Cavaco Silva: "Surgiu perante mim uma mulher com ar simples e tímido"
Leonor Beleza apresenta no dia 24 de Outubro, pelas 18h30, o segundo volume de Quinta-feira e Outros dias: Da Coligação à "Geringonça". O PÚBLICO antecipa, em primeira mão, o capítulo onze das memórias do ex-Presidente da República, em cujas páginas Aníbal Cavaco Silva relata a sucessão de Pinto Monteiro e os bastidores da escolha de Joana Marques Vidal como procuradora-geral da República. Há segredos revelados. (...)

Cavaco Silva: "Surgiu perante mim uma mulher com ar simples e tímido"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.25
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Leonor Beleza apresenta no dia 24 de Outubro, pelas 18h30, o segundo volume de Quinta-feira e Outros dias: Da Coligação à "Geringonça". O PÚBLICO antecipa, em primeira mão, o capítulo onze das memórias do ex-Presidente da República, em cujas páginas Aníbal Cavaco Silva relata a sucessão de Pinto Monteiro e os bastidores da escolha de Joana Marques Vidal como procuradora-geral da República. Há segredos revelados.
TEXTO: O Procurador-Geral da República, Juiz-Conselheiro Fernando Pinto Monteiro, terminava o seu mandato em 9 de outubro de 2012. Depois de, nas duas quintas-feiras anteriores, lhe ter lembrado este facto, o Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho entregou-me na reunião de 1 de outubro, segunda-feira, os curriculum de dois magistrados do Ministério Público. Mencionou um terceiro nome, de um ex-juiz do Tribunal Constitucional, em relação ao qual necessitava ainda de obter informação adicional. Sobre esses nomes tinha falado, disse-me, com o líder do Partido Socialista (PS), António José Seguro, mas este ainda não lhe tinha transmitido a sua opinião. Perante as informações que tinha vindo a recolher junto de pessoas conhecedoras dos meios judiciários e de elementos da minha Casa Civil, chegara à conclusão de que o próximo Procurador-Geral da República deveria ser oriundo do Ministério Público. O Juiz-Conselheiro Pinto Monteiro sempre mantivera um relacionamento correto com a Presidência da República. No entanto, confrontando as expectativas no momento da sua posse, quando lhe tinha recomendado “discrição na ação e visibilidade nos resultados”, e a realidade do seu desempenho, tinha de reconhecer que o mandato não correra bem. A sua dificuldade de diálogo e a tensão permanente com os elementos do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, em que as acusações mútuas na praça pública se sucediam, bem como as suas frequentes declarações à comunicação social e as controvérsias sobre casos concretos de investigação criminal, tinham sido muito negativas para a credibilidade e para a imagem do Ministério Público. Para a generalidade dos analistas e agentes da área da Justiça, ficara provado que a competência jurídica não era suficiente para gerir uma instituição como a Procuradoria-Geral da República. Após a tomada de posse do XIX Governo Constitucional, em 21 de junho de 2011, surgira a dúvida quanto à data em que o Juiz-Conselheiro Pinto Monteiro cessaria as suas funções: a idade legal de jubilação, setenta anos, tal como acontecia com os Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo, ou seis meses mais tarde, quando se completassem seis anos de mandato sobre a sua tomada de posse. Era sabido que o Juiz-Conselheiro Pinto Monteiro não tinha o apoio do novo Executivo, cujo desejo era substituí-lo o mais rapidamente possível. Vários membros do Governo tinham feito avaliações públicas muito negativas do trabalho por ele realizado. Embora não tendo lei expressa a suportar a sua tese, Pinto Monteiro entendia que, tal como acontece com o Provedor de Justiça, o Procurador-Geral da República não estava sujeito ao limite de idade para o exercício de funções públicas, se este ocorresse antes do fim do seu mandato. Decidi optar pela interpretação do Juiz-Conselheiro Pinto Monteiro e disso dei conhecimento ao Primeiro-Ministro. Para mim, a afirmação da defesa do princípio da autonomia do Ministério Público e da garantia de independência do Procurador-Geral da República face ao Governo eram mais importantes do que eventuais razões de perda de confiança política. Por outro lado, era meu entendimento que só em circunstâncias excecionais se poderia justificar a interrupção do mandato do Procurador-Geral da República. Na audiência que concedi a Pinto Monteiro, no princípio de maio de 2012, falei-lhe das dúvidas quanto à data de cessação do seu mandato. Pedi-lhe que evitasse polémicas e atritos institucionais com o Governo, em particular com a Ministra da Justiça. Apesar da minha advertência para que se empenhasse na criação de um clima de apaziguamento na área da Justiça que facilitasse a discussão pública das reformas decorrentes do Programa de Assistência Financeira, Pinto Monteiro sentiu necessidade de reiterar a acusação de que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público dominava o Conselho Superior do Ministério Público, de exercer influência nociva sobre a Ministra da Justiça e de estar na origem de fugas de informação para a comunicação social. Um mês antes de cessar funções, voltei a receber o Procurador-Geral da República. Uma audiência cordial de despedida, em que me falou do orgulho que sentia por aquilo que tinha feito em diferentes áreas — cooperação com os PALOP, criação de equipas especiais de combate à criminalidade, combate às situações de violência doméstica, contra os idosos e nas escolas, investigação da corrupção, como nunca antes se verificara —, e também daquilo que gostaria de ter feito e não conseguira — alteração do Estatuto do Ministério Público e da composição do respetivo Conselho Superior. Por outro lado, fez uma breve análise das pessoas que poderiam ser candidatas à sua substituição. Fiquei a conhecer a sua preferência: uma Procuradora-Geral Adjunta diferente daquela que acabaria por ser escolhida. No dia 3 de outubro de 2012, ao chegar de Madrid, onde fora receber o Prémio Nueva Economia Fórum e participar no encerramento do Encontro da COTEC Europa, tinha no meu computador dois e-mails do Primeiro-Ministro. Um, em que me enviava a lista final das medidas a incluir no Orçamento do Estado para 2013 acordadas com a troika, na sequência do abandono pelo Governo da decisão de alterar a Taxa Social Única (TSU), assim como o documento de suporte à conferência de imprensa que o Ministro da Finanças daria às 15h00; e um outro e-mail, fazendo saber que queria dar-me conta do resultado da conversa com António José Seguro sobre o novo Procurador-Geral da República. Falámos telefonicamente cerca das 22h30. O líder do PS transmitira-lhe opiniões negativas relativamente a dois dos três nomes que me tinha apresentado a 1 de outubro. Quanto ao terceiro nome, Joana Marques Vidal, Procuradora-Geral Adjunta, que exercia funções nos Açores, a sua opinião era positiva e dava acordo à nomeação. O Primeiro-Ministro acrescentou que Joana Marques Vidal era também o nome preferido pelo Governo: tratava-se de uma mulher próxima da esquerda, sendo que obtivera informações de que era uma excelente profissional, de espírito independente. No dia seguinte, 4 de outubro, falei telefonicamente com o líder do PS. Confirmou-me o seu apoio à nomeação de Joana Marques Vidal. Apoiaria igualmente o nome do Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça que referira ao Primeiro-Ministro, um magistrado de competência jurídica indiscutível, mas compreendia a explicação que lhe fora dada para a sua não inclusão na lista dos potenciais candidatos. Da análise a que entretanto procedi sobre os três nomes que o Primeiro-Ministro me tinha apresentado, cheguei à conclusão de que a vantagem pendia para o lado de Joana Marques Vidal. No entanto, para além de não a conhecer pessoalmente — sabia apenas ser filha do Juiz Conselheiro José Alberto Marques Vidal, que fora diretor da Polícia Judiciária no meu tempo de Primeiro-Ministro —, as informações que sobre ela recolhera não eram uniformes. Para uns, como era o caso do Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, embaixador Pedro Catarino, era uma mulher íntegra, independente, dedicada ao serviço público. Também o Ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que a conhecia, transmitira ao Primeiro-Ministro as melhores referências. Já para outros, não tinha estatuto e competência jurídica nem capacidade de liderança. No final da tarde do dia 4 de outubro, telefonei à Ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, perguntando-lhe se tinha sondado Joana Marques Vidal sobre se aceitaria ser proposta pelo Governo ao Presidente da República para ocupar o lugar de Procuradora-Geral. Respondeu-me que o tinha feito naquele mesmo dia e que ela lhe dissera que considerava que não tinha condições para desempenhar um lugar tão difícil e mostrara grande resistência. Estava preparada para insistir e tentar convencê-la. Conhecia-a do Conselho Superior do Ministério Público e tinha dela uma excelente impressão. Disse à Ministra que, apesar de Joana Marques Vidal merecer a preferência tanto do Governo como do PS, não podia dar luz verde à sua nomeação sem a ouvir e saber o que pensava do funcionamento do Ministério Público. Encontrando-se ela em Ponta Delgada, o melhor seria pedir-lhe para vir a Lisboa de modo a possibilitar uma apreciação mais completa. No dia 5 de outubro de 2012, após as cerimónias dos 102 anos da Proclamação da República, a Ministra da Justiça telefonou-me dizendo que Joana Marques Vidal estava em Lisboa, que tivera com ela uma longa conversa e que estava disponível para aceitar o lugar, desde que tivesse a confiança do Presidente da República. Combinei recebê-la às 17h00 no Palácio de Belém. Surgiu perante mim uma mulher com ar simples e tímido, pouco entusiasmada com a perspetiva de ocupar um lugar da relevância jurídica e política como o de Procuradora-Geral da República. Foi pouco clara quando lhe perguntei a opinião sobre a situação que se vivia no Ministério Público. Estava há sete anos nos Açores. Foi cuidadosa ao referir-se ao Procurador-Geral da República, mas não deixou de dizer que Pinto Monteiro sabia que ela discordava de várias das suas atitudes e decisões e deixara que se desenvolvesse a ideia de alguma interferência de poder político no Ministério Público. Contrariamente a Pinto Monteiro, não entendia que o Procurador-Geral da República tivesse falta de poderes. Surpreendeu-me a sua franqueza ao afirmar que era uma pessoa de esquerda, vista como não alinhada com o Governo em funções e que a sua nomeação podia dar lugar a críticas pelo facto de ter pertencido ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, de o seu irmão ser procurador em Aveiro e ter em mãos o processo “Face Oculta” e de o seu pai ter sido Diretor da Polícia Judiciária, aspetos que achava que eu devia ter em devida consideração. Sublinhei que o Procurador-Geral da República devia ser uma pessoa independente em relação ao poder político e a outros poderes existentes na sociedade portuguesa. Referi-lhe que a eficácia dos magistrados e a confiança dos cidadãos eram fatores essenciais à credibilidade, ao prestígio e ao bom funcionamento de uma instituição como o Ministério Público. Havia que melhorar o controlo do segredo de justiça e a coordenação entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária no domínio da investigação criminal. Havia muito trabalho a fazer nestas áreas. Os conflitos entre o Procurador-Geral da República e o Sindicato — e também com o Governo —, as declarações intempestivas na praça pública, a gestão dos processos mediáticos e as fugas de informação tinham deteriorado bastante a imagem do Ministério Público, um pilar fundamental da nossa democracia, a quem cabe a responsabilidade pelo exercício da ação penal e a defesa da legalidade. O novo Procurador-Geral da República devia ser capaz de marcar uma viragem na vida da instituição. Devia manifestar abertura ao diálogo e à cooperação construtiva com os outros operadores do sistema de justiça, de modo a concretizar as reformas necessárias nesta área. Acrescentei que o mau funcionamento da Justiça era visto como um custo de contexto para as atividades empresariais e como um fator de bloqueio ao desenvolvimento económico do País. Era isso que explicava a longa lista de medidas na área da Justiça que fazia parte do Programa de Ajustamento que o anterior Governo tinha negociado com a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. No final da conversa, retive a impressão de que Joana Marques Vidal tinha dúvidas quanto à sua capacidade para desempenhar cargo de tão grande responsabilidade e que nos últimos anos tinha estado envolvido em inúmeras controvérsias. Eu tão pouco estava seguro de que o seu perfil fosse o mais adequado para o lugar. Fiquei com a ideia de que se tratava de uma pessoa honesta, discreta, ponderada, não agressiva, que, pelo seu feitio, gostaria de ser vista como independente mesmo em relação aos mais próximos, como o Sindicato e a esquerda política, e que não seria uma mulher com apetência mediática. Fiquei convicto de que seria diferente do Juiz-Conselheiro Pinto Monteiro quanto a dois pontos importantes, em que ele, na minha opinião, tinha falhado: o diálogo com os magistrados do Ministério Público e com os outros responsáveis do sistema de Justiça, e a contenção verbal perante a comunicação social. Cheguei à conclusão de que Joana Marques Vidal tinha vantagem em relação aos outros nomes que o Governo me apresentara: estivera afastada das polémicas em que o Ministério Público se envolvera nos últimos anos e era aceite tanto pelo Governo como pelo maior partido da oposição. Foi na manhã desse 5 de outubro que se deu, durante a cerimónia comemorativa dos 102 anos da Implantação da República na Câmara Municipal de Lisboa, o episódio da Bandeira Nacional invertida. Da posição em que nos encontrávamos, na varanda dos Paços do Concelho, a puxar a adriça com o Presidente da Câmara, António Costa, não nos apercebemos de que a Bandeira Nacional estivesse mal colocada. De forma correta e mostrando-se disponível para procurar reparar a situação, António Costa escreveu-me no dia seguinte, ciente de que eu fora “totalmente alheio ao erro cometido”. Em seu nome e no do Município de Lisboa, apresentou desculpas pelo “desagradável incidente” e pelo “incómodo causado” e assumiu as responsabilidades pelo “lapso involuntário de quem embainhou a bandeira”. O episódio foi explorado mediaticamente para atacar o Governo e o Presidente da República, que nada tinham a ver com o erro. No rescaldo da crise da TSU e do anúncio do “enorme aumento de impostos”, era uma metáfora aliciante para os partidos da oposição e para a comunicação social, sobretudo num tempo em que as divisões internas no Governo se tornavam evidentes. Nesse dia 5 de outubro, antes do almoço, o líder do PS telefonara-me a dar conta da opinião sobre Joana Marques Vidal que tinha recolhido junto do Juiz-Conselheiro Fernando Pinto Monteiro e do Presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’Oliveira Martins. Surpreendeu-me esta auscultação, tratando-se de um assunto confidencial. Não me espantou, pois, que já antes da audiência ao Primeiro-Ministro o nome de Joana Marques Vidal tivesse aparecido na imprensa online. A decisão não podia ser adiada. Dos três nomes que o Governo me tinha apresentado, a minha preferência ia claramente para Joana Marques Vidal, e não tinha razões para declinar a sua nomeação. No dia 8 de outubro, segunda-feira, reuni-me com o Primeiro-Ministro para resolver em definitivo a escolha do novo Procurador-Geral da República. O Procurador em funções terminaria o mandato no dia seguinte. O Primeiro-Ministro confirmou-me que Joana Marques Vidal aceitava desempenhar o cargo, afirmou que a Ministra da Justiça estava convencida de que se tratava de uma excelente escolha e sublinhou a importância de ser uma pessoa que chegava “limpa” à Procuradoria-Geral da República, sem trazer consigo notícias ou polémicas referentes a casos passados. Comecei por dizer-lhe que a recebera no dia 5 de outubro. Se bem que uma única conversa não permita uma avaliação adequada de uma pessoa, ficara com a ideia de que era uma mulher séria, profissional, que pensava pela sua própria cabeça, com preocupações de isenção e rigor e sentido de serviço público. Quanto às suas capacidades de liderança e para enfrentar situações difíceis, não era capaz de me pronunciar. Concluí dizendo ao Primeiro-Ministro: “É fundamental que o Ministério Público entre numa nova fase. Deus queira que resulte. ”A posse de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República teve lugar no dia 12 de outubro. No discurso que então proferi, afirmei: “A atuação dos magistrados do Ministério Público deve pautar-se pelo rigor e pela discrição e deve ser avessa a protagonismos mediáticos (. . . ). A investigação criminal e a defesa da legalidade devem ser realizadas com isenção e com rigor, apresentando resultados concretos aos cidadãos que legitimamente aspiram a uma Justiça mais célere e mais eficaz. ”As minhas expectativas quanto à nova liderança da Procuradoria-Geral da República não eram muito elevadas, mas a verdade é que Joana Marques Vidal acabou por me surpreender pela positiva. Dos contactos que com ela mantive durante o meu tempo de Presidente da República, concluí que era, de facto, uma pessoa ponderada e reservada, dedicada ao serviço público, empenhada em imprimir um novo rumo à magistratura do Ministério Público e em melhorar a capacidade de investigação criminal. Na audiência que lhe concedi em dezembro de 2015, felicitei-a pela discrição e contenção verbal em relação à comunicação social, pela gestão cuidadosa das suas declarações públicas e pela abertura e serenidade demonstradas no diálogo com os órgãos de soberania e com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, o que contribuíra significativamente para a melhoria da imagem da instituição. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Referi também, com agrado, o progresso registado no combate às fugas de informação, e às violações do segredo de justiça, domínios que exigiam um esforço continuado e absoluta determinação de penalizar os infratores. Em maio de 2015, em audiência no Palácio de Belém, o Presidente do Sindicato dissera-me: “A atual Procuradora-Geral da República, por ser da casa e conhecer o problema da investigação, pacificou o Ministério Público. ”Devo reconhecer que Joana Marques Vidal, em cujo mandato se concentraram casos de enorme complexidade, revelou capacidade de comunicação, firmeza nas difíceis decisões que foi chamada a tomar e imprimiu uma nova dinâmica à investigação criminal. Conquistou a confiança e o respeito dos portugueses.
REFERÊNCIAS:
A vida privada de Tamara Jenkins
Private Life, que saiu no Netflix, é apenas o terceiro filme da realizadora norte-americana numa carreira de mais de 25 anos. (...)

A vida privada de Tamara Jenkins
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Private Life, que saiu no Netflix, é apenas o terceiro filme da realizadora norte-americana numa carreira de mais de 25 anos.
TEXTO: É uma pena que Private Life, que saiu no início de Outubro no Netflix, seja apenas a terceira longa metragem de Tamara Jenkins em mais de 25 anos de carreira. A realizadora e argumentista responsável por pérolas como Slums of Beverly Hills, de 1998, e Os Savages, de 2007, ambos filmes que não tiveram estreia comercial em Portugal, tem muito para dar ao mundo em termos de comédias dramáticas idiossincrásicas que não têm pressa de chegar a lado nenhum e são inspiradas pela sua vida pessoal, além de terem sempre elencos notáveis. E devia ter mais do que um filme por década. Slums, com Natasha Lyonne, Marisa Tomei e Alan Arkin, olhava para a educação pouco convencional da realizadora, cujo pai pobre mudava a família para as casas mais baratas de Beverly Hills para poder dar acesso aos filhos a uma melhor educação, enquanto Savages, com Laura Linney e Philip Seymour Hoffman, mostrava uma irmã e um irmão a verem-se obrigados a cuidar da demência do pai. Private Life, com a invariavelmente impressionante Kathryn Hahn e Paul Giamatti, lida com as tentativas de um casal nova-iorquino infértil a tentar ter um filho depois dos 40, seja por fertilização in vitro ou adopção. São os dois dados às artes – ele, um encenador, é gerente de uma marca de pickles, ela é escritora –, e adiaram ter filhos para cuidarem das suas carreiras – num dos melhores diálogos do filme, ela culpa a segunda vaga de feminismo e Gloria Steinem pela infertilidade. É baseado, em parte, nos esforços que a realizadora e o marido, Jim Taylor, o parceiro de escrita de Alexander Payne – e com quem ela co-assinou o argumento de Juliet, Nua, de Jesse Peretz, que esteve nas salas portuguesas este ano. Na sua obra, Tamara Jenkins trata temas pessoais que, como ela diz em entrevistas, não são propriamente os mais apelativos para conseguirem financiamento (a demência na terceira idade e a infertilidade não são, alega, sexy para investidores), o que poderá explicar a pouca prolificidade dela. Mas são temas que, até agora, têm funcionado bem, seja pela escrita ou pela atenção dada pela realizadora aos actores, que aqui incluem também a novata Kayli Carter como uma jovem possível dadora de óvulos, a ex-Saturday Night Live Molly Shannon, que abrilhanta tudo aquilo em que aparece e John Carroll Lynch, presença assídua do cinema indie norte-americano – e o realizador de Lucky. É um elenco que parece ter sido talhado para o equilíbrio entre comédia e drama que ela procura (e consegue encontrar), com muito de desconfortável, verdadeiro, doce, humano e hilariante pelo meio. É verdade que, em termos de oferta de filmes originais, o Netflix por vezes deixa bastante a desejar – há alguém que se lembre de The Cloverfield Paradox, lançado de surpresa no serviço de streaming? Ao mesmo tempo, há milagres como Private Life, que talvez não existissem doutra maneira e, mesmo que fossem feitos, provavelmente não chegariam a Portugal a tempo e horas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho educação feminismo
Salome quer empresas a promover os direitos humanos
Os direitos económicos e sociais têm sido o foco da CiDA – Civil Development Agency, uma organização não-governamental da Geórgia que sensibiliza as empresas a melhorar a vida dos grupos mais vulneráveis do país. A directora executiva, Salome Zurabishvili, recebeu a Bolsa Sakharov em 2017. (...)

Salome quer empresas a promover os direitos humanos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os direitos económicos e sociais têm sido o foco da CiDA – Civil Development Agency, uma organização não-governamental da Geórgia que sensibiliza as empresas a melhorar a vida dos grupos mais vulneráveis do país. A directora executiva, Salome Zurabishvili, recebeu a Bolsa Sakharov em 2017.
TEXTO: “Sem as empresas, não é possível melhorar a situação dos direitos humanos”, vinca Salome Zurabishvili, activista da Geórgia. Foi a partir desta evidência – de que a sociedade civil e o Estado não podem fazer tudo sozinhos – que esta jovem advogada especializada em direitos humanos dinamizou um projecto de responsabilidade corporativa que já abrange mais de cem empresas no seu país. É nesta plataforma empresarial que a CiDA – Civil Development Agency tem alicerçado a maioria dos seus projectos de promoção de direitos humanos nos últimos anos. “É um aspecto que tende a ser ignorado. Mas se queremos um desenvolvimento sustentável e inclusivo - argumenta a directora executiva desta ONG - isso não pode ser atingido sem as empresas, porque elas controlam uma boa parte da economia do país”. Salome é também coordenadora, desde 2016, da rede UN Global Compact na Geórgia, uma iniciativa internacional que incentiva a adesão voluntária das empresas a princípios de sustentabilidade. Na Geórgia, há 32 que já assinaram o compromisso. A lógica é simples: quanto mais empresas participam, mais pessoas se protegem. “Algumas destas empresas têm mais de 2000 ou 3000 funcionários”, lembra Salome Zurabishvili. “Quanto mais empresas envolvemos – deduz - maior cobertura temos do país”. Esta organização não-governamental, criada em 2002, tem procurado expandir o seu alcance a todo o território nacional, dinamizando projectos para a revitalização económica de zonas de fronteira (com o Azerbaijão) ou promovendo acções para a capacitação de ONG de dimensão mais local. Todas as empresas colaboram com a associação “de forma diferente”, mas partilhando valores comuns de protecção dos direitos humanos e de prevenção da discriminação no local de trabalho, através de projectos que visam a integração de pessoas com deficiência, a capacitação das mulheres ou a inclusão de ex-presidiários e minorias étnicas. A disseminação de boas práticas e estratégias de integração é feita através de consultoria, acções de formação ou conferências temáticas. Uma das últimas conferências, realizada no passado dia 10 de Dezembro, congregou mais de 90 empresas e 150 gestores de topo, e focou a importância da igualdade de género para o crescimento do país e o papel do sector privado no empoderamento das mulheres. De resto, garantir que as mulheres têm a sua autonomia (nomeadamente pela via económica) e beneficiam do desenvolvimento do país tem sido uma das principais linhas de acção do trabalho desta activista georgiana. O interesse de Salome Zurabishvili no papel que as empresas podem desempenhar em prol dos direitos humanos não é de agora. Remonta a 2013, quanto a advogada escolheu como tema da sua tese de mestrado, defendida na Universidade de Lund, na Suécia, o papel da responsabilidade corporativa em países em transição. O estudo de caso focava a desigualdade, com base na religião, género e deficiência, em locais de trabalho no Myanmar. O passo seguinte era tentar fazer a diferença no terreno. O desejo de se tornar advogada e de proteger os direitos humanos vem ainda mais de trás: Salome tinha apenas 15 anos quando identificou a sua vocação e, aos 16, entrava na Faculdade de Direito. Pouco depois de concluir a licenciatura, já estava embrenhada na área, trabalhando directamente com diferentes ministérios do governo da Geórgia e organizações internacionais na preparação de relatórios oficiais para as Nações Unidas sobre o progresso do país em matéria de direitos humanos. “Estava sempre bem informada sobre o que se passava no país e também no resto do mundo”, salienta a jovem advogada, que partilha com a recém-eleita presidente da Geórgia o nome e apelido, mas não qualquer parentesco. Também por esta proximidade que foi cultivando com diferentes forças da sociedade, a activista lamenta que na Geórgia a desconfiança e o descrédito mútuo ainda prevaleçam, muitas vezes, na relação entre o governo e a sociedade civil. Ainda assim, admite, como a CiDA trabalha na área dos direitos económicos e sociais – e não em temas “mais sensíveis, como os direitos políticos, por exemplo” – acaba por ter uma relação facilitada com as autoridades. “Esta divisão não é benéfica para o país”, insiste. “Os diferentes stakeholders deviam coordenar o seu trabalho para melhorar a situação. Cada sector tem algo a oferecer” em prol dos direitos humanos, considera. A falta de consenso político em torno da reforma do sistema eleitoral do país e suspeitas de interferência do governo em meios de comunicação social têm sido alguns dos principais motivos de alerta sobre o país de organizações internacionais como a Human Rights Watch. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No âmbito da sua política de promoção dos direitos humanos em países terceiros, a União Europeia tem financiado diversos projectos da CiDA, nomeadamente na área da responsabilidade corporativa e da reabilitação de ex-reclusos. A participação no programa de formação da Bolsa Sakharov, organizado pelo Parlamento Europeu, foi mais uma oportunidade para Salome Zurabishvili partilhar a sua visão inclusiva e os bons resultados que tem alcançado junto de decisores à escala europeia. “Temos uma cooperação muito boa”, afirma. Com os colegas activistas dos vários cantos do mundo, também “aprendeu muito” sobre temas que lhe interessam, como a cibersegurança ou a liberdade de informação em contexto eleitoral. Ainda assim, a advogada não deixa de apontar oportunidades de melhoria na cooperação com a Europa. O que mais a preocupa é o sistema de distribuição de fundos de apoio à sociedade civil deixar de lado as pequenas organizações de base, mais próximas do terreno e das pessoas, privilegiando antes grandes fundações e organizações internacionais. Um mecanismo de atribuição de pequenas subvenções “teria melhores resultados e fortaleceria a sociedade civil em zonas onde a população mais precisa dela”, vaticina. O apoio político é tão ou mais importante que o financeiro. “É muito importante que a UE pressione para que as obrigações a que o governo [georgiano] se comprometeu, [na área dos direitos humanos] sejam cumpridas”, defende ainda.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Palavras, expressões e algumas irritações: caixa de Pandora
Abriu-se o “saco dos ventos”, disse Manuel Alegre, que ficou perplexo com a mudança de estratégia do secretário-geral do PS relativamente ao caso Sócrates. Mas só agora é que António Costa descobriu a brisa... da corrupção que se escapou da “caixa de Pandora”, onde cabiam Manuel Pinho e o Banco Espírito Santo. (...)

Palavras, expressões e algumas irritações: caixa de Pandora
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Abriu-se o “saco dos ventos”, disse Manuel Alegre, que ficou perplexo com a mudança de estratégia do secretário-geral do PS relativamente ao caso Sócrates. Mas só agora é que António Costa descobriu a brisa... da corrupção que se escapou da “caixa de Pandora”, onde cabiam Manuel Pinho e o Banco Espírito Santo.
TEXTO: A “caixa de Pandora” significa “a origem de todos os males”. A expressão voltou a circular na comunicação social através das palavras de Manuel Alegre, depois de, “de um momento para o outro, ter caído a estratégia de António Costa com mais de três anos de separar o caso Sócrates da política e do PS”. Falou e disse: “Abriram o saco dos ventos. ”Afinal, quem foi e o que fez Pandora? O dicionário enciclopédico explica o mito grego: “Primeira mulher, segundo Hesíodo. Criada por Atena e Hefesto com todas as perfeições, Hermes fê-la curiosa e enganadora. Zeus entregou-lhe uma vasilha fechada, que Pandora destapou e todos os males que ela continha se espalharam pelo mundo. ”Os males teriam sido inveja, ódio, dor, velhice, fome, pobreza, guerra e morte. Entre as várias listagens dos “ventos” malévolos que se libertaram da caixa, não consta a corrupção. Mas foi esta brisa. . . que António Costa, ex-ministro de José Sócrates, descobriu (só) agora. Para evitar “embaraço mútuo”, Sócrates “desfiliou-se” do PS. Se na altura da detenção do ex-primeiro-ministro o actual secretário-geral do PS conseguiu que sobre isso não se falasse no congresso que se avizinhava, agora será difícil fugir ao tema no próximo encontro na Batalha. O homem da “palavra dada, palavra honrada” tem agora a versão da “desonra para a democracia”, caso se provem as ilegalidades. A “vergonha” que os dirigentes socialistas dizem sentir chegou com algum atraso. “Finalmente começou a reflexão no PS”, disse Ana Gomes, que andou a falar sozinha desde que se divulgaram as ligações duvidosas entre Manuel Pinho e o BES enquanto era ministro de José Sócrates. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Diz-se que no fundo da “caixa de Pandora” se encontrava a “esperança” e que foi a última a escapar. Mas também se diz que Pandora não voltou a abrir a caixa e, por isso, “a esperança permanece até hoje guardada”. “Pandora” também significa “molusco hemibrânquio” e ainda “instrumento de dezanove cordas que é o baixo da mandolina”. E não há mal nisso. A rubrica Palavras, expressões e algumas irritações encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
Trump já tem um adversário de peso em 2020: Elizabeth Warren
A corrida está aberta, agora que já há um nome de peso em jogo. A conhecida senadora do Massachusetts quer garantir a dianteira entre os democratas. (...)

Trump já tem um adversário de peso em 2020: Elizabeth Warren
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.433
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A corrida está aberta, agora que já há um nome de peso em jogo. A conhecida senadora do Massachusetts quer garantir a dianteira entre os democratas.
TEXTO: A senadora democrata do Massachussets Elizabeth Warren acaba de se tornar na primeira política de peso a declarar a intenção de se candidatar às eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos. Com um vídeo a meio caminho entre a biografia e um programa económico divulgado online na véspera de Ano Novo, Warren coloca-se na dianteira dos vários membros do Partido Democrata que deverão tentar a candidatura. “A classe média da América está sob ataque”, diz no vídeo a senadora a quem o Presidente Donald Trump chamou várias vezes Pocahontas – isto porque ela diz ter antepassados nativo-americanos; entretanto, e depois de uma longa polémica, em Outubro apresentou os resultados de um teste de ADN que provam com grande probabilidade a existência de um distante antepassado na sua árvore genealógica. “Como é que aqui chegámos?”, pergunta Warren. “Os bilionários e as grandes corporações decidiram que queriam mais uma parte do bolo e recrutaram políticos para lhes cortar uma fatia mais gorda”, afirma, tocando nas suas habituais críticas aos grandes bancos e corporações. Warren anunciou que está a criar um comité exploratório – legalmente, esse é o primeiro passo para entrar numa corrida presidencial. Fá-lo num momento em que “outros candidatos, incluindo alguns dos seus colegas senadores, ultimam os preparativos para os seus próprios anúncios, alguns dos quais se esperam para os próximos dias”, escreve o diário The Washington Post. Até agora, só declararam interesse em concorrer dois políticos menos conhecidos, o republicano do Maryland John Delaney, e Julián Castro, antigo mayor de San Antonio, democrata que também foi secretário de Barack Obama para a Habitação e o Desenvolvimento Urbano – aconteceu no segundo mandato do ex-Presidente; Castro, hoje com 44 anos, era o membro mais novo da Administração. No vídeo divulgado por Elizabeth Warren, episódios da sua infância dura em Oklahoma (teve de servir à mesa aos 13 anos para ajudar a pagar as contas médicas do pai, que sofrera um ataque cardíaco) são intercalados com gráficos que ilustram a perda de poder de compra por parte da classe média, imagens de Trump e de alguns dos seus assessores de que os liberais menos gostam, incluindo Stephen Miller, o autor, entre outras, da política que levou à separação das crianças que entram de forma irregular pela fronteira mexicana dos familiares que com elas viajavam. Kellyane Conway, que foi directora da campanha do actual Presidente e é sua assessora desde Agosto de 2016, aparecendo com frequência nos média a defender as opções de Trump, também tem o seu lugar no vídeo. Para além do episódio do teste de ADN, ao qual não se faz qualquer referência nesta apresentação de candidatura, os seus apoiantes temem que também tenha perdido terreno com os resultados das eleições de Novembro, quando o sucesso dos democratas, que reconquistaram a Câmara dos Representantes, se ficou a dever a candidatos que em muitos casos pertencem a uma geração mais nova. “Warren perdeu o seu momento em 2016, e há razões para sermos cépticos face à sua possível candidatura em 2020”, escreveu este mês em editorial o jornal Boston Globe, da cidade que se espera venha a ser a sede de campanha da senadora. “Apesar de ser uma senadora eficiente e com impacto, e uma voz importante em termos nacionais, tornou-se uma figura divisiva. O que o país precisa depois das políticas de polarazição de Donald Trump é de uma voz unificadora. ”Mas aos 69 anos, a ex-professora de Direito não deixa de ser uma grande candidata. Para além da sua comprovada formidável capacidade de recolher fundos de pequenos doadores, tem uma facilidade em criar momentos virais que a colocam no centro das atenções. Num episódio em Fevereiro de 2017, quando foi impedida de criticar o então candidato de Trump a attorney general (equivalente a ministro da Justiça), Jeff Sessions (entretanto demitido), no Senado, desencadeou uma vaga de apoio nas redes sociais simbolizada pelo hashtag #shepersisted. Warren queria ler uma carta da viúva de Martin Luther King no debate sobre a nomeação de Sessions. O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, impediu-a: “Ela foi avisada. Recebeu uma explicação e, mesmo assim, ela persistiu [na leitura da carta de Coretta Scott King de 1986, onde esta criticava Sessions, nomeado na altura para juiz federal]”, afirmou para justificar a votação que se seguiu, e com a qual os republicanos conseguiram impedir que a democrata voltasse a tomar a palavra. Ora, foi precisamente o facto de ela ter “persistido” que foi sublinhado no apoio que originou. “Mesmo assim, ela persistiu” transformou-se num grito em comícios e manifestações de americanos liberais. Entretanto, lembra o Washington Post, passou este ano a apoiar candidatos ao Congresso um pouco por todo o país, montando “um gabinete de guerra” na suas sedes de campanha para a reeleição no Senado que permitiu “mentorar, ajudar e recolher dinheiro para outros candidatos ao Congresso ou a cargos locais, criando alianças no processo”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Passei a minha carreira a tentar ir ao centro da resposta, perceber porque é que a promessa da América funciona para algumas famílias, mas para outros que trabalham tão duro lhes escapa das mãos, entre as fendas abertas por um desastre”, afirma a agora candidata às primárias democratas. “O que encontrei é aterrador. Não é em fendas que as famílias caem, é em armadilhas. ”Warren foi eleita para o Senado em 2012, derrotando Scott Brown e recuperando um lugar ocupado antes por Edward M. Kennedy. Ao fazê-lo, tornou-se na primeira mulher senadora do Massachusetts. O vídeo divulgado esta segunda-feira termina com Warren na cozinha da sua casa, em Cambridge, no seu estado: “Se nos organizarmos juntos, se lutarmos juntos, se persistirmos juntos podemos vencer. Podemos e vamos vencer. ”
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Palavras-chave guerra ataque mulher
"Dizer que está tudo online é uma forma de matar a privacidade"
Para Eva Galperin, directora de cibersegurança da Electronic Frontier Foundation, a ideia de que “a privacidade está morta com a Internet” é um caminho perigoso. (...)

"Dizer que está tudo online é uma forma de matar a privacidade"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para Eva Galperin, directora de cibersegurança da Electronic Frontier Foundation, a ideia de que “a privacidade está morta com a Internet” é um caminho perigoso.
TEXTO: Desde cedo que Eva Galperin soube que queria lutar pelo direito das pessoas poderem expressar uma opinião – e ter ideias diferentes – sem medo. Filha de pais judeus, a família deixou a antiga União Soviética quando ainda era criança devido ao aumento do anti-semitismo na região, e mudou-se para a Califórnia. "Cresci a pensar no que poderia fazer se o meu país actual ganhasse interesse em restringir as minhas liberdades”, diz Galperin. Hoje, é a directora de cibersegurança da Electronic Frontier Foundation (EFF), uma organização sem fins lucrativos dedicada a proteger a privacidade e liberdade expressão no meio digital. Em entrevista ao PÚBLICO durante uma conferência de cibersegurança organizada pela Kaspersky Labs, admite estar preocupada sobre a forma como “a Internet já é usada como uma ferramenta para abusar os direitos das pessoas. ”Desde 2007 que passa os dias a monitorizar formas de “pessoas poderosas” abusarem da Internet, e a escrever relatórios sobre aquilo que descobre. É conhecida, entre os profissionais da área, como ‘a fada da indignação’ – encarregue da missão de alertar as pessoas sobre os problemas no digital. Quais são os maiores focos da EFF em 2018?Proteger as populações vulneráveis em todo o mundo. Grande parte do meu trabalho é ensinar as pessoas a terem mais segurança online. Em particular, a protegerem a sua informação pessoal e evitarem serem vítimas de cibervigilância. Faço muita investigação sobre ataques desencadeados por estados, mas também trabalho com vítimas de violência doméstica que estão preocupadas com os seus dispositivos e as suas contas. Cada vez mais, os problemas começam em casa. É muito comum a Internet ser utilizada para abusos domésticos?Ainda não temos estatísticas, mas cada vez mais pessoas vêm ter comigo com medo que outras pessoas usem aparelhos ligados à Internet para as espiar ou assustar. Ligar e desligar luzes, por exemplo. Uma das grandes mudanças que vimos nos últimos anos tem sido o aumento da facilidade com que se ligam aparelhos electrónicos à Internet. Há uns anos, tinha-se de ser um geek e saber fazer as ligações sozinho, mas hoje basta ir a uma loja de aparelhos electrónicos e comprar assistentes digitais inteligentes, e lâmpadas ou microondas que se ligam do telemóvel. Deve-se evitar este tipo de aparelhos?Não, mas temos de garantir que têm segurança. Como é que se faz isto?Pressionamos os fabricantes para criar melhores políticas e prácticas. Por exemplo, no estado da Califórnia, tornaram recentemente ilegal o uso de palavras-passe básicas. Por exemplo, "1234" ou "Admin Admin" eram passes muito comuns. Só isto, já aumenta a segurança de muitos dispositivos. Depois, é preciso mais educação. As pessoas têm de saber controlar os seus dispositivos, mantê-los actualizados, e conseguir saber imediatamente se alguém os utilizou. . . E têm de saber como desligar os aparelhos, ou como descobrir quando estão a ser gravadas. Muitas vezes, as vítimas em casos de abuso doméstico não têm este conhecimento porque é o abusador que gere os dispositivos. Há cada vez mais alertas nas notícias sobre falhas de segurança e ataques na Internet, mas as pessoas parecem não estar a alterar os seus hábitos ou escolher o que partilham online. O Facebook é um exemplo – inquéritos nos EUA após o escândalo com a Cambridge Analytica mostra que a utilização das redes sociais mudou pouco. As pessoas não estão a levar a privacidade a sério?As empresas tentam esconder as desvantagens e as trocas que as pessoas têm de fazer para ter acesso a certos serviços. As pessoas são empurradas para achar "Oh, que giro, serviços grátis. Sim, quero. " O crescimento da casa inteligente é um dos grandes perigos, não apenas porque os criminosos podem ter acesso à informação, mas porque os governos podem ter acesso à informação. E as más ideias não vêm apenas dos países autoritários. O FBI, por exemplo, quer acesso rápido aos dispositivos das pessoas. Há uma batalha constante das autoridades e dos governos para saber tudo o que as pessoas fazem online. Tenho um andar inteiro na EFF que emitem processos legais contra a invasão da privacidade, e trabalham com a ONU e a OECD. Falamos com governos sobre o que é que se pode fazer. Não há motivos legítimos para se recolherem dados anonimizados? Por exemplo, com as cidades inteligentes que instalam sensores para se gastar menos em iluminação pública, poupar água, ou gerir o trânsito. Sim. Mas o que é feito com esses dados e com quem é que são partilhados é muito importante. E é preciso definir isto antes de partilhar os dados, porque depois de abrir a caixa de Pandora é muito difícil voltar atrás. Quando os governos falam de cidades inteligentes e dados é importante conhecer as políticas: o que é feito para garantir a segurança da informação? Quem é que vai ter acesso aos dados? São apagados? Quando?Quais são os alertas vermelhos a que os cidadãos devem estar atentos?Os problemas com a tecnologia – em particular, a possibilidade de vigilância em excesso – é que afectam primeiro os grupos mais discriminados das populações, como as minorias, as pessoas com menos dinheiro. São as pessoas que não têm o poder para impedir o governo de investigar as suas vidas, que não sabem pedir ajuda. Um dos nossos projectos é o Street-Level Surveillance [vigilância nas ruas], que alerta para o aumento das tecnologias de videovigilância usadas pelas autoridades. Por exemplo, bases de dados para reconhecer tatuagens. É preciso perceber as várias formas como a polícia e os governos usam os dados que recolhem das pessoas. Há casos em que os aparelhos tecnológicos ajudam a resolver crimes. Por exemplo, encontrar o culpado de assassinos devido a dados em relógios inteligentes. Sim, mas se criamos um atalho para as autoridades, é impossível garantir que só os bons da fita – o que quer que isto signifique – os usem. Se é algo que aprendemos, ao ver novas falhas de segurança ano após ano em vários governos, é que os backdoors criados [métodos e atalhos para contornar sistemas autenticação num computador] são inevitavelmente ser usados por pessoas fora do sistema. Mesmo que confiemos no nosso governo e nas nossas autoridades, será que confiamos em todos os governos que podem tentar aceder à Informação? É o fim da segurança como a conhecemos. A tendência das autoridades quererem mais acesso a dados é algo que se vê em todo o mundo?É ridículo achar que só os governos autoritários querem ver as mensagens das pessoas. [Na EFF] vemos ataques deste tipo dos EUA vezes sem conta. O FBI essencialmente decidiu que deve ter este poder e está sempre a pedir mensagens encriptadas às empresas. Na Austrália, por exemplo, há uma proposta para criar backdoors para chegar a sistemas de encriptação. No Reino Unido foi aprovado há pouco tempo o Investigatory Powers Act que diz que as empresas devem poder fornecer dados encriptados às autoridades em casos especiais. Há muita legislação perturbante a ser preparada. É importante alertar as pessoas. É daí que vem o nome ‘fada da indignação’, como parte da sua descrição na EFF?É uma alcunha do trabalho. Veio depois de muitos anos a escrever no nosso site sobre os problemas que afectam a Internet e o mundo da cibersegurança. No final de um texto, e de explicar tudo, muitas vezes alguém diz "Ok, boa, explicaste tudo, mas agora precisamos do parágrafo de indignação". Alguém tem de espicaçar o interesse das pessoas, criar um sentimento de indignação sobre os problemas, para levar as pessoas à acção. Qual é a solução? Usar menos aparelhos tecnológicos, partilhar menos informação online?E tornarmo-nos eremitas? Voltamos para uma caverna? Recusamos electricidade? Ninguém partilha tudo online. É um argumento que oiço muito, mas é a falácia do espantalho. Quando as pessoas dizem que a privacidade está morta porque tudo está online, estão-se a esquecer que o objectivo da privacidade não é ter pessoas a viver isoladas sem partilhar nada com ninguém. O conceito de privacidade é que as pessoas devem ter o direito de decidir o que é que vão partilhar e com quem. Temos várias partes de nós que mostramos a diferentes pessoas. A pessoa que somos no trabalho é diferente da pessoa que somos em casa, que é diferente da pessoa que mostramos ao governo, que é diferente que a pessoa que somos quando vamos à igreja… E temos o direito de controlar essas identidades. É assim que eu vejo a privacidade. Nesse sentido, a privacidade não está morta, mas dizer às pessoas que "está tudo online" é uma forma de a matar. Há alguma forma de as pessoas se protegerem? Li que a Eva considera que o Walkman foi uma das primeiras tecnologias para garantir a privacidade. E agora, o que é que se faz?A minha mãe tem uma teoria que o colapso da União Soviética começou com a invenção do Walkman. Havia uma cassete, mais ninguém podia ouvir o que lá estava, as pessoas podiam ficar sozinhas e havia privacidade. Hoje, há as VPN [redes virtuais privadas que permitem aos utilizadores mascarar a sua identidade online]. Quando se tem uma VPN pode-se fingir que se vem de outro local e, de certa forma, escapar à censura. E permite ofuscar o tráfego de Internet. Depois há aplicações para encriptar mensagens. Há cada vez mais países interessados em ter acesso a isto e é preciso continuar a lutar. Chegou à EFF em 2007. Como é que a Internet, e os problemas associados à Internet, mudaram na última década?Quando comecei a trabalhar na EFF, estávamos a passar pela Primavera Árabe e tínhamos uma ideia muito ingénua da Internet. Durante a minha licenciatura, estudei a censura da Internet na China… O motivo de a estudar era porque na altura pensava-se que era o único exemplo de censura óbvio da Internet. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Achávamos que a Internet só se ia tornar mais livre e mais aberta, e que tudo ia ser fantástico e uma força para a democracia e para o bem. Só que não. Acho que nos últimos cinco anos descobrimos que isto foi muito ingénuo da nossa parte. Estamos a assistir à balcanização da Internet – está-se a dividir e a separar cada vez mais seja por política, economia…Além do aumento da vigilância e do controlo online, que outros problemas é que a EFF segue?Há vários países a aproveitarem-se da Internet para campanhas de propaganda – a influência que têm ainda é incerta. Nos Estados Unidos tornou-se de bom gosto culpar a eleição de Donald Trump em manipulação russa das redes sociais. É claro que a Internet não é a única culpada. Nenhuma campanha de bots funcionava se não estivesse a explorar problemas que já existem. O PÚBLICO viajou até Barcelona para assistir à conferência de cibersegurança Kaspersky NeXT a convite da Kaspersky Labs.
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Partidos LIVRE
Morreu Catalina Pestana, “uma mulher de muitas convicções”
A antiga provedora foi o rosto da instituição durante o processo da Casa Pia. “Nunca desistiu de combater pelas causas em que acreditava”, recorda Marcelo Rebelo de Sousa. (...)

Morreu Catalina Pestana, “uma mulher de muitas convicções”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A antiga provedora foi o rosto da instituição durante o processo da Casa Pia. “Nunca desistiu de combater pelas causas em que acreditava”, recorda Marcelo Rebelo de Sousa.
TEXTO: Maria Catalina Batalha Pestana foi a última provedora da Casa Pia de Lisboa e a primeira mulher a assumir aquele cargo tendo sido nomeada pelo então ministro da Segurança Social Bagão Félix, em 2002, na sequência do escândalo de abusos sexuais que envolveu alunos e um ex-funcionário da instituição. É lembrada como "mulher de muitas convicções", "uma força da natureza" que esteve "sempre ao lado dos que não têm voz". A antiga professora morreu aos 72 anos num hospital em Lisboa, na madrugada deste sábado, vítima de doença, confirmou o advogado da Casa Pia à agência Lusa. De acordo com Miguel Matias, Catalina Pestana estava internada numa unidade hospitalar em Lisboa e "morreu durante a noite" vítima de uma infecção generalizada. As cerimónias fúnebres decorrerão no domingo, a partir das 11h, na Igreja da Cruz Quebrada, Oeiras. "Foi uma pessoa admirável, com rosto, alma e coração. Esteve sempre ao lado dos que não têm voz, não têm poder e que não fazem notícias, não abrem telejornais, dos que estão indefesos", disse Bagão Félix em declarações à agência Lusa. Portugal perdeu "uma grande senhora, uma portuguesa de eleição, uma pessoa que ao longo da sua vida juntou qualidades essenciais para as causas cívicas e públicas em que se envolveu". Era alguém "que juntava o sentido de dever, força da coragem, a enorme sensibilidade humana e a consistência da vontade. Trabalhou sempre em nome de um valor ético que às vezes desprezamos, que é valor ético da esperança", acrescentou. Bagão Félix lembrou ainda que a antiga provedora lutou sempre contra "a tecnocracia estatística", que transforma pessoas em números. "Catalina Pestana teve uma vida feita pela grande luta pelas causas em que acreditava, com total autenticidade", sublinhou ainda. No site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa lembra que Catalina Pestana "foi a primeira mulher a assumir a direcção da centenária Casa Pia de Lisboa, num dos momentos mais difíceis que a instituição atravessou". "Catalina Pestana, professora e cuidadora, nunca desistiu de combater pelas causas em que acreditava, nomeadamente a defesa das crianças acolhidas. Depois da Casa Pia encarregou-se da refundação da Casa do Gaiato de Lisboa", acrescenta. O Presidente da República recorda assim "a sua coragem no desempenho das funções profissionais e a genuinidade com que tratava todos com quem convivia". Por seu lado, o conselho directivo da Casa Pia de Lisboa destaca, em comunicado, o legado "particularmente relevante" deixado pela antiga provedora Catalina Pestana na "defesa intransigente" dos direitos das crianças e jovens. Já Edmundo Martinho, actual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), conta que trabalhou "muito próximo e em vários momentos da vida" com Catalina Pestana. "Era uma mulher de muitas convicções, muito combativa e muito enérgica a defender os seus pontos de vista mesmo que não fossem consensuais", lembra. "São características que não são muito comuns hoje em dia. " Fica como "um exemplo de participação cívica". "Era uma força da natureza", recorda também Rui Godinho, director para a Infância, Juventude e Família da SCML. Foi há "25 ou 30 anos" que o responsável da SCML se cruzou pela primeira vez com Catalina Pestana. Tinha 16 anos quando trabalharam juntos no âmbito de um programa do Projecto Vida, o Viva a Escola, para prevenção da toxicodependência nas escolas, recorda. "Era um jovem quando a conheci e foi uma grande inspiração. "Tinha "uma força contagiante e era muito empenhada e dedicada", lembra Rui Godinho. O advogado Miguel Matias lembrou, em declarações à Lusa, o "trabalho gigantesco", contra muitas dificuldades, da antiga provedora da Casa Pia de Lisboa na defesa das vítimas de abusos e da instituição. De acordo com o jurista, que trabalhou na defesa das vítimas juntamente com Catalina Pestana, a antiga provedora enfrentou as dificuldades do processo da Casa Pia "de peito aberto e sempre preocupada com a defesa das crianças, do bom nome da instituição e dos funcionários", num período que classificou como "muito conturbado e difícil". Catalina Pestana, frisou, teve sempre em mente "a justiça". "Foi uma pessoa com quem tive a sorte e o privilégio de trabalhar e de encetar uma amizade que ficou para sempre", disse. A imagem que fica, referiu, é "de uma pessoa amiga, muito determinada, muito boa" e que "soube reunir uma equipa" para levar a cabo um trabalho para que a defesa das crianças fosse "efectivamente salvaguardada". A antiga provedora da Casa Pia de Lisboa permaneceu no cargo até Maio de 2007 — quando o julgamento do processo Casa Pia ainda decorria — foi uma das principais defensoras das crianças e jovens que diziam ter sido abusados sexualmente. Em Outubro de 2007, mais de cinco anos depois de o escândalo ter rebentado, a ex-provedora veio a público afirmar que os abusos sexuais na instituição continuavam. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Catalina Pestana, natural do Barreiro, começou a sua carreira profissional aos 24 anos como professora de um colégio feminino, depois de se ter licenciado em Filosofia na Universidade de Letras de Lisboa. Foi uma das organizadoras dos campos de férias para os filhos de presos políticos. Um ano depois do 25 de Abril de 1974 assumiu a direcção do Colégio de Santa Catarina, em Lisboa, que estava sob a tutela da Casa Pia de Lisboa, cargo que exerceu durante mais de uma década. Nunca abandonou o ensino, concluiu o mestrado em Psicologia Educacional, na década de 80 deu aulas na Faculdade de Motricidade Humana e no início da década de 90 foi coordenadora nacional do Projecto Vida de Prevenção da Toxicodependência em Meio Escolar. Em 1998 foi directora do Plano para a Eliminação de Exploração do Trabalho Infantil. Em Dezembro de 2002, após a demissão de Luís Rebelo exonerado do cargo na sequência do maior escândalo de abusos sexuais em Portugal, foi nomeada provedora da Casa Pia. Assumiu até ao fim uma postura de defensora acérrima dos menores que afirmavam ter sido abusados.
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Palavras-chave direitos escola mulher social doença infantil
O que Emília mais quer é ver os filhos encaminhados
Só tem o 4.º ano, mas incentivou os filhos a fazer o 12.º. Um ainda está precário, o outro tem contrato de trabalho. É beneficiária do Rendimento Social de Inserção desde que ele foi inventado. (...)

O que Emília mais quer é ver os filhos encaminhados
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.35
DATA: 2018-12-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Só tem o 4.º ano, mas incentivou os filhos a fazer o 12.º. Um ainda está precário, o outro tem contrato de trabalho. É beneficiária do Rendimento Social de Inserção desde que ele foi inventado.
TEXTO: Esta é a terceira de uma série de reportagens sobre pobreza. Acompanhe nos próximos dias o dossier O que é ser pobre hoje em Portugal?Emília Esteves não sabe precisar quando começou a receber o Rendimento Social de Inserção (RSI). “Foi logo no princípio”. E “logo no princípio” quer dizer há mais de 20 anos. O então Rendimento Mínimo Garantido foi lançado em 1996, no primeiro Governo de António Guterres, actual secretário-geral das Nações Unidas. Nunca deixou de precisar daquela prestação social. “Já fiz vários cursos, mas os cursos que eu faço depois não dão em nada”, diz ela, num encolher de ombros. Abate-se sobre quem se eterniza nesta medida um forte estigma. Só olhando para cada caso se notam os emaranhados de grande complexidade. Por vezes, diz Jacinta Melo, assistente social da Agência para o Desenvolvimento Integrado de Lordelo do Ouro, o ponto de partida é tão baixo que a mudança só se vê na geração seguinte. E é isso que está a acontecer na casa de Emília. A mulher, de 43 anos, não quer transmitir a pobreza aos filhos, como se fosse uma doença hereditária. Assinou contratos de inserção, como qualquer beneficiário de RSI. E cumpriu-os, conforme foi sendo possível. Filhos limpos, com as vacinas em dia, consultas periódicas ao médico de família, a horas na escola. Tem dois rapazes com o 12. º ano. O de 24 anos fez uma formação em segurança e trabalha como segurança, “com contrato e tudo”. O de 26 fez um curso de logística. Tem andado de um lado para o outro. “Vai fazer férias, substituir pessoas que fiquem doentes, grávidas”, explica ela. Ninguém lhe fale no RSI. Não quer ser beneficiário de RSI. Quer um trabalho estável. A rapariga, de 25 anos, tem um défice cognitivo. Seguiu um currículo ajustado às suas capacidades. Fez dois cursos de limpezas. “Ela quer trabalhar, mas ainda não arranjou. ” O menino, de dez anos, está na escola. Emília não trouxe a pobreza para a família. A pobreza já vinha de trás. Nasceu na Ribeira--Barredo, no centro histórico do Porto, então um lugar insalubre e sobrelotado, antes do esvaziamento e do turismo. Quando a família foi realojada no Bairro do Aleixo, ela mal sabia andar. O futuro de pobreza começou a delinear-se cedo. Ninguém lhe adivinhava outro. Nasceu com uma deficiência numa perna num tempo em que qualquer deficiência tendia a ser encarada como uma condenação. Ainda no início deste mês, no Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, o Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE, na sigla em inglês) alertou para o facto de as mulheres com deficiência enfrentarem um risco de pobreza (21%) superior ao das mulheres sem deficiência (16%) e ao dos homens com deficiência (19%). Ia nos sete anos, morreu-lhe a mãe. Pouco frequentou a escola. Só fez o 4. º ano. Cresceu entre a casa do pai e a casa da avó paterna. Uma confusão de que nem quer falar. Ainda adolescente, engravidou do cunhado. “Tive um filho aos 17, outro aos 18, outro aos 19. ” Entre os dois rapazes mais velhos, nasceu a rapariga. Foi vivendo com os filhos, a irmã e os filhos dela e o companheiro de ambas até a irmã “pôr o homem fora de casa, por violência doméstica”. Depois, a irmã saiu do apartamento camarário, deixando para trás um filho. E ela ficou com três filhos, um sobrinho, o companheiro, agora uma presença intermitente, e, logo, outro filho. É lá, na Pasteleira, que ainda mora, com a rapariga e o menino. Anda sempre a contar os trocos, sobretudo desde que o pai dos filhos morreu, já lá vai um ano. Organiza-se com 259 euros de RSI, 40 euros de pensão de sobrevivência, 37 de abono. “A minha filha tinha bolsa, mas o curso acabou”, conta. Tem de pedir um atestado para ver se tem direito a prestação social para a inclusão, destinada a quem tem um grau de incapacidade superior a 60%Vale-lhe que só paga 28, 45 euros de renda à Câmara do Porto. As outras despesas correntes são difíceis de suportar. “Água, luz, gás, TV cabo. Não tenho conseguido pagar a luz. Este mês foi 70, 80 euros. ” Raro é o mês em que a técnica que a acompanha não tem de fazer um pedido de apoio à acção social para a electricidade. Já pediu até uma fiscalização, não vá alguém estar a puxar a sua luz. A técnica da Agência para o Desenvolvimento Integrado de Lordelo do Ouro tentou que esta família beneficiasse do Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas, só que o número desses cabazes alimentares é limitado: Emília não foi contemplada. E o apoio que recebe dos Vicentinos é demasiado pontual. Quando se vê muito aflita, pede ajuda ao filho segurança. “Ele lá vai ao supermercado, mas diz: ‘Maria, o dinheiro também é pouco. ’” Anda de supermercado em supermercado, sempre à procura “do mais baratinho”. Consegue comprar carne ou peixe. “Quando está a expirar o prazo, fica mais barato e eu compro. ”Se lhe perguntarem o que mais quer na vida, Emília dirá: “Ver os filhos todos encaminhados. E mais nada. ” Nenhum dos seus filhos quer viver na agonia dela. Emília bem vê como o que está precário, às vezes, até fica exasperado. “O meu filho não quer o RSI. O meu filho quer arranjar um emprego fixo que dê para ele se governar. ” Ele está à procura de uma oportunidade para fazer um curso de segurança, como o irmão. Fernando Diogo, professor da Universidade dos Açores, fala numa “espécie de corrida ao armamento escolar”. “À medida que aumenta a escolaridade entre os mais pobres, também aumenta nas outras classes sociais. ” E estes últimos estão em vantagem, desde logo por outro tipo de apoio escolar. Um estudo recente da ODCE indica que pode levar cinco gerações para uma criança que nasce numa família de baixos rendimentos alcançar um rendimento médio. No futuro dos filhos, Emília tem fé. No futuro dela, não. “Andei em cozinha, fiz coisa de ambiente, fiz competências básicas. Acho que isso não serve para nada”, diz. “Gostava de ter um trabalho. Podia fazer limpezas. Hoje, até para isso pedem muita coisa. É carta de condução. É falar línguas. É. . . ”Não é só a baixíssima escolaridade, a total inexistência de experiência laboral, a deficiência numa perna, nem a história de maus tratos de que prefere nem sequer falar. Há também o rosto cavado pela falta de dentes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Já estive muito pior, só tinha raízes, apanhava muito abcesso”, vai dizendo. “Andei a tirar os dentes. Foi a ADILO que me arranjou para a clínica da Universidade Fernando Pessoa. Parece que a Junta de Freguesia de Lordelo do Ouro tem um protocolo. ” Tirar não chega. “Tenho de ter placa. Já pedi orçamentos, mas é muito caro”, lastima. A falta de saúde oral é um problema sério. Às vezes, a hipótese de arranjar emprego e, com isso, sair ou não da pobreza depende de ter ou não uma prótese dentária, lembrava, numa conversa telefónica, Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas. E este, como outros factores de exclusão, não é bem uma escolha. “Ou compro a placa ou ponho comida na mesa. ”, resume Emília. Há quem o use como trampolim, mas nem o ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Vieira da Silva, encara o Rendimento Social de Inserção (RSI) como porta de saída da pobreza. “O RSI não é concebido para diminuir a linha de pobreza, mas para diminuir a severidade da pobreza”, sublinha. A linha de pobreza é um indicador relativo. Representa 60% da mediana do rendimento das famílias. A taxa de 2017 ficou-se pelos 468 euros por mês. Ora, um beneficiário de RSI recebe, no máximo, 188, 68 euros. O valor médio da prestação, em Setembro, era 114, 81 euros. “Não é indiferente se as pessoas estão longe ou perto daquele limiar”, diz. A taxa de pobreza tem vindo a baixar desde 2015, abrangendo agora 17, 3% da população portuguesa. A taxa de privação material também desceu para 16, 6% e a taxa de privação material severa para 6, 0%. Os beneficiários de RSI, os mais pobres dos mais pobres, nem chegam a 2, 5%. O ministro explica o aumento progressivo de beneficiários, que vem de 2015, com a alteração das regras de acesso. “O valor de referência subiu”, lembra. “À medida que se tem um objectivo mais ambicioso de apoiar pessoas, é natural que haja mais pessoas integradas nessa prestação social. ”Fernando Diogo – professor da Universidade dos Açores especializado em emprego, pobreza e RSI – concorda com a análise. “O número de beneficiários desceu quando as dificuldades das famílias aumentaram porque se restringiu o direito à prestação, agora assistimos ao efeito contrário”. Também não lhe parece que esta medida, por si só, possa tirar uma pessoa da pobreza. Para abandonar a medida há que encontrar um emprego estável e uma remuneração suficiente para viver. “Se há crescimento económico significativo, estabilidade no trabalho e empregos, então o trabalho dos técnicos para que as pessoas deixem de precisar da medida é facilitado”, salienta. No entender deste especialista, o RSI “tem uma utilidade muito concreta: reduz o impacto da pobreza na vida das pessoas, impede a fome e as carências mais agudas, vai contribuindo para a qualificação e para a capacitação das pessoas através de vários tipos de formação e até para a dignidade de alguns através de ocupações com um certo ar de emprego que se vão arranjando”. Quem são, afinal, os beneficiários de RSI? Uma parte considerável tem menos de 18 anos (70621) e um número razoável já ultrapassou os 65 (5267). Em Setembro, 145809 estavam em idade activa. Naquele mesmo mês, segundo o Instituto de Segurança Social, no território continental 8997 trabalhavam e 1 234 tinham trabalhado até há pouco, já que auferiam prestações de desemprego. Todos os beneficiários que estejam desempregados e em idade activa têm de estar inscritos no centro de emprego, só que nem todos estão aptos para o mercado de trabalho. Naquela altura, 10 409 frequentavam acções de emprego e 6 658 acções de formação profissional ou de educação. Muitos não têm escolaridade que lhes permita frequentar formação profissional. Não completaram qualquer ciclo, têm o 4º ano ou o 6. º ano. E isso torna a sua inserção laboral mais complexa. Ana Cristina Pereira
REFERÊNCIAS:
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O enxoval, ou o destino numa arca
Lençóis, toalhas, bordados, heranças. Numa arca guardava-se "uma carga simbólica de aprisionamento feminino" no casamento e no lar. Foi substituído pela universidade, pela profissão, pela compra rápida. O enxoval enquanto objectivo social está em perda, mas ganha sempre na memória familiar e nos afectos. Último texto da segunda série Objectos (quase) obsoletos, em que olhamos para o que foi substituído, eliminado ou transformado nas casas portuguesas nas últimas décadas. (...)

O enxoval, ou o destino numa arca
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Lençóis, toalhas, bordados, heranças. Numa arca guardava-se "uma carga simbólica de aprisionamento feminino" no casamento e no lar. Foi substituído pela universidade, pela profissão, pela compra rápida. O enxoval enquanto objectivo social está em perda, mas ganha sempre na memória familiar e nos afectos. Último texto da segunda série Objectos (quase) obsoletos, em que olhamos para o que foi substituído, eliminado ou transformado nas casas portuguesas nas últimas décadas.
TEXTO: Victor Castro é um homem no meio de enxovais. Trata os bordados por tu e na sua loja verde-água, a Príncipe Real Enxovais, debita os números com os quais o país, talvez sem pensar muito nisso, já se conformou. “Quando a minha mãe abriu esta loja havia 30 e tal lojas de enxovais em Lisboa e arredores. Agora estamos reduzidos a duas. ” A socióloga Sandra Marques Pereira confirma: “Enxoval é algo que nos é obsoleto, é minoritário. ” Mas a mulher que entra na loja lisboeta continua a ser recebida com o mesmo entusiasmo e cortesia de há sete décadas. Afinal, “esta é uma casa de rainhas, você é uma princesa”. No rol do enxoval de 2018 pode estar a tanga de Durão Barroso, as três camisas de dormir de Beatriz Costa ou a primeira mulher de Michael Douglas. O enxoval é um conjunto de objectos cuja ausência ocupa lugar. Um espaço simbólico tão central como era a sua presença física, guardado numa arca de cânfora, na vida dos últimos séculos. É também um conceito e uma prática que depois de séculos em vigor desacelerou abruptamente em poucas décadas – talvez sobretudo nos últimos 30 anos. Construir um enxoval de casamento é uma tradição nascida no século XIV e associada de perto à prática do dote, que punha uma rapariga na pole-position da montagem de uma casa e do começo da sua vida. Como esposa e fada do lar. “Ainda tenho uma arca com o enxoval da minha filha de 26 anos, que a minha mãe fez para a neta”, comenta Victor Castro. Espera que um dia ela lhe suceda no negócio dos enxovais, mas por agora a jovem segue a carreira diplomática noutros países. “A minha mãe morreu com 94 anos, ainda a trabalhar aqui”, continua Victor Castro, um septuagenário vigoroso. “Ela começou por fazer enxovais na casa onde nasci, aqui ao pé da Praça das Flores. Depois começou a ter empregadas e chegou a ter 30 e tal só em casa a bordar. E eu pequenino, a gatinhar debaixo das saias das bordadoras, fui praticamente criado no meio ambiente. ”Maria Cristina Castro fez o enxoval mais completo e dispendioso para o casamento de Diandra e Michael Douglas. Apesar de ter vendido também para Jackie Kennedy, Grace Kelly ou para a rainha Máxima da Holanda. Inaugurou a loja em 1960, decorando-a tal e qual como está hoje com a ajuda do filho, e chegou a ter 230 bordadoras a trabalhar para as clientes, sobretudo as ricas mulheres dos banqueiros e as latifundiárias do Alentejo. Uma loja de preciosidades que “só não conhecem os jovens, porque toda a gente de idade conhece esta casa”, garante Victor Castro. Dobra e desdobra toalhas únicas bordadas à mão com preços de quatro dígitos. Abrem-se gavetinhas para mostrar lenços e enxovais de bebé. A clientela renova-se, mas não volta a ser o que era. Nascer rapariga nas últimas quatro décadas era quase garantia da construção de um enxoval para um futuro casamento, normalmente mantido em segurança numa mala ou arca que, pelo menos a cada Natal ou aniversário, ganhava novos tesouros – mesmo que a contragosto das filhas e netas que queriam era receber uma bicicleta ou uns ténis mais cobiçados. “Era um objectivo de grande parte dos grupos sociais”, reflecte Sandra Marques Pereira, investigadora do ISCTE e especialista em temas ligados à habitação. “Mesmo dos grupos menos privilegiados. ”No final do século XIX, nos meios rurais portugueses, criar um enxoval, ou bragal, era um objectivo acompanhado de um dote, quando possível, dinheiro para ajudar o novo casal. Entre as donas de casa do Norte, um “bom bragal” era uma “arca de castanho cheia de roupa branca, alva de neve, rescendendo ao aroma do feno”, como descreve Sousa Viterbo em 1912 em Influencia do progresso nas industrias caseiras e domesticas, citado na História da Vida Privada em Portugal. Já em 1920, como mostra uma imagem de um armário carregado com um belo bragal, retirado da Revista ABC, “a cerimónia de noivado ou esponsais só era realizada pelas famílias mais gradas. Mas com ou sem ritual, ajustado o casamento, iniciava-se ou intensificava-se a preparação do enxoval da futura esposa, contratando-se modistas, percorrendo os armazéns, confeccionando a própria noiva parte do seu bragal”. As disparidades económicas impediam que este objectivo social transversal, bem como o ideal de mulher do Estado Novo, exclusivamente dedicada ao lar e à família, fosse cumprido por todos. Era preciso trabalhar fora e nem sempre havia dinheiro para grandes linhos, estopas e bordados, muito menos arcas de cânfora. Mas a aldeia mitificada seria sempre a da roupa branca, com “Três corpetes, um avental/ Sete fronhas, um lençol/ Três camisas do enxoval/ Que a freguesa deu ao rol” no trinar de Beatriz Costa nos anos 30. Na era colonial, os enxovais viajariam também com os portugueses para o chamado UItramar – "A arca da minha mãe foi para Moçambique com o seu enxoval, nas entranhas do [paquete da Companhia Colonial de Navegação] Infante”, relata Isabela Figueiredo no seu Caderno de Memórias Coloniais (2009). Noutra parte da experiência portuguesa, e desde meados do século XX, encontrávamos a clientela da Príncipe Real Enxovais. “Os principais clientes, que mais fama davam a esta loja, eram todos os banqueiros – Champalimaud, Espírito Santo, Mello, Pereira Coutinho”, elenca Victor Castro, que fala com carinho das clientes Mary Espírito Santo ou Amália Rodrigues. “Na década de 70, 80 e 90, quem pagava os enxovais em Portugal era a avó e a mãe. Vinham com a filha casadoira para fazer o seu enxoval. E havia avós e mães que assim que nascia um filho ou mais um neto começavam logo a fazer o enxoval. Entre as classes médias e os mais ricos, do Alentejo, os enxovais eram feitos na própria casa pelas mães e avós, e punham as filhas todas a bordar. Não havia televisão e a diversão era tudo a falar à noite a bordar para o enxoval. Os mais ricos, quando não estavam para fazer isso, vinham aqui. ” Victor Castro tem a história na ponta da língua. Ela acabava com Maria Cristina a entregar tudo “em caixinhas muito bonitas e em papel de seda”. Mas “desde que o Durão Barroso disse que isto estava tudo de tanga, começou a desaparecer esta gente toda, já não havia avós com dinheiro, já não havia mães com dinheiro, as mães agora trabalhavam. Acabou-se, é a própria noiva que vem”, dispara o comerciante. “O que não quer dizer que não haja casos excepcionais como a senhora que vende peixe lá em baixo no Mercado da Ribeira e que quis daqui o melhor que houvesse para a filha que ia casar. ”Nas últimas poucas décadas, ou as arcas ficaram para trás enquanto as raparigas faziam outros caminhos, ou os seus conteúdos viajaram com elas para vidas independentes. Nos centros urbanos e mesmo nas localidades mais pequenas, é menos frequente "fazer enxoval" ou algum jovem ter um enxoval à sua espera quando atingir o patamar da emancipação. Monta-se casa sozinho ou acompanhado, aluga-se quarto ou casa, comprar é mais difícil, mas às compras para os panos, lençóis e mobílias de montagem rápida é mais fácil. As finanças esticam e encolhem – e também deixaram de ter um só fim. O enxoval claramente “simboliza uma concepção da mulher e da família”, atesta ao PÚBLICO Sandra Marques Pereira, também autora de Casa e Mudança Social (2013). “É um objecto que, para os padrões contemporâneos, tem uma carga simbólica de aprisionamento feminino e de destino e acredito que isso [hoje] seja repudiado pela maioria porque significa a responsabilidade no tratamento da casa” exclusivamente para a mulher, analisa. “É um símbolo de uma perspectiva completamente anacrónica do que é a mulher e a família” – e do matrimónio como destino único. Vânia Estima, de 25 anos, cresceu numa aldeia na zona de Albergaria-a-Velha. A mãe e a tia, duas irmãs com dois anos de diferença nas idades e nascidas entre 1968 e 70, tiveram enxovais “exactamente iguais”. A mãe de Vânia casou, teve a filha, “tudo como os chamados parâmetros da sociedade exigiam”, conta ao telefone. A irmã não, e a avó de Vânia muitas vezes era ouvida a queixar-se: “Gastei tanto dinheiro no teu enxoval e não te casas?” Vânia Estima viu construir o seu próprio enxoval, embora algumas das suas amigas e contemporâneas não tenham passado pelo mesmo processo. A socióloga Sandra Marques Pereira é cautelosa na avaliação do fenómeno, salvo em dizer que se trata de uma prática em desuso excepto em “certos segmentos sociais mais conservadores, mais católicos” ou “eventualmente em certos meios rurais”, diz, para quem “a ideia do casamento continua a ser algo cristalizado”. A tradição tem o seu peso, mas hoje um enxoval é o que fazemos dele. “Tenho uma arca desde pequena, sempre no meu quartinho, e a minha mãe e as minhas avós sempre que tinham algum dinheiro ou viam algo de útil iam lá juntando”, conta Vânia Estima. Não só têxteis, mas também tachos ou talheres. A mãe de Alexandra Silva, de 39 anos e que cresceu na Piedade, perto de Águeda, também preparou um enxoval para ela e para a irmã de 34. Parte dos enxovais de Alexandra e de Vânia tiveram o mesmo destino: acompanharam-nas, solteiras e boas raparigas, na ida para a universidade. Hoje Alexandra é professora, Vânia fisioterapeuta. “Fui a primeira pessoa da minha família a ir para a universidade e a minha mãe percebeu que quando eu saísse de lá não ia voltar”, conta Alexandra. Parte do enxoval foi com ela para Coimbra. “Quando fui para a universidade”, recorda Vânia, o enxoval “foi uma grande ajuda” entre despesas como as propinas. “Calhou mesmo bem estar tudo prontinho. ”O investimento social no matrimónio “foi substituído por outras coisas, nomeadamente o investimento na educação", confirma Sandra Marques Pereira. "A maior parte dos projectos para os pais, mesmo para as filhas – e as mulheres hoje estão em percentagem bastante superior no ensino superior – passam muito pelo capital escolar e pelo investimento profissional. As pessoas hoje não têm tanto um projecto de vida que seja condicionado pelo casamento – é a autonomia, é a tentativa de realização pessoal através da profissão. ”O que não quer dizer que se abra mão do sonho que se tem em casa aos pés da cama. Há peças, como as rendas feitas pelas avós e panos e toalhas pintados à mão “que não ponho a uso por respeito”, diz Vânia Estima. Têm valor afectivo. “Os linhos, as colchas que valem muito dinheiro com bordados à mão, isso a minha mãe não liberta – e estão guardados na arca”, acrescenta Alexandra Silva. “E há peças de enxoval que já serviram – durante dois dias, na Páscoa e na festa da terra. E voltaram exactamente para o mesmo sítio. Para a arca. ”O enxoval é uma experiência internacional, encontrada em força no Brasil actual ou na Kerala da indiana Arundhati Roy no seu Deus das Pequenas Coisas. Na Alemanha estão também em armários altos, com baixelas e trens de cozinha à mistura. O “trousseau” francês também define enxoval em inglês. Na Austrália chamam-lhe “glory box”, como a emblemática canção dessa espécie de última era forte dos enxovais, os anos 90 dos Portishead, e os americanos de 1955 já lhe chamavam a "hope chest", como aquela onde Lorraine pousa as calças de Marty McFly em Regresso ao Futuro. Os rapazes também podem ter enxoval, é certo, mas são uma minoria. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nas últimas décadas, as camas cresceram, os edredons assentaram, o comércio globalizou-se, a manufactura não parece competitiva. Os gostos individualizaram-se. As peças de linho não são tão práticas, os lençóis podem não servir nas camas, as colchas de renda pesam. Compra-se peças de enxoval, mas as lojas especializadas são raras. E “tudo o que é bordado manual torna-se caro porque o preço das bordadoras é dez euros à hora, um napperon demora um dia a fazer, 80 euros para o fabricante”, enumera Victor Castro. "Antes, recorríamos às 900 e tal fábricas na ilha da Madeira; neste momento só há duas. Os Açores tinham 19 fábricas, neste momento só têm uma. ”Hoje tem bordadeiras na Lixa, “das melhores”, e diz ser a única casa de enxovais lisboeta em que tudo é feito à mão. O preço de um bom enxoval, de manufactura, é três mil euros. Todos os dias, apesar de tudo, faz boas vendas e por vezes bem avultadas. Mas de peças avulsas. “Fazíamos dez a 30 enxovais por mês, passou a um por mês e a um por ano. Este ano não tive nenhum. Estou aqui para perpetuar o nome da minha mãe, que é famosa em todo o mundo. ”A construção, manutenção e transmissão do enxoval é ainda praticada como “legado patrimonial de uma cultura familiar”, remata Sandra Marques Pereira – guardar o que foi das mães, avós, bisavós. O futuro dos enxovais pertence para já aos bebés, sempre candidatos à construção do devir em algodão macio. Já o seu presente pode muito bem ser aquele que Vânia Estima conjuga. “Hoje a arca é a minha caixinha dos tesouros, é mais uma caixinha de recordações do que um enxoval. Pus lá algumas das minhas recordações de infância, uma prenda de família mais especial, um poema, uma assinatura do meu avô. É onde vou para aumentar o calor interior, procurar alguma orientação. ”
REFERÊNCIAS:
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Nélida Piñon ganha Prémio Literário Vergílio Ferreira 2019
A cerimónia de entrega terá lugar a 1 de Março, em Évora. (...)

Nélida Piñon ganha Prémio Literário Vergílio Ferreira 2019
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: A cerimónia de entrega terá lugar a 1 de Março, em Évora.
TEXTO: A escritora brasileira Nélida Piñon (Rio de Janeiro, 1937) foi hoje distinguida com o Prémio Literário Vergílio Ferreira 2019, atribuído pela Universidade de Évora (UÉ), revelou à agência Lusa fonte da academia alentejana. A decisão foi tomada durante uma reunião do júri do prémio, presidido pelo professor da UÉ Antonio Sáez Delgado e que integra também os docentes universitários Cláudia Afonso Teixeira (UÉ), Fernando Cabral Martins (Universidade Nova de Lisboa) e Ângela Fernandes (Universidade de Lisboa), assim como a crítica literária Anabela Mota Ribeiro. Instituído pela UÉ em 1996, para homenagear o escritor que lhe dá o nome, o prémio destina-se a galardoar anualmente o conjunto da obra literária de um autor de língua portuguesa relevante no âmbito da narrativa e/ou ensaio. Segundo uma nota da UÉ, o júri decidiu atribuir este ano o prémio a Nélida Piñon pela "latitude e profundidade da sua obra, que revela uma linguagem capaz de estabelecer e harmonizar um diálogo fértil entre a memória feminina e a história". Nascida no Rio de Janeiro (Brasil) em 1937, Nélida Piñon, de 81 anos, foi a primeira mulher a presidir à Academia Brasileira de Letras, em 1996, e é uma das maiores escritoras brasileiras vivas, cuja obra tem sido distinguida com diversos prémios. A sua extensa produção literária já foi traduzida em diversas línguas e distinguida com os prémios Rosalía de Castro, Jabuti, Casa de las Americas e o Príncipe de Astúrias das Letras, entre outros. A autora tem editados em Portugal, entre outros, os títulos A República dos Sonhos, Livro das horas e Aprendiz de Homero. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Universidade de Évora indicou que a edição 2019 do Prémio Literário Vergílio Ferreira contou com candidaturas oriundas de quatro países e que a cerimónia de entrega do galardão terá lugar a 1 de Março de 2019, data em que se assinala a morte do escritor. Para esse dia, referiu a academia, está prevista a realização de uma cerimónia que contará com as intervenções da premiada, do júri e da reitora da UÉ. O prémio foi atribuído pela primeira vez a Maria Velho da Costa, a que se seguiram, entre outros, Mia Couto, Almeida Faria, Eduardo Lourenço, Agustina Bessa Luís, Vasco Graça Moura, Mário Cláudio, Luísa Dacosta, José Gil, Hélia Correia Lídia Jorge e João de Melo, tendo sido galardoado na edição de 2018 o escritor Gonçalo M. Tavares.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte mulher feminina