A revelação do Táxi 518
As casas são guardadoras de memórias: as nossas e as de outros que as construíram ou que as habitaram, antes ou depois de nós. As casas também arrumam as memórias, em camadas, para que mais tarde alguém as desfie. (...)

A revelação do Táxi 518
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: As casas são guardadoras de memórias: as nossas e as de outros que as construíram ou que as habitaram, antes ou depois de nós. As casas também arrumam as memórias, em camadas, para que mais tarde alguém as desfie.
TEXTO: Chovia bastante no Porto quando me ligaram do jornal, nesse fim de tarde, a pedirem-me que fotografasse uma casa classificada como património histórico para os lados da Foz do Douro. Corria o risco de ser demolida. Encontrava-me na Baixa, na Praça de D. João I, pronto para entrar no metro que me levaria até ao meu casulo. Em vez disso, apanhei rapidamente um dos táxis que normalmente prestam serviço especial para o jornal. Raramente cedo a conversas de táxi quando me olham, me avaliam pela cor da pele e, com algum saudosismo, me perguntam de que ex-colónia sou originário. Costumo dizer que sou da freguesia da Vitória, no Porto. Sabe-me a autodefesa que corta a “converseta” da treta pela raiz para assim me fazer transportar sem inconveniências e sem debates que me fariam apear muito antes do meu destino. No Táxi 518, tudo foi diferente. A empatia foi quase imediata, logo que o taxímetro começou a rodar. Algo de familiar pairou naquele habitáculo quando o motorista me cumprimentou e lhe disse para onde queria ir. O senhor Gilberto Santos, de poucas conversas, dócil e de ar paternal, afirmou que é transmontano e perguntou-me se eu era do Porto. Respondi-lhe prontamente que sim, mas que tinha vindo de Moçambique, há cerca de 30 anos, e que me tornara portuense por adopção. Seguiu-se um breve silêncio quebrado por um tom de voz meio embargado que me diz ter sido obrigado pelas circunstâncias a abandonar com a esposa e dois filhos menores o seu Moçambique em 1974. Lá, já era taxista e acumulava esse trabalho com a agricultura na Machava, onde detinha alguns talhões. Produzia arroz e mantinha umas três centenas de cabeças de gado, nas margens do rio Limpopo. A voz melancólica tocou-me e, a dada altura, choveu nostalgia no interior da viatura. O senhor Santos habitara um 2. º piso, num prédio de três andares, na Avenida Massano de Amorim, em Lourenço Marques, mesmo ao lado dos Gelados Italianos. Continuava a chover. Um pequeno relâmpago interrompeu a conversa, iluminando bruscamente os nossos rostos. “Isto não é nada. Os raios que lá caíam eram mesmo de outro mundo!”, observou o motorista. Pensei no prédio de três andares, ao lado dos Gelados Italianos. “Só havia um e o primeiro andar foi a minha casa, no final dos anos 70 e durante toda a década de 80”, disse-lhe. Mais um relâmpago que nos abanou o cérebro e iluminou. Olhámos um para o outro, já com cumplicidade. “Seria para lá do Café Estoril?” perguntei, receando que esta conversa não estivesse a acontecer. “Não, para cá do Café Estoril, na direcção do Hotel Polana”, respondeu ele. Continuei: “Pois, senhor Santos, tenho quase a certeza de que o prédio a que o senhor se refere foi também meu, ou melhor, era a casa dos meus pais, onde fui criado e muito feliz, durante a minha adolescência. ” Arrepiado, perguntei: “Tem mesmo a certeza de que habitou o 2. º andar daquele prédio?” O senhor Santos tinha a certeza. Entusiasmado, digo: “Essa casa, apesar de tudo, também foi minha, porque morava lá o meu tio Silva. E nós morávamos no andar de baixo. Que dia o meu! Conheço aqueles andares como a palma da minha mão. Tenho de telefonar já ao meu pai, que está em Moçambique, para lhe dizer que estou, neste exacto momento, no carro de um senhor que foi o primeiro morador da casa do tio Silva, no apartamento por cima do nosso!. . . ”E continuei: “Fui para lá morar pouco depois da independência. Julgo que a minha família foi a primeira a morar no prédio após a sua partida. Entretanto, o Estado tomou conta das casas que foram abandonadas na fase de transição. Foram todas nacionalizadas. Apesar da sua boa intenção, o jovem Estado não tinha condições para cuidar do parque imobiliário, pelo que mais tarde acabou por vender a maior parte dessas habitações aos seus novos inquilinos. Conheci o prédio da Massano de Amorim tinha eu 12 anos. A avenida chama-se agora Mao Tsé-Tung. A fachada do prédio rosa de três andares que ostenta um painel de azulejos com a imagem de uma santa sempre nos levou a crer que o edifício estivesse ligado à igreja. O interior do 1. º andar que mais tarde habitei estava completamente vandalizado e num estado de destruição total. Toda a família teve que pôr mãos à obra para podermos ter um tecto condigno. ”Em pouco mais de meia hora de bandeirada até ao meu destino, dei comigo a sonhar no beliche do meu quarto do 1. º andar, em Moçambique. Fui fotografando a casa desenhada por um famoso arquitecto, enquanto, a uma velocidade alucinante, viajava até à minha infância e ao prédio de três apartamentos onde parte da minha vida fez todo o sentido. Observei e registei, debaixo de água, com a ajuda do senhor Santos, que insistia em segurar-me o guarda-chuva, cada linha daquela vivenda de três pisos que fotografava na Foz. Senti-me no prédio da Mao Tsé-Tung, em Maputo. Pela primeira vez na minha vida uma casa ia muito para além do abrigo de cada um, onde nos fechamos em nós, com os nossos e com aqueles com quem queremos partilhar um pouco dos nossos segredos - que só alguns compreenderiam. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As casas são guardadoras de memórias: as nossas e as de outros que as construíram ou que as habitaram, antes ou depois de nós. As casas também arrumam as memórias, em camadas, para que mais tarde alguém as desfie. O motivo pelo qual o taxista me levou à Foz do Douro acabou por ser uma não-notícia, mas acredito que a coincidência nos quis levar por uma viagem única, no tempo. Para o senhor Santos e para mim, foi um dia ganho.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda
Beira, “a cidade que está no sítio errado”
Haverá um Moçambique antes e depois do ciclone Idai? E existirá vontade política para corrigir os problemas urbanísticos de uma Beira que nasceu torta por causa de um porto e de um caminho-de-ferro? O “problema é complexo”, diz o escritor João Paulo Borges Coelho. (...)

Beira, “a cidade que está no sítio errado”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.5
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Haverá um Moçambique antes e depois do ciclone Idai? E existirá vontade política para corrigir os problemas urbanísticos de uma Beira que nasceu torta por causa de um porto e de um caminho-de-ferro? O “problema é complexo”, diz o escritor João Paulo Borges Coelho.
TEXTO: O ciclone Idaí pode ter sido um fenómeno extraordinário, irrepetível em centenas de anos, mas deixou a nu os problemas de uma cidade moçambicana que nunca devia ter sido ali construída. A Beira existe há mais de 130 anos nessa língua de terra entre o Índico e o rio Chiveve, contra todos os conselhos urbanísticos de quem a foi planeando. A sua localização geográfica deve-se a razões políticas e económicas; à Conferência de Berlim e à necessidade de garantir a presença portuguesa no território; ao porto estratégico para ligar os territórios centro-africanos, o hinterland, ao mar; ao caminho-de-ferro e aos interesses da British South Africa Company de Cecil Rhodes, fundador da Rodésia.
REFERÊNCIAS:
Cidades Porto Berlim
A África dele não se prevê, vive-se
Gonçalo Cadilhe caminhou “quase sempre” sozinho. África Acima é o resultado de 27 mil quilómetros percorridos durante oito meses. (...)

A África dele não se prevê, vive-se
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2019-06-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Gonçalo Cadilhe caminhou “quase sempre” sozinho. África Acima é o resultado de 27 mil quilómetros percorridos durante oito meses.
TEXTO: Quinze países, 27 mil quilómetros, oito meses. Há um mapa nas primeiras páginas deste livro de Gonçalo Cadilhe – cuja capa mostra uma paisagem árida e um caminhante de chapéu, cajado na mão e mochila às costa. África Acima (na sua décima edição, agora pela Clube do Autor). Do cabo da Boa Esperança, no extremo sul de África, ao estreito de Gibraltar, no extremo Norte. Sempre junto ao chão. Sempre perto das pessoas. “É este o meu projecto: atravessar África. Prosseguir do Sul para o Norte utilizando as estradas do continente, recorrendo aos transportes públicos, aos autocarros maltratados pelos anos, aos comboios que ainda andam, pedindo boleia, viajando com as pessoas da terra – em terra onde estiver, farei como vir fazer. Excluo o transporte aéreo, voar sobre África não é viajar por África. Aliás, voar não é viajar. ”Como não seria de esperar, as suas previsões africanas “falharam. . . infalivelmente”. De pouco serviram as mil e uma viagens deste viajante profissional, a América Central, o Afeganistão, o planalto andino, as ilhas mais recônditas da Indonésia, os relatos dos outros livros – dos seus e dos outros autores viajantes da história. “De pouco serviram os quinze anos de experiência a viajar pelo resto do mundo”, escreve Cadilhe numa nota introdutória do seu último livro, com cerca de 200 páginas (e dois grandes parêntesis onde nos deixa espreitar o fim de tarde nas dunas de Sossusvlei, alguns bebés residentes da Fundação Harnas, um arco-íris nas Cascatas de Vitória, o Portugal do Estado Novo intacto nas fachadas do Lubango, paisagens “de conto de fadas”, as atribuladas travessias nos rios e as piores estradas da sua vida). “A África não se prevê, vive-se. Vai-se lá. ”Foi uma “travessia terrestre à velocidade de um cruzeiro de mar”, resume o autor, que arrancou com previsões “sombrias” de África e com uma “visão apocalíptica” das questões de saúde. Correu tudo “lindamente” num continente com “poucas estradas e muitos países”. Nem insegurança pessoal, nem problemas com as autoridades, nem manifestações de agressividade ou racismo, nem falta de Internet quando precisou dela para enviar as crónicas do Expresso que agora estão compiladas neste livro que integra o Plano Nacional de Leitura. “Enganei-me. As populações africanas dos vários países que atravessei foram sempre generosas, hospitaleiras e fraternas comigo. Foi esta a mais importante lição, e hoje recordação, da minha viagem. Que surpresa, meu caro viajante tão experiente: encontrar o melhor da humanidade no lugar onde essa mesma humanidade apareceu. Mais uma vez as minhas previsões tinham falhado infalivelmente. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Gonçalo Cadilhe caminhou sozinho. “Quase sempre. ” Depois de uma viagem de duas horas de poeira, vento e chuva na caixa de uma pick-up, sorriu para uma foto e deixou uma pergunta no ar: “De que raça é o autor deste livro?”Gonçalo Cadilhe Editora Clube do Autor Preço: 16, 50€A região de Lisboa ainda tem segredos para descobrir a pé“Não é preciso afastar-se muito de Lisboa para encontrar lugares pouco conhecidos e com paisagens deslumbrantes, longe da azáfama da vida moderna. ” Robert Butler, professor e guia de turismo de aventura, e Andy Mumford, fotógrafo profissional de paisagens e viagens, conduzem-nos através de 19 percursos pedestres, a oeste e a sul de Lisboa, acessíveis “até para caminhantes pouco experientes”. Depois de Praias Escondidas, a editora Arte Plural lança Além Lisboa — Caminhadas, dos mesmos autores britânicos, com mapas detalhados e indicações práticas sobre como chegar; pontos de interesse a visitar próximos de cada local. “É de facto intrigante que muitos destes locais, de cascatas a grutas, de picos a pegadas de dinossauro, não sejam mais frequentados, mas a história geológica da região de Lisboa talvez seja o seu melhor segredo”, escrevem os autores do manual de percursos ideais para “piqueniques, crianças, aventura, banhos de mar, escalada e vestígios antigos” ou até perfeitos pelo seu “isolamento”. Além Lisboa — Caminhadas Robert Butler e Andy Mumford Arte Plural 17, 70 euros
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave racismo raça
Sim, precisamos de universidade para todos
Para enfrentar o futuro que aí vem — europeízado, globalizado, automatizado, com enormes incorporações de conhecimento e inovação na economia — Portugal terá de escolher uma das estratégias. Manter uma elite, ou alargar a elite. (...)

Sim, precisamos de universidade para todos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para enfrentar o futuro que aí vem — europeízado, globalizado, automatizado, com enormes incorporações de conhecimento e inovação na economia — Portugal terá de escolher uma das estratégias. Manter uma elite, ou alargar a elite.
TEXTO: Um dos aspectos colaterais da discussão sobre racismo na sociedade portuguesa foi revelar que temos ainda, no nosso país, duas visões muito distintas sobre a chegada à Universidade e, de forma geral, ao Ensino Superior.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave racismo
A nova ópera jazz de Kamasi Washington
Tem vindo a criar uma música evocativa da memória do jazz mas não ficando recluso dela. É uma nova relação que conquista seguidores. (...)

A nova ópera jazz de Kamasi Washington
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tem vindo a criar uma música evocativa da memória do jazz mas não ficando recluso dela. É uma nova relação que conquista seguidores.
TEXTO: Na música, e no porte físico, parece uma daquelas personalidades onde coabitam a inocência e a ambição desmedida. Um Francis Ford Coppola da música. Logo ao primeiro álbum, The Epic (2015), o saxofonista e compositor americano foi cunhado como uma das figuras do jazz que mais criou condições para o entusiasmo transversal em torno do género. Na verdade, não fez nada. Quer dizer, fez imenso: gravou esse magnífico triplo-álbum e o ano passado outro excelente registo, Harmony Of Difference, ao mesmo tempo que ia dando concertos pelo mundo, muitos deles em locais onde o jazz raramente aporta, como os festivais pop-rock para multidões. Autoria: Kamasi Washington Young Turks, distri. PopStockO que queremos dizer é que foram mais a circunstâncias exteriores (cumplicidades com músicos de outros territórios, de Kendrick Lamar a Flying Lotus) que acabaram por ditar esse interesse. Aliás, em conversa há dois anos pareceu-nos que esse tipo de questões não lhe importa. “Não olho para o jazz como fronteira, mas como hipótese sincrética, qualquer coisa que em vez de se fechar sobre si própria, pode provocar novos desafios através da transcendência”, dizia-nos. O que lhe interessa é a sua arte, assente num edifício jazzístico, sim, mas sem limites definidos, alimentando-se de blues, funk, soul, gospel e o que mais exista à volta. Se o álbum de estreia era de extravagante ambição, Heaven And Earth não lhe fica muito atrás, com orquestra, coros, vozes (de Patrice Quinn a Dwight Trible) e uma série de grandes músicos de jazz à volta abordando num álbum-duplo (a versão fisíca contém mais um disco) um daqueles conceitos maiores do que a vida, o lugar onde se separa a Terra (realidade) do Céu (idealização, utopia, transcendência). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Alguns dos sectores mais tradicionais do jazz referem que não tem transportado nada de novo, mas perante a multiplicidade de ideias, musicais ou conceptuais, desenvolvidas (humanismo afro-americano, ritmos afro-latinos, vozes corais, orquestrações majestosas, consciência sociopolítica, música onde balanço corporal e espiritualidade se tocam, num contínuo entre passado e presente) fica-se a pensar o que é que isso significará ao certo. O que não significa, claro, que a atenção à tradição do jazz não esteja aqui vincada. Mas é uma filiação livre de constrangimentos, como se a cada tema o músico e o seu grupo fossem reerguendo algo que estava dispersa no espaço, acumulando peças que, no seu conjunto, acabam por constituir um corpo consistente. A música contém quase sempre algo de sumptuoso, combinação de jazz e funk, fisicalidade e imaterialidade, afecto e ferocidade, num todo de grande exuberância. Ao longo dos últimos anos Kamasi Washington tem vindo a criar uma música que consegue ser tão comunicativa quanto elaborada, evocativa da memória do jazz, mas não ficando recluso dela, numa nova relação sonora que vai conquistando seguidores.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Forretice sortuda
Tenho sorte que me custe dar dinheiro por figos, nêsperas, ameixas e amoras. Na minha infância os figos, as nêsperas, as ameixas e as amoras eram apanhadas por quem as queria. (...)

Forretice sortuda
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.333
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tenho sorte que me custe dar dinheiro por figos, nêsperas, ameixas e amoras. Na minha infância os figos, as nêsperas, as ameixas e as amoras eram apanhadas por quem as queria.
TEXTO: Finalmente o Verão. A ver o Nigéria-Islândia e a comer os primeiros figos, vindos do Algarve. Estão aguados. Este ano a chuva estragou-nos a fruta toda. Só nos souberam bem umas nêsperas roubadas (com autorização do dono). Tenho sorte que me custe dar dinheiro por figos, nêsperas, ameixas e amoras. Na minha infância os figos, as nêsperas, as ameixas e as amoras eram apanhadas por quem as queria. Eram frutas grátis. Levei muitos anos para vencer a minha recusa de comprá-las. Ainda não consigo esportular euros numa cestinha de amoras. Penso sempre: vou apanhá-las a um sítio que eu cá sei. Mas nunca vou. As minhas saudades de amoras são cada vez maiores. Comiam-se muitas vermelhas, muitas que ainda estavam verdes. Era uma festa quando se encontrava as pretas. É um sortido estranho que não se pode comprar em parte alguma. Só se vendem as pretas, já maduras. Parece excessivo - como só vender uvas Moscatel do tamanho de ovos. Se tivesse nascido num país frio os figos seriam luxos caros, importados. Mas quem os apanha em criança sabe que é raro apanhar um figo maduro. Começamos a comer os figos cedo demais, incapazes de esperar ou de ter noção da asneira que fazíamos. Não são bem verdes mas ainda deitam leite. Não são completamente doces como aqueles que se vendem: enormes, roxos, lindos. Haverá quem me leia e saiba que eu não tive sorte nenhuma, comparada com a sorte dessa pessoa. E pensará noutras frutas, em vinhas e pessegueiros ali à volta da mesa improvisada em noites de calor. . . Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave criança
O assalto aos sentidos dos Chemical Brothers numa noite de homenagens
No dia em que políticos cantaram A Minha Casinha com os Xutos & Pontapés, em honra a Zé Pedro, o duo britânico e The Killers foram as grandes atracções. (...)

O assalto aos sentidos dos Chemical Brothers numa noite de homenagens
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: No dia em que políticos cantaram A Minha Casinha com os Xutos & Pontapés, em honra a Zé Pedro, o duo britânico e The Killers foram as grandes atracções.
TEXTO: “Mamã, isto é para ti”, explicava um Manel Cruz em tronco nu ao público, com uma orelha iluminada atrás dele e da banda, em cima do palco no encore do concerto no Music Valley, isto para introduzir Canção da Canção da Lua. “Somos mesmo umas putas”, tinha proferido antes, ao voltar após o público o ter pedido. O Music Valley é um dos três palcos com programação musical mais pensada da oitava edição do Rock in Rio em Lisboa – os outros são o Palco Mundo, vulgo palco principal, e o EDP Rock Street, um mini-palco que anteriormente era dedicado a blues e rock e agora tem uma interessante programação de música africana; e também há ocasionalmente música ao vivo no Super Bock Digital Stage É por esse vale que passam “grandes ídolos” da música portuguesa, diz o apresentador responsável pela animação. Ao lado do palco há festas de piscina, antes de actuarem os Capitão Fausto, que entram em cena ao som de Stuck in the Middle with You, clássico dos anos 70 dos escoceses Stealers Wheel. Vai chovendo, uma constante ao longo do penúltimo dia de festival, aquele que abre o segundo fim-de-semana, e não há um mar interminável de público nesse palco, mas há gente suficiente, e suficientemente entusiasmada, para não ser apenas queimar cartaz. A caminhada entre os espaços do recinto é longa, com os visitantes a serem bombardeados a cada momento por publicidade, brindes e animação. É um centro comercial/centro de diversões, sempre com algo para se fazer, normalmente associado a uma marca, com passatempos que vão de jogos a modelos de dinossauros do Dino Parque da Lourinhã que se podem visitar. Indo do Music Valley para o Palco Mundo, por exemplo, passa-se da rua do EDP Rock Street, que tem lojas Fnac, e ver artistas como Moh! Kouyaté (natural da Guiné-Conacri mas radicado há muito em Paris), que mistura a tradição mandinga com blues, jazz e outras influências pop mais europeias. Atrai algum público, mas não é o foco do festival. De noite, a chuva que se faz sentir durante o concerto de Xutos & Pontapés, sem Zé Pedro mas com Marcelo Rebelo de Sousa e companhia, acaba por desaparecer. O concerto dos Killers, de Brandon Flowers, segue sem transtorno meteorológico para o público. No palco, há um símbolo do género masculino em formato grande, composto por luzes, atrás do qual há um teclado e que Flowers, em modo pregador, usa como um púlpito, com as mãos no ar e movimentos de dança. Há ali algo de David Byrne, cujos Talking Heads são uma influência assumida. E há também um símbolo do género feminino atrás do qual estão as cantoras do coro. “Percebem o que estou a dizer? Estamos na mesma página?”, pergunta o vocalista. Os Killers tocam cada canção, seja a remeter para a new wave dos anos 80 ou para Bruce Springsteen e um fascínio pela América em geral, como se fosse a grande canção americana e o concerto propriamente dito fosse salvar a vida das pessoas. A componente visual contribui: há, por exemplo, imagens do deserto atrás deles. Sabem, certamente, montar um espectáculo – a isso poderá ajudar o facto de serem oriundos de Las Vegas. Enérgico e sorridente, Flowers salta e vende o que está a fazer com convicção, desfilando por canções como When you were Young, que tem uma cascata de faíscas a cair no palco, Human ou, sob luzes brilhantes, Mr. Brightside, que fecha o concerto. No fim, o baterista Ronnie Vannucci Jr. volta ao palco para atirar as baquetas ao público, enquanto atrás dele uma mensagem para a plateia “guiar com cuidado” e “contar a todos os amigos” sobre o concerto, uma frase que Vannucci repete. Como não pode não haver tempos mortos, há fogo-de-artifício e foguetes nesse palco enquanto The Chemical Brothers (Tom Rowlands e Ed Simons) não chegam. A montagem do equipamento do duo de big beat britânico, que envolve sintetizadores, efeitos, caixas de ritmos e uma parafernália de máquinas, faz-se ao som de clássicos de electro com feeling anos 80, com Chill Pill, de Sounds Of JHS 126 Brooklyn, ou Set if Off, de Strafe. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Já sem chuva, a música começa às 22h45, com luzes azuis – vão mudar muito de cor ao longo da actuação –, fumo e o público com bastões fluorescentes multicolores da EDP no ar. Mais especificamente, é uma versão de Tomorrow Never Knows, dos Beatles – não será o único clássico extra-Brothers da noite: a dada altura, Temptation, dos New Order, mantendo a voz original mas construindo uma nova base instrumental e toda uma nova estrutura, também faz parte do alinhamento. Tal como The Killers, são uma máquina extremamente bem oleada e fazem todo o sentido num contexto destes. O domínio sobre o público e o assalto aos sentidos é total, com as vibrações dos baixos a sentirem-se na terra e luzes, vídeos sempre diferentes e inventivos, a desfilarem por detrás do duo Rowlands/Simons. Nos ecrãs, as caras deles não interessam, mesmo que saiam da bolha das máquinas de vez em quando para dançar um pouco ou elevem o punho no ar enquanto um sample de voz grita “I’m mad as hell”. Seriam eficazes mesmo que o público não conhecesse um único tema, mas têm quase 30 anos de carreira e êxitos reconhecíveis acumulados ao longo de mais de duas décadas, de Galvanize, com a voz do rapper Q-Tip, de A Tribe Called Quest, a Block Rockin' Beats.
REFERÊNCIAS:
Étnia Escoceses
Foi-se o preconceito, venham os turistas
Pela terceira vez, mais de uma centena de artistas está em Loures para pintar paredes. Há cada vez mais privados a quererem intervenções nos seus prédios -- e chamar turistas é missão assumida pela autarquia. (...)

Foi-se o preconceito, venham os turistas
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pela terceira vez, mais de uma centena de artistas está em Loures para pintar paredes. Há cada vez mais privados a quererem intervenções nos seus prédios -- e chamar turistas é missão assumida pela autarquia.
TEXTO: Obed Osorio é salvadorenho mas viu-se grego para cá chegar. Voou de El Salvador para a Costa Rica, dali para Espanha, aterrou finalmente em Portugal ao fim de quase dois dias em trânsito. Foram de madrugada buscá-lo ao aeroporto de Lisboa e, poucas horas depois, já estava empoleirado numa grua a tentar dar cor a uma desinteressante empena do bairro da Quinta do Mocho, em Loures. Porque veio de tão longe? “Acho que é porque sou louco”, sorri Obed, 25 anos, operário têxtil que ambiciona tornar-se artista a tempo inteiro. “No meu país não há arte urbana como aqui na Europa. Há alguns artistas, mas o panorama é muito limitado”, diz, limpando o suor do rosto, o homem que assina as suas obras como Abraham. Atrás de si, ainda em traços largos, ganha forma o que parece ser o rosto de uma mulher africana, com um turbante na cabeça e um medalhão ao peito. Quando a pintura estiver pronta, vai ser uma das mais visíveis da estrada que liga Camarate a Sacavém. E vai ser mais uma a enfeitar a Quinta do Mocho, que nos últimos anos se transformou numa galeria de arte urbana a céu aberto, primeiro para limpar a má fama do bairro municipal, agora para atrair turistas ao concelho. “O objectivo primeiro era mostrar à população que o bairro era pobre, sim, mas de gente honesta e trabalhadora”, diz Maria Eugénia Cavalheiro, vereadora da câmara de Loures. “Estamos a apostar fortemente na inclusão desta arte pública nos roteiros turísticos de Lisboa. ”Vasco Rodrigues, que se orgulha de ter sido “a primeira pessoa a levar visitantes à Quinta do Mocho”, logo em 2014, depois das intervenções artísticas iniciais, está constantemente a guiar turistas por aquelas ruas largas e sem interesse, típicas de bairro de realojamento, a que a arte urbana veio animar. Ainda no domingo passado orientou uma visita para 30 pessoas, a maioria portuguesas e brasileiras, mas também de outras quatro nacionalidades. “Lembro-me perfeitamente que, das primeiras vezes que trouxe portugueses, eles ficavam de pé atrás”, conta, recordando a conotação do Mocho como “bairro problemático” em que poucos queriam entrar. “Os estrangeiros foram os primeiros a vir”, diz Vasco, com vinte anos de experiência em arte urbana. A criação da plataforma Loures Arte Pública, que divulga os trabalhos do concelho todo o ano e que, até domingo, é um festival em que participam 120 artistas de 20 países diferentes, “fez com que houvesse uma descentralização da arte na Grande Lisboa”, opina Vasco Rodrigues. “Os estrangeiros que vêm e querem ver arte urbana já sabem que não ficam só em Lisboa. ” Para isso contribuiu a presença, nos três festivais Loures Arte Pública que já se realizaram, de nomes reconhecidos no panorama. Como o americano Arcy, que há poucos dias pintou uma minhota de faces rosadas, ou o luso-francês Hopare, que já interveio no Mocho e este ano regressa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nesta edição, para a qual houve 400 candidaturas de artistas, a câmara decidiu apostar mais em emergentes, pessoas que nunca tinham sonhado com a existência de Loures. É o caso de Obed, mas também do grego Nikolaos Tsounakas, que se encarregou de pintar um tigre num posto de transformação de electricidade em Santo António dos Cavaleiros. “As pessoas daqui vêm dar-me cerveja e bananas”, comenta, surpreendido. “Este bairro é de gente trabalhadora, que não vê este tipo de arte todos os dias. Pareceu-me mais importante fazer isto aqui do que em Lisboa”, justifica. Não muito longe, protegido por um chapéu-de-sol com o logótipo da autarquia, o mexicano Toner Linaje põe na parede uma mulher com o filho às costas no meio de um deserto de cactos. E as argentinas Medianeras, que acabaram de chegar, ainda só estão a pôr a tinta branca para depois fazerem surgir um menino deitado a ler um livro numa das paredes da Escola João Villaret, no Infantado. Este, como tantos outros do festival, é um espaço público, mas há cada vez mais privados a pedirem intervenções nos seus prédios. “Vês como são as pessoas? Precisam de ver. Há muito preconceito com arte urbana, por isso são importantes festivais como este, para dar visibilidade”, comenta uma das artistas. Visibilidade é coisa que a Quinta do Mocho tem ganhado ininterruptamente. “Algumas lojas que estavam fechadas abriram, alguns restaurantes ganharam nova dinâmica”, afirma Eugénia Cavalheiro. Vasco Rodrigues confirma esse dinamismo económico e acrescenta: “Senti uma diferença no orgulho dos moradores. Muitas vezes estou com um grupo de turistas e vêm moradores falar com eles, sugerir sítios para ir, coisas que não podem perder. ” O Loures Arte Pública termina no domingo, as obras estão lá, para quem as quiser ver, o ano inteiro.
REFERÊNCIAS:
Rogério de Castro, um académico que sempre quis ser agricultor
O Senhor do Vinho que escolhemos para esta edição especial da Fugas é um dos mais conceituados cientistas portugueses no estudo da viticultura. Mas é também produtor na região dos Vinhos Verdes. (...)

Rogério de Castro, um académico que sempre quis ser agricultor
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Senhor do Vinho que escolhemos para esta edição especial da Fugas é um dos mais conceituados cientistas portugueses no estudo da viticultura. Mas é também produtor na região dos Vinhos Verdes.
TEXTO: Sou Rogério de Castro. O que sou hoje começou cedo. Quando estava na terceira classe do ensino primário fiz uma redacção sobre “O que queres ser quando fores grande". E respondi: "Eu não quero estudar mais, porque quero ser agricultor. Se continuasse a estudar, iria para agrónomo, mas não quero…". Fui durante alguns anos jovem agricultor. Enquanto na “instrução primária”, só uma coisa justificava a falta à escola: ir à Quinta de Lourosa com o meu pai, organizar o trabalho e fazer as contas. Entretanto, já com pais falecidos, eis-me no Instituto Superior de Agronomia (ISA) a cursar Agronomia. Com o curso na fase final sou seleccionado para monitor de viticultura, mas com uma nova certeza: não ficarei em Lisboa e não ficarei no ensino. Entretanto a leccionar no ISA, vem ímpeto de “experimentalista" e rapidamente dei por mim a semear ensaios por todo o país e a fazer estágios no estrangeiro. Todos os anos aproveitava férias escolares e rumava a diversas Estações de Investigação: França (Bordéus e Montpellier), Inglaterra (East Malling), Itália (Bolonha e Conegliano), Suíça (Changins e Wadenswil). Doutoramento feito, sucedem-se projectos de investigação – INIC, JNICT, AGRO, PAMAF. Entretanto, cinco projectos comunitários sob a minha responsabilidade por Portugal. Veio a agregação – as provas que me deram mais gozo em toda a vida académica. Sucederam-se os eventos internacionais, no âmbito CEE e outras participações: OIV, ASHS e sobretudo GiESCO, em cujo Comité Cientifico participei durante 20 anos. No meio disto, uma velha quinta da família iria ser vendida – Quinta de Lourosa. Não deixei! Uma aventura já com mais de 30 anos, muita paixão, alegrias e angústias, mas profunda e permanente aprendizagem. Neste local ensaio sempre todos os meus projectos e também é com orgulho que hoje o transmito esta paixão às próximas gerações (filhos, netos) e até visitantes - turistas. Não é pedagogo quem quer, tão pouco quem apenas gosta de teatro, mas ajuda. É minha convicção que no ensino superior, sobretudo em áreas tecnológicas, não será “bom" professor quem não tiver de modo subjacente uma actividade de investigação. Eu não sou capaz de dar uma boa aula sem um guião resultante do estudo e experiências vividas. Em cada aula descubro novos mundos (e num ápice passaram 40 anos de ensino). "Eu tive alunos muitíssimo dotados, foi um grande privilégio… sinto muita falta dos meus alunos!" Prof. Steiner, Cambridge 2011. Portugal tem excelente clima, tem história, tem castas. Numa análise mais fina, verificamos debilidades no encepamento e também na condução da vinha, no que respeita ao microclima ao nível dos cachos e sua adequação, à região, casta e produto final pretendido. Portugal tem “um mundo de castas” e algumas dignas da designação “castas do mundo”. Por sua vez, a nossa estrutura fundiária exige grande criatividade do povo português. É urgente aplicar a lei das Sesmarias, não se pode dar mais tempo ao absentista que tem o poder de inviabilizar emparcelamentos. O “peso” da terra é exagerado mas o emparcelamento funcional (não fundiário) tem de ser fomentado. Não é possível ter uma viticultura economicamente sustentável com esta estrutura fundiária. A campanha de 2018 terá sido o corolário do estado do sector ou apenas um ano atípico?Não há anos iguais, a heterogeneidade será tanto maior quanto menor for a tecnologia vitícola. Recentemente (17/11/2018), J. P. Martins escreveu: “A viticultura é uma empresa a céu aberto, muito dependente do clima”, Portugal é dos países vitícolas com menores produtividades (t/ha) e sobretudo com maiores oscilações de produções interanuais – não obstante os elevados custos de produção. Comparando produções de 2018 com 2017 (OIV), Portugal foi o país do Mundo com maior decréscimo (-22%) e ao nível europeu apenas a Grécia nos acompanhou (-15%). Outros aumentaram as produções, quer países históricos (Itália +14%, França + 27%, Espanha +26%), quer do Novo Mundo ou do Leste (Chile +36%, Hungria +32%, Geórgia +57%). Ainda hoje, fundamentalismos e “achismos” sobrepõem-se com frequência ao conhecimento sustentado pela experimentação sólida e pragmática. Retomando, 2018 foi ano difícil de extremos climáticos, tornando-se um laboratório para bem entender a sustentabilidade técnica do país e da sua capacidade de resposta perante as adversidades. No que respeita ao míldio, o Douro e Dão terão sido mais afectados que os Vinhos Verdes. Anselmo Mendes ironiza: “O Douro não sabe lidar com o míldio. " No Alentejo também houve prejuízos, nomeadamente na Antão Vaz. “Não percebo como é que tanta gente foi afectada pelo míldio: basta tratar a tempo e horas”, refere Luís Duarte. A enorme diversidade de castas em Portugal constitui valioso património, com relevância para o Douro. "Entendimento diferente tiveram administradores da companhia pombalina, referindo os prejuízos causados à qualidade do vinho pela promiscuidade de castas (M. Carvalho 2006). Nos anos 60 e 70 no Douro, foram apuradas e recomendadas cinco castas. A maioria das empresas e dos viticultores entregou-se sem restrições a esta fé, não obstante polémica e críticas severas de alguns especialistas (Cristiano Van Zeller, Mesquita Montes). Assim, ainda hoje predomina essa tendência, e, numa região com cerca de 100 castas, quase 100% do encepamento das novas vinhas integram apenas cinco destas castas. É grave!Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Objectivo bem diferente foi seguido nos últimos quatro decénios pela “Rede Nacional de Selecção”, dinamizada por Antero Martins e Luís Carneiro, prospectando elevado número de variedades e buscando variabilidade. Pena é que, deste árduo trabalho, ainda hoje poucos dos materiais obtidos estejam disponíveis na produção. Paralelamente, também a Plansel seleccionou clones de várias castas. Nos últimos anos tem crescido o interesse pela salvaguarda das castas autóctones e sua variabilidade. É louvável a preservação das castas “raras ou minoritárias”. Mas é por outro lado preocupante o facto de castas “secundárias” estarem a ser votadas ao ostracismo. A título de exemplo, nos Vinhos Verdes, é grave o abandono de Azal e Trajadura. Não faz sentido correr-se atrás de castas raras, indisponíveis à produção, e desprezar-se as castas históricas complementares para certos lotes. Situação análoga se verifica por todo o país: no Alentejo com a Castelão e Trincadeira, no Dão com a Rufete, no Douro com a Mourisco e Tinta da Barca. A vaga de calor em 2018 questionou muitas certezas da viticultura portuguesa. Oportuno estudo (publ. Nov. 2018) foi realizado na Estremadura e Alentejo (CAN/INIAV, Esporão e Plansel) no que respeita à sensibilidade ao escaldão. As castas foram classificadas. Deixo alguns exemplos: no Alentejo, Alicante Bouschet e Petit Verdot são muito sensíveis, mas Trincadeira e Tinta Grossa são tolerantes; no Douro, Tinta da Barca e Folgazão são muito sensíveis; no Dão, as tradicionais Jaen e Tinta Pinheira são tolerantes. Nos Vinhos Verdes, a Avesso revelou-se muito sensível, tratando-se curiosamente de uma casta exigente em calor acumulado e sendo a sub-região de Baião o seu habitat de excelência! Neste ano depreende-se que a diferente sensibilidade das castas ao escaldão é também condicionada pela incidência da radiação solar, sendo esta condicionada pela orientação das linhas e consequentemente exposição das sebes. Também poderá ser determinante o sistema de rega, assegurar conforto hídrico, maximizando o arrefecimento da cultura. Isto exige água disponível e capacidade operacional. "É nas interfaces onde várias disciplinas se cruzam que borbulham frenéticas novas descobertas" (Jorge Calado, anos 80). Nos primórdios a vinha era conduzida em formas livres e de volume (vaso, taça). Em regiões tradicionais, ainda é usada, produzindo vinhos de excelente qualidade. Imperativos de mão-de-obra versus mecanização originaram a evolução para as vinhas aramadas (VSP). No GiESCO, estão em estudo múltiplos modelos alternativos. C. Intrieri estudou a influência da posição dinâmica das folhas na fotossíntese. As folhas livres têm maior taxa de fotossintética que as presas. Esta descoberta inspirou a criação de modelos com divisão e dispersão da vegetação, vulgarmente designados do tipo SPRAWL. Este conceito tem sido desenvolvido por Lissarrague na Universidade de Madrid e Dokoozlian na Califórnia. Em Portugal, há excelentes resultados em relação à qualidade e produtividade, com elevado nível de mecanização, inclusive na poda e na vindima. Aqui a poda necessita de duas a três horas em vez das 50 a 70 horas tradicionais (h/H/ha). No âmbito do projecto “IntenSusViti” estão em curso ensaios abrangendo diversos temas como a condução tipo SPRAWL, visando eficiente mecanização, redução de recursos humanos e elevado potencial qualitativo e de produtividade.
REFERÊNCIAS:
“Hoje teria feito exactamente o mesmo expediente”, diz agente de esquadra de Alfragide
Polícia acusado pelo Ministério Público de falsificar auto de notícia mantém tese de tentativa de invasão de esquadra pelos seis jovens da Cova da Moura. (...)

“Hoje teria feito exactamente o mesmo expediente”, diz agente de esquadra de Alfragide
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.125
DATA: 2018-10-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Polícia acusado pelo Ministério Público de falsificar auto de notícia mantém tese de tentativa de invasão de esquadra pelos seis jovens da Cova da Moura.
TEXTO: A juíza dá oportunidade ao arguido: “Não deve ter sido um expediente fácil, pode ter havido uma imprecisão que queira corrigir. Este é também o momento. ” Mas na sala do Tribunal de Sintra, nesta segunda-feira, Luís Anunciação, chefe da Esquadra de Investigação Criminal de Alfragide da Polícia de Segurança Pública (PSP) reitera: “Se fosse hoje, teria feito exactamente o mesmo expediente”, respondeu. Minutos antes, o polícia que está acusado pelo Ministério Público e teve um processo disciplinar instaurado pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) por ter alegadamente falsificado o auto de notícia no caso dos 17 agentes acusados de racismo, tortura entre outros crimes, explicou ter havido alguma confusão no momento em que começou a elaborar o expediente. Por estar a ser contactado pela comunicação social, que diz desconhecer como soube do sucedido, e por os chefes quererem saber informações depois de veiculadas notícias sobre a alegada “tentativa de invasão de esquadra” por seis jovens da Cova da Moura. Ao contrário do que os outros agentes disseram em sessões anteriores, afirmou, a visita de um superior hierárquico àquela esquadra nesse dia não aconteceu para “dar os parabéns” pelo controlo da alegada invasão mas para se “inteirar da situação” e ver como estavam as coisas. Se houvesse irregularidade “seria o primeiro a participar”, avisou. Negou qualquer exercício de violência sobre os jovens. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A acusação do Ministério Público divide-se em dois momentos: um primeiro, em que uma equipa da PSP vai à Cova da Moura fazer patrulhamento e detém Bruno Lopes, alegando que este tinha atirado pedras à carrinha da polícia – aí, o agente Nunes terá disparado dois tiros e atingido duas moradoras; um segundo, quando amigos deste jovem, entre eles um membro da direcção do Moinho da Juventude, instituição galardoada com prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República, se dirigem à esquadra para pedir esclarecimentos mas acabam detidos e acusados de invasão da esquadra. Até agora foram ouvidos sete dos 17 arguidos. E até agora todos mantêm a tese de que os seis jovens da Cova Moura que se deslocaram à esquadra no dia 5 de Fevereiro de 2015 participaram numa “invasão” para tirar da esquadra um amigo, Bruno Lopes, detido horas antes na Cova da Moura. Defendem também que levaram o jovem para a esquadra depois de este ter atirado pedras à carrinha da polícia. Um dos agentes, que é referido como autor de dois disparos de shotgun – a primeira vez, na Cova da Moura, atingindo duas moradoras, e a segunda na esquadra da Alfragide – foi ouvido na última sessão a 22 de Maio e disse que apontou "para o ar". E atirou também na esquadra, atingido a perna de um jovem, Celso Lopes, justificando-o que era “para acabar" com a alegada “invasão”. O agente João Nunes disse que não tinha notado que havia ferido o jovem. Também Luís Anunciação afirmou nesta segunda-feira que não ouviu queixas do jovem baleado. O despacho da acusação refere que este jovem, “em consequência directa e necessária das agressões” de que foi vítima, sofreu uma lesão “ao nível da coxa esquerda causada por projéctil de arma de fogo”.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP