Abdullah, o monarca que arriscou reformar para que tudo ficasse na mesma
Abriu a economia e usou os lucros do petróleo para tentar fortalecer-se como potência regional. Anunciou mudanças profundas mas acabou por deixar uma herança de “iniciativas largamente simbólicas", que "produziu avanços concretos extremamente modestos”. (...)

Abdullah, o monarca que arriscou reformar para que tudo ficasse na mesma
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501195652/http://www.publico.pt/1683221
SUMÁRIO: Abriu a economia e usou os lucros do petróleo para tentar fortalecer-se como potência regional. Anunciou mudanças profundas mas acabou por deixar uma herança de “iniciativas largamente simbólicas", que "produziu avanços concretos extremamente modestos”.
TEXTO: É possível descrever como reformista o líder de uma das últimas monarquias absolutas do mundo? A lógica diria que não, mas no caso da Arábia Saudita a complexidade parece desafiar a lógica. Como o antecessor, Abdullah navegou com prudência entre as alas mais liberais e os membros mais conservadores da família real, ao mesmo tempo que ensaiava mudanças desejadas pela população, metade com menos de 25 anos, sem desafiar realmente o establishment religioso ultraconservador, que desde a nascimento do país divide o poder com a família que o fundou. Rei antes de o ser, Abdullah, que morreu aos 90 anos, só ascendeu ao trono em 2005, com a morte do rei Fahd, mas a débil saúde do seu irmão fizera dele o líder não oficial da Arábia Saudita dez anos antes. Era já o rosto do poder no difícil período aberto pelos atentados do 11 de Setembro e parte do seu legado prende-se com o combate ao extremismo. Enquanto reforçava o poder da família real, tentava estabelecer o país como a grande potência regional e se esforçava por mantê-lo abrigado face às crises no mundo árabe, desiludia os reformadores. Promoveu o diálogo inter-religioso, prometeu atenuar o extremismo da doutrina ortodoxa wahhabita, que é lei no país, deu alguns passos para promover a educação das raparigas e o acesso das mulheres ao mercado de trabalho. Mas as revoltas de 2011 e o receio de consequências internas, assim como a rivalidade com o Irão, exacerbada pela guerra síria, trouxeram de volta as perseguições à crítica interna. “As reformas não existem na Arábia Saudita. Sejamos honestos, é uma monarquia absoluta”, escreve Ali al-Ahmed, ex-prisioneiro político no reino. “Abdullah deu grandes passos na abertura de novos horizontes para as mulheres sauditas, marginalizadas numa sociedade que usa várias interpretações da religião para suprimir os seus direitos e a sua identidade”, defende, pelo contrário Tariq al-Maeena, comentador político saudita, num texto publicado no jornal Gulf News. “Enfrentou os religiosos que pregavam o fundamentalismo e usavam os seus púlpitos para falar contra as liberdades das mulheres. ”Hala al-Dossari, uma activista dos direitos das mulheres da cidade de Jidá, diz à BBC que “houve algumas reformas mas, ao mesmo, a instabilidade regional foi tanta que os assuntos mais importantes da polícia nacional e local são negligenciados há algum tempo”. Dossari enumera “projectos bem-sucedidos, como a universidade mista e a abertura às mulheres do trabalho em lojas”. Mas sublinha que vive no único país que “prende as mulheres que conduzem” e “num dos poucos sistemas do mundo onde quem peça mais direitos e participação [política] é preso”. Em 2005, a sua chegada ao trono foi saudada pelos que viam nele a força motora de alguns pequenos sinais de mudança, como o convite à organização Human Rights Watch para visitar o país ou a organização de um encontro inédito que juntou sunitas e xiitas (uma minoria considerável e não reconhecida), liberais e tecnocratas para discutir extremismo, direitos e liberdades no reino, no Verão de 2003, a Convenção para o Diálogo Nacional. Combate ao extremismoFoi o culminar de um processo que se iniciara com o 11 de Setembro, movido pela sensação de urgência de mudança para combater o extremismo. A maioria dos responsáveis pelos ataques eram sauditas, como Bin Laden, e Riad promoveu uma avaliação dos responsáveis pelas 50 mil mesquitas do país para identificar pregadores com “falta de conhecimento” – mais de 1000 foram reenviados para a escola para serem instruídos na rejeição do “extremismo” da Al-Qaeda. Depois dos ataques contra o aliado histórico, o atentado suicida que matou 34 pessoas em Riad em Maio de 2003 pareceu reforçar ainda mais as correntes reformistas. “Somos uma parte deste mundo e não podemos isolar-nos. Não podemos ficar paralisados enquanto o mundo avança”, disse Abdullah. Numa mensagem à convenção de 2003, o então príncipe herdeiro e regente defendia que a defesa dos cidadãos sauditas contra “ideias prejudiciais” não podia continuar a ser feita com recurso a uma lógica de proibições. “As reformas no papel não conduzem a muito se as práticas governamentais permanecem iguais”, dizia então a Human Rights Watch, lamentando que muitas “anunciadas reformas” continuassem por se materializar. Os activistas lembram um rei que “foi um grande paladino do respeito pelas religiões no estrangeiro” – foi o primeiro chefe de Estado saudita, e guardião dos santuários do islão, a encontrar-se com um Papa, Bento XVI, em 2007 -, mas que pouco fez pela minoria xiita do seu próprio país.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos morte guerra lei escola educação minoria mulheres
Vários tipos de maus-tratos não são detectados pelas comissões de protecção de menores
O estudo aponta a necessidade de mais meios humanos e mais formação dos profissionais que trabalham nesta área, no sentido de aumentar a eficácia na sinalização de vários tipos de abuso, dada a elevada probabilidade “ de estas ocorrerem ao mesmo tempo". (...)

Vários tipos de maus-tratos não são detectados pelas comissões de protecção de menores
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501175216/http://www.publico.pt/1692850
SUMÁRIO: O estudo aponta a necessidade de mais meios humanos e mais formação dos profissionais que trabalham nesta área, no sentido de aumentar a eficácia na sinalização de vários tipos de abuso, dada a elevada probabilidade “ de estas ocorrerem ao mesmo tempo".
TEXTO: Um estudo sobre crianças sinalizadas pelas comissões de protecção de menores revela que apenas em 17% dos casos analisados os relatos das jovens vítimas de maus-tratos coincidem com as provas que as comissões conseguiram reunir. “Vários tipos de mau-tratos na infância não são detectados pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), mesmo quando as crianças são sinalizadas” por estes organismos, conclui o estudo de doutoramento realizado na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. O autor da investigação, Ricardo Pinto, disse à agência Lusa que o estudo procurou saber como é que jovens que foram identificados pelas CPCJ como maltratados na infância descreviam as experiências abusivas de que foram vítimas. Para isso, foram consultados processos arquivados em CPCJ de 380 crianças, com idades entre os cinco e os 12 anos, sinalizadas entre 1999 e 2006. Destas crianças, foram localizadas 136, entre 2010 e 2011, já adolescentes e jovens adultos (com idades entre os 14 e 23 anos) que voluntariamente decidiram participar no estudo. Um dos objectivos do estudo foi confrontar a forma como contam a sua história de infância com a informação que estava documentada nos seus processos. “O que verificámos foi que o acordo entre aquilo que os jovens relatam em termos de experiências adversas e a informação que constava nos processos é muito baixo (17%)”, adiantou Ricardo Pinto. A investigação revela que houve 40 jovens que relataram abuso emocional, mas esta informação apenas constava em 3 processos; de 37 jovens que descreveram abuso físico, apenas 12 tinham esta informação no seu processo; e de 23 que disseram ter sido vítimas de abuso sexual, apenas em 8 tinham esta situação no processo. No caso de 70 jovens que relataram negligência emocional, apenas 26 tinham esta informação no processo. Houve ainda 48 jovens que contaram ter sido vítimas de violência doméstica, mas apenas 18 tinha esta informação registada. A negligência física, “a adversidade mais reportada às comissões”, foi o tipo de mau-trato que “mais consistência” registou: de 49 jovens que relataram esta situação, apenas num processo não constava esta informação. De acordo com o estudo, a dificuldade é maior quando o tipo de mau-trato é mais facilmente ocultado pelo agressor (abuso sexual) e menos observável (abuso ou negligência emocional). Já a violência doméstica poderá não ser alvo de avaliação porque o foco da atenção é o mau-trato directo à criança. Para Ricardo Pinto, o facto de os jovens contarem situações que não correspondem com a informação nos processos “é o suficiente para se tentar perceber o que se passou”. Esta situação pode colocar várias questões: “será que os jovens estão a mentir? Será que estão a revelar coisas que não aconteceram? Não há forma de saber, mas se esse argumento é válido foram muitos jovens a fazer isso”. O investigador advertiu que “há uma elevada probabilidade de uma criança quando é abusada fisicamente, também ser negligenciada e abusada sexualmente”. “Isto exige sensibilidade do técnico [da comissão] e tempo para recolher” informação de várias fontes. Contudo, a sua tarefa “não será fácil” porque os maus-tratos “poderão ser ocultados por quem os perpetra”. A investigação também verificou casos em que os jovens ocultaram informação que constava nos processos. “Muitas vezes têm receio de contar o que se passa por vergonha ou porque são ameaçados pelos agressores”, mais um factor que “dificulta o trabalho do técnico a encontrar a verdade”. O estudo aponta a necessidade de mais meios humanos e mais formação dos profissionais que trabalham nesta área, no sentido de aumentar a eficácia na sinalização de vários tipos de abuso, dada a elevada probabilidade “ de estas ocorrerem ao mesmo tempo. O investigador defendeu ainda a importância de acompanhar a criança mesmo depois do arquivamento do processo na CPCJ. “A criança foi sinalizada, esteve em risco, o processo foi arquivado, mas ela veio a sofrer de revitimização, como é que esta criança fica”, questiona. Para o investigador, esta é uma matéria que “tem de ser mais discutida”. “Acho que ainda há muito a fazer em matéria de crianças e jovens”, rematou. Em 2014, 8. 470 crianças e jovens estavam em instituições de acolhimento.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola humanos violência criança estudo sexual maus-tratos doméstica abuso vergonha agressor
Observatório responde a urgência de prevenir violência contra as crianças
“A nossa ideia não é substituir nem competir com nenhuma instituição, mas desenvolver um trabalho de sensibilização”, diz Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna e presidente da associação constituída a partir de hoje. (...)

Observatório responde a urgência de prevenir violência contra as crianças
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: “A nossa ideia não é substituir nem competir com nenhuma instituição, mas desenvolver um trabalho de sensibilização”, diz Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna e presidente da associação constituída a partir de hoje.
TEXTO: A criação do Observatório da Criança “100 Violência” não foi motivada pelos casos de violência extrema contra crianças que aconteceram nas últimas semanas. A iniciativa existe há meses e a cerimónia de apresentação, esta quinta-feira na Assembleia da República, já estava marcada desde Outubro. Mas o observatório é lançado para responder a uma urgência. E essa urgência prende-se, também, com os casos recentes de violência na família – os homicídios de cônjuges e ex-cônjuges. E de crianças: o bebé de meses em Oeiras e a menina de dois anos em Loures. “A criação do Observatório resulta em primeiro lugar de um diagnóstico acerca da criminalidade em Portugal. Hoje, a violência doméstica e, muito particularmente os crimes contra crianças, assumem uma enorme gravidade no nosso país”, diz Rui Pereira. O ex-ministro da Administração Interna preside ao observatório. “Nos últimos tempos, temos ouvido histórias verdadeiramente dramáticas, de crianças que são vítimas de homicídios, de abusos sexuais ou de maus tratos, e é necessário mobilizar a sociedade portuguesa para prevenir esse fenómeno”, acrescenta Rui Pereira, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política (ISCSP) e no Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna – os dois parceiros protocolares da associação. Outras parcerias vão permitir juntar as bases de dados das polícias e das comissões de protecção de crianças e jovens, por exemplo, com a investigação universitária. “Quando um pai mata uma criança por ter sido deixado sozinho com ele, sendo verdade que tem problemas de alcoolismo, toxicodependência, que está desempregado e deprimido, falha o pai que não pode ser desculpado e deve ser severamente punido, e falha a sociedade. É preciso haver políticas públicas que previnam estes fenómenos mas é necessário que toda a sociedade se mobilize”, alerta Rui Pereira. “É evidente que a resposta do direito penal, a resposta punitiva é importante. E muito se fez nos últimos anos para responder ao fenómeno. Hoje a violência doméstica é um crime público. Existe uma maior sensibilidade das pessoas relativamente à violência contra crianças. Mas é preciso adoptar políticas sociais integradas”, recomenda. E conclui: “A nossa ideia não é substituir nem competir com nenhum instituição, mas complementar, e sobretudo desenvolver um trabalho de sensibilização. A nossa pretensão é sensibilizar as pessoas, levar a que este fenómeno seja prevenido e, se possível, isso é o que desejaríamos, erradicá-lo. ”Sensibilizar e formarEntre os oradores na conferência vão estar a procuradora Dulce Rocha, presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR) e, entre outros, Gérard Greneron, secretário-geral do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia que em França lançou uma iniciativa para prevenir os crimes de pedofilia. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Gaspar, encerra os trabalhos, iniciados por Manuela Ramalho Eanes, presidente do IAC. O objectivo do observatório será sensibilizar e formar profissionais, como juízes, para prevenir a violência contra as crianças quando há indícios e situações susceptíveis de uma retirada da família. “As pessoas ficam muito chocadas quando uma criança é morta, mas o caso é esquecido rapidamente. Não há mobilização”, diz a socióloga e professora do ISCSP Carla Cruz. "Existe o risco de banalização ou de percepção de que esta violência extrema entrou numa normalização" pelo número de ocorrências, acrescenta. “A palavra certa é responsabilizar. Falta responsabilizar a sociedade”, levá-la a denunciar mais as situações, aponta Manuel Morais, agente da Unidade Especial da Polícia de Segurança Pública (PSP), licenciado em Antropologia, e vice-presidente do observatório. Ambos são membros fundadores do observatório. É preciso divulgar estes crimes para sensibilizar, dizem. Mas atenção: “A divulgação poderá suscitar alguma imitação”, diz Manuel Morais, embora não esteja provado que seja mesmo assim, como já está, através de estudos nacionais e internacionais, no caso de outros comportamentos como os suicídios. Os casos das duas crianças mortas, em Oeiras e em Loures, em que o pai e o padrasto são os suspeitos, são os mais presentes. Mas Carla Cruz lembra também o caso de uma mãe, a quem tinham sido retirados os filhos, de 12 e 13 anos, e que os matou, suicidando-se em seguida. Neste caso ocorrido em Janeiro de 2013, no Jamor, as crianças tinham sido entregues ao pai, por decisão judicial mas a entrega não foi imediata.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
O Evangelho segundo Marilynne Robinson
Um fulgurante (e faulkneriano) romance sobre a redenção — e sobre o que é preciso penar para lá chegar (...)

O Evangelho segundo Marilynne Robinson
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um fulgurante (e faulkneriano) romance sobre a redenção — e sobre o que é preciso penar para lá chegar
TEXTO: Lila é o quarto romance da escritora americana Marilynne Robinson e o mais recente da trilogia que compreende ainda Gilead (2004) e Home (2008), onde a autora explora a relação de amizade que une profundamente dois pastores evangélicos — John Ames e Jack Boughton — e as suas respectivas famílias, cujos destinos estão intimamente ligados, no ambiente fechado das difíceis relações parentais e filiais, nos desgostos e nas alegrias que acarretam. A acção, centrada numa pequena cidade imaginária no Noroeste dos Estados Unidos — não muito diferente da terra natal de Robinson —, e as personagens transitam de livro para livro sem ordem cronológica fixa. Na realidade, Lila é uma prequela de Gilead e reencontramos aqui John Ames, que, com toda a sua bonomia e todo o seu amor pela vida, conhece bem a dor da perda: a primeira mulher e a filha morreram há muito e a sua vida solitária, dedicada aos membros da congregação, segue o curso monótono dos dias. Até que, já com 67 anos, é irresistivelmente atraído por Lila, uma jovem que vive sozinha numa cabana em ruínas e, que, tal como ele, é uma “especialista” em solidão e despojamento. Lila tinha apenas cinco anos quando Doll, uma mulher com uma mancha no rosto, uma vagabunda corajosa e livre — e, também, uma assassina —, a encontrou num alpendre à chuva e pegou nela, levando-a para longe da família que a negligenciava. Doll protege sempre Lila, ferozmente, e ambas calcorreiam a América, faça chuva ou faça sol, à deriva e ao sabor dos ventos, juntando-se esporadicamente ao bando de Doane e Arthur, uma espécie de trupe de saltimbancos que só se detém quando é necessário. O cenário, tão dramaticamente capturado nas fotografias de Walker Evans e de Dorothea Lange, é o da Grande Depressão na América, com os fantasmas da fome, do frio e da doença sempre a perseguirem o grupo. Doll e Lila, duas almas gémeas, duas sombras na paisagem, ligadas pelo desejo da fuga, da liberdade e da solidão, são como ecos das personagens do primeiro e fulgurante romance de Robinson, Laços de Família. Depois do medo, vencidas as resistências, Lila, que se sabe rude e ignorante mas que quer conhecer o significado das palavras — copia sozinha, e laboriosamente, trechos da Bíblia —, casa com Ames, não sem este a ter antes baptizado. Esse baptismo à beira-rio, com a água a escorrer sobre Lila e um peixe-gato a debater-se, agonizando na erva, ao sol, é uma das cenas mais comoventes do romance, aquela em que o conflito brutal que se desenrola permanentemente na cabeça de Lila parece, temporariamente, apaziguado. A sua permanente desconfiança em relação a uma possível felicidade — isto é, amor, conforto, protecção, companheirismo — é momentaneamente esquecida ao sentir a mão de Ames pousada na sua cabeça, nessa bênção que “queima” e também a faz chorar. A intimidade, pela qual tanto anseia e que rejeita com o mesmo grau de ferocidade, provoca nela um misto de profunda exultação e cruel sofrimento, uma vez que, ao abdicar da solidão, sabe que está a aceitar algo que desconhece. A inquietação de Lila não acaba com o casamento — tem sempre dinheiro guardado para apanhar a camioneta e fugir —, mas a maternidade transforma-a e será a esse filho que Ames escreve, no fim da vida, a longa carta que surge em Gilead. Há qualquer coisa de ferino e de primordial na personagem de Lila, reminiscente do ideal de Rousseau, cujo mito do “bom selvagem” vai ao encontro da concepção de que o contacto estreito com a natureza funciona como antídoto para uma sociedade em desagregamento. A diferença reside no facto de a “inocência” de Lila ser permanentemente desafiada, tanto pelo seu próprio intelecto como pelo confronto manso, mas determinado, com os outros. A sua luta silenciosa e interior tem a dimensão épica própria das heroínas que vencem as dificuldades de uma infância de abandono e privação, de uma juventude desenraizada e perigosa e de uma idade adulta na qual permanece o rasto de profundos danos emocionais. Robinson é claramente influenciada por William Faulkner que recorreu profusamente à Bíblia na sua obra, acentuando tanto o seu lado luminoso, redentor e inspirador como os seus aspectos mais sombrios, de castigo e perdição. (Repare-se que Gilead funciona como a Yoknapatawpha de Faulkner, um lugar para onde converge toda a acção. ) Lilaé uma obra sobre a redenção e sobre os desertos ou os caminhos de espinhos que é necessário atravessar para alcançar a suprema felicidade, se, por um acaso, ela existir, algures. A autora é incomparável na descrição das maravilhas do mundo imanente — em cada detalhe da matéria, da luz, das texturas, dos movimentos —, enaltecendo a sua insuperável beleza perversamente tingida por um perene sentimento de luto e de perda. Este é pois um romance com uma prosa inspirada e luminosa de cariz profundamente cristão — referências bíblicas (aqui, ao Livro de Ezequiel), luta entre o Bem e o Mal, entre a luz e as trevas, entre a inocência e a corrupção, entre o amor e o ódio, entre a solidão e a pertença — que nos remete claramente para o universo violento e severo da católica Flannery O’Connor, embora Robinson não faça uso da tremenda e incomparável comicidade negra e fulgurante, que caracteriza a obra da escritora sulista.
REFERÊNCIAS:
O Papa pediu clemência, mas Kelly foi executada nos EUA
A mulher fora condenada por planear o assassínio do marido. O autor material do crime negociou um acordo e foi condenado a prisão perpétua. (...)

O Papa pediu clemência, mas Kelly foi executada nos EUA
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: A mulher fora condenada por planear o assassínio do marido. O autor material do crime negociou um acordo e foi condenado a prisão perpétua.
TEXTO: O Papa Francisco pediu clemência, mas o estado da Georgia executou na terça-feira Kelly Gissendaner. Foi a primeira mulher a ser morta nesta região do Sul dos Estados Unidos em 70 anos. Os três recursos de última hora apresentados pela defesa ao Supremo Tribunal da Georgia e ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos para travar a execução foram rejeitados – como foi ignorado o pedido de clemência feito pelo Papa Francisco à comissão de liberdade condicional e perdão, em nome da Igreja e dos dois filhos de Kelly Gissendaner. Kelly Gissendaner, de 47 anos, morreu com uma injecção letal na prisão de Jackson, sudeste de Atlanta. Tinha sido condenada por planear o assassínio do marido, em 1997. O crime foi cometido pelo homem com quem tinha uma relação extraconjugal, Gregory Owen, que foi condenado a prisão perpétua depois de conseguir um acordo de mudança de pena por ter colaborado com a polícia. O apelo do Papa foi feito numa carta escrita na terça-feira pelo seu representante diplomático nos EUA, o arcebispo Carlo Maria Vigano. Este escreveu que não pretendia minimizar a gravidade do crime, mas implorava pela "alteração da sentença para uma que pudesse expressar justiça e misericórdia". Os advogados de Kelly Gissendaner disseram que, na prisão, a mulher mudou a sua forma de viver e dedicou-se a ajudar as outras condenadas. Antes de lhe ser dada a injecção letal disse estar arrependida e pediu desculpa à família. Desde 1976 – o ano em que a pena de morte foi reintroduzida nos EUA –, o estado da Georgia executou 60 pessoas. Neste momento há 80 no corredor da morte. No histórico discurso que fez perante as duas câmaras do Congresso norte-americano, durante a visita aos EUA na semana passada, o Papa lembrou a “regra de ouro” de “fazer aos outros aquilo que gostaríamos que nos fizessem a nós” e partiu daí para, em poucas palavras, reafirmar a sua oposição à pena de morte. Aquela regra, disse perante uma audiência em que a maioria defende o contrário, “recorda-nos a nossa responsabilidade de proteger e de defender a vida humana em cada etapa do seu desenvolvimento”. “Esta convicção conduziu-me, desde o início do meu ministério, a defender, a diferentes níveis, a causa da abolição total da pena de morte”, sublinhou Francisco.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Big Little Lies: um elenco de luxo para falar do mundo feminino
Protagonizada por Reese Witherspoon, Nicole Kidman e Shailene Woodley, a nova série da HBO conta com sete episódios e tem estreia mundial marcada para este domingo, às 2h, no TVSéries. (...)

Big Little Lies: um elenco de luxo para falar do mundo feminino
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.06
DATA: 2017-02-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Protagonizada por Reese Witherspoon, Nicole Kidman e Shailene Woodley, a nova série da HBO conta com sete episódios e tem estreia mundial marcada para este domingo, às 2h, no TVSéries.
TEXTO: Na soalheira Monterey, Califórnia, nada é tão perfeito como parece. Madeline (Reese Witherspoon) é uma dona de casa que se dedica à educação das duas filhas a tempo inteiro e que vive obcecada com o casamento do ex-marido. A ex-advogada Celeste (Nicole Kidman) é mãe de gémeos e tem um casamento aparentemente invejável com um homem mais novo. Jane (Shailene Woodley) é uma jovem mãe solteira recém-chegada à cidade que é integrada no grupo quando o filho de cinco anos é acusado de esganar a filha de Renata (Laura Dern), a arqui-inimiga de Madeline, no recreio da escola. A bolha superficial em que estas mulheres vivem rebenta quando uma morte misteriosa levanta suspeitas entre todos os pais. Big Little Lies tem por base o livro do mesmo nome de Liane Moriarty (Pequenas Grandes Mentiras, em Portugal editado pela ASA) e estreia-se de domingo para segunda, às 2h, no TVSéries. “Na verdade, [o crime] é um trampolim para explorar as personalidades destas mulheres e as relações que têm umas com as outras e com a comunidade”, diz o criador David E. Kelley (Ally McBeal, Boston Legal), ao telefone com o PÚBLICO a partir de Nova Iorque. Realizada por Jean-Marc Vallée (O Clube de Dallas), Big Little Lies é um series event de sete episódios de uma hora cada que se inicia com um crime sem ser, na sua essência, uma história policial. Ao contrário do que é habitual no género, não sabemos exactamente qual o crime que foi cometido, quem o cometeu e quem foi a vítima. “A questão fundamental é que aconteceu um assassinato e isso é usado para convidar os espectadores a entrar neste mundo”, esclarece David E. Kelley, reiterando que “à medida que se procura resolver o mistério, a verdadeira jornada trata de perceber quem são estas personagens”. A série parte do micro-sistema onde se deu a briga entre as crianças – que ninguém viu e que nunca é mostrada ao espectador, ficando a dúvida a pairar no ar – para se alargar a temáticas como o bullying, a violência doméstica, a competitividade feminina e o estatuto social, tratadas com “um toque de sátira social”. A série tem dado que falar pelo elenco de luxo que reúne reconhecidos nomes do cinema. Reese Witherspoon e Nicole Kidman são também produtoras executivas e trabalharam na adaptação do livro de Liane Moriarty ao pequeno ecrã. Além de Shailene Woodley e Laura Dern, Alexander Skarsgård veste pele de Perry, o jovem marido de Celeste, Zoë Kravitz é Bonnie, a instrutora de ioga casada com o primeiro marido de Madeline e Adam Scott é o segundo marido de Madeline, Ed. “Podíamos escrever qualquer coisa, porque tínhamos os atletas para o conseguir cumprir”, explica David E. Kelley, que entrou no projecto depois de Reese Witherspoon e Nicole Kidman e realça o “privilégio de poder imaginá-las nestes papéis e adaptar [a história] ao seu ritmo”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Apesar da imagem de aparente perfeição, o grupo de mulheres retratado em Big Little Lies enfrenta diversos problemas nos quais os espectadores se poderão rever. “Não é que [o público] vá comparar as suas vidas às das protagonistas, mas deverão relacionar-se em alguma medida com os problemas delas”, afirma David E. Kelley. O criador refere que as “personagens bem construídas do livro” e o trabalho de actores que “estão no topo da sua profissão e seu ofício” possibilitaram a construção de uma trama que “inicialmente, parece superficial e tonta, mas que se torna mais relevante e séria à medida que se desenvolve”. A todos os que leram o livro, David E. Kelley assegura que “a série se mantém bastante fiel ao original”, mas promete que as reviravoltas e as surpresas serão abundantes, mesmo para quem está familiarizado com a comunidade de Monterey. Tida como uma combinação de Donas de Casa Desesperadas e Pequenas Mentirosas, Big Little Lies vai alternando entre o presente e o passado sem nunca adiantar muito sobre o crime anunciado no primeiro episódio. De acordo com a Variety, são dadas “pistas que são às vezes flashbacks, outras vezes são flash-forwards, e noutras são delírios”, dependendo do contexto. Além disso, a narrativa recorre aos testemunhos dos outros pais e funcionários da escola de Monterey, uma comunidade particularmente adepta de intrigas - sobretudo as que dizem respeito às influentes protagonistas do escândalo. Segundo a Vulture, “[os depoimentos] assemelham-se à discussão da final de um reality show no Twitter”. Big Little Lies é uma série limitada na narrativa e, por isso, não deverá estender-se para lá da primeira temporada, mas o elenco de luxo e o grande orçamento que, segundo o The Hollywood Reporter, provocou uma disputa entre os vários canais tornam-na uma das maiores apostas televisivas da HBO para este ano. A série será transmitida no TVSéries às segundas-feiras, às 22h45 e chega ao espectador com uma única certeza – em Monterey, todos podem ser culpados.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime morte filha escola violência filho educação homem comunidade social género mulheres doméstica assassinato casamento feminina
"Inconstitucional" cortar RSI a mãe por filhos receberem pensão de alimentos
Observatório dos Direitos Humanos sustenta que os 260 euros da pensão de alimentos dos filhos não podem ser encarados como rendimento da mãe (...)

"Inconstitucional" cortar RSI a mãe por filhos receberem pensão de alimentos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20151001175448/http://www.publico.pt/1629310
SUMÁRIO: Observatório dos Direitos Humanos sustenta que os 260 euros da pensão de alimentos dos filhos não podem ser encarados como rendimento da mãe
TEXTO: Observatório dos Direitos Humanos (ODH) considera inconstitucional cortar o rendimento social de inserção (RSI) a alguém que tenha começado a receber pensão de alimentos a favor dos dois filhos menores. Entende que tal norma prejudica o seu “direito fundamental à segurança social”. Na origem do parecer está uma queixa apresentada por Joana Salgado. Vítima de violência doméstica, a mulher requereu RSI ao sair de casa com as duas crianças. A prestação social, destinado a pessoas que vivem em pobreza extrema, foi-lhe atribuída. Dois meses depois, quando o tribunal decretou uma pensão de alimentos de 130 euros por cada criança, cortaram-lha. A atribuição do RSI depende do rendimento e do tamanho do agregado familiar. Uma mulher com dois filhos recebe, no máximo, 178, 15 euros em seu nome e 53, 44 por cada criança, o que dá 285, 03 euros. Ultrapassaria esse valor quando passou a receber 260 euros de pensão de alimentos. De acordo com a lei, são considerados no apuramento do rendimento mensal do agregado: os rendimentos de trabalho dependente ou independente, os rendimentos prediais e de capitais, as pensões, as prestações sociais, os subsídios de actividades ocupacionais e os apoios regulares à habitação. De acordo com o parecer, assinado pela jurista Sara de Almada Domingos, “a norma em que se sustenta a decisão, ao imputar rendimentos teleologicamente vinculados à satisfação de necessidades de determinados indivíduos a outros, absolutizando o conceito de agregado, desvirtuando a posição individual dos seus elementos – neste caso, negando a existência de necessidades próprias da queixosa mais parecendo encerrar um incentivo implícito à violação de dever fundamental de manutenção dos filhos – carece de qualquer fundamento constitucional”. A senhora tem direito a segurança social. “O direito à segurança social que inclui uma pretensão de exigência da dignidade dos menores deve ser considerado da mesma forma que o direito à segurança social da queixosa”, advoga o documento, a que o PÚBLICO teve acesso. “Os menores são excluídos da atribuição do RSI porque recebem alimentos. A mãe é excluída da atribuição do RSI porque os filhos recebem alimentos. A única circunstância que os diferencia é o facto de uns receberem rendimentos e outro não. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos lei humanos violência tribunal mulher social violação criança doméstica pobreza alimentos
Irmão de Dirceu preso no Brasil foi recebido por Salgado em 2011
Quando decorriam as negociações para a venda da Vivo e entrada da PT na Oi, e arrancava o negócio da TAP, a empresa de consultoria apanhada agora no escândalo Pixuleco fazia contactos em Portugal. (...)

Irmão de Dirceu preso no Brasil foi recebido por Salgado em 2011
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quando decorriam as negociações para a venda da Vivo e entrada da PT na Oi, e arrancava o negócio da TAP, a empresa de consultoria apanhada agora no escândalo Pixuleco fazia contactos em Portugal.
TEXTO: Em Novembro de 2011, o consultor Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, irmão de José Dirceu Oliveira Silva, sócios da JD Assessoria e Consultoria, esteve em Lisboa a fazer contactos, um deles foi com Ricardo Salgado. A empresa foi agora apanhada na operação Pixuleco, uma derivação do Lava Jato, por suspeita de ser usada como “biombo” para circulação e repasse de fundos ilícitos em grandes transacções. Há quatro anos, quando Luiz Eduardo Oliveira Silva esteve em Lisboa, entre 3 e 15 de Novembro de 2011, as relações de negócio luso-brasileiras estavam ao rubro. No mercado estavam em curso duas operações mediáticas: a venda, pela PT, de 50% da Vivo à Telefónica e o cruzamento de participações entre a PT e a Oi; e o governo de Passos Coelho já tinha aberto o dossier da venda da TAP que na altura envolveu German Efromovitch. Um dos contactos estabelecidos por Luiz Eduardo de Oliveira e Silva ocorreu na sede do BES, em Lisboa, e teve como interlocutor o ex-presidente do BES Ricardo Salgado. Não se sabe sobre que tema falaram, apenas que o encontro foi articulado pelo escritório de advocacia português Lima, Serra, Fernandes & Associados (LSF), ligado a João Abrantes Serra, parceiro das sociedades dos irmãos Oliveira Silva. Todas “prestadoras de serviços” dos dois lados do Atlântico e com boas ligações ao mundo da política e aos grandes negócios, em particular, os que envolvem decisões estatais. “O inquérito encontra-se em segredo de justiça. ” Esta foi a resposta da Procuradoria-Geral da República quando questionada pelo PÚBLICO sobre se tinha conhecimento do encontro ocorrido em 2011 entre o ex-presidente do BES Ricardo Salgado e o consultor Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, sócio da JD Assessoria e Consultoria, bem como das matérias abordadas na reunião. O Ministério Público acrescentou não ter “neste momento, nada a adiantar” ao que já tem sido referido. Por seu turno, Ricardo Salgado não respondeu às perguntas enviadas. Ao contrário do ex-poderoso chefe da Casa Civil de Lula da Silva, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva foi sempre um personagem com pouca notoriedade. Só passou para a ribalta quando, no início deste mês, a JD Assessoria e Consultoria figurou entre os suspeitos da operação Pixuleco (menção ao termo usado pelo ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores Vaccari Neto para se referir ao pagamento de comissões ilícitas). Um dossier que deriva do Lava Jato, o mega esquema de corrupção envolvendo a petrolífera Petrobras e subornos de empreiteiras. Seguindo o dinheiro, os investigadores brasileiros descobriram que a JD Assessoria e Consultoria era uma empresa de fachada, um intermediário de pagamentos ilícitos a terceiros, com cobrança de comissões. Uma conclusão que a defesa dos irmãos Oliveira Silva já veio rebater e garantir que “os serviços de consultoria foram prestados correctamente sem pagamentos ilegais”. Quando em 2012 foi acusado de ser “o cabecilha da quadrilha” do Mensalão (pagamento de subornos a políticos), e condenado a 10 anos e 10 meses de prisão domiciliária (que cumpria quando voltou a ser preso), os advogados de Dirceu alegaram que “o julgamento era político”. Mas a justiça brasileira não se convenceu e, a 3 de Agosto, deteve os dois irmãos num outro processo, o Lava Jato. E com outra conclusão: em 2011, quando começou o julgamento do Mensalão, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva substituiu Dirceu como lobbysta e finalizador dos contratos negociados pelo ex-ministro. As relações “comerciais” transfronteiriças estão a impor uma maior cooperação entre investigadores portugueses e brasileiros. O PÚBLICO sabe que um procurador brasileiro do Estado do Pará, e articulado com os inquéritos do outro lado do Atlântico, e bom conhecimento das leis nacionais, esteve em Portugal durante várias semanas, onde desenvolveu contactos. Inquirido sobre a colaboração com o referido procurador, o Ministério Público lembrou que o “inquérito está sujeito ao segredo de justiça”. Sublinhe-se que ainda recentemente a PGR veio confirmar ter recebido um pedido de ajuda das autoridades brasileiras, mas não deu detalhes. Negócio PT-Oi gera movimentaçõesAs primeiras semanas de Julho de 2010 foram palco de movimentações que envolveram políticos, gestores da PT, da Telefónica e da Oi e outros assessores. José Sócrates e Lula da Silva estavam em contacto permanente na busca de uma solução que permitisse desbloquear a oposição do governo português à venda de 50% da Vivo à Telefónica. O líder brasileiro propôs a alternativa Oi, cujo accionista de referência, a construtora Andrade Gutierrez, pertencia a Sérgio Andrade, com ligação de negócio ao filho do ex-presidente Fábio Lula da Silva, o “lulinha”, investigado por suspeita de enriquecimento ilícito. A Andrade Gutierrez é uma das empreiteiras apanhadas na rede de distribuição de subornos (Lava Jato) e o seu presidente Otávio Marques Azevedo (ex-administrador da Portugal Telecom) está preso há cerca de dois meses. A 8 de Junho de 2010, José Dirceu apareceu em Lisboa a prestar ao Diário de Notícias declarações premonitórias: “Sempre defendi a fusão da Oi com a Brasil Telecom ou com uma empresa como a PT. ” Vinte dias depois, a 29 de Julho de 2010, a PT e a Oi anunciam a troca de posições accionistas e, finalmente, o governo português autoriza a PT a vender 50% da Vivo à espanhola Telefónica. A solução Oi aliviou a tesouraria dos accionistas envolvidos - Ricardo Salgado (PT) conhecia o buraco de 1300 milhões nas contas da ESI (holding mãe do GES), as dívidas da Ongoing (PT) à banca totalizavam 800 milhões, a Andrade Gutierrez (Oi) tinha dívidas milionárias, parte ao banco estatal brasileiro. O negócio possibilitou que, no final de 2010, a Ongoing apresentasse lucros de 235, 5 milhões, mais 424% do que em 2009, mas as suas dívidas à banca já estavam em 800 milhões. Já o BES revelou resultados positivos de 510 milhões de euros e encaixou com a operação PT-Vivo 200 milhões de euros. Data dessa altura a “sugestão” de Salgado para que a Caixa Económica Montepio Geral concedesse um empréstimo de cerca de 45 milhões à RS Holding, empresa do grupo Ongoing, com sede no Luxemburgo, um crédito que gerou polémica dentro do banco por falta de justificação. No entanto, no final de 2011, quando Luiz Eduardo de Oliveira e Silva esteve em Lisboa a “conversar” com o principal accionista do BES, o negócio PT-Oi continuava por fechar. Um processo opaco e complexo que sofreu atrasos e levou, a 4 de Novembro, o ex-presidente da PT Zeinal Bava (que seria indicado para liderar a Oi) a anunciar o adiamento para 2012 da reestruturação da operadora brasileira, destinada a simplificar a estrutura societária e a abrir a via da discussão da distribuição de dividendos. Na altura, o cruzamento de posições entre a PT e a Oi aguardava a deliberação da CADE, a autoridade da concorrência do Brasil, que só se pronunciaria em Dezembro de 2012. O Ministério Público já confirmou que está a investigar o envolvimento político e os contornos dos negócios à volta da PT (PÚBLICO de 21 de Julho passado), contaminada em 2014 pelo colapso do GES/BES. É previsível que as autoridades lusófonas procurem garantir que dos vários contactos que se estabeleceram entre políticos, gestores, accionistas e assessores externos não resultaram benefícios financeiros concedidos ilicitamente. Hoje os investigadores estarão na posse de muita informação. Há referência a uma viagem, naquele período, a Singapura, de políticos e gestores das operadoras de telecomunicações. Mas também suspeitas de movimentações financeiras de 200 milhões, bolo que foi distribuído por vários “jogadores”. Não é a primeira vez que o círculo empresarial de Dirceu aparece associado a empresas portuguesas. Na primavera de 2010, a Folha de São Paulo escrevia: "Os petistas estimularam a Ongoing a implantar no Brasil uma rede de comunicação alinhada com o governo de Lula da Silva para diminuir o poder dos grandes grupos privados de media". Em 2010, a empresa do espanhol Rafael Mora e do português Nuno Vasconcelos empregou Evanise Santos, namorada de Dirceu, mas também usou os serviços do ex-chefe da Casa Civil do ex-presidente Lula. Em Julho de 2010, a Telefónica contratou os bons ofícios de Dirceu, que abriu aos espanhóis as portas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituição pública federal que financia grandes projectos. Já a Portugal Telecom pediu ao escritório Lima, Serra e Fernandes, apoio para resolver o dossier Vivo, pagando avenças. Outros nomes surgem ligados aos irmãos Oliveira Silva. Um deles é Júlio Cesar, da JC&S Brasil Consultores, com sede em Brasília, e igualmente visado no processo Pixuleco. André Serra, filho de João Abrantes Serra, da LSA & Associados, está ligado a Júlio César. Foi João Abrantes Serra que apresentou Miguel Relvas a José Dirceu, o que o ex-ministro português confirmou ao PÚBLICO em 2012, admitindo ser amigo de Dirceu desde 2004. Mas há outro personagem a ter em conta nas relações transatlânticas e que agora se começa a ouvir falar: Guilherme Sodré Martins. Ainda que opere na esfera da acção de Dirceu, substituindo-o, actua como independente. É a ele que, por vezes, o grupo Amorim recorre no Brasil, para além de colaborar com a Ongoing. Guilherme Sodré Martins é próximo do ex-governador da Bahia, e actual ministro da Defesa do Brasil, Jacques Wagner (Wagner casou com a primeira mulher de Martins). Amigo de Marcelo Odebrechet, presidente da Odebrechet, o ministro da Defesa já foi visto em Portugal no hotel Ritz. Muitos dos personagens desta história chegaram a 2015 tendo um dado em comum: estão detidos, no quadro das investigações que correm nas duas geografias lusófonas. Mas envolvidos em processos diferentes e sujeitos a acusações distintas. A 27 de Julho, no contexto do dossier GES/BES, o Ministério Público decretou a prisão domiciliária do banqueiro português indiciado por burla qualificada, falsificação de documentos, falsificação informática, branqueamento, fraude fiscal qualificada e corrupção no sector privado. Oito dias depois, a 3 de Agosto, num processo diferente (Pixuleco), as autoridades brasileiras avançaram com a detenção de Luiz Eduardo de Oliveira Silva, em Ribeirão Preto, e de José Dirceu, em Brasília, onde vive em prisão domiciliária. Os dois irmãos são suspeitos de terem recebido e transferido subornos para terceiros e de terem montado um esquema que facilitava contratos na petrolífera do Estado. Ao longo dos últimos nove anos, as sociedades de consultoria ligadas aos dois brasileiros terão facturado para os seus cofres 29 milhões de reais “em serviços prestados”. Cerca de mês e meio antes, em Junho, em simultâneo com a detenção de Marcelo Odebrecht foram também detidos no quadro da operação Lava Jato, accionistas e gestores das construtoras Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa (dona da Cimpor onde trabalhou Armando Vara). As três empreiteiras trabalham em Portugal e são suspeitas de crime de formação de cartel, fraude em licitações, corrupção de agentes públicos, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
REFERÊNCIAS:
Dilma Rousseff não descarta candidatura a deputada ou senadora
É a primeira vez que a ex-Presidente brasileira fala do seu futuro político desde a sua destituição, em Agosto de 2016. (...)

Dilma Rousseff não descarta candidatura a deputada ou senadora
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: É a primeira vez que a ex-Presidente brasileira fala do seu futuro político desde a sua destituição, em Agosto de 2016.
TEXTO: A ex-Presidente brasileira Dilma Rousseff, destituída em 2016, admitiu vir a candidatar-se a um lugar de senadora ou deputada, em declarações numa entrevista divulgada neste sábado. "Eu não serei candidata a Presidente da República, se é essa a sua pergunta. Agora, actividade política nunca vou deixar de fazer. (. . . ) Não afasto a possibilidade de me candidatar a senadora, deputada", declarou numa entrevista à AFP realizada na sexta-feira, em Brasília. É a primeira vez que Dilma Rousseff, 69 anos, fala do seu futuro político desde a destituição devido à “maquilhagem” das contas públicas, em Agosto de 2016, quando foi substituída pelo actual Presidente Michel Temer. Na votação da destituição no Senado brasileiro, Dilma não perdeu os direitos políticos, ao contrário do que aconteceu em 1992 com Fernando Collor de Mello, impedido de ocupar cargos públicos durante oito anos. A AFP recorda que Dilma Rousseff disputou eleições para apenas dois cargos até hoje: a presidência, que venceu em 2010, e a reeleição de 2014, ambas pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A primeira mulher Presidente do Brasil confirmou que apoiará uma candidatura à presidência de Lula da Silva, se esta vier a acontecer. Sondagens recentes colocam Lula à frente na disputa de 2018, mesmo depois de serem conhecidas as acusações contra si em casos relacionados com o escândalo na Petrobras. Para a ex-Presidente, as tentativas de criminalizar Lula são “um segundo golpe” para impedir que este concorra às próximas presidenciais. No que toca à Operação Lava Jato, Dilma responde com poucas palavras às questões sobre o seu suposto desconhecimento da rede de subornos que retirou mais de dois mil milhões de dólares da Petrobras. "Os processos são extremamente complicados. Ninguém no Brasil sabe de todos os processos de corrupção", afirmou.
REFERÊNCIAS:
Eventual “intrusão do Governo teria um custo político”
Em entrevista, Teodora Cardoso diz que não há intromissão do Governo no CFP, até porque tal seria ilegal. Mas adverte: “Haver uma intrusão do Governo que pusesse em causa a nossa independência teria um custo político” (...)

Eventual “intrusão do Governo teria um custo político”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-03-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em entrevista, Teodora Cardoso diz que não há intromissão do Governo no CFP, até porque tal seria ilegal. Mas adverte: “Haver uma intrusão do Governo que pusesse em causa a nossa independência teria um custo político”
TEXTO: O Governo continua sem tomar uma decisão sobre os dois nomes que tem em cima da mesa para entrar no Conselho de Finanças Públicas (CFP). Uma situação que está a demorar e a causar incómodo na instituição liderada por Teodora Cardoso. Em causa está o facto de, tal como o Expresso já noticiou, dois membros do conselho superior deste organismo estarem de saída tendo terminado os seus mandatos em 16 de Fevereiro: o vice-presidente do CFP, Jürgen von Hagen, e o vogal-executivo, Rui Baleiras. Para a substituição destes dois responsáveis, e tal como é determinado nos estatutos do CFP, o Tribunal de Contas e o Banco de Portugal propuseram ao Governo dois nomes: Tresa Ter-Minassian, responsável do Dundo Monetário Internacional (FMI) que negociou um resgate a Portugal, e Luís Vitório, antigo chefe de gabinete de Paulo Macedo. Ora, segundo o Expresso, o Governo não aceita o segundo nome. Os estatutos do CFP determinam que “os membros do conselho superior são nomeados pelo Conselho de Ministros, sob proposta conjunta do presidente do Tribunal de Contas e do governador do Banco de Portugal” e que a nomeação deve ocorrer “até 60 dias antes do final dos mandatos dos membros do conselho superior”. Em entrevista, Teodora Cardoso diz que não há intromissão do Governo no CFP, até porque tal seria ilegal. A líder do CFP diz esperar que haja “possibilidade de diálogo”, pois o prolongar da actual situação não interessa a ninguém. “Até a nível internacional. Somos uma identidade que é ouvida pelas instituições internacionais, pelos mercados (…) e haver uma intrusão do Governo que pusesse em causa a nossa independência teria um custo político”, adverte. Foi a primeira mulher economista a fazer parte dos quadros do Banco de Portugal. Ontem, o PÚBLICO noticiava a intenção do Governo em ver mais mulheres no topo da hierarquia. Faz sentido?Faz e não faz. Efectivamente, o banco tinha uma história longa, devo dizer, antiga, de discriminação contra as mulheres que custou muito a evoluir. Entrei no banco em 1973 e, aí, realmente nem sequer havia mulheres a nível técnico, ou de qualquer tipo de chefia, mesmo de chefias dos serviços administrativos, e isto tem sido difícil de vencer. Agora, que a solução para vencer esse tipo de resistência consista em definir quotas ou em fazer exigências de natureza política, isso vira-se contra as mulheres, no sentido de dizer: estão nesta posição porque politicamente se criou esta pressão. É melhor chegar lá pela via de mostrar que efectivamente somos capazes de chegar e, portanto, tem de haver regras nas admissões, nos concursos, nesse tipo de coisas, em que as mulheres tenham de facto igualdade de oportunidades. Isso é que me parece essencial. Já no Conselho de Finanças Públicas, a que preside, o Banco de Portugal tinha indicado Teresa Ter-Minassian, a italiana que em nome do FMI negociou o segundo acordo com Portugal, para integrar o Conselho de Finanças e aí foi o Governo que impediu. Bom. . . Há aqui um paradoxo ou não?Do Governo, até agora, não se pode exactamente dizer assim se impediu ou não impediu, porque. . . Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Fez veto gaveta?Até agora não fez as nomeações, mas também não fez aquilo que era suposto fazer no caso de ter objecções aos nomes que foram propostos, que seria pedir aos proponentes que justificassem a sua proposta para se chegar, digamos, a um possível acordo. Essa fase ainda não aconteceu. Penso que agora terá de ser isso que tem de suceder. Pela parte que me toca, devo dizer que tenho grande esperança em que Teresa Ter-Minassian seja nomeada, até porque acredito que ser mulher ou homem para o caso, neste caso, não interessa muito. É alguém que tem um perfil que é único, pelo conhecimento que tem da realidade portuguesa e, por outro lado, por toda a carreira internacional. Todas essas coisas pesam e não há nenhum perfil que seja sequer comparável ao dela. Não acredito que seja possível recusá-la. Estes dois casos são pontuais ou são demonstrativos de uma maior intromissão do Governo naquilo que é a gestão das entidades reguladoras ou de supervisão ou de fiscalização, se quisermos assim chamar?Temos estatutos que definem com muita clareza a nomeação dos membros do conselho e várias outras regras com respeito, por exemplo, a aprovação do orçamento, etc. Essas regras foram postas nos estatutos exactamente para salvaguardar a independência da instituição e, portanto, ao contrário do que sucede com as entidades reguladoras em geral, no caso do Conselho de Finanças Públicas, essa intromissão é ilegal. Tem esse aspecto que torna a coisa mais difícil de gerir da parte do Governo, por isso, espero que haja aqui possibilidade de diálogo. Não interessa a ninguém que a situação se prolongue. Até a nível internacional. Somos uma entidade que é ouvida pelas instituições internacionais, pelos mercados (…) e haver uma intrusão do Governo que pusesse em causa a nossa independência teria um custo político. Mas parece-lhe que é isso que está acontecer, neste momento, já?Penso que não. Agora, há a necessidade de voltar a pôr o processo na mesa, perguntando ao Governo porque é que não nomeia, e aqui deve gerar-se um diálogo que eu espero que funcione.
REFERÊNCIAS:
Entidades FMI