Prisão preventiva para 16 suspeitos de maltratar crianças
Dezasseis dos 20 homens e mulheres detidos na quinta-feira, na Margem Sul, suspeitos de pertencerem a uma rede criminosa internacional que usava crianças em assaltos e as maltratava, ficaram em prisão preventiva após três dias de interrogatório. (...)

Prisão preventiva para 16 suspeitos de maltratar crianças
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-10-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dezasseis dos 20 homens e mulheres detidos na quinta-feira, na Margem Sul, suspeitos de pertencerem a uma rede criminosa internacional que usava crianças em assaltos e as maltratava, ficaram em prisão preventiva após três dias de interrogatório.
TEXTO: Os arguidos são oriundos do Leste da Europa e identificam-se, na sua maioria, com documentos de países da ex-Jugoslávia. São suspeitos de pertencerem à chamada “máfia bósnia”, uma rede criminosa presente em vários países europeus, e estavam em Portugal pelo menos desde 2009, segundo uma nota da Procuradoria-geral Distrital de Lisboa (PGDL). Ao que o PÚBLICO apurou, foram encontradas 23 crianças sem documentos em duas casas de Almada, onde os elementos do grupo moravam, fingindo um ambiente familiar. Uma das casas pertence ao líder do grupo, que está em Portugal há três anos. As crianças apresentavam-se num “estado de completo abandono, sem assistência médica ou alimentação necessária, em estado de sofrimento e fome”, diz a PGDL. Segundo a mesma fonte, alguns menores eram utilizados nos assaltos, outros ficavam fechados em casa durante o dia e não frequentavam a escola. As crianças foram entregues a instituições de protecção de crianças e jovens em risco. O PÚBLICO sabe que vão ser realizados testes de ADN para saber qual o grau de parentesco das crianças em relação aos detidos. Rede actuava em vários países europeusO grupo, desmantelado numa operação conjunta da GNR e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), movimentava-se com grande facilidade por todo o país. Os líderes deslocavam-se em carros de alta cilindrada, nos quais transportavam as mulheres para a prática dos crimes. Os suspeitos dedicavam-se sobretudo ao furto de carteiras e de residências, e actuavam em zonas turísticas e transportes públicos. Segundo o SEF, controlavam as áreas da Grande Lisboa, com destaque para a zona do Castelo de S. Jorge, Belém, Baixa Pombalina, Marquês de Pombal, e ainda a zona do Santuário de Fátima, a Baixa do Porto, Braga e Algarve. Inicialmente foram detidos para interrogatório 20 indivíduos, dos quais 19 são de nacionalidade estrangeira, mas apenas 16 foram constituídos arguidos e, depois de ouvidos pelo juiz, ficaram em prisão preventiva. Segundo uma nota da PGDL, os arguidos estão “fortemente indiciados” da prática dos crimes de associação criminosa, furto, auxílio à emigração ilegal, falsificação de documentos, burlas qualificadas, furtos qualificados em série, maus-tratos de menores e branqueamento de capitais. Foram ainda detidos quatro indivíduos que estavam em situação ilegal no país e ficaram obrigados a apresentações periódicas às autoridades, enquanto corre o processo com vista à extradição, de acordo com uma nota do SEF. A GNR e o SEF fizeram oito buscas domiciliárias, nas quais apreenderam uma dezena de viaturas de alta cilindrada, “elevadas quantias monetárias”, documentos e objectos relacionados com os crimes. Na operação estiveram ainda envolvidos elementos das autoridades espanholas, uma vez que alguns dos detidos actuaram naquele país. Foi também pedida a colaboração da Europol, dado que os suspeitos estão referenciados por vários crimes praticados na Letónia, Eslovénia, República Checa, Itália, França, Espanha, Croácia, Bulgária, Roménia, Suíça e Alemanha.
REFERÊNCIAS:
Entidades GNR SEF
Andar nas renovadas praias de Albufeira, só de chinelos para não cortar os pés
As ondas do mar atiram pedrinhas aos pés da rapariga que chapinha na praia de Albufeira, ao romper do sol. A imagem, típica de postal ilustrado, está porém desfocada por uma outra realidade. O areal está agora coberto de pequenos pedaços de conchas cortantes, que vieram embrulhadas em toneladas de sedimentos, retirados do mar há quatro meses. (...)

Andar nas renovadas praias de Albufeira, só de chinelos para não cortar os pés
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 3 | Sentimento -0.3
DATA: 2011-08-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: As ondas do mar atiram pedrinhas aos pés da rapariga que chapinha na praia de Albufeira, ao romper do sol. A imagem, típica de postal ilustrado, está porém desfocada por uma outra realidade. O areal está agora coberto de pequenos pedaços de conchas cortantes, que vieram embrulhadas em toneladas de sedimentos, retirados do mar há quatro meses.
TEXTO: O uso de chinelos é uma metida de precaução, recomendável para evitar ferimentos. "Mas já há lugar para estender as toalhas", observa o presidente da Câmara, Desidério Silva, sublinhando os benefícios da recarga artificial, levada a cabo pelo Instituto da Água (INAG). "Na maré-cheia, nalguns locais, desaparecia a praia", justifica. A operação, desenvolvida num troço com cerca de dois quilómetros, custou 3, 3 milhões de euros. Vindo directamente da noite, sem passar pela cama, Eduardo Martins, surge no passeio da calçada, de tronco nu, mochila às costas. Falando em inglês, pergunta: "O que queres saber?". Acabou de sair de um bar, diz, e não tem pressa de chegar a casa. "Não costumo ir à praia", responde, quando questionado sobre o areal. Tira os óculos de sol, abre bem os olhos azuis, volta a questionar, desta vez usando a língua portuguesa: "És capaz de escrever que não me sinto livre?" Sim, porque não? "OK, então vou-te apresentar os meus amigos blacks. " Leva a mão à cabeça, toca no cabelo cortado à escovinha, sorri: "Eles [os amigos] chamam-me skinhead". A apresentação, afinal, fica para depois. Quanto às conchas, Eduardo, já com 48 anos, diz que está "noutra onda", não mete os pés na areia. Na esplanada do antigo hotel do Inatel, Ruivinho Brazão - presidente da Associação de Pesquisa e Estudo da Oralidade, sedeada em Albufeira - fala da "beleza" daquela praia, agora renovada. Quando interpelado sobre a areia grossa que veio do mar, com pedaços de crustáceos à mistura, responde: "Umas pessoas minhas amigas, disseram-me que gostam de ouvir a musicalidade do bater das ondas nessas pequenas conchinhas - é interessante, não é?". O professor, investigador das tradições populares, acrescenta um outro dado a favor desta zona do Algarve. "Costumava saber se havia vento na praia, quando olhava os choupos a mexer, ao pé da minha casa. " Mais tarde concluiu que o sinal pode não ser válido. "Chega-se aqui e está uma temperatura agradável porque as falésias protegem dos ventos norte. " O lugar, nas suas palavras, adquire uma carga poética. A cidade que pula e dança aos ritmos ditados pelos Djs - promovidos em faixas publicitárias atreladas a avionetas a sobrevoar o litoral - regista uma média de 380 mil pessoas por dia, muito para cima de três quartos de toda a população residente no Algarve. Ruivinho Brazão vive em Albufeira, mas não é a quantidade de visitantes que mais o interessa. "Só na freguesia de Paderne recolhi mais de seis mil provérbios", diz o professor, sublinhando a "riqueza" etnográfica que ainda se encontra na região, com destaque para o interior de Loulé e Albufeira. Por coincidência, é na faixa litoral destes dois municípios que o sector turístico tem mais expressão. Um jovem, de 21 anos, Nelson Gonçalves, filho de emigrantes no Luxemburgo, está de passagem por aqui. "É a primeira vez que venho ao Algarve", diz. A praia e a diversão nocturna estão no topo da sua lista de preferências, mas há um lado civilizacional que lhe desagrada. "Vim descalço para a praia, e encontrei vidros de garrafas partidas no passeio. " Quando ao resto, para quem está habituado às praias do norte, sublinha: "Albufeira é um espectáculo". O antigo marinheiro António Baião, residente no Barreiro, terminou uma semana de férias na unidade hoteleira do Inatel. "As conchas magoam", diz. Ele, com pés que já pisaram muitas areias, "talvez até suportasse", mas o neto, Gabriel, de sete anos, que o acompanha, tem a pele mais sensível e aleija-se. O avô, para dar o exemplo, calça chinelos. A praia de Cavaco Silva
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Oposição de esquerda vence as eleições dinamarquesas
Após dez anos de sucessivos governos de centro-direita, a oposição de esquerda chegou ao poder na Dinamarca. A social democrata Helle Thorning-Schmidt, de 44 anos, torna-se a primeira mulher a governar o país. (...)

Oposição de esquerda vence as eleições dinamarquesas
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 3 | Sentimento 0.15
DATA: 2011-09-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Após dez anos de sucessivos governos de centro-direita, a oposição de esquerda chegou ao poder na Dinamarca. A social democrata Helle Thorning-Schmidt, de 44 anos, torna-se a primeira mulher a governar o país.
TEXTO: Após terem sido conhecidos os resultados, o liberal Lars Loekke Rasmussen admitiu a sua derrota eleitoral. Segundo os resultados oficiais publicados ao início da madrugada de hoje, a oposição de esquerda - formada por uma aliança de quatro partidos (os sociais-democratas mais os sociais-liberais, socialistas e Lista Unida, extrema esquerda) - obteve 89 dos 179 assentos parlamentares, contra 86 do bloco de direita. As eleições tiveram uma participação de 87, 7 por cento - o resultado mais elevado dos últimos anos. Helle Thorning-Schmidt, que acedeu à liderança social-democrata em Abril de 2005, defende uma política de imigração semelhante aos partidos de direita (a mais restritiva da Europa a par com a holandesa), apoia a participação militar dinamarquesa no Afeganistão e na Líbia e manifestou-se a favor do reforço dos controlos fronteiriços após o aumento da delinquência atribuída aos imigrantes oriundos do Leste da Europa, apesar de rejeitar a construção de novos postos fronteiriços. A crise na Zona Euro não afecta directamente a Dinamarca, que manteve a coroa como moeda, apesar de ser membro da União Europeia. Os sociais-democratas defenderam, no passado, a entrada na moeda única, mas dadas as circunstâncias actuais essa possibilidade estará fora de qualquer cogitação. A Dinamarca tem um défice público de 4, 6% do PIB (Produto Interno Bruto), bem como uma taxa de desemprego jovem em torno dos 10%, cifras consideradas astronómicas para um país escandinavo. Além disso, o mercado imobiliário sofreu um sério retrocesso. Os sociais-democratas já fizeram saber que vão adoptar uma política fiscal mais rigorosa neste contexto internacional de crise, avança a Bloomberg. Paralelamente, os sociais-democratas aspiram a combater a crise com investimentos públicos e reformas no mercado de trabalho. A Dinamarca irá assumir a presidência rotativa da União Europeia a partir de Janeiro. Notícia actualizada às 10h05
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave imigração social desemprego
Eva Raimann Cabral: Viena, 1939 - Lisboa, 2015: A diáspora de uma família
Houve um tempo em que Eva Raimann Cabral e a sua família foram refugiados. As circunstâncias eram outras, diferentes daquelas que se vivem actualmente na Europa. Os elementos comuns: a ameaça, a perda, o desmembramento. Esta é a história da diáspora de uma família judia, perseguida pelo nazismo. (...)

Eva Raimann Cabral: Viena, 1939 - Lisboa, 2015: A diáspora de uma família
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Houve um tempo em que Eva Raimann Cabral e a sua família foram refugiados. As circunstâncias eram outras, diferentes daquelas que se vivem actualmente na Europa. Os elementos comuns: a ameaça, a perda, o desmembramento. Esta é a história da diáspora de uma família judia, perseguida pelo nazismo.
TEXTO: Há no seu discurso a nostalgia de um passado perdido. Há, sobretudo, a dor de não ter tido uma grande família. Avós por perto, tios e primos com quem brincar. Eva Raimann cresceu sozinha com os pais em La Paz, viveram no Brasil, casou-se com um português em 1965, adoptou o apelido Cabral. O discurso denota esta vida de um lado para o outro. Ora fala num português de Portugal, ora mantém expressões do português do Brasil. O português foi a sua quarta língua. Depois da morte do pai, em 1974, começou a reunir material disperso, maços de cartas, fotografias que contam histórias, a procurar ramos de uma árvore que se tinha espraiado pelo mundo. Viu-se sempre como um passarinho, vida fácil de transplantar, apesar das saudades. E a criar raízes, com os filhos, os netos, o livro Árvore com Asas, Passarinho com Raízes. Em 2005 promoveu uma festa, onde estiveram familiares da geração dos seus pais, da sua, das seguintes. Fizeram um mapa dos países onde nasceram e viveram: Estados Unidos, México, Brasil, Bolívia, Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra, Áustria, República Checa, Polónia, Israel, Austrália. Se a sua família é uma árvore, a copa é frondosa, as raízes intermináveis. Eva Raimann Cabral estudou Engenharia Electrotécnica. É uma senhora de 78 anos, sorriso vivo. Gostava de deixar um testemunho de tolerância. Não foi uma história contada, foi vivida. Eu tinha um ano quando houve o, era uma criancinha. Os meus pais aperceberam-se de que a coisa não estava bem. O meu pai foi posto fora do trabalho, segundo as leis de Hitler. Os jovens casais [da família], os irmãos, cunhados, emigraram todos. A árvore com raízes [de que falo no meu livro], uma família enraizada no império austro-húngaro, de origem judaica, espalhou-se pelo mundo. O meu pai formou-se primeiro em Farmácia. (Foi quando conheceu a minha mãe. Não era muito comum as raparigas tirarem um curso superior. ) Depois fez um doutoramento em Química. Começou a trabalhar na indústria farmacêutica, em pesquisa. Sempre gostou muito do trabalho. Um dia foi chamado. . . “O senhor está despedido, sem direito a indemnização. ” Foi um desgosto muito grande. Anos mais tarde, encontrei, em folhas soltas de um diário, o desabafo do meu pai. Mas esse despedimento salvou-nos a vida! Ele percebeu que as coisas estavam a ficar complicadas. E procuraram sair. Ele tinha 31 e a minha mãe 30. Saíram, assim como os irmãos, de cada um deles, cada um de forma diferente. Cada um para onde pôde. Sim. A família próxima estava em Viena. O meu pai nasceu em Praga, mas mudou-se pequeno para a Áustria. O nome dele é Egon Raimann. E no meio Zdenko, nome checo. A minha mãe: Margaretha, Schlesinger de solteira, Raimann de casada. [Depois do despedimento], foi tempo de arrumar as coisas e entrar nas filas onde davam vistos. O meu pai começou, não sei porquê, por tentar a África do Sul. Depois soube que havia facilidades para a Bolívia e arranjou logo um visto para a Bolívia. Poucos. Quando nasci, a minha mãe deixou de trabalhar. Estava passeando comigo no Belvedere [palácio e jardim em Viena], que era perto da casa onde morávamos, e viu a Gestapo a entrar no prédio, onde morava também o irmão dela. Então, deu uma volta e, quando retornou a casa, a Gestapo tinha levado o meu tio. O único irmão. Mais um sinal de que as coisas estavam mal. Nunca soube bem como é que o tinham libertado, mas um primo que conheci recentemente contou que havia meios e com isso conseguiram que o pai [dele] saísse. Esses, como tinham família nos Estados Unidos, tiveram a sorte de poder emigrar para lá. Outro irmão do meu pai [tinha cometido, segundo a lei alemã], um crime tremendo: era casado com uma ariana. Tinha conspurcado uma ariana. Saiu rápido e foi parar ao México. Uma outra tia, cujo marido era socialista e jornalista, no dia em que Hitler entrou por um lado, saiu de bicicleta pelo outro. Parece que foi até à Finlândia, de bicicleta. Toda essa geração de irmãos e cunhados, no mesmo ano, saiu. Ficaram 33, do lado do meu pai — que morreram depois nos campos de concentração. Os meus avós maternos já tinham falecido. Os paternos não quiseram sair. Há um álbum que o meu pai fez com fotografias, que eu achava patéticas, do último dia em que foram visitá-los. Em Maio de 1938. Não sei se os meus avós saberiam que era uma despedida do filho. Angustia pensar nisso. No momento, eles não quiseram sair. Não acreditavam que fosse resultar numa coisa assim. Mas, depois, o meu avô tinha um estabelecimento comercial. Quando os nazis entraram por lá, “compraram” o equipamento, as máquinas, por um preço irrisório. Aí deram-se conta do que estava a acontecer e quiseram sair. Já foi tarde. Foram para os campos de concentração. Dentro daquele círculo mais fechado, de irmãos do meu pai, e o irmão da minha mãe, já todos casados, não sei dizer. Porque não falavam muito. Meu pai, então, falava-me muito pouco. A sorte é que a irmã querida dele, que foi parar primeiro a Londres, onde passou a guerra, e depois à Austrália, escreveu para os netos dela. AHanna. A minha tia, sabiamente, deixou um escrito sobre a família, que eu traduzo no meu livro, e que foi importante inclusive para mim. Fui tendo memórias muito antigas, pontuais, mas não conhecia esses detalhes. Fomos de barco a partir da Holanda. Aí tem cenas heróicas, não se podia levar quase nada. Os meus pais conheceram uns holandeses, amigos de amigos, que nos levaram jóias, algum dinheiro. Embarcaram num navio, foram de Amesterdão até Arica, no Chile. E de lá de trem [comboio] até La Paz. O destino era La Paz. Havia visto de entrada para os três. Uns baús. Me lembro que havia um enxoval bordado da minha mãe. O meu pai levou o acordeão. Livros, objectos de cozinha. A minha cama de grades de metal, pintada de vermelho, onde cabia eu com minha mãe nas noites de insónia. De uns amigos de amigos. Não podiam levar com eles mais do que aliança, um relógio e talheres de prata, um serviço para seis pessoas. Era provável. Eu tenho a lista, assinada pelos nazis, da compra dos artigos [da minha família, que ficaram]. Ouro ou jóias era ao preço bruto, do grama de ouro. Podia, depois da guerra, ter reclamado várias coisas. Por ter tido de sair, por não me ter criado lá. Mas deixei essas coisas de lado, envolvia muitas diligências. A única coisa que ainda me interessou, e tive vontade de fazer, foi [recuperar] uma casa perto de Praga, em Senohrab. Era uma casa de Verão que o meu avô comprou. Reunia lá a família toda. Percebi que os daquela geração, na Bolívia, no México, na Austrália, sonhavam com aquela casa. E aquela casa foi tomada, primeiro pelos nazis, depois pelos comunistas. Pensei que compraria aquela casa, junto com família que ainda tenho lá, e que faria uma casa de Verão para crianças desfavorecidas. Em homenagem às boas lembranças [da geração do meu pai]. Mas era um bocado utópico, precisava de deixar tudo para fazer isso. E que não cabia nas licenças. Fomos parar na Bolívia. Lembro-me da primeira casa, muito modesta. Um austríaco, judeu, com formação superior, habituado a muita família. Mas outros emigrantes (austríacos, checos) foram parar na Bolívia, também. Com filhos de emigrantes, amigos dos meus pais. Depois fui para um colégio americano. As minhas primeiras línguas foram alemão em casa, inglês na escola e espanhol da Bolívia. Português foi a quarta língua. Meu pai estudou espanhol já lá, em poucos meses. Vou contar como é que o meu pai, financeiramente, enquanto outros tinham mais problemas, se deu bem. Pelo menos não passámos muito aperto. Naquele clima da Bolívia, eu e a minha mãe sofremos bastante. No meu primeiro problema de garganta e nariz, mal chegámos, chamou-se um médico. Começaram a conversar: “O senhor é doutor em Química? Eu estou na universidade. . . ” Desde que chegou até que saiu, o meu pai foi professor da Universidade de La Paz. Além disso, como havia falhas nessas áreas na Bolívia, foi contratado para a escola militar, também como professor de Química. Não. A primeira casa era praticamente uma divisão. É das minhas primeiras lembranças na Bolívia: o meu pai fazendo móveis. Uma mesa. Achava que o meu pai era o máximo. Rapidamente mudámos para um andar maior, com quarto para toda a gente. Convivi muito com os filhos de um casal misto (um católico, o outro não). Ela era médica, trabalhava num hospital, os filhos andavam numa escola pública. A filha deles queixava-se de que nós vivíamos bem: tínhamos um gato. Nunca pensei que ter um gato pudesse ser um luxo, mas, pelos vistos, era. A filha escreveu numa carta: “Nós só tínhamos ratos. ”Lembro do gato, há fotografias. A informação era a dos jornais. E a dos cinemas. Antes do filme, passavam as notícias. Uma semana depois. Telefone, nunca. Telegrama, para coisas importantes. As cartas eram em papel fininho, escritas dos dois lados. Mandar cartas era muito caro. E levava muito tempo. O meu pai, muito metódico, fazia cópias em papel químico das cartas que mandava àHanna. Quando ele morreu, encontrei um dossier com as cartas trocadas ao longo dos anos. Há dois sobreviventes, os primos mais novos dos meus pais. Um deles trabalhava na cozinha, se calhar tinha mais facilidade, por isso, de sobreviver. Os reencontros e a informação, entre os que sobreviveram, fez-se através de carta. Dos que faleceram, não sei. AHanna, depois da guerra, casou com um oficial judeu da Polónia (a quem tinham matado a mulher e o filho). Refez a vida com este senhor, teve uma filha já bastante tarde. A outra irmã do meu pai, que foi directo para a Austrália, era casada com um judeu. Teve uma criança nascida em Viena, que tem um mês de diferença de mim. Para as outras pessoas, não é nada de extraordinário, porque cresceram com os primos; mas eu só fui encontrar essa prima 50 anos depois! E nos rimos muito. Nós éramos. Não lembro de expressão nenhuma. Além de um respeito muito grande pelas pessoas (mas isso não precisa ser específico judeu, devia ser de todas as religiões, de todas as pessoas), não tive grande educação religiosa. Porém, o nosso certificado de nascimento vinha da Jüdische Gemeinde, da comunidade judia. E era legal. Não. Fui para conhecer. E também se havia alguma solenidade, um casamento. Havia um clube austríaco na Bolívia, para refugiados, onde a minha mãe queria se inscrever. Mas o meu pai era avesso a qualquer tipo de associação. Se achasse que tinha de entrar por razões políticas ou de sobrevivência, assim que podia, saía. A única onde entrou foi o Iate Clube da Bahia, porque eu já era mocinha e gostava de dançar. E o Clube de Xadrez, porque gostava de xadrez. Tenho pensado nisso ultimamente, é terrível ver o que se passa. Muitas pessoas fogem sem passaporte. Umas por perseguições e outras por razões económicas. Se nos colocarmos na pele deles, é natural. Mas naquela altura ninguém saía por razões económicas, era tudo por perseguições. E as pessoas só podiam sair com visto de entrada no país [que as recebia], era bem diferente. É facílimo o Estado Islâmico imiscuir-se. . . O que não invalida que aquelas pessoas precisem de [apoio]. A gente não pode ficar impassível ao ver aquele sofrimento. Agora, solução?, não sei, não sei dizer-lhe mais nada. Não sei se constava “refugiados”. Tinham de acrescentar o nome Israel, os homens, e Sara, as mulheres. E havia um carimbo, a vermelho, com um “J”, de[judeu]. Havia uma discriminação nas saídas e nos vistos. E mais tarde já não deixavam sair. Do ponto de vista social, havia muita instabilidade na Bolívia. Um filho de judeus amigos nossos morreu dentro de casa, com uma bala perdida. Vimos o Presidente ser morto, Villarroel, pendurado pela gravata na praça pública [1946]. E durante alguns dias era proibido usar gravatas. Outra lembrança dessa instabilidade: ia para a escola, sozinha, e passava pela casa de um político chamado Víctor Paz Estenssoro, que era também do MNR, Movimento Nacionalista Revolucionário. A casa tinha sido revistada, papéis pela rua. E ouvia-se uma música: “”Ceará, Fortaleza, clima quente, contrário ao da Bolívia. Primeira sensação: a liberdade de poder andar descalça e com pouca roupa. Estava sempre agasalhada [em La Paz], a minha mãe tinha feito umas calças que eu usava tipo, de lã de lama. Não saía da cama sem ser já calçada. E no Brasil, os banhos de mar, a água quentinha! Eu não conhecia a praia (até essa altura). Na Bolívia fazíamos passeios, bem agasalhados, uns cantis com chá. Em Fortaleza, fizemos logo amizade com os vizinhos. O meu pai construiu uma mesa de pingue-pongue. A Áustria significava o lugar onde eu tinha nascido, onde os meus pais tinham casado. Coisas boas, não da guerra. Muito adiante, a primeira vez que fui a Viena, já com vinte e poucos anos, fiquei em êxtase. Vi uma[rua] e desatei a chorar. Escrevi para os meus pais e o meu pai respondeu: “Bom, eu não posso dizer que tenha lembranças assim tão boas de Viena. ” Essa frase significa tudo. Eu sabia que havia guerra, que havia perseguições, mas assim ao longe. Na Bolívia, uma vez voltando da escola, ouvi um menino insultando outro: “. ” Cheguei a casa e contei à minha mãe, divertida, os dois nomes feios. Foi aí que a minha mãe me disse: “Bom, nenhum deles é pejorativo. Você, índia não é, mas é judia. ”O meu pai morreu em 74. Anos antes, fez uma árvore genealógica. Reuniu documentos, foi a Praga e a Viena, não localizou ninguém. A partir da correspondência com a minha tia, sei que queria rever os irmãos. Mas não deu resultado. Ele e aHanna nunca mais se viram. Formou-se em Engenharia Electrotécnica, no Brasil. Fez logo depois uma especialização de um ano em França. Em França conheci um português com o qual sou casada já há mais de 50 anos. Daí a minha vinda para Portugal, em 1965. Fê-la para a minha mãe, para as filhas (tinha nascido a minha irmã Ruth, já no Brasil, em 1950). É uma forma de rever a nossa vida, intensamente. Foi o que tentei fazer no meu livro: continuar a olhar para as nossas raízes. Não, é de uma família tradicional, católica. Eu tenho uma prima que me convidou para um casamento em Israel, da neta. Vi que eram muito praticantes. Na sexta-feira não podíamos pegar carro. Era uma criatura amorosa, mas muito estrita na religião. Quando ganhei mais intimidade, perguntei: “Kate, eu não fui educada assim, você foi?” Ela disse: “Eu fui educada como você, como seu pai foi educado. Mas casei com um homem muito religioso. Se eu não passasse a observar [este comportamento religioso], íamos ter problemas. ” Pensei: “Engraçado, casei com um homem católico e se há um lugar onde nunca tivemos problemas foi na religião. ”Casámos no religioso porque o meu marido fazia questão. Eu só tinha uma objecção, não me baptizava. Havia os casamentos mistos, foi difícil encontrar um padre que o fizesse. Depois ficámos muito amigos dele. O primeiro contacto foi com aHanna. Passámos as duas 48 horas, eu dando testemunho do irmão querido depois da separação, e ela me dando do antes. Isso foi maravilhoso. Essa ansiedade não aparecia muito. Era mais do presente que contavam. Fotografias dos filhos, o como é que viviam. O meu pai a contar como é que construiu a primeira casa dele. A minha tia a dizer que na Austrália isso era inconcebível, pagar uma casa daquelas. Na minha tia, sim. Não sei se nas cartas, mas a mim ela disse: “Porquê eu? Porque é que eu posso visitar esta casa na República Checa e os outros não podem mais? Porque é que eu tive essa oportunidade e os outros morreram?”Houve várias na Austrália com a família do meu pai. A festa grande com descendentes das famílias do meu pai e da minha mãe foi em 2005, aqui em Lisboa. Uma semana com conversas. Foi uma festa que eles [os meus pais, os da geração dos meus pais] mereciam ter e que ninguém teve. Esse primo dos Estados Unidos, eu procurava desesperadamente [mostra fotografia]. Depois descobri que eles também andavam à nossa procura. Uns dez anos à procura. E então, através de uma rapariga brasileira que o encontra na galeria do Metropolitan [museu]!, faz-se a ligação entre as duas famílias. Ele tinha tios e avós, mas não tinha primos. Eu não tive primos nem avós. Na geração do meu pai e da minha mãe, é o sentimento de perda. A perda da família, da cultura, dos amigos, das posses. Do que lhes tiraram por tuta-e-meia. Da perda e da separação. Deles todos e nossa também. Eu fui sempre fácil de integrar. Sinto-me um passarinho com raízes. O maior sofrimento é o de não ter uma grande família. A ausência de uma grande família — que sabíamos que existia, com muito amor e muito carinho, bem estabelecida. E talvez esse sentimento de culpa de que falou. Nós temos uma vida boa e eles tiveram sofrimento. Quando há relativamente pouco tempo voltei à Bolívia, senti uma angústia enorme. Pensei nos meus pais, em 1939, a chegar, sem ninguém, sem sobrevivência assegurada. A minha mãe que ainda trabalhou em farmácia e que conheceu os funcionários do Freud. Que vivia num ambiente cultural bom. E chegar na Bolívia, com aquele clima frio, aquela cultura. . . Leo Spitzer, que já nasceu na Bolívia, em 1939, escreveu sobre esse sofrimento. é um livro de gratidão para com quem os acolheu. A maior parte das pessoas reemigrou. A família dele foi para os EUA. Tenho duas amigas de infância que consegui localizar e que estão lá. De qualquer forma, isto também enriqueceu a cultura boliviana. Eu tive muita saudade de um lugar para o outro. Gostava do lugar novo mas tinha sempre saudade. Minhas netas, por outras razões, também estão transplantadas. Nasceram no Porto, viveram em Inglaterra e agora estão no Brasil. A minha prima, como morou sempre na Austrália, não tem essas angústias. A minha irmã tem a família estabelecida em São Paulo; também casou com um católico. Mas a filha dela (minha sobrinha) casou com um católico-árabe! Gosto imenso dele. Casaram no religioso e pediram-me para fazer uma palestra. Na véspera fomos conversar com o padre, que não queria muito [que eu falasse]. “Isto não é costume na Igreja Católica, não se faz. Bom, leia lá o seu discurso. ” Comecei a ler e quando acabei ele comentou: “Eu não vou fazer homilia, quem vai fazer homilia é você. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na verdade, o primeiro objectivo do meu livro, foi reunir todos os preciosos testemunhos e documentos recebidos após a minha primeira ida à Austrália, em 1982. Senti uma enorme necessidade, obrigação, e também prazer, em reunir todos esses elementos. A partir de então, comecei a conhecer membros da minha família que estavam espalhados pelo mundo todo. Tive encontros felizes, só ensombrados pela tristeza de estes não terem sido vivenciados pelos meus pais. Na infância, adolescência e vida adulta, não era um assunto inquietante, até porque passei grande parte da minha vida no Brasil, onde havia muitos brasileiros da “geração zero” — como costumo dizer — ou seja, imigrantes de diversas origens. Para mim, crescer em época de guerra era um dado adquirido. Criança, ia tomando conhecimento dos acontecimentos, de forma esparsa, através dos comentários que ouvia dos meus pais, quando chegavam cartas, quando conferiam nos mapas dos atlas o movimento de tropas. Os meus pais iam contando algumas coisas, mais a minha mãe, e escondendo outras, designadamente o assassinato dos meus avós. Ao longo do tempo, e sem dramatismos, fui contando aos meus filhos, e depois aos meus netos, a história da mãe e da avó. Aos meus netos, contei-lhes que estava escrever um livro para eles, mais tarde, saberem as suas origens. Fiquei muito sensibilizada com a carta que a minha neta Maria me enviou, na altura com 13 anos, e resolvi introduzi-la na segunda edição. Termina desta forma: “Pode ter a certeza que o seu objectivo de fazer as pessoas da nossa família se informarem sobre o nosso passado e sobre a nossa sorte na vida, foi completado, em todos os sentidos”. Sim, uma mensagem de respeito pelo próximo, herdada do meu pai, apesar do que sofreu e das perdas que teve. Não conheci ninguém mais respeitador do próximo! Este foi o segundo objectivo do livro. Gostaria que os relatos contribuíssem para fazer sentir como o mundo poderia ser melhor, se houvesse mais tolerância, mais respeito pelo próximo, mais interesse em conhecer e comunicar com os outros.
REFERÊNCIAS:
Polícia Marítima em missão na Grécia efectua resgate de 61 migrantes
Bote foi detectado ao largo de Eftalou, ainda em águas turcas. (...)

Polícia Marítima em missão na Grécia efectua resgate de 61 migrantes
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Bote foi detectado ao largo de Eftalou, ainda em águas turcas.
TEXTO: A equipa da Polícia Marítima em missão na Grécia resgatou 61 migrantes, 28 dos quais crianças. Em comunicado divulgado neste domingo, a Autoridade Marítima Nacional adianta que, na madrugada de sábado, a Viatura de Vigilância Costeira (VVC) da Polícia Marítima detectou um bote ao largo de Eftalou, ainda em águas turcas, com 61 migrantes, que foram depois resgatados em território grego. Segundo a Autoridade Marítima Nacional, os 61 imigrantes, 17 dos quais homens, 16 mulheres e 28 crianças, são oriundos do Afeganistão, Congo e de Burkina Faso. A Autoridade Marítima Nacional explica que, após o barco ter sido detectado, foram "de imediato passadas as coordenadas aos agentes da Polícia Marítima em missão na embarcação ARADE, que navegaram para as proximidades", tendo efectuado o transbordo dos migrantes para a sua embarcação, quando estes entraram em águas territoriais gregas. Os migrantes desembarcaram em segurança no porto grego de Skala Skaminia. A missão da Polícia Marítima na Grécia no âmbito da agência europeia de controlo de fronteiras Frontex tem como finalidade apoiar a guarda costeira grega com o objectivo de controlar e vigiar as fronteiras marítimas gregas e externas da União Europeia, no combate ao crime transfronteiriço.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime homens mulheres
Portugal vota a favor do Pacto das Migrações
Hoje mostramos mais uma vez perante o mundo inteiro que somos credíveis e confiáveis. É um dia de orgulho para nós. (...)

Portugal vota a favor do Pacto das Migrações
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Hoje mostramos mais uma vez perante o mundo inteiro que somos credíveis e confiáveis. É um dia de orgulho para nós.
TEXTO: Hoje, 19 de dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas votará o Pacto Global para Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares. Não é um texto jurídico, mas um compromisso político da mais alta importância. Ele responsabiliza os países que o aprovarem (e serão provavelmente mais de dois terços dos Estados-membros), na afirmação de princípios, na definição de objetivos e na adoção de medidas tendentes a combater o tráfico e a exploração de pessoas, apoiar os países de origem e trânsito das migrações nos seus processos de desenvolvimento e fixação da população, e valorizar fluxos de migração legal e organizada. O Pacto constata que as migrações constituem uma constante da história humana e que o seu efeito tem sido geralmente positivo. É de 258 milhões, menos de 4% da população mundial, a estimativa do número atual de migrantes internacionais. A larguíssima maioria são migrantes legais, integrados nas sociedades de acolhimento e contribuindo, através de remessas, consumos e investimentos, para a economia das regiões de origem. Os naturais de nações fora da União Europeia (UE) que nela residem representam pouco mais de 4% dos habitantes. A ideia de uma “invasão” maciça não tem, pois, fundamento. Aliás, hoje em dia, para lá das migrações dos países do Sul para os do Norte, há correntes muito significativas de direção Sul-Sul e Norte-Sul. Na UE e noutras regiões do mundo, sem imigração o inverno demográfico seria ainda maior. No primeiro caso, entre 2000 e 2015, foi o saldo migratório positivo que impediu a estagnação populacional. Na raiz da emigração forçada, quer dizer, da que não corresponde a escolhas profissionais livres mas é determinada pela pressão da necessidade, estão fatores económicos como a pobreza e a falta de emprego, fatores sociais como a alta taxa de natalidade, a desigualdade extrema, a opressão das mulheres e a exclusão dos jovens, fatores climáticos como a seca e outras catástrofes, e fatores políticos como a guerra, a instabilidade, perseguições e abusos de vária sorte. A perceção de oportunidades em países de acolhimento, a existência neles de núcleos de compatriotas que forneçam um primeiro apoio e a ação de redes de tráfico contribuem também para a dimensão do fenómeno emigratório. Isto significa que ninguém o para nem parará através apenas de medidas administrativas ou policiais de proibição de entrada e expulsão. Perante os factos, o Pacto conclui que a melhor alternativa às migrações ilegais e às redes que as organizam é a promoção de migrações legais e seguras. O que significa a combinação de três coisas. Uma é o apoio aos países de origem e trânsito nos seus processos de desenvolvimento, para que gerem o emprego, os bens públicos e a dignidade que os migrantes se veem obrigados a demandar fora de portas. Outra é a defesa das fronteiras e o combate ao tráfico de pessoas, para que as políticas migratórias sejam, como devem ser, prerrogativas dos Estados, definidas em função das suas capacidades de acolhimento e integração. E a terceira é a disponibilização de canais legais e seguros de imigração, favorecendo o trabalho e a ocupação profissional, o reagrupamento familiar, a formação dos direitos sociais e condições dignas de habitação, exigindo ao mesmo tempo, aos migrantes de qualquer proveniência, condição e crença, o pleno respeito pelos valores, as normas e as instituições próprias das sociedades que os acolhem. Não se trata de proclamar um suposto “direito a emigrar”, entendido como livre circulação e residência em qualquer país do mundo, independentemente das respetivas leis; mas sim de reconhecer os direitos humanos das pessoas migrantes, incluindo as que se encontrem em situação irregular. Não se trata de impor aos países de destino uma agenda forjada contra eles; mas de reconhecer o óbvio – que não é possível regular este fenómeno global se não pela cooperação multilateral. Não se trata de “escancarar” as fronteiras, outrossim de responder efetiva e adequadamente à enorme pressão que, desregulados, os movimentos populacionais poderão representar. Não se trata de desprezar a dimensão securitária, mas sim de ligá-la com as outras dimensões. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Hoje, o embaixador nas Nações Unidas exprimirá o voto de Portugal a favor do Pacto. Fá-lo-á por instrução do Governo, em nome do país e com o apoio de todos os partidos parlamentares. Assim mostramos mais uma vez, na UE, que não tememos o populismo e, perante o mundo inteiro, que somos credíveis e confiáveis. É um dia de orgulho para nós. O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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Partidos LIVRE
Grécia retoma deportações de refugiados para a Turquia
Nesta sexta-feira deverão sair 140 pessoas. Activistas protestam contra o acordo da UE com o Governo turco. (...)

Grécia retoma deportações de refugiados para a Turquia
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 18 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-11-15 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20191115174343/https://www.publico.pt/1728487
SUMÁRIO: Nesta sexta-feira deverão sair 140 pessoas. Activistas protestam contra o acordo da UE com o Governo turco.
TEXTO: Dois ferries com 120 refugiados deixaram esta sexta-feira a ilha grega de Lesbos com destino à Turquia. As autoridades cumprem assim o acordo destinado a deter a chegada em massa de migrantes à Europa, que começou a ser aplicado esta segunda-feira. O primeiro grupo a sair era constituído por 44 paquistaneses, segundo o ministro turco do Interior. Foram recebidos na localidade de Dikili por duas dezenas de polícias vestidos à civil, adianta a Reuters. O segundo barco levava a bordo 79 migrantes do Egipto, Afeganistão e Iraque. Pelo menos dois activistas (três, segundo a BBC) mergulharam perto do pequeno ferry, agarrando-se à âncora e fazendo o “v” de vitória, tentando impedir a sua partida do porto de Mytilene. Foram retirados da água pela guarda costeira. Cerca de 30 manifestavam-se junto aos portões do cais, gritando “Parem as deportações”, “UE, devias ter vergonha” e “Liberdade para os refugiados”. O protesto dirige-se contra o que os activistas consideram ser uma violação dos direitos humanos de pessoas que estão a fugir da guerra e da pobreza. Segundo o acordo, Ancara aceita todos os refugiados e emigrantes que tenham entrado na Grécia por vias irregulares desde 20 de Março (só desde essa data já chegaram cerca de 6 mil), caso não tenham requerido asilo ou o seu pedido tenha sido rejeitado. Por cada refugiado sírio que regresse à Turquia, a UE aceitará outro que tenha feito um pedido de entrada oficial. A Turquia receberá 3 mil milhões de euros, levantamento da obrigatoriedade de visto para o espaço Schengen e avanços nas negociações para a candidatura do país à União Europeia. Já na segunda-feira, um primeiro grupo de pessoas, maioritariamente do Paquistão e Afeganistão, foram levadas de Lesbos e Chios com destino à Turquia. Logo de seguida, o processo foi congelado devido a um elevado número de pedidos de asilo. Cada pedido é avaliado individualmente e a Grécia comprometeu-se a dar uma resposta em 15 dias. Mas foram poucos os especialistas em direito de asilo, prometidos pela UE no quadro do acordo, a chegar às ilhas para fazer essa avaliação, refere a AFP. O Governo grego prevê que a próxima vaga de deportações demore mais 15 dias a concretizar-se. Uma vez em território turco, os não-sírios são enviados para centros de deportação e os sírios para campos de refugiados, onde substituirão aqueles que serão recebidos na UE. Os deportados são acompanhados por guardas da agência europeia de controlo de fronteiras Frontex, cuja porta-voz referiu não estar a haver problemas com o transporte dos refugiados do campo para o porto, avança a BBC. “Houve escoltas para cada deportado e uma equipa de auxílio”, afirmou Ewa Moncure. “Para além disso, a bordo do ferry seguia um médico e tradutores”. Por seu lado, a agência francesa refere que na quinta-feira 150 pessoas conseguiram fugir do campo de Samos, sendo depois convencidas a regressar, segundo avançou uma fonte governamental grega. O mesmo aconteceu na semana passada em Chios, quando pelo menos 600 pessoas deixaram o campo de Vial. Em Samos e Lesbos, dezenas de emigrantes terão dado início a uma greve de fome para impedir a sua expulsão. "Arriscámos as nossas vidas para chegar aqui e não queremos voltar para a Turquia, porque nos mandam de volta para o Paquistão, disse um homem identificado como Ali à AFP. "Não queremos pedir asilo na Grécia, queremos ir para a Alemanha". Os paquistaneses são o quarto maior grupo de migrantes a chegar à Grécia, depois dos sírios, afegãos e iraquianos - chegaram 5317 nos primeiros três meses do ano, adianta a BBC. A aplicação do acordo continua a ser dificultada pela chegada de novos refugiados em situação irregular, que todos os dias desembarcam nas ilhas, às dezenas – ainda que o número seja agora muitíssimo inferior quando comparado com os milhares que no Verão passado diariamente chegavam à Europa. De quinta para sexta-feira, 149 emigrantes chegaram da Turquia, de acordo com os dados publicados todos os dias pelo Governo grego. Desde o início do ano, e até 4 de Abril, entraram 152. 137 pessoas, 35% crianças, e mais de metade (53%) chegaram a Lesbos. Pelo menos 366 morreram na travessia entre a Turquia e a Grécia. A lei internacional de asilo impede que o requerente seja deportado até que o seu caso seja deliberado. Enquanto isso não acontece, a pressão recai nos centros de acolhimento que nas últimas semanas se converteram em espaços de detenção em massa e que ameaçam atingir o ponto de ruptura. É lá que são retidos todos os migrantes e requerentes de asilo que continuam a chegar à Grécia. As Nações Unidas afirmam que vivem já cerca de 600 pessoas para além do limite naquele que é o maior centro de detenção do país, em Moria, na ilha de Lesbos. Noutros espaços há mulheres grávidas, em aleitamento e crianças sem o devido acesso a comida e serviços básicos, segundo alerta a agência de protecção de refugiados da ONU, o ACNUR. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
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Entidades ONU UE
Francisco agradeceu à Jordânia a ajuda que dá aos refugiados sírios
Domingo, segundo dia da viagem à Terra Santa, o Papa estará em Belém e em Jerusalém. (...)

Francisco agradeceu à Jordânia a ajuda que dá aos refugiados sírios
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-05-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Domingo, segundo dia da viagem à Terra Santa, o Papa estará em Belém e em Jerusalém.
TEXTO: Uma “solução pacífica” para a guerra na Síria e uma “solução justa” para o conflito israelo-palestiniano – foram estes os primeiros desejos do Papa ao chegar a Jordânia na primeira paragem de um périplo na Terra Santa. Francisco aterrou em Amã, Jordânia, e saiu do avião perante uma fileira de guardas jordanos de trajes longos e kafiyehs a rigor antes de ser recebido pelo Rei Abdullah e pela rainha Rania. Aí, agradeceu as “boas vindas generosas” que o reino hachemita tem dado aos refugiados sírios. “Agradeço às autoridades do reino o que estão a fazer e encorajo-as a continuar os seus esforços para encontrar uma paz duradoura para toda a região. ”A Jordânia colhe 600 mil refugiados registados (já são 10% da população jordana), embora se estime que este seja um número inferior ao real, que será estimado para perto de um milhão e 300 mil. O país abriu recentemente um terceiro campo de refugiados para acolher pessoas que fogem da guerra, que em cerca de três anos deixou já cerca de 160 mil mortos, com um aumento de vítimas concentrado nos últimos tempos (10 mil terão morrido nos últimos dois meses). Já o Rei Abdullah pediu ao Papa que contribuísse para a resolução do conflito: “A vossa humanidade e sabedoria podem ser uma contribuição especial para aliviar a crise dos refugiados sírios e o fardo em países vizinhos como a Jordânia. ”O Papa Francisco tem muitas vezes chamado a atenção para o problema de refugiados, falando mesmo numa “globalização da indiferença” numa visita que fez a Lampedusa, a ilha italiana onde naufragam e morrem centenas de imigrantes que tentam chegar à Europa. “Estamos muito felizes porque ele verá cristãos no mundo árabe, ele ver-nos-á e verá o nosso sofrimento”, disse Nazik Malko, um sírio cristão ortodoxo, antes da marcada ida do Papa a Betânia, para além do rio Jordão. “Esperamos que a paz volte ao mundo e à Síria. ”Cerca de 10% dos 22 milhões de sírios são cristãos, e as minorias religiosas do país temem ataques de extremistas islâmicos. Estimativas mencionam 450 mil cristãos deslocados na Síria ou refugiados noutros países. Antes desta etapa em Betânia, Francisco rezou uma missa num estádio de Amã, falando da necessidade de tolerância e diversidade. “A missão do Espírito Santo é conseguir harmonia e criar paz em situações diferentes e entre povos diferentes”, disse o Papa. “Vamos pedir ao Espírito para preparar os nossos corações para irmos ao encontro dos nossos irmãos e irmãs para que possamos ultrapassar as nossas diferenças enraizadas no pensamento político, na linguagem, cultura e religião. ”Na missa estavam não só refugiados cristãos da Síria mas também do Iraque e dos territórios palestinianos. Na missa, 1400 crianças receberam a primeira comunhão. Francisco declarou ainda o seu apreço pelos anfitriões: “Aproveito esta oportunidade para renovar a minha estima e respeito pela comunidade muçulmana e mostrar o meu apreço pelo trabalho levado a cabo por sua majestade, o rei, que está a promover um maior entendimento entre povos de fé diferente e comunidades de fé diferente”. O rei Abdullah referiu-se à coexistência pacífica entre muçulmanos e cristãos, dizendo que tentou “manter o verdadeiro espírito do islão, o islão da paz”. A viagem marca o 50. º aniversário do encontro histórico entre o Papa Paulo VI e o patriarca de Constantinopla, Athenagoras, que acabou com 900 anos de cisma entre as Igrejas de Ocidente e de Oriente. Este domingo, o Papa irá participar numa celebração ecuménica com os líderes das outras igrejas cristãs na Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém. Mas antes irá a Belém, nos territórios palestinianos, onde celebra uma missa na Praça da Manjedoura. Mas apesar das insistências do Vaticano de que não é assim, a viagem terá inevitavelmente um lado político. Francisco voa da Jordânia directamente para a Cisjordânia e é a primeira vez que um Papa o faz, o Vaticano referiu-se ainda ao Estado da Palestina, o que irrita Israel. Tinha prevista uma ida ao cemitério onde está sepultado Theodor Herzl, o fundador do sionismo moderno, no que a imprensa israelita via como um pedido de desculpas por um erro quando o Papa Pio 1904 recusou a Herzl o pedido de ajuda para fundar um Estado judaico na Palestina, o que irrita os palestinianos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra cultura campo rainha ajuda comunidade
A Viagem de uma família de migrantes num livro ilustrado
Traduzido já em 14 línguas, A Viagem é o primeiro livro ilustrado da italiana Francesca Sanna. (...)

A Viagem de uma família de migrantes num livro ilustrado
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Traduzido já em 14 línguas, A Viagem é o primeiro livro ilustrado da italiana Francesca Sanna.
TEXTO: A Viagem, o premiado livro ilustrado para a infância da autora italiana Francesca Sanna sobre uma família de migrantes, é editado este mês em Portugal. Com selo da Editora 2020, a edição portuguesa tem o apoio do Alto Comissariado para as Migrações e da Amnistia Internacional, sendo editado na semana em que se assinala — dia 20 — o Dia Mundial do Refugiado. Traduzido já em 14 línguas, A Viagem é o primeiro livro ilustrado de Francesca Sanna. A obra foi lançada em 2016 e conta a história de uma família dividida pela guerra. O pai morre e a mãe é obrigada a fugir com os dois filhos, numa viagem de angústia e ansiedade em busca de segurança, espelho da realidade recente de milhares de migrantes e refugiados. "A Viagem é na verdade uma história sobre muitas viagens e começou com a história de duas raparigas que conheci num campo de refugiados em Itália. Depois de as conhecer, apercebi-me de que havia algo muito poderoso por trás da sua viagem. Comecei, então, a recolher mais histórias de migrações e a entrevistar muitas pessoas de inúmeros países", escreveu a autora no final do livro. A obra ilustrada, destinada a crianças e adultos, reúne — naquela família ficcionada — "uma colagem de todas essas histórias de vida" que a autora escutou, e inclui ainda uma investigação histórica sobre imigração, no começo do século XX. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "Quase todos os dias ouvimos nas notícias as palavras 'migrantes' e 'refugiados', mas raramente se fala das viagens que as pessoas tiveram de fazer", sublinhou Francesca Sanna. Na página oficial, a Editora 2020 sugere um guia para leitura guiada e exploração da obra, feito pela Amnistia Internacional. Nas livrarias portuguesas não estão disponíveis muitos livros ilustrados, para os mais novos, que versem sobre migrações e refugiados. Em Fevereiro passado saiu Pássaro Que Voa, de Claudio Hochman, ilustrado por Carlota Madeira Lopes, na editora Livros Horizonte. Reúne dezenas de pequenas histórias inspiradas em relatos verídicos lidos nos jornais, histórias reais e outras ficcionadas, sempre em torno da ideia de partida de um lugar. Em 2015, saiu Com 3 Novelos (O Mundo Dá Muitas Voltas), de Henriqueta Cristina e Yara Kono, editado pela Planeta Tangerina, sobre uma família que muda de país em busca de um lugar mais livre, e em 2010 a Orfeu Negro publicou em Portugal o livro ilustrado Migrando, de Mariana Chiesa Mateos, sem texto e com dupla leitura, independentemente do lado da página em que se começa.
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Partidos LIVRE
“Amigo, encontra a tua família e os teus amigos e fica perto deles”
A tarde foi passada a transferir a maioria dos 629 resgatados para navios italianos, antes de começar a viagem para Valência. Paris acusa Roma de “irresponsabilidade”, Madrid de “violação da lei”, Budapeste celebra a “vitória” italiana. (...)

“Amigo, encontra a tua família e os teus amigos e fica perto deles”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: A tarde foi passada a transferir a maioria dos 629 resgatados para navios italianos, antes de começar a viagem para Valência. Paris acusa Roma de “irresponsabilidade”, Madrid de “violação da lei”, Budapeste celebra a “vitória” italiana.
TEXTO: Enquanto nas capitais da UE se trocavam acusações de “cinismo” ou “hipocrisia”, a bordo do MS Aquarius não houve descanso. A noite, a terceira para a maioria dos 629 resgatados no Mediterrâneo, foi mais agitada do que as anteriores. Com o amanhecer surgiram perguntas, repetidas (“Já sabemos quando saímos daqui?”) e novas: “Há duches?”. Não há. Divididos agora em três navios, um da Guarda Costeira e outro da Marinha italianas, mais o Aquarius, onde permanecem 106 – 51 mulheres 45 homens e dez crianças –, vão todos a caminho de Valência, uma viagem de três a quatro dias. Resgatadas durante o fim-de-semana, a maioria (400) pela Guarda Costeira italiana que as entregou à ONG franco-alemã SOS Méditerranée, que gere o navio humanitário, para agora receber de volta muitas das mesmas pessoas, ninguém sabia ao certo o que se ia passar desde domingo à tarde. Foi nessa altura que o ministro do Interior, Matteo Salvini, deu ordens para encerrar todos os portos de Itália à embarcação. Ficaram onde estavam, entre Malta e Sicília. Na segunda-feira, o novo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, ofereceu-se para receber os 629 requerentes de asilo em Valência, mas os responsáveis recusaram a viagem de quase 1500 km com condições meteorológicas adversas e tanta gente a bordo, incluindo doentes, a esmagadora maioria a dormir ao relento no navio sobrelotado. Continua a não ser desejável, mas pelo menos é possível. A maioria das pessoas segue a bordo de outros navios, onde a UNICEF e Ordem de Malta tratarão dos refugiados e imigrantes, um grupo de muitas nacionalidades onde se incluem 123 menores não acompanhados, onze bebés e sete grávidas, e há 21 pessoas com queimaduras graves de combustível, gente a precisar de cirurgias ortopédicas ou ainda a recuperar de quase se terem afogado. Como sempre no Aquarius há uma equipa dos Médicos Sem Fronteiras (MSF): um médico, três enfermeiros e uma parteira. Durante as primeiras horas da manhã, a página de Twitter dos MSF esteve bastante activa. “Estamos à espera de um plano seguro para os 629 resgatados no Mediterrâneo. A melhor opção é desembarcá-los no porto mais próximo”, escrevia o médico a bordo. Chegada a confirmação de que teriam mesmo de seguir para Espanha, divididos entre navios e com o apoio da Marinha italiana: “Motivos políticos forçam estas pessoas, exaustas, a suportar uma viagem ainda mais longa”. Durante nove horas, na noite de sábado para domingo, o navio salvou 229 pessoas que viajavam em duas embarcações vindas da Líbia, uma delas já a afundar-se. Kevin fala de “um filme”: “Não pensava que iria sobreviver”, conta a Naiara Gortázar, uma das jornalistas a bordo. “Senhor, fique sentado, fique calmo. Vamos salvar todos, um a um. Ajude-nos a ajudar”, ouviu Kevin de Max Avis, vice-coordenador dos socorros a bordo. O estabilizador tinha-se partido e o barco podia afundar-se. “As pessoas começaram a mexer-se, todos queriam um colete salva-vidas e assim aconteceu o acidente”, conta Kevin. A embarcação cedeu e 40 pessoas tiveram de ser retiradas das águas escuras, entre gritos de terror, alguns já inanimados. Isto enquanto o Aquarius tentava responder a um segundo pedido de auxílio (era o único navio de ONG na zona). “Passámos 12 horas no mar, pensávamos que não seríamos resgatados. Deus salvou-nos. Não tinha salva-vidas. Então tiraste-me da água. Por isso estou aqui”, diz outros dos resgatados, citado por um dos membros da equipa dos MSF. Depois, o tempo começou a passar. No domingo à noite, foram os resgatados a cantar. Na noite seguinte, já eram os membros das ONG que os tentavam animar com “música de marcha”, enquanto algumas mulheres rezavam. A comida que já acabara chegou de Malta e voltou a acabar. De manhã, vieram mantimentos de Itália, fruta, croissants e algum pão. E as perguntas, como a questão dos duches que não existem num navio preparado para acolher até 550 pessoas por pouco tempo. Pela hora de almoço, os membros da SOS Méditerranée pediram a todos que se juntassem no convés. Uns em cima dos outros, lá couberam e ficaram a saber que iriam ser recebidos em Espanha, para onde viajariam naquele e noutros barcos. “No princípio, olhavam uns para outros, tentando perceber se isso era bom ou não. Depois puderam perguntas tudo mas nem sempre havia respostas”, descreveu Naiara Gortázar, num texto publicado no jornal El País. “A inquietação foi desaparecendo e via-se como o destino era recebido de forma muito distinta em função das nacionalidades. Os subsarianos estão entusiasmados, muito contentes. Para lá do futebol não sabem muito sobre Espanha, mas acreditam que terão mais oportunidades para estudar do que nos seus países”, continuou a jornalista. Já os “marroquinos e os argelinos estão profundamente preocupados, temem que os deportem”, como sabem já ter acontecido com muitas pessoas dos seus países. Finalmente, depois de almoço, começaram as operações de transferência para os outros navios. Aos maridos pedia-se para se reunirem com as mulheres – “só os casados com filhos”, repetiu-se muitas vezes para não arriscar separar famílias. “Amigo, encontra a tua família e os teus amigos e fica perto deles”, insistia Wademer Mischutin, membro da equipa de resgate da ONG franco-alemã, enquanto alguns procuravam canetas para apontar números de telefone e, quem sabe, reencontrar-se um dia em Espanha. Em Valência começa a pôr-se em marcha a operação para os acolher. Mais de 200 cidades espanholas ofereceram-se para receber alguns destas pessoas e nem todas ficarão no local de chegada. A prioridade será dada aos menores desacompanhados e a quem precise de cuidados médicos e será a Cruz Vermelha a coordenar o acolhimento imediato. Um dia depois de terem chovido agradecimentos a Sánchez por ter resolvido esta crise, enquanto Salvini, líder de um partido xenófobo e anti-imigração considerava a decisão espanhola “uma vitória” da sua política de “elevar a voz”, o verniz estalou finalmente. A nova ministra da Defesa espanhola, Margarita Robles, afirmou que Roma pode ter de enfrentar “responsabilidade penal” por ter violado a lei internacional ao recusar receber o navio. “Há um nível de cinismo e irresponsabilidade no comportamento do Governo italiano face a esta situação humanitária dramática”, afirmou aos jornalistas o porta-voz da presidência francesa, citando as palavras de Emmanuel Macron ao seu gabinete. Gabriel Attal, porta-voz do partido do Presidente francês, foi um pouco mais longe: “A posição italiana faz-me vomitar”. “Tem piada, vindo deles”, reagiu o vice-presidente Luigi Di Maio, parceiro de coligação de Salvini e líder do Movimento 5 Estrelas. “As declarações sobre o Aquarius vindas de França são surpreendentes e denunciam uma grave falta de informação sobre o que realmente se está a passar. Itália não pode aceitar lições hipócritas de países que em termos de imigração sempre preferiram olhar para o outro lado”, respondeu, em comunicado, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte. Já Salvini respondeu a todos de uma vez e numa só publicação no Twitter. “Espanha que quer denunciar, França diz que somos ‘repugnantes’. Quero trabalhar serenamente com todos, mas com um princípio: #ositalianosprimeiro”, escreveu, recuperando o slogan da campanha para as eleições legislativas de Março. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O apoio a Roma chegou de um país governado por um dos aliados da Liga, a Hungria. “Era tão deprimente ouvir durante anos que era impossível proteger as nossas fronteiras marítimas”, disse aos jornalistas o Presidente Viktor Órban. “A força de vontade regressou a Itália”. Posições aparentemente inconciliáveis a poucos dias da cimeira europeia de 28 e 29 de Junho, quando é esperado um acordo para uma política comum de imigração e refugiados. Entretanto, com o Aquarius ocupado na viagem até Espanha nos próximos dias, permanece apenas um navio de resgate gerido por uma ONG, a Sea Watch, na zona onde as embarcações vindas da Líbia costumam naufragar. Esta terça-feira, um navio da Marinha dos Estados Unidos localizou 12 cadáveres e resgatou 41 pessoas que tentavam a chegar a Itália. A ONG lamentou: “É isto que acontece se não há pessoal de resgate suficiente e não existe uma passagem segura”.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE