A faz-tudo a quem só falta uma coisa: transformar Lisboa numa cidade comestível
Adriana Freire criou a Cozinha Popular da Mouraria, um projecto social, em 2012. Não é bem um restaurante nem um "projecto de caridade". “Queremos mudar a vida às pessoas, mas ensinando-as e puxando-as para aqui.” Apesar de “não ser fácil”, a associação não dá sinais de abrandar. Depois do quiosque, das hortas e das frutas, prepara-se para abrir uma escola e plantar uma cidade. (...)

A faz-tudo a quem só falta uma coisa: transformar Lisboa numa cidade comestível
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Adriana Freire criou a Cozinha Popular da Mouraria, um projecto social, em 2012. Não é bem um restaurante nem um "projecto de caridade". “Queremos mudar a vida às pessoas, mas ensinando-as e puxando-as para aqui.” Apesar de “não ser fácil”, a associação não dá sinais de abrandar. Depois do quiosque, das hortas e das frutas, prepara-se para abrir uma escola e plantar uma cidade.
TEXTO: Completou 60 anos há duas semanas e celebrou-os como mais gosta: mesas fartas de petiscos e a casa recheada de amigos. A gastronomia é para Adriana Freire uma paixão de criança – e é nela que o percurso profissional tem tantas vezes desembocado. Na fotografia, na edição de livros, na criação da Cozinha Popular da Mouraria ou, mais recentemente, na luta por uma cidade que seja capaz de se alimentar a si própria. Diz ter começado a cozinhar aos oito anos: fazia “bolos em tachinhos para os baptizados das bonecas”. Mas é a comunhão intrépida à mesa, que invejava nas famílias grandes dos amigos de infância, que a atrai desde sempre no mundo da comida. O ambiente de festa, o barulho, a confusão. A partilha. Ainda que ultimamente mal tenha tempo para comer em casa ou preparar jantaradas, a despensa mantém-se recheada. “Dá-me um certo conforto, acho que me equilibra um bocadinho. ”É no terraço da Cozinha Popular da Mouraria que nos encontramos com Adriana, ao início de uma tarde a meio da semana. Lá dentro, Idália, figura já icónica da casa, vai dando arrumo ao fim dos almoços, enquanto numa das mesas se discute uma nova viagem no prato, um programa de jantares especiais dedicados às gastronomias do mundo. Entre refeições, a Cozinha Popular da Mouraria parece agora adormecida numa penumbra quente e silenciosa, mas foi aquele velho prazer de “ter muita gente à mesa” que esteve na origem do projecto social, em 2012. A gastronomia, acrescenta, está também “muito ligada às memórias e aos afectos”, pormenor “transversal a todas as culturas e línguas”. E Adriana queria ter uma casa cheia que ajudasse a dar rumo à diversidade do bairro que a acolheu há mais de 30 anos: os históricos da Mouraria e as novas comunidades emigrantes, os velhos e os novos, os pobres e os ricos. “Já tivemos situações incríveis em que as pessoas mais improváveis de se aproximarem acabaram a experimentar os pratos uns dos outros”, conta. “Há maior prazer do que provocar isso?”Ao fim de cinco anos e meio, o projecto continua a crescer. “Estou cá para manter a alma, mas temos de ser cada vez mais profissionais e evoluir na vertente de negócio. ” Reconhece que só assim conseguirão “agregar mais pessoas nesta família”. Gente do bairro que quer lançar-se no sector e precisa de uma mão. E gente de fora que, ao vir jantar, “contribui para que seja possível mudar a vida de outros”. A Cozinha Popular da Mouraria não é bem um restaurante nem um “projecto de caridade”. É mais do que isso. “Queremos mudar a vida às pessoas, mas ensinando-as e puxando-as para aqui. ” Apesar de “não ser fácil”, a associação não dá sinais de abrandar. Depois do quiosque, das hortas e das frutas, prepara-se para abrir uma escola e plantar uma cidade. Adriana é assim mesmo: nunca consegue parar quieta muito tempo. Há sempre mais uma ideia, um projecto, um desafio, uma arte a que atirar as mãos e experimentar. Nas Caldas da Rainha, onde nasceu, o Museu José Malhoa foi como uma segunda casa. Pintou, fez teatro de fantoches, barro. Lembra-se de jogar às escondidas com os guardas. “O óleo dos quadros ainda está entranhado nas minhas memórias de infância”, recorda. Quando a família se mudou para Torres Vedras, tinha Adriana 12 anos, a pintura e as artes manuais deram lugar ao cinema e à fotografia. Passou a estar sempre metida no cineclube, onde via os filmes de Fellini, Pasolini, Bergman, dos realizadores franceses da época. Talvez não tenha percebido “metade das coisas” na altura, admite, mas reconhece-lhes inspiração: “A minha grande escola visual foi o cinema. ” As fotografias eram enquadradas na mente como uma sequência em película, conta, desenhando um travelling com os dedos. Só os livros, dirá, ganham aos filmes: as palavras ainda deixam quase tudo por imaginar. Mas voltemos à adolescência, Adriana. Entretanto, contava, dá-se o 25 de Abril e as aulas tornam-se insignificantes perante a revolução que se está a viver no país. De repente, havia uma convulsão de novas possibilidades culturais para organizar na associação de estudantes. O grupo correu as embaixadas estrangeiras a pedir filmes para um ciclo de cinema de animação. Fizeram uma exposição de fotografia onde Adriana apresentou as primeiras imagens. Andava “danadinha” por vir para Lisboa. “Soube que havia um exame de admissão à [escola] António Arroio e foi assim que consegui vir mais depressa”, recorda. Ainda foi professora de Educação Visual em Alcobaça. Até o bichinho da capital voltar a atacar. Era o auge dos anos 1980. “Estava tudo a acontecer em Lisboa” e ela sentia-se “completamente fora do processo. ” Era novamente a fome da confusão, do arregaçar as mangas e fazer coisas novas, sempre diferentes. “Com a idade uma pessoa vai pensando um bocadinho naquilo que é e cheguei à conclusão que tenho um pavor imenso ao tédio e à normalidade”, diz às tantas. Sempre que chega a um sítio tem tendência a “interferir no ambiente”. Mexe na iluminação, traz flores, põe música, muda objectos de estante. E nada lhe dá mais “pica” do que “começar alguma coisa do zero”. Enche inúmeros “caderninhos” de ideias e sonhos que depois acaba quase sempre por perder, esquecida do lugar onde os guarda, diz a rir. Mas muitos planos ficam por ali a remoer, a pairar num futuro que nunca chega para tanta coisa. É assim que, aos 30, Adriana regressa a Lisboa para se reinventar como fotógrafa, recuperando a paixão da adolescência. Tinha “uns amigos que conheciam o Álvaro Rosendo”, da Galeria Monumental, e ela foi oferecer-se para ser assistente dele, recorda. Passou uns “bons tempos” a fazer provas de contacto até que começaram a “achar graça” às fotos dela. Lançava-se numa altura em que os fotógrafos ainda eram “reconhecidos e bem pagos”. Um trabalho levava a outro. Foi assim que chegou à revista Marie Claire, anos mais tarde, onde publicou as primeiras fotografias de gastronomia - e os primeiros textos, ainda com o pseudónimo Clara Castelo. “Tinha a mania que sabia um bocadinho [da área] porque tinha os livros da Maria de Lourdes Modesto e do Pantagruel, que eram as minhas bíblias”, ri-se. Mas tinha “vergonha” de assinar os textos porque quem gosta de ler, “sabe o que é escrever”. E aquilo que ela fazia, acreditava, não chegava ao patamar nobre do verbo. O percurso profissional chegava cada vez mais perto da mesa. Foi acompanhando o trabalho de vários chefs e restaurantes ao longo de décadas. Alguns tornaram-se amigos e têm dado um contributo importante na associação, liderando aulas e jantares especiais ou conseguindo equipamento para a cozinha. Entretanto, Adriana tinha ficado com vontade de fazer livros de cozinha. “Andei a chatear o Gonçalo Bulhosa, que estava a criar a Oficina do Livro, e o Hermínio Monteiro, da Assírio&Alvim. ” Quatro anos depois a insistência dava frutos: chegou o convite para fazer a fotografia e edição d’A Minha Cozinha, de Helena Sacadura Cabral. Depois os livros de receitas de João Carlos Silva, apresentador do programa de culinária Na Roça com os Tachos. Chegou a colher retalhos de roupa de Rui Reininho e digitalizar para compor a capa de um dos livros do vocalista dos GNR. “Cada livro era um desafio e divertia-me imenso. ” Foi por muito pouco que, anos mais tarde, não lançou uma editora especializada em gastronomia. O objecto-livro é algo de que sempre gostou muito. É-lhe difícil entrar num alfarrabista sem se perder. Chega a comprá-los só pelo papel, pelo grafismo, pela capa ou outro elemento que os torne “especiais”. Principalmente os antigos, porque as publicações modernas, confessa, tendem a desiludi-la. “A edição virou quase uma caixa de bombons”, lamenta. A capa tem de sobressair na estante e a impressão ser o mais barata possível. “Até os livros de cozinha já quase deixei de comprar. Já não aguento, toda a gente publicou um. ” A colecção que entretanto foi fazendo chega, no entanto, para preencher uma parede da sala e o próximo passo é com ela criar uma biblioteca especializada no novo espaço da Cozinha Popular da Mouraria, que há-de abrir aqui mesmo em frente. No rés-do-chão que já se adivinha entre as obras Adriana quer abrir uma escola ligada à gastronomia. Mais cedo ou mais tarde, era aí que o projecto teria de ir dar porque, acredita, “só a educação muda o mundo”. Quer disponibilizar cursos para graúdos, para continuar a dar oportunidade a quem quer seguir cozinha e não tem meios para isso, mas pensa cada vez mais nas crianças. É com elas que mais quer trabalhar. “Vejo-as no Jardim da Cerca da Graça a jogar à bola com laranjas ainda verdes. No dia em que elas plantarem uma laranjeira e virem o tempo que leva a crescer e a dar a primeira laranja, não vão olhar para a árvore da mesma maneira. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É lá fora, entre os frutos e as hortas da cidade, que se trilha ultimamente a motivação de Adriana. Há algum tempo que não fotografa. Não que lhe falte vontade ou ideias. Mas toda a energia está agora alocada na associação. “O meu trabalho é a minha vida”, diz, para justificar um percurso sem interruptores que intercalem o lado pessoal e o profissional. “Qualquer projecto que tenha em mãos é vivido intensamente. ” Está num outro processo onde a fotografia não cabe. “Acho que o meu papel agora é conquistar território”, ri-se. É essa a sua próxima luta: “transformar Lisboa numa cidade comestível”. A iniciativa Muita Fruta – que colhe e transforma os frutos das árvores da cidade – é o primeiro passo. Mas Adriana quer ir mais longe. Quer que se aposte na agricultura urbana e se repensem os espaços públicos. Porque é que os jardins hão-de ter canteiros e relvados que não se podem pisar? Porque não podem conviver flores e frutas e hortaliças e pessoas estendidas ao sol? No fundo, diz, quer transformar “as cidades em casas”. Em espaços que “façam parte da vida das pessoas”, de que elas se apropriem e “sintam como seus”. É isso que quer deixar como legado. “Tenho este problema de achar que tenho de deixar alguma coisa feita, por muito pouco que seja – e eu estou a fazer pouquíssimo. Mas acho que cada um de nós deve acrescentar alguma coisa para os outros usufruírem a seguir. ” Nem que seja uma mesa repleta de iguarias com alma e esperança num futuro diferente. Ou um jardim que se pode fruir e comerPorcarias [ri-se]. Torradas com manteiga são das melhores coisas que podem dar-me na vida. Não sei, não tenho nenhum prato preferido. Gosto de comer coisas que me fiquem na memória. Porque não é só o prato, é também o que o envolve. A açorda que comemos no Alentejo não sabe igual quando a recriamos em casa. É o comer algo local, no local, com os produtos locais, feito pelos locais. Uma Disneylândia. Com os turistas a virem cá ver as duas ou três pessoas que ficaram. Viajar é fundamental, devia ser obrigatório na escola, mas o turismo de massas estraga tudo. São os turistas que ficam na bicha do 28 à torreira do sol que matam a vida da cidade. Se calhar vão existir mais casas vazias, prédios sem ninguém e será cada vez mais um bairro fantasma. Mas a Mouraria sempre foi um bairro de excluídos. E essa cultura é importante, essas pessoas são importantes. E esse lado continuará a existir, pelo menos enquanto a Cozinha existir, porque há-de integrá-las sempre e tentar manter a família que é este bairro. Há um livro que descobri já depois dos 30 anos, Sinais de Fogo [de Jorge de Sena], que acho ser um retrato excelente da sociedade portuguesa, muito bem escrito. Esse livro bateu-me, não sei se por também ter vivido na província ou porque o li na altura certa. Depois, entre os livros de cozinha, tenho uma coisa fantástica do Vítor Sobral há anos, de uma colecçãozinha da Editorial Notícias. Chama-se Sabores, como combinar alimentos. É pequeno, mas muito prático e extremamente útil, tem a papinha feita. O Vítor Sobral foi pioneiro em pegar nos ingredientes portugueses e fazer alguma coisa deles. E cozinha, de facto, muito bem.
REFERÊNCIAS:
Uma história de exílio
Tendo como cenário a América do século XIX, Sebastian Barry continua a sua indagação sobre a identidade de uma família irlandesa. (...)

Uma história de exílio
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tendo como cenário a América do século XIX, Sebastian Barry continua a sua indagação sobre a identidade de uma família irlandesa.
TEXTO: Em Dias Sem Fim — vencedor do importante Costa Award — o escritor irlandês Sebastian Barry (n. 1955) continua a contar a história da família McNulty — familiares de outras gerações já surgiram em romances anteriores, nomeadamente em Escritos Secretos e em A História de Eneas (Bertrand, 2009 e 2010, respectivamente) — mas desta vez recua ao século XIX e à época da Grande Fome na Irlanda, e escolhe o cenário da guerra americana e do massacre dos índios, mas sempre com a vontade de indagar a identidade irlandesa. Thomas McNulty, a personagem principal e narrador deste romance, alistou-se no exército norte-americano em 1851, com dezassete anos de idade. Chegara da Irlanda havia quatro anos. Viajara sem familiares num barco de emigrantes (“os pobres, os destruídos e os famintos”), durante seis semanas, com destino ao Canadá. Filho de gente pobre de Sligo, vinha de uma família arruinada (o pai era exportador de manteiga para Inglaterra), que morrera nos anos da fome, e à qual apenas ele sobrevivera. “A fome é uma espécie de incêndio, uma fornalha. ” De certa forma escorraçado da sua terra natal, Thomas começa a sua deambulação em busca de uma redenção que talvez nunca chegue. Durante dois anos (antes de se alistar no exército) trabalha, com o seu inseparável amigo John Cole (bisneto de uma índia americana), como dançarino travestido num bar de mineiros; eles eram as únicas ‘raparigas’ no lugar de Daggsville. Mas o passado nunca deixa de ser um terreno minado, porque o passado afinal ainda não passou. O que se segue é uma longa história de exílio, dias de terríveis agruras, de horrores, de perigos, mas também de espanto e vida. Autoria:Sebastian Barry (Trad. de Patrícia Xavier) Bertrand Ler excertoSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sebastian Barry, três vezes nomeado para o Booker Prize — primeiro com A Long Long Way (1995), depois com o belíssimo Escritos Secretos (2009), e a última, em 2011, com Do Lado de Canaã (Bertrand, 2012) — para além de romancista, é também um prolífico dramaturgo e poeta. O lirismo da sua prosa, o estilo elegíaco, e a exactidão poética, associados ao cuidado de atento ourives com que urde as tramas das suas histórias, fazem de Barry um dos mais talentosos autores de língua inglesa da sua geração. Esse virtuosismo é bem notório em Dias Sem Fim, um romance que apesar de ter a América como cenário, não deixa de se remeter para a Irlanda do atribulado Eneas McNulty (a personagem de A História de Eneas, que tinha lugar nos começos do século XX), o mesmo país deste Thomas que emigra, também ele nascido no lugar de Sligo, na Irlanda rural dos “velhos muros sombrios” e das “azinhagas assombradas”. A vida desta espécie de anti-heróis irlandeses, começa sempre de maneira conturbada, como se o destino quisesse que logo bastante novos eles vivam numa espécie de “lado errado” da História e das atribulações dos tempos, com o destino sempre a dificultar. Como num jogo de espelhos, Sebastian Barry serve-se, mais uma vez, de um anti-herói (em jeito de pícaro moderno) para nos mostrar como a história da Irlanda, de maneira maligna, se insinua e pode perturbar e alastrar como uma mancha na vida dos irlandeses quando estes menos esperam. “Reconhece-se um irlandês porque ele o tem escrito na cara. Fala de um modo diferente e não tem muito jeito para cortes de cabelo, e quando bebe, um irlandês não se parece com nenhum outro ser humano. Não me digam que o irlandês é um exemplo de humanidade civilizada. ”Em Dias Sem Fim há um mundo interior que não se mistura com o horror por que passam os protagonistas, esse mundo calmo e quase sagrado tão característico das personagens dos romances de Barry. Curiosamente, neste livro é esse mundo que salva os dois homens, pois numa época como a que viveram, conseguiram como que isolar-se dela e viver o espanto da vida no meio dos terríveis perigos que enfrentam; é assim que Barry nos apresenta o modo como viveram a homosexualidade e a ‘adopção’ de uma menina índia Sioux que tentam salvar a todo o custo. Mais uma vez, o que fascina em Barry é o minucioso trabalho de escrita, a capacidade de descrever tudo intensamente e de maneira bastante visual, ao mesmo tempo que a história vai montando a sua teia diante do leitor.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra filho fome espécie homosexualidade
Já se pode espreitar o biopic de Morrissey
Um trailer de dois minutos abre o véu sobre o aguardado England Is Mine, centrado no início de carreira do carismático vocalista dos Smiths. (...)

Já se pode espreitar o biopic de Morrissey
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170701170612/http://publico.pt/1777545
SUMÁRIO: Um trailer de dois minutos abre o véu sobre o aguardado England Is Mine, centrado no início de carreira do carismático vocalista dos Smiths.
TEXTO: England Is Mine, o biopic de Mark Gill que acompanha a adolescência e juventude de Morrissey, o icónico vocalista dos Smiths, na Manchester dos anos 70, só chegará às salas de cinema inglesas a 4 de Agosto, mas já há um breve trailer do filme para abrir o apetite. Um dos produtores, Orian Williams, que já participara na produção de Control, biopic do malogrado líder dos Joy Division, Ian Curtis, revelou que England Is Mine termina quando Morrissey conhece Johnny Marr, um encontro que dará origem àquela que muitos consideram a melhor banda dos anos 80, The Smiths. Com argumento do próprio Mark Gill e de William Thacker, o filme, que se estreia este domingo, 2 de Julho, no Festival de Cinema de Edimburgo, é protagonizado por Jack Lowden, que encarna o jovem Morrissey. Conhecido pela sua participação na mini-série Guerra e Paz, da BBC, Lowden contracenará com Jessica Brown Findlay, a Sybil Crawley da série televisiva Downton Abbey, que interpreta a melhor amiga do músico, Linder Sterling, e Laurie Kynaston, escolhido para o papel de Johnny Marr. Inicialmente intitulado Steven – o nome de baptismo do ex-líder dos Smiths é Steven Patrick Morrissey –, o filme é a história do triunfo de um adolescente deprimido na Manchester dos anos 70 que se torna uma das mais talentosas e carismáticas estrelas da música pop. Quando o projecto ainda dava os primeiros passos, Mark Gill assumiu que England Is Mine, a sua primeira longa-metragem (foi nomeado para um Óscar pela curta The Voorman Problem, de 2011), seria “uma carta de amor” ao cantor e compositor, e prometeu um filme “tão dirigido ao público em geral como aos fãs incondicionais de Morrissey”. Um desígnio não muito fácil de alcançar, tratando-se de uma personalidade tão idiossincrática e tão pouco consensual. Do seu vegetarianismo militante à sua bissexualidade (ele prefere chamar-lhe “humanossexualidade”: “sou atraído por humanos, mas, claro, não por muitos”) –, das suas críticas à família real britânica às suas disputas legais com Mike Joyce, o baterista dos Smiths, a vida pessoal e as polémicas de Morrissey têm alimentado generosamente as páginas dos jornais. Mark Gill também sugeriu que o filme iria mostrar que o intérprete de Heaven Knows I’m Miserable Now é, na verdade, um homem divertido, apesar do seu historial de depressões e da sua reconhecida visão amarga da vida. Muitas páginas da autobiografia que Morrissey publicou em 2013 confirmam esse seu humor contido, a começar pela passagem em que descreve a sua vinda ao mundo: “Claro que o meu nascimento quase matou a minha mãe, uma vez que a minha cabeça é demasiado grande”. Filho de um casal de irlandeses que emigrara de Dublin para Manchester pouco antes de ele nascer, Morrissey passou a infância num bairro operário e tinha 17 anos quando começou a tomar anti-depressivos, por prescrição médica. Atraído desde muito novo para a música, mas também (a mãe era bibliotecária) para a literatura, Morrissey iria tornar-se não apenas um talentoso compositor e cantor, mas também um dos mais brilhantes letristas de sempre. England Is Mine apanha-o no momento em que se evade do seu quotidiano solitário e tristonho mergulhando na explosão de música punk que então eclodia em Manchester. Vocalista do grupo Nosebleeds no final dos anos 70, colaborou ainda efemeramente com os Slaughter & The Dogs. Foi neste meio que conheceu a artista plástica, cantora e performer Linda Sterling, fundadora da banda de punk-jazz Ludus, que se tornaria a sua amiga mais íntima. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Durante algum tempo, Morrissey ainda manteve uma carreira paralela de crítico de música e cinema, e chegou mesmo a publicar um pequeno livro sobre a banda punk americana The New York Dolls, uma das suas grandes influências, e outro dedicado ao actor James Dean. Em Agosto de 1978, então com 19 anos, foi apresentado a um rapaz de 14, Johnny Marr, durante um concerto de Patti Smith no Apollo Theatre de Manchester. Quatro anos depois, Marr apareceu-lhe em casa a perguntar-lhe se não estaria interessado em criar uma banda com ele. O trailer de England Is Mine termina precisamente com Morrissey a abrir a porta a Marr. A banda, já se sabe, veio a chamar-se The Smiths e lançou quatro álbuns que marcaram a música pop dos anos 80: The Smiths (1984), Meat Is Murder (1985), The Queen Is Dead (1986) – que a revista de música NME considerou, em 2013, o melhor álbum de todos os tempos – e Strangeways, Here We Come, de 1987. Nesse ano, os dois fundadores desentendem-se, os Smiths acabam e Morrissey estreia-se a solo com Viva Hate (1988), início de uma discografia pós-Smiths que já vai em dez álbuns. Mas essa a história que o filme de Mark Gill já não conta.
REFERÊNCIAS:
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Quem tem direito a erguer uma estátua?
A criação de um Memorial às Pessoas Escravizadas, na Ribeira das Naus, é de uma importância primordial. (...)

Quem tem direito a erguer uma estátua?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.285
DATA: 2018-08-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: A criação de um Memorial às Pessoas Escravizadas, na Ribeira das Naus, é de uma importância primordial.
TEXTO: Quem tem direito a erguer uma estátua? Quem, tomando o pulso ao território, possui autoridade suficiente para fixar um ponto singular, estabelecer aí um centro e, projetando um raio abrangente, dizer: dentro deste círculo, que hoje aqui traçamos, incluímo-nos a todos nós? Em jogo, na forma como damos resposta a esta pergunta, está a construção de um futuro livre de apartheid, em que todos os seres humanos residentes em Portugal, independentemente da forma como sejam racializados, da sua classe social, identidade de género e orientação sexual, ou mesmo do seu grau de acesso formal à cidadania, tomem igual parte no projeto comum de gestão, fruição e salvaguarda do território nacional. As estátuas refundam a nação e religam-na com a terra de onde se destacam, recentrando os polos afetivos das comunidades que se recriam em seu redor. O atual debate em torno da designação do hipotético futuro museu lisboeta, que se ramificou entretanto em muitas e esclarecedoras discussões, é de grande interesse académico e cultural (ver, por exemplo, os artigos de Ângela Barreto Xavier, Afonso Ramos, Pedro Schacht e Rui Gomes Coelho). Porém, a discussão em curso tende a não responder à pergunta inicial. O direito a erguermos uma estátua ou um memorial não é o mesmo que o direito a ter um museu que nos seja dedicado, na sua temática ou funcionamento. Apenas o primeiro necessariamente envolve uma ação ativa por parte dos promotores do futuro monumento, e certifica o reconhecimento por todos do seu estatuto de igualdade cívica e social face aos demais grupos presentes no território. O erguer de um Memorial às Pessoas Escravizadas contesta o privilégio dos grupos que têm dirigido, até há bem pouco tempo em exclusivo, as políticas da memória nacionais. Que debate suscitou a fundação dos muitos ‘Monumentos aos Campinos’ espalhados pelo território português? Ou das ‘Estátuas dos Cavadores’, ‘Monumentos ao Emigrante’ e ‘Estátuas das Varinas’? Sabemos que mesmo estes monumentos, bem menos polémicos que as belicosas estátuas equestres, não nos representam a todos por igual. Contudo, nunca contestamos o direito a erguê-los dos grupos que se recriam em seu redor. Este acesso simbólico fácil, praticamente imediato, ao território nacional é ainda um privilégio branco, nitidamente abusado no caso da implantação da estátua do Padre António Vieira no Largo Trindade Coelho. Seria tarefa simples erguer no território português um monumento ao ‘Jornaleiro Galego’, às comunidades roma ou ciganas, ou mesmo às ‘Trabalhadoras das Limpezas’, na sua grande maioria mulheres negras? Ou, porque não, à ‘Rainha Njinga’, como bem sugere Cláudia Silva?Por este motivo, é vital que a discussão em torno dos projetos museográficos da Câmara Municipal de Lisboa não engula e secundarize a nossa apreciação científica e política do momento histórico de viragem que constituiu a vitória do projeto da Djass – Associação de Afrodescendentes, no âmbito do último orçamento participativo da capital. A criação de um Memorial às Pessoas Escravizadas, na Ribeira das Naus, é de uma importância primordial, e responde a uma necessidade mais básica, afetiva e carnal, do que aquela que dita a refundação epistemológica e metodológica da historiografia e da museologia nacionais, desbloqueando porém o caminho para estas reformas científicas. De forma a garantir que o futuro Memorial às Pessoas Escravizadas permita refundar um ‘nós’ mais vigoroso e inclusivo, é preciso ainda lutar para que a sua concretização não se condicione pelos detalhes logísticos de qualquer hipotético museu. Este memorial que, não sendo materialmente uma estátua, funciona socialmente como as ‘estátuas’ que tenho vindo a analisar conceptualmente, deve constituir um marco. Celebrando o acesso das comunidades afrodescendentes às políticas da memória que garantem vínculos simbólicos estáveis com o território nacional, ele quebra um longo monopólio que tem vindo a ser um dos privilégios da comunidade branca. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Atente-se, por um momento, à forma como as representações monumentais de africanos ou de portugueses negros são, na esmagadora maioria das vezes, o fruto de políticas da memória dominadas pelos interesses imediatos, e por vezes exclusivos, da comunidade branca. Contudo, a presença no território nacional de seres humanos racializados enquanto negros, durante um longo período sujeitos ao opróbrio da escravatura, é antiga, comprovada e contínua. Historicamente, é também permanente a negação do acesso a membros desta comunidade à igualdade plena de oportunidades e direitos, ou a medidas compensatórias e de descriminação positiva. Já no contexto das antigas colónias, depois das sucessivas etapas da abolição do tráfico negreiro (esparsas ao longo de grande parte do século XIX), os sistemas tributários diferenciados, o Código Penal de 1886 e os vários diplomas legais que instituíram o ‘Estatuto do Indígena’ garantiram a generalização do trabalho forçado até ao raiar das independências. Chegando aos nossos dias, o racismo institucional mantém vivo nas estruturas de poder o legado de todas estas iniquidades. As pessoas negras presentes em Portugal são herdeiras de vínculos seculares, estáveis e sofridos com o território, quer havendo estado os seus antepassados diretos cá fisicamente presentes, quer havendo estes contribuído à distância, com o seu trabalho, para o enriquecimento nacional. Têm portanto todo o direito a ver erguido um memorial que celebre esta história, e que refunde a nossa comunidade e os seus laços com o território num sentido mais justo. O Memorial às Pessoas Escravizadas não deve nunca ser uma mera parcela da narrativa museográfica de qualquer futuro Museu das Descobertas, da Viagem ou do Colonialismo. Um museu cumpre funções pedagógicas e científicas fundamentais, mas apenas um memorial é capaz de se constituir enquanto o centro a partir do qual possam irradiar para o território nacional todas as manifestações e lutas por uma cidadania mais justa, inclusiva e emancipatória. Restringir a presente discussão pública apenas à esfera das letras ou da museologia, e insistir em manter a conversa refém da discussão do passado, é uma forma de sofismar e adiar a transformação que este acesso direto ao território desencadeará, prolongando assim velhos privilégios. As acusações de anacronismo, de penitência histórica ou de ataque à memória coletiva meramente desviam a atenção deste simples facto: o que está hoje em jogo é o direito das comunidades afrodescendentes ou racializadas a um vínculo simbólico estável e definitivo com o território português, um que impossibilite e esvazie frases racistas como ‘volta para o teu país’, ou ‘boa viagem’, e que se materialize, de forma perene, numa ‘estátua’ ou memorial capaz de congregar e relançar no futuro a nossa comunidade nacional. O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Em Reguengos os alunos de etnia cigana deixaram de ser uma minoria que vive à parte
Projecto Criar Futuro destina-se a crianças e jovens em risco de abandono escolar. Inclui apoios nos trabalhos para casa, actividades de leitura e pintura, teatro, jogos nos recreios. E também uma horta que, lá mais para o Verão, deve estar mais completa. (...)

Em Reguengos os alunos de etnia cigana deixaram de ser uma minoria que vive à parte
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 18 | Sentimento 0.136
DATA: 2017-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Projecto Criar Futuro destina-se a crianças e jovens em risco de abandono escolar. Inclui apoios nos trabalhos para casa, actividades de leitura e pintura, teatro, jogos nos recreios. E também uma horta que, lá mais para o Verão, deve estar mais completa.
TEXTO: Dalila, 12 anos, está indecisa entre ser professora ou cantora quando crescer. Começou por apontar a primeira profissão, mas não resistiu em juntar logo a segunda. Vânia, nove anos, segue-lhe os passos. Já Francisca, com sete, fica-se pela primeira opção. Todas elas são de etnia cigana, bem como as outras três meninas que na tarde da última sexta-feira acorreram à antiga casa do juiz da comarca de Reguengos de Monsaraz, que agora pertence à câmara municipal. Vão lá quase todos os dias para terem apoio na realização dos trabalhos para casa, para pintarem, lerem, fazerem teatro. “Para aprender coisas novas”, acrescenta Dalila, que está no 4. º ano de escolaridade e vai entoando várias músicas à procura da que dará melhor com a designação Dia do Estudante, que se assinalava naquela sexta-feira. Diz por isso que é também o seu dia. As seis meninas fazem parte do grupo de 70 crianças e jovens entre os seis e os 14 anos que estão a ser acompanhados pelo projecto Criar Futuro, promovido pela autarquia e que é um dos 90 que integram a sexta geração do programa Escolhas. Este programa, apoiado pelo Alto Comissariado para as Migrações, tem como missão “promover a inclusão social de crianças e jovens de contextos socioeconómicos vulneráveis, visando a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social”. Este é também o objectivo do Criar Futuro, que escolheu como público-alvo crianças e jovens com problemas de insucesso e de abandono escolar. Dos participantes actuais, cerca de 20 são de etnia cigana. Ou seja, quase metade dos estudantes desta etnia inscritos no Agrupamento de Escolas de Reguengos de Monsaraz, um dos parceiros do projecto, estão abrangidos. Para já, o principal trunfo do projecto, que arrancou há um ano, é o de estar a “promover activamente a integração”, frisa a vereadora da Educação, Joaquina Margalha. Na escola do 1. º ciclo de Reguengos esta “integração” pratica-se todos os dias por via das actividades que são desenvolvidas durante o recreio da hora do almoço — uma hora para desenvolver jogos e outras actividades que são organizadas pela equipa do Criar Futuro e que aos poucos tem “envolvido toda a comunidade escolar”, conta Rita Cavaco, 32 anos, que é professora do 1. º ciclo e coordenadora da iniciativa. É ela uma das animadoras desta “dinamização do recreio”. Diz que passou a ser hábito a partilha de actividades e experiências entre os alunos de etnia cigana e os outros. “As relações entre eles melhoraram”, frisa. O mesmo se passa no outro eixo do Criar Futuro, que tem praça no Centro de Inclusão Digital. “Já vêm juntos da escola para cá”, refere José Carlos, 29 anos, responsável por este espaço e que faz também parte da equipa técnica. No espaço, que dispõe de seis portáteis e uma impressora, estão dois alunos no dia da visita do PÚBLICO. André de 14 anos, cigano, e Ionel, 15 anos, romeno. Os filhos de imigrantes, que ali são sobretudo da Moldávia e da Roménia, fazem também parte do público-alvo do projecto. André está no 7. º ano, numa turma do Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF), destinado a alunos com um historial de insucesso. Ainda domina mal a leitura e a escrita, embora segundo José Carlos tenha melhorado com a passagem este ano para o PIEF, por este ter uma abordagem mais prática. André corrobora ao mesmo tempo que percorre o seu Facebook. Quando tem dificuldades em escrever uma frase no chat pede a José Carlos que o ajude. Ionel também está à espera de apoio para montar um power point onde vai apresentar um guião de leitura do livro O Cavaleiro da Dinamarca, de Sophia Mello Breyner. O resumo tinha-feito antes, na sede do Criar Futuro. “Os pais [dos alunos ciganos] também começaram a vir aqui, principalmente para tirar músicas para levarem para o culto e para consultarem anúncios e enviarem emails, sobretudo por causa dos seguros dos carros. E eu ajudo-os”, conta José Carlos. Em cima de uma das mesas do centro está um conjunto de folhas A3 com histórias do povo cigano. O trabalho, que envolveu as famílias dos estudantes, foi desenvolvido pelas alunas mais velhas, com o apoio de uma estudante do 12. º ano, Rosa Marques, 21 anos. Ao lado, noutra folha A3, está escrita esta frase: “Ser cigano é ser lutador. ”Para além de aluna do Agrupamento de Escolas de Reguengos, Rosa Marques também dá aulas no conservatório local. A sua perícia musical é uma mais-valia no contacto com estes alunos, que não perdem uma oportunidade para cantar ou dançar. Para participar na equipa técnica do Criar Futuro, Rosa comprometeu-se a concluir o 12. º ano. Falta-lhe fazer Matemática A. “Vais conseguir. Tiveste boas notas!”, anima-a uma das suas parceiras noutro projecto previsto no programa do Criar Futuro, com o objectivo de “promover a integração social e comunitária”: a criação de uma associação de jovens de Reguengos. Foi constituída em Fevereiro passado. “Queremos que os jovens se fixem por cá. Queremos que tenham uma voz no concelho”, resume Sofia Rico, uma das fundadoras da associação, que tem sede também na antiga casa do juiz da comarca. Na sala ao lado, quatro das meninas de etnia cigana estão a terminar os blocos multicores que têm na capa a inscrição Dia Nacional do Estudante. Foi a actividade escolhida para sexta-feira. Há outras duas que estão a fazer os trabalhos para casa com a ajuda de Cátia Godinho, 35 anos, psicopedagoga e que é responsável também por sessões de acompanhamento individual desenvolvidas no agrupamento de escolas com o objectivo de ajudar “a estruturar projectos de vida e trabalhar competências pessoais”. Francisca olha pela janela. “Plantámos alfaces”, diz. Foi uma das últimas actividades no espaço do Criar Futuro. Lá para o Verão esperam ter uma horta completa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Este espaço é mais procurado pelas meninas. Os rapazes também passam por lá, mas ficam menos tempo. O seu local preferido é o Centro de Inclusão Digital. Por ali não há gorros nem bonés nas cabeças. É uma das regras do projecto. Como também o é a pontualidade. As várias actividades diárias têm horas marcadas, que decorrem após o fim das aulas na escola do 1. º ciclo. Terminam às 16 horas e cerca de 15 minutos depois já há alunos a baterem à porta do Criar Futuro. Mal começa a anoitecer regressam ao bairro onde vivem. É uma regra que as crianças de etnia cigana não quebram. Mas para as ter ali foi também preciso desenvolver um trabalho junto das famílias, ganhar-lhes a confiança. Rita Cavaco diz que esta missão tem dado frutos, mas está longe de estar concluída, já que o objectivo é que as famílias se envolvam também nas actividades do projecto. “São famílias que não privilegiam muito a escolarização. Se não as conseguirmos mobilizar para este objectivo as crianças acabam por falhar”, resume Joaquina Margalho.
REFERÊNCIAS:
Étnia Cigano
Celeste Ng e o tempo em que a utopia era possível
Pequenos Fogos em Todo o Lado fala de raça e privilégio num subúrbio quase perfeito. Eram os anos 90 e a época do preconceito parecia estar a chegar ao fim. Foi antes da explosão da Internet e do 11 de Setembro. O livro está a ser adaptado à televisão. (...)

Celeste Ng e o tempo em que a utopia era possível
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pequenos Fogos em Todo o Lado fala de raça e privilégio num subúrbio quase perfeito. Eram os anos 90 e a época do preconceito parecia estar a chegar ao fim. Foi antes da explosão da Internet e do 11 de Setembro. O livro está a ser adaptado à televisão.
TEXTO: Uma cidade nos subúrbio de Cleveland, Ohio, é o cenário do segundo romance de Celeste Ng (o apelido lê-se ing), a filha de imigrantes chineses nascida nos EUA em 1980 que viu o seu nome nos principais suplementos literários americanos e o livro no escaparates e montras das principais livrarias americanas. Pequenos Fogos em Todo o Lado foi uma das sensações de 2017, está traduzido em 30 línguas e põe em confronto duas famílias ficcionais muito diferentes, os Richardsons e os Warren, num lugar bem real: Shaker Heights. “Em Shaker Heighs havia um plano para tudo. Quando a cidade fora criada em 1912 — uma das primeiras comunidades planeadas da nação —, as escolas tinham sido localizadas de forma que todas as crianças pudessem ir a pé para as aulas sem atravessar nenhuma rua principal; as ruas secundárias iam dar a grandes avenidas, com paragens estrategicamente colocadas ao longo da via-férrea para transportar quem trabalhasse no centro de Cleveland. Aliás, o lema da cidade era (. . . ) ‘A maior parte das comunidades limita-se a acontecer; as melhores são planeadas’: a filosofia era a e que tudo podia — e devia — ser planeado e de que, ao fazê-lo, se evitava o inapropriado, o desagradável e o desastroso. ” Celeste Ng cresceu nesse lugar. Autoria: Celeste Ng (Trad. Inês Dias) Relógio d’Água Ler excerto“Não é uma cidade culturalmente muito interessante, fica no meio do país, mas é um lugar muito bom para se crescer; tem escolas públicas muito boas, e foi por isso que os meus pais decidiram mudar-se para lá. E é conhecida por ser muito bonita, muito arborizada, rica, politicamente muito progressista e racialmente muito diversificada. Quando lá vivi, nos anos 90, a população era quase cinquenta por cento branca e cinquenta por cento negra, o que era muito invulgar”, diz ao Ípsilon a escritora que faz parte de um grupo racial minoritário, tradicionalmente designado de “outros”, onde se incluem os asiáticos. “Quando andava no liceu falava-se muito abertamente sobre raça e preconceito, exclusão, falava-se do perigo do estereótipo, e eu achava que essa discussão acontecia no resto do país, que em todo o lado se falava disso abertamente. Até que cheguei à universidade”, conta, com uma gargalhada a remeter para uma ingenuidade perdida e estabelecendo o paralelo com o momento do romance, os anos 90 num país que acreditava ter resolvido parte dos seus problemas e que o único rimo era o progresso não apenas económico mas também de costumes. “Era uma cidade onde se acreditava que todos os problemas seriam resolvidos. Quis olhar para esse idealismo. ”O romance arranca com uma tragédia e um mistério por resolver. A casa onde vivem os Richardsons arde e a família, constituída por um casal e quatro filhos adolescentes, vê comprometido um futuro planeado. O fogo acontece quando outra família, composta por uma mulher e uma filha pré-adolescente, sai da cidade, que passa a ser mais um lugar num percurso feito de permanências fugazes. É a família Warren a viver em permanente itinerância. O acontecimento é o mote para Celeste Ng ir à génese não apenas da comunidade, mas também à causa do incêndio transformador. Ou seja, é um romance que começa pelo fim de uma utopia. No caso de Shaker Heights, ela foi fundada por um grupo conhecido pelos shakers que se organizaram à volta de um ideal de harmonia. Eles foram embora daquele lugar, mas lugar manteve-os no seu nome, génese de uma sociedade ideal. “Eles queriam ser uma utopia, acreditavam na possibilidade de uma sociedade perfeita. Ou seja, a cidade foi fundada na ideia de que se pode planear a perfeição”, continua Celeste Ng, que justifica desta forma a razão de situar a acção nos anos 90. “Eu conhecia aquele tempo, andava no liceu como os filhos das duas famílias. Mas também sabia que aquelas personagens iriam estar a guardar segredos umas às outras e por isso teria de ser uma era antes do boom da Internet, pré-Facebook, pré-telemóveis, em que era possível esconder coisas do passado. Por outro lado, a memória que tenho desses anos é a de que nos Estados Unidos achávamos que estava quase tudo resolvido, que a economia estava bem, a gasolina era barata, uma coisa chamada Internet parecia ser tremenda; tínhamos um presidente liberal, as mulheres estavam a chegar ao poder, estávamos a resolver problemas raciais. Ou seja, tudo estava a ficar melhor. E era o tempo pré-11 de Setembro. Havia um sentimento de complacência. Claro que olhando para trás sabemos que não era verdade. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E há o paralelo entre achar que tudo está resolvido e a família pretensamente ideal do livro, os Richardsons, que também acha que tem tudo sob controlo. “Mas pouco depois vem o escândalo Monica Lewinsky que mostra que o presidente não era quem pensávamos que era, e aconteceu o 11 de Setembro e rebentou a bolha de pensarmos que sabíamos tudo. ” Na ficção há isso e o incêndio que desencadeia rupturas e o fim de uma perfeição que não existia. “O romance começou com os Richardson. Sabia que queria escrever sobre Shaker Heights e tentei imaginar uma família que encarnasse essa comunidade, uma espécie de ‘e se Shaker Heights fosse uma família?’ E depois pensei em quem poderia ter contacto com eles e virasse aquele mundo de pernas para o ar. Teria de ser uma família com outras percurso, uma família que deixa os Richardson confusos e intrigados. Depois foi deixar que entrassem em conflito. ”E tudo parece acontecer com a cadência e o formato próximo de uma série de televisão. O mistério vai-se adensando, com as personagens a revelaram fragilidades pessoais, uma intimidade em que o leitor vai penetrando até se sentir cúmplice, parte da trama que Celeste mostra de modo eficaz. “Não tinha pesando nessa estrutura de série de televisão, mas faz sentido. Pensei antes que quando começo a ler um livro gosto de me sentir implicada no que está a acontecer, sentir que alguma coisa está a acontecer e essa coisa irá representar grande mudança nas personagens. Como autora, quero que esse percurso também seja interessante para mim e quero levar o leitor comigo nessa descoberta. ”À eficácia narrativa junta-se a pertinência política. Escreve sobre raça e privilégio no passado e o que ecoa é o presente em que o livro é publicado. “São os temas a que volto sempre na minha escrita porque são coisas em que penso muito na minha vida. Ser uma americana não branca, ser uma mulher e ser mãe faz-me pensar bastante no modo como o mundo está moldado, faz-me pensar em como será o futuro do meu filho que tem sete anos e é bi-racial. E lidar com raça, em especial na actual atmosfera política, afecta todos os aspectos da minha vida. Nunca me sento com a ideia de que vou escrever um livro sobre mães e sobre raça, mas é o mundo em que vivo e por isso também é o mundo em que vivem as minhas personagens e os assuntos com que lidam vêm desse mundo. Neste momento penso que não é possível ser escritor sem se ser político. Sou mulher, não branca, sou mãe, sou filha de imigrantes; toda a minha existência é política. ”
REFERÊNCIAS:
Devemos ser bilingues?
Pais, professores e bilingues de várias idades contam uma experiência que alerta para os perigos de generalizar quando se diz apenas que saber mais do que uma língua é meio caminho para se ser bem-sucedido. (...)

Devemos ser bilingues?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pais, professores e bilingues de várias idades contam uma experiência que alerta para os perigos de generalizar quando se diz apenas que saber mais do que uma língua é meio caminho para se ser bem-sucedido.
TEXTO: Falar e escrever mais do que uma língua de modo fluente traz benefícios cognitivos e maior agilidade cerebral. Mas a vantagem pode estar a ser sobrevalorizada por estudiosos e educadores quando não fazem entrar nessa equação variáveis culturais, sociais, individuais. Frederico Lourenço, escritor, professor catedrático, começou a falar duas línguas desde os dois anos, quando a família foi viver para Oxford, Inglaterra. “Já falava português, claro, quando partimos, mas como fiz a escolaridade em inglês até aos dez anos, posso dizer que o inglês se tornou a minha primeira língua. Na verdade, eu falava muito mal português até termos voltado para Portugal. Só me tornei bilingue a partir dos dez anos. Antes disso, basicamente eu era uma criança anglófona”, conta, antes de afirmar que agora, aos 51 anos, se sente verdadeiramente bilingue, ou seja, fala e escrita, razão e emoção, desenrolam-se com a mesma naturalidade em inglês e em português. Thomas Manuel tem oito anos e quase desde que nasceu que está exposto a quatro línguas. O português do pai e do país onde vive, Portugal, o holandês — ou neerlandês — em que a mãe sempre lhe falou por ser holandesa, o inglês em que os pais comunicam entre si e o alemão que começou a aprender aos três anos quando por motivos profissionais os pais passaram um período da sua vida em Bamberg, uma pequena cidade no Norte da Baviera, e Thomas foi para uma creche. “Não falava uma palavra de alemão, mas ao fim de dois meses estava integrado e percebia tudo o que se lhe dizia”, conta o pai, o jornalista e escritor José Riço Direitinho (colaborador do PÚBLICO). Quando a família voltou a Portugal, um ano depois, e para “uma integração menos dolorosa”, Thomas entrou para a Escola Alemã de Lisboa onde estuda Alemão como língua-mãe. Agora escreve e fala as duas línguas. Não escreve em holandês, entende inglês, e no português que Thomas fala não se nota o mínimo sotaque. “Eu sou português”, diz sem hesitar ainda que veja na televisão os jogos de futebol do Borussia de Dortmund, mesmo sendo adepto do Futebol Clube do Porto, os desenhos animados sejam em holandês e em tempos tivesse confessado ao pai que sonhava em alemão. “Agora já não”, corrige, “sonho em português”. As infâncias de Frederico e Thomas pertencem a tempos diferentes, com acesso e exposição também diferentes a diferentes línguas, mas na infância de um como na do outro já ecoava o pensamento de Wittgenstein expresso no seu Tractatus Logico-Philosophicus (1922): “Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”, uma frase que serviu à revista New Yorker para lançar uma série de estudos e um artigo publicado no início do ano, em que encetava uma discussão sob o título Ser bilingue é mesmo uma vantagem? Começava por inventariar as vantagens cognitivas de falar várias línguas. Não apenas como ferramenta profissional, social, cultural mas como algo que afecta de forma positiva a actividade cerebral. À partida parece pacífico defender esta ideia sem exclusões de parte, mas muitos professores, terapeutas de fala e educadores com quem a Revista 2 falou juntam-se numa conclusão em coro: “É perigoso generalizar. ”A cientista explicava então o mecanismo de forma simples: “Temos um sistema no cérebro, o sistema de controlo executivo. A sua tarefa é a de nos manter focados no que é mais relevante, ignorando distracções. É o que possibilita guardar duas coisas distintas na mente ao mesmo tempo e escolher entre elas. Quando temos duas línguas e as usamos regularmente, as redes do cérebro que trabalham ao mesmo tempo que falamos activam-se e o sistema de controlo executivo salta por cima de tudo o resto e responde apenas ao que é relevante naquele momento. Os bilingues usam mais esse sistema e é esse uso frequente que o torna mais eficiente. ”É neste pressuposto que muitos especialistas sustentam a teoria de que ser bilingue ou multilingue tem efeitos no atraso da demência, na prevenção de doenças como o Alzheimer ou na ideia de que um bilingue é mais capaz em actividades criativas ou em cálculo matemático. “Isso pode ser ou não verdade”, afirmou à Revista 2 Craig Monaghan, director da St. Julian’s School, uma escola inglesa em Carcavelos. “Se assim fosse, imagino que os rankings PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos, coordenado pela OCDE desde 2000] ligassem os elevados resultados em Matemática ou Álgebra com estudantes multilingues. No nosso caso, não é algo que tenhamos explorado, mas a maioria dos nossos estudantes é bilingue e tem excelentes resultados a Matemática. ” Poderiam concluir de forma um pouco simplista, acrescenta, que “existe uma correlação”. Na Escola Alemã de Lisboa, a maioria dos alunos também é bilingue, mas mais do que ter essa característica ou capacidade, o maior ou menor desafio que se coloca a essas crianças parte dos pais, ou dos educadores; eles são os intérpretes “de uma aprendizagem que é simultaneamente cognitiva relativamente às realidades que se lhes deparam, mas também do próprio fenómeno do bilinguismo”, refere José Valentim, subdirector daquela escola onde é também responsável pelo departamento de Português. “A criança, de início, apresenta uma única representação cognitiva para duas traduções diferentes e quando começa a frequentar o jardim de infância o seu cérebro possui mais do dobro da actividade em comparação com o do adulto. É nessa altura que a criança se apresenta mais aberta a novas aprendizagens, às descobertas e à pesquisa. Embora tenham decorrido muitas décadas, a teoria de Bloomfield [Leonard Bloomfield, 1987-1949, linguista] de que o controlo nativo de duas línguas nos primeiros anos é mais efectivo continua actual”, defende, apresentando dados da sua própria experiência. “Aos cinco anos, a criança que não enveredou por esse processo já domina a sua própria língua. Apresenta-se desde o início com uma flexibilidade cerebral para os registos que lhe são transmitidos. Através da audição repetida, do reforço positivo e do estímulo, e através de uma metodologia motivante e diversificada, reage espontaneamente, estabelecendo-se uma interacção recíproca entre os intervenientes no processo e, não menos importante, entre as línguas faladas e as próprias culturas transmitidas. ”E, mais uma vez, a ressalva: “O sucesso depende muito de outros factores, como as condições sociais, económicas, históricas e psicológicas, mas temos de concordar que, uma vez conseguido, permite alargar horizontes e enfrentar novos desafios”. Tira, no entanto, uma conclusão: “Os alunos bilingues desenvolvem capacidades especiais por se verem confrontados com duas realidades linguísticas em simultâneo, exigindo deles uma estruturação mental e uma predisposição para um pensamento lógico, ainda mais apurado no caso do alemão, por se tratar de uma língua com essas características. As estruturas gramaticais, a construção sintáctica das frases e o próprio léxico da língua, bem como a forma como os alemães estruturam o seu pensamento e apresentam os seus argumentos, organizando, esquematizando e planeando antecipadamente, são contributo importante que favorece e potencia o sucesso desse tipo de alunos. ”Tiveram de ser “um pouco criativos” para conseguir integrar o número cada vez maior de alunos estrangeiros que lhes iam chegando. Várias nacionalidades, vários níveis de identificação com o português, a língua de ensino naquela escola. Além de aulas adaptadas a cada situação, perceberam que o segredo era começar o quanto antes, com alunos que não sabem uma palavra de português e que, muitas vezes, pouco falam ainda na língua onde nasceram. São os casos de Melissa, Tiago e Angelina. Melissa tem quatro anos. Tiago e Angelina, três. São chineses e estão em Portugal desde Janeiro. Todos no jardim de infância do Sagrado Coração de Maria, onde aprendem as primeiras palavras em português. Angelina está impaciente. Canta em mandarim e dança ao ritmo da sua melodia enquanto a terapeuta da fala do colégio, Filipa Ferreira da Costa, mostra imagens às três crianças, pedindo a cada uma que repita com ela a palavra correspondente. Angelina desperta do seu alheamento quando vê a imagem de um boné. “Boooonééé”, vai repetindo em sotaque nasalado com gestos que indicam que é para pôr na cabeça. Esquece por momento o mandarim com que continua a desafiar o primo Tiago. Mostra que também já sabe dizer “menina”, “banana” e “leite”; arrasta o ‘s’ de sopa e fecha as vogais de “casaco” que sai num português quase imperceptível. Melissa já é capaz de construir frases simples, pondo o verbo no tempo certo e Tiago pede a atenção de Angelina. Diz “o menino bebe leite”, imitando a terapeuta e baralha o cartão com as imagens de palavras novas na mesa. Em três meses de escola já são capazes de comunicar em português usando palavras e gestos, “um feito”, considera Catarina André, directora pedagógica do Jardim Infantil do CSCM, tão surpreendida quanto expectante em relação aos resultados de um trabalho que começou agora e só terá efeitos visíveis a médio e longo prazo, à medida que os alunos forem avançando na escolaridade. “O objectivo menos ambicioso é que além de falarem e escreverem sejam capazes de compreender matérias e testes. ” Perfeito, no entanto, seria eles tornarem-se bilingues, isto é, fluentes na língua de origem e, neste caso, no português, sem sentirem o esforço da tradução mental. Melissa, Tiago e Angelina começam agora literalmente do zero nesse percurso. “Onde está o menino a vestir o casaco?”, pergunta Filipa a Angelina. Ela aponta, acerta na imagem do cartão. Todos batem palmas, ela entra em festa. Em mandarim, mais uma vez. “O mandarim é muito mais acentuado em termos nasais, ou de ressonância”, explica a terapeuta, referindo, no entanto, que mais difícil do que isso é a impossibilidade de comunicar com os pais destes meninos, que só falam mandarim. Quero recomendar trabalhos de casa, exercícios, e os pais não me entendem, é impossível. O mandarim é a língua-mãe, ponto. E se houver um irmão mais velho, então serve de intérprete. ”Filipa Ferreira da Costa trabalha em mais escolas, com crianças das mesmas idades e de outras nacionalidades e fala em experiências totalmente distintas. “O que está escrito é que uma criança exposta a duas línguas começa a falar mais tarde, mas, a partir do momento em que o faz, as duas línguas estão dominadas. A grande erupção dá-se aos quatro anos. Com eles, ainda não tenho tempo para dizer, mas em relação ao inglês acho que sim. Em termos cerebrais, nota-se um maior desenvolvimento. Geralmente ficam à frente dos outros. Em termos cognitivos falar mais do que uma língua é um grande estímulo. ” E dá o exemplo de um aluno israelita. “Fala hebraico, inglês, porque está na escola inglesa, e português, porque vive em Portugal. Tem quatro anos, nasceu cá, os pais querem ficar e ele domina as três línguas. A terapia da fala é importante nesta altura, para o português e para a estrutura da língua. ”Em relação ao mandarim é muito difícil porque a estrutura da língua é completamente diferente. “Nesta idade, o que mais nos preocupa é o bem-estar deles, que sejam capazes de se defenderem, de se salvarem e serem felizes. Sem o domínio da linguagem, isso é muito complicado”, conclui por sua vez Catarina André. As irmãs Malou e Luena Gama, seis e três anos, conversam com a mãe entre português e holandês. Quando Malou era pequena, só falava holandês. “Acho que as crianças começam a falar a língua da mãe. Deve ser por isso que se chama materna. Mas sobretudo desde que entrou no 1. º ciclo, este ano, o português domina completamente o modo como comunica. Antes, ela não tinha sotaque quando falava holandês, era como se tivesse vivido sempre na Holanda, mas isso está a mudar. Faz agora mais erros em holandês e sente-se muito portuguesa. Isso é engraçado, apesar de até aos quatro anos falar um português muito menos bom do que os outros meninos da idade dela”, conta Inge Ruigrok, holandesa, casada com um português, a viver em Portugal há dez anos. Essa aparente demora no português levou os pais a tomarem uma decisão. “Teve algumas sessões com um logopedista para corrigir a pronúncia e ver se a fonética dela se adaptava ao português. Isso foi ultrapassado em meio ano. Agora está a experimentar ler livros em holandês, mas é difícil, porque quando se aprende a ler e a escrever isso é feito com uma fonética e a fonética do português é diferente da do holandês. ”Malou está num colégio privado em Sintra onde aprende inglês. “No inglês, ela também está num bom nível. Começou quase desde bebé. ” Luena fala muito holandês. “Ainda precisa muito da mãe”, comenta Inge num português fluente, com sotaque, respondendo aos pedidos das crianças, numa conversa onde surgem palavras das duas línguas. As interjeições são em português, as cores das flores que colhem num parque de Sintra também. Pede a Luena que conte. Ela conta: “um, dois, três, quatro, cinco” em português e faz o mesmo em holandês. “Para ela, contar é sempre em duas línguas”, sorri a mãe. “Acho que é uma sorte para elas poderem crescer com duas línguas. Dá-lhes uma perspectiva das coisas muito mais abrangente. Elas são crianças que crescem no mundo. ” As aventuras do dia, como foi a escola, são contadas em português. As emoções são em português. Luena ouve buzinas na estrada e diz: “É música. ”Frederico Lourenço conta a sua história nessa perspectiva de pertença. “Em Inglaterra, os meus pais falavam entre si em português e a nossa mãe falava connosco em português, mas tanto eu como a minha irmã respondíamos em inglês. O nosso pai começou cedo a falar connosco em inglês, para aprimorar o nosso vocabulário e pronúncia — ele tinha um jeito incrível para línguas. O português estava presente nas nossas vidas, mas tanto a minha irmã como eu não tínhamos a mínima vontade de o falar. ”A relação com uma língua e outra — e mais tarde com o alemão que também fala e escreve de forma fluente — foi-se construindo com a vida e obedece a fases emocionais, racionais, relacionais. “Escrevi a minha tese de doutoramento em inglês. Como namorei durante 18 anos com um inglês, foi também a língua das emoções durante esse período. Não há uma língua que seja racional e outra emocional. Ambas são ambas as coisas. Neste momento, há uma preferência da minha parte pela escrita em português, mas continuo a ler quase exclusivamente em inglês. Leio mais grego e alemão do que português, por exemplo. ” Mas, continua, “só sei contar em inglês. Tabuada e alfabeto só sei em inglês. Os meus sonhos são trilingues: sonho em português, em inglês e em alemão. Mas eu próprio não me posso considerar trilingue, pois embora fale muito bem alemão, o nível não está no mesmo patamar do inglês e do português. Tenho uma grande amiga austríaca e por isso o alemão está muito presente na minha vida actual. Além de que a segunda família do meu pai era também austríaca. O alemão teve desde muito cedo — 12 anos — uma importância fulcral”. Frederico acrescenta um ponto considerado por todos determinante: gostar de falar línguas. E isso é algo que se manifesta cedo e que José Valentim contextualiza desta forma: “O papel da criança na aprendizagem precoce da língua é fundamental. Ela tem de possuir apetência linguística e mostrar permanente curiosidade pela novidade, pelo jogo, por aprender a ‘brincar’, ser organizada e criar mecanismos de autonomia, que acaba por enriquecer nas mais diversas vertentes da sua formação. Ultrapassada essa barreira inicial, aquilo que a priori poderia ser um handicap torna-se um reforço e um processo de evolução gradual de múltiplos estímulos que conduzem ao sucesso”, sublinha. Essas são condições “indispensáveis para que se ultrapassem barreiras, como o facto de o alemão não ser a língua oficial, ser uma língua pouco ouvida no contexto social português e ainda o facto de a criança viver em ambiente estritamente português”. Ana Bayan ensina português a estrangeiros na mesma zona onde está o CSCM, mas numa escola pública, no agrupamento de escolas Nuno Gonçalves, onde está a antiga Escola Secundária D. Luísa de Gusmão, com um população de estudantes que, além de portugueses, tem muitos alunos chineses, eslavos, paquistaneses, nepaleses ou do Bangladesh. A sua função é a de que eles entendam e se façam entender na língua em que estudam. Se conseguir que sejam bilingues, é fantástico, mas sabe que para muitos talvez seja tarde. “Seja pela cultura ou idade, mas sobretudo por causa da predisposição social e cultural para ser fluente em português”, além dos meios de que as escolas dispõem para oferecer um ensino à medida das necessidades. “Os nossos alunos estrangeiros, tanto os adolescentes como os adultos, são um grupo muito heterogéneo ao nível da língua mas também dos estímulos e estilos de aprendizagem. Muitos têm alfabetos completamente diferentes. Quem tem uma língua materna muito afastada da portuguesa demora mais tempo a aprender o português, mas nos eslavos essa diferença atenua-se porque há uma apetência académica maior e um maior acompanhamento por parte das famílias. ”O primeiro passo para se ser bem-sucedido nessa aprendizagem é começar pela rotina e pela identificação, sustenta: “Há que ensinar uma língua estrangeira recorrendo a exemplos da realidade dos alunos. Seja através de textos adaptados à idade, seja com o quotidiano. A prioridade deve ser a da linguagem do dia-a-dia, recorrendo a imagens. A imagem é o grande auxiliar. Se isso não for feito de uma forma progressiva tal qual se ensina a matemática, o aluno não chega aos objectivos”. Ana Bayan ensina português a estrangeiros desde 1987. Primeiro na Guiné-Bissau (onde apesar de a língua oficial ser o português são poucos os que o falam ou escrevem), em Espanha e agora em Lisboa. Implementou o ensino do Português como língua não-materna no D. Luísa de Gusmão, “mesmo antes de ter sido instituído como uma disciplina pelo Ministério da Educação”. Em 2012, para responder às necessidade escolares criadas pelo número de imigrantes em Portugal, o Governo promulgou um despacho que estabelecia aulas de 90 minutos três vezes por semana a alunos de nível de iniciação ou intermédio de Português e uma para o nível avançado, de modo a trabalhar o português “enquanto língua veicular de conhecimento para as outras disciplinas do currículo” e para desenvolver competências literárias. Ana Bayan lamenta a falta de meios provocados por cortes orçamentais para que a sua tarefa e a de outras escolas seja bem executada. “Se estes alunos tiverem um bom acompanhamento e elasticidade cognitiva, os resultados escolares serão muito superiores aos de um aluno que só saiba uma língua. ” Aponta exemplos concretos: “Nos alunos asiáticos, isso vê-se sobretudo em áreas onde já são bons, as ciências exactas. Nos alunos que têm um nível académico mais estruturado, como os eslavos, isso manifesta-se de forma mais transversal. ”“Quem aprende línguas estrangeiras terá um cérebro preparado para aprender qualquer outra coisa”, disse recentemente ao PÚBLICO Pasi Sahlberg, conselheiro do Ministério da Educação finlandês — o sistema de educação da Finlândia é apontado como um exemplo para o mundo e é bilingue, finlandês e sueco. No fórum sobre inovação e ensino da língua, que se realizou em Boston, em Março, Paola Ucelli, professora em Harvard, tal como Sahlberg, afirmou que “a proficiência linguística é um factor-chave para a equidade do sistema educativo”. Ao contrário da OCDE que não estabelece comparação entre aquisição de conhecimento e domínio de línguas, a Education First, organizadora da conferência de Boston, publica um índice de proficiência em inglês. Nele, Portugal aparece em 21. º lugar entre 63 países. Para o ano, a avaliação irá reflectir as alterações efectuadas pelo Ministério da Educação e Ciência, com testes a nível internacional que avaliam os conhecimentos no 9. º ano. Falamos do ensino público em Portugal. A experiência de Craig Monaghan no St. Julian’s é distinta. “A maioria dos nossos alunos são portugueses e muita da nossa cultura informal tem raízes em Portugal e não no Reino Unido”, sublinha, antes de dizer que a principal vocação do ensino naquela escola é a internacionalização. O grande desafio apontado por Craig Monaghan é desenvolver a língua académica numa criança. Na escola que dirige, isso pode conseguir-se com o inglês e ou com o português. Não se faz apenas com a aprendizagem de terminologia, mas com o cultivo de um estilo na escrita. “O nosso maior esforço vai no sentido de assegurar que a linguagem académica se reflicta numa prosa analítica e concisa e que isso se conjugue com uma voz própria da criança”, nota, enquanto faz a distinção dos objectivos que advêm de ter inglês como primeira ou segunda língua, opções que a escola oferece. “Na primeira língua estuda-se muito mais literatura. Na segunda, os estudantes tendem a olhar mais de perto para os mecanismos da linguagem. Contudo, no fim do seu percurso no St Julian’s, todos os estudantes aprenderam literatura na sua segunda língua. ”“Nada pode ser visto a partir apenas de uma única perspectiva”, defende Daniela Santos, que desconhecia as conclusões do estudo de Angela de Bruin, uma holandesa professora na universidade de Edimburgo que ficou fascinada pelo universo bilingue e se doutorou com uma tese sobre a influência do bilinguismo no desenvolvimento cognitivo. Concluiu que por vezes o bilinguismo é sobrevalorizado. “Não digo, de modo algum, que não há vantagens em ser bilingue”, declarou à New Yorker, acrescentado, contudo, que essa vantagem pode ser diferente do modo como muitos investigadores a têm tratado: “Como um fenómeno que ajuda as crianças a desenvolver as suas capacidades, a saltar de uma tarefa para outra de forma mais eficaz, que melhora o controlo executivo das suas funções. ” Para Angela de Bruin, essas capacidades resultam de uma única coisa, “da simples aprendizagem”. Pedro e Yang falam das suas filhas individualmente. A abordagem de uma à linguagem é diferente da outra. A primeira palavra de Ari foi em português, a de Juno em coreano. Juno sabia todas as letras do alfabeto aos dois anos, Ari aos três ainda as vai aprendendo. “Uma não é mais inteligente do que a outra, mas são muito diferentes”, refere Pedro, e acrescenta que “Juno constrói gramaticalmente bem as frases, mas com sotaque estrangeiro em coreano. De vez em quando, constrói frases com traduções literais do português para o coreano”. Yang sintetiza: “É como se falasse coreano com a gramática portuguesa. ”Fala-se em aprender. Seja línguas ou matemática ou expressão plástica. É também com base nisso que Frederico Lourenço confessa ter acima de tudo “um preconceito fortíssimo” contra o monolinguismo. “Acho que toda a gente deve falar pelo menos uma outra língua superlativamente bem. Não é ‘arranhar’ um pouco de inglês ou de francês: é fazer um esforço para atingir um patamar elevadíssimo nessa língua. Ter só uma língua é muito pobre. Por outro lado, não vejo vantagem em saber mal e porcamente seis ou sete línguas, como é o caso de muitos auto-intitulados poliglotas. Dominar fantasticamente três línguas é o ideal. Toda a gente devia tentar. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
REFERÊNCIAS:
Entidades OCDE
O PS de Costa é a estrela no PSE, um partido em luta para não ser irrelevante
O primeiro-ministro português ainda não falou, nem precisou disso, para ser o exemplo que serve de base à estratégia dos socialistas europeus. (...)

O PS de Costa é a estrela no PSE, um partido em luta para não ser irrelevante
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.5
DATA: 2018-12-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: O primeiro-ministro português ainda não falou, nem precisou disso, para ser o exemplo que serve de base à estratégia dos socialistas europeus.
TEXTO: Não será por acaso que os socialistas europeus se juntam pela segunda vez consecutiva em Lisboa. Também não será por acaso que Fernando Medina sugeriu que a contabilização da influência socialista na Europa se fizesse em presidentes de câmara, e não em primeiros-ministros - é que o número destes, apenas seis, é o espelho das dificuldades dos socialistas europeus na conquista do eleitorados e a acção de três desses governantes também não orgulha o partido. Nesta reunião dos socialistas europeus percebe-se que o partido tenta definir uma estratégia para combater o populismo, primeiro; os “conservadores”, depois; e, sobretudo, percebe-se que o Partido Socialista Europeu (PSE) luta, antes de tudo, para não se tornar irrelevante, depois das eleições europeias que ameaçam dar uma machadada na bancada parlamentar da Aliança Progressista dos Socialistas & Democratas (S&D). O PSE encolheu nos últimos anos e receia tornar-se ainda menor nas eleições europeias de 26 de Maio de 2016. Uns após outros, responsáveis do partido foram desfilando pelo palco no ISCTE a defender que esta é uma batalha para a qual têm de ter uma nova abordagem - “radical”, defenderam alguns; sem “ambiguidades”, diria mais tarde Augusto Santos Silva. Para portugueses e estrangeiros, o inimigo principal é o “populismo” que nos discursos aparece com vários nomes, como “nacionalismo”, “extrema-direita” ou aqueles que não defendem o Estado de direito. O Governo de Costa é exaltado, Jeremy Corbyn é o esperado, logo ele que é líder dos trabalhistas do primeiro país que à beira de sair da União Europeia. Talvez por isso seja o melhor exemplo para as centenas de delegados de vários países que se reuniram em Lisboa para definir a estratégia para as eleições europeias. Essa, defendeu Corbyn no seu discurso de 25 minutos, tem de mostrar os erros da austeridade que levou muitos a voltarem costas aos socialistas e sociais-democratas, com “danos na sua credibilidade”, e a votarem ao lado de populistas ou em soluções como o "Brexit", “porque estavam zangados”. O diagnóstico está feito e a cura passa por “políticas progressistas” como aquelas que foram levada a cabo em Portugal, que mostraram que “há um caminho melhor”, defendeu o inglês, e por rejeitar a “ortodoxia” económica, leia-se dos novos liberais. Um caminho que tem de ser “para muitos, e não para alguns”, repetiu. O chavão mais usado pelos socialistas europeus é uma palavra que dificilmente pode ser usada em cartazes. Ser “progressista” não entra nos ouvidos dos eleitores, apesar de dizer muito a estes delegados que em Lisboa defenderam a necessidade de “abrir as portas e janelas”, disse Udo Bullmann, membro do SPD alemão, que se bateu por uma política migratória inclusiva e não “antimigrantes”, ou pela necessidade de adoptar políticas amigas do ambiente, políticas equitativas entre homens e mulheres e respeitadoras dos direitos humanos. António Guterres, aliás, foi um dos portugueses mais referidos, ou não se celebrasse na segunda-feira o 70. º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. A proclamação de valores, mais do que de soluções ou de políticas, ocupou o espaço do congresso deste que foi um dos maiores partidos europeus que agora luta para não ir ao fundo. No campo da política, o inimigo número um dos do PSE tem várias caras. “Não é legítimo que os socialistas democráticos sejam ambíguos no que tem de ser a sua luta básica contra populismos, xenofobia e nacionalismos”, defendeu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Mas não é qualquer populismo ou autoritarismo. São todos. “Não podemos ser ambíguos para com regimes autoritários, venham da direita ou esquerda, sejam da Europa, América Latina, África ou asiáticos. Nós somos socialistas, por isso somos pelas democracias liberais. Temos de lutar contra toda a forma de regimes autoritários”, defendeu o governante numa curta intervenção durante a tarde. Esta luta será, na opinião de Carlos Zorrinho, uma luta de dois combates. “Vão ser travados dois combates fundamentais que não se confundem. O primeiro combate é o da sobrevivência do projecto europeu e dos seus valores, é vencer os anti-europeus. E o segundo combate é mostrar que, dentro dos que defendem a Europa, há uma alternativa”. “Temos de vencer os anti-europeus, consolidar a maioria pró-europeia” e isso será feito se os socialistas conseguirem captar o “voto útil”. “Não haverá voto mais útil do que aqueles votos que forem canalizados para os socialistas e sociais-democratas, e para o PS em Portugal. É o voto útil que serve para salvar o projecto europeu de radicalismos”, disse Zorrinho. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pela mesma bitola alinhou o secretário-geral do PSE, o alemão Achim Post, que defendeu que as eleições de Maio do próximo ano serão uma “escolha entre conservadores e socialistas”. Esta sexta-feira foi o primeiro dia da reunião dos socialistas, que consagrou o holandês Frans Timmermans como o candidato do PSE à Comissão Europeia, uma escolha feita antes da chegada à reunião em Lisboa. Este sábado será a vez de subirem ao palco três primeiros-ministros socialistas, António Costa, o espanhol Pedro Sanchéz e Joseph Muscat, de Malta.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
Somos todos fascistas?
Choremos pelo Brasil sem perder a razão. E olhemos para o mundo da mesma maneira. (...)

Somos todos fascistas?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Choremos pelo Brasil sem perder a razão. E olhemos para o mundo da mesma maneira.
TEXTO: 1. No meio da troca violenta de argumentos sobre o Brasil, começo a interrogar-me se não serei, também eu, uma perigosa fascista. A confusão dos conceitos, as rotulagens primárias e a intolerância para os que pensam mesmo que apenas ligeiramente diferente tomou conta do debate nacional. Não apelar ao voto em Haddad tornou-se quase um crime. Fernando Henrique Cardoso foi acusado de o praticar, apenas porque resolveu não apelar ao voto no candidato do PT. Ele que combateu a ditadura, viveu no exílio e, em primeiro lugar, foi o principal obreiro da consolidação democrática do Brasil. Ele que, apesar disso, foi eleito pelo PT como o seu principal inimigo. Ele que, sendo toda a vida de centro-esquerda (por alguma razão o partido que ajudou a fundar se chama social-democrata no sentido europeu do termo), passou a ser classificado em Portugal (por puro mimetismo) de direita. Ele que ainda hoje revela uma enorme lucidez quando analisa a situação internacional. Ele que percebeu muito melhor do que nós, do lado de cá, a revolta contra o PT que mobilizou tanta gente. E também há, como bem sabemos, uma parte do PT que ainda comunga de uma velha tradição da esquerda latino-americana (que não inclui Lula), para a qual a democracia praticada por um partido de esquerda tem “liberdades” que outros partidos não têm, pela simples razão de que governa em nome do povo. Muita gente lembrou a decisão de Álvaro Cunhal, na segunda volta das eleições presidenciais de 1986, quando mandou votar em Mário Soares mesmo que de olhos fechados. Ninguém acrescentou que o Partido Comunista elegeu o PS como o seu “inimigo principal” (não a direita) de 1974 a 2015. 2. Há hoje, no mundo, um fenómeno muito preocupante que se poderia designar, como vários autores têm referido, por “recessão democrática”. Ou, como outros preferem, uma “contra-vaga”, depois da “terceira vaga da democracia” que nasceu numa bela manhã de Abril em Portugal, varreu as ditaduras do Sul da Europa, atravessou o Atlântico, derrubando ditaduras mais ou menos sanguinárias, de Videla na Argentina ao Brasil dos generais, passando pelo Chile de Pinochet e por uma série triste de regimes ditatoriais que a Guerra Fria tinha ajudado a perpetuar. A vaga voltou a atravessar o Atlântico, inundando a metade Leste da Europa, no continente que foi a linha da frente do confronto da Guerra Fria, derrubando o Muro e fazendo implodir uma das duas superpotências mundiais. Houve ainda as revoluções “coloridas”, da “cor de laranja” na Ucrânia, que durou pouco, à revolução “verde” do Líbano que durou ainda menos e, finalmente, a última vaga que parecia ter chegado à região do globo onde a democracia esteve persistentemente ausente: o grande Médio Oriente. A Primavera Árabe fracassou. O 11 de Setembro pôs simbolicamente fim à euforia democrática permitida pela vitória das democracias sobre o comunismo. A queda das Torres Gémeas abalou a confiança internacional no modelo económico ocidental, abrindo espaço a soluções “concorrentes” igualmente capazes de abrir as portas ao desenvolvimento. O “consenso de Washington” deslocou-se para Oriente, criando qualquer coisa semelhante a um “consenso de Pequim”, que nunca teve pés para andar, graças à dificuldade da liderança chinesa em ver o mundo como algo mais do que o vasto terreno para o seu desenvolvimento económico e, agora, para a transformação desse poder em influência política em seu proveito, não em proveito de qualquer ideia geral para a humanidade. 3. A contra-vaga encontrou na eleição inesperada de Donald Trump um importante impulso, não fosse ele o Presidente do país mais poderoso do mundo e da sua democracia mais sólida. Está a transformar a Europa num pacífico campo de batalha pela alma da democracia liberal e da integração europeia, empurrou o Reino Unido para o alto-mar por razões difíceis de entender (mesmo que a sua democracia esteja tão sólida como sempre), tirando à Europa um dos seus pilares fundamentais. Atingiu em cheio, de novo, a América Latina, fazendo abanar o gigante do subcontinente, ao eleger uma espécie de “Trump dos trópicos” e criando o risco real de abanar os alicerces de uma democracia que chegou a parecer pujante, deste o seu restabelecimento em 1988. Bolsonaro ganhou legitimamente as eleições. A forma como decorreu o acto eleitoral foi tão ordeira e tão pacífica como sempre (não vale a pena andar com uma lupa à procura de incidentes, num acto eleitoral que mobilizou 140 milhões de pessoas, porque nada se passou de anormal). A sua retórica de campanha chega e basta para o tornar execrável aos olhos de quem se considere um ser humano normal. Defender a tortura, tratar as mulheres como seres inferiores, execrar os homossexuais, defender a violência pura e simples contra a violência, elogiar a ditadura imposta em 1964, são razões suficientes para uma enorme preocupação (e uma grande tristeza) sobre o que pode acontecer no Brasil. Mas há na vida dos países, incluindo nas democracias, momentos em que a humanidade é vencida pelo medo, pela raiva, pelo desespero ou por uma real ou aparente humilhação. Em que a simples palavra “mudança” ganha todo o espaço político e cega qualquer tentativa de racionalidade. Não há no Brasil 57 milhões de fascistas ou, muito menos, de gente desumana. Há no Brasil milhões de pessoas que, depois de um momento de verdadeira esperança, se viram regressadas a um país onde já não querem viver: violento, discriminatório, empobrecido, corrupto. Depois de 13 anos de PT no poder. É este “pequeno pormenor” que, passada a emoção do voto e a tristeza do resultado, não é legítimo ignorar. Como não era antes, para quem tem como obrigação tentar compreender a realidade. Condenar é a coisa mais fácil do mundo. Explicar é a mais exigente. Lutar é o que vem a seguir. Misturar tudo o que se manifesta nesta contra-vaga democrática é o pior dos enganos. Ver no Facebook gente de esquerda manifestar o seu ódio pelos imigrantes brasileiros que se atreveram a votar em Bolsonaro (e foram uma maioria), mandando-os de regresso ao Brasil, devo confessar que me causa arrepios. Mesmo que, mais uma vez, não possamos nem devamos generalizar. 4. Faço parte daqueles maus cidadãos que puseram a cruz no símbolo do PS nas eleições legislativas de 2009. Não lutei suficientemente pela democracia e pela liberdade como alguns dos meus colegas mais corajosos e mais clarividentes. Num país a sério, Sócrates deveria ter tido uma expressão eleitoral reduzida a um dígito. Como Bolsonaro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O problema é que, cá como no Brasil, as coisas nunca são a preto e branco. Sócrates terá feito coisas inadmissíveis e outras bem feitas. O cômputo final pode até cair para o lado das primeiras. Mas justiceiros impolutos são algo que as democracias dispensam. Donos da verdade também. E há uma outra versão sobre os clarividentes que denunciaram Sócrates quando nós, pecadores, púnhamos a cruzinha no PS, que é a seguinte: depois de Sócrates, o seu combate contra as “tentativas” do PS de minar a democracia continua. Não haverá aqui coincidência a mais?5. Choremos pelo Brasil sem perder a razão. Olhemos para o mundo da mesma maneira. Nestes tempos de profunda inquietação, deparamo-nos demasiadas vezes com a dificuldade em utilizar os conceitos políticos que conhecemos. Populismo, nacionalismo, fascismo, extremismo, extrema-direita, direita radical, direita liberal, direita conservadora, esquerda moderada, esquerda radical, comunismo. Todos os dias me debato com a escolha das palavras. Mesmo assim há coisas que sabemos. Como escreveu o colunista do Financial Times Janan Ganesh, “O problema é um excesso de certeza intelectual. A base da democracia – da civilização – é a dúvida”. O seu artigo de opinião chama-se “A política dos absolutos está a alimentar a violência ideológica”. Ou, como disse agora o maravilhoso Caetano, “ele [Bolsonaro] trouxe complexidade”.
REFERÊNCIAS:
Sexo, mentiras e espionagem
Como o FBI transformou um professor num espião. (...)

Sexo, mentiras e espionagem
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Como o FBI transformou um professor num espião.
TEXTO: Dajin Peng estava a fazer uma pesquisa na Internet sobre a melhor forma de se suicidar quando Dianne Mercurio lhe bateu à porta. A agente do FBI tinha outros planos para ele. Mercurio sabia que Peng estava em apuros com a Universidade do Sul da Florida (USF), onde ensinava Comércio Internacional e dirigia o Instituto Confúcio, um programa cultural fundado pelo Governo chinês. A USF tinha-o suspendido por alegada má gestão. Enquanto passeavam à volta do apartamento, Mercurio pediu a Peng, cidadão americano nascido na China, que prestasse um serviço ao seu país de adopção. O encontro, em Abril de 2009, foi o início do recrutamento de Peng. Pouco depois, Mercurio pressionava-o para espiar a sua terra natal e a comunidade chinesa de Tampa [na Florida]. Ele aceitou, mas com relutância, diria depois nas entrevistas. Em troca, seria protegido da acusação feita pela universidade de que tinha forjado despesas de milhares de dólares, falsificado cartas para ajudar académicos chineses a conseguir vistos dos EUA e guardado imagens de teor sexual sado-masoquista num computador da USF. Acusações que Peng negou. “Lembre-se de que eu estou a ajudá-lo a não ir parar à cadeia”, escreveu-lhe Mercurio em Julho de 2010. “E a liberdade não tem preço. ”Ninguém conhecia melhor o preço da liberdade do que Peng, que mais uma vez se viu arrastado nas poderosas correntes da política e da espionagem, décadas depois de a sua infância ter sido estilhaçada pelos informadores de Mao. A sua história — da China para a Universidade de Princeton, dali para Tampa — mostra o quanto o Governo americano tem estado preocupado com o crescente envolvimento chinês nas instituições de ensino superior nos Estados Unidos, especialmente através das actividades dos institutos Confúcio. E também reflecte o aumento de outra influência indesejável nas universidades americanas — o das agências de informação, que pretendem assim controlar um número cada vez maior de alunos e professores estrangeiros. “Há uma tensão real entre o que o FBI e a CIA querem fazer e a nossa abertura internacional, válida e necessária”, afirmou o presidente da Rice University, David Leebron, membro do Conselho Nacional de Segurança para o Ensino Superior, um organismo criado em 2005 para permitir o diálogo entre as agências de serviços secretos e os responsáveis académicos. “Mas não queremos acordar um dia e descobrir que há pessoas nas faculdades a roubar segredos comerciais ou pondo o nosso país em perigo”, observou, sem se referir especificamente ao caso de Peng. “Podemos ser uns tipos um bocado desconfiados, mas temos de encontrar um entendimento. ”Há uma tensão real entre o que o FBI e a CIA querem fazer e a nossa abertura internacional, válida e necessáriaFluente em chinês e japonês, Peng, de 47 anos, diz ter ligações aos mais altos serviços de informação da China. Viaja frequentemente para a sua terra natal, onde desempenha vários cargos de ensino. Detectando o seu valor para os serviços de espionagem, Mercurio chegou a alarmar a direcção da USF ao sugerir que a universidade deveria considerar abrir um pólo na China, que seria usado como base para a espionagem de Peng para o FBI, adiantou o próprio. Dez universidades americanas criaram já sucursais na China, apesar dos receios de alguns professores de os debates políticos serem ali controlados. Entretanto, o número de estudantes chineses nas faculdades americanas aumentou: são cerca de 275 mil alunos, sete vezes mais do que há duas décadas. Os dados oficiais mostram que em 2010 trabalhavam nas universidades americanas 150 mil cientistas, cientistas sociais e engenheiros de naturalidade chinesa, 47% mais do que em 2003. “Obviamente que temos um grande número de professores e alunos estrangeiros que vêm para o nosso país com alguma informação que lhes pode ser cuidadosamente arrancada”, comentou Steven Ibison, um agente especial que estava encarregado da delegação de Tampa durante o período em que Peng foi assediado. “Não seria inédito se alguns destes tipos andassem a recolher informações sobre nós. ”Ibison diz que não se lembra do caso de Peng. Mercurio recusou-se a comentar, tal como o porta-voz do gabinete de Tampa e as delegações nacionais. A Universidade do Sul da Florida afirma ter agido correctamente em relação a este caso e nega ter sido influenciada pelo FBI. Peng, professor associado, está actualmente na sua segunda suspensão da USF. Durante dez horas de entrevistas, acusou o FBI de ter destruído a sua carreira. Diz que a agência instigou funcionários insatisfeitos do Instituto Confúcio a lançar as suspeitas sobre ele e obrigou-o a espiar para manter o emprego. “O FBI esteve envolvido mas toda a gente finge que não”, afirma. Não foi fácil marcar um encontro com ele. “Como estou suspenso, não posso usar o meu gabinete”, disse por email. “Não acho que seja boa ideia encontrarmo-nos no meu apartamento porque temo que esteja sob escuta. E por isso também não é boa ideia fazermos uma reserva num restaurante. ”Em vez disso, sugeriu um encontro num parque de estacionamento de uma drogaria. Uma vez ali, saiu do seu Toyota Sienna para o carro alugado do jornalista. Foi dando as indicações para o restaurante chinês de uns amigos, onde foi conduzido para uma sala nos fundos, de porta fechada. A empregada tinha de bater de cada vez que entrava. Os olhos estavam vermelhos e inchados, talvez do stress ou do jet lag. Acabara de chegar de Pequim, com passagem pelo Dubai e Cidade do Cabo, depois de umas férias com o seu pai viúvo, de 89 anos. Divorciado, com dois filhos em universidades de elite americanas, Peng despejou a sua história num inglês fluente, apesar de ocasionalmente confundir “dela” com “dele”. Dez dias depois de nascer, em 1958, a mãe viu-se obrigada a salvar o emprego de administrativa num liceu divorciando-se do seu pai, que tinha sido enviado para um campo de trabalho por ter criticado o Governo. O bebé recebeu o apelido materno, Peng, e como primeiro nome Dajin, que significa “Grande salto em frente”, uma homenagem politicamente correcta ao desastroso programa de industrialização que Mao Tsetung tinha introduzido nesse ano. Quando o pai foi libertado do campo, Peng e a mãe iam visitá-lo, por vezes em segredo, mesmo depois de as autoridades a terem repreendido por isso. Em 1978, Deng Xiaoping liberalizou a China e os pais voltaram a casar. Acabaram por se juntar a Peng nos Estados Unidos. A mãe morreu em 2004. O pai, que se tornou cidadão americano, seria morto em Dezembro passado, quando um carro o atropelou perto do campus da USF. Na sua elegia fúnebre, Peng afirmou que o pai lhe tinha passado o gosto pela política internacional — e a capacidade de aguentar a pressão. Obviamente que temos um grande número de professores e alunos estrangeiros que vêm para o nosso país com alguma informação que lhes pode ser cuidadosamente arrancadaPeng licenciou-se na Universidade de Wuhan e juntou-se ao que um amigo da faculdade chamou “universidade de espionagem chinesa”, o Instituto de Relações Internacionais em Pequim. A escola é gerida pelo Ministério da Segurança do Estado e treina muitos agentes secretos, segundo a Stratfor, empresa de consultoria de segurança nacional americana. Peng escolheu o instituto pela sua qualidade académica e não se tornou espião, adiantou. O vice-director do programa Investigação Americana, o departamento a que Peng pertencia no instituto de Pequim, era Geng Huichang, que agora é o ministro chinês da Segurança do Estado. Peng trabalhou durante um curto período para um instituto de investigação gerido por aquele ministério e depois partiu para os Estados Unidos, onde tirou outro mestrado na Universidade de Akron e um doutoramento na Woodrow Wilson School of Public and International Affairs, em Princeton. O FBI controlava os alunos saídos do Instituto de Relações Internacionais e interpelou Peng em Akron. Em Princeton, Peng conheceu Nicholas Abaid, do gabinete do FBI em Trenton. Através de contactos em Princeton, eram identificados os estudantes que se poderiam tornar informadores prestáveis e estabeleciam-se relações com eles, adianta Abaid. Os dois almoçavam várias vezes juntos e falavam sempre que Peng estava prestes a ir à China. Mais tarde, Mercurio ligaria a Abaid para lhe fazer perguntas sobre Peng. Ela “estava a entrar no campo chinês”, afirmou o agente, agora reformado. E adiantou que foram poucas as informações que extraiu de Peng. Quando Abaid lhe pediu que se mantivesse em contacto com o FBI em Tampa, Peng recusou delicadamente, esperando com isso não voltar a ver os agentes de informação, afirmou. Trocara Princeton por uma promissora escola estatal com palmeiras em vez de hera. Fundada em 1956, a USF tem 48. 400 alunos espalhados por três pólos, 3300 dos quais são estrangeiros. Orgulha-se da investigação e do empreendedorismo e esteve entre as 15 universidades com mais patentes atribuídas pelos EUA entre 2010 e 2013. É também um dos 20 estabelecimentos de ensino reconhecidos pelo Governo como Intelligence Community Centers of Academic Excellence [centros de serviços de informação criados com algumas universidades]. A USF recebeu 1, 5 milhões de dólares para treinar alunos em serviços de informações nacionais e colocar 40 estagiários com habilitações em segurança no Departamento de Estado e na Defense Intelligence Agency, adianta Walter Andrusyzyn, que dirige o programa da universidade. A USF fez uma “transição saudável de uma universidade que era antimilitarista, anti-serviços de informação, para uma que deseja parcerias”, acrescenta Andrusyzyn, que trabalhou para o Departamento de Estado e fez parte do Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca. Mas Dianne Mercurio pôs à prova essa parceria. Mercurio cresceu em Mauldin, no Sul da Califórnia, onde, durante o liceu, fazia parte das equipas de corta-mato, basquetebol e atletismo, vencendo um campeonato estadual dos 800 metros. Tirou o curso de Psicologia na Universidade da Carolina do Norte, licenciando-se em 1990. Delmer Howell, o professor de Atletismo do liceu, diz que não ficou surpreendido quando ela se tornou agente do FBI. “Tem o tipo de inteligência e perseverança que eles procuram”, declarou. Enquanto Mercurio construía a sua carreira no FBI, Peng tornava-se cidadão americano e ganhava terreno na USF. Dava cursos sobre comércio japonês, relações sino-americanas, e outros tópicos, e ganhou um prémio de mérito como professor. Engordava o seu salário da USF com aulas a estudantes de Gestão na China, tendo começado na Universidade de Nankai, em 2005. Impressionava os alunos dos dois Estados a referir a população de qualquer país que eles nomeassem. Através das suas ligações na China, Peng ajudou a USF a estabelecer o primeiro Instituto Confúcio na Florida, com Nankai como parceira. Os cerca de 450 institutos Confúcio espalhados pelo mundo (nos EUA, são mais de 90) são geridos pela Hanban, afiliada do Ministério chinês da Educação, e cada um tem uma escola parceira na China. 450 institutos Confúcio em todo o mundo são geridos pela Hanban, afiliada do Ministério chinês da Educação. Nos EUA, são mais de 90Um instrumento de soft power — tal como o então Presidente Hu Jintao os descreveu num discurso em 2007 —, os institutos, baptizados com o nome do venerado filósofo, tornaram-se também bodes expiatórios académicos. Em Junho, a Associação Americana de Professores Universitários apelou às faculdades que se descartassem dos institutos, a não ser que a Hanban lhes desse controlo sobre todas as questões académicas. O sindicato sustentava que as escolas anfitriãs permitiam aos institutos “aplicar uma agenda estatal” recrutando e controlando o pessoal, escolhendo os currículos e restringindo o debate. Mais tarde, as universidades de Chicago e do estado da Pensilvânia acabaram com os seus centros Confúcio. Os responsáveis da Hanban nos EUA e na China não responderam às perguntas enviadas por email. Como director na USF, Peng coreografou as cerimónias de abertura do Instituto em 2008, com a participação do cônsul geral chinês de Houston e com um jantar iluminado por lanternas, um espectáculo de magia e uma volta de barco pela baía de Tampa. Peng montou os cursos do instituto e abriu um centro cultural. Até que, em 2009, a sua carreira se desmoronou e o FBI voltou a entrar na sua vida, não necessariamente por esta ordem. Em Março desse ano, Xiaonong Zhang, que era então directora associada do instituto, queixou-se à universidade que Peng estava a exercer uma gestão danosa, a requisitar ajuda dos funcionários para assuntos pessoais e a fazer abordagens inapropriadas e comentários com teor sexual à professora convidada de Nankai, Baojing Sang, e outras mulheres. Shuhua Liu Kriesel, antiga funcionária do instituto, apareceu acusando Peng de “se inclinar para ela e colocar-lhe o braço à volta enquanto ela trabalhava” e de lhe pedir para lhe comprar roupa, lavar a loiça e preparar-lhe refeições, de acordo com relatórios da USF com a descrição das queixas. Tal como Zhang, referia as suas preocupações pelo comportamento de Peng face a Sang. Peng diz que tratava bem os empregados e que Kriesel, que demitira recentemente, e Zhang tinham ressentimentos em relação a ele. Peng e Zhang tinham trocado emails afectuosos entre 2007 e 2008, onde se referiam um ao outro como Grande Elefante do Mar e Pequeno Elefante do Mar. Depois afastaram-se, comentaram ambos. A partir da China, Baojing Sang afirma que Peng foi um supervisor cuidadoso e que não a incomodou. Afirmou desconhecer que Zhang e Kriesel a tivessem referido nas suas queixas. Peng recebeu uma licença do instituto, remunerada, enquanto a investigação decorria. As alegações foram “na verdade uma cilada do FBI” para “me convencer a espiar para eles”, escreveu em 2012 numa queixa em que acusava a universidade de discriminação racial. A USF recusou-a. O vice-reitor, Dwayne Smith, afirmou que o seu gabinete não tinha “qualquer indício de que o FBI tenha estado em contacto com as duas funcionárias que apresentaram as suas preocupações sobre a conduta do dr. Peng”. Zhang e Kriesel dizem não ter tido qualquer contacto com o FBI. Mas os registos telefónicos obtidos através de um pedido público indicam que Mercurio esteve em contacto com alguém na USF antes das queixas apresentadas por Zhang e Kriesel. Mostram 12 telefonemas do telemóvel de Mercurio para um ou mais números da USF entre Janeiro e Fevereiro de 2009. A universidade não divulgou os números, alegando uma isenção prevista pela lei dos registos públicos da Florida para proteger tudo o que possa identificar um informador confidencial. No seu primeiro encontro, Mercurio disse a Peng que suspeitava de que os institutos Confúcio faziam espionagem, afirmou ele. Em 2009, o FBI estava a analisar essa possibilidade, a nível nacional, mas decidiu que faltavam provas para executar uma investigação abrangente, de acordo com um antigo responsável federal que não quis ser identificado porque o inquérito nunca se tornou público. Peng disse à agente que ela estava enganada. A China nunca usaria os institutos Confúcio para fazer espionagem, com receio de que os EUA descobrissem e os encerrassem, declarou. Mercurio criou uma conta de email — snowbox35@yahoo. com — para onde Peng a poderia contactar, referiu o professor. O endereço não a identifica, mas os emails vinham assinados por “Dianne”. Pediu a Peng que voltasse a contactar antigos colegas de escola e colegas dos institutos geridos pelos serviços de segurança chineses para recolher informações sobre as estratégias de política externa da China, ainda segundo o professor. Também queria saber coisas sobre os seus amigos chineses que trabalhavam nos EUA, Hong Kong e Macau. Fotografias sado-maso e mulheres nuas são uma parte importante da cultura japonesa, e não compreendemos totalmente a cultura japonesa sem issoEstes pedidos eram potencialmente perigosos e não apenas para Peng. Pedir a uma faculdade que faça trabalho clandestino põe em risco o acesso à investigação e a segurança pessoal de todos os académicos, comenta James Millward, professor e especialista em História da China da School of Foreign Service da Georgetown University. Peng recusou-se a ajudar Mercurio, afirmando que preferia esperar pelo veredicto da universidade — o primeiro de uma série de gestos para ganhar tempo. A sua relutância para espiar a China era, pelo menos em parte, prática. “Preferia apodrecer numa cadeia americana do que numa cadeia chinesa”, disse uma vez ao seu mentor na USF, Harvey Nelsen, antigo analista da China na Defense Intelligence Agency. A USF acabou por encerrar a investigação sobre o assédio sexual depois de Zhang e Kiesel terem optado por não prosseguir com as queixas. “Estava cansada de contar aqueles factos desagradáveis vezes sem conta”, comentou Zhang. Mas a escola continuou a observar Peng e o que descobriu pôs em risco o seu emprego e a sua liberdade. Em Agosto de 2009, enquanto analisava o seu computador da universidade, uma auditoria da USF encontrou “uma enorme pasta com material sexual com conteúdo perturbador”, adiantou a escola. O reitor da USF, Ralph Wilcox, demitiu Peng de director do Instituto Confúcio. O material, que incluía imagens sádicas de mulheres, estava relacionado com a sua investigação académica, defendeu-se Peng. “Fotografias sado-maso e mulheres nuas são uma parte importante da cultura japonesa, e não compreendemos totalmente a cultura japonesa sem isso. ”A auditoria da universidade foi espreitar também os gastos de Peng. Tinha desviado 15. 590 dólares para despesas com entretenimento e viagens, fingindo sobretudo que se destinavam a investigação ou participações em conferências, quando na verdade estava de férias ou a leccionar nas universidades chinesas, concluíram. Disseram também que Peng escreveu cartas de apoio a candidaturas de imigração de estudantes e professores chineses indicando que seriam pagos pela USF, aumentando assim as suas hipóteses de aprovação dos vistos. Peng foi realmente às conferências, e as somas que prometeu aos estudantes sofreram alterações, afirma. “De certa forma, posso dizer que não conheço bem os procedimentos da universidade e que não distingo muito bem as contas privadas das universitárias”, escreveu numa resposta ao Relatório de Auditoria e Regulamentação. “No entanto, faço-o sobretudo a favor da universidade. ”O próprio departamento de Peng bloqueou os seus programas de licenciatura durante três anos por ter dado as respostas de exames anteriores a dois alunos chineses que estavam prestes a ser avaliados. Peng argumentou que não havia regras que o impedissem de o fazer e que isso era comum na China. Entretanto, o FBI parecia seguir a par e passo a investigação dos auditores. Mercurio ligou três vezes para o gabinete de auditoria a 20 de Outubro de 2009, inclusive para o telefone de Kate Head, que conduzia a pesquisa ao Instituto Confúcio. A 10 de Novembro, foi enviado a Peng um esboço do relatório. Dois dias depois, houve duas chamadas feitas do telefone de Head para Mercurio. Head recusou-se a prestar declarações. Mercurio e outro agente do FBI levaram Peng a almoçar no dia 17 de Novembro e discutiram com ele o relatório de auditoria, como mostra um email. No dia seguinte, Peng recorreu a Mercurio. “Se o relatório final for muito mau e eu for duramente castigado, estarei numa posição demasiado frágil para a ajudar porque certamente irei perder a minha reputação na China”, escreveu Peng para o email snowbox. “Se me puder ajudar, e o meu estatuto e reputação ficarem intactos, prometo fazer muito por si. ”“Provavelmente, não há muito que eu possa fazer”, respondeu a agente. “Mas deixe-me verificar a sua situação e se puder ajudo-o. ”De acordo com Peng, Mercurio sugeriu-lhe que considerasse um ofício fora da academia, gerindo uma empresa de fachada que o FBI criaria. Peng afirmou que a tentou convencer de que isso não funcionaria porque ele precisaria de estar ligado à USF e ao Instituto Confúcio para fazer o que o FBI queria que ele fizesse — aproximar-se dos membros do Governo chinês. Para a agência, os institutos eram “um óptimo disfarce”, insistiu. A polícia da USF ligou para o escritório de Mercurio duas vezes a 17 de Dezembro de 2009; uma das conversas durou mais de 14 minutos. O relatório final da Auditoria e Regulamentação veio a 28 de Janeiro de 2010. Os auditores denunciam à polícia da universidade o alegado roubo de Peng de fundos públicos e a fraude dos vistos. Mercurio conversa com a polícia da universidade durante 12 minutos nesse dia, de acordo com registos telefónicos. “Percebi que ela pediu à polícia da USF que não fizesse nada com aquele caso até ela avaliar a situação”, escreveu o advogado criminal Stephen Romine a Peng a 17 de Fevereiro, depois de ter conversado com Mercurio. Os responsáveis da universidade ficaram surpreendidos com o relatório. O presidente, Judy Genshaft, o conselheiro Steven Prevaux e o reitor Wilcox “queriam pô-lo na cadeia pelo que vem no relatório”, disse-lhe mais tarde por email o seu advogado civil, Steven Wenzel, antigo conselheiro da USF. No início de Março, Mercurio encontrou-se com Peng e Romine, como se pode constatar por emails. Concordaram que ele colaboraria com o FBI em “questões de segurança nacional” e que Mercurio o defenderia na universidade, adianta Peng. Percebi que ela pediu à polícia da USF que não fizesse nada com aquele caso até ela avaliar a situaçãoPeriodicamente, Wenzel dava-lhe conta dos progressos com “os nossos amigos”, o eufemismo do advogado para o FBI. Depois de um grupo da USF se ter reunido para rever o caso de Peng, Wenzel disse-lhe: “Os nossos amigos e eu estamos a trabalhar para parar com isto, mas está a levar mais tempo do que eu estava à espera. ”Mercurio é “a única que consegue que a USF ceda”, escreveu Wenzel a Peng em Agosto de 2010. “Estamos dependentes dela. ”Enquanto Mercurio negociava com a escola, fazia Peng relatar-lhe as suas viagens à China e pressionava-o para que lhe desse informações sobre a comunidade chinesa de Tampa. Procurou os seus conselhos sobre a melhor forma de induzir outros sino-americanos, incluindo professores e empresários, a colaborar com a agência, disse ele. De vez em quando, encontravam-se, por vezes com outros agentes do FBI, suficientemente longe da USF para que ninguém reconhecesse Peng, normalmente num jardim de oliveiras ou num hotel do aeroporto. Talvez para lhe alimentar o ego, Mercurio disse-lhe que as suas informações iam directas para o Presidente Barack Obama, conta Peng. Dava as suas opiniões sobre a política chinesa em relação a Taiwan e outros tópicos gerais, mas afirmou que evitava ao máximo dar nomes e detalhes. Apesar de ter recusado ao FBI participar num teste com detector de mentiras, aceitou vários milhares de dólares para viagens à China, admitiu. “Estou disposto a servir o meu país utilizando as minhas capacidades especiais e os meus recursos. Mas tenho de ser tratado de forma honrada e justa”, escreveu num email a Mercurio a 11 de Agosto de 2010. Dizia-lhe que lhe era “impossível fazer mais concessões. Mesmo que você e a USF me torçam o braço e me obriguem a um compromisso mais injusto, a longo prazo isso irá prejudicar o nosso objectivo comum. Por favor, não deixe que a USF continue a destratar-me”. Mercurio desvalorizou-o. “A sua ajuda ao meu gabinete nesta altura não é considerada substancial, apenas mínima”, escreveu. “Por isso, perceba que até aqui coloquei a minha cabeça em risco por si, sabendo que uma ajuda substancial poderá nunca acontecer. Um obrigado, em vez de uma lista de exigências, seria bom, para variar. ”A 24 de Agosto de 2010, Peng e a universidade chegaram a acordo sobre as alegações contra ele. Seria multado em 10 mil dólares e suspenso entre Dezembro de 2010 e Dezembro de 2011, sem remuneração, mantendo o cargo, que a escola ameaçara destituir. Quando questionado se o FBI ajudou a salvar o emprego de Peng, Wenzel respondeu: “É praticamente isso. ”Peng disse que os agentes do FBI lhe disseram que conseguiriam influenciar a universidade a seu favor porque a escola estava agradecida pelo trabalho da agência no caso da acusação contra o professor da USF Sami Al-Arian, em 2003. Mais tarde, dar-se-ia como culpado de conspirar para fundar um grupo terrorista palestiniano. A USF tinha anulado um acordo para pagar quase um milhão de dólares por Al-Arian, talvez por estar à espera da acusação, afirmou o seu advogado na altura, Robert McKee. O FBI não teve qualquer intervenção no castigo de Peng, garantiu a porta-voz da universidade, Lara Wade-Martinez. A USF disse sempre ao FBI que “tomaria as suas próprias decisões” em relação a Peng, cuja punição foi apropriada e consistente com casos anteriores, adiantou numa declaração. Genshaft e Wilcox recusaram-se a comentar. Peng não foi acusado criminalmente, apesar de o detective policial da universidade Jeff Collins ter dito numa entrevista que havia provas suficientes para que fosse. A polícia da escola não prosseguiu com as acusações porque Peng tinha chegado a acordo com a universidade, disse Wade-Martinez. O departamento de Imigração dos EUA encerrou a investigação às alegadas falsificações de documentos para os vistos sem qualquer punição, segundo Tamara Spicer, porta-voz da agência em Tampa. Depois do acordo, alguns emails mostram que Mercurio tentou sem sucesso que a universidade facilitasse o acesso de Peng a responsáveis chineses. Mercurio foi com um agente da CIA conversar com Karen Holbrook, para interceder por Peng, adiantou a então vice-presidente da USF. Mercurio ligou oito vezes para o escritório dela entre 15 de Outubro e 1 de Dezembro de 2010. O porta-voz da CIA Ryan Trapani recusou-se a comentar o caso de Peng e disse que a agência “desenvolveu uma relação forte com a academia”. Em 2011, a Universidade de Nankai retirou-se da parceria do Instituto Confúcio, citando emails ameaçadores enviados por anónimos “chineses no estrangeiro” a residir em Tampa. Nos emails afirmava-se que Peng tinha “feito grandes sacrifícios pela mãe pátria”, mas que ainda assim estava a ser perseguido pela USF, por Nankai e pelo FBI. Nankai sustenta que foi o próprio Peng quem os enviou, o que este negou. A USF culpou também Peng e voltou a suspendê-lo, desta vez por dois anos sem vencimento, a começar em Junho de 2013. Enquanto espera que a sua suspensão termine, em Agosto, Peng ganha a vida dando aulas na China. Apesar de o suicídio ter sido uma hipótese quando Mercurio lhe bateu à porta, decidiu seguir os ensinamentos do pai e ser persistente na adversidade. Espera criar um pólo empresarial chinês para as universidades americanas. Desistiu da investigação académica. Com a sua reputação desfeita, também ninguém publicaria o seu trabalho, comentou. Nas aulas, apresenta a sua história como um case study da falta de entendimento entre os EUA e a China. Em resposta à sua segunda suspensão, acusou a USF de retaliação por se ter recusado a espiar a China. Foi “de longe o caso mais exótico que alguma vez tivemos”, afirmou Robert Welker, o negociador do sindicato da faculdade. A USF recusou a sua queixa e um recurso. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O vice-reitor Smith avisara os líderes sindicais de que o Governo tinha provas suficientes para pôr Peng na prisão durante 20 anos, adiantou Welker e Paul Terry, o presidente do sindicato. Como é que ele sabia isso? O comentário de Smith foi “especulativo”, afirmou Wade-Martinez, a porta-voz, porque ele “nunca esteve em contacto com o FBI”. Terry diz que não compreende porque é que a USF não despediu Peng, mas suspeita de que a universidade esteja preocupada que os acordos feitos com o FBI venham a público caso ele seja dispensado. Lembra-se de ter dito a um colega na altura que Peng “deve ter alguma coisa [informação] sobre a universidade”. Com colaboração de Shai Oster em Hong Kong e Jennifer Surane. Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post/ Bloomberg News
REFERÊNCIAS: