Debate sobre limites aos salários dos gestores chega ao Parlamento
O Estado deve intervir para reduzir a diferença salarial que existe dentro das empresas? A questão divide opiniões em todo o mundo e prepara-se para ser discutida pelos partidos na Assembleia da República. (...)

Debate sobre limites aos salários dos gestores chega ao Parlamento
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Estado deve intervir para reduzir a diferença salarial que existe dentro das empresas? A questão divide opiniões em todo o mundo e prepara-se para ser discutida pelos partidos na Assembleia da República.
TEXTO: O PS prepara-se para abrir a porta à discussão no Parlamento de medidas para limitar a desigualdade salarial dentro das empresas, mas ainda não decidiu como se vai posicionar em relação ao projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda e que será debatido no Parlamento na sexta-feira. O assunto está a ser tratado entre a direcção do grupo parlamentar do PS e a Juventude Socialista (JS) - que em 2016 apresentou uma moção ao congresso sobre o tema - e ainda não foi abordada de forma alargada com os restantes deputados. A decisão, adiantou ao PÚBLICO o líder da JS, Ivan Gonçalves, será tomada “nos próximos dias”. O projecto do BE, apresentado em meados de Agosto, não impõe directamente tectos máximos às remunerações dos gestores de topo. Mas propõe que o Governo defina um diferencial máximo de referência entre a remuneração mais alta e a remuneração mais baixa paga pela mesma empresa, determinando depois que, nos casos em que o leque salarial ficar acima do valor de referência, as empresas sejam impedidas de participar em arrematações e concursos públicos ou ainda de beneficiar de subsídios e apoios do Estado destinados ao tecido económico e à criação de emprego. A iniciativa do BE surgiu na sequência de declarações do primeiro-ministro, António Costa, sobre as políticas salariais das empresas e a diferenças entre o salário mais alto e o salário médio nas empresas do PSI-20 . “Não é possível pagarem tanto a quem está no topo e tão baixo a quem está noutros escalões”, disse o chefe do Governo em entrevista ao Expresso, em meados de Agosto, referindo-se em particular à EDP. O BE mostra-se disponível para acolher contributos e propostas que outros partidos queiram dar. “É preciso que sejamos consequentes relativamente à indignação que manifestamos com este tipo de desigualdades indecentes e injustificadas. Demos o primeiro passo, mas queremos que esta seja uma causa não apenas nossa, mas da democracia, e estamos por isso inteiramente disponíveis para trabalhar em conjunto com todos, na especialidade”, afirmou ao PÚBLICO o deputado José Soeiro. Embora os socialistas ainda não tenham decidido se admitem viabilizar o projecto do BE ou se, pelo menos, vão pedir que baixe à comissão do Trabalho e Segurança Social para discussão, é certo que estão disponíveis para discutir o tema que há muito vem sendo abordado pela JS. Foi, de resto, o tema de uma moção apresentada no XXI congresso socialista, em 2016. No documento, subscrito por duas dezenas de jovens socialistas (entre os quais o presidente, Ivan Gonçalves, e o vice-presidente da bancada parlamentar socialista, João Torres), notavam que o valor dos salários do altos quadros executivos em Portugal “é francamente desproporcional face aos salários mínimo e médio das respectivas empresas”. E defendiam a adopção de mecanismos de regulação “adequados e eficientes”. Nesse sentido, recomendavam ao PS que desencadeasse o debate na concertação social com vista à criação de um mecanismo para limitar de forma proporcional os salários dentro de cada organização, e a penalização das empresas cujo salário mais elevado exceda 20 vezes o salário mais baixo, através do agravamento das contribuições para a Segurança Social. O PÚBLICO questionou o presidente da JS, Ivan Gonçalves, sobre se admitem viabilizar o projecto do BE ou se pedem a baixa à comissão sem votação. Mas o líder disse que a posição a adoptar ainda não foi discutida. “Nos próximos dias teremos novidades”, afirmou. A resposta poderá ser dada já nesta terça-feira, durante um debate promovido pelo BE para discutir as desigualdades salariais, onde marcarão presença a líder bloquista, Catarina Martins, e o presidente dos jovens socialistas. Do ponto de vista do Governo, parece estar posta de lado a possibilidade de o tema entrar nas discussões do Orçamento do Estado para 2019. Até ao momento, e apesar das declarações do primeiro-ministro, o tema ficará apenas na esfera do Parlamento. A disparidade salarial entre os gestores de topo e os trabalhadores menos qualificados das grandes empresas ganhou relevo, especialmente desde a crise financeira internacional, no debate público em diversos países, discutindo-se modelos de intervenção do Estado nesta matéria, mesmo quando se está a falar de empresas do sector privado. Nos Estados Unidos, a cidade de Portland deu um passo ambicioso em 2016, impondo um imposto adicional de 10% sobre os lucros às empresas cujo CEO ganhe 100 vezes mais do que a média dos seus trabalhadores. Na cidade de São Francisco, o mesmo tipo de proposta irá brevemente ser votada, depois de a nível estatal a Califórnia ter discutido e rejeitado a mesma ideia. Noutros estados como Minnesota, Rhode Island, Connecticut, Illinois e Massachusetts, o tema está a ser discutido. Na Suíça, a ideia que esteve em cima da mesa apertava ainda mais o nível de desigualdade, limitando a diferença entre os salários dos gestores das empresas e os salários mais baixos dos trabalhadores a um rácio de 1 por 12. A proposta chegou a ser levada a referendo, mas chumbou numa votação realizada em 2013. No Reino Unido, Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista na oposição, tem vindo a defender a aplicação nas empresas públicas de uma regra que limita a 20 o número de vezes que o salário dos gestores pode ser maior do que o salário mais baixo da empresa, ponderando a aplicação da mesma exigência a empresas privadas que entrem em concursos públicos. Este tipo de propostas surge em resposta às críticas generalizadas que se ouvem relativamente ao nível dos salários dos gestores de topo de algumas das principais empresas quando comparados com o resto dos trabalhadores, mas um consenso está longe de se encontrar quanto à melhor forma de combater o fenómeno. O Estado deve intervir ou são as próprias empresas que se devem auto-regular? Se o Estado definir limites, deve fazê-lo para todos ou só para as empresas que beneficiam de apoios públicos? Ao limitar os salários, o Estado pode colocar em causa a competitividade das empresas do país? Estas são algumas das questões colocadas e para as quais encontrar uma resposta comum tem sido difícil. Ricardo Paes Mamede, economista e um dos oradores da conferência organizada esta terça-feira pelo BE, considera que “faz sentido introduzir limites [aos salários] nas empresas públicas e influenciar os leques salariais nas privadas” e reconhece que o projecto do BE coloca questões pertinentes. “Até que ponto é admissível que uma empresa - com leques salariais extremamente elevados, que decorrem do elevado recurso a mão-de-obra mal paga, e onde os gestores, por auto-deliberação porque muitas vezes são os proprietários da empresa, são remunerados a taxas muito elevadas - receba apoios do Estado? Parece-me claramente que isso não deveria acontecer?”, defende. Paes Mamede assinala contudo que outro tipo de medidas poderia também ter um papel importante, assinalando que “boa parte do problema dos leques salariais” pode ser atacado através de medidas relacionadas com a governança das empresas, seja introduzindo critérios relacionados com a composição das comissões de remunerações, regras sobre o poder dos pequenos accionistas na fixação das remunerações dos gestores, ou na transparência dos critérios para a fixação dos salários dos gestores. De qualquer forma, assinala, as medidas direccionadas para os altos salários dos gestores terão sempre um impacto relativamente reduzido na redistribuição dos rendimentos e na redução da desigualdade como um todo, “porque uma parte importante da desigualdade na distribuição dos rendimentos tem a ver, por um lado, com a propriedade do capital e, por outro, com as qualificações da população e com o padrão da estrutura produtiva portuguesa”, justifica. Tiago Borges, responsável na Mercer pela área das remunerações, diz que vê em algumas empresas a preocupação de olharem para os rácios salariais assumindo como política tentar elevar os níveis salariais mais baixos, de forma a que fiquem acima do Salário Mínimo Nacional ou, no caso das multinacionais, de forma a garantir uma qualidade de vida mínima para os colaboradores. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No entanto, teme que um limite como o proposto pelo BE possa trazer um efeito negativo: “como é mais complicado aumentar a massa salarial para atingir o rácio desejado, pode surgir a tendência de descer a remuneração dos executivos para cumprir o rácio”. “O problema é que essa eventual baixa pode dificultar a capacidade de as empresas atraírem executivos de topo com as qualificações e a experiência necessária para gerir negócios que são tipicamente complexos”, afirma. João Cerejeira, professor da Universidade do Minho, não vê vantagem na definição de limites pelo Estado. Diz que “o Estado já intervém no valor dos salários, seja através da fixação do salário mínimo, seja através das portarias de extensão”, alerta que “uma descida dos salários dos gestores não implica necessariamente um aumento dos salários dos restantes trabalhadores, podendo apenas se traduzir numa transferência de rendimento dos gestores para os accionistas”. E defende que o impacto ao nível da desigualdade global seria sempre “muito reduzido”. Ainda assim, considera que há um papel a desempenhar pelos reguladores nesta matéria, incentivando “uma maior transparência dos processos de decisão das empresas, nomeadamente das empresas cotadas”. “O que acontece é que quando o accionista tem pouco poder no processo de decisão da empresa [na definição dos salários dos gestores], por exemplo quando a estrutura accionista é muito dispersa, o gestor tem um poder discricionário maior, e maior capacidade de capturar “rendas” em detrimento do interesse dos accionistas”, afirma o economista.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS BE
Caso IURD lança debate sobre retiradas "abusivas" de crianças
Dezenas de casos actuais estão a ser contestados por uma associação de mães. O PÚBLICO consultou alguns desses processos abertos em nome do superior interesse da criança. Hoje é Dia Mundial da Criança. (...)

Caso IURD lança debate sobre retiradas "abusivas" de crianças
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dezenas de casos actuais estão a ser contestados por uma associação de mães. O PÚBLICO consultou alguns desses processos abertos em nome do superior interesse da criança. Hoje é Dia Mundial da Criança.
TEXTO: As acusações de alegadas ilegalidades na forma como terão sido decididas adopções de crianças à guarda do Estado na década de 1990 abriram o caminho a mais denúncias relacionadas com processos recentes ou ainda em curso. São, na maioria, alegações lançadas por mães que viram os seus filhos serem-lhes retirados e entregues a pais, avós ou outros familiares, a instituições de acolhimento ou, já numa fase avançada do processo de promoção e protecção dos menores, encaminhados para uma futura adopção. Criada este ano, a Associação e Movimento de Alerta à Retirada de Crianças e Adolescentes — AMARCA — responsabiliza a Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), através dos seus profissionais, por retiradas supostamente “abusivas” de crianças às mães. A associação é apoiada pelos advogados Garcia Pereira e Gameiro Fernandes. Em paralelo, e na sequência da transmissão da série de reportagens da TVI sobre alegadas irregularidades nas adopções por parte de elementos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), nos anos 1990, um outro grupo, que viria a criar o Movimento Verdade, lançou a petição "Não Adopto Este Silêncio". A petição recolheu mais do que as quatro mil assinaturas necessárias para ser debatida no plenário da Assembleia. Em causa está a actuação dos técnicos que dão apoio aos tribunais e elaboram os relatórios sociais (decisivos para a sentença dos juízes) sobre as competências e condições das famílias em processos recentes de promoção e protecção ou de regulação dos poderes parentais. O PÚBLICO consultou alguns desses processos que foram reportados pela associação à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, que já requereu a audição da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal (a pedido do PS), do ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José António Vieira da Silva, do provedor da SCML, Edmundo Martinho, e de um representante do Conselho Superior da Magistratura (estes três a pedido do PSD). Para além de pretenderem analisar as denúncias sobre supostas irregularidades nas adopções por parte de elementos da IURD, nos anos 90, os deputados querem apurar o que pode ainda hoje estar a falhar nos processos de regulação do poder parental, de promoção e protecção de menores e de adopção, tendo em vista eventuais alterações à lei. “O legislador devia ter em mente que estamos a falar de pessoas frágeis do ponto de vista económico, do ponto de vista cultural, social. O Estado, mais aqui do que noutros lados, tem que agir com cuidado e com a máxima exigência de rigor”, defende a advogada Paula Penha Gonçalves, sem ligações à AMARCA, mas que se dedica, com frequência, a casos de direito de família e da criança. Além de uma rigorosa fiscalização a todas as instituições envolvidas na retirada e no acolhimento de crianças em perigo, Penha Gonçalves defende a garantia de acesso a um advogado especializado para acompanhar as famílias e defender o superior interesse da criança. Isso poderia ajudar pais, mães e filhos que passam por processos demorados nas comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ) ou nos tribunais. Nos últimos três anos foram instaurados quatro processos a técnicos do Instituto da Segurança Social na área de apoio aos tribunais, segundo o gabinete de imprensa do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), que tutela o Instituto da Segurança Social e as 309 comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ) que trabalham sob a responsabilidade de uma comissão nacional. Perante as críticas sobre os relatórios produzidos por técnicos das CPCJ ou das equipas de apoio aos tribunais, o MTSSS esclarece que os magistrados não têm de limitar-se a esta informação para conhecer a situação da criança: “Podem recorrer a outras entidades [e não apenas ao ISS] enquanto fontes de informação e avaliação técnica da situação da criança e sua família, se considerarem que tal recolha é relevante para uma tomada de decisão relativamente à medida de promoção e protecção mais adequada. ”A Segurança Social realça que as medidas em meio natural de vida assumem um peso estatístico equivalente a cerca de 90% do total de decisões tomadas em processos acompanhados nas CPCJ. Também a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa salienta a “claríssima incidência no meio natural de vida, com uma prevalência de cerca de 85%” dos casos acompanhados. Não disponibiliza os números de eventuais processos disciplinares instaurados a profissionais desta área, mas o trabalho é feito garantindo “o respeito integral pelos direitos, liberdades e garantias das crianças e das famílias”. São vários os casos apresentados pela AMARCA em que a violência doméstica ou a violenta discórdia entre mãe e pai (ou outros familiares) sobre quem deve ficar com a criança propiciam situações conflituosas que se arrastam nos tribunais. Um dos processos apresentados aos deputados pela associação foi o de uma avó materna que luta pela guarda definitiva do neto desde que este ficou órfão em 2014 da mãe, assassinada pelo marido — entretanto preso. Os avós maternos continuam à espera da decisão da guarda definitiva da criança num contexto de intermináveis disputas com a família do pai da criança condenado pelo homicídio da ex-mulher. Atrasos verificados nas respostas da Segurança Social ou na resolução de pequenos impasses por entraves administrativos também podem não ajudar ao bem-estar da criança, como no caso de um pai que tinha a guarda da filha, mas tentava que esta não quebrasse os laços afectivos com a mãe (que lutava igualmente pela guarda da criança). Em causa estavam os encontros regulares, decididos pelo tribunal, entre mãe e filha. A realização dos encontros era da responsabilidade da Segurança Social, mas durante cinco meses esses encontros nunca aconteceram. Apesar da visível preocupação do pai, que enviou várias cartas a tentar desbloquear a situação, não houve respostas. Nos processos consultados pelo PÚBLICO, também se encontram suspeitas de incumprimento das mães ou inflexibilidade dos pais, raptos, conflitos, filhos entregues a pais que já foram condenados por violência doméstica, mas também denúncias (que ficam muitas vezes por provar) de mães que acusam pais de violência sobre elas ou de abusarem dos filhos – em contexto de litígio pela guarda dos filhos. Estes casos representam uma pequena minoria. Os processos judiciais podem não espelhar todos os lados da verdade. “Os relatórios muitas vezes são feitos expondo aquilo que se quer expor. E isso pode induzir em erro o tribunal. Falam, por exemplo, da negligência [da mãe ou do pai], mas falta a outra parte que, muitas vezes, não aparece e que, para se tomar a melhor decisão para a criança, tem que aparecer”, afirma Paula Penha Gonçalves. “As mulheres são ouvidas mas depois o que o relatório traduz não é contradito”, diz a advogada. O relatório social aponta um ou outro problema que a mãe possa ter “mas se calhar esta mãe também tem coisas boas que se podem estimular para dali fazer uma família melhor”. São as coisas boas que tem que Beatriz pretende demonstrar agora que tenta recuperar o filho. No ano passado, viajou de Cabo Verde para Portugal ao abrigo dos acordos com países lusófonos de África na área da saúde, para tratar o filho hospitalizado em Lisboa com uma doença grave. Do hospital onde passou seis meses ao lado de Ricardo partiu a sinalização da criança por parte de uma assistente social, sem que tivesse sido dada a possibilidade de Beatriz se defender, alega a própria. A Segurança Social alegou que Beatriz não tinha competências parentais. O seu processo é outro dos que são acompanhados pela AMARCA. A presidente da CPCJ de Lisboa Centro, Sofia Silveira, que acompanhou o caso, diz que começou por tentar prestar apoio à mãe e, de seguida, à tia de Beatriz. Mas as fracas condições e apoios em Portugal, o comportamento de Ricardo e a postura de Beatriz e da tia não favoreceram essas respostas. Ricardo foi para uma instituição de acolhimento. Beatriz diz que não foi informada de todo o contexto e que apenas foi aconselhada a dar o seu consentimento para uma intervenção da CPCJ, que lhe terá dado a garantia de que a colocação do filho num centro de acolhimento temporário (CAT) era isso mesmo: “Temporária. " Ricardo vive nessa instituição desde que teve alta em Outubro. Só mais tarde, Beatriz teve a ajuda de um advogado e conhecimento dos seus direitos. Nessa altura, leu o que tinham escrito sobre ela: não era capaz de dar a medicação ao filho e este mostrava-se agitado na sua presença, como alegou a CPCJ que acompanhou o processo. A AMARCA fala de “irregularidades que estarão a resultar em decisões indevidas e injustas”. “As comissões de protecção vêem como uma verdade absoluta relatórios caluniosos que recebem das assistentes sociais de escolas ou hospitais. Não verificam”, acusa Rita Cássia, a representante das mães estrangeiras acompanhadas pela AMARCA. “Tem que haver uma instituição que avalie os procedimentos das assistentes sociais e das CPCJ. ”A antropóloga não esconde a sua preocupação com a situação. Diz que são instaurados processos de promoção e protecção que podem conduzir à retirada de crianças se as mães estiverem fragilizadas, numa situação de carência económica ou sem suporte familiar, não conhecerem os seus direitos nem lhes for prestada informação. “A lei agora obriga à nomeação de um advogado, quando o juiz entende provável a aplicação de uma medida de retirada”, informa a advogada Paula Penha Gonçalves. Porém, tem dúvidas de que isso tenha muita eficácia. Defende, por isso, a criação de uma bolsa de advogados especializados no acompanhamento do direito das crianças. “Devia criar-se essa especialidade e ter advogados nos tribunais para as famílias e pais sem meios, e para as próprias crianças. Uma coisa é nomear um advogado, em cima do julgamento, para defender uma criança. Outra é ter um advogado que conhece esta área do direito das crianças e sabe o que está a fazer”, salienta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Tudo isto era importante” porque, como diz, não existem dúvidas de que “há irregularidades”. “Há aqui como há noutros lados, mas aqui estamos a lidar com crianças e com aquilo que nos é mais precioso na vida que são os nossos filhos. As coisas assumem, portanto, uma proporção diferente. ”Beatriz e Ricardo são nomes fictíciosNotícia rectificada no dia 3 de Junho de 2018: a petição "Não Adopto Este Silêncio" não foi iniciativa da AMARCA mas sim do Movimento da Verdade
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD
“O machismo é mais surpreendente no Saramago por causa da sua posição ideológica. Uma pessoa não está à espera disso.”
Rota de Vida é a primeira biografia de grande fôlego sobre a vida e a obra de José Saramago. Nada parece ter ficado de fora. Joaquim Vieira fez-lhe o retrato “a corpo inteiro”, aceitando o risco de ser inconveniente e incómodo para alguns. (...)

“O machismo é mais surpreendente no Saramago por causa da sua posição ideológica. Uma pessoa não está à espera disso.”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.6
DATA: 2018-11-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Rota de Vida é a primeira biografia de grande fôlego sobre a vida e a obra de José Saramago. Nada parece ter ficado de fora. Joaquim Vieira fez-lhe o retrato “a corpo inteiro”, aceitando o risco de ser inconveniente e incómodo para alguns.
TEXTO: No ano em que se comemoram os 20 anos da atribuição do Nobel da literatura a José Saramago (1922-2010), publica-se Rota de Vida, uma extensa e detalhadíssima biografia, da autoria de Joaquim Vieira (n. 1951). É um “retrato a corpo inteiro” que traça um árduo percurso, o de um homem “levantado do chão” com as suas próprias forças: desde o nascimento numa aldeia ribatejana, numa família humilde de trabalhadores rurais, até à consagração pela Academia Sueca. Pelo meio vão surgindo os traços de teimosia da sua personalidade, essa vontade que o fez aprender como autodidacta frequentando durante décadas, à noite, a biblioteca do Palácio Galveias, em Lisboa, onde lia de tudo, da literatura à ciência. Depois do curso de serralheiro mecânico – profissão breve no tempo em que a exerceu – chegam os primeiros contactos com o mundo literário: frequenta uma tertúlia no Chiado onde aparecem nomes então conhecidos das letras. É nessa tertúlia que alguém lhe oferece um lugar no escritório de uma editora, abrindo-lhe a porta para um contacto mais estreito com nomes consagrados da literatura. Nesses contactos, nas cartas que escrevia a Jorge de Sena e a Rodrigues Miguéis, e como se pode perceber nesta biografia, não hesita nos jogos de intriga do meio literário, mostrando mesmo algum calculismo na vontade de se afirmar, de ser reconhecido, como escritor. Já está, entretanto, muito ligado ao PCP e imbuído da ideologia marxista-leninista. No período pós-revolucionário é nomeado director-adjunto do Diário de Notícias (DN); num processo conturbado, é acusado de fazer censura e de afastar jornalistas; os traços de “autoritarismo” e inflexibilidade ideológica deixaram marcas no seu percurso público. Mas é no lado biográfico da sua vida privada que surgem algumas revelações neste livro, talvez inesperadas para alguns: o machismo na relação com as mulheres – a “multiplicidade de relações”, refere o biógrafo – e alguns avanços físicos não consentidos revelados agora por algumas mulheres. A “frieza afectiva” no trato familiar (com os pais, com a única filha e com os netos) é outro traço desta personalidade aparentemente tímida e por vezes ensimesmada; uma frieza de raiz ideológica, adianta o biógrafo. Tendo conhecido pessoalmente José Saramago, qual foi a revelação que mais o surpreendeu ao longo deste trabalho?Sendo a figura pública que foi, não apenas por o ter conhecido, mas por aquilo que se sabia dele, não posso dizer que tenha tido grandes surpresas. Surpreendeu-me a sua radicalidade política, que por vezes o fazia divergir do PCP pela esquerda, nisso se mantendo intransigente, e como em tudo o que tinha que ver com a ideologia. Outra surpresa veio do lado da sua vida privada. A multiplicidade de relações… direi que me surpreendeu um bocado. Mas pelos vistos era uma questão de geração. Biografei o Mário Soares e era a mesma coisa, biografei o Pinto Balsemão e foi a mesma coisa. Corresponde à atitude de uma certa geração. O machismo é mais surpreendente no Saramago por causa da sua posição ideológica. Uma pessoa não está à espera disso. Foi uma revelação. Esse traço machista é notório em certas histórias. Aliás, um amigo do Saramago, Sérgio Ribeiro, citado por si, diz que ele “não era machão, era machista”…Sim, perfeitamente notório, e ele encarava isso com grande naturalidade. Ele nem sequer questionava o seu comportamento. Mas esse meio intelectual, mesmo o de esquerda, era muito machista. O meio intelectual dos anos 1960, 1970, toda a gente era muito machista, à esquerda e à direita. A ideia da igualdade de género, dos direitos da mulher, isso só aparece mais tarde. Tudo isso fez o seu caminho muito lentamente. Durante muito tempo a esquerda não teve sequer um papel de vanguarda nisso. Logo no começo da biografia, parece duvidar – e apresenta a devida justificação – do propósito de Saramago ter iniciado o discurso de aceitação do Nobel com uma homenagem ao avô Jerónimo. Ele nunca escondeu as origens e fez disso, por vezes, quase uma bandeira. Mas haveria nele uma amargura em relação a isto?Havia sobretudo revolta, que teria mais a ver com o facto de não ter sido aceite facilmente no meio erudito, literário e académico, devido às suas origens. As pessoas desse meio marcavam-no por isso. Não tinham por ele o mesmo tipo de aceitação que teriam com outros. Ele sempre disse que tinha orgulho nas suas origens, eu respeito isso. Agora dizer que o avô, que era analfabeto, seria a pessoa mais sábia que ele conheceu… Acho que lhe fica bem naquele contexto, mas tendo o Saramago, já na altura, privado com muita gente por esse mundo fora, com tantos intelectuais ilustres, acho difícil aceitar essa ideia. E depois ao falar com a Pilar [del Río, viúva], numa das várias conversas que tive, ela acaba por me dizer isso também. Estávamos a discutir a questão da sanguinidade. O Saramago, a partir da altura em que se tornou comunista, passou a achar que as relações de sangue não tinham muita importância. O que era importante eram as amizades construídas num projecto comum entre as pessoas. Uma ideia muito soviética…Exactamente, a ideologia comunista tem muito a ver com isso. Os laços entre as pessoas não se constroem com base na família. O papel desta no comunismo original era depreciado. Foi nessa altura que falei à Pilar no discurso do Nobel, e ela disse: “mas isso é literatura, ele estava só a fazer literatura”. Isto conjugado com aquela frase que ele escreve, muitos anos antes, numa carta ao Rodrigues Miguéis, em que diz que tinha estado a pensar no avô e a fazer literatura, e acrescenta: “manha de literato, defeito de escriba”… É um escritor que ganha o Nobel, vai a Estocolmo recebê-lo, fazer um discurso – que é uma espécie de oração de sapiência. Ele tem que ter uma abertura forte para esse discurso. E vai buscar a sua circunstância, as suas raízes, o que tem a sua lógica. É inegável que tem uma relação fortíssima, sentimental, afectiva com o avô, e procura a abertura ideal. Por vezes, ao ler esta biografia, fiquei com a ideia de que Saramago era um homem desmesuradamente ambicioso. Mas noutras ocasiões já não me parecia tanto…Curiosamente, o Saramago não me pareceu muito ambicioso. É uma coisa estranha. Aliás, ele tem aquela frase: “Aquilo que tiver de ser meu às mãos me há-de vir ter”. Não é alguém que tivesse planeado a sua carreira literária para chegar ao Nobel. A partir de certa altura convenceu-se de que realmente conseguia. Mas, se tivesse essa ambição teria começado a carreira de escritor de uma forma mais consistente, e mais cedo. Ele vai escrevendo umas coisas. Tem ambição de ser escritor, sem dúvida. Mas fica por ali a estagnar. E quando volta ao meio nem é ele sequer quem faz por isso: frequenta uma tertúlia no Chiado e é convidado para trabalhar numa editora. A partir daí começa a contactar com escritores que já eram consagrados, Jorge de Sena, Rodrigues Miguéis sobretudo. Pensa recomeçar a escrever e a tentar ganhar intimidade com essa gente. Quer subir na escala, no meio intelectual, literário, digamos assim. E depois há os tais sentimentos de não poder ser considerado como desejava. Quer ganhar a aprovação deles e envia-lhes poemas que escreve. Mas continua a não se notar ali grande ambição. Tudo aquilo é muito lento, estamos a falar de um homem que já vai a caminho dos 50 anos de idade. Depois há aqueles jogos por carta com Jorge de Sena e com o Rodrigues Miguéis, em que desclassifica o crítico e escritor Gaspar Simões, a quem chamava amigo…Há muito essa intriga do pequeno meio literário português. Achei isso fascinante e deu-me vontade de escrever um livro só sobre isso (risos). Mas não há nisto um certo calculismo?Isso é verdade. Mas para chegar onde? O Saramago não tinha um ponto definido. Não acredito que nessa altura ele tivesse a ambição de ser o grande escritor de língua portuguesa, que de certa forma revolucionou as coisas, até ao ponto de chegar ao Nobel, coisa considerada inalcançável em Portugal. Tinha a ambição de se afirmar mas não consigo perceber até que ponto. Começou na ficção, vai para a poesia, e depois retoma a ficção. Não há um plano, não há nada de detalhado, linear. E entretanto vai perder-se também um pouco na política…Embora mais tarde tenha dito que nunca quis ser político. Mas se tivesse uma ambição muito determinada de ser escritor, provavelmente nunca teria aceite o cargo de director-adjunto do DN. Se as suas ideias políticas tivessem triunfado em 1975, ele estaria calhado para um tipo de carreira diferente. Acho que só quando ficou desempregado é que começou seriamente a pensar em ser escritor. Quando tem aquela epifania de descobrir um estilo [durante a escrita do romance Levantado do Chão - 1980] que o distingue do resto do que se publica em Portugal, ele percebe que tem uma carreira à frente. Mas estamos a falar de um homem que tem 58 anos nessa altura. Com Memorial do Convento (1982) ou com O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), ele pode ter pensado que poderia chegar ao Nobel, e começa a consolidar-se essa ideia. Penso que a Isabel da Nóbrega [escritora, segunda mulher de José Saramago] lhe deve ter dito…Há mesmo aquela história de ela ter o fraque do pai guardado para quando o Saramago ganhasse o Nobel…Sim, acho aquilo muito curioso, e foi em 1984 ou 1985. A filha da Isabel da Nóbrega contou-me que, por vezes, quando se insurgia contra a mãe por ser esta a pagar as contas e o Saramago não trabalhar, ela lhe respondia que ele estava a escrever e que qualquer dia ganharia o Nobel. Nos processos dos saneamentos no DN encontrou alguma história que o tivesse surpreendido?O que várias das personagens que participaram nesse processo me disseram, e em quem acredito, é que o poder dele era tão grande dentro do DN, que tudo o que acontecia era porque ele queria. Bastava uma palavra dele, há várias pessoas que me referem isso… Apesar de ele ter passado o resto da vida a dizer que aquilo não era com ele, e que era com a comissão [de trabalhadores], com o plenário, etc. Saramago tinha uma influência determinante na forma de pensar das pessoas lá dentro, e era muito respeitado. Era ele quem escrevia os editoriais, não os assinava mas sabiam que era ele. Era uma situação insólita ser director-adjunto e não ser director…Luís Barros, que é dezanove anos mais novo do que o Saramago, talvez fosse o director por ter pertencido a um governo. Foi Secretário de Estado, ou sub-Secretário de Estado para a Comunicação Social. Mas não tinha nem a força nem a autoridade intelectual para que se pudesse impor dentro do jornal. Desde o início que o Saramago se sentiu investido da missão de ser o orientador ideológico, político. Só mais tarde é que Luís Barros mostrou algum incómodo com a situação. Acontecia no caso do Saramago uma certa teimosia, também ideológica, em aceitar que a realidade pode alterar as nossas ideias, que podemos estar enganados. E um certo fanatismo ideológico que tinha na altura. O facto que acho bastante significativo disto aconteceu no primeiro congresso do PCP a seguir ao 25 de Abril, no Pavilhão dos Desportos [actual Pavilhão Carlos Lopes]. O Cunhal, por uma questão de pragmatismo, quis retirar do programa a referência à "ditadura do proletariado". Achava que era mau para a opinião pública, para o eleitorado – tínhamos acabado de sair de uma ditadura e aparece lá "ditadura do proletariado", chavão do marxismo-leninismo. Entre várias centenas de delegados, o Saramago foi o único a votar contra essa alteração. É uma inflexibilidade ideológica que sempre o caracterizou. Depois do 25 de Novembro, depois de ter sido despedido do DN, é talvez o único que não vai trabalhar para O Diário porque o partido não o chama. Fica ressentido com o PCP mas não o abandona…Ele dirá que é coerência ideológica, é o não recuar, o manter-se fiel sempre às mesmas ideias. Acho que teve a ver com isso. Mas zanga-se com Álvaro Cunhal…Exactamente. Porque foi o Cunhal quem o preteriu para a direcção do Diário. Ficou amargurado, e ao longo da vida, sobretudo mais para o fim, mostrou as amarguras mas sem nunca citar nomes, nem sequer se referia ao partido. Dizia "aqueles que a certa altura da minha vida tinham a obrigação de me apoiar e deixaram-me cair". Ele escreve isso nos Cadernos de Lanzarote (1993-1998). Remoeu esse sentimento até ao fim. Mas isso teve um reverso: foi por causa disso que se tornou escritor. No fundo deveria ter ficado agradecido ao Cunhal por o ter abandonado (risos). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Fica desempregado e vai passar uns tempos para uma UCP [Unidade Colectiva de Produção] no Lavre. Dois anos depois escreve Levantado do Chão. Mais uma vez não abandona a ideologia, e inicia uma obra cheia de mensagens políticas, como notou uns anos depois a professora Maria Lúcia Lepecki. Saramago disse que escrevia "um realismo inquietante" mas há quem defenda que esse livro é puro "realismo socialista"…Isso é verdade. O Levantado do Chão é tributário do neo-realismo – na ditadura não se podia falar de socialismo e então inventaram essa palavra – com excepção do estilo, que é diferente. Era um romance que correspondia aos ideais do partido. O Cunhal apreciou muito o livro e terá passado a admirá-lo como escritor. Saramago não fazia literatura pela literatura, tinha sempre um objectivo, em última análise ideológico. Se formos ao A Viagem do Elefante talvez nesse se note menos. Ele tinha sempre um objectivo com cada livro, mais ou menos conseguido. Mas a radicalidade também não convinha ao PCP. O Ensaio Sobre a Lucidez (2004) põe o partido completamente zangado com ele. O objectivo do partido nunca foi que se votasse em branco. Eles não gostaram. Mas para o Saramago aquilo fazia sentido, porque é a denúncia da sociedade capitalista, do sistema, das coisas que não funcionam. Então a única solução, e por que não se consegue através do voto atingir aquilo que é a sociedade perfeita, as pessoas votam em branco. Era a solução radical do Saramago, que ultrapassa em muito aquela que era a do partido comunista. Percebe-se ao longo do livro que as relações de Saramago com Mário Soares passaram de muito más a boas. Esta viragem deveu-se ao facto de a política se ter tornado menos aguerrida ou houve alguma outra coisa que a provocou?Há o lado da literatura, que é muito forte. Acerca disso há uma carta que o Saramago escreveu ao Eduardo Lourenço, publicada há muito pouco tempo no JL [Jornal de Letras, Artes e Ideias], em que ele conta essa história. Depois do Verão Quente o Saramago ainda continuou a insultar o Soares nas crónicas que escrevia no Extra. O Soares era um escritor frustrado, fiz-lhe a biografia e estou à vontade para dizer isso. Tinha uma grande admiração pela literatura, comprava e lia tudo o que, sobretudo, os autores portugueses iam publicando. A certa altura, era ele primeiro-ministro do governo do Bloco Central, escreveu uma carta ao Saramago com elogios ditirâmbicos sobre o Memorial do Convento. E diz que lhe está a escrever aquilo independentemente das ideias políticas e do que aconteceu entre eles. E de facto, o Saramago, que sempre gostou que lhe afagassem o ego, apreciou muito, e respondeu-lhe também com uma carta muito afectiva. A parte mais incómoda desta biografia diz respeito ao lado da vida privada. Algumas mulheres revelaram avanços físicos não consentidos por parte de Saramago. Houve vergonha nestas revelações ao contarem o que contaram?Houve bastante. Não querem assumir porque ficam expostas socialmente. Se o fizessem, no meio social em que se movimentam, as relações que têm, de amizade e outras, tudo isso, acham elas que sairiam de alguma forma prejudicadas. Por isso querem manter o anonimato. Algumas mantiveram-se amigas do Saramago e da Pilar, o que é curioso. Se revelassem agora os nomes, seria muito complicado para as suas relações. E nós, aqui em Portugal, não estamos numa fase de denúncia me too como nos EUA. Estamos numa fase mais recuada, nem sei se alguma vez lá chegaremos.
REFERÊNCIAS:
Governo aprova primeiros sete diplomas sectoriais da descentralização
Diplomas sobre transferência de competências para os municípios nas áreas da gestão de projectos financiados por fundos europeus e programas de captação de investimento, da justiça, policiamento de proximidade,do apoio aos bombeiros voluntários, jogos de fortuna e de azar, gestão de praias já foram aprovados. (...)

Governo aprova primeiros sete diplomas sectoriais da descentralização
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.25
DATA: 2018-09-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Diplomas sobre transferência de competências para os municípios nas áreas da gestão de projectos financiados por fundos europeus e programas de captação de investimento, da justiça, policiamento de proximidade,do apoio aos bombeiros voluntários, jogos de fortuna e de azar, gestão de praias já foram aprovados.
TEXTO: O Governo aprovou esta quinta-feira em Conselho de Ministros os primeiros sete diplomas sectoriais no âmbito da transferência de competências para os municípios, em áreas como a justiça e a gestão de fundos comunitários. Tal como já havia dito ao PÚBLICO, o ministro Administração Interna, Eduardo Cabrita, anunciou, na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros, que foram aprovados os diplomas sectoriais de transferência de competências para os municípios da justiça, do policiamento de proximidade, da promoção turística, dos jogos de fortuna e de azar, da gestão de praias marítimas, fluviais e lacustres inseridas no domínio público do Estado. O ministro destacou ainda os diplomas que prevêem a participação das comunidades intermunicipais (CIM) no apoio e estruturação de bombeiros voluntários, na promoção turística e na gestão de fundos europeus e programas de captação de investimento. Eduardo Cabrita salientou que está a trabalhar com os municípios "para concluir o processo nas próximas semanas". Os 23 diplomas sectoriais da descentralização devem ser progressivamente aprovados em Conselho de Ministros até 15 de Outubro, a tempo do Orçamento do Estado, sendo a educação e a saúde as áreas mais difíceis de acordo entre Governo e municípios. A lei-quadro da transferência de competências para as autarquias e entidades intermunicipais e as alterações à Lei das Finanças Locais foram aprovadas em Julho no Parlamento, apenas com votos a favor do PS e do PSD. A lei-quadro prevê que os municípios aceitem gradualmente as competências a transferir do Estado central até 2021. No que toca a competências das entidades intermunicipais, estas passam a gerir os “projectos financiados por fundos europeus” e os “programas de captação de investimento”, passando estas instituições a ter “um papel mais activo na dinamização e promoção, do potencial económico das respectivas sub-regiões”. Também o turismo, “o desenvolvimento da promoção turística no mercado interno” passa a ser feito pelas entidades intermunicipais “em articulação com as entidades regionais de turismo”. Geridos pelas entidades intermunicipais em conjunto com os municípios serão os serviços de Justiça transferido, de acordo com o comunicado do Conselho de Ministros. A saber: a reinserção social de jovens e adultos, a prevenção e combate à violência doméstica, a rede dos julgados de paz e o apoio às vítimas de crimes. Já sobre bombeiros, o comunicado diz que “entendeu o Governo que, quer as autarquias locais quer as entidades intermunicipais poderão ter um papel mais participativo no apoio aos bombeiros”. Com esse objectivo, o decreto aprovado “estabelece que os municípios em cuja área territorial actuem as equipas de intervenção permanente das associações de bombeiros voluntários podem apoiar o funcionamento das mesmas”, nomeadamente “comparticipar nos custos decorrentes com seguros de acidentes de trabalho dos elementos que integram as equipa de intervenção permanente e nos custos com a aquisição de equipamentos a elas afectos”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No domínio dos municípios fica o policiamento de proximidade, sendo “alterada a composição e funcionamento dos conselhos municipais de segurança, instituindo em cada um deles uma comissão restrita com competências de definição, ao nível estratégico, do modelo de policiamento de proximidade a implementar no município”. As câmaras passam a “autorizar a exploração das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo, nomeadamente rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”. Quanto à “gestão sobre as praias marítimas e sobre as praias fluviais e lacustres integradas no domínio público hídrico do Estado” esta competência é “transferida para os municípios, passando a caber-lhes, entre outras competências, a limpeza dos espaços balneares e a manutenção, conservação e reparação das infraestruturas e equipamentos aí existentes, bem como a respectiva concessão, licenciamento ou autorização”.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD
Mendonça e Moura, o “diplomata modelo”, será o novo gestor do MNE
Actual embaixador junto da ONU será o novo chefe da carreira diplomática. Ministro do PS escolhe diplomata da confiança de Durão Barroso. Mendonça e Moura reúne amplo consenso no MNE, onde escolha é vista como “lógica e consensual”. (...)

Mendonça e Moura, o “diplomata modelo”, será o novo gestor do MNE
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-08-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: Actual embaixador junto da ONU será o novo chefe da carreira diplomática. Ministro do PS escolhe diplomata da confiança de Durão Barroso. Mendonça e Moura reúne amplo consenso no MNE, onde escolha é vista como “lógica e consensual”.
TEXTO: Álvaro Mendonça e Moura, actual embaixador de Portugal junto da ONU, em Nova Iorque, será o novo secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cargo que, na prática, significa ser o chefe da carreira diplomática e o gestor da máquina. A nomeação é necessária porque, com a saída para Pequim do embaixador José Augusto Duarte, assessor diplomático do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, e a sua substituição em Belém por Ana Martinho, a actual secretária-geral do ministério, o cargo fica vago depois do Verão. Visto como uma escolha “lógica e consensual”, Mendonça e Moura reúne um amplo consenso no MNE. Ouvidos dez diplomatas, de diferentes gerações, estilos e simpatias políticas, o retrato é unânime: aos 66 anos e com um sólido trajecto diplomático, Mendonça e Moura é visto como um dos mais eficazes e respeitados diplomatas portugueses. “É o diplomata modelo. Se o ministério fosse uma democracia pura, teria uma larga maioria de votos”, diz um diplomata. “É um mediador exímio”, destaca outro. “Teve um papel decisivo no processo de eleição de António Guterres para a ONU”, diz um terceiro. “Bom profissional, equilibrado e com muito bom senso, três qualidades essenciais para a função”, resume um quarto diplomata. Mendonça e Moura entrou no MNE em 1975 e dez anos depois foi para Pretória, onde foi braço-direito do embaixador José Cutileiro quando este propôs, semanas após a chegada, uma mudança da política portuguesa em relação ao apartheid (mais distante) e a aproximação aos líderes negros, tendo a seguir sido nomeado director dos Serviços de África. Foi chefe de gabinete de Durão Barroso entre 1991 e 1995 (nos anos em que este foi secretário de Estado e ministro) e acompanhou as negociações para os Acordos de Bicesse sobre Angola; foi representante permanente junto da União Europeia e teve vários cargos junto de órgãos da ONU. Francisco Duarte Lopes, hoje director-geral de Política Externa, será o novo embaixador na sede da ONU. A saída de Ana Martinho para Belém teve um impacto no movimento diplomático que já estava organizado. Está previsto que, para Paris, vá Jorge Torres Pereira (hoje em Pequim); para Seul irá Manuel de Jesus (agora em Díli); para Timor-Leste irá José Machado Vieira (actual director da Ásia); para Viena irá Almeida Ribeiro (hoje no Vaticano); para a Santa Sé irá Almeida Lima (hoje chefe do Protocolo); para esse cargo irá Clara Santos (hoje embaixadora em Oslo); para a Noruega irá António Quinteiro (hoje em Seul); para a OCDE irá Bernardo Lucena (hoje assessor diplomático do primeiro-ministro António Costa); para São Bento irá o embaixador Bernardo Futscher Pereira; para Moscovo irá Paulo Vizeu Pinheiro, e para a REPER irá Gilberto Jerónimo (ex-assessor diplomático de Passos Coelho), entre outras rotações previstas. A nível interno, há também algumas novas chefias, entre as quais Pedro Costa Pereira, que passa a director-geral de Política Externa, e Rui Vinhas, que se mudará de Bruxelas para Lisboa para chefiar os Assuntos Europeus. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em comunicado, o ministério dos Negócios Estrangeiros anunciou esta quinta-feira que o embaixador Mendonça e Moura aceitou o convite para ser secretário-geral e que a embaixadora Ana Martinho será a próxima assessora para as relações internacionais do Presidente, tal como o PÚBLICO noticiara a 24 de Junho. Ana Martinho, hoje com 69 anos e a meses da reforma compulsiva, foi nomeada em 2013 e foi a primeira mulher secretária-geral do MNE. Faz 70 anos em Maio, mas a função de conselheiro em Belém não está abrangida pelas regras da administração pública, pelo que poderá manter-se no activo. Na diplomacia portuguesa, são raros os casos de funcionários que desceram na hierarquia — no caso, Martinho cai de 35º no Protocolo do Estado (acima, por exemplo, do Presidente do Tribunal da Relação) para 52º (abaixo dos vereadores municipais). Esse facto fez com que muitos diplomatas não considerassem plausível que Ana Martinho gostasse da ideia de ir para Belém. A embaixadora e o Presidente conhecem-se no entanto desde os anos da unversidade e têm uma energia equiparável. Nota: notícia actualizada às 11h de 29 de Junho, acrescentando as confirmações oficiais das nomeações do novo secretário-geral do MNE e da nova assessora diplomática de Belém.
REFERÊNCIAS:
Futuro impossível: o sucesso imprevisto do Partido Liberal
As propostas do Partido Liberal suscitam a ira de todos os quadrantes da política portuguesa. (...)

Futuro impossível: o sucesso imprevisto do Partido Liberal
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.06
DATA: 2018-09-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: As propostas do Partido Liberal suscitam a ira de todos os quadrantes da política portuguesa.
TEXTO: O Partido Liberal, fundado em Janeiro de 2018, ganhou as eleições legislativas de 2023 com uma maioria sem precedentes na história da democracia portuguesa. Como explicar o sucesso imprevisto do Partido Liberal (PL)? A história da ascensão meteórica do PL começa em Julho de 2018, enquanto se debatia fervorosamente a espinhosa questão da legislação laboral. A esquerda, como sempre, defendeu acerrimamente os direitos dos trabalhadores sem nunca explicar como é que se cria uma economia inovadora e competitiva, capaz de garantir a sustentabilidade dos direitos laborais e sociais. A direita, como seria de esperar, nem sequer contemplou a possibilidade do aumento do salário mínimo. O seu manifesto eleitoral, uma miscelânea cacofónica e contraditória de moralismo conservador e de neoliberalismo, persuadiu poucos. No dia 30 de Julho de 2018, o líder do Partido Liberal publica um artigo no jornal Público onde apresenta as principais propostas do seu partido: 1) a subida imediata do salário mínimo nacional para 1200 euros, justificada por duas necessidades imperativas: 1. 1) criar uma sociedade com uma distribuição mais justa da riqueza e; 1. 2) incentivar a produtividade dos trabalhadores portugueses. 2) direito incondicional do patronato para despedir por justa causa, sendo “justa causa” definida de acordo com dois critérios: 2. 1) o empresário será obrigado a demonstrar que o trabalhador que pretende despedir não é produtivo e; 2. 2) o trabalhador pode despedir-se porque não se sente realizado a desempenhar a actividade para a qual foi contratado. 3) o trabalhador que se despeça, ou que seja despedido por justa causa, terá direito a um rendimento de 700 euros por mês, por um período de dois anos, desde que frequente um curso intensivo de formação tecnológica. Os programas de formação tecnológica serão conjuntamente formulados e administrados pelo Estado, Confederação Empresarial de Portugal e representantes sindicais. Os trabalhadores que decidam enveredar pela formação tecnológica serão rigorosamente e inteligentemente avaliados. Tudo será feito para que o trabalhador tenha a possibilidade de escolher uma formação que mais tarde lhe permita escolher uma actividade económica por ele/a desejada, assim maximizando a probabilidade da sua emancipação e autonomia económica. Os trabalhadores que decidam criar pequenas empresas beneficiarão de inúmeros apoios estatais e de isenções fiscais substanciais. As novas empresas que sejam bem-sucedidas no mercado interno e nos mercados da exportação beneficiarão de isenções fiscais progressivas desde que aumentem progressivamente os salários dos seus trabalhadores. 4) a competitividade e produtividade da economia Portuguesa será uma responsabilidade institucional conjunta, compartilhada por sindicatos, empresários e estado. O PL propõe a criação do Instituto Nacional da Economia, instituição de pequena dimensão mas poderosa que congregará os representes sindicais dos trabalhadores, da classe empresarial e o Ministro da Economia. Este novo instituto não prestará contas ao governo mas ao Presidente da Republica e ao Tribunal de Contas, que terá apenas a responsabilidade de monitorizar exaustivamente a aplicação dos fundos destinados à formação tecnológica. O Presidente da Republica e o Tribunal de Contas terão também a responsabilidade de nomear uma Comissão de Avaliação, composta por cinco economistas de reconhecida idoneidade, cuja função será a de avaliar objectivamente a produtividade e competitividade da economia portuguesa. A Comissão de Avaliação poderá também formular propostas que apresentará aos membros do Instituto Nacional da Economia nos seus encontros trimestrais. As propostas da Comissão de Avaliação terão de ser validadas pelo voto majoritário dos membros do Instituto Nacional da Economia. 5) O PL propõe também a eliminação imediata de inúmeras regulações absurdas que reprimem a criatividade económica, assim facilitando a criação de novas empresas. Mais de metade das leis que regulam as actividades económicas, muitas das quais nada tem que ver com direitos laborais, serão imediatamente eliminadas. 6) O PL defende a entrada em vigor de leis anteriormente propostas, mas ainda não plasmadas na lei, que promovam e garantam a igualdade de género e a não-discriminação económica, política e social de todas as minorias. O critério do mérito será estritamente aplicado na implementação de políticas igualitárias. A condescendência igualitária não promove a dignidade humana. Perverte-a. O PL defende o conceito da igualdade meritocrática. As propostas do PL suscitam a ira de todos os quadrantes da política Portuguesa. Curiosamente, são os conservadores neoliberais da direita portuguesa que criticam as propostas do PL com mais veemência, acusando-o de enveredar “por um intervencionismo camuflado” e de perverter por completo o pensamento liberal. O líder do PL responde às críticas da direita conservadora neoliberal da seguinte forma: “As propostas apresentadas pelo Partido Liberal são, em grande parte, inspiradas pelos escritos de John Stuart Mill que nos seus ensaios sobre política económica defende o argumento de que as instituições estatais e cívicas podem e devem cooperar em tudo o que diz respeito à criação e à justa distribuição de riqueza. Na sua magnifica obra, encontramos inúmeras recomendações para erradicar a pobreza e garantir a emancipação política, económica e social da mulher e das minorias. Para Mill, a economia é uma disciplina moral. Nós, liberais, concordamos. Não há melhor incentivo para a criação de uma economia criativa e competitiva do que uma economia intrinsecamente justa na forma como cria e distribui riqueza. É o neoliberalismo, com a sua concepção puramente economicista da sociedade e o seu paradoxal conservadorismo social e político, que perverte por completo os mais nobres ideais fundacionais do liberalismo. Para os liberais portugueses, como para Mill, as melhores políticas são as que contemplam e promovem “a felicidade do maior número de pessoas possível. ” Somos coerentes: liberdade para a economia, liberdade para as pessoas e justiça para o maior número de pessoas possível. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos trabalhador lei tribunal mulher social igualdade género pobreza salário discriminação
#MeToo em Portugal? Temos “uma forma mais formiguinha” de fazer a luta
Diferenças culturais ajudam a explicar impacto diferente do movimento #MeToo no debate sobre assédio e violência sexual. (...)

#MeToo em Portugal? Temos “uma forma mais formiguinha” de fazer a luta
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-10-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Diferenças culturais ajudam a explicar impacto diferente do movimento #MeToo no debate sobre assédio e violência sexual.
TEXTO: Um ano depois da explosão do movimento #MeToo nos Estados Unidos, que sinais de contágio conseguimos ver em Portugal? “Teve relevância e uma grande visibilidade praticamente no mundo inteiro, influenciou a forma como se fala nesses assuntos”, pondera Nora Kiss, presidente da Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens. Mas contrapõe que, em Portugal, o efeito não foi tão visível como em outros países. Não é que a luta nas ruas contra o assédio e a violência sexual tenha estado adormecida. Nos últimos anos, além das concentrações habituais nos dias simbólicos de luta pelos direitos das mulheres, houve várias demonstrações de solidariedade com mulheres que foram vítimas: não apenas as de Outubro do ano passado e de Setembro deste ano, contra acórdãos da Relação do Porto, mas também em Junho de 2016, quando foi conhecido o caso de uma adolescente brasileira vítima de uma violação colectiva, ou mesmo quando Portugal se juntou, em 2011, à Slutwalk, a Marcha das Galdérias, nascida no Canadá. Apesar de o MeToo ter colocado em agenda o debate sobre o assédio e a violência sexual, que dominou noticiários em todo o mundo, a dimensão da denúncia dos crimes pode não ter sido apropriada da mesma forma em Portugal. A começar porque, por cá — mesmo em questões como a violência doméstica, onde o reconhecimento do problema é generalizado —, é raro as vítimas virem a público, diz-nos Maria José Magalhães, investigadora da Universidade do Porto. “Falar na sua própria voz não é muito o hábito em Portugal”. A investigadora, que é também dirigente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), aponta como decisiva a tradição dos EUA de trazer os problemas a público e criar grupos de resistência. Considera difícil que um movimento com os contornos do MeToo ganhe força em Portugal, o que se nota logo no facto de haver poucas activistas que gostem de falar publicamente sobre as causas que defendem. “Há muitas mulheres que não gostam da exposição pública, mesmo que não sejam vítimas”. E nas redes sociais? Uma hashtag pode fazer a diferença? Ao analisar discursos sobre feminicídio no Twitter em Portugal e Espanha, Inês Amaral, docente da Universidade de Coimbra, notou que há “muito mais solidariedade do que partilha de informação, menos conversação e mais partilha de conteúdo”. A adesão não é apenas a hashtags em inglês, “a língua franca da Internet”, mas volta-se também para as que criam pontes com as lutas em Espanha e na América Latina, onde os contornos da violência contra as mulheres têm semelhanças culturais. #NiUnaMenos, #JustiçaPatriarcal, #ViolênciaMachista, #LaManadaSomosNosotras e #YoTeCreo — são slogans de indignação que se lêem nos cartazes tanto das gigantescas manifestações espanholas ou argentinas como nas portuguesas de pequena dimensão. Porque, sim, “no online a mobilização é muito maior do que no offline”, aponta Inês Amaral, sustentando que em Portugal “os colectivos que vão para a rua são mais politizados, e isso ainda afasta algumas pessoas. ”Em Portugal, ainda há muito a fazer para garantir os direitos das vítimas - como se torna claro nas situações como o recente acórdão da Relação do Porto que levantou protestos nas ruas - mas o combate à violência sexual não tem sido esquecido pelo Estado. Esta semana, soube-se que o Ministério da Justiça quer seguir as recomendações da Convenção de Istambul e vai propor alterações ao Código Penal no que toca aos crimes sexuais. Nos últimos três anos, Portugal viu criados três centros de atendimento para vítimas de violência sexual. Para além do trabalho das ONG, está em curso um projecto com profissionais da administração pública que lidam com vítimas, com o objectivo de conhecer as percepções sobre violência sexual nas relações de intimidade e sensibilizar sobre os estereótipos que prejudicam uma correcta avaliação dos casos. A luta no terreno contra a violência sexual é mais antiga nos Estados Unidos do que em Portugal, o que justifica que a partilha de histórias através da hashtag #MeToo tenha começado muito antes da adesão de celebridades. E este trabalho sustentado também ajudou a definir exemplos sobre como responder a estas situações. Mas isto nem sempre é fácil de traduzir para a cultura de outros países. Com a polémica à volta de Cristiano Ronaldo, o debate chegou mais perto de Portugal. Ainda há cautela a tratar do assunto, mas já muitas pessoas se levantam para pôr a culpa na mulher que acusa o jogador de futebol. “Temos a obrigação de esperar pelos resultados do tribunal, esperar para saber o que é provado ou não, mas não temos o direito de culpar as vítimas”, sublinha Maria José Magalhães, falando no contexto de cultura misógina “que tem mantido o silenciamento das vítimas”. “Continuamos a culpabilizar as vítimas porque não queremos que os nossos ídolos masculinos saiam desse pedestal”. O caminho do reconhecimento da violência sexual em Portugal ainda pode ser demorado, mas a dirigente da UMAR nota um factor positivo: “quando uma coisa está estabelecida, não há volta atrás”. É o caso, por exemplo, do combate à violência doméstica. “As pessoas constroem novas relações, novas práticas sociais, mesmo no quotidiano. Apesar de não termos esse boom mediático, temos uma forma mais formiguinha, passinho a passinho, cimentar o terreno. É essa a nossa luta. ”Maria José Magalhães aponta que nas escolas, por exemplo, é cada vez mais claro para os jovens o que é o assédio sexual. Coordena desde 2016 o projecto projecto Bystanders, que tem analisado formas de responder ao assédio sexual entre jovens através da intervenção dos chamados bystanders, os observadores. Os resultados do projecto serão apresentados a 8 e 9 de Outubro, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, no seminário internacional Assédio e Violência Sexual: vítimas, perpetradores e bystanders. Com base no trabalho desenvolvido em três escolas, a investigadora nota que os jovens estão mais abertos a aprender, mas “com pessoas adultas a possibilidade de avançar no debate é mais difícil, as opiniões estão muito firmemente vincadas no seu consciente”. Para Nora Kiss, “a questão geracional é um factor relevante, mas não é o único”. Para quem trabalha na área da violência, diz, é mais claro “onde acaba um flirt, onde começa o assédio”, mas as percepções subjectivas ainda diferem, fruto da socialização de cada pessoa, mesmo entre as jovens. Recorda, por exemplo, os resultados de um estudo recentemente divulgado feito com voluntárias que participaram em projectos de Serviço Voluntário Europeu, no qual uma jovem relatou um caso de assédio que sofreu no projecto dela. Outra jovem, que participou no mesmo projecto e passou por situações semelhantes, não teve a mesma leitura, desvalorizando o caso. “Nem todas as pessoas jovens têm uma abordagem feminista sobre este assunto”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No que toca ao assédio sexual no local de trabalho, tem havido vitórias, nomeadamente a nível legislativo. O país tem vindo a evoluir na discussão sobre o assunto. Para a socióloga Anália Torres, que ouviu vários homens e mulheres ao longo do estudo Assédio Sexual e Moral no Local de Trabalho em Portugal, apesar de as “linhas vermelhas” serem diferentes de pessoa para pessoa, existem fronteiras mais claras entre o que é assédio e o que é sedução. “As pessoas sabem distinguir isso [flirt] do que é perseguição”, diz a investigadora do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG). Falar sobre o assédio sob a perspectiva de género é hoje mais fácil, mas também este foi um processo longo. “Se eu olhar para os últimos oito ou nove anos, quando íamos a uma escola fazer uma sessão sobre igualdade, havia menos conhecimento sobre o assunto. Hoje temos muito menos resistências”, relata Nora Kiss, da Rede. As resistências podem vir a cair cada vez mais à medida que forem reforçados programas nas escolas, como a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, que engloba temas como a igualdade de género. Voltando às escolas estudadas no projecto Bystanders, há algumas arestas a limar: as raparigas, por exemplo, já têm mais consciência de que são vítimas e repudiam o assédio sexual de uma forma geral, em particular quando acontece dentro do seu círculo de amigos. Contudo, os casos são menos reconhecidos quando acontece a outras, que elas não conhecem. Ainda é possível ouvir o discurso de que “as outras provocam”, diz Maria José Magalhães, da FPCEUP, que explica tratar-se de um mecanismo chamado othering, de considerar que “as outras são diferentes de nós”. “Há ainda que fazer este processo em Portugal, desenvolver solidariedade entre mulheres, aquilo que nos activismos chamamos de sororidade”.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Governo vai alterar legislação sobre crimes sexuais
Ministério da Justiça reconhece que é preciso alterar o Código Penal, "no tocante aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual". Mas não se compromete com prazos. Associações que trabalham com vítimas têm pedido mudanças, como o alargamento do prazo para denunciar crimes de violação. (...)

Governo vai alterar legislação sobre crimes sexuais
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ministério da Justiça reconhece que é preciso alterar o Código Penal, "no tocante aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual". Mas não se compromete com prazos. Associações que trabalham com vítimas têm pedido mudanças, como o alargamento do prazo para denunciar crimes de violação.
TEXTO: O Governo está a planear alterar as leis sobre crimes sexuais, de forma a cumprir com o disposto na Convenção de Istambul — o tratado do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica —, mas ainda não explica que mudanças estão a ser estudadas. A informação foi avançada nesta quarta-feira pela secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro. “As autoridades públicas portuguesas estão disponíveis para operar uma [revisão], reconhecendo esta necessidade de alterar o Código Penal no sentido de melhor acomodar aquilo que são os pressupostos da Convenção de Istambul nestas matérias”, disse a governante. Esta posição, revelou, foi “articulada em sede de Governo”, entre a tutela da Igualdade e o Ministério da Justiça, no âmbito do processo de avaliação da aplicação da Convenção de Istambul, ratificada por Portugal em Fevereiro de 2013. Trata-se de uma resposta às recomendações do comité GREVIO, o grupo de peritos do Conselho da Europa, “cujas posições foram positivas para Portugal, mas que recomendava essa questão da revisão do crime de violação”, explicou Rosa Monteiro. A governante falava a jornalistas depois da apresentação da 4. ª Conferência Regional de alto nível da União para o Mediterrâneo (UpM) sobre o empoderamento das mulheres, que trará a Lisboa, a 10 e 11 de Outubro, um conjunto de governantes e ONG da União Europeia e outros países do Sul da Europa, Norte de África e Médio Oriente. A intenção foi confirmada pelo Ministério da Justiça, que em resposta ao PÚBLICO por email, disse que “projecta modificar o Código Penal, no tocante aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, à luz da Convenção de Istambul e das recomendações do GREVIO”. No entanto, também não revela quais foram as recomendações do comité neste campo, que mudanças estão a ser estudadas ou os prazos para o arranque deste processo. O que diz a Convenção de Istambul (CI) sobre crimes sexuais? No artigo 36. º, referente à “violência sexual, incluindo violação”, os países signatários comprometem-se a adoptar as medidas necessárias para assegurar a criminalização de actos sexuais sem o consentimento da vítima. “O consentimento tem de ser prestado voluntariamente, como manifestação da vontade livre da pessoa, avaliado no contexto das circunstâncias envolventes”, refere o artigo, sublinhando-se em seguida a importância de assegurar que as medidas “também se aplicam a actos praticados contra os cônjuges ou companheiros ou contra os ex-cônjuges ou ex-companheiros”. A legislação portuguesa não coloca explicitamente a falta de consentimento como central para considerar que houve crime de violação; refere antes que é preciso haver “constrangimento” de outra pessoa a actos sexuais, exigindo algum nível de violência ou ameaça para que a pena aplicada seja a mais grave. A CI versa sobre várias formas de violência de género, caracterizada como aquela que atinge as mulheres de forma desproporcional ou especificamente por serem mulheres. Em causa, além da violação e do abuso sexual, estão a violência doméstica, o assédio sexual no trabalho e nas ruas, práticas nefastas como os casamentos forçados e a mutilação genital feminina, entre outros. Além da protecção das vítimas, a CI aposta ainda na prevenção destas formas de violência, nomeadamente através da educação livre de estereótipos de género. Nesta terça-feira, a secção portuguesa da Amnistia Internacional declarou, em comunicado, que é “fundamental que Portugal alinhe a legislação sobre violência sexual com os padrões internacionais de direitos humanos, como já foi recomendado pelo Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres [CEDAW] ao Estado Português, em 2015”. A actual “discussão pública generalizada sobre a violência sexual de género”, como a caracteriza a Amnistia, foi gerada por uma decisão do Tribunal da Relação do Porto, recentemente conhecida, que confirmou penas suspensas a dois homens por abuso sexual de uma mulher numa discoteca de Gaia. A Relação do Porto justificou a recusa em transformar em prisão efectiva a pena suspensa decidida anteriormente no tribunal de Gaia argumentando que “a culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica” e num “ambiente de sedução mútua”. A decisão desencadeou protestos públicos em pelo menos três cidades, assim como acusações de postura misógina dirigidas aos magistrados responsáveis pelo acórdão. A Amnistia Internacional defende que o “Governo português, bem como os demais órgãos de soberania, devem ouvir as vozes da discussão que ocorre no contexto nacional”. A avaliação da aplicação em Portugal da Convenção de Istambul, que começou em meados do ano passado, deverá estar completa até ao final do ano. Em Março, o comité GREVIO visitou o país para encontros com governantes e ONG e para algumas visitas no terreno, um diálogo que resultou num relatório preliminar de avaliação enviado ao Governo no Verão. As recomendações finais serão conhecidas até Janeiro de 2019. Entretanto, além das garantias dadas agora pelo Ministério da Justiça, está previsto na actual Estratégia Nacional para a Igualdade um “estudo de revisão da legislação em matéria de violência contra as mulheres e violência doméstica, em conformidade com a Convenção de Istambul”, que deverá ser produzido até ao final de 2019. Em 2015, houve um conjunto de alterações legislativas para dar cumprimento ao disposto na CI, entre as quais alterações nos crimes de violação, coacção sexual e importunação sexual. Contudo, em Maio deste ano, a Amnistia Internacional divulgou uma análise que refere Portugal como um dos países europeus que “ainda não logrou conformar adequadamente a legislação interna com a Convenção de Istambul”. A conclusão não é nova. Já em Outubro do ano passado, por altura do início do processo de avaliação do GREVIO a Portugal, várias ONG tinham alertado para estas falhas. A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), que apresentou um relatório individual com considerações exclusivamente jurídicas, referia, no que toca à definição de crimes sexuais — nomeadamente os crimes de coacção sexual e de violação — que os elementos que caracterizam o crime na lei não dão “a relevância devida ao conceito de ausência de consentimento da vítima como este está definido na Convenção”. Na lei portuguesa, descrevem, continua a ser exigido o ‘constrangimento’ da vítima para se considerar que existiu violência sexual, além de não terem sido abolidos “os requisitos de violência, ameaça grave ou tornar a vítima incapaz de resistir”. Já no relatório elaborado por um grupo de trabalho alargado de ONG, coordenado pela Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV) e a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), as organizações exigiam enquadramentos legais mais pesados para todas as formas de violência contra as mulheres, e sublinhavam a necessidade de efectivar as penas. As ONG alertam ainda para as lacunas na recolha de dados, que muitas vezes não estão desagregados por género — não permitindo demonstrar a desproporcionalidade destes crimes —, o que dificulta também a produção de conhecimento sobre estas temáticas. No que toca à violência sexual, mais especificamente, as ONG pediam ainda que fossem criadas mais respostas específicas para as sobreviventes de crimes sexuais, nomeadamente centros de crise para atendimento de vítimas de violação e apoio para situações de trauma. Actualmente, Portugal tem apenas três centros de apoio especializado em violência sexual, dois dirigidos a mulheres (em Lisboa e no Porto) e um para homens. Considerando que “a justiça tem sido muito injusta com as vítimas de violência sexual”, Ilda Afonso, coordenadora do centro de apoio às vítimas de violência sexual da UMAR, no Porto, afirma que quaisquer alterações legais deveriam incluir o alargamento do período durante o qual as vítimas podem apresentar queixa e que é neste momento de seis meses desde a ocorrência. “Muitas vezes, nestes primeiros seis meses, as vítimas nem sequer conseguem falar sobre o assunto quanto mais denunciá-lo às autoridades. Às vezes demoram esse tempo a tentar encontrar uma forma de verbalizar o que lhes aconteceu”, sublinha. Também Margarida Medina Martins, do centro de crise da AMCV em Lisboa, considera que “os crimes de violência sexual não deviam prescrever”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ilda Afonso considera mesmo que a violação e a violência sexual devem passar a ser um crime público, tal como o da violência doméstica, uma ideia que tem estado em debate no seio da UMAR. “Na prática, isso faria com que a actuação das autoridades não dependa da queixa da vítima”, explica, para sublinhar que “isso pode ser muito importante nos casos em que a vítima não consegue pedir ajuda relativamente a um crime a que outros tenham assistido”. Um exemplo: no ano passado, na Queima das Fitas do Porto, “foram divulgadas imagens de uma jovem inconsciente a quem um amigo ou namorado enfiava as mãos por dentro das calças, dentro do autocarro em que seguiam, com os amigos à volta a acharem piada àquela brincadeira; a jovem não deu consentimento para que se portassem assim com ela, e com as imagens em todo o lado, ficou envergonhada e com culpa e o que mais queria era que a deixassem em paz", diz Ilda Afonso. "Não apresentou queixa. Se o crime fosse público, qualquer pessoa que seguisse no autocarro tinha oportunidade para o denunciar. "Em conversa com o PÚBLICO, Margarida Medina Martins foi mais cautelosa. Lembrando que o tema não gera consensos também dentro da AMCV, reconhece que a passagem a crime público daria visibilidade ao tema, mas quem pagaria o preço dessa transição — em particular se se mantiver a situação actual, com falta de profissionais especializados, ou sequer sensibilizados — seriam as vítimas. “Vão cair em instituições que não só não sabem de violência doméstica, como sabem ainda menos da violência sexual. E isto é um preço muito alto para sobreviventes. ” Com Natália Faria
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Partidos LIVRE
Sou professor e hoje um aluno partiu-me os óculos
Os óculos foram à vida e algumas lágrimas, presas, ficaram por chorar. Meio cego, a ausência dos óculos é a cicatriz que não consigo esconder durante os próximos dias, a violação do corpo, a cobardia do desafio sem resposta. (...)

Sou professor e hoje um aluno partiu-me os óculos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os óculos foram à vida e algumas lágrimas, presas, ficaram por chorar. Meio cego, a ausência dos óculos é a cicatriz que não consigo esconder durante os próximos dias, a violação do corpo, a cobardia do desafio sem resposta.
TEXTO: Não se fala disto, eu não falo disto, se me perguntarem está tudo bem e, ao chegar a casa, foi mais um dia normal. Mas isto não é normal, ainda não estou em mim, interiorizo tudo e isto também, estou calado, ando mudo, há-de passar mas não passa e só através da escrita consigo fazer a catarse. Contexto: trabalho numa escola de alunos excluídos do ensino secundário por problemas de comportamento. Como os miúdos têm a mania de fazer “cavalinhos” no meio da estrada à hora de almoço e no meio do trânsito, temos de lhes prender as bicicletas a cadeado. Estava de plantão no recreio, só para ter a certeza que não havia problema nenhum, quando um aluno veio ter comigo e exigiu que lhe desprendesse a bicicleta. Disse-lhe que não, que não podia, só ao fim do dia, por uma questão de segurança. O aluno insistiu e ordenou, acrescentando precisar da bicicleta à hora de almoço e, como mais uma vez lhe disse não poder, o rapaz não hesitou, agarrou-me os óculos e atirou-os violentamente contra o chão. Quinhentos euros para o chão, talvez mais, assim, num par de segundos. Voltei para dentro da escola e afastei-me do aluno, aluno esse que entretanto fugiu a correr rua abaixo, ou assim me disseram depois. Não estava em mim. Voltei para a sala de aula e sentei-me ao computador enquanto, à velocidade da luz, o meu cérebro procurava justificar o que tinha acabado de acontecer. E se pensam que a escola, e consigo a direcção, se estiveram nas tintas e que este é mais um texto para incendiar opiniões, estão enganados. Cinco minutos depois já tinha o director ao meu lado a querer saber de mim, como estava, o que é que podia fazer, e que não me preocupasse com os óculos que a escola paga tudo. O resto do dia foi um corrupio de gente a querer inteirar-se do meu estado, que eu tinha feito tudo bem e nada mais havia a fazer numa situação destas. Não entrei em conflito com o aluno, desviei o olhar, repeti a mensagem. Podia ter-me afastado, mas estava com as costas coladas ao portão. Não havia nada a fazer. O aluno em questão já não volta para esta escola, continuando a sua escolaridade num outro pólo, mais pequeno, com mais professores e profissionais, psicólogos, terapeutas, assistentes sociais, mais ajuda, por conseguinte, para o aluno e para os pais. Os óculos foram à vida e algumas lágrimas, presas, ficaram por chorar. Meio cego, a ausência dos óculos é a cicatriz que não consigo esconder durante os próximos dias, a violação do corpo, a cobardia do desafio sem resposta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Não vale a pena falar mais, são os ossos do ofício. Porque se por um lado não podemos tolerar certos comportamentos, por outro não podemos desistir das crianças, por pior que sejam os seus actos. Porque há sempre uma razão, do abandono dos pais à violência doméstica, passando pelos abusos físicos, emocionais, sexuais, a delinquência, o tráfico e o consumo de droga. Trabalho com estes alunos há 11 anos e nunca tal tinha acontecido. Algum dia havia de ser. Não houve razão, só emoção e fúria da parte do miúdo, fruto de tudo o que lhe aconteceu e não devia ter acontecido em 13 anos de vida. Amanhã é outro dia, às 6horas estarei na escola, desta vez às apalpadelas, mas é só por uns dias, os professores apoiam-me e apoiam-se, a equipa é coesa e a direcção uma presença constante. Se não fosse assim, não seria possível continuar, dia após dia, a nadar contra a maré que deu à luz estas crianças.
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Palavras-chave escola violência ajuda consumo violação doméstica corpo
Antiga primeira-dama norte-americana Betty Ford morreu aos 93 anos
A antiga primeira-dama norte-americana Betty Ford, viúva do ex-Presidente Gerald Ford, morreu ontem aos 93 anos, em Palm Springs, Califórnia. (...)

Antiga primeira-dama norte-americana Betty Ford morreu aos 93 anos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.083
DATA: 2011-07-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: A antiga primeira-dama norte-americana Betty Ford, viúva do ex-Presidente Gerald Ford, morreu ontem aos 93 anos, em Palm Springs, Califórnia.
TEXTO: Betty Ford, que foi uma activa porta-voz pelos direitos das mulheres, morreu na sua casa em Palm Springs, rodeada pelos seus familiares, segundo noticia a estação de televisão CNN. O Presidente norte-americano Barack Obama, em comunicado, prestou homenagem a esta mulher que "durante toda a sua vida se distinguiu pela sua coragem e compaixão". “Enquanto primeira-dama da nossa nação, ela foi uma fantástica defensora dos direitos das mulheres e da sua saúde”, declarou o Presidente, reagindo à morte de Betty Ford, depois de anos de luta contra um cancro. “Fiquei muito triste quando soube na morte de Betty Ford”, comentou Nancy Reagan, outra primeira-dama, que saudou o seu "papel maravilhoso" junto das mulheres com cancro da mama e enquanto fundadora do centro de desintoxicação "Betty Ford Center". A antiga primeira-dama criou este centro, em 1982, depois de ela própria ter assumido publicamente a sua dependência do álcool e de medicamentos. Por seu lado, o antigo Presidente George H. W Bush e a sua mulher Barbara, reagiram à notícia dizendo que "amavam muito Betty Ford". Elizabeth Bloomer nasceu a 8 de Abril de 1918 em Chicago. Quis ser bailarina mas não chegou a seguir o seu sonho. Depois de um casamento fracassado, com um vendedor de móveis, Betty casou com Gerald Ford em 1948. Em 1974, o casal chegou à Casa Branca, após Richard Nixon ter resignado. Nos últimos anos, Betty afastou-se dos olhares do público e só regressou quando o seu marido morreu, em 2006.
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Palavras-chave direitos morte mulher mulheres casamento