, associado ao PMDB, o maior partido do Brasil. Esta operação foi feita electronicamente por intermédio de uma empresa registada pela Mossack Fonseca, em 2010, nas ilhas Seychelles – a Acona International Investments Limited. Rezende Henriques transferiu, por sua vez, 1, 5 milhões de dólares para uma outra conta bancária, também na Suíça. Confrontado pela Polícia Federal brasileira, o lobbyista disse em depoimento que “a conta indicada para o pagamento pertencia a Eduardo Cunha”, citam os Panama Papers. Cunha, presidente da Câmara dos Deputados no Brasil, é um dos políticos de primeira linha visados na megaoperação Lava-Jato, que investiga a corrupção na Petrobras. A Justiça brasileira suspeita desde então que o português Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira tenha subornado Eduardo Cunha. As operações da Mossack Fonseca só começaram a ser investigadas no Brasil em Janeiro deste ano (na Alemanha, aconteceu na mesma altura). Os procuradores brasileiros qualificam a empresa como uma “grande branqueadora de capitais”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No Brasil, os documentos – com uma quantidade massiva de informação (2, 6 terabytes) e respeitantes a um longo período de tempo, que vai dos anos 1970 até agora – foram analisados pelo portal UOL, o jornal O Estado de São Paulo e a Rede TV, que identificaram pelo menos 107 empresas offshore ligadas a personagens citadas na Lava-Jato. Estas empresas não são, todavia, referidas no megaprocesso gerido pelo juiz Sérgio Moro. Eduardo Cunha é citado directamente nos documentos. O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação tentou obter uma reacção do presidente da Câmara dos Deputados, mas só obteve resposta da assessoria de imprensa, que numa nota escrita informa que o deputado nega veementemente as acusações e "desafia qualquer um a provar que ele está ligado a qualquer offshore". De resto, há pelo menos seis grandes empresas e famílias envolvidas na Lava-Jato que negociaram com a Mossack Fonseca, escreve o UOL: a construtora Odebrecht e as famílias Mendes Júnior, Schahin, Queiroz Galvão, Feffer (grupo Suzano) e Walter Faria (grupo Petrópolis).
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
"É importante que se saiba que os jovens agredidos estavam a falar verdade”
No bairro da Cova da Moura recordam-se os tempos em que havia uma polícia de proximidade. E lamenta-se que esse projecto tenha desaparecido. (...)

"É importante que se saiba que os jovens agredidos estavam a falar verdade”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.25
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: No bairro da Cova da Moura recordam-se os tempos em que havia uma polícia de proximidade. E lamenta-se que esse projecto tenha desaparecido.
TEXTO: Este caso não foi o primeiro na Cova da Moura. "Muitos houve e todos foram arquivados", diz Isabel Marques Monteiro. Por isso, a primeira reacção da coordenadora da Associação Moinho da Juventude à acusação de 18 agentes da PSP, proferida pelo Ministério Público (MP), é de regozijo: “Para nós foi uma alegria. É sinal de que já se fez justiça”, diz. A versão do que se passou em 2015, que os jovens deram na altura, foi confirmada pelo MP. “Só o facto de este caso ser resolvido já é uma grande conquista para nós. Quer dizer que os jovens estavam a falar mesmo verdade. Normalmente os polícias não acreditam neles. Tentam desacreditar os jovens. ”Jakilson Pereira, colega de Isabel Monteiro na associação, partilha essa alegria. Logo pela manhã, nesta terça-feira, num café do bairro, conviveu com outros residentes em roda do mesmo acontecimento: a notícia de que 18 agentes da esquadra de Alfragide tinha sido acusados da prática de crimes como denúncia caluniosa, ofensa à integridade física qualificada, tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, isto em 2015, contra seis jovens da Cova da Moura. Jakilson diz que sentiu necessidade de moderar o entusiasmo geral. “Uma acusação não é uma condenação. Ainda há muita pedra para partir”, foi dizendo a quem perguntava: “Eles nunca mais vão poder ser polícias?”Para algumas perguntas Jakilson não tinha resposta. Perguntas que se explicam pelo "pânico que os polícias aqui inspiram". Os 18 agentes acusados ficaram com Termo de Identidade e Residência, de acordo com o despacho de acusação, onde não é referido se ficam suspensos de funções. Para já continuam ao serviço, disse fonte policial à Lusa. O PÚBLICO tentou confirmar se assim vão permanecer. A Direcção-Nacional da PSP não respondeu e o gabinete da ministra Constança Urbano de Sousa apenas disse: “O Ministério da Administração Interna não se pronuncia sobre processos em investigação. "Jakilson Pereira lembra-se muito bem daquele dia de Fevereiro de 2015. E uma das coisas que mais o indignaram, além da brutalidade contra os seis agredidos, entre os 16 e os 33 anos, foi uma notícia com forte impacto que qualifica de "propaganda que condicionou tudo”. Uma televisão abria nessa tarde de 5 de Fevereiro um directo urgente, a partir da esquadra de Alfragide, dizendo: "Jovens invadem esquadra. " Ao mesmo tempo, dizia-se que os polícias tinham sido apanhados de surpresa. A opinião pública “nessa tarde nem sabia que os seis jovens estavam hospitalizados por terem sido brutalmente agredidos”. E insiste indignado: a verdade esbarrou no "estereótipo". Por isso, acrescenta Isabel Monteiro, "uma das coisas mais importantes é que a polícia, e toda a gente, saiba que os jovens estavam a falar verdade". E nota: “Os jovens deste bairro são, na maioria, de nacionalidade portuguesa. O problema é que a imagem que passa é de um bairro de drogados, bandidos, traficantes. As pessoas esquecem-se que há aqui gente com o seu trabalho, embora também haja muito desemprego jovem. "Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No bairro da Cova da Moura – entre Alfragide, a Damaia e a Buraca – no concelho da Amadora, recordam-se os tempos em que havia uma polícia de proximidade, e lamenta-se que esse projecto tenha desaparecido, seja porque mudou o comando da PSP de Alfragide, seja porque mudaram as políticas genéricas da polícia, e houve desinvestimento nesta área, dizem. “Na altura aquilo [o projecto] estava a correr lindamente”, recorda Isabel Monteiro. “Os polícias vieram almoçar e organizou-se um jogo de futebol entre polícias e residentes do bairro", recorda. "O projecto serviu para conhecerem a realidade, a nossa cultura. As pessoas aqui vivem como se estivessem em Cabo Verde. ” Aos cabo-verdianos, que fundaram o bairro, juntaram-se entretanto guineenses, angolanos, são-tomenses, portugueses, brasileiros, "uma mistura de gente residente". Residentes que, já na tarde desta terça-feira, depois do PÚBLICO ter estado na Cova da Moura, foram confrontados com a chegada de três carrinhas de polícias às ruas do bairro. "Ficam parados à frente das pessoas com as suas caçadeiras", contou um habitante da Cova da Moura por telefone. Nada, diz, que as pessoas do bairro não conheçam, mas desta vez, afirmou, "estão mesmo a intimidar".
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Entidades PSP
Fernando Santos avisa que todos os resultados contam
Seleccionador nacional pretende ver resposta de Portugal num teste a pensar nos adversários marroquino e iraniano. (...)

Fernando Santos avisa que todos os resultados contam
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Seleccionador nacional pretende ver resposta de Portugal num teste a pensar nos adversários marroquino e iraniano.
TEXTO: O seleccionador nacional, Fernando Santos, vai poder tirar já na segunda-feira as primeiras ilações sobre o momento de Portugal frente à congénere da Tunísia, a equipa mais bem posicionada no ranking entre as selecções africanas, o que permitirá também ajustar alguns aspectos tácticos antes dos confrontos com Marrocos e Irão, cujos estilos se aproximam. “Espero ver. Estes jogos servem essencialmente para ver… como estão os jogadores depois da paragem dos campeonatos e desta semana de treinos. Estes dois jogos serão para ver a evolução da equipa em todas as componentes, para podermos ir afinando para a Rússia”, avançou Fernando Santos, interessado em “analisar” o comportamento dos jogadores para poder ajustar a “orientação dos treinos”, quer sob o ponto de vista físico quer no plano táctico. Fernando Santos reagiu com firmeza a qualquer relativização dos resultados nesta fase, passando uma mensagem inequívoca. “Os resultados interessam sempre. Estamos a representar a selecção nacional e os resultados contam. Não há jogos em que não contam. Sejam amigáveis, menos amigáveis, antes do campeonato do mundo, antes do campeonato da europa ou em competições oficiais”, respondeu, assertivo. E para obter o melhor resultado, o seleccionador propõe a melhor equipa nas actuais circunstâncias. “Vamos apresentar a equipa que entendemos adequada neste momento, depois de uma época desgastante”, retorquiu, sem denotar qualquer tipo de preocupação específica relativamente a um ou outro elemento. Fernando Santos passou então para o campo da motivação, não admitindo menos do que o máximo. Os problemas do Sporting e o impacto nos jogadores recrutados em Alvalade é um “assunto encerrado a nível da selecção”, disse, esperando “o mesmo compromisso de sempre”. Na inversa, a injecção de confiança que a selecção receberá com a chegada iminente do penta campeão da Liga milionária é sempre bem-vinda. “Acompanhei com muita atenção a final, a torcer pela vitória do Real Madrid, mais em função da presença do Cristiano Ronaldo. Já o felicitei pessoalmente, mas aproveito para voltar a dar-lhe os parabéns. De resto, todos estarão altamente focados e tenho a certeza absoluta do que vai acontecer”, acrescentou, feliz por poder contar com Ronaldo. “É sempre importante para a selecção e para qualquer equipa do mundo ter o Cristiano”. Em matéria de estatuto, Fernando Santos deixou ao critério de cada um a análise relativamente aos benefícios ou imprecações da condição de Campeão da Europa de Portugal. “Motivação sinto desde que cheguei em 2014. Foi o que nos levou à conquista do Europeu. Ser campeão é importante, mas uns entendem que aumenta a pressão, outros que dá maior conforto…”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Antes de encerrar a conferência de imprensa, Fernando Santos referiu-se ao primeiro dos três adversários de Portugal antes da estreia na fase final do Mundial da Rússia. “A Tunísia possui uma selecção organizada e de qualidade, que estará presente na fase final. Há algumas semelhanças na organização e na forma de pensar o jogo que nos interesssa testar, pois não estamos tão habituados a defrontar selecções africanas”, explicou, referindo-se às exigências que Marrocos colocará. “O próprio Irão apresenta um futebol mais próximo destas equipas”, concluiu, inserindo a equipa de Carlos Queiroz nesta categoria”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave campo
Uma galeria do mundo
Um panorama das questões que no nosso tempo os artistas chamam a si. (...)

Uma galeria do mundo
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um panorama das questões que no nosso tempo os artistas chamam a si.
TEXTO: Todas as exposições de prémios artísticos são imperfeitas, assimétricas e injustas. As razões prendem-se não só com os processos de selecção de artistas, mas também com o facto de o acesso às obras seleccionadas ser sempre parcial: são fragmentos, ou amostras, de universos simbólicos, políticos e artísticos cuja dimensão e profundidade (ou a sua ausência) dificilmente se consegue compreender. Mas esta parece ser a condição de grande parte das colectivas de arte contemporânea, num museu, numa bienal ou noutro qualquer contexto. É condição resultante do facto do efeito procurado dizer mais respeito a uma ideia expositiva global, normalmente estranha e externa às obras individuais, do que à criação de condições de leitura e identificação das dinâmicas criativas que cada artista apresenta singularmente. Comissário(s): Guilherme Blanc e João Laia Artista(s): Christine Sun Kim, Jonathas de Andrade, June Crespo, Mariana Caló e Francisco Queimadela, Naufus Ramírez Figueroa, Olga Balema Porto. Galeria Municipal do Porto. Rua de Dom Manuel II - Jardins do Palácio de Cristal. T. 226081000. Até 19 de Agosto. Terça a sábado das 10h00 às 18h00; Domingo das 14h00 às 18h00. Grátis. ?Artes Plásticas, Outros. O Prémio Paulo Cunha Silva, na sua dimensão de exposição colectiva, ressente-se desses condicionalismos. A sua tarefa é identificar a partir de um esquema complexo de nomeação e selecção – João Laia, Julião Sarmento, Meg Stuart e Vicente Todolí identificaram um grupo de 16 curadores a quem pediram a selecção de três artistas; a partir dessa identificação de 48 nomes, 6 foram escolhidos para a exposição; um deles será premiado no dia 2 de Julho com 25 mil euros. É assim que trabalhos estranhos entre si e sem qualquer afinidade material ou conceptual são postos a conviver num mesmo espaço e tempo: Christine Sun Kim (USA), Jonathas de Andrade (Brasil), June Crespo (Espanha), Mariana Caló e Francisco Queimadela (Portugal), Naufus Ramírez Figueroa (Guatemala) e Olga Balem (Ucrãnia, a viver em Nova Iorque). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para além de cumprir uma função de premiação e de memória do legado de Paulo Cunha e Silva, o elemento importante da exposição é ela oferecer um panorama pertinente das questões que no nosso tempo os artistas chamam a si. É desta forma que vemos juntarem-se questões sobre capacidades auditivas diferenciadas, o racismo, o corpo e a sua experiência enquanto objecto, a relação natureza-arte, a linguagem e a construção dos afectos ou a história do genocídio na Guatemala. Questões que levam a pesquisas conceptuais, formais e materiais impossíveis de juntar numa definição ou apresentação comum. A tentativa parece ser a de fazer desta sala de exposições uma galeria do mundo, uma sala onde não se procuram afinidades formais ou materiais, nem tão pouco impor qualquer coerência dispositiva, mas colocar o visitante no centro da intensa proliferação das modalidades que, no nosso tempo, o fazer da arte possui. É inútil procurar temas comuns ou qualquer uniformidade material. É um tempo de dispersão e de proliferação e, neste sentido, uma exposição como esta não pode ser senão polifónica porque resulta da atenção dos artistas ao mundo. Um mundo tomado por um sentimento de urgência (na sua dimensão mais ampla, que vai do ambiente, aos direitos humanos, à diversidade de identidades, à necessidade da reflexão pós-colonial) a que os artistas tentam dar forma. A ausência de um denominador único que estabeleça similitudes formais entre obras e artistas (não há estilos, formas, ou materiais comuns) é compensada por essa necessidade em dar forma, voz, corpo, às urgências políticas que a todos assombram num mundo a beira do colapso. É uma urgência do mundo que não se pode deixar de atender. Fazer face a ela, a essa urgência, que é simultaneamente do mundo e da arte, tem diferentes traduções. Esta é uma exposição sobre o modo como diferentes indivíduos traduzem em imagens, gestos e objectos o mesmo sentimento. É uma exposição sobre a nossa própria contemporaneidade. Claro que há obras melhores e piores, umas mais adequadas e outras menos. Mas decisivo é o facto de a exposição se pode assumir, nos seus aspectos de deriva e acaso a que está sujeita dado o processo de inclusão de obras e de artistas, como forte experiência da arte do nosso tempo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos humanos racismo corpo
Humanos actuais têm origem em populações diversas de diferentes regiões de África
O Homo sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos, segundo descobertas recentes de fósseis em Marrocos. (...)

Humanos actuais têm origem em populações diversas de diferentes regiões de África
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Homo sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos, segundo descobertas recentes de fósseis em Marrocos.
TEXTO: A nossa espécie é o resultado de grupos distintos que viveram em várias regiões de África e em habitats variados, desde florestas até desertos – uma diversidade que desembocou nas actuais características do Homo sapiens, defende um estudo agora divulgado. Ao contrário das teses prevalecentes, este trabalho – coordenado por Eleanor Scerri, da Universidade de Oxford (Reino Unido) e do Instituto Max Planck para a Investigação da História Humana (Alemanha), e que teve a colaboração de Lounes Chikhi, do Instituto Gulbenkian de Ciência (em Oeiras) – defende que “milénios de separação deram origem a uma desconcertante diversidade de formas, uma mistura” de antepassados, que acabou por moldar a espécie humana actual. “A evolução das populações humanas em África foi multirregional. Os nossos antepassados foram multi-étnicos. E a evolução do nosso material cultural foi multicultural”, afirma Eleanor Scerri, citada num comunicado do Instituto Max Planck para a Investigação da História Humana. Os investigadores salientam que os humanos actuais não derivam de uma só população de antepassados, com origem numa só região de África, como é aceite e referido com frequência em várias áreas do conhecimento. Publicado na revista Trends in Ecology and Evolution, o trabalho vem desafiar a visão estabelecida com base no estudo de ossos, artefactos de pedra e análises genéticas, a que se juntaram reconstituições mais detalhadas do clima e habitats de África, nos últimos 300 mil anos. Os cientistas resumem as suas conclusões numa expressão: “Uma espécie, várias origens. ” E defendem que é necessário “olhar para todas as regiões de África para compreender a evolução humana”. Eleanor Scerri sublinha que utensílios de pedra e outros artefactos foram encontrados em vários locais e são de diferentes tempos: “Há uma tendência continental para uma cultura material mais sofisticada [mas], esta ‘modernização’ claramente não tem origem numa região ou não ocorre num período de tempo. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quanto aos fósseis humanos, “quando olhamos para a morfologia dos ossos humanos nos últimos 300 mil anos, vemos uma complexa mistura de características arcaicas e modernas em diferentes locais e em diferentes tempos”, explica por sua vez Chris Stringer, investigador no Museu de História Natural de Londres, que também participou no estudo. Na análise genética, “é difícil conciliar os padrões genéticos que vemos nos africanos vivos e o ADN extraído dos ossos dos africanos que viveram nos últimos dez mil anos com a existência de uma população humana ancestral”, explica ainda Mark Thomas, especialista nesta área e investigador na Universidade College de Londres. O estudo agora divulgado não põe em causa a teoria geralmente aceite de que após surgir como espécie distinta, o Homo sapiens coexistiu durante bastante tempo com outras espécies ou grupos humanos, como o Homo floresiensis, o Homo neanderthalensis ou o Homo naledi, que foram desaparecendo face à expansão da espécie humana actual.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos cultura estudo espécie
Nas, ressonância de testamento
A fotografia que faz capa do 12º disco de Nas remete-nos para o que de mais interessante ele possui, perdendo pertinência quando o nova-iorquino se limita a celebrar a sua carreira. (...)

Nas, ressonância de testamento
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: A fotografia que faz capa do 12º disco de Nas remete-nos para o que de mais interessante ele possui, perdendo pertinência quando o nova-iorquino se limita a celebrar a sua carreira.
TEXTO: Nos últimos anos, consolidou-se o lugar-comum de que Nas, histórico e aclamado rapper nova-iorquino, não saberia, não teria gosto na escolha de instrumentais, e que essa crónica deficiência explicaria o facto de não ter criado outros álbuns do calibre de It Was Written (1996), Stillmatic (2001) ou, claro, Illmatic (1994, a sua estreia), talvez o clássico mais unânime na história do hip-hop americano (carimbo que não deixa de ter o seu revés, i. é, a elevadíssima expectativa com que cada seu novo álbum é recebido). Como todos os lugares-comuns, também esse tem muito de mimético e redutor, pois certamente que outros discos seus contabilizam excelentes beats, caso, para não ir mais longe, de Life Is Good (2012), o seu último trabalho (que belíssima peça é Stay, autoria do insuspeito No I. D. ). Como quer que seja, foi, portanto, com expectativa (e, nalguns casos, desconfiança) que se ouviu o anúncio, por Kanye West, de que se encontrava a compor o novo álbum de Nas, não fosse o primeiro um inventivo e imprevisível criador cujo estilo de produção – mas o ponto é esse: não tem “um” estilo, os pontos de fuga são muitos – não é aquele que mais rapidamente se associaria à linha sónica de Nas (e não só por isso: também pela diferença de postura entre Nas, discreto, e West, sempre espaventoso, a que se soma o posicionamento político pró-Trump do segundo, de que Nas não poderia estar mais longe). Autoria:Nas Mass Appeal/Def JamO resultado da colaboração é francamente positivo, reforçando a camisola amarela editorial de West no presente ano, e algumas das apreciações menos boas que se têm ouvido explicam-se por duas ordens de razão. A primeira reside na actual moda que garante pontos (ou likes) a quem condenar West na praça pública ou simplesmente desprezar ou ignorar os discos que tem lançado (a solo ou colaborativamente) nos últimos tempos – tudo porque West manifestou apoio a Trump, o que, se pode ser ominoso (e é-o para nós), não nos deve fazer perder de vista que, antes disso, há a música, e que convém ouvi-la sem palas de antemão (tudo isto levantando simultaneamente uma problemática questão: pode um apoiante de Trump ser anti-racista e denunciador da marginalização ou do abuso policial contra negros?). São os mesmos que não partilharão nas “redes sociais” (porque agora não é de bom-tom) os seus vibrantes versos políticos em Cops Shot The Kid, que West constrói a partir de um simples loop da Children’s Story do saudoso Slick Rick, soltando-o (ao loop) apenas no final para deixar a voz deste último ecoar o modo como, de 1988 para 2018, pouco mudou para os afro-americanos no que ao racismo diz respeito: “The cop shot the kid / I still hear him scream” (neste apavorante “still” se prolongando, perpetuamente, os traumas da sociedade americana). A segunda razão – a de aqui se encontraria um Nas menos “poético” – entronca, em boa verdade, num erro comum entre os ouvintes de hip-hop: a propensão para confundir rap com poesia (“poesia urbana”, equívoco por excelência), forma, essencialmente, de tentar legitimar/justificar a sua condição “literária” ou, mais genericamente, a sua dignidade artística. É luta que, se ainda se poderia compreender há dez ou quinze anos atrás, está hoje francamente estafada: não só o rap dispensa muletas para valer como expressão artística (por vezes com resultados sublimes, noutros casos, ignóbeis, como, hélas!, qualquer manifestação criativa), como a circunstância de se estar insistentemente a sublinhar esse atributo só acusa um complexo de inferioridade que, reitere-se, hoje, é só desnecessário (Kendrick Lamar acabou de vencer o Pulitzer, senhores…) – até porque quem, surfando o pior dos caprichos (a ignorância), continua a afirmar que o rap “não é música” (Rui Veloso ainda há meses o disse de boca cheia), já não tem remédio. Como afirmou José Mário Branco recentemente ao Expresso, “Uma canção não é uma poesia servir de autocolante para uma música qualquer, é um objecto novo, uma linguagem diferente. É filha, mesmo no sentido genético, da música e da palavra. (…) Nem a música nem a poesia precisam de muletas para nada. São duas artes importantíssimas que existem por si”. Fazendo a ponte com NASIR, nem sequer Nas é dos rappers mais poéticos de que nos lembramos imediatamente (o que, e este é o ponto, não o diminui um milímetro), como de braggadocio (discurso ostentatório) sempre estiveram algumas das suas letras carregadas. Se everything, servida por um instrumental (e, já agora, um falsete) soberbo de West (é, sem cair em exageros, um dos melhores que já lhe ouvimos, épico na medida certa), não constitui uma das mais ricas e densas letras de Nas – mesclando a história política americana (abordada, de forma ainda mais “tratadista”, quando não aborrecida, em Not For Radio, o pior instrumental do disco) com o ideal pan-africanista e relatos auto-biográficos –, então não sabemos quais serão as suas grandes canções. “Pray my sins don’t get passed to my children”, ouve-se em Adam and Eve (beat inflamadíssimo que sampla nada mais nada menos do que Kourosh Yaghmaei, “pai” do rock iraniano, e onde The-Dream brilha, como já fizera na faixa anterior, no refrão), palavras que – contraditoriamente, existencialmente – ecoam, já a fechar o disco, nas “Simple Things” a que Nas diz aspirar na vida: “I just want my kids to have the same peace I’m blessed with”. Não sendo este, provavelmente, o último disco de Nas – nem o mais memorável (White Label, em que West volta a revirar o baú da música iraniana, e Bonjour revelam-se, descontando a excelência instrumental, perfeitamente dispensáveis, vazias que são de texto pertinente, a segunda delas contendo, porém, um dos versos simultaneamente mais ordinários, não confundir com misógino, e cómicos de que temos memória) –, a verdade é que Simple Things possui essa doce ressonância testamentária, de despedida de um dos mais velhos rappers em actividade e que, pelo meio de uma vida atribulada (sobretudo o turbulento casamento com Kelis), tem sabido conservar a bitola e a admiração do público e dos pares.
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN
David Byrne e um espectáculo notável com cabeça, tronco e membros
O concerto com que abriu o EDP Cool Jazz em Cascais foi um momento cénico único. Mas não só. Foi também uma inundação de felicidade como é raro experimentar-se num espectáculo ao vivo. (...)

David Byrne e um espectáculo notável com cabeça, tronco e membros
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.75
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O concerto com que abriu o EDP Cool Jazz em Cascais foi um momento cénico único. Mas não só. Foi também uma inundação de felicidade como é raro experimentar-se num espectáculo ao vivo.
TEXTO: No espaço de poucas semanas, Portugal pode assistir a três concertos memoráveis: Nick Cave no festival Nos Primavera Sound do Porto, os LCD Soundsystem no Coliseu de Lisboa e, esta quarta-feira, David Byrne no hipódromo Manuel Possolo de Cascais, na abertura do EDP Cool Jazz, perante uma multidão (número não oficial) de cerca de oito mil pessoas. Foram momentos diversos, que têm em comum o facto de terem sido proporcionados por gente na meia-idade, que passou por muitas provas e que continua a inquietar-se como nos primeiros dias. Poder-se-á argumentar que foram grandes experiências musicais e ponto final. O que já não é pouco. Mas a verdade é que foram bem mais do que isso. Constituíram, ainda que indirectamente, inspiradoras lições de vida. Em todos eles existiu uma dimensão de catarse. Como se, de formas diferentes, nos viessem dizer que é possível continuar a acreditar mesmo quando tudo parece sombrio, seja individual ou colectivamente. Nenhum deles teve a tentação de nos ditar um caminho. Mas cada um transmitiu que é possível resistir, imaginar outras formas de estar e celebrar o existir em comunidade, o que torna tudo mais fácil e viável. David Byrne, 65 anos, foi isso. Alguém que continua a pôr-se em causa, como indivíduo, cidadão activo e artista, não temendo a imperfeição mas sem prescindir da exigência e do rigor, arriscando num terreno em que pensamento e fisicalidade andam a par. Aliás é curioso que, durante parte da sua carreira, tenha sido catalogado como um músico demasiado cerebral. Ao longo do concerto ele dançou e riu com evidente deleite. Aliás não fez outra coisa. Talvez tenha sido disso. Ele sempre percebeu que cabeça, tronco e membros não se podem dissociar. Daí que o ritual tenha começado com ele sentado à mesa, pegando na réplica de um cérebro para a interpretação de Here, do álbum deste ano American Utopia. Logo aí se percebeu ao que vinha. O cenário é vazio, cinzento, desnudado, sem a parafernália de fios, cabos, estrados ou amplificadores. É como um palco de teatro ou dança. E é a isso que iremos assistir durante duas horas. Uma fantástica performance alimentada a teatralidade e coreografias, mas também pela tecnologia que permite a aparente simplicidade e por 12 músicos vestidos de igual, transportando percussões, baixo, guitarra ou teclados, e que não param um só segundo, todos de pé, descalços, em corrupio, com Byrne a ser mais um, num ritual horizontal, onde se divertem à grande e o resultado é o contágio absoluto da assistência. Para quem andasse informado sobre a nova digressão, o dispositivo não constituiu uma surpresa. Em entrevista ao Ípsilon, em Abril, ele confessava que se havia inspirado na dança contemporânea, nas escolas de samba e noutras formas colectivas de expor musica para tentar voltar a imaginar como é que um concerto pop-rock pode ser encenado. “É um espectáculo que é um convite para festejarmos em conjunto a vida, o amor, as coisas boas que as há tantas, apesar de por vezes não as conseguirmos vislumbrar no meio de tanto nevoeiro”, dizia-nos então. E foi mesmo isso. Porque a realidade é esta: mesmo quem não se espantou com a montagem ficou certamente tocado pela honestidade que emanou dela. Só é um paradoxo para quem não conhece o seu percurso, mas talvez essa autenticidade nunca tivesse sido conduzida a um extremo tão celebrativo como nesta digressão. Nitidamente sente-se prazer em palco. Dança-se sem parar. E ao segundo tema, Lazy, isso já lá está. Ao longo do concerto o alinhamento contemplará canções do novo álbum, temas em colaboração (St. Vincent, Fatboy Slim), versões (Janelle Monáe) e um muito generoso conjunto de canções dos Talking Heads. E o que é mais surpreendente: todas as canções são alvo de representações e rearranjos, mas nenhuma perde a essência, e até aquelas que parecem menores – como a festiva Toe jam [Brighton port authority song] – acabam por ganhar um novo alento. Não é fácil destacar momentos empolgantes, porque foram-no quase todos. Houve o velho e tão actual I zimbra, com Byrne à guitarra, e o irresistível sentir funky colectivo. Ouviu-se Everybody’s from my house, I dance like this, Every day is a miracle ou Doing the right thing, do novo álbum, totalmente integradas no conjunto do alinhamento. This must be the place, Born under punches (The heads goes on) ou Blind, com um magnífico jogo de sombras em fundo, todas dos Talking Heads, foram simplesmente excelentes, mas ainda assim quando se fizeram ouvir Once in a lifetime ou Burning down the house a casa não ardeu, mas veio literalmente abaixo. Ainda dos Talking Heads, no primeiro encore, surgiu The great curve, numa interpretação desvairada, com Byrne, primeiro, e depois a sua guitarrista, a proporcionarem solos extasiantes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O final, no segundo encore, deu-se com a emocionante interpretação de Hell you Talmbout (original de Janelle Monáe), com os músicos a repetirem nomes de afro-americanos que foram alvo de violência policial nos últimos anos. A meio do concerto, os elegantes fatos que todos envergavam já estavam encharcados em suor, num espectáculo único com muito funk, diversão, algum drama e abertamente político, com Byrne a encorajar toda a gente a votar “em todas as eleições que puder”, porque o mundo está recheado de impasses políticos e socioculturais e é preciso ter uma atitude cívica empenhada e vigilante. A meio do espectáculo, antes de apresentar a trupe de músicos que o acompanha, contou que um amigo o foi visitar nos bastidores depois de assistir a um concerto e o interrogou, desconfiado, se aquilo que acabara de ver não havia sido um simulacro, de tal forma parecia inverosímil aquela orquestra com instrumentos amarrados à cintura. “Que não”, respondeu, “os músicos tocam tudo o que se ouve”. Não só tocam como cantam todos e memorizam passos de dança, sem que o espectador saiba às tantas onde concentrar a atenção, deixando-se envolver no cerimonial. Na entrevista que lhe fizemos em Abril, dizia-nos que se multiplicam os sinais desencorajadores no mundo de hoje, mas que ao mesmo tempo continuam a ser criadas coisas que merecem ser enaltecidas e que há pessoas que fazem sentido e são encorajadoras. David Byrne é certamente uma dessas pessoas.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
É possível chegar ao topo sem atropelar a lei?
Sofrerão as elites portuguesas da síndrome de Crime e Castigo? Sentir-se-ão, como a personagem de Dostoiévski, criaturas acima da lei? (...)

É possível chegar ao topo sem atropelar a lei?
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.25
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sofrerão as elites portuguesas da síndrome de Crime e Castigo? Sentir-se-ão, como a personagem de Dostoiévski, criaturas acima da lei?
TEXTO: Dir-se-á que dos honestos não ouvimos falar. Que todos os dias uma legião de honrados empresários, banqueiros e políticos se levanta (cedo) e se dirige aos respectivos gabinetes para cumprir, discreta e diligentemente, as suas obrigações profissionais, no mais rigoroso respeito pelas normas vigentes. Labirinto, Furacão, Face Oculta parecem títulos de histórias de ficção. Monte Branco, Portucale, Marquês, Freeport, Submarinos, Remédio Santo transportam-nos, talvez com intenção, para realidades improváveis. Mas de repente, tal como o triunfo do delírio na mente de um louco, sentimos o mundo ser engolido pelo submundo. E se fosse verdade?As notícias falam de burla, fraude fiscal, prevaricação, corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de assinaturas, tráfico de influências, abuso de confiança, associação criminosa, envolvendo um número cada vez maior de figuras da política, da economia, das finanças, não raro aliadas nos mesmos casos e escândalos. E se fosse verdade que não escapa ninguém? Se se confirmasse que, quando são atingidos os mais altos níveis do poder e dos negócios, o incumprimento da lei é ele próprio a lei?É apenas uma hipótese, mas o número de casos, e a sua dimensão, autoriza-a. A esta e a outras, igualmente preocupantes: será possível, em Portugal, enriquecer sem atropelar a lei? Podem lançar-se grandes empreendimentos cumprindo todas as regras? Ou isso tornaria tudo mais difícil, ou mesmo impossível? As leis são feitas para os pobres e a classe média? Quem quer agir a alto nível, nos negócios, na política, sente-se acima da lei? Está realmente acima da lei? É enorme a quantidade dos líderes governamentais, autárquicos, empresariais, que acabam desmascarados por terem usado meios ilícitos durante a sua carreira. Geralmente juram a sua inocência e boa-fé. Ou alegam que, se atropelaram a lei, foi em nome do bem comum. Foi para ultrapassar obstáculos e burocracias. Será verdade? Será que a lei não está feita para os empreendedores? É um factor de bloqueio, eventualmente herdado dos ideais igualitários da revolução?Mesmo que estas hipóteses não sejam fáceis de provar, uma outra, pelo menos, deve ser quantificável pelos cientistas sociais: a percepção dos próprios fenómenos. Ou seja, ainda que os poderosos não sejam todos prevaricadores, a sociedade percepciona-os como tal. Paulo Machado vem ter comigo ao bar do pátio da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde é professor e investigador. Como sociólogo, especialista em Demografia e, entre outras áreas, a de Sociologia Criminal, deve ter algo a dizer sobre tudo isto. A sociedade olha para as elites com desconfiança? Se sim, desde quando?Desde sempre. Esse é um primeiro dado. “No Estado Novo, havia a ideia de que Salazar era impoluto. O Marcelo Caetano também. Mas não as elites abaixo deles. Sobre esses, as pessoas tinham a convicção de que se apropriavam do que não era seu. De que muitos militares, por exemplo, enriqueceram com a guerra colonial. E o aparelho do regime era realmente corrupto, ainda que o chefe o não fosse”. Após o 25 de Abril de 1974, terá havido um pequeno interregno nesta atitude, apesar do caso dos 150 mil contos que Sá Carneiro teria desviado, ou o de Mário Soares com os diamantes angolanos, relatados nos grafitti das paredes de Lisboa. Mas acreditou-se que tudo mudaria. Só até 1986. Com a entrada na Comunidade Europeia, voltaram as suspeitas. Os fundos comunitários deram nova oportunidade aos corruptos. Dinheiro que foi atribuído a formação ou infra-estruturas acabou nos bolsos errados. “Autarcas, políticos, professores chegaram a ser condenados. Houve vários ciclos, da construção de obras públicas, estradas, estruturas de saneamento, habitação social. As sondagens, desde 1990, dizem-nos que os portugueses colocam os políticos nos níveis mais baixos da escala do prestígio. As pessoas viam que o seu presidente de Junta era dantes um homem pobre, e agora aparecia com vários carros, etc. E tiravam conclusões”. A corrupção dos poderosos é portanto encarada como normal, o que já implica alguma condescendência. Mas o acumular recente de casos mediáticos pode ter criado outro fenómeno: a sensação de que os criminosos tomaram as rédeas da sociedade. O submundo do crime é algo que as comunidades “saudáveis” mantêm circunscrito e controlado, graças à confiança nas regras, na coesão, nas autoridades, através dos sistemas policial e judicial. Por seu lado, a qualidade das elites, nas suas funções referencial e protectora, influencia o sentimento de estabilidade social. Em termos sociológicos, que consequências teria a constatação de que o submundo do crime e a esfera das elites podem coincidir?Para Paulo Machado, a principal consequência pode ser o “abatimento cívico”, traduzido num “comportamento disruptivo”. As pessoas perdem o interesse, deixam de participar. “Nas repartições de Finanças, ouve-se dizer: ‘Eu fui estúpido, devia ter feito como fulano’. Há sintomas de fragmentação social. Por exemplo, temos, em Portugal, dos mais baixos níveis de criminalidade do mundo. No entanto, o número de participações à polícia dos crimes existentes é dos mais baixos. E o índice de sentimento de insegurança, aferido através de sondagens, é dos mais elevados da Europa. As pessoas não confiam nas instituições”. Mas que realidade está por trás desta percepção? Vejamos o mundo empresarial e financeiro. Será verdade que quem se move nos seus altos meandros não cumpre regras?Fátima Gomes, professora, na faculdade de Direito da Universidade Católica em Lisboa, de Direito Comercial e Direito do Mercado de Capitais, fala de “excessiva complexidade das regras” e de “interpretações inventivas da lei”, para explicar certos comportamentos das empresas. “A regulamentação tornou-se pesadíssima, principalmente para as empresas das áreas financeiras. Há as normas muito pormenorizadas da União Europeia, as do Banco de Portugal, da European Banking Authority, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). As empresas têm de cumprir todas, a complexidade é crescente. Implica produzir e fornecer informação em duplicado ou triplicado, e todas essas obrigações têm custos. Por isso as empresas tentam resistir ao cumprimento. Só cumprem se houver fiscalização. Se não, optam por não cumprir. Fica mais barato”. A complexidade e exigência das regras variam, consoante se trate de empresas grandes ou pequenas, nacionais ou multinacionais, cotadas ou não em bolsa. Mas tendem a ser maiores no caso das grandes empresas, que são também as que têm meios mais eficazes para contornar esses obstáculos. Nessas empresas, “os gestores estão devidamente assessorados por bons juristas, que dominam as regras. Têm duas opções: ou se mantêm dentro da legalidade, ou ajudam o gestor a encontrar caminhos alternativos”. Que não são necessariamente os do crime. “Pode ser apenas um desvio da norma, o que constitui um acto ilícito, não criminoso. Se forem apanhados, incorrem em coimas, ou responsabilidade civil. Mas pode compensar. Muitas vezes, o gestor opta pelo ilícito”. Porque, segundo Fátima Gomes, ele não pensa como um jurista. Há uma diferença cultural. “Os gestores não pensam dentro do quadro. Eles marcam objectivos, e traçam o caminho para lá chegar. Por vezes são muito criativos. Se a lei é um obstáculo, fazem as suas opções políticas, que, nesse sentido, são legítimas”. Muitas vezes, os gestores têm de “optar entre uma perspectiva de rentabilização da empresa, e uma perspectiva ética. Esta última pode também vir a revelar-se útil. As empresas cotadas em bolsa são obrigadas a fazer relatórios pormenorizados sobre as suas actividades, onde incluem, por exemplo, actos de responsabilidade social. Essas questões podem valorizar ou desvalorizar as acções. Se se trata de uma indústria poluidora, por exemplo, e a empresa desenvolver iniciativas ecológicas, os consumidores agradecem, e é provável que venham a ter maior disponibilidade para consumir produtos dessa empresa. Construir uma imagem de prestígio serve também para captar novos recursos financeiros, que podem ser uma alternativa ao crédito bancário”. Nalgumas grandes empresas, este tipo de preocupações, que incluem actuar dentro das regras, sobrepõe-se aos benefícios imediatos do incumprimento das leis. Mas quando a supervisão não funciona, pode ser ainda mais tentador optar pelo ilícito, mantendo ao mesmo tempo campanhas de imagem junto do público. Há várias instâncias de supervisão, que porém falham com frequência, precisamente, segundo Fátima Gomes, pela sua multiplicidade e sobreposição de competências. “Há áreas de sombra nas competências da CMVM, o Banco de Portugal, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Foi o que aconteceu no caso do papel comercial do BES. A CMVM diz que, no tempo em que ele foi colocado à venda, não era da sua responsabilidade. O Banco de Portugal diz o mesmo. Apontam o dedo uns aos outros, apesar de existir um Conselho Nacional de Supervisores”. Para Rui Teixeira Santos, especialista em Direito Comercial, doutorado com uma tese sobre Economia Política da Corrupção, o problema dos supervisores é outro. Eles “são verdadeiros ministérios da União Europeia nos vários países. Reportam às entidades reguladoras a nível europeu, que são dirigidas por personalidades ligadas à indústria. A CMVM e outras entidades reguladoras estão sequestradas pelos interesses, pelos lobbys europeus”. Quer dizer, a pretexto de manterem independência em relação ao Estado, os supervisores e reguladores são cúmplices dos interesses das grandes empresas financeiras. Que agem com grande liberdade, à revelia das normas impostas pelos estados. E nisto não há grande diferença entre Portugal e outros países, mesmo naqueles onde o índice de corrupção é teoricamente menor. “A percepção que as pessoas têm da corrupção é a da que se verifica a um nível mais baixo, nos serviços, na Saúde, no Fisco. A esse nível, na Alemanha, por exemplo, quase não há corrupção. Mas nos grandes negócios existe, tal como cá. Não é tão denunciada porque, lá, o bloco central é mais coeso”. Rui Teixeira Santos, que hoje é responsável pelo serviço de Estudos, Planeamento e Auditoria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, explica este caos, de certo modo inevitável, com a própria natureza do Direito Comercial. É um ramo do direito que se “fundamenta na boa fé. Nasceu para facilitar os negócios. Não para proteger os incautos, como o Direito Civil”. O Direito Comercial, desde a sua origem, no século XIX, em França, baseia-se na confiança, e nas ideias de honra e reputação dos comerciantes. Não existe para nos defender dos abusos de certos protagonistas económicos. “Defende o princípio geral da liberdade, desde que não viole a lei e os bons costumes”. No século XIX, o único inimigo dos homens de negócios é o Estado, que se agigantou, e se tornou numa máquina devoradora de impostos. “A contabilidade das empresas foi criada para isso, para exercer o controlo necessário à cobrança de impostos. Não serve para mais nada”. No entanto, a partir de finais do século XIX, o Estado torna-se concessionário. Dá os grandes negócios e os monopólios naturais (caminhos-de-ferro, água) aos privados, que passam a depender dessas rendas. É o início da promiscuidade. Segundo Fátima Gomes, outro motivo da impunidade das grandes empresas é a incapacidade dos tribunais para actuarem em áreas onde lhes falta competência técnica. “Se compararmos o número de investigações e recolha de dados feitos pela CMVM para o Ministério Público sobre comportamentos duvidosos de empresas e o número de condenações em tribunal, verificamos que há uma enorme discrepância”. Os processos chegam bem instruídos às mãos do juiz, que, no entanto, não consegue entendê-los ao ponto de extrair provas. “São áreas muito complexas, e os juízes não têm preparação. Até há muito pouco tempo, não havia qualquer especialização, e os casos iam parar aos tribunais de hierarquia mais baixa. Um juiz podia ter de julgar um caso de fraude financeira de uma grande empresa ou um banco, e a seguir, na mesma manhã, julgar outro, de um homem que conduzia sob o efeito do álcool. Na prática, o magistrado concluía quase sempre, no caso da fraude, que não havia provas, optando pela absolvição. A sua inaptidão funciona sempre a favor do arguido”. Só há cerca de um ano foi criado o tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, e outros especializados, como o da Propriedade Intelectual. Mas os juízes continuam a não ter tempo para estudar devidamente os casos, além de estarem desmotivados por baixos salários e más condições de trabalho. Em contrapartida, os advogados das grandes empresas não se podem queixar. São bons e fazem-se pagar bem, por esta ordem ou a inversa, e colocam-se no topo da “cadeia alimentar” do sistema jurídico. Têm tanto mais poder, quanto mais esse sistema é complexo, e são por isso os principais interessados em manter essa mesma complexidade. Ao ponto de serem eles próprios a fazerem as leis, que lhes permitem manter uma posição de poder. Paulo de Morais, ex-vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, protagonista de uma cruzada pública contra a corrupção em Portugal, e actual candidato à Presidência da República, dá exemplos concretos. A sociedade de advogados Sérvulo & Associados, de Sérvulo Correia, foi autora do projecto do Código de Contratos Públicos, a pedido do ministro das Finanças do governo socialista Fernando Teixeira dos Santos (serviço pelo qual recebeu honorários no valor de 500 mil euros, segundo o livro Os Facilitadores, de Gustavo Sampaio). Não obstante, a mesma firma tem dado pareceres sobre o mesmo código e representado clientes que obtêm contratos de ajuste directo com o Estado, ao abrigo do mesmo código. Noutros casos, tem defendido as entidades públicas contra as queixas que surgem sobre irregularidades nos contratos públicos, regulados pelo mesmo código. Noutros casos ainda, tem defendido grupos económicos, contra o Estado, em processos relacionados com o mesmo código. Em toda esta actividade, já facturou mais de 8 milhões de euros. Ou seja, há sociedades de advogados que ganham dinheiro fazendo leis com a aplicação das quais vão fazer mais dinheiro, dando pelo caminho dinheiro a ganhar a várias clientelas. “É claro que estes advogados introduzem nas próprias leis que fazem os alçapões que lhes vão permitir mais tarde facilitar certo tipo de negócios”, diz Paulo de Morais às 11 da noite no lobby de um hotel em Lisboa, onde vai realizar acções de campanha eleitoral. Por ter afirmado algo idêntico anteriormente, foi processado por Sérvulo Correia, mas absolvido em tribunal. “São os advogados que urdem a teia de intimidade entre a política e os negócios. São o principal instrumento dessa promiscuidade”. Na prática, o sistema funciona através da complexidade das leis. São muitas e complicadas, com muitas regras e muitas excepções, para que, quem está por dentro, as possa manipular à vontade. O excesso de leis permite a arbitrariedade, e no meio da confusão saem sempre beneficiados os grandes grupos económicos, cujo poder real está, de facto, acima da lei, explica Paulo de Morais. E não há nenhuma instância que nos defenda disso. “Segundo a Lei da Publicidade, é proibido usar crianças em anúncios, excepto quando se trata de produtos para crianças. Ora isso é violado todos os dias. E o Instituto de Defesa do Consumidor não faz nada, porque é cúmplice, devido à promiscuidade entre negócios e política. O seu último director, José Manuel Ribeiro (hoje presidente da Câmara de Valongo), tentou intervir, e foi para a rua”. Ao não intervir onde seria da sua competência fazê-lo, o IDC “incorre eventualmente no crime de prevaricação”, disse, exactamente com estas palavras, Paulo de Morais, que não pode perder tempo com mais processos judiciais. O Estado não se impõe, porque está, ele próprio, tomado pelos interesses privados, diz Morais. Através das concessões dos serviços públicos e de bens essenciais, “os grandes grupos económicos tornaram-se rentistas. As auto-estradas, a electricidade, o saneamento funcionam através de PPP (parcerias público-privadas), que representam uma forma de feudalismo. Na Idade Média era a agricultura da gleba, a terra, hoje são os bens essenciais. A classe média são os servos”. As PPP não são um fenómeno apenas português. “Foram criadas, na Europa, pela Terceira Via, que tentou criar uma espécie de socialismo de estado, dentro do capitalismo. Mas em Portugal é mais grave devido à maior promiscuidade entre empresários e políticos. Quando se entra no nível de topo, a própria lei é feita para proteger os grupos económicos, quando se trata de negócios que dependem do Estado. Há um intenso tráfico de influências. Todas as grandes empresas têm políticos, ou ex-políticos nos seus Conselhos de Administração”. Em suma: no mundo dos grandes negócios, a lei não é respeitada. Serve apenas para criar uma espécie de pântano, propício à actividade de um exército de advogados, mediadores, facilitadores, lobbyistas. É com eles que se consegue tudo. Sem eles, num ambiente em que os conhecimentos pessoais e os favores valem mais do que a lei, não se consegue nada. Artur Pereira é lobbyista profissional. Só não o tem escrito no cartão de visita porque a actividade não é reconhecida oficialmente. Recebe-me no seu escritório, em frente ao El Corte Inglés, em Lisboa. “Porque é que tantos ex-políticos são CEO de grandes empresas? Para facilitar. Estabelecer os contactos”, explica Artur Pereira. Todos os negócios funcionam assim, e não seriam possíveis de outra forma. Os intermediários são úteis, e estão sempre presentes, nos altos círculos. “Há um conjunto de pessoas que vive disso. E há locais públicos, restaurantes, onde todos se encontram: políticos, ex-políticos, gente do mundo empresarial e económico, facilitadores, lobbyistas. Não há refeições grátis, e o prato principal, nesses encontros, é discutir como alguém pode fazer publicar determinada lei ou decreto, ou decisão política”. Nesses restaurantes, como o Gambrinus ou o Solar dos Presuntos, os protagonistas são apresentados uns aos outros, os casos são explicados, com os respectivos argumentários e quantificação de vantagens e desvantagens de vários tipos, para os vários intervenientes. “O cliente que quer realizar um determinado projecto pode dizer ao facilitador: ‘Estou disposto a gastar um milhão. Utilize como quiser’. Ele só quer saber do resultado, não dos métodos usados. Mas também há clientes que já propõem o acto de corrupção. Querem comprar a decisão de determinado político. A partir daí, o facilitador move-se na sombra, mobiliza os seus contactos, usa a corrupção, o tráfico de influências. Nos antros apropriados, diz: ‘Tenho uns amigos que têm o projecto tal…’ Se já tem confiança com o político, pode propor directamente: ‘O projecto é este, vamos ganhar alguma coisa para nós’. É um processo secreto, difícil de controlar”. Segundo Artur Pereira, não tem de ser assim. A actividade de lobbying não é necessariamente ilegítima, e pode ser feita com ética. “O lobbying bem feito não é pressão. Apresenta os assuntos com um bom dossier de argumentos. Sensibiliza e convence”. Nesse sentido, olobbyista distingue-se do facilitador. Este, ao contrário do nome por que se tornou conhecido, “cria dificuldades, para vender uma solução”. O lobbyista “é alguém a quem é pedido que, junto do poder político, consiga uma abertura, uma atitude diferente. Quem pede um serviço de lobby não quer cometer nenhum crime. Quer apenas que se elabore um dossier de um assunto, para alterar a posição do poder político em relação àquela matéria”. Na opinião de Artur Pereira, este tipo de serviço é necessário porque “as sociedades são hoje muito complexas”, formadas por “relações em teia”, e “as pessoas nunca sabem quem é o rosto de uma determinada decisão. Não sabem a quem se dirigir. O que nós fazemos é apresentar-lhes o rosto da decisão. E as formas de alterar a sensibilidade política desse decisor, em função dos interesses do cliente”. Como exemplo do tipo de casos que aceita, Artur Pereira refere “uma empresa que tem um projecto de construção encalhado. Ou está bloqueado por extremistas ambientalistas. Ou tem um projecto de negócio num país terceiro, e pretende saber quem domina, nesse país, determinadas áreas de negócio”. O serviço compreende geralmente duas etapas: “Reunir informação, e elaborar o dossier para sensibilizar os decisores”. Para isso, e de acordo com o assunto em causa, Artur Pereira constitui uma equipa multidisciplinar. “Tenho uma rede de pessoas, arquitectos, ambientalistas, advogados, professores universitários, que contacto consoante o assunto. Todos têm os seus empregos, isto é apenas um plus bem remunerado. Quando a missão termina, a equipa é desmembrada”. O preço é combinado com o cliente, “dependendo da complexidade da operação e do tipo de equipa que é preciso criar. E também em função do que o cliente espera ganhar. Mas se não houver resultados, não há dinheiro”. É uma das particularidades do trabalho de Artur Pereira: só é pago no final, se conseguir o objectivo. Outros facilitadores vão recebendo milhares de euros para despesas, sem explicarem exactamente quais, diz. “Há muita ignorância e medo da parte dos clientes. É fácil enganá-los. Alguns facilitadores andam dois ou três anos a ganhar dinheiro, dizendo que vão falar com os ministros, quando afinal se limitam a reunir informação que se consegue em meia hora no Google”. Por ter preocupações éticas, diz Artur Pereira, é prejudicado em relação à concorrência. Mas mantém-se em actividade graças a uma boa agenda de contactos e às relações de confiança que estabelece. “Tenho os números directos de telemóvel de toda a gente, e eles atendem-me. Porque têm consideração por mim, sabem que comigo há total discrição, não há inconfidências, nem quebras de cumplicidade”. Outro dos trunfos de Artur Pereira é ser de esquerda. Está ligado ao Partido Comunista, o que não é muito comum no seu ramo. “Não tenho preconceitos em relação a ninguém. Entre os meus contactos há gente desde a direita até à extrema esquerda. Essa é uma das razões porque todos os políticos me atendem o telefone. Sentem que lhes posso ser útil. Às vezes são eles que me ligam, para conversar. Querem saber o que os ‘outros’ pensam, nos partidos de esquerda”. Apesar de ser contra, Artur Pereira admite que a ilegalidade e a corrupção dominam o labor de empresários e políticos, através dos facilitadores. E que é quase impossível proceder de forma diferente, porque o sistema está montado para que seja assim. “Os facilitadores sabem que têm do outro lado um político corrupto. É a máfia organizada. Mas em algum momento alguém terá de dizer que é preciso fazer de outra maneira. É possível corromper alguns durante todo o tempo, e corromper todos durante algum tempo, mas não é possível corromper todos durante todo o tempo”. Haveria uma mudança, se a actividade dos lobby fosse transparente. Se fosse legal. É nisso que acredita. “Seria um dos pilares da transparência democrática. Os lobbyistas teriam de ser identificados, saber-se para quem trabalham, quanto recebem, que dossiers têm em mãos. Tal como acontece nos EUA. As regras de actuação deveriam estar definidas, e ser revistas periodicamente, por um organismo próprio. Mas isso não interessa a muitos facilitadores, para quem ‘o segredo é a alma do negócio’. Sem regras, é possível usar todo o tipo de métodos, pagar luvas. Porque, neste negócio, não há recibos. Se a actividade de lobby fosse legalizada, os actos de políticos e empresários seriam escrutinados, para benefício dos cidadãos”. Aliás, não deveriam ser apenas os empresários a usufruir dos serviços de lobby. “Os cidadãos comuns precisam mais do que ninguém”, acrescentou o lobbysta de esquerda. Mas o problema, confessou-me a maioria dos entrevistados para esta reportagem, é que não é uma questão de escolha. Independentemente das boas intenções que cada um possa ter, é muito difícil, ou mesmo impossível, agir dentro da legalidade. Paulo de Morais, que foi vereador do Urbanismo da Câmara do Porto no tempo de Rui Rio, confessa: “Eu tive de me esforçar muito para não ficar rico”. Tentaram suborná-lo, oferecer-lhe apartamentos, caixas de sapatos cheias de notas. Houve mesmo alguém que lhe transferiu 4 milhões de euros para a conta bancária. Foi preciso bloquear a conta, para que o montante não entrasse. “Todos os vereadores do Urbanismo são ricos. Há dinheiro para eles, para os seus partidos, para os presidentes de Câmara. O urbanismo é dos negócios mais rentáveis do mundo, só comparável ao tráfico de droga. Se se alterar o estatuto de um terreno, fazendo um loteamento, esse terreno, que valia 20 mil euros, passa a valer 200 mil em meia hora. Um terreno que valia 4 milhões às 4 horas, passou a valer 20 milhões às 4h30. São valorizações de 800 ou mil por cento, de um momento para o outro”. Perante isto, a lei não tem força para se impor. “Veja o que aconteceu com os terrenos da Câmara de Oeiras”, disse ainda o candidato a Belém. “Pergunte a Isaltino de Morais como é que ele fazia”. Isaltino Morais, antigo presidente da Câmara de Oeiras, recebeu-me no Palácio dos Arciprestes, em Linda-a-Velha, sede da Fundação Marquês de Pombal, a que preside. Foi-lhe atribuído este cargo pouco mais do que honorífico desde que saiu da prisão, há cerca de um ano, condenado por fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. “O meu caso é um case study junto dos académicos”, diz Isaltino Morais. Foi condenado sem provas, em consequência de uma série de erros judiciais, de má fé de magistrados e de um complot preparado pelos seus inimigos políticos, e alimentado pela comunicação social, explica ele. O seu processo, que levaria à sentença de dois anos de prisão efectiva, depois de inúmeros recursos e expedientes judiciais, referia-se apenas a uma conta bancária ilegal, na Suíça. Os vários outros crimes pelos quais foi investigado o acusado, alguns referentes a actos de corrupção cometidos no exercício do poder autárquico (foi reeleito em Oeiras já depois de condenado em primeira instância), foram objecto de absolvição, arquivamento ou prescrição. Mas, na opinião do próprio Isaltino Morais, foi por tudo isso que foi condenado. “Criou-se um caldo propício à perseguição. A comunicação social pedia sangue. O sistema judicial quis apresentar-me como um exemplo de eficácia. Não há outros casos de prisão de dois anos sem pena suspensa”. A partir de certa altura, o próprio sistema de justiça estava a ser julgado. Teria falhado em toda a linha, se não conseguisse condenar Isaltino. “O Ministério Público acusou, com medo. Hoje, não teria ido para a prisão”. Houve, segundo ele, uma conspiração, liderada por Luís Marques Mendes, coadjuvado por Manuela Ferreira Leite e Paula Teixeira da Cruz (membros do PSD, partido pelo qual foi eleito). Está tudo explicado com grande profusão de pormenores no livro A Minha Prisão, editado em Maio pela Esfera dos Livros. “Eles queriam afastar-me da política, mas não previram que isso me levaria à prisão”, diz Isaltino agora. O julgamento na praça pública assumiu proporções gigantescas e foi imparável, acrescenta. E percebe-se o que realmente quer dizer: na pessoa dele, foi julgado, pela sociedade, todo um estilo de fazer as coisas. Até toda uma época. “Eu era uma figura popular. Ainda hoje sou. E fui vítima do meu sucesso. No Governo, era o ministro mais popular. Ia aos distritos, levava os directores-gerais, para falar dos problemas. E vivi o período áureo do poder local, nos anos 90. Aproveitei. Criei condições para constituir boas equipas técnicas, aproveitei bem os fundos comunitários”. Não compreende a acusação de que, enquanto presidente de Câmara, recebia os empresários no seu gabinete. “Claro que os recebia, à segunda-feira e terça-feira, em reuniões sempre com mais sete ou oito técnicos. Porque um autarca deve ser alguém que favorece o diálogo, desbloqueia, resolve os problemas”. Nega que tenha praticado a corrupção, mas também não compreende a importância que se atribui a isso. “Corrupção há em todo o lado onde há poder e dinheiro”. Assim como não entende todo o empolamento dos chamados crimes de colarinho branco. “O crime económico é hoje demasiado condenado. Mais do que os homicídios, ou a pedofilia. Acho isso errado. O crime económico é bem menos grave”. Maria Manuel Leitão Marques, professora catedrática de Direito Económico na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da mesma Universidade, admite que, ainda hoje, a missão dos gestores públicos, autarcas incluídos, não é fácil. “Têm regras muito apertadas, mais do que os privados. E têm de apresentar resultados. Dantes, eram apenas burocratas, mas agora têm de ser eficientes e eficazes. São muito escrutinados, e têm de cumprir prazos, regras, concursos. Nem sei como alguém aceita ser gestor público”. Estes constrangimentos não são exclusivamente portugueses, mas podem ser um forte incentivo ao incumprimento das regras, por parte dos autarcas. Ainda que não o justifiquem, ressalva Maria Manuel. “Estas regras cumprem objectivos de transparência e responsabilidade. Mas como conciliar isso com a eficiência e a eficácia?”Como secretária de Estado da Modernização Administrativa no Governo de José Sócrates e coordenadora do programa Simplex, reconhece a importância da simplificação dos processos burocráticos. Mas “o Simplex foi feito a pensar nos pequenos empresários. Os grandes têm sempre formas de se defenderem. Utilizam advogados, e as despesas diluem-se”. O conflito entre autarcas e o poder central, porém, vai para além desses constrangimentos de responsabilização, pensa Daniel Francisco, sociólogo, que tem desenvolvido trabalho de investigação sobre o poder local, também no CES, de Coimbra. Insere-se num clima de rebeldia contra o Estado, que é antigo e constante no país. “O Estado central é inimigo dos autarcas”, afirma. “Eles dizem: ‘Eu faço o bem aqui, o Terreiro do Paço é o inimigo”. Esta hostilidade contra o Estado cai bem entre as populações locais, porque é profundamente enraizada, e explica em grande medida a apetência para o incumprimento da lei, da parte de quem o pode fazer. O Estado representa a grande instituição opressora, como em tempos foi a Igreja. E as pessoas sentem que a sua sobrevivência depende da capacidade individual de resistir a essa opressão. “Somos o povo mais manhoso do mundo”, diz Daniel Francisco. “O silêncio, a dissimulação, o risinho” são estratégias individuais de resistência. “Em Portugal, o poder do Estado é odiado e temido em todas as suas manifestações. O padre, o professor primário, o patrão, o pai, que é violento e alcoólico, e do qual a mãe protege os filhos. São emanações do poder patriarcal, que Salazar foi brilhante em compreender e utilizar, numa cumplicidade implícita com as famílias portuguesas”. A desconfiança em relação ao Estado é muito antiga em Portugal. Uma das origens dessa atitude será o facto de os portugueses serem descendentes de viajantes e comerciantes. “Fenícios, cartagineses, judeus eram comerciantes, e se algum êxito tiveram foi por viajar. Sociedades que gostam do movimento não gostam do Estado. E as elites portuguesas estão ligadas ao comércio”. Elísio Estanque, investigador do CES, professor na faculdade de Economia de Coimbra e especialista em classes sociais, tem dúvidas sobre este generalizado carácter aventureiro dos portugueses. A nossa sociedade é aliás “pouco individualista. Há uma cultura autoritária, e as classes baixas aceitam a dependência como inevitável, de uma forma reverente. Há um défice de autonomia individual, e uma dependência das boas almas, das dádivas dos poderosos”. Esta é uma das perspectivas possíveis, diz Elísio Estanque. É olhar as elites pelos olhos das classes baixas. “Quando a classe média empobrece, a reverência tende a aumentar. Enquanto não se transforma em revolta. Quando o poder é muito assimétrico, faço o que me mandam fazer”. Isto confirma e sacraliza as classes altas na sua atitude tradicional: a arrogância. Por herança cultural do autoritarismo despótico da Igreja e da aristocracia, as elites portuguesas “sentem-se como se estivessem fora da sociedade e acima dela. Na sua lógica elitista, posicionam-se acima de de qualquer contrato social”. Numa definição mais avançada, “se as elites são uma força transformadora da sociedade, um motor da transformação, então elas não existem em Portugal”, diz Elísio Estanque. Muitos elementos das classes superiores são de ascensão recente, o que determina as suas características. Apresentam tiques de novo-riquismo, através da “ostentação, em busca de um estatuto que ainda não está sólido nem seguro”. Por outro lado, essa insegurança, a “debilidade individual, leva-os a acreditar que foram promovidos graças a terem sido protegidos por alguém. O tráfico de influências é isso”. E essa crença, por sua vez, fá-los sentir-se eleitos, e não agentes da sua própria ascensão. “Julgam-se predeterminados, com um estatuto imune. Nas camadas com traça aristocrática, vêem-se como promotores do bem público. Tudo o que dizem e fazem é para bem do povo”. Ao mesmo tempo, nas novas elites urbanas há muito de hábitos e tradições do mundo rural, de onde são oriundas. “As redes de contactos familiares, os favores, as afinidades, a gratidão, o paternalismo, a protecção. Os laços pessoais têm mais força do que a lei, na sociedade portuguesa. Houve uma transferência do mundo pré-moderno, pré-democrático”. As elites tendem a reproduzir à sua maneira esses comportamentos, privilegiando as amizades e os favores em detrimento da lei, à qual, por a temerem, se sentem superiores. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O sociólogo Paulo Machado concorda que as elites portuguesas se sentem no seu lugar por uma espécie de direito divino. “Noutros países, as elites resultam de um processo muito competitivo. É um prémio, uma distinção social. As portuguesas não tiveram de se esforçar. São pouco competitivas. Por isso se sentem seguras nos seus privilégios, e acima das outras pessoas”. E da lei. Rui Teixeira Santos tem outra explicação. A corrupção é intrínseca às estratégias de sobrevivência das elites portuguesas, desde sempre. “Como foi possível que o nosso império na Ásia sobrevivesse durante 300 anos, quando éramos um país sem recursos? A resposta é esta: através da corrupção. Foi a maneira portuguesa de encontrar recursos. A corrupção foi a seiva do império. A lenda negra do império português”. Depois, quando os vice-reis da Índia chegavam ricos, o rei encontrou uma forma de os espoliar: “Através do Instituto da Devassa, perguntavam-lhe como tinha enriquecido. Se não conseguisse justificar, o rei tinha o direito de lhe confiscar os bens. Não há fortunas vindas do Império”.
REFERÊNCIAS:
Tribunal absolve polícias acusados de agressão a jovem no bairro 6 de Maio
O Ministério Público acusava os dois agentes de terem agredido um jovem depois de o terem identificado sem motivo, mas procurador em tribunal já tinha pedido a sua absolvição. Duas filmagens de detenção foram peça-chave na decisão. (...)

Tribunal absolve polícias acusados de agressão a jovem no bairro 6 de Maio
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DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Ministério Público acusava os dois agentes de terem agredido um jovem depois de o terem identificado sem motivo, mas procurador em tribunal já tinha pedido a sua absolvição. Duas filmagens de detenção foram peça-chave na decisão.
TEXTO: O Tribunal de Sintra absolveu esta quarta-feira os dois agentes da PSP que estavam acusados de agredir um jovem perto do bairro 6 de Maio, na Amadora, em Julho de 2015, de todos os crimes de que vinham acusados pelo Ministério Público. Pedro Xavier e Luís Ferreira estavam acusados dos crimes de ofensa à integridade física, sequestro agravado, denúncia caluniosa e falsificação de auto. Além dos depoimentos dos arguidos, de algumas testemunhas e do ofendido foram essenciais para a decisão dois vídeos que mostram a detenção naquele dia. Num dos vídeos, segundo a juíza, mostra-se a detenção de Tiago Gouveia junto a uma farmácia e noutro visiona-se ele a ser algemado e encaminhado para o carro. A presidente do colectivo referiu que em “momento algum” se vê Tiago Gouveia a ser agredido, vê-se sim a ser levantado com calma, algemado e depois encaminhado para o carro. Essencial foi ainda o depoimento do jovem depois de visionadas as imagens em que, num segundo depoimento em tribunal, “apresentou uma nova versão” dos factos, disse a juíza, negando-os. Convenceu também os juízes um depoimento da chefe de Tiago Gouveia que referiu que este lhe disse que tinha sido assaltado nesse dia, através de SMS que aquela guardou. O tribunal pôs então em dúvida a versão dada por Tiago Gouveia de que tinha sido também agredido no carro e na esquadra e o seu depoimento não mereceu, por isso, credibilidade. Os exames médicos também não mostraram lesões, acrescentou. A juíza deixou o recado aos polícias: “Se efectivamente alguma coisa aconteceu e aqui não veio indiciada fica na consciência dos senhores”. Já nas suas alegações finais o procurador do MP que acompanhou o julgamento tinha pedido a absolvição dos agentes, pondo em causa também a credibilidade do ofendido. Os factos aconteceram a 17 de Julho de 2015 quando o jovem, então com 21 anos, ia a sair de um autocarro junto ao 6 de Maio, um bairro de construção ilegal que está a ser alvo de realojamento e demolições há anos. Segundo a descrição dos dois polícias em tribunal, depois de pedirem a identificação a Tiago ele recusou-se, dizendo que morava nas imediações. “Ele disse: ‘Eu não tenho que dar nada. ’ Estava com um ar superdespreocupado, parecia que estava a desvalorizar a nossa actuação policial”, disse ao tribunal o agente Pedro Xavier. “Dizia: ‘A vossa carreira policial vai acabar, não sabem com quem se estão a meter. ’”Face à resistência, foi-lhe dada voz de detenção pelo “crime de desobediência”: “Recusou-se a ir connosco à esquadra. ” Depois Tiago tentou fugir, segundo os agentes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em tribunal, numa das primeiras sessões, os juízes quiseram saber o que tinha levado os agentes a abordar o jovem. “Abordámos o suspeito porque era branco, estava numa zona sensível onde há vários ilícitos criminais e só vivem pessoas de etnia africana. Achámos estranho estar ali àquela hora”, disse o agente Luís Ferreira, o primeiro a ser ouvido. A acusação do MP resultou de uma certidão extraída do processo em que o jovem era arguido. O Tribunal de Sintra não o pronunciou e o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou aquela decisão, redigindo um acórdão em Abril de 2017 que sublinhou o direito de resistência: “A detenção de uma pessoa para identificação fora do contexto do Artigo 250 do Código de Processo Penal confere à mesma o direito de resistência, consagrado no Artigo 21 da Constituição. ”Os juízes escreveram ainda que aquele artigo “não permite a identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, conotado com o tráfico de estupefacientes, sem que sobre ela recaiam ‘fundadas suspeitas da prática de crimes’”. “Para se proceder à identificação de uma pessoa não basta que o local público em que a mesma se encontra seja um ‘local sensível’. Este conceito não foi assumido pelo legislador, já que o mesmo se basta com o local ser público, exigindo, contudo, que existam fundadas suspeitas sobre essa pessoa da prática de crimes. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP