Escolas: Isabel Alçada admite desbloquear luta contra homofobia
O Ministério da Educação (ME) reafirmou ontem "a sua disponibilidade para dialogar e apreciar as propostas" de uma campanha contra a homofobia nas escolas, de acordo com uma declaração prestada ao PÚBLICO pelo gabinete da ministra, Isabel Alçada. A ministra insiste assim em que não são oficiais as posições assumidas por técnicos da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, que terão recusado colaborar com o Projecto Inclusão da Rede Ex-Aequo, associação de jovens em defesa dos direitos dos homossexuais. (...)

Escolas: Isabel Alçada admite desbloquear luta contra homofobia
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-02-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Ministério da Educação (ME) reafirmou ontem "a sua disponibilidade para dialogar e apreciar as propostas" de uma campanha contra a homofobia nas escolas, de acordo com uma declaração prestada ao PÚBLICO pelo gabinete da ministra, Isabel Alçada. A ministra insiste assim em que não são oficiais as posições assumidas por técnicos da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, que terão recusado colaborar com o Projecto Inclusão da Rede Ex-Aequo, associação de jovens em defesa dos direitos dos homossexuais.
TEXTO: Em causa está o facto de dois deputados, José Soeiro (Bloco de Esquerda) e Rita Rato (PCP), terem questionado a ministra da Educação sobre o facto de a Rede Ex-Aequo ter denunciado, na Assembleia da República, que técnicos do ME tinham recusado apoiar o Projecto Inclusão e distribuir os seus materiais nas escolas, sob o argumento de que o ministério tem de ser "neutro em assuntos que possam ser considerados ideológicos". O projecto, apoiado e financiado por outra entidade estatal - a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género -, consiste em cartazes e folhetos informativos sobre a homossexualidade, bem como num estudo sobre homofobia em meio escolar, a fazer por uma equipa do ISCTE dirigida pela professora Carla Moleiro. Pais lançam apelo"Até ao presente, a Rede Ex-Aequo não submeteu para apreciação e autorização do Ministério da Educação quaisquer documentos com o fim da sua divulgação em escolas", insiste a declaração prestada pelo gabinete da ministra. Mas acrescenta que Isabel Alçada está empenhada em que a situação seja ultrapassada. "O Ministério da Educação reafirma o seu empenho na promoção da educação para os direitos humanos, incentivando, nomeadamente, o respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais e a eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência, em função do sexo ou da orientação sexual", afirma a nota, apontando que essa é a posição que está de acordo com o "estabelecido na Lei n. º 60/2009, de 6 de Agosto, que define o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar". Quem também aguarda que a questão seja ultrapassada rapidamente é a Amplos - Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género. Numa carta aberta à ministra, a que o PÚBLICO teve acesso, a direcção da Amplos lembra que, "na sociedade actual, não é fácil ser homossexual ou transexual, nomeadamente em ambientes escolares", e assume que nas escolas "as agressões acontecem" e estas "não são só dirigidas aos homossexuais", já que "a homossexualidade é utilizada como um insulto, um insulto considerado por muitos jovens como "o pior de todos os insultos"". Ora, acrescenta a Amplos, "esta situação provoca um sofrimento muitas vezes silencioso, porque os que de facto o são temem revelá-lo aos colegas e/ou têm dificuldade em pedir apoio à família". Frisando que em países como Espanha estas associações de pais são apoiadas pelo Governo, e lembrando o artigo 13. º da Constituição sobre igualdade de tratamento e não discriminação e a revisão feita em 2009 da Lei de Educação Sexual, a Amplos alerta: "Não queremos apressar processos, senhora ministra, mas consideramos imprescindível e inevitável que se avance na direcção certa. " E apela: "Pedimos-lhe, pois, senhora ministra, que acolha institucionalmente projectos contra a homofobia em meio escolar. "Também a União de Mulheres Alternativa e Resposta apela a que a campanha do Projecto Inclusão avance e defende que "a homofobia e a transfobia, a par do machismo e do sexismo, são formas de discriminação e opressão que uma sociedade democrática não pode tolerar". E frisa que "são fundamentais as campanhas de esclarecimento e combate a estas formas de opressão que se entrelaçam na estrutura social desigual e hierárquica que não permite o florir das potencialidades e do bem-estar de todas as pessoas".
REFERÊNCIAS:
Aluno apresenta queixa contra ISEL por atitude homofóbicas na recepção ao caloiro
Um aluno do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) apresentou queixa na Inspecção-Geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior por causa de comportamentos homofóbicos durante a recepção ao caloiro, revelou a rede ex-aequo. (...)

Aluno apresenta queixa contra ISEL por atitude homofóbicas na recepção ao caloiro
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 16 | Sentimento -0.3
DATA: 2011-05-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um aluno do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) apresentou queixa na Inspecção-Geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior por causa de comportamentos homofóbicos durante a recepção ao caloiro, revelou a rede ex-aequo.
TEXTO: De acordo com Rita Paulos, da associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros (LGBT) e simpatizantes, o aluno pediu ajuda junto da rede ex-aequo para formalizar a queixa, mas acabou por fazê-lo sozinho. Em causa estarão situações ocorridas durante a recepção ao caloiro, no arranque do ano lectivo passado, e que o aluno descreveu no formulário para a elaboração do relatório bianual do Observatório da Educação da rede ex-aequo. “Na recepção ao caloiro/praxes é muito frequente haver cânticos homofóbicos”, refere o aluno de 22 anos - que não revela o nome -, apontando também o uso de insultos e “brincadeiras em que a homossexualidade é bastante humilhada”. O estudante afirma ainda estas situações “são muitas vezes promovidas por alunos ligados à associação de estudantes e à comissão de praxes”. Segundo o aluno, “estas situações ocorrem dentro do campus do ISEL” e dá outro exemplo ocorrido durante uma festa académica. “Na festa do magusto deste ano, a organização começou a passar música romântica e uma pessoa da organização foi ao microfone pedir aos pares para irem dançar. Duas raparigas abraçaram-se e pedem para ir dançar e a pessoa que estava ao microfone disse bem alto: ‘Isto é para pares heterossexuais. Nós cá não queremos cá nada disso’”, conta o estudante. Rita Paulos, da rede ex-aequo adiantou que a associação já pediu esclarecimentos à Inspecção-geral sobre o ponto de situação da queixa, mas ainda não obteve quaisquer esclarecimentos. A mesma fonte adiantou que já foi dado conhecimento da queixa à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). A Lusa tentou contactar o ISEL e a Inspecção-geral do Ensino Superior, mas não conseguiu obter quaisquer esclarecimentos. Hoje assinala-se o Dia Mundial de Luta contra a Homofobia e Transfobia.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave educação ajuda igualdade género lgbt homofobia
Bloco pede demissão do presidente do Instituto do Sangue
Partido quer saber se Governo “mantém confiança política” em Hélder Trindade, depois de este ter declarado na Assembleia da República que só admite dadores de sangue gay que sejam abstinentes. (...)

Bloco pede demissão do presidente do Instituto do Sangue
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Partido quer saber se Governo “mantém confiança política” em Hélder Trindade, depois de este ter declarado na Assembleia da República que só admite dadores de sangue gay que sejam abstinentes.
TEXTO: José Soeiro já tinha deixado o aviso no fim da audição parlamentar ao presidente do Instituto Português do Sangue, esta quarta-feira de manhã: “Vamos pensar nas consequências desta audição”, afirmou o deputado do Bloco de Esquerda (BE). Ao fim da tarde, o partido informava em comunicado que consequências eram essas. Hélder Trindade “proferiu um conjunto de afirmações preconceituosas”, por isso o BE vai questionar o Governo sobre se “mantém a confiança política” em Hélder Trindade. Através de uma pergunta escrita ao Governo, o Bloco quer também saber se o executivo “subscreve as afirmações de Hélder Trindade, segundo as quais um homem ter relações sexuais com outro homem é um comportamento de risco, mesmo que essa relação seja protegida” e “como justifica o Governo” que uma resolução da Assembleia da República de 2010 “não esteja a ser cumprida”. Ouvido durante uma hora e meia na Comissão de Saúde da Assembleia da República, Hélder Trindade defendeu esta quarta-feira que homo e bissexuais sexualmente activos devem ser continuar a ser excluídos da dádiva de sangue. “Se o dador admite que é homossexual mas não admite que teve práticas sexuais com homens, pode dar sangue”, afirmou o presidente do conselho directivo do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST). À saída, questionado pelos jornalistas sobre se as pessoas heterossexuais que praticam sexo anal também só são aceites se não fizerem sexo, o mesmo responsável declarou: “Tenho um critério para o heterossexual e outro diferente para o homossexual que tem coito anal porque na população homossexual existe uma prevalência elevadíssima de VIH. ”A audição de Hélder Trindade foi pedida pelo Bloco na semana passada, na sequência da notícia do PÚBLICO de 27 de Março, segundo a qual o grupo de trabalho criado pelo IPST para estudar a dádiva de sangue por homo e bissexuais está há mais de dois anos para apresentar conclusões, desconhecendo-se os nomes dos peritos que o compõem. O Grupo de Trabalho sobre Comportamentos de Risco com Impacto na Segurança do Sangue e na Gestão de Dadores deveria ter apresentado um relatório até Junho de 2013. O BE quis saber porque é que o IPST, organismo tutelado pelo Ministério da Saúde e responsável pela coordenação nacional da colheita de sangue, não emitiu até hoje um “documento normativo que proíba expressamente a discriminação dos dadores de sangue com base na sua orientação sexual”, como ficou estabelecido numa resolução da Assembleia da República (39/2010, de 8 de Abril). Hélder Trindade, que se fez acompanhar pela vogal da direcção do IPST Gracinda de Sousa e pelo assessor de imprensa Diamatino Cabanas, estava preparado para a pergunta sobre a identidade dos peritos. Revelou prontamente os nomes: Ana Paula Sousa (IPST), Ricardo Camacho (virologista), Lucília Nunes (vice-presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que substituiu Cíntia Águas), Fernando Araújo (director do Serviço de Imunohemoterapia do Centro Hospitalar de São João), António Diniz (director do Programa Nacional para a Infecção VIH/Sida), Nuno Janeiro (infecciologista) e Isabel Elias (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género). “Tivemos o cuidado de não pôr apenas pessoas com cariz técnico, pusemos pessoas da área da ética e da área social”, explicou o presidente do IPST, sustentando que o atraso na apresentação de conclusões se deve, fundamentalmente, a uma resolução do conselho de ministro do Conselho da Europa, de Março de 2013, que “veio dizer que o Estado-membro tem que fazer estudos e dizer qual é o risco e porque é que vai alterar [os critérios]”. Sobre um novo prazo para apresentação de conclusões do grupo de trabalho, o responsável pelo IPST não se quis comprometer perante os deputados, mas aos jornalistas afirmou que tal acontecerá “ainda este ano”. A pergunta “sendo homem, teve contactos sexuais com homens?”, cuja existência nos inquéritos escritos de triagem de dadores levou à aprovação da resolução de 2010, é “obrigatória oralmente”, disse Hélder Trindade aos jornalistas, já depois da audição – porque os contactos sexuais de homens com homens são um “factor de exclusão do dador”. A declaração contradiz o que, minutos antes, havia sido dito pelo mesmo responsável perante os deputados: “Aquilo que questionamos [nos inquéritos de triagem] é o comportamento de risco, homo ou heterossexual, questionamos os dois. ” Contradiz, igualmente, o que Gracinda de Sousa declarou ao PÚBLICO há algumas semanas: que a pergunta é feita por apenas “algumas pessoas” dos serviços de sangue.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
“O que são 100 euros, com duas crianças, para o mês todo?”
Trabalha numa das casas mais movimentadas de Lisboa, os Pastéis de Belém. É uma das 336 mil trabalhadoras do turismo mas férias só faz quando vai “para a terra”. Aos 38 anos, Carla Sofia lamenta: “Nunca levei o meu pequenino ao Jardim Zoológico." (...)

“O que são 100 euros, com duas crianças, para o mês todo?”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Trabalha numa das casas mais movimentadas de Lisboa, os Pastéis de Belém. É uma das 336 mil trabalhadoras do turismo mas férias só faz quando vai “para a terra”. Aos 38 anos, Carla Sofia lamenta: “Nunca levei o meu pequenino ao Jardim Zoológico."
TEXTO: Esta é a segunda de uma série de reportagens sobre pobreza. Acompanhe nos próximos dias o dossier O que é ser pobre hoje em Portugal?Carla Sofia entra nos Pastéis de Belém com grande à-vontade. Vê-se logo que conhece bem os cantos de uma das mais famosas casas de Lisboa. Sorridente, mostra as sucessivas salas do edifício centenário, a cozinha onde diariamente se fazem milhares de bolos para os turistas que esperam à porta e que depois os levam às dúzias. Aqui e ali vai cumprimentando os colegas. Há dias em que vê pessoas a bater à porta mesmo antes da abertura ao público, às 8h, tal é o sucesso dos pastéis que ali são feitos há 180 anos. Chega a uma das salas e diz com orgulho: “Limpo isto todos os dias. Às 6h30 já aqui estou, gosto sempre de chegar mais cedo. " E aponta: “Ali temos a esplanada mas hoje está fechada. "Se o turismo é a galinha dos ovos de ouro da economia portuguesa, os Pastéis de Belém são um dos seus grandes ex-líbris. Aqui fazem-se pelo menos 20 mil pastéis por dia (últimos dados de 2017). Não há guia turístico que não os refira. Carla Sofia, 38 anos, tem 18 como empregada de limpeza desta casa. O seu turno é, normalmente, das 7h às 16h, mas no dia em que o PÚBLICO a entrevistou tinha começado às 5h. “Quando não temos pessoal, temos que fazer outro horário”, comenta, sem lamento. Fala em “nós”, usa o plural quando se refere à empresa. Embora trabalhe em turismo, as únicas férias que faz são “ir para a terra”. Ganha, de base, um salário de 620 euros brutos – e não 580 euros como o PÚBLICO escreveu. É uma das 336 mil trabalhadoras do turismo (que inclui o sector do alojamento, restauração e hotelaria). A média do salário base dentro da sua área, no segundo trimestre de 2018, era de 648 euros, bem menos do que os 887 euros do resto dos trabalhadores, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), que excluem subsídios e prémios. Já depois de publicado o artigo na edição em papel a 9 de Dezembro, a Antiga Confeitaria de Belém fez saber que a este salário que paga à trabalhadora são acrescidas outras parcelas como subsídio de alimentação, prémio de assiduidade, diuturnidades, prémio de produtividade, feriados e horas extra (este último item num dos recibos de ordenado chega aos 350 euros brutos). Com os impostos e Segurança Social, e descontada a penhora judicial que impende sobre o seu vencimento, por causa das dívidas que contraiu, mais o pagamento de empréstimo que a empresa lhe concedeu, este ano Carla Sofia ganhou uma média mensal de 862 euros. Diz o INE que a pobreza atinge 9, 7% dos trabalhadores. Está neste grupo quem tem "um rendimento anual por adulto equivalente" inferior a 468 euros por mês, sendo que o "rendimento por adulto equivalente" é obtido dividindo o rendimento das famílias por cada elemento que as integram, tendo em conta a sua composição. Carla pode não se enquadrar no que as estatísticas definem tecnicamente como um trabalhador pobre, mas não deixa de viver uma situação precária. Na altura da entrevista com 17 anos, o filho mais velho de Carla está a tirar um curso de restaurante-bar no Colégio Pina Manique (Casa Pia); o mais novo tem sete anos e estuda no 1. º ano do ensino básico. Apoio tem da Associação Ser Ajuda, em Lisboa; do pai do filho mais velho recebe 150 euros, mas “vai ser cortado quando ele fizer 18 anos”; do pai do mais novo nunca recebeu nada. Vive numa cave perto do mercado de Algés, com dois quartos — Carla Sofia dorme num quarto e os dois rapazes dormem noutro. “A casa é pequenininha… para a casa que eu tinha…não tem nada a ver”, lamenta, de lágrimas nos olhos. Está a comparar com uma casa onde viveu no Cacém, com o ex-marido, pai do filho mais velho. Só que, nessa altura, ela era vítima de violência doméstica. “Era tudo um mar de rosas até virar um mar de espinhos”, recorda. “Um dia a minha colega perguntou-me porque não me despia à frente delas. Eu não queria porque estava marcada por ele, ia para a casa-de-banho. Houve uma vez em que ele deu-me uma sova, fui parar ao hospital. Um polícia disse-me: ‘Se você voltar para casa agora, na próxima vez pode ir para o seu enterro e não vê mais os seus filhos’. ” Ela então tomou coragem (foi há 14 anos) e saiu. “Andei de quarto em quarto. Foi assistência social, foi tribunais…”. Ainda chegou a ir a tribunal mas, sem dinheiro para “bons advogados” ao contrário dele: “Os que eu arranjava da Segurança Social faltavam. " Acabou por desistir. Pensou muitas vezes que devia “abandonar isto tudo e ir para a terra”. Conta: “Gostava de me arranjar, de me pintar, mas fui-me desleixando…”. Nascida em Arouca, perto de Aveiro, veio para Lisboa aos 16 anos trabalhar para cuidar de uma idosa; fez vários serviços como doméstica, trabalhou em cafés até chegar aos Pastéis de Belém. “A minha vida melhorou um bocadinho quando vim para Lisboa. Melhorou no aspecto de não passar fome, poder vestir-me, poder comprar a minha roupa, fazer a minha vidinha. ”Depois da separação, foi morar para a Ajuda, em Lisboa. Mais tarde iniciou outra relação e ficou grávida do segundo filho. A casa era “velha, precisava de obras”. “O Tribunal de Família e Menores foi lá e não deu hipótese, não deu ajuda. Disse: ‘ou você arranja uma casa ou fica sem os meninos’. Ficar sem os meus filhos não!”A relação com o tribunal e a Segurança Social não foi fácil. “Metiam sempre defeitos, era isto e aquilo. A casa precisava de obras mas eu não tinha maneira. ”Um dia percebeu que tinha o ordenado penhorado — o marido não pagava as rendas para as quais ela lhe entregava o dinheiro. Tem ideia de que devem ter sido mais de 10 mil euros de dívida, mas não tem sequer a certeza, a patroa é que gere a penhora e por isso todos os meses fica sem parte do ordenado. “Antigamente estava nos pastéis e depois ia trabalhar na segurança privada. Chegava ao fim do mês e dava-lhe [ao pai do segundo filho] o dinheiro para fazer as contas. Um dia cheguei a casa com a penhora na mão e ele já não estava. Fiquei com o bebé no colo e bastantes dívidas. ”Explicou à patroa o que se passou, pediu ajuda para encontrar uma casa. “Disseram que emprestavam dinheiro para as rendas adiantadas e depois descontavam no ordenado. Já paguei essa parte, graças a Deus! Agora vou ter outra dívida, para arranjar a minha boca”, diz, contente. Aponta para os dentes que lhe faltam. Quer arranjar um segundo emprego na segurança privada. “Vou às entrevistas e já sei que não vão chamar por causa da boca. ” Os patrões têm ajudado. “Também sabem que só se eu não puder…. Nunca faltei, nunca chego atrasada, estou aqui há 18 anos. As únicas baixas que meti foi por causa dos meus filhos. ”Uma vez por mês vai à Associação Ser Ajuda buscar alimentos e roupas “para os meninos”: arroz, massa, cereais, etc. No resto do mês, leva pão do trabalho, à noite come uma sopa. “Há meses que é bué apertado. O pequenino pede alguma coisa, brinquedos ou uma goma, e nem pensar. ” Tem de pagar o passe da Carris para ela e para o mais velho, “são quase 70 euros os dois”. Depois o filho mais velho “tem um eczema de pele, é um dinheirão em farmácia”. Há meses em que gasta 50 ou 60 euros em cremes. Mas organiza-se assim: primeiro paga a renda, a água, luz e gás; o resto é para a alimentação. Fazendo as contas: renda são 350 euros, todos os meses precisa de duas bilhas de gás, 50 euros; a água e a electricidade variam; há ainda as telecomunicações. A verdade é que fica com 100 euros, às vezes 200, para o mês todo. “Quando há dinheiro faço compras maiores. Compro coisas melhores: peixe, os nuggets de que eles gostam. Outras vezes não dá para comprar aqueles iogurtes que ele quer e ficamos por ali”, lamenta. Carla Sofia chora. Custa-lhe. “Eu passei muita fome”, lembra. “Éramos sete e a minha mãe era solteira. E ela não tinha, prontos, não dava para comprar nada para nós. Chega ao Natal e não dá para comprar nada. ”Há uma outra forma que o INE utiliza para medir a população mais vulnerável, mesmo aquela que não encaixa no conceito de pobreza monetária (a que vive com o tal rendimento inferior a 468 euros). É o conceito de "população em risco de pobreza ou exclusão social". São perto de 2, 2 milhões de pessoas em Portugal (21, 6% da população) que estão numa destas situações: têm rendimento inferior ao limiar de pobreza, ou vivem num agregado onde os adultos trabalham muito poucas horas por mês, ou estão em privação material (esta medida pela incapacidade de suportar, por exemplo, uma semana de férias para a família, uma despesa inesperada, uma refeição de carne ou peixe pelo menos de dois em dois dias). Considera-se Carla pobre? “O que são 100 euros com duas crianças, para o mês todo? As crianças precisam de alimentar-se, calçar-se, precisam de tudo. E eu não tenho. Se formos ao supermercado e à farmácia fica lá tudo. Não posso dizer aos meus filhos: ‘hoje vamos comer fora, hoje vamos ao cinema, vamos ao Jardim Zoológico. Nunca levei o meu pequenino ao Jardim Zoológico. ” Com o filho a fazer 18 anos, preocupa-a não ter dinheiro para fazer uma coisa especial, como desejava. Nem que fosse levá-lo a jantar fora. O filho já disse: “‘Mãe, não te preocupes’", conta. “Mas é uma dor de cabeça”, desabafa. “Hei-de arranjar, nem que tenha que pedir. "Ainda ambiciona que “eles estudem” e façam o que ela não pôde fazer. Uma coisa melhorou na escala social, considera: pelo menos os filhos não passam fome como ela passou. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Todos os dias, antes de os turistas entrarem e começarem a levar os pastéis, ela e o filho mais novo tomam o pequeno-almoço. "Sempre é uma ajuda. "Notícia actualizada às 17h59 de dia 10 de DezembroDados específicos sobre vínculos laborais no turismo não há. Mas sociólogos reconhecem a precarização e a escassa regulação. “Pior do que alguém receber 450 euros é não saber se é descartado no mês seguinte”, diz Sérgio Aires, especialista em pobreza. Cerca de 10% dos trabalhadores em Portugal são pobres, mostram os dados mais recentes divulgados no fim do mês pelo Instituto Nacional de Estatística. Apesar do indicador ter melhorado, isto “é um problema endémico”, analisa o sociólogo que ocupou durante duas décadas cargos importantes em organizações como a Rede Europeia Antipobreza. “Porque as pessoas, independentemente dos rendimentos, não conseguem sair da linha da pobreza. "A par disso, somos também o terceiro país da União Europeia em que a contratação temporária é mais comum: cerca de 22%, para uma média da União Europeia (UE) de 14%, segundo um estudo do Observatório das Desigualdades. E 85% dos trabalhadores têm vínculos laborais temporários e gostariam de ter um contrato permanente (a média da UE é de 62%). Porém, houve uma subida dos contratos sem termo, afirma Renato Carmo, sociólogo e coordenador do Observatório das Desigualdades: “Não sabemos a amplitude e sustentabilidade da subida, e não podemos dizer que há uma inversão da precarização, mas estamos a viver um momento de incógnita, vai depender das dinâmicas do sector e das políticas. "Embora não existam dados específicos sobre vínculos contratuais no turismo — segundo o Turismo de Portugal há 336 mil trabalhadores nesta área —, Renato Carmo lembra que este é um sector “que, pela sua natureza, tem características de precariedade”: “É muitas vezes sazonal, pouco regulado e com um défice de representatividade sindical. ”Sérgio Aires levanta outra questão, a indefinição. A sua experiência permite-lhe constatar a precariedade num sector onde a “mão-de-obra está sujeita a uma concorrência forte” e por isso “torna-se fácil tratar as pessoas de forma mais precária”: “A qualificação da mão-de-obra não é muito exigente na restauração, nas lojas. Mas pior do que receber 450 ou 500 euros é não saber se no mês seguinte pode ser descartado”, analisa. Segundo dados do Turismo de Portugal, só 11, 3% dos trabalhadores neste sector (alojamento, restauração e hotelaria) têm uma licenciatura. Mais de 60% dos trabalhadores neste sector têm o 3. º ciclo. A isso acresce a natureza dos serviços e funções atribuídas aos trabalhadores, em que lhes é pedido para desempenhar várias tarefas, “tudo e mais alguma coisa”, podendo ser deslocados para outro local. “Nada que a lei não permita, mas demonstra pouco respeito pela vida das pessoas. A minha preocupação é que isto está a acontecer a uma população jovem, a iniciar a vida, mas sem estabilidade para contratualizar vínculos, como alugar uma casa. E acontece sobretudo nas duas cidades onde há os maiores problemas de habitação: é uma bombinha em termos geracionais. " Como se muda? “Veja-se a dificuldade em aceitar que o salário mínimo fique acima do limiar de pobreza. Enquanto isto acontecer, a precariedade laboral não se resolve”, afirma. Já Maria das Dores Gomes, coordenadora da Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, está preocupada com os trabalhadores da restauração que agora se aposentam – além de receberem salários baixos, estiveram durante muitos anos sem descontar a totalidade do ordenado e agora deparam-se com parcas reformas. “Hoje as coisas estão melhores, há um controle, mas antigamente muita gente recebia parte do salário por fora. ”A socióloga Sónia Costa, do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, lembra: “Temos estado preocupados com o impacto do turismo na habitação mas se calhar temos que colocar a questão sobre as condições em que as pessoas acedem a este mercado de trabalho. "
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Estes criminosos portugueses do século XIX foram ao fotógrafo
Conhecem-se pelas alcunhas, por pequenas biografias publicadas na época e até por entrevistas que deram aos jornais. Uns foram presos por roubar galinhas, carteiras e jóias, outros por falsificarem moeda ou por matarem o filho recém-nascido. A todos a polícia de Lisboa mandou tirar o retrato. Um novo livro vem agora falar-nos destas mugshots à portuguesa. Com ele, os retratos judiciais mais antigos conhecidos em Portugal recuam 30 anos, até 1869. (...)

Estes criminosos portugueses do século XIX foram ao fotógrafo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Conhecem-se pelas alcunhas, por pequenas biografias publicadas na época e até por entrevistas que deram aos jornais. Uns foram presos por roubar galinhas, carteiras e jóias, outros por falsificarem moeda ou por matarem o filho recém-nascido. A todos a polícia de Lisboa mandou tirar o retrato. Um novo livro vem agora falar-nos destas mugshots à portuguesa. Com ele, os retratos judiciais mais antigos conhecidos em Portugal recuam 30 anos, até 1869.
TEXTO: Foi sobretudo a cultura popular americana que as trouxe até nós através dos filmes e da televisão, dos sites e das biografias de celebridades, das revistas e dos jornais. Foi lá que nos habituámos a encontrar as estrelas do cinema e da música fotografadas de frente e de perfil, com um número comprido junto ao peito, depois de terem sido detidas por conduzirem alcoolizadas, por fazerem corridas na auto-estrada ou por participarem em manifestações contra a guerra do Vietname que acabaram em confrontos com a polícia. Algumas destas fotografias tiradas nas esquadras — mugshots, assim se chamam — transformaram-se em conversas de café e peças de museu, entraram para o imaginário colectivo e passaram a fazer parte do que julgamos saber sobre Elvis Presley e Jimi Hendrix, Jane Fonda e Steve McQueen, Jim Morrison e Frank Sinatra, David Bowie e Marilyn Monroe, Janis Joplin e Johnny Cash, Mick Jagger e Kurt Cobain. Muito menos famosos, mas também eles detidos e fotografados, alguns dos criminosos portugueses da segunda metade do século XIX têm agora um livro em que Leonor Sá, conservadora do Museu da Polícia Judiciária, explora o universo do retrato judiciário em Portugal, partindo de dois álbuns que reúnem fotografias tiradas entre 1869 e 1895 e que hoje pertencem a um coleccionador privado. “Estas são as mais antigas mugshots à portuguesa, feitas à medida do nosso século XIX”, diz a autora. São exemplares do chamado “retrato repressivo”, criado para responder às necessidades de controlo dos estados que, dado o aumento demográfico, o crescimento das cidades, a transformação económica provocada pela indústria e as frequentes convulsões políticas e sociais se vêem a braços com problemas de segurança e crime cada vez mais agudos desde os finais do século XVIII. Em Infâmia e Fama. O mistério dos primeiros retratos judiciários em Portugal (1869-1895), um volume com 280 páginas que resultou de uma tese de doutoramento e que as Edições 70 lançaram recentemente, Leonor Sá começa por dar ao leitor o contexto internacional deste género de retrato, mostrando-lhe como apareceu e como evoluiu. Em seguida, concentra-se no caso português e nos dois álbuns que Francisco Teixeira da Mota, advogado e colunista do PÚBLICO, comprou num leilão há quase 20 anos e que reúnem cerca de 300 fotografias, 24 das quais respeitantes a indivíduos cujo percurso, mais ou menos breve, é traçado na Galeria de Criminosos Célebres em Portugal. História da criminologia contemporânea (1896-1908), uma das várias fontes a que a autora recorre, sobretudo quando procura dados biográficos. Leonor Sá analisa essas 24 imagens com mais detalhe e com este livro retrata a sociedade da época, enriquecendo a historiografia sobre o século XIX português, defende no prefácio Filipa Lowndes Vicente, investigadora do Instituto de Ciências Sociais que tem dedicado boa parte do seu tempo à história da fotografia e à cultura visual no contexto colonial. “Se olharmos para a imprensa, a Lisboa da segunda metade do século XIX, como nos mostra Maria João Vaz [autora de Crime em Lisboa, 1850-1910], está cheia de furtos e pequenos crimes, está cheia de delinquentes reincidentes até à última”, diz Sá. Numa época em que os crimes recebiam cada vez mais atenção mediática e o romance policial começava a fazer sucesso, as páginas dos diários que circulavam aos milhares pela capital enchiam-se de notícias de furtos e escaramuças e, de quando em vez, havia um ou outro ladrão, fosse operário ou criada de servir, que tinha direito a entrevista de primeira página com fotografia e tudo. “Como hoje, as pessoas queriam saber, seguiam as histórias de crime, sobretudo as mais violentas, que felizmente não eram muitas. ”Foi assim, por exemplo, com A Matricida, uma mulher que matou e esquartejou a mãe, protagonizando um caso que até deu origem a títulos da literatura de cordel, um deles do jovem Camilo Castelo Branco (Maria não me mates que sou tua mãe!). A Galeria de criminosos célebres em Portugal tem o seu perfil, assim como o de Maria da Luz Botelho da Silva, açoriana de 24 anos que matou o marido servindo-lhe um prato de arroz com arsénio. Ele, médico nascido em Coimbra e 14 anos mais velho, fechava-a em casa e agredia-a; ela, farta dos seus ciúmes, queria fugir para Lisboa com o amante. Leonor Sá não fala destas duas mulheres cuja história o semanário Expresso veio recordar em 2015 numa série a que chamou Crime à Segunda, mas apresenta-nos a Pianista e o Caramelo, ou a Giraldinha e o Físico, todos eles actores de primeira ordem num universo onde cabem muitas outras alcunhas (e vidas): o Ratão, o Lindinho, o Vidraças, o Mineiro, a Aguardenteira, o Larico…Maria Rosa, a sedutoraO retrato que ilustra a capa do livro de Leonor Sá é de José Maria da Silva, um homem de 40 anos, nascido em Elvas, filho de pais incógnitos, que é acusado de falsificar moeda e que, depois de várias detenções, acaba condenado ao degredo. Conhecido como Caramelo, é fotografado bem vestido, de alfinete na gravata, e segurando na mão esquerda o objecto do crime, numa atitude desafiadora. “Este Caramelo aparece na Galeria. . . mas com outro retrato. Era famoso na época e hoje esticamos-lhe a fama com esta capa”, diz a conservadora do Museu da Polícia Judiciária, sublinhando o ar sereno do falsário e contando que guardava esta fotografia da moeda, que saiu nas páginas dos jornais, no estojo das tesouras e navalhas que usava na prisão do Limoeiro, onde era barbeiro. “Ele tinha um enorme orgulho nesta imagem e costumava mostrá-la, como hoje mostramos a um amigo uma fotografia das nossa férias. Para ele, não havia nela nada que o envergonhasse. ”O retrato de Caramelo, como outros que encontramos em Infâmia e Fama e nos álbuns F. T. M. — Leonor Sá usa apenas as iniciais do proprietário para se referir aos dois volumes carregados de fotografias que começou a estudar em 2012 —, é tirado com um espelho para que, na mesma imagem, o vejamos de frente e de perfil, uma “solução ‘panóptica” que reforça, escreve a autora, a “vigilância fotográfica” dos suspeitos e que parece ter sido aplicada, no caso dos álbuns que lhe servem de base à tese, sobretudo às mulheres. “Há uma diabolização da mulher criminosa. A imprensa da época parece exagerar nos adjectivos quando o acusado — e o retratado — é uma mulher. ”É precisamente a propósito das mulheres que um dos autores da Galeria. . . , Ferraz de Macedo, que coordenou três dos sete volumes desta obra e que viria a ser director dos Serviços Antropométricos e Fotográficos do Juízo de Instrução Criminal, chega a escrever: “Também o belo sexo dá um subsídio para a história do crime, e não tão pequeno, quanto o pode parecer à primeira vista. A mulher que tem a desgraça de vir ao mundo com a terrível tendência para o crime torna-se muito mais temível do que qualquer criminoso do sexo masculino […]. É que as mulheres, todos nós o sabemos, são muito mais maliciosas que nós outros homens. [. . . ] Possuem em muito mais elevado grau a ciência de mentir e dissimular. ”Maria Rosa, solteira e com pouco mais de 20 anos, era uma destas mulheres nascidas para enganar, diria provavelmente Ferraz de Macedo. Delinquente que todos conheciam por Giraldinha, foi uma das mais famosas ladras portuguesas do século XIX. O ar humilde terá sido uma das principais armas desta mulher que era capaz de ludibriar até os que lhe eram mais próximos. Para reforçar essa aparência modesta, a Giraldinha costumava usar vestidos de chita, um tecido barato, um lenço na cabeça com o nó para a frente e um xaile sobre os ombros, à maneira das antigas criadas. Diz o seu perfil na Galeria que era uma “gatuna perigosíssima” com uma “finura perfeitamente fora do vulgar”. No tom quase teatral de muitas passagens desta publicação que tem pretensões de rigor mas que acaba por adoptar muitas vezes instrumentos da ficção, escreve-se ainda em referência a esta mulher com uma “boca sedutora”: “Aquela que foi engendrada para o mal confunde-se com a maldade dos demónios e contém o veneno das serpentes, os dentes dos monstros apocalípticos. ”No caso de Maria Rosa, sublinha Leonor Sá, o autor que lhe faz o perfil parece não conseguir compreender por que razão, tendo ela uns traços físicos agradáveis, prefere roubar a dedicar-se à prostituição. “É uma sociedade muito masculinizada, machista diríamos hoje. Da mulher, mesmo quando lhe é reconhecida inteligência, como no caso da Giraldinha, o que se espera é que faça uso da sua beleza, não da sua cabeça”, diz a investigadora. Giraldinha era de tal forma uma “celebridade” que chegou a dar uma entrevista com honras de primeira página ao jornal A Tarde, a 1 de Maio de 1890, com direito a fotografia (precisamente a que está num dos álbuns Francisco Teixeira da Mota). “Na época, a fotografia da primeira página dos jornais era reservada para figuras importantes da sociedade — membros da realeza, deputados, médicos, artistas — mas, a partir de dada altura, os criminosos passaram a ser incluídos neste grupo onde antes só havia gente ilustre. ”Nos cenários da burguesiaFoi em Julho de 2000 que Teixeira da Mota arrematou num “leilão bem disputado” os dois álbuns com 300 fotografias arrumadas em “janelas” encimadas pelo nome e/ou alcunha do retratado em letra miudinha e outros dados de registo. Aficionado da fotografia antiga e habituado a andar pelos alfarrabistas à procura de “brinquedos” novos — o advogado recusa a ideia de que os livros, gravuras e objectos que vai comprando formem uma colecção —, viu nos dois pesados volumes uma oportunidade para se “divertir”. “É claro que fico satisfeito com a possibilidade de ficar a saber algo que ainda não sabia, mas para mim a parte lúdica, o prazer que tiro de objectos como estes [aponta para os álbuns abertos em cima da mesa] antecipa e justifica a ciência, a informação que trazem”, diz o cronista e autor de duas biografias sobre Alves dos Reis (Alves dos Reis. Uma História Portuguesa), burlão e falsificador, e Henrique Galvão (Henrique Galvão. Um Herói Português), militar português que foi o protagonista do mediático assalto ao paquete Santa Maria. Quando comprou os dois álbuns, o que tencionava fazer era estudá-los, cruzando-os com outras fontes escritas da época, como a Galeria…, mas cedo percebeu que, para levar em diante essa tarefa, seria preciso que tivesse “outra vida”. “A Leonor Sá fez muito mais do que eu poderia ter feito, descobriu muita coisa. Eu não teria tempo”, acrescenta. De facto, quando chegaram às mãos da conservadora do Museu da Polícia Judiciária, os álbuns F. T. M. não tinham sequer qualquer indicação de proveniência. Hoje, Leonor Sá não tem dúvidas de que são uma “encomenda” não oficial da Polícia Civil de Lisboa, feita quando esta força de segurança era ainda uma novidade (foi criada em 1867). Para produzir estes volumes semelhantes a outros já estudados nos Estados Unidos e noutros países europeus, a polícia viu-se obrigada a recorrer a fotógrafos comerciais de Lisboa, que estão devidamente identificados, porque não dispunha ainda do equipamento nem dos conhecimentos necessários para o fazer em sede própria. Os suspeitos, muitos deles criminosos já bem conhecidos da polícia e hóspedes frequentes das cadeias do Limoeiro (para homens) ou do Aljube (mulheres), eram então levados ao fotógrafo para que lhes fosse tirado o retrato para identificação e registo. Chegados lá, por regra, eram fotografados nos cenários que já estavam montados, o que chegava a criar um enorme contraste, já que o contexto era cuidado (colunas, tapetes, reposteiros) e os retratados estavam quase sempre com as roupas e os cabelos em desalinho, com uma aparência que denunciava as suas origens humildes: “Algumas destas primeiras imagens são feitas nos cenários da fotografia burguesa, o que cria de imediato uma sensação de desconforto aos nossos olhos já que a falta de sintonia entre uma e outra coisa é evidente. Estão despenteados, desabotoados, alguns até sujos, algo impossível num retrato da burguesia”, explica a autora. “A ironia aqui é que foi o facto de terem cometido um crime que lhes permitiu irem ao fotógrafo – de outro modo, provavelmente, nunca o conseguiriam pagar. ”Uma ironia de que o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) dera já devidamente conta no seu ensaio The Lives of Infamous Men, ao defender que tinha sido a conduta criminosa e a consequente perseguição policial a contribuir para a visibilidade de uma série de indivíduos que, de outro modo, jamais chegariam ao conhecimento do grande público. “A sua infâmia é apenas uma modalidade da fama universal”, escreve aquele que é um dos mais celebrados intelectuais europeus. Com ou sem imagem, muitos dos criminosos ocupavam já as páginas da Galeria… e foi o facto de ter encontrado reproduzidos nesta obra em volumes 24 retratos dos dois álbuns de Teixeira da Mota que levou a investigadora a supor que têm origens comuns: a Polícia Civil de Lisboa e/ou os estúdios comerciais que esta força de segurança contratava para fotografar os supeitos (no caso dos álbuns F. T. M. , 75% dos retratos são feitos pelo mesmo Atelier Bastos, que vai mudando de nome e de dimensão ao longo dos 26 anos que separam a primeira fotografia da última). Uma “turba medonha”A investigação de Leonor Sá que agora se publica permite, defende a autora na conclusão, antecipar em 30 anos o retrato judiciário português. Os exemplares mais antigos que até aqui se conheciam datavam de 1902 e tinham por origem o Posto Antropométrico do Porto. A polícia portuguesa, tal como as suas congéneres europeias, integra os dois álbuns F. T. M. numa estratégia de combate ao aumento da criminalidade, escreve Sá, numa “lógica transversal de evolução científica e tecnológica, assim como de crescimento das preocupações taxonómicas, do controlo social biopolítico e da comunicação mediática de finais do séc. XIX”. A polícia da época mandava fotografar os criminosos para registo pelo menos desde 1869, mas é bem provável que já antes o fizesse, uma vez que a autora encontrou indicação na Galeria… de que pelo menos um dos criminosos que lá figuram, Constantino da Silva, o Vidraças, terá sido fotografado em 1863, quando tinha apenas 13 anos e era já “célebre na gatunagem”. Diz a investigadora que, na época, surgem em Portugal vários estudos que procuram acompanhar as mais modernas teorias no contexto internacional, sobretudo as de Cesare Lombroso (1835-1909), psiquiatra italiano a quem é atribuída a criação da antropologia criminal. Este médico acreditava que o criminoso podia ser equiparado ao doente e que havia no seu comportamento uma forte componente hereditária – a sua conduta desviante devia-se a algo inato que não podia controlar. “No geral, acreditava-se que os criminosos vinham das classes sociais mais baixas e que tinham quase sempre características físicas negativas que funcionavam como indicadores ou reflexos dos seus comportamentos desviantes. Para simplificar, acreditava-se que um ladrão tinha cara de ladrão”, resume a investigadora. “Podia roubar por motivos sociais, como a falta de trabalho, mas a biologia tinha um peso grande na sua condição. Como se o crime estivesse inscrito no seu código genético, diríamos hoje, como uma doença que vem de um pai ou de um avô. ”Esta atitude perante o criminoso rapidamente venceu os limites do mundo científico e intelectual e chegou à opinião pública, através das páginas dos jornais. A medicina e a antropologia criminal do século XIX, lembra a conservadora do Museu da PJ, contribuem para a ideia de que estes criminosos, na sua maioria pequenos delinquentes, formam uma massa indiferenciada e perigosa, uma “turba medonha”. É a partir da década de 1880, continua Leonor Sá apostando ainda no enquadramento internacional, que o francês Alphonse Bertillon, que fundara um laboratório criminal concentrado nas medidas do corpo humano (antropometria), cria um protocolo para o retrato criminal que determina que o suspeito seja fotografado de frente e de perfil. “Com Bertillon esta fotografia passa a ter uma retórica própria e no registo é combinada com componentes antropométricas, que mais tarde são destronadas pelas impressões digitais, mais rápidas e mais fiáveis. É preciso ver que o discurso científico era muito ambíguo, contraditório até, aberto a interpretações contantes. Estes criminosos são vistos como parte de uma entidade colectiva – o indivíduo não interessa para nada. ”A Galeria de Criminosos Célebres em Portugal vem precisamente contrariar essa ideia de colectivo. As histórias que conta são as que se distinguem da tal “turba medonha”. Tocar, bordar e roubarGuilhermina Adelaide do Canto e Mello Araújo, a Pianista, entra nesta categoria. Era uma mulher elegante, bem vestida, uma professora de piano que falava línguas e ainda sabia bordar. Foi presa vezes sem conta por roubar jóias, roupas, tecidos, chapéus e outros artigos em lojas e casas de Lisboa, acabando por morrer no degredo, em Angola, depois de se envolver com outro delinquente, o Mesquita. Quando os furtos aconteciam em ourivesarias do centro da cidade, por exemplo, era comum contar com a ajuda do filho, ainda uma criança. Durante muito tempo ninguém suspeitou de que era a responsável pelo desaparecimento de artigos de luxo das casas das meninas de boas famílias a quem dava aulas, mas a partir de determinada altura a Cepa, outra das suas alcunhas, passou a ser “hóspede” regular da Cadeia do Aljube, prisão de mulheres acusadas de delitos comuns até aos anos 1920 e que em 2015 foi convertida no Museu do Aljube — Resistência e Liberdade, em parte para homenagear todos aqueles que, perseguidos pelo Estado Novo, ali foram encarcerados e torturados entre 1928 e 1965. Luís Augusto Pereira, o Físico, também era um “gatuno fino”, que se apresentava com vários nomes e que sabia “estar à vontade na sociedade, como se nela tivesse nascido e vivido”, lê-se na Galeria. . . Na realidade, era analfabeto e sê-lo-ia até morrer, o que não o impedia de frequentar os salões por onde passavam “homens distintos e damas ilustres” ou de se fazer passar por médico. A maioria dos biografados nos vários volumes da Galeria. . . , escreve Leonor Sá, são responsáveis não por “crimes violentos, graves ou de grande envergadura económica, mas [por] pequenos delitos”. Destacam-se não pelo que fizeram, mas “por não corresponderem — sobretudo pela astúcia e boa aparência — ao modelo estereotipado do criminoso da época”. É o caso de António Braz Monteiro, o Ladrão Fino, homem que se “impunha pelo porte, pela forma como falava, pela maneira de pensar”, pode ler-se na obra publicada em volumes ainda no século XIX. Braz Monteiro especializou-se em arrombamentos e roubos em casas que sabia estarem vazias a partir do que lia nos jornais. Apanhava o barco pela manhã em Cacilhas, comprava o Diario Illustrado e decidia o alvo do dia a partir da secção que hoje teria, provavelmente, o cabeçalho Life & Style, onde se dava conta dos “ilustres” que se tinham ausentado da capital. Chegado a Lisboa, dirigia-se a um prédio na Rua do Arsenal onde guardava as ferramentas do “ofício” e ia “trabalhar”. A Galeria. . . procura justificar a sua actividade criminosa, defende a investigadora, com um impulso que lhe é impossível controlar, mas o seu comportamento sistemático indicia uma premeditação e uma capacidade de organização que nada parece ter que ver com um ímpeto repentino. Outro dos criminosos cuja aparência iludiu as autoridades foi Narciso Viana, o Bonito ou Bonita, que se apresentava sempre impecavelmente vestido e que tinha cuidado redobrado na maneira como falava e escrevia. Detido múltiplas vezes por haver suspeitas de que roubara uma carteira ou um relógio, acabava quase sempre libertado por falta de provas. “Este Viana é como aquele americano cuja mugshot se tornou viral [Jeremy Meeks] e que hoje é modelo, acho eu. O seu aspecto era de tal forma dissonante do que fazia nesta época em que a criminologia dava os primeiros passos que as pessoas tinham dificuldade em acreditar que era um ladrão. ”Se é verdade que muitos dos “criminosos célebres” são detidos por pequenos crimes — roubo de galinhas incluído —, também é verdade que a Galeria. . . dá conta de outros brutais, como o da já referida Matricida — Maria José, 30 anos, vendedora de tapetes que morava perto do Campo de Santa Clara —, condenada à forca por ter matado a mãe, Matilde, espalhando as várias partes do corpo pelo bairro, guardando para o chão da sua cozinha a cabeça; ou o de Maria Constância, que esquartejou o seu filho recém-nascido. O retrato de Maria Constância nos álbuns F. T. M. mostra-nos uma mulher de aspecto modesto, que terá escondido a sua gravidez ilegítima e que depois optou pelo homicídio, com contornos particularmente cruéis. Um retrato como “pena perpétua”Cada um destes retratos, diz Teixeira da Mota, funciona como “uma janela para o passado criminoso do país” e põem-nos a imaginar como seria Portugal no final do século XIX. Estudá-los — e mostrá-los — é, por isso, uma forma de conhecermos melhor essa sociedade em que a noção de propriedade é bem diferente da que temos hoje. “Há muita coisa que estes retratos ainda nos podem dizer”, acredita este advogado, explicando em seguida que só autorizou a divulgação de cerca de um terço das fotografias dos seus álbuns para manter boa parte inédita de forma a que outros investigadores se mostrem interessados em trabalhá-los. A autora, lembra Teixeira da Mota, vira já “chumbado” um pedido para divulgar sem alterações fotografias semelhantes, com mais de 100 anos, que constam dos arquivos da Polícia Judiciária. A Comissão Nacional de Protecção de Dados autorizou a publicação, desde que se colocasse uma “névoa” sobre os olhos, de modo a que o retratado não fosse identificado, o que levou a que a investigadora desistisse de as usar. “Isto é o politicamente correcto elevado à doença. O que é que me afecta que um familiar meu, há mais de 100 anos, tenha sido preso por roubar duas galinhas ou uma carteira?” Teixeira da Mota defende que a divulgação destas e de outras fotografias semelhantes deve ser feita em nome do direito à informação. “Nós não vivemos de conceitos, mas de imagens, sentimentos, percepções directas. […] Não concordo com essa ideia de que a fotografia [judiciária] é já um pelourinho, um castigo. ”Leonor Sá é de outra opinião. Estas fotografias, que depois eram afixadas nas portas das esquadras para que o público em geral ficasse a conhecer as caras associadas ao crime, funcionavam como uma “estigmatização para a vida”, já reconhecida e combatida por um documento de 1876 que a autora encontrou na Torre do Tombo. “É o comissário Morais Sarmento que, já naquela altura, percebe que o retrato assim divulgado pode impedir uma pessoa de reconstruir a sua vida depois de reabilitada. Ele proíbe a sua divulgação desta maneira. Diz que o retrato se torna uma ‘pena perpétua e degradante’. ”De facto, muitos dos delinquentes que se viam assim expostos nas portas das esquadras eram presos por roubarem uma manta ou um chapéu-de-chuva. “Muitas vezes fiquei com o coração partido ao ler as suas histórias muito breves. Eram pessoas muitos pobres, muitas roubavam para comer; só dois ou três eram bem-nascidos. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Entre estes “bem-nascidos” ou com formação académica, conta-se, por exemplo, o professor primário Manuel Joaquim Pinho, anarquista reconhecido, que foi detido por agredir o deputado Manuel Pinheiro Chagas, com quem trocara argumentos nas páginas dos jornais a propósito da formação da Comuna de Paris. Pinheiro Chagas escrevia, entre outras coisas, que para disciplinar uma das principais figuras deste movimento de base operária, a professora e poetisa anarquista Louise Michel, bastava levantar-lhe as saias e dar-lhe uns açoites, evocando assim a violência doméstica como forma de pôr fim às aspirações emancipadoras das mulheres. Manuel Joaquim Pinho não gostou e escreveu um artigo em que expunha a pobreza da argumentação do parlamentar, que mais tarde voltou à carga e lhe exigiu explicações. Farto da imprensa, o professor primário decidiu trocar a caneta pela bengala e dirigiu-se a São Bento, onde aplicou a Pinheiro Chagas um castigo semelhante ao que ele sugerira para a sindicalista francesa, o que lhe valeu 18 meses de prisão e uma multa. “Não sei se o Manuel Joaquim Pinho era um feminista, mas que é difícil pensar nele como um criminoso, lá isso é”, admite Leonor Sá, para quem há no retrato judiciário um misto de fascínio e repulsa. “Estas fotografias mexem connosco porque lidam com crime e castigo, porque têm uma carga simbólica, social e política fortíssima. Não é por acaso que artistas como [Andy] Warhol, [Marcel] Duchamp ou [Christian] Boltanski se apropriam delas para alguns dos seus trabalhos. ”A retórica do retrato de frente e perfil criada por Bertillon ainda hoje tem um impacto enorme, garante a conservadora do Museu da Polícia Judiciária. Já não estamos à espera, é certo, que a conduta criminosa de alguém possa em boa parte ser explicada pela hereditariedade ou pelos seus traços fisionómicos, mas continuamos a acreditar que um rosto diz muita coisa: “Boltanski tem uma instalação em que usa retratos de agressores e vítimas. Mesmo sem se aperceber, a esmagadora maioria das pessoas tenta descobrir quem é quem só olhando para aquelas caras, o que nos diz que não mudámos assim tanto… Continuamos a achar que é bem possível que os maus tenham mesmo cara de maus. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades PJ
A acrobacia de Catarina e Telmo funciona “como uma árvore de Natal”
A acrobacia a dois é “uma história de teatro com técnica pelo meio”. A técnica é trabalho, a narrativa é o que constrói a arte. Se durante o ano Catarina e Telmo utilizam a agilidade para expor problemas sociais, em Dezembro mudam de ares e de temas. O Natal marca o período mais estável da vida de circo e permite ao casal fazer planos para o amanhã. (...)

A acrobacia de Catarina e Telmo funciona “como uma árvore de Natal”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Animais Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A acrobacia a dois é “uma história de teatro com técnica pelo meio”. A técnica é trabalho, a narrativa é o que constrói a arte. Se durante o ano Catarina e Telmo utilizam a agilidade para expor problemas sociais, em Dezembro mudam de ares e de temas. O Natal marca o período mais estável da vida de circo e permite ao casal fazer planos para o amanhã.
TEXTO: “A acrobacia a dois tem de funcionar como uma árvore de Natal, de baixo para cima. Tens muita bagagem, como na base, e no palco só utilizas um terço dela, aquilo que faz parte da estrela”, vai dizendo Telmo Duarte, de 24 anos, enquanto admira a árvore iluminada que marca o centro da Feira de Natal de Cascais. Durante o mês de Dezembro, Telmo e Catarina Ribeiro afastam-se do circo e ocupam os seus dias a fazer animação pela feira — que só é interrompida para subirem ao palco em curtos espectáculos durante o dia, onde levantam o véu daquilo que melhor sabem fazer: a acrobacia a dois. O Natal, para um casal acrobata, marca o mês mais estável de um ano que oscila entre trabalhos breves e pouco certos. “No Natal surgem muitos trabalhos de animação, com menos tempo para o espectáculo, mas é um trabalho que sabemos que temos”, explica Catarina Ribeiro, 22 anos. “Não é como no resto do ano, em que nos convidam uma semana para ali, um dia para acolá. Aqui conseguimos criar objectivos para Janeiro, por exemplo. ”O casal, vestido com o tradicional verde e vermelho natalício, com chapéus de duende na cabeça e as bochechas pintadas de rosa, circula pela Feira de Natal organizada pela Unisports, que ocupa o Parque Marechal Carmona, em Cascais. “Olá, princesa!”, cumprimenta Catarina sempre que meninas dão descanso à correria para uns segundos de contemplação dos fatos de Natal. Na feira, Catarina e Telmo brincam com as crianças, conversam com os pais e, essencialmente, trazem um ânimo sem descanso ao parque. “O Telmo, às vezes, em vez de animar, parece que fica a dar lições de moral aos miúdos”, brinca Catarina. “Eu apenas lhes digo que, antes de qualquer coisa, têm de se lembrar de serem felizes”, responde Telmo. Encarar a felicidade como regra é a máxima que tem suportado a vida instável do circo, sublinha Telmo: “Eu faço circo porque sou feliz a fazer circo. Quando estivemos a preparar um espectáculo para o Busking Festival, ficámos um mês inteiro sem trabalho. Eu estava chateado por andar sem dinheiro, mas ao mesmo ficava feliz por saber que estava a fazer aquilo de que gosto. ”Telmo viveu a sua infância num estado permanente de curiosidade e inquietação com o mundo. “Chegava a casa todo sujo e a minha mãe dizia-me 'Ainda vais ter uma morte macaca’”, partilha Telmo. Durante a adolescência, começou a ir a festas de reggae, onde tinha a oportunidade de explorar o mundo do malabarismo. A curiosidade, que não tem forma de esmorecer, fê-lo entrar para o Chapitô, em 2011, um ano antes de Catarina, que teve um percurso mais convencional: começou, aos sete anos, por fazer ginástica acrobática, expondo as aprendizagens em competições. “Comecei muito nova e depois fui ficando. A Karley Aida [uma das fundadoras do Chapitô] dizia-me ‘O circo vai ser a tua vida’. Eu ria-me. Depois fui lá parar. ”Apesar de terem sido alunos da mesma escola de artes circenses, os caminhos dos jovens faziam-se de coordenadas diferentes: Catarina foi estudar acrobacia a dois para Montpellier, em França, e Telmo para Inglaterra. Há três anos, o Chapitô convidou-os para um trabalho na Zambujeira do Mar, no Alentejo. “Conhecemo-nos lá. Começámos a namorar uns dias antes de trabalharmos juntos”, ri-se Catarina. Desde então, o casal trabalha sempre em dupla. Um dos primeiros e mais marcantes espectáculos que fizeram juntos expunha o tema da violência doméstica. “O Chapitô trabalha muito com questões sociais e eu queria muito trabalhar este tema, porque mexe muito comigo", explica Telmo. “Queria muito mostrar às pessoas que esta continua a ser uma realidade escondida entre quatro paredes, que acontece todos os dias. ” O melhor desse trabalho, destaca, foi o facto de terminar com dois finais diferentes: “um feliz, em que a família acabava junta, e um trágico, onde a situação da violência continuava a repetir-se”. O objectivo era que o público abandonasse o palco com mais inquietações do que aquelas com que tinha chegado. “Queríamos que as pessoas ficassem a pensar neste tema, nesta história. ”Este espectáculo chegou ao fim, mas Catarina e Telmo não abandonaram a coreografia. “Começámos a pensar no número, a moldá-lo, a colocar mais técnicas e mudámos a música”, recorda Telmo. Apresentaram-no em feiras, salas de teatro, cabarés. Ainda que a técnica seja indispensável, só ganha encanto quando tem a capacidade de transmitir uma narrativa. “A acrobacia é como uma história de teatro com técnica pelo meio”, explica Telmo, que considera que a prioridade num espectáculo é a mensagem que os artistas querem transmitir. “A técnica é só um instrumento. Eu deixei, precisamente, de fazer tantos malabares, porque não encontrava razão para os pinos. Queria dar prioridade à minha personagem e à história. ”“Se eu quero fazer a personagem de um velho, tenho de observar a posição do corpo quando eles se mexem, ver pequenos pormenores na forma como se exprimem”, diz Telmo. Contudo, também há trabalhos em que a narrativa é apenas uma forma de expressão. “Sentes que és tu a fazê-los e não uma personagem. És um espelho de ti no palco, porque te queres expressar, tal como acontece na pintura ou música”, diz Telmo. Catarina e Telmo vivem juntos, ora na Ericeira ora em Casal do Marco, Paio Pires. Desde que saíram do Chapitô, têm tido sempre trabalho no chamado “circo novo”. “Esta forma de circo contemporânea já não trabalha com animais e não acontece na tenda tradicional de circo”, explica o acrobata. A tenda redonda e colorida do circo é substituída por feiras, salas de espectáculo ou salas de teatro. “Também já não é só técnica pura e dura. Temos história e relacionamos várias técnicas, como dança, circo e capoeira. ”“Por sermos namorados, tem de existir uma barreira nos ensaios. Se deixamos cair a coisa para o pessoal, torna-se impossível. Nos treinos, eu sou a volante dele e ele o meu base. Quando saímos, somos namorados outra vez”, descreve Catarina. “Nem sempre acontece, como é obvio. Quando estávamos a preparar o espectáculo da violência, havia vezes em que acabávamos o treino porque ele dizia ‘Olha, não vai dar’. Mas isso era o Telmo a falar com a namorada, não podia ser o Telmo a falar com a volante”, continua. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No número que agora se encontra em processo de criação, a dupla conta com a participação de um novo artista, com o qual se cruzaram na Feira de Natal. Telmo elogia a Associação Indecisas Produções, que não só ajuda “a malta do circo a arranjar trabalho” — como é o caso da Feira de Natal —, como estimula a rede de contacto entre os artistas. O novo projecto vai ser pensado a partir de 1 de Janeiro de 2019, quando termina a feira. A vontade é que o espectáculo seja apresentado no início do próximo Verão, mas as ideias já começam a fervilhar. “Agora construímos uma nuvem de ideias. Temos de ver o que resulta ou não”, diz Telmo. A única certeza, até então, é que o espectáculo se vai coser de preocupações sociais. Como prenda de Natal, o casal gostava de encontrar um espaço para trabalhar todos os dias, por ser "muito importante estar sempre a treinar, a preparar o corpo para a acrobacia”. Catarina e Telmo ensaiam, actualmente, num espaço em Alfragide, mas, como têm de pagar uma quantia diária, não conseguem treinar todos os dias. “É uma coisa que estamos a pedir muito ao universo para que aconteça”, confessam.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte escola violência ajuda doméstica corpo princesa circo
A Bienal de Berlim declarou guerra
A guerra anunciada é um transformação da linguagem utilizada para falar de arte, uma linguagem inspirada pelas ciências sociais, em particular os estudos pós-coloniais e de género. (...)

A Bienal de Berlim declarou guerra
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: A guerra anunciada é um transformação da linguagem utilizada para falar de arte, uma linguagem inspirada pelas ciências sociais, em particular os estudos pós-coloniais e de género.
TEXTO: Quando a curadora sul-africana da Bienal de Berlim, Gabi Ngcobo, chegou à conferência de imprensa de óculos escuros com a sua equipa de curadores guerrilheiros associados (Thiago de Paula Souza, Nomaduma Rosa Masilela, Yvette Mutumba, Moses Serubiri), qual Black Panthers, percebeu-se que a linguagem seria de combate: "Nós estamos em guerra", declarou. Com a discussão que se seguiu percebeu-se melhor o programa estratégico desta edição em que o texto de apresentação é de uma cautela extrema. A imprensa estava preparada para transformar esta manifestação na bienal da descolonização, com uma maioria esmagadora de artistas ligados à diáspora africana, caribense e sul-americana (e um recorde de 72% de mulheres na lista dos artistas). Os curadores começaram então por recusar definições: "Somos todos pós-coloniais", afirmou a curadora para lembrar que estamos inseridos numa realidade que atravessou um processo de desumanização radical, para o qual não há volta atrás e que actualiza os seus efeitos sob outras formas. "É problemático considerar que os artistas da Bienal são descobertas apenas porque na Europa não são conhecidos. Nós conhecemo-los, eles conhecem-se a si próprios e nos seus países de origem", acrescentou. Mas a guerra anunciada é sobretudo um transformação da linguagem utilizada para falar de arte, uma linguagem inspirada pelas ciências sociais, em particular os estudos pós-coloniais e de género (na versão actual do feminismo, recusando qualquer identidade uniformizada). A curadora Gabi Ngcobo afirmou a necessidade de descolonizar e de levar a cabo um trabalho para desfazermos identidades, questionando construções históricas estabelecidas. Este princípio de recusa surge logo no título da Bienal, We don’t need another hero (citando Tina Turner numa canção numa perspectiva de auto-determinação), e prolonga-se no programa de actividades (intitulado "Eu não sou o que tu pensas que eu não sou", perturbando qualquer posição fixa). Não há bienal de arte contemporânea que não cite actualmente Fred Moten, poeta e investigador na área dos black studies (autor de The Undercommons com Stefano Harney). "Quando Fred Moten fala de comunidades fugitivas, com raízes na segregação, trata-se de elaborar um plano de fuga enquanto processo de subjectivação. Quer dizer, foge-se para fugir, não para atingir uma promessa de utopia. A ansiedade de chegar à promessa é na realidade a vontade de ser capturado, mas o mundo continua, as batalhas deslocam-se", como diz a artista Jota Mombaça. O tom de guerrilha poderia levar a pensar que esta bienal privilegiaria os discursos às formas. Não é o caso. Há momentos fortes: a surpresa de descobrir as pinturas abstractas em madeira da afro-americana Mildred Thompson (1936–2003) ou a forma como Belkis Ayón (1967–1999) inventa uma iconografia mística para a sociedade secreta cubana Abakuá, introduzindo um culto feminino. Mas esta edição é bem comportada, estudiosa e por vezes convencional. Oscar Murillo, um dos raros artistas expostos associado ao mercado da arte, bem pode explicar que a sua escultura intestinal já não digere os excessos do mundo, expulsando os humanos mas celebrando a livre circulação dos produtos; a Bienal parece querer posicionar-se do lado do bem, aquele que tem sempre razão. Não é de espantar que as obras mais perturbadoras sejam as que integram auto-crítica, humor e dissonâncias estéticas, como o vídeo da Sondra Perry fazendo um paralelo cáustico entre tipologias de jogadores de basquetebol (nos jogos de consola) e as classificações praticadas por museus ditos universais em relação a artefactos pilhados em África. A instalação vídeo marcante de Grada Kilomba (com a participação de Kalaf Epalanga como actor) lembra como uma voz doce pode demolir de forma radical as estruturas sociais arbitrárias assentes na violência - neste caso envolvendo o complexo de Édipo, mito "branco" perpetuando uma noção isolacionista de família. No meio das ruínas da instalação monumental da artista Dineo Seshee Bopape, inspirada num romance de Bessie Head sobre o mergulho na loucura de uma mulher colonizada, vê-se o rosto de Nina Simone, que gerou comoção, dizendo durante um concerto: "É impossível imaginar que possamos chegar à situação que faz com que esta canção se torne necessária". A Bienal de Berlim declarou guerra mas está sobretudo numa encruzilhada - como desfazer identidades quando é necessário lembrá-las para desencadear processos de emancipação? Falta para tal a capacidade de imaginar futuros desconhecidos.
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Partidos LIVRE
República Centro-Africana elege uma mulher para restaurar a paz
O Parlamento interino nomeou Catherine Samba-Panza para reconciliar o país e para pôr fim ao conflito étnico que dura desde Março. (...)

República Centro-Africana elege uma mulher para restaurar a paz
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150501041100/http://www.publico.pt/1620387
SUMÁRIO: O Parlamento interino nomeou Catherine Samba-Panza para reconciliar o país e para pôr fim ao conflito étnico que dura desde Março.
TEXTO: O Conselho Nacional de Transição da República Centro-Africana (RCA) elegeu esta segunda-feira Catherine Samba-Panza como Presidente interina. As prioridades da nova governante – a primeira mulher no cargo – são terminar com o conflito armado que domina o país e a marcação de eleições até ao final do ano. As condições para os candidatos se poderem apresentar perante o Parlamento eram muito restritivas. De fora ficaram todos aqueles que tiveram cargos políticos durante a governação do anterior Presidente, Michel Djotodia, os responsáveis partidários, os militares no activo e todos aqueles que pertenceram a uma milícia ou rebelião nos últimos vinte anos. Apesar das condicionantes, perfilaram-se oito candidatos para ocupar o cargo deixado por Djotodia a 10 de Janeiro, na sequência de pressões da comunidade internacional, especialmente da França. A antiga potência colonial enviou no início de Dezembro 1600 soldados para apoiar as forças da União Africana (MISCA) no processo de contenção do conflito. Depois de uma primeira volta em que nenhum dos candidatos conseguiu obter a maioria absoluta dos votos, os 129 membros do Conselho Nacional de Transição acabaram por eleger Samba-Panza, com 75 votos. Désiré Kolingba, filho de um antigo chefe de Estado e apoiado por uma parte dos ex-Séléka (grupos rebeldes, na sua maioria muçulmanos, que apoiaram a ascensão de Djotodia), contou apenas com o voto de 53 deputados. A Presidente da Câmara de Bangui era vista como uma das favoritas, reunindo o apoio de associações de mulheres, mas sobretudo por ter boas relações tanto com as milícias anti-balaka (grupos maioritariamente de cristãos) como com os ex-Séléka. O resultado da eleição foi recebido com aplausos por todos aqueles que se encontravam no Parlamento, descreve o correspondente da AFP, acrescentando que foi entoado o hino nacional da RCA. As primeiras palavras de Samba-Panza dirigiram-se a ambos os lados do conflito que dura há quase um ano e que já obrigou um milhão de pessoas a abandonar as suas casas. “Manifestem a vossa adesão à minha nomeação dando um sinal forte de deposição das armas”, afirmou. Pela frente, a nova Presidente tem a tarefa árdua de pacificar o país e criar condições para que se realizem novas eleições. Segundo o calendário da transição, o sufrágio deverá ser realizado o mais tardar durante o primeiro semestre de 2015, embora Paris prefira que as eleições se celebrem ainda este ano, de forma a pôr termo à operação militar no país. Foi com um tom conciliador que Samba-Panza se dirigiu aos seus compatriotas: "A partir deste dia, eu sou a Presidente de todos os centro-aficanos sem excepção. "O Presidente francês, François Hollande, saudou a escolha, garantindo que "a França está ao seu lado nesta tarefa difícil. " Os elogios foram reforçados pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, que considerou Samba-Panza "uma mulher notável. "Para além de Samba-Panza e de Kolingba, eram candidatos o ex-Presidente da Câmara de Bangui, Jean Gombé Ketté, o filho de um antigo Presidente, Sylvain Patassé, o alto funcionário internacional Faustin Takama, o empresário Emile Nakombo, a professora de inglês Regina Konzi-Mongo e o cirurgião Mamadou Nestor Nali. Apesar do reforço das forças de segurança com o envio do contingente francês, a violência tem sido difícil de controlar. Desde o início de Dezembro que os combates entre as milícias já fizeram mais de mil mortos. Notícia actualizada às 19:22 - Acrescentaram-se as declarações de François Hollande e de Laurent Fabius.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência filho mulher comunidade mulheres
Pensão de alimentos mantém-se até aos 25 anos para filhos que estudam
Nova lei deixa de obrigar filhos a exigir a um dos pais a manutenção da pensão de alimentos. (...)

Pensão de alimentos mantém-se até aos 25 anos para filhos que estudam
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nova lei deixa de obrigar filhos a exigir a um dos pais a manutenção da pensão de alimentos.
TEXTO: A partir desta quinta-feira, os jovens que façam 18 anos e estejam a concluir os estudos ou a formação profissional vão deixar de ter que exigir, numa conservatória ou num tribunal, a manutenção da sua pensão de alimentos paga por um dos pais até concluírem a sua educação. Passam, por isso, a ter direito de forma automática à pensão, no máximo, até aos 25 anos. Até agora, quando o filho de um casal divorciado ou separado de facto atingia a maioridade o progenitor que tinha o jovem a seu cargo deixava de poder exigir ao outro o pagamento da pensão. A lei já previa a possibilidade do jovem adulto receber a pensão até concluir os estudos, mas, caso o progenitor não a pagasse voluntariamente, exigia que o filho fizesse essa reivindicação formalmente. O próprio filho tinha que apresentar um pedido na Conservatória do Registo Civil para tentar um acordo e, na ausência deste, interpor uma acção em tribunal. Nesse procedimento o filho maior tinha que provar que ainda não completara os estudos e que era razoável exigir o cumprimento daquela pensão até completar a formação. A acção não podia ser intentada pelo progenitor com quem vivia, na maior parte dos casos a mãe, que acabava por assumir a maior parte das despesas do jovem. “Os filhos raramente intentavam estas acções, porque não se queriam incompatibilizar com o pai, tinham medo dele ou temiam as retaliações de que ele ou a mãe poderiam ser alvo”, sustenta Teresa Féria, presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a instituição que apresentou uma proposta de alteração legislativa aos partidos com assento parlamentar. O PS levou o projecto à Assembleia da República e a versão final do diploma foi aprovada por unanimidade em Julho. E entra em vigor esta quinta-feira. Isabel Moreira, a deputada que foi a primeira subscritora do projecto-de-lei, explica que se pretendeu dar resposta a um problema detectado por aquela associação, que afecta “um número considerável de jovens”, que deixa de frequentar o ensino superior ou a formação profissional “por falta de dinheiro e por não ter coragem de intentar uma acção em tribunal contra o progenitor”. Com esta alteração, a pensão de alimentos mantém-se "uma obrigação legal, contínua até à conclusão da formação dos jovens” e, desta forma, eles deixam de “ter que passar por este constrangimento”. “Retirou-se do filho esse peso”, frisa Isabel Moreira. Quanto à determinação do limite dos 25 anos, a deputada defende que esta é “a idade calculada para se concluir um mestrado integrado”. No entanto, não é obrigatório que a pensão se mantenha até o filho fazer 25 anos. A obrigação pode terminar antes, logo que forem concluídos os estudos, ou se o jovem tiver decidido “livremente” interrompê-los. Os pais que tiverem que pagar a pensão também podem pedir o fim da pensão fazendo “prova da irrazoabilidade da sua exigência”. Dulce Rocha, presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança, diz que “muito raramente” os filhos propunham estas acções, o que deixava “as mulheres, que em geral possuem uma menor capacidade financeira, com um encargo muito injusto”. “Nas situações de violência doméstica era certo e sabido que quando o filho fazia 18 anos o pai deixava de comparticipar nas despesas”, lamenta. Nos casos de incumprimento desta obrigação, o progenitor que tem o filho a seu cargo pode exigir ao outro o pagamento da pensão, o que não acontecia até agora. Por outro lado, a lei determina que os pais podem acordar ou o juiz decidir entregar a contribuição “no todo ou em parte aos filhos maiores”. Desde 1977, que o Código Civil prevê a manutenção da obrigação dos pais sustentarem os filhos após a maioridade quando estes não completaram a sua formação profissional “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”. Os tribunais têm estabelecido os limites da razoabilidade desta obrigação, tendo em 2005 a Relação do Porto aceite que um pai deixasse de suportar as despesas com a formação da filha que reprovara no primeiro ano do curso durante três anos. O Supremo Tribunal de Justiça considerou, em 2008, como causa de extinção da pensão de alimentos o facto de o filho maior frequentar há oito anos, sem qualquer êxito, por circunstâncias a si imputáveis, um curso que tinha a duração prevista de cinco anos. com Alexandra Campos
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Partidos PS
Prémio Sakharov entregue a Malala
Edward Snowden e um grupo de dissidentes políticos bielorrussos eram os outros nomeados para o prémio atribuído pelo Parlamento Europeu. (...)

Prémio Sakharov entregue a Malala
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Edward Snowden e um grupo de dissidentes políticos bielorrussos eram os outros nomeados para o prémio atribuído pelo Parlamento Europeu.
TEXTO: Malala Yousafzaï, a adolescente paquistanesa baleada na cabeça pelos taliban pela sua campanha em defesa do direito à educação das raparigas, venceu a edição de 2013 do Prémio Sakharov. A escolha de Malala, de 16 anos, foi unânime entre os presidentes dos grupos parlamentares. "O Parlamento Europeu saúda a força incrível desta jovem mulher", declarou o presidente Martin Schulz, através de um comunicado, citado pela AFP. "Malala defendeu com coragem o direito de todos os jovens à educação", um "direito muitas vezes negado às raparigas" em todo o mundo, acrescentou. O presidente do PE recordou ainda “que cerca de 250 milhões de raparigas no mundo não podem ir livremente à escola”, acrescentando que “o exemplo de Malala relembra-nos do dever e da responsabilidade de garantir o direito à educação das crianças. Este é o melhor investimento no futuro”. “Hoje, decidimos dizer ao mundo que a nossa esperança por um futuro melhor está em jovens como Malala Yousafzaï”, disse o líder do Partido Popular Europeu (PPE, o maior grupo político do parlamento), Joseph Daul. Também o líder dos Socialistas e Democratas (S&D, o segundo grupo), Hannes Swoboda, sublinhou que Malala é “uma jovem que arrisca a vida por valores e princípios em que ela, e nós, acreditamos: igualdade entre homens e mulheres e o direito à educação para todos”. Entretanto, os taliban afirmaram que Malala "nada fez" para receber o prémio. "Ela nada fez. Os inimigos do Islão deram-lhe esse prémio porque ela abandonou a religião muçulmana para se converter ao laicismo", defendeu, em declarações à AFP, Shahidullah Shahid, porta-voz dos taliban paquistaneses. Malala está também nomeada para o Prémio Nobel da Paz, que será anunciado na sexta-feira, prémio de que a própria não se considera merecedora, dizendo precisar ainda de trabalhar muito. Baleada na cabeça pelos talibanA paquistanesa tornou-se um símbolo da luta pelo acesso universal à educação, um direito recusado por aqueles que, como os taliban, querem impor uma versão radical da sharia (lei islâmica). A insistência de Malala em continuar a sua educação, à medida em que ia dando a conhecer ao mundo a sua luta através de um diário que mantinha para a BBC Urdu, fizeram da jovem um foco de rebelião que precisava de ser contido pelos fundamentalistas islâmicos, que a acusavam de veicular "propaganda ocidental". Há um ano, um grupo de taliban lançou um ataque à aldeia paquistanesa de Mingora, no Vale de Swat, na fronteira com o Afeganistão, que tinha como objectivo assassinar a jovem. Dois homens armados entraram no autocarro escolar em que seguia a jovem e perguntam por ela. Malala levantou-se, identificou-se e foi alvejada de imediato na cabeça. Entre a vida e a morte, foi levada para um hospital em Birmingham, Reino Unido. Ao fim de seis dias, Malala acordou, tal como o mundo acordou para a sua história. Esta semana foi publicada uma autobiografia da jovem, "I am Malala Yousafzaï", traduzida em cinco línguas. "Uma caneta pode mudar o mundo"Malala, discursando na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, apelou ao acesso à educação para todas as crianças. “Um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. A educação é a única solução. Educação primeiro”, destacou a jovem, que usava um xaile que pertenceu a Benazir Bhutto, a primeira-ministra paquistanesa assassinada em 2007. Em Abril, a activista inaugurou um fundo que visa garantir o acesso das jovens paquistanesas à educação. “Anunciar a primeira doação do Fundo Malala é o momento mais feliz da minha vida”, disse a jovem, na altura. “Permitam-nos que passemos da educação de 40 para 40 milhões de meninas. ”Malala vive em Inglaterra desde o ataque, mas pretende voltar ao Paquistão e dedicar-se à política e à defesa dos direitos das mulheres. No entanto, as ameaças dos fundamentalistas islâmicos continuam a ensombrar a vida de Malala, não se prevendo, para já, um regresso ao país natal. O Prémio Sakharov para a liberdade de pensamento, no valor de 50 mil euros, foi atribuído, em 2012, ao cineasta Jafar Panahi e à advogada e activista Nasrin Sotoudeh, ambos iranianos. Nelson Mandela e o dissidente soviético Anatoli Marchenko (a título póstumo) foram os primeiros galardoados, em 1988. Em 1999, o prémio Sakharov foi entregue a Xanana Gusmão (Timor-Leste) e, em 2001, a Zacarias Kamwenho (Angola).
REFERÊNCIAS:
Partidos Partido Popular Europeu