Meghan Markle veste Givenchy (e Stella McCartney)
O vestido de casamento de Meghan Markle foi desenhado por Clare Waight Keller (...)

Meghan Markle veste Givenchy (e Stella McCartney)
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: O vestido de casamento de Meghan Markle foi desenhado por Clare Waight Keller
TEXTO: O vestido de casamento de Meghan Markle foi desenhado por Clare Waight Keller, a primeira mulher à frente da direcção criativa da Givenchy. Com um corte elegante e minimalista, o vestido tem um decote em barco, que destaca os ombros, e mangas de três quartos. Markle conheceu Keller no início de 2018 e escolheu trabalhar com a criadora "devido à sua estética elegante e intemporal, costura impecável e conduta calma" e de forma a poder "destacar o sucesso de um talento britânico", que já trabalhou em Pringle of Scotland, Chloé e, na presente, Givenchy, justifica o Palácio de Kensington, em comunicado. "Markle expressou o desejo de ter todos os 53 países da Commonwealth consigo", escreve o Palácio de Kensington. Assim, no véu de tule de seda de cinco metros foi bordado à mão uma composição de flores representativas da flora dos inúmeros territórios. Como o próprio príncipe Harry mencionou recentemente, quando foi nomeado embaixador da juventude da Commonwealth, Markle irá também trabalhar de perto com esta comunidade internacional. Assim, "quis expressar a sua gratidão" de forma simbólica, explica o Palácio de Kensignton. A segurar o véu está a tiara de diamantes e platina que pertenceu à rainha Maria, que casou com Jorge V (trisavó de Harry). É o "algo emprestado" de Meghan, já que foi Isabel II que lha emprestou. A noiva usa ainda brincos e uma pulseira da Cartier. Sobre os sapatos, o palácio avançou apenas que se baseavam num design de couture pontiagudo da Givenchy. À saída da primeira recepção, ainda no Castelo de Winsdor, os noivos apareceram uma última vez frente às câmaras por volta das 19h, a entrar no carro para se dirigirem para Frogmore House. Para a segunda recepção, Markle escolheu um vestido Stella McCartney de crepe de seda com um decote alto e uma gola, nos pés usou Aquazzura. "Sinto-me tão orgulhosa e honrada por ter sido escolhida pela duquesa de Sussex para fazer o seu vestido de noite e representar o design britânico. Foi verdadeiramente um dos momentos mais humildes da minha carreira", diz a criadora em comunicado, citada pela CNN. Enquanto acenava às câmaras, foi possível ver o anel azul que pertenceu outrora à princesa Diana, na mão direita de Markle. Terá sido, ao que tudo indica, um presente de casamento de Harry, escreve o Independent. Tal como a noiva (e grande parte dos convidados), também o príncipe mudou de roupa para a segunda recepção. Em vez do mais formal uniforme militar, vestiu um fato preto com laço. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Entre as várias flores que compunham o bouquet da noiva, o casal fez questão que estivessem incluídos miosótis (em inglês, forget-me-nots), em honra da mãe de Harry, já que eram as preferidas da princesa Diana. O próprio príncipe colheu algumas flores do seu jardim privado no Palácio de Kensington, no dia antes do casamento, para acrescentar ao ramo. Não estaria completo, claro, sem as flores de murta – uma tradição começada pela rainha Vitória. Clare Waight Keller desenhou também, no atelier de haute couture da Givenchy, os vestidos das seis pequenas damas de honor, que acompanharam Meghan Markle, no caminho ao altar. Já os pajens, vestiram uma versão em miniatura do casaco dos Blues and Royals, um dos regimentos de cavalaria do exército britânico – aquele cujo uniforme William e Harry usaram. Os pequenos uniformes foram feitos pela alfaiataria Savile Row Dege & Skinner. A notícia foi actualizada dia 21 às 12h10. Foi acrescentada informação sobre o segundo vestido.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher rainha comunidade princesa casamento
Quando os atletas não merecem medalhas
Parecem super-heróis, mas alguns atletas de elite erram como os cidadãos comuns. O caso recente de Michael Phelps lembrou-nos disso. Entre Jogos Olímpicos e Mundiais de Natação, soma 55 medalhas (44 delas de ouro) e é recordista em ambos os eventos. Mas é outra contabilidade, indesejável, que domina a sua actualidade: foi detido por conduzir embriagado pela segunda vez em dez anos. (...)

Quando os atletas não merecem medalhas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Parecem super-heróis, mas alguns atletas de elite erram como os cidadãos comuns. O caso recente de Michael Phelps lembrou-nos disso. Entre Jogos Olímpicos e Mundiais de Natação, soma 55 medalhas (44 delas de ouro) e é recordista em ambos os eventos. Mas é outra contabilidade, indesejável, que domina a sua actualidade: foi detido por conduzir embriagado pela segunda vez em dez anos.
TEXTO: É o mais medalhado em Jogos Olímpicos e integra necessariamente a lista reduzida de candidatos a melhor atleta da história, mas Michael Phelps nem sempre tem conseguido agir como um modelo a seguir. Nos últimos dias, o seu comportamento foi notícia por ser um exemplo a não imitar. O nadador foi preso na semana passada por conduzir em excesso de velocidade e, mais grave, sob o efeito de álcool. Esta foi a segunda vez em dez anos que o norte-americano foi detido e acusado por conduzir embriagado. Para um desportista de elite, a fama e o sucesso não são sinónimo de uma vida sem erros (mais ou menos condenáveis). Phelps não é caso único. Neste sentido, não são muito diferentes das outras pessoas. Para o melhor e, neste caso, para o pior. Phelps, depois de passar oito horas a jogar cartas num casino de Baltimore, a sua cidade-natal, foi mandado parar pela polícia devido a uma condução “suspeita” e depois de o seu Land Rover atingir 135 km/h numa estrada com limite de 72 km/h. O relatório policial especifica que Phelps “teve dificuldade em manter o equilíbrio e falar” e revela que o nadador apresentou uma taxa de álcool no sangue de 0, 14%, superior ao valor máximo legal (0, 08%) no estado de Maryland. O atleta de 29 anos vai a julgamento no início de Novembro e arrisca uma pena de prisão que pode ir até um ano. É justo, neste sentido, que vejamos os desportistas de elite como modelos a seguir? “São pessoas que servem de referência para muita gente, porque são um exemplo de excelência humana. Nesse sentido, é natural que sejam vistos como um modelo a seguir. Isso acontece e não se pode contornar”, afirma, ao PÚBLICO, Duarte Araújo, professor de Psicologia do Desporto da Faculdade de Motricidade Humana. “Contudo, essa excelência é circunscrita a alguns campos de acção. O problema é quando achamos que têm de ser excelentes em tudo o que fazem. Ninguém é assim. Nem os atletas de elite, nem nós que os julgamos”. Erram como os humanos anónimos. Segundo Duarte Araújo, nalguns casos, a preparação destes atletas de elite está tão focada no treino que pode descuidar outros aspectos formativos. “Por vezes, cometem erros de principiante, de quem sabe pouco viver fora da competição. O treino é tão absorvente que não se sabe viver fora dali”. Ryan Lochte, amigo e adversário de Phelps, criticou, por exemplo, o facto de este não ter contratado um motorista: “Foi uma coisa estúpida de fazer”. Ainda para mais, esta é a segunda vez que Phelps tem problemas com a lei pelo mesmo motivo, que pode colocar a sua vida e a de outros em perigo. Em 2004, pouco tempo depois de ganhar seis medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Atenas, e quando tinha 19 anos, também foi apanhado a conduzir alcoolizado (assumiu a culpa e recebeu 18 meses de pena suspensa). Então, tal como actualmente, pediu desculpa e reconheceu o seu erro. O campeão olímpico admitiu agora ter um problema e anunciou que vai fazer reabilitação. “Não foi o meu primeiro erro de julgamento e estou desapontado comigo. A natação é uma grande parte da minha vida, mas agora preciso de focar a atenção em mim como indivíduo e fazer o trabalho necessário para aprender com esta experiência e tomar melhores decisões no futuro”, afirmou. Para já, este incidente teve consequências desportivas. A Federação de Natação dos EUA suspendeu-o durante seis meses, até Abril de 2015, por violação do Código de Conduta da organização, e o nadador concordou também, apesar de a prova começar em Julho, não participar no Campeonato do Mundo do próximo ano, o último grande evento internacional antes dos Jogos do Rio de Janeiro. Desta forma, provavelmente está encerrada a carreira de Phelps no que aos Mundiais diz respeito. Ele tem 22 medalhas olímpicas, 18 delas de ouro (o dobro dos segundos da lista), mas nos Mundiais, em que soma 26 títulos e mais sete pódios, também não há quem lhe chegue aos calcanhares. Apesar da inactividade competitiva, à partida o castigo não deverá mexer decisivamente com a sua preparação para os Jogos de 2016, que se supôs ser o seu grande objectivo quando anunciou o regresso em Abril passado, depois de ter anunciado a reforma após a participação em Londres 2012. As provas de qualificação para a selecção olímpica dos EUA só se realizam em Junho de 2016. O corte do subsídio mensal de 1750 dólares (1394 euros) enquanto durar a suspensão também não fará mossa no orçamento de um atleta que tem proveitos anuais de oito milhões de euros em publicidade. Mas o incidente e a suspensão serão sempre uma distracção. “Num caso destes, a consequência mais imediata para a carreira é que os atletas, de um momento para o outro, estão impedidos de fazer o que mais gostam. É um pouco tirar-lhes o sentido da vida. E estes casos oferecem à pessoa uma imagem que não é aquela em que ela sempre se viu retratada. Atinge a auto-estima, mesmo que possa não impedir essa pessoa de continuar a destacar-se desportivamente”, explica Duarte Araújo. Esta é a segunda suspensão que a federação norte-americana impõe à sua superestrela. Em 2009, castigou-o por três meses depois de surgir numa foto a consumir canábis durante uma festa universitária, embora esse caso tenha levantado igualmente questões sobre o seu direito à privacidade. O último incidente com Phelps aconteceu apenas alguns dias depois de Rob Bironas (36 anos), um antigo jogador da NFL, a Liga de futebol americano, ter morrido na sequência de um desastre de viação, em que também colocou em causa a segurança de outros condutores. Os exames posteriores revelaram níveis de álcool bem superiores ao permitido por lei. O caso de Bironas, mais os de violência doméstica dos mais famosos Ray Rice e Adrian Peterson, ensombraram o início de época da NFL. Mas os maus exemplos, mais ou menos graves, estão presentes em quase todos os desportos e não escapam a algumas das grandes figuras. O inglês Paul Gascoigne, um futebolista genial, acabou a carreira há dez anos, mas ainda é tópico recorrente na imprensa britânica, devido aos seus problemas relacionados com o alcoolismo, com as várias tentativas de reabilitação a fracassarem. O ex-defesa-central Tony Adams, uma referência do Arsenal, também foi viciado em álcool e esteve dois meses na prisão, em 1990, por conduzir embriagado. Na mesma modalidade, são bem conhecidos os problemas passados de Diego Armando Maradona, um dos melhores jogadores da história do futebol, com a droga, primeiro, e o álcool, depois. Uma das figuras mais controversas da modalidade, o argentino teve uma longa dependência da cocaína enquanto ainda era futebolista, tendo cumprido uma suspensão de 15 meses quando jogava no Nápoles, em Itália. Mais tarde, durante o Campeonato do Mundo de 1994, acusou a presença de efedrina num controlo antidoping e voltou a ser suspenso. A cocaína, de resto, é um ponto comum às histórias de outros atletas de elite que viram as suas carreiras marcadas negativamente por essa droga. Martina Hingis espantou o mundo do ténis nos anos 90 do século passado, com um jogo diferente do das adversárias. Chegou a n. º 1 mundial com apenas 16 anos e ganhou 15 torneios do Grand Slam (cinco individuais e dez em pares). Depois de problemas físicos terem ditado uma primeira retirada em 2003, a sua carreira foi efectivamente encurtada no final de 2007, quando acusou a presença de cocaína num teste antidoping. Em 2004, Marco Pantani, uma das figuras mais carismáticas para os adeptos do ciclismo italiano e internacional, conhecido como “O Pirata”, terá morrido com uma overdose de cocaína — entretanto, a justiça italiana reabriu a investigação sobre a sua morte por suspeitas de assassinato. A sua carreira, que teve como ponto alto a vitória na Volta a França de 1998, foi marcada por suspeitas de doping. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Menos conhecido é o caso de Len Bias, um jogador que parecia predestinado a ser uma estrela da NBA, mas nunca chegou a efectuar um único jogo na melhor Liga de basquetebol do mundo. Aos 22 anos, na noite seguinte a ser escolhido na 2. ª posição do draft de 1986 pelos Celtics, morreu de overdose de cocaína enquanto festejava a sua entrada no clube de Boston. Tim Montgomery, figura do sprint nos anos 90, perdeu o recorde mundial dos 100m devido ao recurso ao doping. Mais tarde, já retirado, o norte-americano foi condenado por fraude bancária e tráfico de heroína, crimes pelos quais passou quatro anos detido. Em 1989, Pete Rose, um dos melhores jogadores da história do beisebol, foi banido daquele desporto depois de se ter descoberto que apostou em jogos da modalidade, incluindo partidas em que foi protagonista como atleta ou como treinador. No críquete, é famoso o caso de Hansie Cronje, estrela da África do Sul caída em desgraça depois de ter sido revelado que aceitou subornos para viciar resultados de jogos.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Uma retrospectiva da história feminista (e não muito feminista) da Mulher-Maravilha
Em 1942, a Mulher-Maravilha revela-se tão popular que ganha uma banda-desenhada própria na Sensation Comics. (...)

Uma retrospectiva da história feminista (e não muito feminista) da Mulher-Maravilha
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.1
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170602170556/http://publico.pt/1774201
SUMÁRIO: Em 1942, a Mulher-Maravilha revela-se tão popular que ganha uma banda-desenhada própria na Sensation Comics.
TEXTO: Durante a II Guerra Mundial, enquanto o Super-Homem e o Batman emergiam como símbolos pop dominantes de força e de moralidade, a editora que viria a tornar-se a DC Comics precisava de um antídoto para aquilo a que um psicólogo de Harvard chamava o pior crime das bandas-desenhadas de super-heróis: a “masculinidade aterradora”. Afinal, este psicólogo (William Moulton Marston) tinha um plano para combater este crime – sob a forma de uma guerreira com as estrelas e as listas da bandeira americana, que conseguia escapar constantemente às amarras de um mundo masculino de orgulho e preconceito desmedido. Essa criação foi Diana Prince, que ao chegar à América, vinda da sua isolada Ilha do Paraíso, assumiu a identidade de Mulher-Maravilha. Por um lado, Marston era um homem com ideias políticas progressistas, que declarava com entusiasmo que estava em curso um grande movimento das mulheres. Por outro lado, ele também personificava algumas ideias primitivas. Marston insistia que a Mulher-Maravilha estivesse acorrentada ou presa de alguma maneira em todos os capítulos, dizendo ao seu editor da DC que “as mulheres gostam de submissão” – mesmo quando este acorrentar torturante gerou críticas por parte dos leitores. Mas Marston também estava bem ciente de que o “romper de amarras” era um poderoso símbolo feminista de emancipação. E Marston – cujo trabalho científico conduziu ao desenvolvimento do teste de detecção de mentiras – também equipou a Mulher-Maravilha com o Laço da Verdade dourado e poderoso, que obriga quem for capturado por ele a contar a verdade. (Marston era pouco verdadeiro em relação a si próprio: vivia em segredo numa relação poliamorosa com duas feministas – a mulher, a advogada Elizabeth Holloway Marston, e a sua antiga aluna da faculdade, Olive Byrne, sobrinha de Margaret Sanger, a pioneira da pílula contraceptiva. Teve dois filhos com cada uma delas. )Vinda desta complexa história sobre sua origem, nascida de uma mente complicada, a Mulher-Maravilha estreou-se na All-Star Comics em 1941. Na véspera da estreia do novo filme Mulher-Maravilha – que, sendo a primeira longa-metragem a solo da personagem, também riposta contra o domínio dos super-heróis masculinos no mercado – apresenta-se aqui uma cronologia da história feminista (e pouco feminista) da Mulher-Maravilha. 1941: A criação: Segundo a tradição, inicialmente Marston não pensou numa personagem feminina quando imaginou um super-herói menos masculino do que o Super-Homem. Mas, posteriormente, Marston caracteriza esta solução como natural, afirmando: “As qualidades fortes das mulheres têm-se tornado odiadas por causa da fraqueza delas. A solução óbvia é criar uma personagem feminina com a mesma força do Super-Homem e também com o encanto de uma mulher bondosa e bela. ”Ao ser contratado como conselheiro editorial na All-American/Detective Comics, Marston vende a sua personagem da Mulher-Maravilha ao editor, sob o acordo de as suas histórias destacarem “o crescimento do poder das mulheres”. Ele une-se ao artista homem Harry G. Peter (e não a uma mulher) para criar o fato da Mulher-Maravilha, que mostra muito o corpo e inclui uma tiara. A Mulher-Maravilha aparece pela primeira vez no All-Star Comics Nº8, usando pulseiras parecidas às que usava Byrne (a antiga aluna de Marston que se tornou sua amante). De acordo com a prosa da Mulher- Maravilha, as pulseiras tinham sido “construídas pelos nossos captores” como símbolos físicos de que “temos de nos manter sempre distantes dos homens”. Jill Lepore, da The New Yorker, autora do livro The Secret History of Wonder Woman, escreve que o aspecto da Mulher-Maravilha – com uma alusão às sensuais “Varga Girls” da época – é “a sufragista como pinup”. Primavera de 1942: “Parte do grupo dos rapazes” – mais ou menos: Ao fim de meia-dúzia de edições do All-Star Comics, a Mulher-Maravilha torna-se membro honorário da Liga da Justiça da América, mas, durante muito tempo, a sua posição oficial continua a ser de “secretária” – uma distinção surpreendente, em comparação com os outros heróis. Verão de 1942: Estrelato a solo: A Mulher-Maravilha revela-se tão popular que ganha uma banda-desenhada própria na Sensation Comics. Como escreve Martin Pasko no seu livro The DC Vault, a ascensão da Mulher-Maravilha foi garantida “por uma epidemia de veneração de heróis que se viria a apoderar da ‘frente interna’ enquanto os homens iam para a guerra”. À medida que Rosie the Riveter se torna um ícone e as mulheres assumem o lugar dos homens nos EUA, os leitores de todas as idades aceitam mais facilmente a heroína feminina dura e musculada. Dentro de poucos anos, a Mulher-Maravilha tem dez milhões de leitores e a sua própria banda-desenhada, publicada em vários jornais em simultâneo. Década de 1950: A ascensão do romance novelesco: A reacção exagerada do Congresso americano face às conclusões questionáveis do psiquiatra Fredric Wertham — autor do livro Sedução dos Inocentes, sobre os “efeitos” da banda-desenhada nas crianças — leva à criação do Comics Code Authority — essencialmente, o consentimento por parte dos editores em moderar os conteúdos. Como resultado desta medida repressiva, as bandas-desenhadas de super-heróis e de terror declinam e as histórias românticas crescem. Seguindo esta tendência, Diana Prince – que abandonou a Ilha do Paraíso, habitada apenas por mulheres, com o herói militar Steve Trevor, cujo avião se tinha despenhado – torna-se uma figura com uma mentalidade mais doméstica, cujos pensamentos estão muitas vezes centrados no casamento e em ser modelo, quando não está a trabalhar como cronista dedicada a “corações solitários”. Final da década de 1960: Rendição total: o sacrifício fica completo: Diana decide abdicar dos seus superpoderes para poder ficar perto de Steve. Duas décadas depois da morte de Marston, a narrativa está muito longe das intenções expressas pelo criador, quando este escrevera: “A Mulher-Maravilha é propaganda psicológica para um novo tipo de mulher que devia, creio eu, mandar no mundo. ”1972: Figura de capa: A Mulher-Maravilha reforça a sua percepção como ícone feminista ao aparecer na primeira capa da revista Ms. , de Gloria Steinem, ligando desta forma a sua imagem ao movimento dos direitos das mulheres. 1973-1975: Estrelato feminino: A Mulher-Maravilha aumenta a sua presença e popularidade na televisão, quando participa na série de animação Super Friends; faz a sua estreia no pequeno ecrã em live-action, com um telefilme de 1974 protagonizado por Cathy Lee Crosby; e, posteriormente, obtém a sua própria série de televisão nomeada para os Emmy, protagonizada pela icónica Lynda Carter. A Mulher-Maravilha “engloba todos os aspectos excelentes e poderosos de ser mulher e Lynda levou tudo a sério”, disse ao fansite da DC Comics Marc Andreyko, autor da série de banda-desenhada Wonder Woman ’77. 1997-1999: A série afunda-se: A NBC desenvolve uma nova série de live-action em que Diana Prince vai trabalhar como professora de História Grega na UCLA. Apesar de iniciativas de casting a nível nacional, a série é cancelada antes de se filmar um único frame. Entretanto, na banda-desenhada, John Byrne escreve uma série memorável da Mulher-Maravilha em meados dos anos 90, onde a apresenta como uma deusa musculada. 2009: Apontar para um regresso: A Mulher-Maravilha volta a ter um sucesso a solo nos ecrãs. Keri Russell dá voz à super-heroína amazona no filme animado directo para DVD Wonder Woman, da WB/DC, realizado por Lauren Montgomery. Setembro de 2016: Os rumores são verdade: O autor da DC Greg Rucka confirma a crença de longa data de que a Mulher-Maravilha é canonicamente gay . Rucka diz ao site Comicosity: “Pelos nossos padrões, na minha posição actual… Themyscira [Ilha do Paraíso] é cultura queer. Não estou a fugir a isso. Quem quiser ser ambíguo em relação a isto está a ser parvo. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Outubro-Dezembro de 2016: Embaixadora Prince: As Nações Unidas nomeiam a Mulher-Maravilha como embaixadora honorária, com a intenção de a transformar em mais do que uma heroína que combate o crime e luta contra supervilões, de modo a ajudar a consciencializar as pessoas para a igualdade de género e para “a capacitação das mulheres e das raparigas como componente crucial para um mundo pacífico e próspero”. No entanto, em Dezembro, as Nações Unidas livram-se da Mulher-Maravilha depois de muitos dos seus funcionários terem protestado contra uma personagem que afirmam, numa petição, ser uma figura fortemente sexualizada – “a epítome de uma pinup girl” que agora personifica “uma mulher branca de seios grandes e proporções impossíveis, muito pouco vestida num fato brilhante que revela as coxas, com um padrão da bandeira americana e botas até ao joelho. ”2 de Junho de 2017: A passadeira vermelha decorada com a bandeira americana: Mulher-Maravilha marca o primeiro filme a solo para uma heroína do Universo Alargado da DC (DCEU) e o primeiro filme da DCEU a ser realizado por uma mulher, Patty Jenkins. Mas, ainda assim, Jenkins diz à secção Comic Riffs do Washington Post: “Não me considero uma cineasta mulher e não penso no Mulher Maravilha como um filme feminino — é sobre um herói”.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Dia da Criança: da Operação Nariz Vermelho a debates sobre género
Em todo o país, o dia é assinalado com exposições, teatros, debates, passeios e visitas. (...)

Dia da Criança: da Operação Nariz Vermelho a debates sobre género
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em todo o país, o dia é assinalado com exposições, teatros, debates, passeios e visitas.
TEXTO: O Dia da Mundial da Criança assinala-se esta quinta-feira com iniciativas que vão desde uma Operação Nariz Vermelho a um debate sobre género na infância ou a uma peça de teatro protagonizada por pessoas com deficiência. Logo de manhã, o primeiro-ministro António Costa vai estar na escola EB1/JI Eng. Ressano Garcia, onde vai decorrer uma iniciativa da Operação Nariz Vermelho, à qual se junta o ministro da Educação. Também durante a manhã, a Direcção-Geral de Saúde organiza um encontro sob o tema "Saúde, Género e Violência Interpessoal", onde vai ser discutida a dimensão da igualdade de género nos cuidados a crianças e jovens, além de um debate sobre a convenção dos direitos das crianças, uma mesa redonda sobre "Boas práticas na prevenção dos maus-tratos em crianças e jovens", bem como uma discussão sobre os desafios e inovações das vacinas. As comemorações em Lisboa incluem ainda a peça de teatro "Olívia e Eugénio, uma lição de amor", protagonizada pela actriz Rita Ribeiro e pelos actores Tomás de Almeida e Nuno Rodrigues, os dois com síndrome de Down. No Porto, as celebrações do Dia Mundial da Criança incluem uma sessão protocolar organizada pelo Centro Hospitalar de São João, a apresentação do "Guia de Boas Práticas para a Audição da Criança em Tribunal", um manual dirigido aos magistrados e todos os funcionários que tenham de lidar com os mais jovens. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Paralelamente, estão marcadas iniciativas um pouco por todo o país, desde uma "Festa da Criança em Ambiente e Segurança", em Oeiras, um espectáculo com o "Avô Cantigas", no Seixal, um passeio com cerca de 30 crianças com doenças raras em Tavira, ou um desfile em Tomar, com a participação de duas mil crianças. Lugar também para uma acção do Comando Metropolitano da Polícia de Segurança Pública em parceria com a Câmara Municipal de Cascais que inclui exposição de meios policiais, demonstração do grupo cinotécnico ou distribuição de brindes. No mesmo local, a PSP apresenta a sexta edição do programa "Estou Aqui", de distribuição de pulseiras gratuitas para ajudar os pais e educadores a localizar crianças entre os dois e os 10 anos que estejam perdidas. Em Coimbra vai ser inaugurada uma galeria de fotos de ex-directores clínicos do Hospital Pediátrico e a escultura de Cabral Antunes, "A Maternidade", junto à portaria principal.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
Salário mínimo abrange 730 mil trabalhadores em 2017
A subida para os 557 euros, em Janeiro, levou a um aumento dos trabalhadores a receber remuneração mínima, que são agora 22,9% do total. (...)

Salário mínimo abrange 730 mil trabalhadores em 2017
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170602173830/https://www.publico.pt/1774222
SUMÁRIO: A subida para os 557 euros, em Janeiro, levou a um aumento dos trabalhadores a receber remuneração mínima, que são agora 22,9% do total.
TEXTO: Cerca de 730 mil trabalhadores tinham, em Março de 2017, uma remuneração igual ao salário mínimo, o que representa um aumento de 13, 9% em relação ao mesmo período de 2016. O relatório do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho, apresentado nesta quinta-feira aos parceiros sociais, permite contabilizar pela primeira vez o impacto da subida do Salário Mínimo Nacional (SMN) de 530 para 557 euros e traz dados novos sobre o contributo da remuneração mínima para a redução das desigualdades salariais entre os trabalhadores. Recorrendo aos dados da Segurança Social, o GEP conclui que o peso dos trabalhadores abrangidos pelo SMN no total das remunerações declaradas passou de 20, 7% (em Março de 2016) para 22, 9% (em Março de 2017). Mas nota que “o crescimento do volume de trabalhadores abrangidos pelo SMN resultante da actualização [de Janeiro de 2017] foi inferior ao que resultou quer da actualização de 2016, quer da actualização de Outubro de 2014”. Na prática, mais de um quinto dos trabalhadores que declararam remunerações (excepto funcionários públicos e independentes) tinham, no final do primeiro trimestre de 2017, um um salário bruto de 557 euros. O GEP apresenta dados novos sobre a relação entre o salário mínimo e a pobreza, concluindo que o aumento do SMN “constitui um importante mecanismo no âmbito de uma política de combate à pobreza e à exclusão social”. Ao mesmo tempo, e analisando os rácios de desigualdade apurados a partir dos dados das remunerações declaradas à Segurança Social, observa-se “uma ligeira melhoria das assimetrias salariais entre a base e a mediana e o topo da distribuição salarial”. ´As desigualdades extremas, nota o GEP, diminuíram. E exemplifica: o rácio entre as remunerações dos 10% de trabalhadores com remunerações mais elevadas e os 10% com remuneração mais baixas diminuiu de 5, 31 em Outubro de 2014 para 4, 84 em Janeiro de 2017. Já a comparação entre os 20% com rendimentos mais altos e o escalão de 20% de rendimentos mais baixos, no mesmo período, melhorou de 3, 93 para 3, 60. O GEP destaca que além do potencial no combate à pobreza, a remuneração mínima “pode assumir um papel relevante na promoção de melhores níveis de igualdade salarial”. O documento conclui ainda que o aumento do salário mínimo não teve efeitos nefastos no emprego. O volume médio de trabalhadores com remuneração permanente declarada à Segurança Social alcançou 3. 278. 500 pessoas no primeiro trimestre de 2017, mais 3, 8% do que no período homólogo. O relatório frisa que se trata do crescimento “mais elevado desde que o emprego começou a recuperar, em 2014” e destaca o crescimento homólogo de 8, 8% do emprego dos jovens. O relatório traz dados novos sobre a incidência do SMN nos vários sectores de actividade e por região e conclui que a remuneração mínima é particularmente expressiva na indústria transformadora (21, 6% do total de trabalhadores declarados), no comércio (20, 9%) e no alojamento e restauração (12%). O Norte (41, 2%) e a Área Metropolitana de Lisboa (26, 1%) são as regiões onde se concentram mais de metade dos trabalhadores com remuneração mínima. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O GEP faz uma análise mais fina, comparando o peso de determinados grupos de trabalhadores no emprego total com a sua representatividade quando se trata do salário mínimo. Nessa perspectiva os dados apontam para resultado diferentes, concluindo-se que o alojamento e restauração (38, 5%), a agricultura (36, 8%), as actividades imobiliárias (29, 1%) e a construção (28, 9%) estão sobre-representados no salário mínimo. Tal como já apontava o documento relativo ao último trimestre de 2016, a remuneração mínima incide sobretudo nas mulheres, nos trabalhadores com baixas qualificações e nas empresas com menos de 10 trabalhadores. Embora a incidência do SMN nos trabalhadores jovens seja de apenas 9, 9% (muito abaixo da verificada nos outros escalões etários), o GEP alerta que esta percentagem é bastante superior ao peso dos trabalhadores com menos de 25 anos no total do emprego (que não vai além dos 7, 4%). O relatório sobre a evolução do salário minimo é um dos pontos da agenda da reunião da concertação social que está a decorrer nesta quinta-feira à tarde. No encontro estará também presente o ministro das Finanças, Mário Centeno, que vai discutir com os parceiros sociais a saída o Procedimento por Défice Excessivo. Já as reformas antecipadas não estão na ordem de trabalhos, ao contrário do que era a expectativa.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave exclusão social igualdade mulheres pobreza salário
Conflito, reparação e reconciliação na família Carter
Os Carters são Beyoncé e Jay-Z, que num álbum a dois, reflectem sobre a sua relação e o mundo. (...)

Conflito, reparação e reconciliação na família Carter
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os Carters são Beyoncé e Jay-Z, que num álbum a dois, reflectem sobre a sua relação e o mundo.
TEXTO: Em 2003, quando entrevistámos Beyoncé, havia rumores de que teria iniciado uma relação com Jay-Z. Era uma altura em que ela separava com nitidez a vida pública da privada, atitude que manteve durante anos. Beyoncé era então uma cantora global que se lançava a solo, depois de anos com as Destiny’s Child, e Jay-Z era um dos nomes mais venerados do rap. Talvez por isso a imprensa dizia que Beyoncé, do ponto de vista da credibilidade artística junto de um público transgeracional, tinha mais a ganhar com a relação do que Jay-Z. É discutível. Mas, ainda que assim fosse, essa equação deixou de fazer sentido. Se hoje existe uma cantora que domina a pop de massas, do ponto de vista industrial e artístico, é ela, superando largamente o efeito que o marido ainda desencadeia. Autoria: Beyoncé & Jay-Z (The Carters) Roc Nation, distri. Sony MusicSão milionários, os dois, podendo o seu poder — simbólico e real — ser aquilatado pelo vídeo da canção Apeshit, filmado no Louvre, em diálogo com a história da arte. Construíram a família e o império The Carters, mas nos últimos anos Beyoncé tem brilhado mais do que o marido. Curiosamente, os dois melhores álbuns dos dois na última década giram em torno da relação: Lemonade (2016), de Beyoncé, e 4:44 (2017), de Jay-Z. Claro que ambos são atravessados por questões sociopolíticas, o que é mais verdade em relação a Beyoncé (que tem insistido nas questões da negritude e do feminismo), mas acima de tudo é o amor, no sentido mais universal, ou mesmo no âmbito mais particular das atribulações do seu casamento, que é abordado. Como Jay-Z já afirmou, é como se, depois de a relação ter entrado em zonas de conflito, os dois tivessem tido necessidade de se reposicionar enquanto figuras públicas e também entre eles, processo que contaminou os seus trabalhos artísticos. É neste contexto que agora é lançado Everything Is Love, assinado pelos dois, como a conclusão de uma trilogia terapêutica. Depois dos conflitos, eis o álbum da reconciliação, numa narrativa que os dois foram construindo a partir dessa ideia real de que todos os relacionamentos passam por altos e baixos e é preciso resiliência e compreensão para os superar. E quando isso acontece é a relação que acaba por sair fortalecida. Se antes tínhamos tido acesso às versões de Beyoncé e de Jay-Z, através dos seus respectivos álbuns, aqui acedemos ao elo que os atravessa. Nem tudo o que se ouve tem espessura (por vezes é o preço a pagar quando se tenta comunicar globalmente), mas é quase sempre estimulante. As batidas hip-hop são lúdicas e lânguidas, inventando sempre espaço para acolher os mais diversos elementos, e as vozes de Beyoncé e Jay-Z completam-se, com ela a mostrar os seus dotes como rapper. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A lista de créditos é extensa (entre outros, Pharrell Williams, Ty Dolla $ign, Boi-1, Dave Sitek, Cool & Dre ou James Fauntleroy), mas o que domina são os ambientes envolventes próximos da soul, os dinamismos rítmicos do hip-hop e esse jogo verbal que os aproxima quase sempre de uma sensualidade marcada pela compreensão. Nesse sentido, é uma obra menos convulsa do que os dois álbuns a solo, mas é um refrescante capítulo final onde ambos assumem não só as responsabilidades autobiográficas, como também se põem em causa enquanto celebridades negras multimilionárias, num vértice de múltiplas leituras onde as dimensões privadas e públicas, e as fronteiras entre entretenimento, arte ou activismo, podem ser reflectidas. Se juntarmos a tudo isto uma sonoridade caleidoscópica, tão clássica quanto relaxada, assente no hip-hop, percebe-se porque é que a dinastia dos Carters parece ter asas para perdurar.
REFERÊNCIAS:
A escrita certeira da angústia feminina
Foi ao fundo do universo feminino para o devolver em toda a complexidade. A sua obra, hoje quase desconhecida, trata da solidão e do silêncio, da perversão e da ironia. Vinte anos depois da morte, vai ser editada na íntegra. O primeiro volume sai esta segunda-feira, pela Minotauro. (...)

A escrita certeira da angústia feminina
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.25
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi ao fundo do universo feminino para o devolver em toda a complexidade. A sua obra, hoje quase desconhecida, trata da solidão e do silêncio, da perversão e da ironia. Vinte anos depois da morte, vai ser editada na íntegra. O primeiro volume sai esta segunda-feira, pela Minotauro.
TEXTO: Simone tinha uma voz "baixa e espessa", a de Mariana não tremia; António falava com voz "fraca, insegura", e a voz da dona da casa "era velha, rachada, monocórdica"; Mateus tinha uma voz macia, e a de Dores era "monótona e cansada". Luísa disse coisas numa "voz um pouco arrastada", a da mulher de Marcelino era "seca e extremamente amarga". Ao longo de 30 anos de escrita, Maria Judite de Carvalho (1921-1998) criou dezenas de personagens, a maioria mulheres. Em quase todas, a voz aparece como elemento definidor de carácter ou de estado de espírito. O que pode então a voz dizer acerca de uma personagem? Muito, conclui-se ao ler esta escritora silenciosa que fez precisamente do silêncio a matéria primordial de uma obra sobre a solidão sustentada no acto de observar e de ouvir os outros, de se observar e de se ouvir a si mesma. “Quem, a não ser eu, perderia tempo a ouvir-me? Quem, se a minha vida ficou vazia de todos?”, interroga-se a protagonista de Tanta Gente, Mariana (1959), o seu conto mais conhecido e talvez o mais autobiográfico. Comecemos então pela voz para tentar chegar à escritora da reclusão e do abandono. Como era a voz de Maria Judite de Carvalho? "Quase arrastada, muito calma; as palavras demoravam a nascer; tinha uma voz reticente, como a obra dela, mas atenta ao interlocutor. Fazia pausas. No que escreveu, o leitor podia – e pode – preencher essas pausas com a sua própria experiência. Talvez por isso seja sempre tão actual", diz Inês Fraga, a neta de Maria Judite de Carvalho que tem acompanhado de perto a edição da obra completa da avó agora que passam 20 anos da sua morte. Escritora do íntimo, observadora do quotidiano que relatava sobretudo através do desespero e da solidão femininos, Maria Judite de Carvalho é autora de uma das mais complexas e estimulantes obras literárias da segunda metade do século XX português. Nos 13 livros que publicou, soube dar ao privado um carácter político; os seus contos e as suas novelas, o teatro, as crónicas e a poesia compõem um quadro social e de costumes difícil de superar. Pertence a um tempo, mas vai além dele, conseguindo a intemporalidade no modo como narra a dor, a desolação, a ruína privada, mergulhando no profundo das suas personagens, gente à deriva no dia-a-dia da cidade. Agustina Bessa-Luís chamou-lhe “flor discreta”; Jacinto do Prado Coelho dizia-a de uma “febre lúcida” e, no seu livro de ensaios Ao Contrário de Penélope (1976), escreveu: “O estilo de Maria Judite não apresenta um sinal de rebusca ou uma palavra a mais. Pelo contrário: sugere, penetra, define, magoa, pela estrita economia das palavras, por uma admirável contenção. ”Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013), seu primeiro leitor, e seu marido durante mais de 40 anos, descodificou o projecto literário de Maria Judite de Carvalho: um projecto em que "as palavras não se pronunciam, mas se sugerem apontando para o mistério. ” Na sua História da Literatura Portuguesa, António José Saraiva e Óscar Lopes sublinharam a “desapiedada denúncia da frustração e solidão humanas” daquela escrita. E, no dia da morte da autora, José Cardoso Pires definiu-a como “uma das personalidades mais notáveis da literatura portuguesa dos nossos dias”, acrescentando: “Se não foi, durante muito tempo, devidamente destacada, foi pelo próprio feitio e comportamento. Era uma pessoa profundamente recolhida e anti-exibicionista, mas com uma escrita de grande qualidade. ” E agora, 20 anos depois, Inês, neta de Urbano e de Maria Judite, resume: “Ninguém lê a minha avó sem entrever a mulher que ela foi. Há na sua escrita uma profundidade a que pressentimos que só se chega pela vivência. ”É uma discrição que parece ter transbordado da vida e da obra para contaminar também o seu percurso literário. Celebrada pela crítica, nunca conseguiu impor-se junto dos leitores, ficando reduzida a um culto que se foi estreitando com a passagem do tempo e com o desaparecimento dos seus livros nas livrarias. Mas essa contingência está prestes a deixar de ser desculpa para não ler Maria Judite de Carvalho. A partir desta segunda-feira, dia 28, e ao longo dos próximos dois anos, a Minotauro, chancela da Almedina, vai publicar a obra completa da escritora. Serão seis volumes, reunindo toda a sua obra e revelando ainda outra das singularidades criativas de Maria Judite de Carvalho: o desenho e a pintura. Todas as capas, bem como os separadores no interior de cada volume, reproduzem obras gráficas da escritora que morreu em Lisboa no dia 18 de Janeiro de 1998, aos 76 anos. “Queremos ver renascer a escrita dela e dá-la a conhecer às novas gerações”, afirma Sara Lutas, a editora, que confessa ter agarrado este projecto como “se agarra uma paixão”. No livro que abre a colecção, e que junta Tanta Gente, Mariana, o seu conto de estreia, ao volume de contos que se lhe seguiu, As Palavras Poupadas (1961), há um auto-retrato da escritora, cabelos negros caídos sobre os ombros e um olhar grande que parece querer abarcar tudo o que tem à sua frente, curioso, como o dos que a olham e querem ler nele tudo o que não sabem de Maria Judite. Nesses olhos vêem-se os de Mariana, a sua némesis, quando também Mariana olhava, à noite, na cama, e via mais do que a realidade do tecto que tinha por cima. “O papel florido tem o fundo que deve ser branco amarelado pelo tempo e está cheio de manchas de bolor onde descubro carinhas risonhas, por vezes muito perturbadoras. Perfis quase diabólicos, estranhos e quietos no seu riso, tanto mais perfeitos quanto mais tempo eu levo a olhá-los sem bater as pálpebras, como se o meu olhar completasse involuntariamente o desenho, avivando-lhe o traço, dando-lhe vida e relevo. Outras vezes são caras horríveis, vazadas no estuque do tecto ou formadas pelas sombras que os móveis despejam de si quando acendo a luz…” Tudo se passa no universo doméstico, é de lá que Maria Judite de Carvalho olha o mundo; esse universo é o modelo a partir do qual alguém se há-de rebelar, nem que seja apenas intimamente, ou ao qual se acomodará, aquietando-se na tal febre, ora lúcida, ora toldada. Às vezes com desespero, outras com ironia, ou com os dois sentimentos, um paradoxo que soube transpor para o que escrevia, numa perversidade desafiadora. "Estou certa de que a maioria das mulheres escrevem e pintam com o mesmo espírito com que a minha mãe bordava toalhas de chá. Para sentirem que são úteis, de certo modo. Femininamente úteis. Para não se sentirem a mais neste mundo, pagarem, em suma, a sua estadia”, dirá Emília, uma das personagens de As Palavras Poupadas. E Maria Judite tanto pode ser Emília como pode ser Mariana, uma mulher que olha, de frente ou através de um filtro que terá a forma de uma cortina numa janela a dar para a rua da cidade, sempre a cidade. “Lembro-me dela a desenhar em todo o lado. Tinha sempre um daqueles blocos Castelo junto ao telefone e desenhava rostos enquanto atendia as chamadas. Desenhava um e outro rosto de mulher, sempre a azul com uma caneta Bic. Uma vez pedi-lhe para me dar aqueles caderninhos e ela achou um disparate. Disse ‘filha, mas isto não tem qualquer valor!’ Eu adorava aqueles caderninhos”, conta Inês, afirmando que ela se censurava menos a desenhar do que a escrever. “Não valorizava muito, ao contrário da escrita, mas há uma ligação entre as duas coisas. ” Na escrita, como no desenho ou na pintura, são quase sempre mulheres, e há um aspecto curioso: “As mulheres, na obra da minha avó, são pessoas muito presas nos rectângulos das suas casas, confinadas aos rectângulos das janelas, que se pontuam pela imobilidade. E nos quadros, ali estão elas, aprisionadas em rectângulos de madeira ou estáticas nos rectângulos de papel. ”Inês Fraga fala da avô entre o entusiasmo e o pudor, com a ambiguidade que existe entre a vontade de a dar a conhecer para que seja lida e a consciência da obstinação com que sempre se preservou do olhar público. “Como neta quase me sinto a violar a sua vontade. É um equilíbrio muito precário entre o que acho que devo contar e o que ela sentiria, por ser extremamente reservada. Mas era uma grande escritora e os grandes escritores devem ser lidos”, diz-nos com a mesma alegria com que abriu as portas de casa e do espólio da avó a Sara Lutas. “Sabia que ela não podia estar em melhores mãos”, garante, lembrando os anos em que quase não se falou da obra de Maria Judite de Carvalho, em que nenhuma editora mostrou interesse em publicá-la. Até há muito pouco tempo. “Houve um silêncio muito grande em volta da minha avó. A figura dela era tão silenciosa. Era tudo tão etéreo à volta dela. . . ” Como se mesmo depois da morte essa espécie de nebulosa em que se moveu se mantivesse. Conviveram durante os primeiros 18 anos de vida de Inês, uma das duas filhas da única filha de Maria Judite de Carvalho com Urbano Tavares Rodrigues, Isabel Fraga, e desses anos a neta recorda uma mulher que era privada não por um qualquer tipo de sacrifício que tivesse imposto a si própria, mas por educação. “Ela foi educada assim; foi educada para a discrição, uma menina séria é contida, uma menina séria não manifesta as suas emoções. E ela nunca soube ser de outra maneira”, conta, como se a educação também se tivesse adequado a um modo de ser. Por isso, Maria Judite de Carvalho era conhecida como a mulher do escritor Urbano Tavares Rodrigues, alguém que também escrevia e pintava, que era educada, que suportava que ele tivesse outras mulheres, que vivia na sombra. E a sombra parecia o seu lugar natural. “Nunca ouvi uma queixa à minha avó”, afirma Inês. Maria Judite de Carvalho nasceu em Lisboa a 18 de Setembro de 1921 e ficou órfã aos sete anos. Foi educada de forma austera por umas tias num casarão escuro, como se conta. Quem ler Tanta Gente, Mariana encontrará paralelos entre a biografia e a ficção. Foi o então já marido, Urbano Tavares Rodrigues, que a incentivou a publicar esse conto. Os dois conheceram-se na Faculdade de Letras de Lisboa, onde Maria Judite de Carvalho, dois anos mais velha, o encontrou já professor. Casaram em 1949. Ela tinha 28 anos e ele 26. Pouco tempo depois iriam para França: perseguido pela PIDE, ele escolheu o exílio e ela seguiu-o. Primeiro para Montpellier, onde Urbano arranjou um lugar como professor, mais tarde para Paris, quando o marido se fixou. Ali conheceram não apenas alguma da elite portuguesa que fugira do regime de Salazar, mas também a francesa. Privaram, por exemplo, com Albert Camus, e também conheceram Simone de Beauvoir, um ícone do feminismo da época, que com os seus escritos influenciaria Maria Judite de Carvalho. “Apesar de muito marcada pelo Existencialismo e pelo Nouveau Roman, ela criou um estilo único que tinha a ver com o meio onde cresceu e com um carácter reclusivo”, refere Sara Lutas, que não esconde a emoção que foi encontrar os papéis escritos, as fotografias e as pinturas da escritora. Vai juntando peças de uma biografia dispersa, com muitos espaços por preencher, exactamente como a das suas personagens, sobre as quais nunca se sabe tudo. Apenas se intui. Dela, por essa altura de vida em comum com Urbano, sabe-se que voltou em 1950 a Lisboa, onde nasceu a filha, Maria Isabel de Carvalho Tavares Rodrigues (que assina como escritora com o nome Isabel Fraga), e que pouco depois regressou a França. Isabel ficou em Portugal, com os pais de Urbano. É então que Maria Judite começa a colaborar com a imprensa portuguesa, mais uma vez incentivada pelo marido. “Ele foi sempre o seu primeiro leitor”, conta Inês, lembrando também o carinho com que o avô sempre tratou Maria Judite, “apesar de tudo”. "Tudo" eram os outros casos que nunca interferiram nesse pacto em que ele lhe elogiava a escrita e ela estava sempre lá, reservada, tímida, avessa à qualquer tipo de glória, como também tantas vezes Urbano Tavares Rodrigues a descreveu. “Ela gostava da luz filtrada que vinha do mundo do meu avô”, salienta Inês Fraga. “Nunca procurou mais, estabeleceu relações de afecto profundas com muito pouca gente”, conclui. Não tem dúvidas quanto à qualidade da escrita da avó, mas percebe porque nunca se salientou. “Não sei até que ponto ela conseguiria estar na dianteira. Ela estava confortavelmente apoiada na imagem do meu avó. Mas se o meu avô não tivesse tido o amor à literatura, e se ele não a tivesse elogiado de forma hiperbólica, talvez ela tivesse tido com a escrita a mesma relação que teve com a pintura. ”Os livros foram saindo. Quase sempre breves, sempre elogiados. Inês lembra como a avó estava insegura quanto à publicação de Seta Despedida (1995). “Receava que fosse muito mórbido. Perguntou à minha mãe o que ela achava. Depois do meu avó, a minha mãe passou a ser a sua segunda leitora. ” Teve o aval de ambos e esse livro de contos, o último, foi publicado e ganhou um prémio, tal como outros títulos. Em 1992, a escritora chegou mesmo a receber a Ordem do Infante D. Henrique. Nada que a fizesse sobressair. Sempre fora assim, mesmo quando Maria Judite de Carvalho surgia citada a par de outros nomes de mulheres da mesma geração: Natália Nunes, Irene Lisboa, Natália Correia, Agustina Bessa-Luís. “Ela sentia-se literariamente muito próxima de Irene Lisboa”, sugere Inês. Mas se sempre se foram estabelecendo paralelismos, há, contudo, um que se destaca, com uma mulher de outro continente: Clarice Lispector (1920-1977). Clarice e Maria Judite, as duas muito marcadas pelo mesmo livro de base: O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Uma e outra fixadas no mesmo desassossego íntimo do feminino, na solidão. Com Maria Judite, no entanto, a rasgar esse negrume com um humor tantas vezes surpreendente. Inês Fraga gostaria que a avó pudesse ressurgir, nem que fosse apenas com um pouco da luz que agora incide sobre Clarice. “Ela estava dispersa, inacessível a muitos leitores, e agora vai ter uma casa única e todos os livros disponíveis”, salienta Sara Lutas, que sublinha a intemporalidade da obra de Maria Judite de Carvalho. Sara e Inês convergem no discurso sobre a escritora – "foi única”, dizem quase em coro – e partilham uma inquietação: aplicar ou não o Acordo Ortográfico ao textos originais. Inês explica. “Conhecendo a minha avó, sei que ela não gostaria deste acordo. Mas eu tenho uma Maria Judite em casa”, diz, referindo-se à filha de dez anos que já leu algumas coisas da bisavó, “e ela aprende com ele, e como ela todas as pessoas da geração dela". Esta edição, pergunta, "é para apresentar a Maria Judite de Carvalho a novos leitores ou para mantê-la num nicho"? "Sei que muita gente vai condenar esta opção, mas ela foi feita de modo muito pensado e consciente. Por exemplo, o Tanta Gente, Mariana faz parte do Plano Nacional de leitura, é uma das obras recomendadas no 12. º ano. Isso pesou. Tudo o resto foi respeitado, o modo como ela grafa os diálogos, por exemplo, com aspas no primeiro e no último livros e travessões em todos os outros”, argumenta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Queremos que seja lida pelos mais novos, achámos que o mais importante é que seja mais lida”, diz Sara. Não é uma solução pacífica, concluem, e Inês tenta apaziguar-se. “O nome da minha avó era Judith e ela acabou por grafá-lo de outra forma, Judite, fez essa cedência, talvez tivesse concordado com esta. Era uma mulher sensata”, sorri, confessando que entretanto houve mais propostas de outras editoras para publicar a obra da avó, mas que a decisão já estava tomada. Na Minotauro, cada volume será antecipado por um texto de enquadramento escrito à época da publicação original. O primeiro é assinado por Urbano Tavares Rodrigues e é sobre Tanta Gente, Mariana. Os restantes volumes sairão de acordo com a ordem cronológica: o segundo trará Paisagens sem Barcos (1963), Os Armários Vazios (1966) e O Seu Amor por Etel (1967); o terceiro Flores ao Telefone (1968), Os Idólatras (1969) e Tempo de Mercês (1973); o quarto terá A Janela Fingida (1975), O Homem no Arame(1979) e Além do Quadro (1983); o quinto, Este Tempo (1991), Seta Despedida (1995) e os já póstumos A Flor Que Havia na Água Parada (1998) e Havemos de Rir (1998); e, por fim, o sexto corresponderá aos Diários de Emília Bravo (2002). Inês Fraga leu todos estes livros e espera que as duas filhas, Maria Judite e Clarice, o possam fazer com a mesma alegria e o mesmo deslumbramento. “A minha avô ensinou-me o essencial sobre o feminino. Sempre a vi serena e um dia surpreendi-me com o modo como estava curvada. Ela foi encolhendo e eu não dei por nada a não ser quando um dia a vi caminhar na rua. Ela muito pequenina ao lado do meu avô. Foi assim que a vi pela última vez, a caminhar de braço dado com ele pouco antes de morrer. ”
REFERÊNCIAS:
Vianna da Motta, o mestre infalível
Biblioteca Nacional de Portugal celebra os 150 anos do nascimento do grande pianista, compositor e pedagogo. Exposição documental propõe um percurso pela vida e pela obra deste homem "a quem nenhum domínio da arte era estranho". A partir desta quinta-feira e até 14 de Setembro. (...)

Vianna da Motta, o mestre infalível
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Biblioteca Nacional de Portugal celebra os 150 anos do nascimento do grande pianista, compositor e pedagogo. Exposição documental propõe um percurso pela vida e pela obra deste homem "a quem nenhum domínio da arte era estranho". A partir desta quinta-feira e até 14 de Setembro.
TEXTO: O pianista e compositor José Vianna da Motta (1868-1948), cuja dupla efeméride dos 150 anos do nascimento e dos 70 anos da morte se assinala com uma exposição documental na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) que é inaugurada esta quinta-feira, foi uma das personalidades mais notáveis da história da música em Portugal e um dos poucos artistas portugueses cuja carreira alcançou verdadeira projecção internacional. Fernando Lopes-Graça, que foi seu discípulo, considerava-o “um artista grande de mais para o nosso pequeno meio”. Às actividades de intérprete, pedagogo, compositor, musicógrafo, conferencista e maestro, Vianna da Motta associava uma vastíssima cultura artística, literária e filosófica que fez dele um precursor em Portugal do modelo do “músico-intelectual”. Formou sucessivas gerações de pianistas, cujo legado interpretativo se prolonga até hoje, contribuiu para uma viragem nos padrões do ensino da música e foi um dos primeiros compositores portugueses a preocupar-se com a incorporação da música tradicional e da poesia culta do seu país na criação musical erudita, à semelhança do que se passava com as correntes ligadas ao nacionalismos musicais oitocentistas. A mostra disponibilizada pela BNP é constituída por materiais provenientes do seu espólio que se encontra na Área de Música daquela instituição desde 1997. No ano do cinquentenário da morte do compositor (1998), uma exposição no Museu da Música, da qual existe um excelente catálogo coordenado por Maria Helena Trindade e Teresa Cascudo, tinha mostrado já parte deste acervo, mas entretanto passaram 20 anos e surgiram novas investigações e publicações. Para Sílvia Sequeira, organizadora da nova exposição e responsável pela Área de Música da BNP, “todas as ocasiões são boas para relembrar o legado desta figura maior da música portuguesa”. Apesar das amplas dimensões do espólio que se encontra na biblioteca, alguma documentação encontra-se ainda na posse da família, mas os herdeiros irão fazer a doação de mais algumas peças à BNP na inauguração, que incluirá um momento musical pelo Ensemble Mpmp. A mostra inclui manuscritos autógrafos, diários, correspondência, programas de concertos, recortes de imprensa, fotografias, partituras impressas (muitas delas anotadas pelo próprio Vianna da Motta), gravações, monografias da autoria do músico e estudos posteriores de outros autores. “O percurso é ao mesmo tempo cronológico e temático, procurando mostrar as principais facetas da carreira profissional, mas também aspectos da vida pessoal”, diz Sílvia Sequeira. “À medida que vamos mergulhando no espólio, aproximamo-nos mais do músico, mas também do homem. Vianna da Motta era muito metódico, anotava tudo. Temos por exemplo uma colecção de agendas que percorre mais de três décadas, a partir das quais é possível reconstituir passo a passo o seu dia-a-dia. ”Outra curiosidade são os cartazes de todas as produções de Wagner a que o músico assistiu em Bayreuth, tendo anotado na planta do teatro, no verso de um deles, os lugares em que se sentava em cada récita. A responsável pela Área de Música da BNP refere que Vianna da Motta era alguém que procurava incansavelmente o aperfeiçoamento, com grande consciência dos sucessos mas também das dificuldades. Por isso escolheu como título da exposição a expressão “Non sine altera” (não há uma sem a outra), inscrita no ex-libris do compositor, formado por duas coroas entrelaçadas, uma de louros e outra de espinhos. Nascido em São Tomé em 1868, José Vianna da Motta mostrou desde cedo grande talento musical, apresentando-se como menino prodígio em vários concertos que tiveram eco na imprensa lisboeta. O pai era farmacêutico e músico amador e tratou de garantir meios financeiros para que o filho prosseguisse a sua formação no estrangeiro. Conseguiu que o jovem Vianna da Motta tocasse perante a família real em 1874, tendo obtido, a partir dessa data a protecção do rei D. Fernando II e da sua segunda mulher, a condessa d'Edla, antiga cantora de ópera. Aos 14 anos, Vianna da Motta concluiu os seus estudos no conservatório de Lisboa e em 1882 partiu para Berlim, onde estudou com Xaver Scharwenka e Carl Schaeffer, membro da Sociedade Wagneriana. Em 1885, foi um dos últimos alunos de piano de Franz Liszt em Weimar e, em 1887, frequentou o curso de interpretação pianística de Hans von Bülow, experiência marcante na sua formação como intérprete. Essas aulas são descritas com detalhe nos meticulosos diários que o jovem Vianna da Motta escreveu durante a primeira década que passou na Alemanha e que se encontram também no espólio da BNP. Testemunho precioso do seu desenvolvimento humano e artístico e da forma como assimilou esse novo mundo em direcção a uma simbiose cultural luso-alemã, os Diários (1883-1893) foram editados pela BNP e pelo CESEM em 2016 num imponente volume coordenado pela musicóloga Christine Wassermann Beirão e pela cantora Elvira Archer, responsável pelas traduções e apaixonada intérprete e estudiosa da obra vocal do compositor. No prelo encontra-se também a publicação das Cartas de Portugal a Margarethe Lemke (1885-1908), cantora que foi a sua primeira mulher, com organização e notas de Christine Beirão. Vianna da Motta realizou a sua primeira digressão europeia como pianista em 1888, acompanhando o violinista Pablo Sarasate em Copenhaga e Helsínquia e o violinista Tivadar Nachez em Moscovo e São Petersburgo. Um jornal dinamarquês refere “o nível superior de rara distinção” daquele “português de 19 anos que o Sr. Sarasate só viu no dia anterior”, mas esta foi só uma das muitas menções elogiosas publicadas na imprensa da época. A intensa actividade como intérprete nos anos seguintes continuou a merecer o aplauso da crítica internacional, principalmente na qualidade de intérprete de Liszt, Bach e Beethoven. Em 1903, o cronista da Pall Mall Gazette de Londres afirma que o “sr. Vianna da Motta pertence à categoria dos maiores intérpretes de piano vivos” e que se tratava de “um artista da mais rara inteligência” e “génio”. Apesar de ter fixado a sua residência em Berlim, Vianna da Motta apresentou-se regularmente em Portugal, principalmente em Lisboa e no Porto. Fez a sua primeira digressão americana em 1892 e tocou pela primeira vez no Brasil quatro anos mais tarde com o violinista Bernardo Moreira de Sá. Em Nova Iorque conheceu o compositor, pianista e maestro Ferruccio Busoni, com quem viria a trocar uma interessante correspondência, publicada pela Caminho. Foi o primeiro pianista português a tocar em Lisboa as 32 sonatas para piano de Beethoven na mesma série de concertos (em 1927, no salão do Conservatório Nacional) e um dos raros a ter em repertório toda a produção do grande compositor alemão. No início do século XX, Vianna da Motta desenvolveu uma intensa actividade como professor em Berlim, mas com o início da Primeira Guerra Mundial perdeu o visto para permanecer na Alemanha, passando a leccionar na Escola Superior de Música de Genebra. Na Alemanha tinha aprofundado a sua cultura musical e intelectual e definido a sua personalidade artística a partir do legado da história, representado nas obras de Bach e de Beethoven, e da necessidade de procurar ligações com o resto das artes e com a filosofia, na esteira do wagnerismo e dos ideais pedagógicos de Liszt. Entre os seus numerosos alunos contam-se muitos pianistas de relevo, entre os quais Elisa de Sousa Pedroso, o compositor Luiz Costa e a sua filha Helena Sá e Costa, Campos Coelho (que veio a ser o professor de Maria João Pires), José Carlos Sequeira Costa, Maria Cristina Lino Pimentel, Nella Maissa e Maria da Graça Amado da Cunha, assim como o compositor Fernando Lopes-Graça. Em paralelo com a actividade artística, publicou regularmente artigos sobre a técnica e interpretação pianísticas e estudos sobre Wagner e Liszt; foi crítico musical e escreveu numerosos artigos para revistas especializadas alemãs e portuguesas. Em 1917 regressou definitivamente a Lisboa para assumir a direcção do Conservatório Nacional. Nesse cargo, que ocupou até 1938, coordenou em conjunto com Luís de Freitas Branco uma reforma curricular que incluía novas disciplinas de música e de cultura geral. Foi ainda director musical da Orquestra Sinfónica de Lisboa entre 1918 e 1920 e fundou, em 1917, a Sociedade de Concertos de Lisboa. A renovação do gosto musical era uma das sua preocupações, sendo bastante crítico em relação às programações do Teatro Nacional de São Carlos e à cultura operática italiana que continuava a atrair o público em detrimento dos concertos sinfónicos e do repertório germânico. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A actividade de Vianna da Motta como compositor concentrou-se principalmente entre 1881 e 1908. Ainda criança e adolescente compôs peças para piano que reflectem o gosto da época (marchas, mazurcas, valsas, polcas, variações e fantasias) e durante o período de formação na Alemanha dedicou-se à criação de composições instrumentais nos géneros clássicos e canções para voz e piano sobre textos alemães (uma recente edição crítica realizada por João Paulo Santos foi publicada na nova colecção de Partituras do Património Lírico Português, editada pelo Teatro Nacional de São Carlos e pela Imprensa Nacional). As obras compostas entre 1893 e 1908 caracterizam-se pela inspiração na canção tradicional portuguesa, incluindo peças para piano como as Rapsódias portuguesas, os três cadernos de Cenas portuguesas e a Balada op. 16. Vianna da Motta distinguia claramente as obras em que a música tradicional era usada como elemento de “cor local” das que tinham um objectivo programático de carácter nacionalista como as Canções portuguesas op. 10, a Invocação dos Lusíadas e a Sinfonia "À Pátria", cujos andamentos são precedidos por epígrafes retiradas de Os Lusíadas. Para o compositor, a “expressão para o sentimento da nação” era o objectivo mais alto ao qual devia aspirar a criação musical, mas sem fazer concessões à facilidade. Conforme disse em 1940 numa entrevista a Lopes-Graça, “o alargamento da cultura musical não se deve fazer abaixando o nível da música, mas sim procurando elevar o povo às alturas das grandes obras-primas”. Vianna da Motta morreu a 1 de Junho de 1948, em Lisboa. No obituário publicado no jornal O Século, Luís de Freitas Branco escreveu: “Para o público, Vianna da Motta era o músico de génio que ele via inclinar-se com singela majestade nos estrados dos palcos, perante as intermináveis ovações. Para quem teve a felicidade de com ele privar, havia além do genial artista o grande intelectual [. . . ]. Para nós músicos ele foi o mestre infalível a quem nenhum domínio da arte era estranho. ”
REFERÊNCIAS:
Foi preciso esperar mais de meio século por este Coltrane
Se já esperámos 55 anos, podemos esperar mais 20 dias. O quarteto do saxofonista John Coltrane, que morreu há 40 anos, gravou em 1963 uma sessão de estúdio que permaneceu até aqui desconhecida. Foi convertida agora em álbum e tem lançamento marcado para 29 de Junho. (...)

Foi preciso esperar mais de meio século por este Coltrane
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.166
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Se já esperámos 55 anos, podemos esperar mais 20 dias. O quarteto do saxofonista John Coltrane, que morreu há 40 anos, gravou em 1963 uma sessão de estúdio que permaneceu até aqui desconhecida. Foi convertida agora em álbum e tem lançamento marcado para 29 de Junho.
TEXTO: Both Directions at Once: The Lost Album era mesmo um álbum perdido, mas acabou por ser encontrado. É o registo de uma sessão de estúdio do quarteto clássico do saxofonista e compositor John Coltrane, nome maior da música e uma das lendas do jazz norte-americano. Do álbum que tem lançamento marcado para 29 de Junho, apesar de ter sido gravado 55 anos antes, fazem parte cinco versões de temas conhecidos e dois inéditos: Untitled Original 11383 e Untitled Original 11386. “Isto é comparável a encontrar-se uma sala nova na Grande Pirâmide”, diz Sonny Rollins, da mesma geração de John Coltrane (1926-1967) e saxofonista como ele, citado pelo diário britânico The Guardian. Neste novo álbum cujo lançamento foi noticiado – e celebrado – em todo o mundo, o músico lendário tem a seu lado McCoy Tyner (piano), Jimmy Garrison (baixo) e Elvin Jones (bateria). Estávamos em Março de 1963 e o quarteto estava a meio de uma estadia de duas semanas no clube nova-iorquino Birdland. No dia seguinte, lembra o jornalista Iker Seisdedos no espanhol El País, a mítica formação gravaria um dos seus maiores sucessos comerciais com o cantor Johnny Hartman, (John Coltrane and Johnny Hartman, 1963, Impulse! Records). Talvez tenha sido a antecipação do sucesso do disco com Hartman que levou a que a sessão do dia anterior ficasse por divulgar, defende Jamie Krents, o homem que levou a bom porto a presente edição enquanto executivo da Impulse!, hoje parte da Universal, um dos gigantes da indústria discográfica. Os dois inéditos, a que Coltrane não chegou a dar nome, juntam-se nesta sessão de estúdio em Englewood agora passada a ábum a versões de temas já registados: Slow blues, One up, one down, Impressions, Nature boy (de Nat King Cole) e Vilja (esta última da opereta A Viúva Alegre, do compositor austríaco Frazn Léhar). “Isto é o quarteto do Coltrane a começar a dirigir-se para a sua última fase, estável e sem surpresas, quando eles tocavam com frequência o mesmo punhado de canções”, disse ao Guardian Ben Ratliff, autor de Coltrane: The Story of a Sound. “Não há aqui um grande conceito, um grande design. Mas ele experimenta algumas melodias novas, toca um blues estranho, e faz uns pequenos ajustes em Impressions – e isso já é muito. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A gravação feita naquele 6 de Março de 1963 ficou perdida durante anos porque, ao que parece, não havia rasto de qualquer master no arquivo do talentoso e histórico engenheiro de som que a registou, Rudy van Gelder. Foi Coltrane quem, no fim desse dia, levou uma cópia para casa. Vivia na altura com Juanita Naima Grubbs, a sua primeira mulher (a mulher para quem escreveu o clássico Naima). Depois do divórcio, a ex-mulher do músico ficou com essa cópia e com outros materiais que sobraram desse álbum mítico chamado A Love Supreme. Quando morreu, em 1996, este espólio foi confiado à filha de um casamento anterior, Antonia, que o músico adoptara quando tinha apenas cinco anos. Depois de chegar a acordo com Antonia, a discográfica reuniu-se com Ravi Coltrane, filho de John, que morreu aos 40 anos com um cancro no fígado, e da pianista Alice McCleod, sua segunda mulher. Jamie Krents jamais consideraria editar algo que Ravi, saxofonista como o pai e responsável pela gestão do seu legado, considerasse não ter qualidade suficiente. Ravi Coltrane ficou surpreendido com o achado e com a coerência do registo e concordou com a sua edição. Afinal, dizem os críticos, aquele quarteto com que Coltrane gravou o álbum homónimo, assim como A Love Supreme ou Ballads e que viria a dispersar em 1965, foi um dos mais memoráveis da história do jazz. Ben Ratliff não tem dúvidas de que Both Directions at Once mostra a força desta formação, mostra “quão poderosas eram a sua vontade e a sua capacidade de concentração”.
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Palavras-chave filha concentração filho mulher homem casamento divórcio
O vício das ondas que vence o medo
Desde há uns anos, a Nazaré transformou-se na meca dos surfistas mundiais das ondas gigantes. Agora, dizem, é tempo de retribuir. Por isso, juntaram-se e criaram formas de dar a provar este mar. (...)

O vício das ondas que vence o medo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Desde há uns anos, a Nazaré transformou-se na meca dos surfistas mundiais das ondas gigantes. Agora, dizem, é tempo de retribuir. Por isso, juntaram-se e criaram formas de dar a provar este mar.
TEXTO: “Quem tem canhão, tem medo”, dizem-me em tom jocoso, adivinhando o nervoso miudinho que, depois de uns dias a achar que nada havia a temer, se tinha adensado quando faltavam apenas umas horas para a experiência. As previsões do estado do mar não ajudavam: “Vai estar grande”, alertar-me-ia outro amigo. “Está três metros de oeste com período de 15” – sabe-se lá o que isto quer dizer, mas também não pergunto com medo da resposta… – “dá ondas de seis no canhão… seis de surfista, que é mais de gente” – e aqui, eu, gente, sinto-me tudo menos apaziguada. “Tenta não morrer”, remata. Para a próxima, é melhor não perguntar nada a ninguém. O desafio é simples: ir até à zona do canhão da Nazaré com quem o trata por tu: o norte-americano Garrett McNamara, que colocou as ondas da vila portuguesa no mapa internacional do surf quando, em 2011, surfou uma vaga de 23, 8 metros, inscrevendo o seu nome no Livro dos Recordes do Guinness (marca que acabaria por suplantar dois anos depois numa onda de 30 metros). McNamara, porém, não enfrentou o desafio de levar impreparados jornalistas para o mar sozinho e chamou um verdadeiro exército de pesos-pesados para o acompanhar: entre outros, Hugo Vau, actual detentor do recorde depois de vencer a onda mais alta (35 metros, a 17 de Janeiro deste ano), o norte-americano Toby Cunningham, o italiano Alessandro Marcianò ou o lisboeta Sérgio Cosme, todos presentes no Surfer Wall, projecto museológico, criado em 2016, que pode ser visitado no Forte de São Miguel Arcanjo. Mas comece-se pelo início. E, depois do discurso de “nunca ninguém se arrependeu de ter ido; apenas de não o ter feito”, segue-se a primeira prova hercúlea: enfiar o corpo num fato que, à primeira vista, diria que nunca me serviria. Aliás, nem consigo imaginar como deslizar por tão apertada entrada. Uma perna ainda vá… Ambas? Lembro-me da minha primeira vez na neve, em que o cansaço de calçar as botas foi tal que quando cheguei, por fim, às pistas acabei por cair para o lado – hiperventilar antes de uma actividade física de tamanha envergadura, já aprendi, não é uma boa ideia. Mas, com mais um puxão daqui e outro dali (e uma mãozinha da parceira do Diário de Notícias – que a camaradagem no mar começa em terra), estou finalmente pronta para seguir para o cais, de fato bem justinho para manter o corpo quente e de colete salva-vidas bem apertado, que isto é seguro mas o grau de imprevisibilidade é considerável. Por todo o grupo, na maioria constituído por jornalistas, convidados para usufruir de uma experiência que pode ser vivida por qualquer um (“mas é melhor com o tempo mais ameno”), treme-se. De frio, certamente. Ainda que não me livre do pensamento “onde estava eu com a cabeça quando achei que isto era uma boa ideia”. Já não há volta. Ouvem-se risos nervosos e lê-se a coragem em rostos de expressão quase vazia. Há ainda quem tenha optado por um fato impermeável apenas para não molhar a roupa que manteve por baixo, deixando claro desde logo que dos barcos não sai. Não será um problema… A bordo destes também há divertimento. Já eu sinto-me preparada para abraçar qualquer actividade – ou quase… Mas seguimos bem acompanhados: além da inapta tropa de repórteres, Rita de Melo Ribeiro, que terá sido a primeira mulher portuguesa a entrar no mar de prancha, e o actor Afonso Vilela que, ainda que não tenha “a experiência deles”, referindo-se aos nossos anfitriões, soma três décadas de paixão pelas ondas. Ao menos, neste barco alguém sabe ao que vai. Lino Bogalho, da empresa Nazaré Water Fun, dá o briefing, depois de estarmos todos sentados nos assentos azul-turquesa do Sprum, um jetboat que se estreou há um ano nas águas nazarenas: “E se a certa altura acharem que vão saltar borda fora isso é NORMAL”, sublinha. “Haverá uma altura em que terão água pela cintura, o barco vai encher de água… NORMAL!”. Tudo normal, portanto, ainda que o aperto que sentimos no estômago nos indique que isto é tudo menos normal… Há quem jure que irá entrar em pânico, quem prometa gritos e quem mantenha uma postura imperscrutável. Nos 12 lugares disponíveis, temos estreantes para todos os gostos. “Isto não devia ter cintos?”, pergunta alguém. “Não se preocupem. Se voarem do barco, uma das motos de água apanha-vos. ” Demasiado tarde para fugir; entretanto, já zarpámos e o baptismo faz-se poucos segundos depois com um afundanço que nos deixa logo molhados e a saborear o sal do Atlântico Norte. No fundo, é como andar de kart ou estar dentro de um automóvel no campeonato de drift: há peões, afundanços, acelerações poderosas, travagens à queima-roupa. Sem perigo – ainda que de cada vez que o mar nos abrace os pensamentos se gelem. E naquela curva mais apertada, confesse-se, não se resiste a fechar os olhos (que seria a táctica mais usada durante o dia para vencer o medo). Enquanto driblamos as águas ainda no conforto do porto, outros já seguiram para mar aberto. E é com eles que vamos ter logo a seguir num dos barcos de apoio. Pelo sim pelo não, escolho um lugar na popa, onde se sente menos a ondulação. Mas, à medida que o oceano se abre e a confiança cresce, depressa mudo para um espaço onde se pode viver e testemunhar melhor as experiências. À vez, vamos sendo levados às ondas da praia do Norte. Afinal, não há vagas de três nem de seis metros, mas o vento não permite grandes antevisões da direcção que a ondulação toma. Ainda assim, depressa se percebe que ninguém está aqui disposto a correr riscos, sobretudo o nosso divertido anfitrião. A gargalhada de McNamara atravessa marés e chega-nos quase como um tranquilizante, enquanto o ouvimos sobre esta enorme depressão geológica que permite a formação de ondas gigantes. Quando já praticamente toda a gente foi (e, importante!, voltou), reúno forças para viver a experiência: pode-se fazê-lo montado numa prancha de surf puxada pelo jet ski, num sled – uma espécie de prancha de bodyboard agarrada à mota de água – ou simplesmente à pendura. Prefiro a última e sou levada por Toby Cunningham, que em 2003 quebrou o recorde mundial de ondas gigantes no México e que actualmente vive na Nazaré seis meses por ano. Esclareço-lhe os meus receios, mas para Toby este é apenas uma espécie de “passeio no parque”. Depressa ruma às ondas – “temos que ir tirar uma foto”, desafia-me. E há alternativa?, ainda penso… Não há nem é suposto existir. Vamos, por isso, em ritmo acelerado, aproveitando algumas ondas e evitando outras, numa experiência tão radical quanto espiritual (para o comum dos mortais como eu, sublinhe-se). Não tanto, porém, como aquela que levou um repórter de imagem à praia, após a mota do experiente Hugo Vau se ter virado. Nada que os demovesse e, sem que tivéssemos tido tempo de perceber o incidente, já ambos estavam de volta à acção – e com uma aventura e peras para relatar e, graças à boa-vontade da câmara submersa, mostrar. Está frio e, enquanto os barcos se vão enchendo de corpos enregelados a exibirem lábios quase roxos, há quem não resista a tanta movimentação e acabe mesmo por ir “borda fora”. Nada de estranho e nada que não se trate depressa: “O truque é olhar o horizonte”, aconselham-nos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Entretanto, o jetboat vai recolhendo quem quer repetir a experiência em mar aberto, e o divertimento a bordo é visível e audível. Já eu só penso em voltar a “cavalgar ondas”, mas está quase na hora do regresso. “E posso regressar de mota de água?”. Claro que sim. Tenho como guia o italiano Marcianò que, desde há uns anos, também elegeu a Nazaré como a sua casa de Inverno. Mas a nossa viagem não é a direito. . . Vamos, antes, aproveitando toda e qualquer onda, subindo até à crista e apanhando a boleia salgada, voltando atrás quando assim se justifica – e justifica-se muitas vezes. . . Já quase toda a gente voltou a terra. Excepto nós, outra mota com pendura e o Sprum. E, entre brincadeiras, vamos adiando o fim. Já sem ponta de medo e com a clarividência de que estar aqui, neste mar, com estas pessoas, a viver todas estas sensações só pode ser descrito como um privilégio que, ao fim de apenas umas horas, já sentimos como quase um vício. A Fugas esteve na Nazaré a convite da Mercedes-Benz Portugal
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