ONU pede à França para evitar expulsar ciganos
As autoridades francesas garantem que têm respeitado “escrupulosamente” as leis internacionais, mas o comité para a eliminação da discriminação racial da ONU apelou à França para “evitar” a expulsão de ciganos para a Roménia e manifestou preocupação com o “discurso político discriminatório” no país. (...)

ONU pede à França para evitar expulsar ciganos
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-08-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: As autoridades francesas garantem que têm respeitado “escrupulosamente” as leis internacionais, mas o comité para a eliminação da discriminação racial da ONU apelou à França para “evitar” a expulsão de ciganos para a Roménia e manifestou preocupação com o “discurso político discriminatório” no país.
TEXTO: Desde o início do ano a França já repatriou para a Roménia mais de 8000 ciganos e ainda esta quinta-feira voaram para Bucareste cerca de 300. A França garante que todos os ciganos têm consentido o repatriamento e recebido 300 euros para deixar o país, mais 100 por cada criança. Mas o comité da ONU denunciou que as recentes expulsões foram feitas “sem consentimento livre e esclarecido” e pediu às autoridades francesas que “evitem particularmente os repatriamentos colectivos”. As críticas da ONU juntam-se assim às já feitas pela Comissão Europeia ou o Vaticano. O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner, defendeu a política de Nicolas Sarkozy. “O Presidente da República nunca estigmatizou uma minoria em função da sua origem. E nunca aceitaremos que uma minoria seja penalizada pelo que é”, adiantou o chefe da diplomacia francesa. O Ministério dos Negócios Estrangeiros já tinha referido num comunicado do porta-voz Bernard Valero que “a França respeita escrupulosamente a legislação europeia e os seus compromissos internacionais em matéria de direitos humanos”. O Governo de Nicolas Sarkozy tinha anunciado o desmantelamento de cerca de 300 acampamentos de ciganos em França e as expulsões intensificaram-se nos últimos dias. Ontem, os 18 membros do comité para a eliminação da discriminação racial da ONU apelaram à França para que procure integrar os membros da maior minoria étnica na União Europeia, que agrega cerca de dez milhões de pessoas. “Compreendemos que um país tem o direito e a responsabilidade de lidar com as questões da segurança e da imigração ilegal, mas na nossa perspectiva isso não deve ser feito de forma colectiva, nem tendo como alvo um grupo inteiro”, adiantou o vice-presidente do comité, Pierre-Richard Prosper, citado pela Reuters. Para a próxima terça-feira está previsto um encontro em Bruxelas entre ministros franceses e vários comissários europeus para debater esta questão. Na quarta-feira, a comissária europeia para as áreas da Justiça e dos Direitos Fundamentais, Viviane Reding, deverá apresentar à Comissão Europeia uma “análise jurídica” sobre as medidas francesas em relação aos ciganos, adiantou a AFP. De acordo com uma sondagem do instituto OpinionWay, publicada na quinta-feira pelo diário Le Figaro (próximo de Sarkozy), 69 por cento dos franceses apoiam o desmantelamento dos acampamentos de ciganos e 65 por cento aprovam as expulsões. Mas uma outra sondagem publicada pelo Le Parisien revela uma percentagem mais baixa, segundo a qual 48 por cento dos franceses aprovam estas medidas do Governo.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Presidência francesa considera “inaceitáveis” críticas de Bruxelas sobre os ciganos
A presidência francesa classificou hoje como “inaceitáveis” as críticas feitas na véspera pela comissária europeia Viviane Reding sobre a situação dos ciganos em França, a qual comparou a expulsão destas pessoas com o drama sofrido pelos judeus na II Guerra Mundial. (...)

Presidência francesa considera “inaceitáveis” críticas de Bruxelas sobre os ciganos
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: A presidência francesa classificou hoje como “inaceitáveis” as críticas feitas na véspera pela comissária europeia Viviane Reding sobre a situação dos ciganos em França, a qual comparou a expulsão destas pessoas com o drama sofrido pelos judeus na II Guerra Mundial.
TEXTO: “Certas observações são simplesmente inaceitáveis”, foi sustentado por fonte do Eliseu, citada mas não identificada pela agência noticiosa francesa AFP. A mesma fonte sublinhou, porém, que “este é o momento para ter um diálogo calmo de forma a tratar a fundo estes assuntos, em vez de embarcar numa polémica estéril”. Viviane Reding, comissária para a Justiça e para os Direitos dos Cidadãos, criticara violentamente a política francesa de desmantelamento dos acampamentos ciganos e expulsão dos membros da etnia para os seus países de origem, nomeadamente a Roménia e Bulgária. “Acho que a Europa não quer voltar a ver este tipo de situação similar à da II Guerra Mundial”, afirmou então. Classificando esta decisão do Eliseu como uma “vergonha” – e especificamente o envio de uma circular pelo Governo francês aos perfeitos assinalando os acampamentos como “alvo prioritário” específico – a comissária ameaçou mesmo processar judicialmente a França por não respeitar a legislação da União Europeia. Já antes, o secretário de Estado francês para os Assuntos Europeus, Pierre Lellouche, se insurgira contra os comentários de Reding, avaliando que Bruxelas “não se pode pôr a censurar os Estados”. “Este tipo de perda de controlo não é conveniente. Creio que a paixão se lhe sobrepôs à razão. E a paciência tem limites, não é assim que se fala com um grande país”, afirmou numa entrevista à RTL. No mesmo tom, o ministro francês da Imigração, Eric Besson, em declarações à Europe 1, considerou que a comissária se “excedeu” na comparação do caso dos ciganos com o dos judeus na II Guerra Mundial. Besson avançou ainda que recebeu uma carta da comissária solicitando explicações sobre a directiva enviada aos perfeitos, à qual o Governo francês “irá responder. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos guerra imigração vergonha
Expulsão de ciganos marca rentrée política de Sarkozy, que enfrenta críticas da Igreja
O Vaticano apelou ao acolhimento "das legítimas diversidades humanas", e o jornal Le Monde tornou-se ontem no palco das opiniões críticas, de esquerda e de direita. (...)

Expulsão de ciganos marca rentrée política de Sarkozy, que enfrenta críticas da Igreja
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-08-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Vaticano apelou ao acolhimento "das legítimas diversidades humanas", e o jornal Le Monde tornou-se ontem no palco das opiniões críticas, de esquerda e de direita.
TEXTO: Nicolas Sarkozy regressa hoje ao trabalho, depois de 20 dias de férias, com uma remodelação governamental prometida, mas o que o espera é uma chuva de críticas vinda da esquerda, de alguns líderes da direita e até da Igreja. O Presidente francês está a ser duramente contestado pelas suas políticas que, em nome da segurança, já levaram à expulsão de mais de 200 ciganos para a Roménia ou a Bulgária. Algumas sondagens indicam que a sua popularidade nunca foi tão baixa. As críticas estão a chegar até do Vaticano: no domingo, o Papa Bento XVI recebeu um grupo de peregrinos franceses e, apesar de não referir explicitamente a expulsão de ciganos em França, apelou ao acolhimento "das legítimas diversidades humanas", naquela que foi considerada uma mensagem do Vaticano às autoridades francesas. E o arcebispo Christophe Dufour, de Aix-de-Provence, no Sul do país, emitiu um comunicado em que diz ter assistido ao desmantelamento de um acampamento de ciganos. "As caravanas foram destruídas. (. . . ) Apelo ao respeito pelas pessoas e a sua dignidade". As críticas não chegam apenas da Igreja. Sarkozy já tinha anunciado no final de Julho que muitos acampamentos de ciganos iriam ser desmantelados e que cerca de 700 seriam repatriados para a Bulgária ou a Roménia. Os repatriamentos começaram na semana passada e durante o fim-de-semana mais de 200 ciganos tiveram de abandonar a França, ainda que as autoridades defendam que não foi violada qualquer lei sobre a liberdade de circulação na União Europeia. Uma mancha na bandeiraAmanhã, Sarkozy irá presidir ao primeiro Conselho de Ministros após as férias, mas a rentrée está já a ser marcada pelas críticas que chegam dos vários quadrantes políticos, da oposição socialista à direita mais próxima do Governo. O antigo primeiro-ministro Dominique Villepin escreveu no Le Monde que a política de segurança de Sarkozy é uma "indignidade nacional" e adiantou: "Há hoje uma mancha de vergonha na nossa bandeira". Villepin teve Sarkozy como ministro do Interior do seu Governo, entre 2005 e 2007, e é ainda membro da União para um Movimento Popular do Presidente francês, apesar de os dois se terem incompatibilizado e de Villepin ter fundado o República Solidária. Também o antigo primeiro-ministro socialista Lionel Jospin defendeu no Le Monde que o objectivo do Governo "não é tanto reduzir a insegurança, mas sim explorá-la". Ao contrário do que tem sido defendido pelas autoridades, sublinhou, não houve um reforço dos meios de luta contra a insegurança, mas até "uma redução, em três anos, de 9000 postos de polícia". A ex-ministra da Justiça de Sarkozy, Rachida Dati, que hoje é eurodeputada, assinou também um artigo no Le Monde em que apela a "reencontrar a unidade perdida nos valores da República". Ela, que é de origem marroquina e filha de imigrantes, considerou que, para os filhos da imigração, "a igualdade é o vector e a finalidade de uma integração de sucesso". Sarkozy tem prometida uma remodelação governamental para o Outono - não se sabe quem sai, mas ontem o Libération especulava sobre a possível saída do próprio primeiro-ministro, François Fillon, que se tem mantido silencioso nesta polémica da política securitária. Popularidade em baixo
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filha lei imigração igualdade vergonha
Gigantes tecnológicos chineses cedem à pressão governamental
Centenas de plataformas online foram encerradas e milhares de jornalistas e artistas a trabalhar nos sites foram despedidos no curso de uma "limpeza" à Internet. A Weibo e a Alibaba estão entre as empresas a colaborar com as autoridades. (...)

Gigantes tecnológicos chineses cedem à pressão governamental
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Centenas de plataformas online foram encerradas e milhares de jornalistas e artistas a trabalhar nos sites foram despedidos no curso de uma "limpeza" à Internet. A Weibo e a Alibaba estão entre as empresas a colaborar com as autoridades.
TEXTO: Na China, a regulação dos media online intensifica-se: vários dos gigantes tecnológicos do país (entre os quais a Alibaba, a Weibo, a Tencent e a Baidu) aceitaram as exigências do Governo para promover as opiniões do Estado na Internet e encerrar centenas de plataformas de vídeo online com conteúdo considerado impróprio pelas autoridades. Segundo o comunicado, emitido na quarta-feira pelo Ministério de Cultura do país, a colaboração com empresas de media e fornecedoras de aplicações móveis já permitiu a identificação e despedimento de mais de dez mil jornalistas e artistas online que estariam a publicar conteúdo considerado impróprio, e o encerramento de cerca de 300 plataformas de partilha de vídeo na Internet. A popularização de plataformas online na China tem servido para alguns cidadãos exporem fraquezas do Partido Comunista através de vídeos. Porém, desde o início do mês que o Governo apertou o controlo da Internet. Na semana passada, a autoridade de regulação dos media chineses – a SAPPRFT – já tinha ordenado o bloqueio da função de streaming (transmissão de vídeos e áudio online) em três das grandes plataformas online a funcionar no país (a rede social Weibo, o site de notícias iFeng, e o site de partilha de vídeos ACFUN) por permitirem a publicação de programas de opinião longos com conteúdo considerado impróprio pelo Governo e não terem licenças adequadas para transmitir conteúdo audiovisual (algo que não tinha sido um problema até então). Na altura, a Weibo – que tem mais de 340 milhões de utilizadores – emitiu um comunicado a dizer que tinha a intenção de “cooperar por inteiro com as autoridades”. Esta quarta-feira, a rede social confirmou que “aceita as criticas adoptadas pelo Governo” e anuncia que os vídeos com mais de 15 minutos serão banidos. A Weibo também se comprometeu a colaborar com os órgãos de media oficias – como a agência de notícias Xinhua – para promover informação considerada útil pelo Governo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há sites que estão a tomar medidas preventivas. No domingo, a aplicação de partilha de vídeos chinesa Bilibili avisou, em comunicado, que no próximo mês passa a ser obrigatório enviar uma prova da identificação (uma fotografia do passaporte ou BI no caso de estrangeiros e emigrantes chineses) para publicar vídeos no site. Deste modo, torna-se mais fácil identificar os utilizadores que publiquem conteúdo considerado impróprio ou ilegal. O objectivo das regulações da SAPPRFT é “trabalhar na criação de um espaço online mais limpo”. Esta limpeza da Internet começou no início de Junho com o encerramento de dezenas de sites e blogues dedicados a celebridades, depois da entrada em vigor de uma nova lei de cibersegurança que aumenta o controlo do Governo na Internet e obriga os fornecedores de media online a terem uma licença aprovada pelas autoridades. As medidas chegam a tempo da 19. ª reunião do Congresso Nacional Popular da China – onde os partidos presentes elegem a liderança do Partido Comunista da China – que terá lugar este Outono.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei cultura social ilegal
Cerca de 5% dos patrões em Portugal são estrangeiros
Chineses e brasileiros são os mais empreendedores entre a população estrangeira, com taxas de realização superiores à dos portugueses. (...)

Cerca de 5% dos patrões em Portugal são estrangeiros
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-05-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Chineses e brasileiros são os mais empreendedores entre a população estrangeira, com taxas de realização superiores à dos portugueses.
TEXTO: Cerca de 5% dos empregadores em Portugal são de nacionalidade estrangeira, quando a população de imigrantes anda nos 3, 7%. No período de dez anos, de 2001 a 2011, o número de patrões não nacionais aumentou cerca de 15%. Entre os que mais mostram iniciativa empresarial estão os chineses e os brasileiros, refere o estudo Empregadores Estrangeiros em Portugal: o que os Censos nos ajudam a compreender, divulgado no mais recente número da revista do Instituto Nacional de Estatística, a Estudos Demográficos. Os dados trabalhados são do Censos de 2011 e o que permitem concluir é que, em termos relativos, o empreendedorismo aumentou mais na população estrangeira do que na nacional, na qual até houve uma diminuição, refere a autora do artigo, Catarina Reis Oliveira, coordenadora do Gabinete de Estudos e Relações Internacionais do Alto Comissariado para as Migrações. A importância relativa dos empregadores estrangeiros no total de empregadores do país aumentou nas últimas décadas, de 1, 4% em 1981 para 4, 2% em 2001 e 5, 2% em 2011, em termos absolutos passou-se de 1811 empregadores estrangeiros (em 1981) para 23. 697 à data do Censos. Mas enquanto que os empregadores estrangeiros aumentaram 15% entre 2001 e 2011, durante esse período os empregadores portugueses diminuíram em 7%. “Os estrangeiros estão em contra-corrente”, refere a autora, para explicar que há factores que ajudam a explicar este fenómeno. Para a diminuição do número de empregadores portugueses contribui a situação económica do país e o consequente encerramento de empresas. Do lado dos estrangeiros este aumento é também resultado de alterações legislativas que vieram promover uma imigração com este perfil, explica a autora. A legislação nesta área mudou em 2007, mas já em 2005 houve mudança de regras: enquanto antes dessa data se davam vistos de trabalho e autorizações de permanência – para poderem tornar-se empresários tinham que passar no país períodos que iam dos três aos cinco anos – depois passaram a ser concedidas autorizações de residência, o que permitia o acesso à criação da própria empresa sem aquele compasso de espera, explica. O estudo define um empregador como “indivíduo que exerce uma actividade independente e que emprega um ou vários trabalhadores”. Entre as comunidades estrangeiras que mais se destacam está claramente a chinesa: “42, 5% da sua população activa são empregadores”. Os chineses apresentam as taxas de empreendedorismo mais elevadas em Portugal – 22, 2% em 1981 e 42% em 2011, por comparação com 12, 1% de empregadores estrangeiros para o total de estrangeiros, situando-se a percentagem de portugueses que são patrões, face à respectiva população activa, em 10, 5%, refere o estudo. E se na década de 1990 os chineses tinham a sua actividade sobretudo concentrada na restauração, proliferaram depois as chamadas “lojas dos trezentos”, assistiu-se mais recentemente a uma diversificação, diz a investigadora. A autora nota que os estrangeiros investem muitas vezes em áreas que os portugueses estão a abandonar, caso das frutarias e das mercearias, dando o exemplo da avenida Almirante Reis, em Lisboa, onde estes estabelecimentos estão na sua maioria nas mãos de asiáticos. “É a imigração que agarra este espaço que vem a ser deixado pelos portugueses”. Catarina Reis Oliveira diz que, à primeira vista, até pode parecer que são negócios familiares que não empregam portugueses mas lembra que, para funcionarem, têm, por exemplo, que contratar um contabilista para lhes organizar as contas, para se formalizarem tiveram que arranjar um advogado e isso conta como criação de emprego. Os chineses representam 30% dos empregadores estrangeiros. A seguir na lista em termos de percentagem surgem os brasileiros que, por serem a comunidade mais numerosa, são na prática quem tem maior número absoluto de patrões: em 2001 eram 7258. Os empregadores brasileiros e chineses juntos representam 44% do total de empregadores estrangeiros no país, que estão sobretudo concentrados nos municípios da área metropolitana de Lisboa e no Algarve: em Lagos representam 21, 8% do total de empregadores do município. Os empregadores chineses estão muito associados à actividades do comércio por grosso e a retalho (82, 4%); nos empregadores brasileiros há maior diversidade de actividades, ainda que com alguma concentração em actividades do alojamento e restauração (21, 3%). E depois de 2011, o que aconteceu a estes imigrantes? Catarina Reis Oliveira está convencida de que esta população de imigrantes não faz parte dos que saíram do país nos últimos anos por causa das crise. “Este perfil de população acredito que tenha estabilidade e que se mantenha no país”. A investigadora ressalva que estes números não incluem ainda os chamados vistos gold, criados em 2012 para atrair investimento estrangeiro, embora se tenha verificado que estão a ser concedidos sobretudo para aquisição de casas, mais do que para a criação de empregos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave imigração concentração comunidade estudo
A nova Europa dividida num contexto internacional de incertezas. E nós?
Jorge Sampaio alerta para a "tendência global" dos movimentos populistas, a propósito também da eleição de Donald Trump. Neste ensaio para o PÚBLICO, o ex-Presidente da República afirma que o "Brexit" constitui um "ponto de não-retorno" e que a própria Europa tem de travar a "corrida para o abismo". (...)

A nova Europa dividida num contexto internacional de incertezas. E nós?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.068
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jorge Sampaio alerta para a "tendência global" dos movimentos populistas, a propósito também da eleição de Donald Trump. Neste ensaio para o PÚBLICO, o ex-Presidente da República afirma que o "Brexit" constitui um "ponto de não-retorno" e que a própria Europa tem de travar a "corrida para o abismo".
TEXTO: Ao optar por me debruçar aqui sobre a “questão europeia”, chamemos-lhe assim, o meu objectivo não é trazer à colação certezas e ideias feitas acerca da Europa, do seu passado e do futuro, mas antes tentar desbravar um caminho de interrogações e perplexidades, que são afinal as de um europeu convicto, que teima em continuar a sê-lo, mas que se confronta com um conjunto de contradições, dilemas e perguntas para as quais as respostas não parecem óbvias nos tempos que correm. Ou seja, e este é o meu ponto de partida, as convicções outrora firmes que me acostumara a assumir como premissas inabaláveis de um europeísmo esclarecido estão hoje, em 2016, algo toldadas pela acumulação de dúvidas nascidas da confrontação com a realidade — o tal reality check, como bem se diz em língua inglesa —, assim como pela acentuada e generalizada erosão da confiança na Europa, no seu funcionamento, na sua capacidade de cuidar dos bens públicos europeus e de responder às expectativas dos cidadãos. Em suma, tentarei fazer nestas páginas um exercício de militantismo europeu, na certeza de que a dinâmica do capitalismo global, tal como se desenvolveu e se afirma no nosso tempo à escala planetária, exige da Europa e dos países europeus a determinação de se constituir como uma alternativa sólida, por um lado, à financeirização da economia e, por outro, ao capitalismo autoritário de “valores asiáticos”, por assim dizer. Se esta alternativa coincide com a União Europeia, tal como a conhecemos hoje, ou se exige uma outra Europa, é uma questão que está em aberto e cujos contornos aqui procurarei, precisamente, delinear. À partida, direi, como posição de princípio, que é na fractura aberta pelas insuficiências da actual Europa que importa trabalhar, mesmo se para tal for necessário quebrar alguns tabus, colocar questões inconvenientes e formular “hipóteses fora da caixa”. A eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA traz consigo um lote acrescido de imprevisibilidade e de incertezas, sendo plausível um período mais ou menos longo de ajustamentos ou mesmo, digamos, de aprendizagem por ensaio e erro no plano da política externa da nova administração, com todos os riscos inerentesEstá já anunciada, para o próximo ano, uma cimeira extraordinária para comemorar o 60. º aniversário dos Tratados de Roma, assinados a 25 de Março de 1957, os quais, como é bem sabido, deram origem à actual União Europeia. Celebrações do género têm povoado a vida europeia, sendo que, desta vez, as questões da participação ou não do Reino Unido e a proximidade das eleições presidenciais francesas — cuja 1. ª volta está prevista para 23 de Abril — poderão vir a dominar ou mesmo a ensombrar as referidas comemorações, para não referir sequer a incerteza que paira sobre o futuro político em Itália ou da própria Alemanha, onde haverá também eleições legislativas no Outono do próximo ano. De qualquer forma, para além da coreografia habitual que inclui discursos de ocasião e a tradicional fotografia de família, o facto mais relevante será o documento a apresentar sobre “o nosso futuro comum”, tal como foi decidido e anunciado no Conselho Europeu de Bratislava de Setembro último. Mas a verdade é que sabemos, de resto bem de mais, o quanto o tema do “futuro da Europa” está hoje gasto e mais do que esgotado, uma vez que consta da agenda europeia desde a adopção do Tratado de Nice, tendo estado, de resto, no centro de vastos e múltiplos debates travados à escala europeia no âmbito da convenção lançada em Dezembro de 2001 e que se prolongou pelos anos seguintes. Não nos esqueçamos do desfecho de todo esse processo, que redundou no abandono do projecto da adopção de um tratado constitucional para a União Europeia, na sequência da sua rejeição por referendo em França e nos Países Baixos em 2005. Lembro aqui este pedaço da nossa história comum porque, com o passar do tempo, apercebemo-nos melhor do quanto a crise que a Europa atravessa hoje, e que já ninguém nega, tem raízes bem mais profundas, emaranhando razões, falácias e demagogias, disfarçando disfuncionamentos e problemas que foram deixados para trás sem que tivesse havido tentativas sérias de os resolver, a não ser através da convocação de sucessivos grupos de sábios e da apresentação de relatórios sobre o futuro da Europa, depressa deixados de lado…Por mim, considero que a consistente e reiterada manifestação de movimentos populistas, a que estamos a assistir, correspondem a uma nova e inquietante tendência global, que se expressou já no plano europeu nos referendos de 2005, que se consolidou no "Brexit" e que, no plano nacional, tem dado origem à criação de partidos nacionalistas e a vitória a figuras políticas improváveis. Mas, fixando-nos, para já, no quadro europeu, olhando para a última década, não nos pode escapar o facto de a União Europeia enfrentar uma clara acumulação de dificuldades, problemas mal resolvidos e alguns estrondosos insucessos, o que faz com que seja hoje consensual o estado de crise crónica do projecto europeu, agravado, sem dúvida, a uma escala sem precedentes, com o resultado do referendo no Reino Unido que levará à sua auto-exclusão da União Europeia. A saída anunciada do Reino Unido da União Europeia constituiu um ponto de não retorno no projecto europeuAs dificuldades e desafios são de vária ordem, mas aqui gostaria de começar por identificar duas grandes áreas: a económica, monetária e financeira, por um lado, e a da segurança, do controlo das fronteiras e das migrações, por outro. Em ambos os domínios produziu-se, a meu ver, um ponto de clivagem forte que assinala, porventura, um ponto de não-retorno, cujo desfecho está ainda por determinar. Sejamos, pois, claros: a crise das dívidas soberanas não foi resolvida, mas basicamente está apenas suspensa devido à intervenção do Banco Central Europeu. Ou seja, os fundamentos da crise continuam presentes, a saber: o baixo crescimento, o alto desemprego e a elevada dívida pública e privada cuja implicação é, respectivamente, a contenção do Estado social e do investimento público e a retracção do investimento privado com recurso a capitais próprios das empresas. Face a esta situação, a verdade é que a resposta da União Europeu (quer da Comissão, quer do Conselho) tem sido claramente insatisfatória: por um lado, como a união bancária (nomeadamente com o mecanismo de garantia de depósitos) continua por completar, a eventualidade de uma nova crise torna-se maior, a qual obviamente atingiria os países mais vulneráveis, incluindo Portugal. Por outro lado, não havendo progressos na união orçamental e mantendo-se a situação actual, não há forma de o orçamento comunitário (ou da zona euro, aliás, inexistente) poder absorver os choques assimétricos que se fazem sentir em países particulares. Acresce, ainda, que, não se tendo encontrado nenhuma solução global para o problema das dívidas excessivas, se mantém a vulnerabilidade, em particular dos países com maior endividamento, face ao agravamento das suas condições de financiamento. A interpretação dominante dos tratados, regulamentos e acordos produzidos pelas instituições europeias continua a ser, embora com algumas modulações, a de one size fits all. Ou seja, aquilo que é proposto e de certo modo exigido aos países e aos povos europeus dos países mais vulneráveis é que mantenham por períodos significativos (dez a 15 anos) políticas ou de austeridade ou de forte contenção orçamental e que registem significativos excedentes nas suas contas públicas (de resto, nunca alcançados no passado) dificilmente compagináveis com a manutenção dos seus estados de bem-estar. Mas o pior é que, de facto, ninguém parece acreditar que Bruxelas (ou Berlim) tenha qualquer iniciativa nos próximos meses para responder à crise da eurozona, para alterar a ortodoxia financeira dos credores ou para criar as condições institucionais e orçamentais que tornem possíveis programas de reforma nas economias mais frágeis. Ora, acontece que também não existe nenhum indicador no sentido da inversão de tendência de crise nos países devedores: a Grécia pode requerer um novo resgate, a negociação sobre o sector bancário italiano não está fechada e, em Portugal, a crise que nunca acabou parece igualmente concentrada no sector bancário. A confiança hoje está abalada de forma sistémica e sistemática — e, no fundo, a questão que se coloca é se esta desconfiança está já demasiado cimentada para ser reversível e evitar o alastramento dos populismos de toda a sorteEm suma, devemos reconhecer que a Europa tem um problema imediato para resolver, e que são as deficiências da moeda única. Há um conflito entre países em torno do cumprimento do Tratado Orçamental, do reforço da união bancária e da definição de elementos de união política. Como resultado de todas estas questões mal resolvidas ou por resolver, a área dos problemas sociais adquire premência redobrada — como criar emprego, incentivar maior procura na zona euro e promover maior justiça social através da luta contra as desigualdades crescentes?O conjunto destas dificuldades — monetárias, financeiras, económicas e sociais — tem constituído um ponto de clivagem forte no seio das opiniões públicas europeias, contribuindo para gerar o reforço, agora com fundamentação económica, dos argumentos daqueles que, radicalizados à esquerda ou à direita, apelam ao fim do projecto europeu e ao regresso do proteccionismo e dos nacionalismos. Como acima já mencionei, deparamo-nos, a meu ver, com uma segunda grande área de problemas relacionados com a segurança: o controlo de fronteiras e as migrações. A forma desastrosa como a União Europeia tem gerido este conjunto de dossiers tem constituído um segundo pólo de fricções e de clivagem no seio das sociedades europeias, designadamente devido às migrações descontroladas do ano passado, à questão da repartição e integração dos refugiados, que continua por resolver. Importa sublinhar que ligada a esta área de problemas está também a crise do modelo aberto, tolerante e inclusivo das nossas sociedades europeias, a braços com conflitos de ordem cultural e de valores. A dificuldade em lidar com o choque cultural que está a abrir brechas fundas nas nossas sociedades explica — juntamente com as dificuldades económicas e as desigualdades sociais — o esboroamento a olhos vistos da confiança na União Europeia, nas suas instituições e nos seus líderes, com todas as sondagens e estudos de opinião a ilustrarem esta tendência. É impossível não olhar já para as eleições de 2017 em França e na Alemanha como próximas etapas prováveis desta corrida para o abismoIsto explica, creio, a criação de partidos políticos fora do mainstream, partidos de franjas e extremos, e de movimentos inorgânicos sui generis, bem como, por efeito de espelho, o reforço dos partidos antieuropeus e populistas que advogam o encerramento das fronteiras, o proteccionismo e o regresso dos nacionalismos, porque, aos olhos dos cidadãos, está em causa o fraco ou mau desempenho da governação europeia e a sua incapacidade em gerar emprego e prosperidade ou ainda em encontrar soluções para desafios globais, como sejam o terrorismo, a gestão das fronteiras ou a questão dos refugiados e das migrações. A mim, parece-me que a confiança hoje está abalada de forma sistémica e sistemática — e, no fundo, a questão que se coloca é se esta desconfiança está já demasiado cimentada para ser reversível e evitar o alastramento dos populismos de toda a sorte. A este respeito, a saída do Reino Unido da União Europeia é inquietante, a vários títulos, de que salientarei três: primeiro, porque inaugura uma nova etapa na história europeia, a da “desconstrução” da União Europeia, uma fórmula suave para não dizer “destruição”, após 60 anos dominados pela dupla dinâmica do “alargamento-aprofundamento” da UE. Em segundo lugar, porque é uma porta aberta para que outros Estados lhe sigam no encalce; em terceiro lugar, porque é uma fonte de inúmeras e pesadas incertezas que poderão acabar por precipitar um sem-número de problemas em cascata — na área das políticas comuns, mas também no plano da economia, da segurança, da política externa ou da defesa, bem como abalar de forma duradoura equilíbrios de poder já de si precários no seio da governação europeia. Olhando para o resultado das eleições presidenciais americanas, creio que há razões tangíveis que reforçam inquietações e pessimismo, pois está claro que todas estas tendências vão no mesmo sentido, reforçando-se negativamente, sendo impossível não olhar já para as eleições de 2017 em França e na Alemanha como próximas etapas prováveis desta corrida para o abismo. Por conseguinte, neste complexo contexto europeu e internacional em que nos encontramos, reconstruir a confiança constitui, a meu ver, um desafio grande, moroso, complexo, mas incontornável. Não há economia nem mercado nem política nem democracia sem esse cimento de base, a confiança. Não há paz duradoura se a desconfiança minar as relações entre comunidades, povos e nações, se o pacto social for rompido. Não quero com isto vaticinar um destino trágico para a União Europeia — o que é dizer para todos nós —, mas sim, ao invés, lançar um apelo veemente para que se faça algo para inverter esta corrida para o abismo em que parecemos lançadosPara restaurar a confiança, é preciso proceder à recapacitação das nossas democracias no plano nacional, ao nível central e local; mas esta passa também pelo resgate da democracia representativa na Europa, na fórmula sugestiva de Soromenho Marques, pelo aprofundamento de uma União Europeia que sirva os cidadãos e defenda o interesse geral europeu. Tenho a convicção de que cabe à Europa contribuir para reinventar a democracia para a nossa era da globalização, até porque a Europa não é só parte dos problemas, mas é também solução, dando aos países mais controlo sobre políticas que se tornaram globais. Agora, tal não acontecerá se a Europa não contribuir para reforçar o poder de escolha dos cidadãos, revitalizando a ideia de que a democracia é o regime em que as alternativas políticas são possíveis. Mas, para isso, a União Europeia tem de reatar com o melhor da sua tradição, a que combina a liberdade que vem do liberalismo com a estabilidade, o bem-estar e a equidade social que vêm da social-democracia. Se Bruxelas e os Estados-membros da União Europeia não entenderem isto e nada fizerem para resgatar estes valores, as comemorações de Março do próximo ano do 60. º aniversário dos Tratados de Roma correm sério risco ou de não terem sequer lugar ou de se transformarem numa marcha fúnebre. Incapaz de gerir bem a inédita complexidade da presente globalização, o século XXI começou mal, carregando já nestes seus primeiros anos um cortejo de indescritíveis violências, situações de terror múltiplo e geograficamente disperso, crises económicas e financeiras demolidoras de um desejável progresso social, com preocupantes efeitos numa generalizada descredibilização da acção política, quer seja no plano nacional, quer no da concertação internacional, que desacredita todo o sistema do multilateralismo. Difícil, por tudo isto, ser optimista, quando a realidade nos interpela, revelando um tempo de conflito e de persistentes violações dos direitos humanos; de intoleráveis assimetrias na riqueza e no acesso aos bens públicos, que depois se projectam no desenho de uma penosa geografia mundial de doenças, epidemias e exclusões; ou na insistente existência de massacres sectários. Assistimos hoje a perversas destruições de memórias históricas que constituíam até agora acervo intocável do património da humanidade; presenciamos o alastrar de perigosos fundamentalismos, que julgávamos já sepultados pelo progresso comum; e, neste milénio gerador de tantas expectativas, convivemos com a vergonhosa tragédia dos refugiados e migrantes que procuram na Europa uma alternativa à morte, à perseguição, à violência ou à fome, e encontram o Mediterrâneo como sepultura dos seus magros sonhos, reféns de redes de traficantes que continuam a operar com escandalosa impunidade. A Grécia pode requerer um novo resgate, a negociação sobre o sector bancário italiano não está fechada e, em Portugal, a crise que nunca acabou parece igualmente concentrada no sector bancárioNeste mundo preocupado por um diferente alinhamento de hierarquias de poder e da emergência de novas inseguranças, percebemos com desalento que mesmo a União Europeia — aonde antes íamos buscar conforto, porque depositária de muitas das nossas esperanças de progresso e de equilíbrios estratégicos — tem revelado nos últimos anos uma impotência decisória que parece ser a única marca da sua política externa. Agora a questão crucial é que a saída anunciada do Reino Unido da União Europeia constituiu um ponto de não-retorno no projecto europeu. A meu ver, ignorar que estamos perante uma situação em que nada será jamais como dantes e em que nada poderá continuar a ser business as usual levar-nos-á directamente ao precipício. A história não se repete, mas há dinâmicas que parecem recorrentes, sufragadas por teorias várias, designadamente as que ao apogeu dos grandes projectos civilizacionais fazem seguir o declínio e a decadência como etapas previsíveis. Não quero com isto vaticinar um destino trágico para a União Europeia — o que é dizer para todos nós —, mas sim, ao invés, lançar um apelo veemente para que se faça algo para inverter esta corrida para o abismo em que parecemos lançados e de que, de resto, a emergência dos populismos como uma nova tendência global constitui um sério e preocupante aviso, reiterado com o resultado das eleições americanas. Perante este quadro sombrio, importará, todavia, lembrar que, da História, e da sua lenta e pouco linear passada de anos e séculos, nos chega igualmente um sólido acervo de realizações que justificam que nos continuemos a bater por um futuro melhor e pela evolução positiva da sociedade em que vivemos, no plano nacional ou internacional. O século XXI tem criado, à volta da Europa, um extenso arco de conflitos e situações de crise que lavram, vitimando sobretudo as populações civis e impelindo milhares a lançar-se em aventuras transcontinentais incertas e perigosas. A luta contra o terrorismo, se continua a mobilizar os esforços de um vasto leque de parceiros, deixa, no entanto, em aberto numerosas incógnitas, como sejam o futuro da Líbia, Síria, do Iraque, do Iémen e do Afeganistão, bem como a relação de forças entre, digamos, o eixo sunita/xiita. O relacionamento com os parceiros próximos da Europa — designadamente Turquia e Rússia — padecem de interlocução séria e de um agenda europeia própria, reféns de interesses mais vastos e contraditórios, ora focados na crise dos refugiados no que respeita à Turquia, ora na questão ucraniana no que toca à Rússia ou ainda na questão síria, que envolve ambos. A crise das dívidas soberanas não foi resolvida, mas basicamente está apenas suspensa devido à intervenção do BCEPor seu turno, o relacionamento transatlântico, tão essencial à própria dinâmica intra-europeia, está hoje suspenso por um pesado conjunto de incertezas, resultantes quer de todas as incógnitas e indefinições que rodeiam a próxima administração americana, quer, do lado europeu, das consequências do "Brexit" na redefinição dos equilíbrios intra-europeus e do seu impacto geral nas relações de cooperação, num vasto plano de matérias, incluindo a segurança e a defesa e nomeadamente com a NATO. A eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA traz consigo um lote acrescido de imprevisibilidade e de incertezas, sendo plausível um período mais ou menos longo de ajustamentos ou mesmo, digamos, de aprendizagem por ensaio e erro no plano da política externa da nova administração, com todos os riscos inerentes. À Europa caberá a opção ou de se tornar irrelevante ou de se afirmar como um modelo civilizacional, económico e de sociedade com peso próprio, podendo afirmar-se como o fiel das múltiplas balanças que se poderão vir a desenhar no seio de uma ordem mundial multipolar, marcada por uma geometria de poderes variável. Para mim, que, sobretudo nestes últimos anos, viajei intensamente pelo mundo inteiro, convivi de perto com povos de todos os continentes, discuti e vi realidades — culturais, sociais, políticas e societais — das mais variadas, há uma coisa que se tornou óbvia: é que, de onde quer que viesse (da Ásia, África, Américas ou do Extremo Oriente), a noção de se “chegar a casa” quando se aterra na Europa (seja em Paris, Londres, Luxemburgo, Tessalónica, Amesterdão, Barcelona, Riga ou em Cracóvia) é real, além de extremamente reconfortante…E isto significa, afinal, que a Europa é a partilha de uma casa comum, de um património civilizacional e de valores, de um modelo de sociedade, e que é isto que nos faz sentir parte de uma mesma família, enfim, que nos faz sentir sermos todos cidadãos e membros de uma comunidade de destino. Para mim, é esta sensação ou sentido de filiação ou de cordão umbilical comum que dá sentido ao projecto político europeu. Ora, um dos grandes desafios que se coloca hoje é precisamente o de como reforçar este sentimento de pertença dos europeus, sejam urbanos ou de comunidade rurais, de gerações mais novas ou mais antigas; como fortalecer o sentido desta identidade partilhada; como revigorar o orgulho de ser europeu. Dever-nos-íamos bater por que a Europa do euro — ?a dos 19 do euro — seja o verdadeiro núcleo duro de uma UE reformadaAo completarem-se 30 anos da adesão de Portugal ao projecto de integração europeia, porventura a mais inovadora experiência política realizada desde a paz de Vestefália, este poderia ser o momento certo para fazermos um balanço rigoroso e exaustivo da nossa participação europeia na dupla vertente do que a Europa tem feito por nós e do que podemos fazer por ela. Como a “questão do futuro da Europa” está de volta, importa, a meu ver, que Portugal inicie um processo de reflexão interno — dentro das mais variadas sedes e foros, designadamente no plano das instituições de segurança e defesa — sobre como assegurar uma participação de qualidade na União Europeia. Temos de ser contribuintes líquidos para o debate europeu que vai ocorrer na sequência do "Brexit", que se vai intensificar e em que não poderemos figurar como espectadores mais ou menos passivos. Temos de saber o que queremos, temos de levar ideias claras e propostas bem definidas, e, sempre que possível, contribuir para liderar o debate. Sabemos já — de um saber feito de experiência e, por vezes, de dura experiência — que temos de ser mais rigorosos em relação à Europa que queremos. Já vimos que não é uma qualquer Europa que serve os nossos interesses. Creio que deveríamos identificar o núcleo duro de premissas por que nos deveríamos bater. Por exemplo, penso que deveríamos recusar todo o tipo de iniciativas restritivas que se baseiem em critérios passadistas e obsoletos, como sejam as que recorrem à figura dos “membros fundadores”. Ao invés, dever-nos-íamos bater por que a europa do euro — a dos 19 do euro — seja o verdadeiro núcleo duro de uma UE reformada. A meu ver, dever-se-ia começar por solidificar a União entre os 19 da zona euro por forma a relançar a construção europeia pela base — ou seja, através de um compromisso claramente político no sentido de reforçar os mecanismos económicos e financeiros da zona euro. Um outro ponto muito importante é que a saída do Reino Unido da UE vai produzir mudanças fundas em termos dos equilíbrios de poder intra-europeus, sendo provável, a meu ver, a consolidação do “momento unipolar” alemão, incluindo o reconhecimento norte-americano da Alemanha como o principal parceiro europeu dos Estados Unidos. Essa evolução estava esboçada já antes do "Brexit", mas a sua confirmação marcará uma viragem que obrigará Portugal a concentrar-se sobre as suas relações com a Alemanha e com a Espanha, que é o principal parceiro de Berlim (e de Washington) na Península Ibérica. Por certo, Portugal deve reconstituir, num quadro bilateral, a sua relação com o Reino Unido, como o exigem a história comum, os interesses económicos e a necessidade imperativa de proteger as comunidades emigrantes — devem estar mais de 300 mil portugueses no Reino Unido, o principal destino da última vaga de emigração. Mas essa relação deixa de ser directamente relevante na balança interna da União Europeia. [Em Portugal] são cada vez mais fortes as posições nacionalistas contra a integração europeia, incluindo do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, na ausência de uma força populista de direitaEsta alteração dos equilíbrios geopolítico-estratégicos exigirá reflexão aprofundada do nosso lado, realinhamentos e reposicionamentos diplomáticos e de política externa que convém prepararmos atempadamente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por último, penso que é também forçoso admitir que deixou de existir, agora no plano interno, um consenso nacional sobre a política externa, incluindo entre os dois principais partidos. Tornaram-se mais evidentes as clivagens que separam os partidários do reforço de uma aliança alemã dos outros que se lhe opõem, persistem as divisões que separam os europeístas e os atlantistas, são cada vez mais fortes as posições nacionalistas contra a integração europeia, incluindo o Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, na ausência de uma força populista de direita. Neste contexto, há que nos interrogarmos sobre qual será a melhor estratégia e os vários níveis de interlocução — inclusive institucional — para inverter as divergências cavadas entre as elites políticas, que não parecem preparadas para responder à crise precipitada pelo "Brexit". Há também que reflectir seriamente sobre o impacto possível de novas opções de política externa e de defesa da futura administração americana para os nossos próprios interesses nacionais. Em suma, atravessamos um momento especialmente crítico para o nosso futuro colectivo — no plano nacional, mas também europeu e até mundial. Mas, qualquer que seja o sentido futuro da integração europeia — e sabemos que há vários cenários —, o que me parece importante sublinhar aqui é a necessidade de se aprofundar a discussão sobre que Europa queremos, que modelo para a reformatação da zona euro e que actualizações pretendemos fazer dos nossos compromissos europeus.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA NATO UE
O cinto do mundo
A olhares pouco atentos, podia parecer que “a questão racial” fosse “um assunto puramente nacional e local”, confinado aos Estados Unidos. Mas não, a “linha da cor cinta o mundo”, afirmava W. E. B. Du Bois. Era neste plano que devia ser pensada: globalmente. E era assim que devia ser confrontada: globalmente. As desigualdades de riqueza e poder, as oportunidades e os constrangimentos associados, tinham (e têm) cores e não tinham (nem parecem ter) limites. (...)

O cinto do mundo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: A olhares pouco atentos, podia parecer que “a questão racial” fosse “um assunto puramente nacional e local”, confinado aos Estados Unidos. Mas não, a “linha da cor cinta o mundo”, afirmava W. E. B. Du Bois. Era neste plano que devia ser pensada: globalmente. E era assim que devia ser confrontada: globalmente. As desigualdades de riqueza e poder, as oportunidades e os constrangimentos associados, tinham (e têm) cores e não tinham (nem parecem ter) limites.
TEXTO: “O problema do século XX é o problema da linha da cor [color line], (. . . ) a relação entre as raças de homens mais escuras e mais claras, na Ásia e em África, na América e nas ilhas do mar. ” Assim escreveu W. E. B. Du Bois, em The Souls of Black Folk, publicado em 1903. Segundo o célebre pensador afro-americano, o século que então se iniciava seria inevitavelmente marcado pelo “problema dos problemas”: a persistente desigualdade racial, com causas, contextos e consequências que se manifestavam globalmente. Como notara Frederick Douglass, anos antes, num texto precisamente intitulado The color line, publicado na North American Review (1881), o “preconceito contra a cor”, bem disseminado e naturalizado, precisava de ser confrontado. Douglass apontava essencialmente para o contexto norte-americano. Du Bois também esmiuçava as atribulações do “contacto racial” no Sul dos Estados Unidos da América, perscrutando as suas motivações e expressões morais e sociais, políticas e, claro, económicas. Mas via mais longe: o “contacto racial” estruturava relações numa outra escala, resultava de dinâmicas translocais, extravasava fronteiras, implicava um outro tipo de conexões e de explicações. Era um problema verdadeiramente global. Não por acaso, a tirada certeira tinha já surgido na declaração inicial dos promotores da primeira Conferência Pan-Africana (Londres, 1900). Assinada pelos organizadores, foi elaborada por Du Bois. A Address to the Nations of the World era clara no problema que colocava: durante quanto tempo e até que ponto as “diferenças raciais” seriam usadas para justificar a “negação” das “oportunidades e privilégios da civilização moderna” a “metade do mundo”?Tinha também sido usada num encontro da American Negro Academy, numa comunicação intitulada The present outlook for the dark races of mankind. Nela, Du Bois clarificava um aspecto importante, que o diferenciava de muitas visões coevas: a questão racial, o problema da color line, não se esgotava numa dimensão “nacional e pessoal”. Envolvia outros espaços e tempos, mais amplos e duradouros. A olhares pouco atentos, podia parecer que “a questão racial” fosse “um assunto puramente nacional e local”, confinado aos Estados Unidos, onde esta parecia à época mais gritante. Mas não, a “linha da cor cinta o mundo”, afirmava. Era neste plano que devia ser pensada: globalmente. Era assim que devia ser confrontada: globalmente. As desigualdades de riqueza e poder, as oportunidades e os constrangimentos associados, tinham (e têm) cores e não tinham (nem parecem ter) limites. Anos mais tarde, em 1925, Du Bois publicou um outro texto, sobre os mundos da cor (Worlds of color). Foi nas páginas da conhecida Foreign Affairs, que ainda hoje guia, nem sempre de modo luminoso, muitos dos que se interessam pelo fugidio domínio das “relações internacionais”. Neste texto, o “problema dos problemas” era pensado a partir dos efeitos da expansão imperial europeia, da “sombra” que esta projectara sobre o globo, feita de imparáveis discriminações e desigualdades, de iniquidades várias com efeitos prolongados. O caso da exploração da mão-de-obra numa escala global era um exemplo. Para Du Bois, “os problemas da cor e do trabalho” eram “dois lados do mesmo emaranhado humano”. O texto acrescentava textura histórica à sua argumentação anterior, concretizando alguns dos seus pontos mais caros. O caso português era abordado como sendo muito esclarecedor: na colónia de São Tomé e Príncipe, o “sistema de recrutamento laboral” correspondia, no essencial, à “escravatura”. Também ali a linha da cor era bem visível. A racialização do trabalho em contexto colonial era óbvia. A escravatura moderna, de Henry Nevinson e John Harris, entre outros, não escapava a Du Bois, que na década de 1920 tomou conhecimento em primeira mão dos temas coloniais discutidos, por exemplo, em Genebra, na Sociedade das Nações ou na Organização Internacional do Trabalho. Aspecto importante: a Foreign Affairs era a sucessora directa do que antes se chamara Journal of Race Development. E muitos pensavam (e pensam) precisamente assim: pensar as “relações internacionais” é pensar no “desenvolvimento da raça”, de uma “nação”, de um “povo”, de uma “identidade”. É assegurar a preservação da sua ascendência, no duplo sentido. E da sua descendência. A história da disciplina das Relações Internacionais, tal como a da Ciência Política, revela bem a centralidade de formas de pensamento racialista e de racialização do mundo no desenvolvimento dos saberes das ciências sociais e humanas. O excelente livro de Robert Vitalis, nosso entrevistado, mostra como e porquê. Na mesma altura em que Du Bois escrevia os seus textos sobre a linha da cor, argumentos semelhantes, com preocupações e propósitos distintos, circulavam internacionalmente, sobretudo no mundo “anglo-saxónico”. Em 1893, o historiador britânico, emigrado na Austrália, Charles Pearson publicou National Life and Character: a forecast. O medo da “expansão” chinesa e de “outras raças amarelas” era explicitado sem hesitações. E foi rapidamente associado a outros receios, com outras cores, associados a outros colectivos, sempre pensados uniforme e compactamente. O livro teve um impacto considerável, também enquanto inspiração para a política externa norte-americana e para o seu intervencionismo na América Central. Saiu cinco anos depois de uma das mais importantes formulações do “problema negro”, o maciço The American Commonwealth, da autoria de James Bryce, seu antigo colega de estudos no Oriel College (Oxford). Esta última obra constituía um exemplar esforço de formular uma espécie de sociologia comparativa das “relações raciais”, visando provar a relação íntima entre determinismo racial e a formação de uma (des)ordem global. Foi invocada como fundamental para todos os que almejaram criar políticas de segregação social e racial, um pouco por todo o mundo. Anos mais tarde, em 1902, Bryce abordou as relações entre comunidades (“raças”) “avançadas” e “atrasadas” da humanidade, no seu The Relations of the Advanced and the Backward Races of Mankind. A recorrência de interacções entre “raças”, em parte resultante de fenómenos de mobilidade crescente a uma escala global, aumentara de modo dramático e isso implicava inúmeros riscos sociais e (geo)políticos. Uma “crise na história do mundo” avizinhava-se em razão desse facto. Era preciso governar as “relações raciais”, numa escala local, mas também global, para defrontar e debelar a crise. Para Bryce, era óbvio o que estava em causa. Como escreveu no mesmo opúsculo, que registou para a posteridade nas suas Romane Lectures, era preciso evitar os “riscos que uma democracia corre quando o sufrágio é garantido a uma larga massa de homens semicivilizados”. Os princípios democráticos que pautaram a sua juventude, numa sociedade monárquica e de privilégios chocantes como a inglesa, pareciam vacilar face aos supostos estádios desiguais de “civilização”. Era este o “problema negro”, ao qual Pearson juntava o “problema amarelo”. Tal como Bryce, e, mais tarde, Du Bois, mas certamente com outros sentidos e fins, Pearson argumentava que só um enquadramento histórico global poderia permitir compreender as “relações raciais”. Chamava ainda a atenção para o facto de que as exigências de garantia de direitos sociais, económicos e políticos (incluindo os de mobilidade e de residência) por parte das “raças amarelas e negras” tenderem a aumentar. As políticas do medo tinham agora substância intelectual para manipular. Para muitos, as suas análises foram tomadas como um apelo à mobilização e ao activismo racial: era preciso preservar o lugar e os privilégios da “raça branca”. Anos mais tarde, um admirador de Pearson publicou The Rising Tide of Color Against White World Supremacy (1920). Neste, Lothrop Stoddard ia mais longe: era preciso garantir a sobrevivência dos países dos homens brancos. Segundo ele, “toda a raça branca” estava “exposta, imediatamente e inevitavelmente, à possibilidade de esterilização social e final substituição ou absorção pelas populosas raças de cor”. Era um apelo às armas. O lugar do homem branco estava em risco. Na mesma altura, a esterilização era invocada com outros propósitos, ecoando argumentos de finais do século XIX e antecipando pontes com o descalabro dos anos 30 e 40. Numa série de várias edições, iniciada em 1918, Madison Grant publicou The Passing of the Great Race. O livro foi celebrado por Theodore Roosevelt, que também apreciara, e muito, o livro de Pearson. Não por acaso, o expansionismo americano de então era visto como “um desafio nacional e racial”. A expansão territorial garantiria sobrevivência, política e racial. Para uns, era o espaço vital. Para Grant, membro da Immigration Restriction League e presidente do Eugenics Sub-Committee of the United States Committee on Selective Immigration, os imigrantes do Sul e do Leste europeu estavam a liquidar a “raça nórdica”, através da miscigenação. Tal como ouvimos recentemente, podemos deduzir que migrantes da Escandinávia mereceriam melhor recepção. No livro de Grant, como noutros do período, o racismo científico encontrava nas políticas restritivas de imigração manifestação poderosa. A invenção do passaporte fui utilíssima. O uso dos testes de literacia, por exemplo, para o impedimento do acto de voto, foi uma bênção. O próprio Stoddard escrevera de modo claro que a “restrição da imigração é uma espécie de segregação em larga escala”, através da qual “stocks inferiores podem ser impedidos tanto de diluírem como de suplantarem os stocks bons”. Em 1924, o Johnson Immigration Act estabelecia quotas com um sentido óbvio: o favorecimento do Norte da Europa. As políticas nacionais podiam atacar de frente as linhas de cor e os seus esperados efeitos, reais e imaginários, desejados ou temidos. Mas outros rasgos eram necessários, que enfrentassem o carácter e as ramificações globais do problema. Para muitos, a questão racial era, também e talvez até sobretudo, de ordem geopolítica. Para Dubois, estava fortemente associada à formação histórica, política, económica e sociocultural do imperialismo. Para Bryce, Pearson, Grant ou Stoddard, apesar das diferenças de perspectiva e ênfase, remetia para ansiedades várias e problemas existenciais concretos. Para receios de sobrevivência e ascendência, individuais e colectivas. Tratava-se de preservar, de modo tenaz, uma comunidade imaginada de branquitude, resistente a contaminações e capaz de vincar a sua supremacia global, civilizacional, de impedir o seu declínio. A identidade racial devia guiar a identidade (geo)política. A racialização do mundo determinava a espacialização da imaginação política. Cláusulas de “igualdade racial” foram negadas, como sucedeu com a proposta japonesa na Conferência de Paz de Paris, em 1919. Todos estes argumentários são, eles próprios, produtos globais. Resultam da circulação, apropriação, contestação e advocacia, por vezes bem organizada, de ideias e de políticas, de receios e expectativas, intimamente ligados a projectos de diferenciação e discriminação racial, num plano internacional, transnacional e global. E a sua história não acabou com os desvarios do século XX. Os ecos destes passados são facilmente reconhecíveis no mundo de hoje. O lugar da questão racial enquanto coordenada orientadora das imaginações da ordem internacional não se esbateu com os violentos embates e ampla geografia do segundo conflito global. Transformações processaram-se, ainda que com sentidos variados, em função de contextos sociais e políticos diversos. A expansão japonesa pelo continente asiático abalou as fundações dos impérios europeus no continente, como nas Índias Orientais Holandesas, em Singapura ou na Malásia ou no Vietname. Manifestou-se tanto pela desarticulação das estruturas administrativas e políticas locais e pelas alianças com grupos nacionalistas, como pelo seu impacto simbólico: era a demonstração da possibilidade de derrota marcial dos modernos exércitos ocidentais por adversários não brancos. Mas, também aqui, os resultados não foram uniformes. O direito de os povos asiáticos disporem de si próprios e assim se organizarem politicamente foi feito depender de vários critérios. À cabeça, desde logo, a sua acomodação no novo mundo criado pela competição entre os EUA e a URSS. A mesma Guerra Fria que, por exemplo, no que dizia respeito a África, obrigou os governos norte-americanos a temperar as pressões sobre os seus aliados ocidentais no sentido de outorgarem maior autonomia política, administrativa, económica e cultural às suas dependências. Uma leitura equilibrada destes anos, por um lado, deve sinalizar a persistente centralidade da questão racial globalmente, por outro, não pode ofuscar as mudanças que então se operaram. É sobre provavelmente o momento mais simbólico dessa transformação que trata The Color Curtain: a report on the Bandung Conference (1956), de Richard Wright. Wright, um prolífico romancista afro-americano a viver em Paris já há largos anos, e autor de livros aclamados como The Native Son (1940), Black Boy (de 1945, e de feição autobiográfica) e, mais tarde, White Man! Listen (1957), deslocou-se a Bandung, na Indonésia, durante três semanas, para acompanhar a Conferência Afro-Asiática que aí decorreu, em 1955. Nela, Wright anunciava aquilo que via como a afirmação de um novo momento de libertação das chamadas “coloured races”. É importante sublinhar que tanto a conferência como a própria obra de Wright se prestaram a consideráveis processos de mitologização. O carácter inaugurador de Bandung, como este texto demonstra, deve ser matizado por uma história mais longa de contestação ao domínio racial branco. Como Robert Vitalis assinala, “fábulas” como as que rezam sobre a presença de Kwame Nkrumah na conferência persistem. A equação de Bandung com o movimento dos não-alinhados, criado em 1961, perdura, mesmo em meios especializados. Na verdade, a maioria dos representantes dos Estados participantes estava plenamente alinhada num dos campos, como era o caso da China, da Turquia ou das Filipinas. Mesmo a ideia de uma unidade racial em revolta mereceu resistência por parte de alguns delegados, como os do Médio Oriente, e foi, por vezes, cuidadosamente omitida. Todavia, a forma como a conferência foi apropriada, por apologistas como Wright, ou por detractores, desde logo nas metrópoles imperiais europeias, tornou Bandung o epítome de uma transformação global que ditou o fim, pelo menos formal, dos impérios ocidentais. Sinalizou ainda o início de uma era em que o putativo “atraso” cultural ou civilizacional das populações autóctones perdeu legitimidade enquanto elemento aferidor da propriedade de soberania estatal. A figura de Richard Wright, e mesmo do seu relato sobre Bandung, nunca deixou de se sujeitar às mais variadas polémicas. Tendo sido comunista nos anos 1930, Wright acabaria por renunciar à militância através de um artigo intitulado I tried to be a communist (1944). Mais tarde, já em Paris, acabaria por denunciar à CIA uma série de militantes comunistas e compagnons de route também empenhados na causa anti-racista e anticolonial. As suas descrições da conferência e dos delegados mereceram críticas de muitos, que ali encontraram sinais de condescendência, referências ao suposto “primitivismo” dos activistas anticoloniais, desdém pela recorrente referência destes a questões culturais e religiosas. Anteviram em Wright um americanismo orgulhoso e um endossamento sem contemplações do que via como a modernidade ocidental. Mas, para Wright, a tocha dessa modernidade seria agora carregada pelas novas nações e pelas minorias oprimidas das sociedades segregadas. Eles eram o futuro, e a ordem global acompanharia esse novo devir. Bandung era, inequivocamente, o retrato de um novo mundo, ainda que não necessariamente idílico. Wright era apenas um dos muitos indivíduos que olhavam para os desenvolvimentos do pós-guerra com a esperança de que testemunhavam uma nova era, em que a estrutura das hierarquias raciais e socioculturais seria profundamente abalada. E que a concebia em termos globais, procurando ligar regiões aparentemente distantes e fundir os movimentos contra a segregação racial doméstica e as novas lutas de descolonização numa só corrente. Porventura, nenhuma região terá produzido maior número relativo de intelectuais comprometido com esta visão, em termos genéricos, como as Caraíbas. Maioritariamente colónias de plantação, os vários territórios que constituíam a região eram significativamente marcados pelo peso da população negra e o seu lugar social diminuído. A maior parte deles entrincheirada entre o “tradicional” colonialismo europeu e o que viam como o novo imperialismo norte-americano. Faziam parte do complexo que Paul Gilroy classificou como o Black Atlantic (no livro homónimo, onde um dos capítulos é precisamente organizado em torno de Wright), unindo as experiências das populações segregadas do Sul dos EUA e os sujeitos coloniais em África e nas Caraíbas, todas sociedades profundamente tributárias do processo triangular da escravatura transatlântica. A lista é extensa, de Eric Williams, de Trindade, de que viria a tornar-se primeiro-ministro, que estudou no Reino Unido e nos EUA, tendo escrito o seminal Capitalism and Slavery (1944), a Franz Fanon, nascido na Martinica, migrado para Paris, adoptando a causa da Frente de Libertação Nacional Argelina, mais tarde autor de Peles Negras, Máscaras Brancas (1952) e Os Condenados da Terra (1961). Aimé Césaire, também da Martinica, um dos proponentes da Négritude, que emigrou para a metrópole parisiense, onde se tornou deputado à Assembleia Nacional; CLR James, nascido em Trindade e Tobago, que circulou pelo mundo anglo-saxónico, e autor de Black Jacobins (1938), onde analisava historicamente a revolução antiesclavagista de Santo Domingo; ou George Padmore (ver número anterior), também de Trindade; são nomes que, mais uma vez, apesar das suas diferenças e divergências, partilharam uma angústia sobre o seu lugar existencial enquanto sujeitos coloniais. Todos identificaram, ainda que de modos diferentes, na questão racial a centralidade que muitos anos antes Du Bois lhe atribuíra. Formados no período entre-guerras, experimentados pelos grandes acontecimentos globais como a depressão ou a revolução bolchevique, bem como por outros de natureza local, como as múltiplas crises que emergiram em Porto Rico, Trindade ou na Jamaica na segunda metade dos anos 1930, profundamente viajados, acreditavam num projecto global de emancipação da “outra metade do mundo”. Claro que, consoante o actor e a época, este desiderato e o modo da sua concretização assumiram um pendor mais ou menos internacionalista, mais ou menos centrado na unidade nacional. Esta é uma pequena lista que poderia ser facilmente aumentada, com protagonistas de épocas mais recuadas. Desde logo, recuperando o famoso Marcus Garvey, com a sua proposta de uma diáspora africana, alimentada por uma companhia de cargueiros exclusivamente composta por negros, ou por outros nomes como Claude McKay, o poeta jamaicano, que contribuíram directamente para o que ficou conhecido como a “Harlem Renaissance”. Não se trata, todavia, de uma ligação que se cinja a um movimento intelectual. Um terço da população do Harlem nos anos 1930 era composto por habitantes das Índias Ocidentais. O domínio inglês sobre estas encontrava-se em competição com a influência norte-americana, originando múltiplos fluxos que reforçaram identidades partilhadas ou solidariedades translocais. Estas estender-se-iam também ao continente africano, primeiro em movimentos de protesto motivados pela invasão da Etiópia pela Itália, em 1935, mais tarde com o acelerar do movimento de descolonização do continente. O sentido de uma experiência comum passada marcada pelos efeitos da escravatura e do tráfico de escravos, assim como pelo domínio colonial e, no presente, pela segregação racial doméstica ou pelo domínio estrangeiro, sedimentaram movimentos e circuitos que, especialmente após 1945, ajudaram a pôr em causa uma ordem global “branca” e “ocidental”. As várias insuficiências e contradições que se manifestaram quando essa proclamada filiação comum precisou de ser materializada não deve impedir a sua séria compreensão histórica. “Apenas são grandes nações aquelas em que raças variadas se têm misturado e integrado, cada uma completando as demais, e só essas têm contribuído para o progresso da humanidade. As grandes nações do mundo — Estados Unidos, União Soviética, China, Brasil — abrangem muitas raças e culturas, e muito têm enriquecido a civilização. Paralelamente, a história prova-nos que as nações habitadas por uma só raça, e com uma só cultura, uma religião, uma língua, podem dar-nos a impressão de estabilidade e de felicidade; mas também nos sugerem paragem e estagnação; e pouco têm contribuído para o progresso da humanidade. ”O leitor mais incauto e possivelmente enrubescido talvez não hesitasse em, ao ler estas palavras, lançar um impropério contra os “activistas do politicamente correcto”. Seria algo que provavelmente o seu autor não gostaria de ouvir. Alberto Franco Nogueira, ministro dos Negócios Estrangeiros, escrevia esta frase em 1967, num pequeno opúsculo, depois traduzido para inglês, com o objectivo de disseminar a posição portuguesa face ao que eram então as pressões para a descolonização das colónias. A afirmação global do direito de autodeterminação corporizou, também ela, um processo conturbado, e disputado. E, no entanto, nessa história entram esforços não despiciendos para fazer o relógio andar para trás e evitar o que se via como a constituição de um novo regime internacional indiferente aos supostamente desiguais estágios de “civilização”. Em 1967, a simples afirmação da superioridade civilizacional e racial ocidental e branca já não era suficiente para legitimar a presença portuguesa em África. A retórica diplomática portuguesa construída sobre o edifício mais antigo do lusotropicalismo via-se na necessidade de justificar o seu domínio imperial recorrendo à nova linguagem da autodeterminação, dos direitos humanos e da não-discriminação. Como afirmava Franco Nogueira: “Muito mais importante do que a simples criação da palavra ou do conceito teórico de multirracialismo, no entanto, é a criação da própria realidade viva a que se aplica o vocábulo. E esse mérito cabe aos portugueses, e isso desde há séculos. Porque foram os portugueses que levaram à África e ali pela primeira vez implantaram a noção de direitos humanos e a noção de igualdades de raças. ”Num exercício que talvez surja familiar a leitores regulares de jornais no presente, Franco Nogueira virava a questão de uma ordem racial desigual de pernas para o ar. Pensar o Terceiro Mundo através da “adopção de um critério étnico” seria “a mais perigosa das definições: porque suporia a tendência inevitável para o conflito de raças em plano mundial, e o Terceiro Mundo coincidiria, no fim de contas, com o cerco à raça branca e à sua civilização”. O objectivo final: legitimar a resistência do império. O resultado da projecção global da linha de cor seria um violento choque de civilizações, sendo o império português um dos últimos bastiões da civilização europeia, em mera posição defensiva. Afinal, o que importava era os direitos humanos, não a raça. Como sugeria, associar a autodeterminação e independência a direitos humanos criava um paradoxo racista: “Aceita-se a negação dos direitos humanos desde que praticada por homens da mesma raça: rejeita-se a protecção dos direitos humanos desde que exercida ou garantida por indivíduos de raça diferente. ”Há dois aspectos que é preciso sublinhar. O primeiro tem que ver com a relativa sageza de Franco Nogueira. Num período em que a Guerra Fria dominava as atenções, o eixo de fractura perpendicular que atravessava norte e sul mantinha a sua acuidade. Menos argúcia talvez fosse identificável no facto de que existiam novas formas (e mais eficazes) de manter as profundas desigualdades sociais, políticas e económicas que continuavam a caracterizar o mundo. O segundo tem que ver com a absoluta insustentabilidade das afirmações de Franco Nogueira. Não só a posição de subordinação das populações africanas no quadro imperial era mais do que evidente como as violações dos direitos humanos eram mais do que muitas. Não é preciso avançar até às violências várias associadas aos conflitos em Angola, Moçambique e Guiné, desde o uso de napalm às punições exemplares. Basta pensar no ano de 1960, nas vésperas do início dos conflitos militares. Em nenhuma das colónias portuguesas de indigenato haveria mais de 5% (para sermos generosos) de africanos com estatuto de cidadania. Isto implicava não apenas que os “indígenas” não podiam votar, mas também que não podiam, por exemplo, deter a posse privada de terra ou que, ao contrário dos europeus, deveriam cumprir um número mínimo de meses de trabalho por ano. O acesso a saúde e educação era profundamente desigual. Campos de “internamento” em territórios sem guerra, como em Moçambique, destinados aos indianos que aí residiam, após a invasão de Goa, acolheram crianças de meses. Como reportava um inspector colonial (supostamente zelador do bem-estar das populações coloniais), nesse mesmo ano e referindo-se também a Moçambique, todos sabiam que a palmatória era o “melhor instrumento, senão o único, de política indígena”. Deveria ser temperado o seu uso, mas não abolido, porque levaria o “indígena” a “maiores desobediências”. Em Angola, no mesmo ano, um governador de distrito assegurava que era “muito cedo para em Angola instituir o trabalho livre”, porque “dar ao indígena mais do que ele pode receber é convidá-lo à indisciplina, ao retrocesso, à rebeldia”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Podíamos continuar. São apenas alguns exemplos entre muitos possíveis do que consistia o carácter peregrino português na afirmação dos direitos humanos em África, numa altura em que a maior parte dos impérios europeus se encontrava em retirada. O próprio Franco Nogueira estava bem ciente destas realidades. Como afirmava em relação à questão do trabalho forçado, em 1956 (cuja legislação associada datava de 1928, admitindo legalmente ainda muitas formas de trabalho compelido), o problema situava-se na “distância que separa o que é legislado do que é praticado na África Portuguesa”. Provavelmente, são estes alguns dos dotes que permitem que a capacidade técnica de Franco Nogueira seja hoje celebrada. Todavia, o importante a reter é a forma como a questão racial era por este percebida como central na evolução do século XX. E os seus esforços para inverter as acusações de uma discriminação histórica evidente, acusando de racismo os que contestavam o domínio português, fazendo da vítima, algoz, de algoz, vítima. Tanto na forma como no conteúdo, são dispositivos retóricos hoje bem em voga. E que não devem tolher um olhar crítico sobre as profundas e persistentes marcas de desigualdade racial e cultural entre e dentro de países que sobreviveram à formação acidentada de uma nova ordem global, em princípio e teoria, indiferente à cor da raça. Princípio esse, mesmo com as suas limitações enquanto tradução real, pelo qual vale a pena lutar.
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN LIVRE BE
“O mundo ainda não percebeu a aposta de Pequim na Inteligência Artificial”
Casey Lau é o “embaixador” da Web Summit em Hong Kong. Diz que está em curso uma batalha e que toda a startup que faz bem as coisas já recebeu uma chamada da China. (...)

“O mundo ainda não percebeu a aposta de Pequim na Inteligência Artificial”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.6
DATA: 2018-11-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: Casey Lau é o “embaixador” da Web Summit em Hong Kong. Diz que está em curso uma batalha e que toda a startup que faz bem as coisas já recebeu uma chamada da China.
TEXTO: Hong Kong está a ganhar protagonismo no panorama mundial do investimento tecnológico. Pequim pôs em marcha a iniciativa Greater Bay Area que pretende aproveitar o potencial de conhecimento e poder financeiro da região, projectando-a no mundo como uma porta de entrada na cena asiática. É a partir de Hong Kong que Casey Lau dá esta entrevista ao PÚBLICO. Como descreveria o cenário de startups e investidores na Ásia?A Ásia, tal como a Europa, tem realidades muito diversas. Quando vemos que a Ásia ultrapassou o investimento europeu ou ameaça a liderança dos EUA, estamos basicamente a falar da China. É um país com mais de mil milhões de habitantes, onde qualquer startup tem de escalar o mais rapidamente possível porque os concorrentes vêm logo na peugada. É por isso que há muito dinheiro a ser injectado na China, que absorve 75 a 80% do financiamento em startups na Ásia. Em termos de investidores, o panorama é equivalente. Há fundos muito fortes na China. E no Japão, como o Softbank Vision Fund, que investe fora da Ásia, mas é dinheiro asiático. Todos estes gigantescos fundos estão atentos ao que se passa no resto do mundo, querem fazer parte das startups mais relevantes ou promissoras. A Ásia tem sido reconhecida como uma potência nas plataformas de comércio electrónico e de Inteligência Artificial. Qual é o segredo?O cenário chinês no comércio é muito diferente do dos EUA, por exemplo. Há numerosas cidades de média dimensão (à escala chinesa) onde o acesso a determinados bens só é possível por comércio electrónico. Pequim e Xangai têm os grandes centros e zonas de comércio, mas cidades mais pequenas não e é nessas que as plataformas de e-commerce são fundamentais. Quem vive em Los Angeles ou em Boston tem acesso aos mesmos produtos, aos mesmos circuitos de distribuição, às mesmas marcas. Mas na China, o panorama é muito diferente. Até porque as distâncias por vezes são enormes – para largas camadas da população a ideia de se meter no carro para ir às compras não faz sentido. Por isso é que as empresas de logística que asseguram entregas suscitam tanto interesse nas tecnológicas. E quanto à Inteligência Artificial…. ?As principais universidades chinesas estão recheadas de excelentes cientistas, que estão a ser empurrados para o desenvolvimento de projectos nessa área. Está em curso uma guerra global por este tipo de talento e de tecnologia e ganhará quem conseguir agarrá-los. A China é uma das economias que têm posto uma quantidade gigantesca de recursos e de pessoas no desenvolvimento da Inteligência Artificial. Penso que o resto do mundo ainda não percebeu muito bem a dimensão e a relevância da aposta que Pequim fez a este nível. É um dos projectos verticais mais decisivos para um país que tem mais de mil milhões de habitantes. Pode dar exemplos?Há um par de startups que estão a desenvolver tecnologia de câmara para reconhecimento facial nos serviços de imigração, nos aeroportos. Para um país desta dimensão, isto é um desafio enorme e que, a funcionar, se traduzirá num ganho fenomenal em termos de tempo, de recursos, de poupanças e eficiência. A questão é que, depois de funcionar na China, esta tecnologia será vendida ao resto do mundo. Com base neste exemplo é fácil de adivinhar que a próxima superpotência mundial será o país que conseguir dominar estas tecnologias e outras do género. Seria fácil para uma startup de fora entrar nesse mercado?Não. A China ergueu um forte muro para controlar a entrada de empresas estrangeiras. Um dos melhores exemplos é a Netflix. Eles distribuem entretenimento em formato digital, não têm um produto físico e, por isso, podem cobrir um país em dois segundos, certo? Basta ligar o botão. Mas não o podem fazer na China, onde as regras são diferentes. A Netflix, ou qualquer operador do género tem de licenciar o conteúdo a um player local e as receitas têm de ser partilhadas. Se o aspecto financeiro é importante, há uma razão ainda mais relevante, que é o lado da censura, neste caso. Isto aplica-se mais ou menos da mesma forma às plataformas de e-commerce, é muito difícil vir de fora e tentar conquistar uma parte deste mercado gigante. Porém, para o resto da Ásia, isto já não se aplica. Toda a gente quer a China mas, tirando as diferenças culturais, entrar noutros países é muito mais fácil. E estes constituem um mercado ainda assim gigantesco para qualquer startup europeia: o Japão tem um mercado de 125 milhões de pessoas, na Indonésia são mais de 250 milhões de consumidores. É mais fácil encontrar um investidor asiático do que entrar nesses mercados?É muito mais fácil. O triunvirato BAT (Baidu, Alibaba e Tencent) investe fortemente nos EUA e na Europa, é muito activo em todo o planeta. É muito provável que uma empresa que seja muito famosa no teu país já tenha dinheiro de alguma das empresas deste universo. Se a tua startup está a fazer as coisas bem e a destacar-se no que faz então é muito provável que já tenha sido contactada por um investidor chinês. É uma estratégia vertical, em que todas crescem a par, e desenvolvem os negócios em conjunto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Como é que começou a trabalhar com a Web Summit?Conheci o Paddy Cosgrave em 2015. Eu trabalhava com startups desde 2009, fundei a Startups HK, que prestava apoio a novas empresas, organizava eventos, conferências e coisas do género. Apresentávamos também startups a investidores e aos media. Quando ficou decidido que a Rise se realizaria em Hong Kong, o Paddy apresentou-me a visão dele, que eu partilhava, e acabei por me juntar assim à equipa como o responsável pela Rise e o embaixador da Web Summit na Ásia. Penso que não podes escrever isto, mas eu sou o Paddy asiático [risos]. Porquê Hong Kong? Penso que houve uma votação online. Mas Hong Kong é um hub asiático, de acesso fácil. Singapura também poderia ter sido escolhida, mas é mais difícil chegar até lá. Além disso, Hong Kong é sede, ou anfitriã, de muitas empresas de dimensão internacional e talvez haja em Hong Kong mais irlandeses (nacionalidade de origem de Paddy Cosgrave) do que em qualquer outra parte da Ásia!
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Augusto Mateus: "Onde Portugal é competitivo é na mão-de-obra qualificada"
O ex-ministro da Economia Augusto Mateus considera que, em termos de salários, o país destaca-se pelos recursos humanos altamente qualificados com baixas remunerações. (...)

Augusto Mateus: "Onde Portugal é competitivo é na mão-de-obra qualificada"
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.25
DATA: 2011-06-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: O ex-ministro da Economia Augusto Mateus considera que, em termos de salários, o país destaca-se pelos recursos humanos altamente qualificados com baixas remunerações.
TEXTO: Para Augusto Mateus, economista e ex-ministro de António Guterres, Portugal deve diversificar as vendas para novos mercados, em especial para os que crescem depressa. Num estudo realizado para a Caixa Geral de Depósitos (CGD), onde estudou de modo detalhado o desenvolvimento da economia portuguesa, o economista concluiu que, mais importante do que definir onde é que o país deve apostar, é criar o ambiente favorável para que se invista, mas sempre no sector de bens transaccionáveis, não regulado. É aí que o país dispõe de vantagens. Para Augusto Mateus há elementos no memorando da troika “que são verdadeiras oportunidades para se fazerem as mudanças necessárias, mas há outros que se forem postos em marcha precipitadamente podem ser negativos”. À luz do estudo que fez para a CGD, sobre o “Desenvolvimento da Economia Portuguesa”, como vê o futuro do país?Com mais dificuldades. Temos um problema de fundo que é de competitividade que corresponde a transformações muito importantes que ocorreram no mundo e na Europa e a que nós não prestámos a devida atenção. Hoje, como o relatório demonstra, temos uma relação muito mais polarizada com o mercado espanhol, dentro dos nossos quatro grandes mercados. Mas o período que melhor correu a Portugal foi aquele em que o mercado alemão emergiu como o grande mercado de referência no contexto europeu, o que historicamente fazia sentido. A aposta de Portugal no mercado espanhol teve como consequência a redução da qualidade das nossas exportações?Sim. E não ajudou a subir a sofisticação. Numa primeira fase, ganhámos com a construção europeia, pois fizemos a construção, enquanto pequeno país, com o Reino Unido. Mais tarde, quando se fez a convergência dos dois caminhos da UE, atlântico com o Reino Unido, continental com a Alemanha, Portugal também beneficiou, pois encontrou no declínio da sua ligação com o Reino Unido uma maior progressão no mercado francês e sobretudo no alemão. Com o alargamento da UE, deu-se a consolidação com o mercado espanhol, que se tornou o grande mercado para Portugal. Foi um mau sinal que Durão Barroso e José Sócrates deram ao aconselharem os empresários a apostar no mercado espanhol?Resultou numa perda de influência do mercado alemão, que se veio somar à do Reino Unido. De tal maneira que Portugal, ficou, a partir de certa altura, diminuído. Tal como o nosso Norte, que durante muito tempo polarizou as relações de Portugal com o Reino Unido, hoje tem mais relações com a Galiza. E este é um ponto muito importante porque no contexto do alargamento e da globalização Portugal não soube consolidar o que de melhor tinha, nomeadamente, o comércio e o investimento com a Alemanha e, sobretudo, não soube encontrar novos mercados de expansão à escala global. Uma das coisas é que falamos muito dos sectores tradicionais mas o que nos distancia mais das economias europeias é termos um peso de mercados que não crescem, como o espanhol, nas nossas exportações muito significativo e precisamos de encontrar novas realidades. Refere-se exactamente a quê?A UE, no seu conjunto, tem um problema demográfico e um problema de consolidação orçamental. Hoje vivemos num mundo a duas velocidades, e a velocidade da UE é lenta. Podemos falar do Mar Negro. A imigração recente trouxe-nos pessoas da Ucrânia, da Moldávia e da Roménia. Se elas encontraram em Portugal uma base para emigrarem, porque é que Portugal não encontra no Mar Negro uma das bases de renovação do seu comércio internacional? Podia recorrer-se de alguns imigrantes que conhecem bem a economia e a realidade portuguesa e que querem regressar aos seus países. E podiam regressar numa lógica de embaixadores económicos, mas numa base comercial em que o seu regresso possa ser ao serviço da colocação de produtos nacionais nos seus países. E temos ainda o mundo emergente, basta pensar no Mercosul, no Brasil, mas não só. O Brasil já foi uma grande aposta e deixou de ser. Deve ou não voltar a ser uma grande aposta de Portugal?Convém não esquecer que a Espanha cometeu um erro estratégico gravíssimo ao colocar o seu vice-reinado das Américas do lado de lá, em Lima, no Pacífico. E desguarnecendo o Atlântico. Houve um tempo em que italianos e portugueses eram decisivos em Montevideu e Buenos Aires. Para Portugal, o Mercosul não é apenas Brasil. E temos a Índia, com a qual continua a ser possível construir uma relação muito interessante, e vários países da Ásia do Sudeste, com a China, Macau. O respeito que há em muitos países asiáticos pela longa presença de Portugal naqueles países dá-nos alguma vantagem dentro da nossa dimensão. Mas acontece que vamos perdendo oportunidades, pois precisamos de tempo para fazer esse reposicionamento. Ainda vamos a tempo?Vamos sempre a tempo, mas quanto mais atrasados mais dificuldades e outros ocupam o espaço que facilmente podia ser nosso. O vosso trabalho menciona o impacto dos actuais desequilíbrios macroeconómicos. . . Sim, porque na UE há uma segunda transformação que resultou da União Económica e Monetária e que trouxe um novo quadro macroeconómico, uma nova Política Monetária. Passámos de uma situação em que tínhamos maior margem de manobra na política orçamental e com uma moeda fraca, para uma situação em que temos uma moeda forte. A moeda forte cria oportunidades mais para uma internacionalização completa: à medida que se aprecia o euro ganhamos vantagem em usar o poder de compra. Precisávamos de ser menos tomadores de preço. Pode desenvolver?É difícil de explicar, mas nosso principal problema não é produzir ao mais baixo custo é produzir a valor unitário mais elevado. Para sermos mais competitivos precisamos de ser mais eficientes, mas o acento tónico da nossa competitividade está mais em produzir mais valor do nosso produto e não produzir a custo mais baixo. É este problema que está por detrás da economia não crescer e por detrás de um país a viver acima das suas possibilidades. O nível da despesa do Estado e das famílias está acima do que a competitividade do país permite. Qual é o vector diferenciador de Portugal, em relação a outros mercados idênticos, que nos permite apresentarmo-nos a um investidor estrangeiro?Para já era preciso que nos apresentássemos e era preciso fazê-lo todos os dias. Há que ter outra atitude. Ganhámos capacidade de responder aos que nos procuram, mas não ganhámos assim tanta para ir ter com quem nos devia procurar e não nos procurou para lhes dizer: se nos procurasse encontraria isto. O que é que o investidor encontraria?Não podemos oferecer um quadro eficiente de decisão pública, não podemos oferecer um quadro de justiça rápida. Mas podemos oferecer uma capacidade de negociação pois, para projectos de alguma dimensão, podemos negociá-los depressa, atribuir incentivos fiscais. E tomar decisões rápidas. Dizer sim ou não no prazo que quiserem. Num contexto diferente [enquanto ministro da Economia de Guterres] percebi que o que os investidores querem é segurança, rapidez e flexibilidade nas decisões. O que achavam importante era garantir que o Governo os acompanhava nas suas decisões de investimento deixando-lhes alguma margem de escolha. Tem exemplo de situações em que isso ocorreu?Por razões que desconheço, quando saí do Governo, deixei um acordo de entendimento com a INTEL assinado, para construir um projecto em Portugal. O que trouxe o interesse foi a posição que eu assumi de dizer: Portugal acompanha a vossa decisão por um valor mínimo de investimento e por um valor máximo de investimento. Abaixo de um certo valor o investimento não é estruturante e não temos razões para vos dar incentivos significativos e acima desse valor não temos condições de vos dar incentivos. Mais nenhum país ofereceu confiança e flexibilidade. Mas o investimento não foi feito em Portugal?É verdade. Mas eu consegui pôr Portugal no mapa, depois consegui que ficasse entre quatro candidatos, depois entre três, depois entre dois, e depois assinámos o protocolo. A secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, na altura, era de origem checa, e ela não largou o presidente da INTEL até que ele fosse tomando decisões a favor da República Checa. Mas dou a mão à palmatória porque não me apercebi do que se estava a passar. Mas lá o convenci e acabamos a assinar um memorando de entendimento. Mas saí uma semana depois do Governo e mais ninguém se interessou pelo projecto e o investimento acabou por ser formalizado na Turquia. Uma das conclusões do relatório é que Portugal tem que ser uma economia mais aberta e atractiva. O que temos para oferecer a quem quer investir em Portugal?Podemos oferecer coisas muito interessantes do ponto de vista do desenvolvimento turístico, o sector que é o maior gerador de riqueza e de emprego a nível mundial. Não nos interessa uma sobre utilização dos recursos nem um modelo turístico predatório. No Algarve precisávamos de ter tido uma estratégia que alargasse a base territorial, mas nós construímos na falésia. Precisamos de fazer turismo na serra, de excelência. Precisamos de diferenciar para cima o tal valor unitário a subir. Precisamos de captar mercados que não sejam as classes médias da Alemanha, da Holanda e do Reino Unido. Isto é: cada vez mais um hotel não é um hotel, tem uma relação com o património, com a cultura, com os saberes regionais. Em Lisboa pode-se construir um imenso arco patrimonial que mais nenhuma capital europeia tem em diversidade e em dimensão [Sintra, Mafra, Tomar/Templários]. Em vez de afunilar a estratégia deve ser alargar a escala?O que podia parecer uma sobre exploração de um recurso escasso, passa a ser o contrário: uma coisa harmoniosa do ponto de vista do desenvolvimento regional e local. E pode fazer emergir, para além de três regiões, Lisboa, Algarve e Madeira, onde temos algum sucesso, os Açores, o Alentejo, o Douro, um pouco o Oeste. E aí têm de surgir oportunidades. Este é um terreno onde Portugal tem um trunfo muito grande. E porquê? Porque temos um país tranquilo, diferenciado, relativamente preservado. E com uma boa política consegue-se fazer coisas sérias. A ideia que persiste é que o país está pouco preservado? É verdade que existe essa ideia. Mas se por um momento largar Portugal e for europeia e habitante do planeta terra, então fica com outra ideia. Há outra área: temos que perceber que já não somos competitivos em termos de salários. Dentro da UE, na República Checa, na Hungria, na Polónia, há mais de 100 milhões de pessoas com mais escolaridade e salários mais baixos do que os portugueses. Como é que se diz a alguém que se é competitivo? As indústrias da cablagem para automóvel são um exemplo: elas vieram para Portugal quando Portugal era o país da UE com salários mais baixos e saíram quando deixou de ser. Em Portugal há recursos altamente qualificados, temos engenheiros, médicos, gestores, físicos, químicos, gente muito escolarizada, muito competente, pois foi formada em universidades modernas e capazes, mas com salários baixos. Onde somos muito competitivos do ponto vista dos salários é no que é mais qualificado?E essa é uma ideia completamente diferente daquela que os portugueses têm. Por acaso não está a falar do sector dos não transaccionáveis?Não estou a falar de uma loucura do país, que foi a de voltar a economia toda para o sector dos não transaccionáveis, onde os mercados são protegidos e onde toda agente ganha muito. Estou a referir-me a pessoas que trabalham em sectores com salários de mercado e que comparam muito bem e onde, ainda por cima, do ponto de vista cultural, temos pessoas na casa dos 25 e 30 anos que falam muito bem inglês e são criativos, com licenciaturas, mestrados. E que fazem parte de uma geração onde o raciocino analógico está muito presente e que são muito vocacionados para a programação ou para actividades recreativas. A base é pequena e podia ser maior. Mas é uma base que nos dá capacidade de atrair investimento. Como se dá o passo em frente para atrair investimento?Primeiro, não se deve dar tanta facilidade para investimentos virados para dentro. Os níveis de política económica e acção do Estado mostram que se reduziu o risco e aumentou a rendibilidade nos investimentos para a economia portuguesa protegida e se dificultou a vida, aumentou o risco, a quem podia internacionalizar a quem podia produzir bens e serviços, que são só 30 por cento. Desse ponto de vista, se virar a política do avesso, e for decididamente para uma favorável a actividade de bens e serviços transaccionáveis, promove actividades de recursos humanos mais qualificados. Investiu-se nas universidades para ter mão-de-obra qualificada, mas não se investiu na mudança estrutural da economia para criar emprego. A análise mais aprofundada da economia portuguesa permitiu-lhe pensar em mais propostas que ajudem o país a sair da crise?Se já tivesse sido posto em marcha um plano de poupança a sério, os portugueses estavam mais seguros, em vez de andarem sem saber o que lhes vai acontecer. Estavam a poupar mais. No início de 2008 o Governo cortou nos benefícios aos certificados de aforro…Esses são os erros colossais que se cometem quando se pensa que a Política Pública deve ser feita por artistas, gente que tira coelhos da cartola e fala bem. Claro que falar bem é bom, mas não chega. E esse [corte nos benefícios aos certificados de aforro] é um dos erros da Política Económica que foram cometidos ao longo dos anos e que explicam muitos dos sarilhos em que a economia portuguesa se meteu. Voltava a apostar nos certificados de aforro?Até fazia operações novas. Uma emissão especial de obrigações de salvação nacional para as pessoas sentirem que estão a colaborar. Em tempo de guerra as populações reagiram bem a ajudar os seus países, acredito que em tempo de paz reagiriam melhor. E isso pode ajudar o Estado e a banca. A Itália tem um problema de competitividade maior do que o de Portugal, mas continua com uma taxa de poupança elevada. Os italianos continuam a poupar 14 ou 15 por cento, que aplicam nos seus bancos. E, portanto, os bancos italianos têm uma base de captação de recursos que depois reciclam para as empresas, algo que a banca portuguesa não tem. Nos últimos anos a taxa de poupança nacional desceu de 11 ou 12 por cento para seis por cento o que agravou muito as dificuldades. O nosso sistema financeiro pendurou-se em ir captar poupanças ao exterior. O nosso problema não é tanto o nível de endividamento global, mas no facto do nosso endividamento ser sobretudo externo. Medidas deste tipo dariam confiança às pessoas como também dariam se lhes dissermos que, no contexto das medidas de ajustamento, não se tocará em ninguém, rico ou pobre, abaixo de um certo nível, por exemplo de 750 euros. Temos que pôr as pessoas a pensar no futuro e a trabalhar e a pensar que há um caminho. Há que mudar a Política Económica no nosso país. Seria útil as pessoas puderem fazer poupanças a taxas de juro atractivas, e não se tem dificuldade nenhuma em montar operações em que se tem poupanças com rendimentos a taxas de juros a quatro ou 4, 25 por cento. Seriam operações concebidas ao nível dos bancos, mas em articulação com o Estado e onde os bancos se capitalizam e o Estado obtém financiamentos. É favorável à redução da Taxa Social Única (TSU)?Depende. Se a medida for feita com uma forte solidez técnica pode ser interessante, mas não resolve os problemas, mas permite trazer alguma rendibilidade às empresas que a perderam nos últimos anos. E se ela for implacável no sector regulado, virado para o sector interno, se transformar as reduções da TSU em reduções de preços (o que reduz na TSU não vai para a empresa, vai para os consumidores), e beneficiar o sector exportador pode ser positiva. Mas é preciso que isto aconteça. E podemos sempre adoptar medidas do tipo: Se tiver mais sucesso nos próximos três anos do que teve nos três anteriores, nós sobre isso damos incentivos fiscais que na prática significam reduzir a taxa de imposição do IRC. Portanto temos à disposição mecanismos que podem induzir as empresas a ir por aí. Uma das preocupações do relatório foi chamar a atenção para a sobredespesa do país. . . E podemos falar da reorganização institucional do país. Uma medida ousada de revisão de freguesias e concelhos, não dominada pela lógica economicista da poupança de dinheiro, mas dominada pela lógica de adaptar a organização do território àquilo que é o povoamento do país e às necessidades de eficácia, de massa crítica, de gestão pode ser uma vantagem muito grande. E estou optimista porque contra toda a minha expectativa o trabalho que fiz para a Câmara Municipal de Lisboa produziu algo que achava difícil: o entendimento entre PS e PSD. Não concordo com tudo o que foi feito, mas reduziu-se o número de freguesias e aproximaram-se certas decisões do nível mais fino e trouxeram-se outras para cima onde podem ter massa crítica e dimensão estratégica. Podemos fazer isto ao nível do país e com isso alterar a situação. Se pusermos as famílias a poupar mais, a consumir melhor, se corrigirmos essa sobre despesa que o relatório caracteriza bem, sem destruirmos nada em que o país converge, então há razões para se ser optimista. Há uma ideia nos liberais, e que é defendida por alguns grupos que apoiaram Passos Coelho, de que um país não precisa de política económica. . . Sim, excepto quando estão atrapalhados e precisam do Estado. Não se corre o risco de esta ideia poder prevalecer em futuros governos?Não acho que o PSD tenha essa corrente. Essa é uma realidade da campanha eleitoral e uma linha de ataque ao PSD. Claro que o PSD tem essa corrente e tem também uma corrente que não tem futuro, que é a de pensar a Política Pública como uma empresa. A Política Pública não é uma empresa. A boa Política Pública faz coisas diferentes do que as empresas e não se mete com as empresas. Está tão errado o estatista que na prática gostava de ser empresário, quanto o empresário que por ter tido sucesso numa empresa vai tentar aplicá-la nas Políticas Públicas. O mundo mais equilibrado, de maior sucesso, é aquele que dá ao mercado o que é do mercado, ao Estado o que é do Estado. E não há défice de equidade no que respeita à Política Pública. A Política Pública deve definir o quê?As regras de equidade. E tem a grande responsabilidade, que mais ninguém tem, que é harmonizar a busca de produzir com mais eficiência, com a busca de fazer aceder o máximo possível de pessoas aos frutos desse crescimento. E, portanto, creio que aqui não é tanto uma questão de partidos, porque todos têm um défice de adesão às novas Políticas Públicas. Veja a facilidade com que em Portugal se inventam coisas sobre os combustíveis. E estou à vontade porque não tenho nem acções da Galp, nem de outra empresa, nem estou ligado a elas. Mas o nosso mercado comporta-se tal e qual como era esperado incluindo a dança de preços, como dizem os bons economistas que têm estudado este tipo de ciclo de mercados em todo o mundo. Essa é outra ideia que não se tem. . . Repare que entre duas bombas de gasolina, se tiver diferença de cêntimos, é a diferença entre vender muito e não vender quase nada. Qual é a realidade que temos? Tínhamos dois países na Europa com política de combustíveis irresponsável: a Espanha e a Grécia. Sobra um que é a Espanha, pois a Grécia com a crise já alterou a sua política. Temos azar porque somos o único país cuja única fronteira terrestre é com a Espanha que tem uma política fiscal de preços com menos fiscalidade que a dos outros países. E a Espanha foi o único país cujo consumo de combustíveis cresceu durante a primeira década do século XXI. Em mais nenhum país da Europa isso aconteceu. A Espanha pactua com as emissões de CO2. A fiscalidade é útil do ponto de vista da preservação do ambiente?Sim e, portanto, Portugal está do lado certo. Há pessoas que me dizem: eu vou a Espanha e ponho combustível mais barato. É verdade, mas à custa dos impostos. O que temos é que criar economias mais libertas do carbono, temos que fazer coisas mais sustentáveis a favor do planeta. Existe muita precipitação à esquerda e à direita sobre como é que se regulam os mercados. Falou no turismo, na saúde, no desenvolvimento industrial. Há sectores que devem ser estratégicos…A Política Económica nessa matéria, deve ser mais clara do ponto de vista do como e não do onde. Devemos criar condições para que gente qualificada, em vez de pensar num emprego estável para a vida, num banco ou numa universidade, mas que sejam empreendedores, tenham ideias. A vida do empreendedor faz-se com algumas derrotas. No século XX tivemos uma breve ilusão que durou uma geração, 25 anos, entre o final da II Grande Guerra e o choque petrolífero de que podíamos ter emprego para todos. Temos que construir uma sociedade onde haja trabalho para todos e não emprego para todos. Uma coisa é ter uma política que promova o empreendedorismo, outra é dizer que tem de ser de base tecnológica. Por que é que tem que ser de base tecnológica? Consegue-se revitalizar o centro de uma cidade, sem a revitalização comercial? Não consegue. E é de base tecnológica ter de perceber a vida das lojas, os novos cafés? Não. Onde é que somos bons?Em muitas indústrias de bens de consumo que estão a ser desbaratadas, tais como os têxteis, o calçado, os móveis, cerâmica, os pavimentos. Portugal ficou preso ao debate do quê. Somos bons a fazer a casa, a fazer a mesa, a fazer o quarto, mas não assumimos isso. Somos bons no conforto do lar. E depois não somos capazes de assumir isso, de fazer o marketing, fazer um cluster, de por as empresas a colaborar umas com as outras. Como aconteceu no sector dos moldes?No sector dos moldes isso correu-nos bem. O sucesso dos moldes é construído na internacionalização das empresas e há muitos anos. Nos últimos 30 anos houve empresários e empresas que foram escolas e de onde saíram outros empresários e outros trabalhadores. Nos moldes havia diálogo e acção colectiva. Nós ainda hoje, e apesar da crise, temos uma rede de capacidade industrial que pode ser aproveitada. A necessidade de voltar a ter um sector agrícola dinâmico está na ordem do dia. O que pensa?Na agricultura a coisa pode correr-nos bem se for de grande valor. Quando se faz azeite e vinho como se faz medicamentos, de forma sofisticada, criando riqueza, sabendo que se está a produzir para um mercado de alto valor, vai ter sucesso. Portugal não tem dimensão para ser um grande produtor em quantidade de vinho, mas para ser um excelente produtor de vinhos altamente qualificados. No que se depreende está optimista, por um lado, e pessimista, por outro?Os desafios e os problemas são gravíssimos e é preciso uma mudança na Política Económica muito grande. Desse ponto de vista ainda não tenho tempo para estar optimista, mas tenho uma base optimista porque há elementos no memorando acordado com o FMI, CE, BCE que são verdadeiras oportunidades para se fazerem as mudanças necessárias, mas há também elementos que se forem postos em marcha precipitadamente podem ser muito negativos. Portanto diria que a dimensão dos problemas é grave, mas há soluções. E mais soluções haverá se incutirmos confiança ao conjunto dos cidadãos. E essa confiança pode ser incutida a partir da sua própria vida: o seu consumo, o seu rendimento. Veja como é fácil ter uma população que sente que não é deixada ao abandono. Podemos responder na saúde com voluntariado, com solidariedade e podemos responder com Políticas Sociais proporcionadas às necessidades e recursos do país. O meu pessimismo resulta também do facto das pessoas terem medo da solução. Concorda com o amplo programa de privatizações imposto pela troika?O documento identifica as empresas e os prazos. Concordo que as empresas referidas são susceptíveis de ser incluídas no programa de privatizações e também concordo que é necessário e útil vender activos para conseguir reduzir o nível de endividamento. A questão central, no entanto, é a de que não se devem fazer privatizações numa lógica exclusivamente financeira, sendo necessária uma estratégia global associada ao relançamento do crescimento da economia portuguesa para que as privatizações possam ter sucesso. Com a saída do Estado do sector empresarial não há risco de Portugal perder algumas das grandes empresas estratégicas?O quadro da UEM, na Europa, e da globalização, no mundo, obriga a ritmos muito mais intensos e exigentes de investimento e inovação por parte das empresas. O Estado português não tem outra possibilidade, nos próximos anos, senão a de concentrar drasticamente o investimento público no que é essencial e reprodutível com toda a segurança. Isto significa que a presença do Estado como accionista maioritário ou de referência pode conduzir a uma penalização do próprio desenvolvimento competitivo das empresas em causa. Por isso, qualquer estratégia de privatizações precisa de ser bem elaborada porque cada empresa tem características próprias e contribui de forma diferenciada para o desenvolvimento económico do país. Também me parece adequado que o Estado aproveite esta ocasião para reformar a sua relação com o sector empresarial onde detém posições accionistas. O Estado deve sair de todas as empresas, ou deve manter posições, ainda que parciais, nalguns sectores?Na maioria dos casos, o interesse público pode ser melhor defendido através de regras e de acordos transparentes do que através da presença accionista no capital. Admito, no entanto, que em certos casos, que as privatizações sejam parciais, desde que as necessidades de investimento não sejam muito exigentes e o papel do Estado seja o de funcionar como “regulador de proximidade” acompanhando e estimulando a contribuição económica e social da empresa. Mas, na maioria dos casos, será preferível que a regulação seja exterior seja pela optimização do papel dos reguladores, seja pelo estabelecimento de contratos que definam com rigor as obrigações a que a actividade das empresas privatizadas ficam sujeitas. Privatizar não significa ausência de regras nem diminuição da defesa do interesse geral. O que interessa é que as políticas económicas saibam, em cada momento orientar as empresas para regras de funcionamento que permitam gerar valor para os accionistas, seguramente, mas necessariamente, também, para os trabalhadores, os consumidores e as próprias regiões e países que as acolhem. Da lista de empresas a privatizar quais é que lhe merecem reservas?As privatizações que merecem maiores cuidados e necessitam de enquadramento estratégico de mais longo prazo são, sem dúvida, as que se relacionam com os bens e serviços ambientais (como as águas) e com a mobilidade internacional (como a TAP). Em ambos os casos, é imprescindível favorecer uma melhoria competitiva estratégica e, em matéria ambiental, é seguramente necessário encontrar soluções que permitam oferecer condições de qualidade e segurança na satisfação das necessidades das populações. O documento não me coloca especiais reservas a não ser no que respeita a alguns desequilíbrios nos prazos definidos que podem conduzir a precipitações que deveriam ser evitadas. Concorda com a venta da totalidade do capital da TAP, tendo em conta a aposta no sector turístico e na relação com países lusófonos?A privatização da TAP deve ser um instrumento para permitir reforçar a sua posição e do sistema de aeroportos português no quadro mais vasto da actual aliança de companhias onde está a TAP, para favorecer a valorização da posição de Portugal no Mundo, o desenvolvimento do turismo e a internacionalização das nossas empresas. A privatização da TAP levanta, assim, uma dupla questão. Apoiar o objectivo de ter “mais Portugal no Mundo” valorizando, nomeadamente, a nossa ligação aos países de língua oficial portuguesa e aos países emergentes com quem podemos partilhar diferentes formas de cooperação e apoiar o objectivo de ter “mais Mundo em Portugal” favorecendo, nomeadamente, a valorização dos nossos recurso endógenos. O que propõe?A privatização da TAP não deve ter uma vocação financeira em sentido estrito, devendo ser encarada como uma oportunidade para desenvolver e reforçar a mobilidade internacional. A questão chave continuará a ser a da articulação dos modelos de privatização com o modelo de construção do novo aeroporto de Lisboa, reforçando a atractividade e competitividade do nosso país e das nossas regiões, através da “montagem” de parcerias internacionais onde, necessariamente, a relação com a Alemanha, através da configuração da Star Alliance, assume especial relevância. As escolhas em torno do modelo de privatização da TAP são muito mais importantes para acelerar a internacionalização de Portugal do que para obter um encaixe financeiro. Acredita que daqui a três anos, Portugal vai estar em melhores condições do que as de hoje?O memorando [assinado com a troika] é uma oportunidade para corrigir situações que já deveriam ter sido corrigidas e reformadas há muito tempo. Devemos usar esta oportunidade para nos desenvolvermos, para aumentar a poupança interna, pôr ordem nas finanças públicas e torná-las sustentáveis, tomar medidas que dêem confiança aos consumidores e aos empresários e que permitam chegar ao final do ajustamento com um tecido empresarial mais robusto, inovador e competitivo. Se conseguirmos isto, sem medo de uma austeridade justa e proporcionada e com coragem para ser ousado no favorecimento do investimento privado e do crescimento económico, então daqui a uns anos o país estará mais sólido e os sacrifícios terão valido a pena. Versão integral publicada às 10h22
REFERÊNCIAS:
Perante investidores, Costa prefere “valorizar os factores positivos”
O secretário-geral do PS viu-se forçado a responder à polémica provocada pelo seu discurso perante a comunidade chinesa. (...)

Perante investidores, Costa prefere “valorizar os factores positivos”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 5 | Sentimento 0.227
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O secretário-geral do PS viu-se forçado a responder à polémica provocada pelo seu discurso perante a comunidade chinesa.
TEXTO: O lançamento da nova página electrónica do PS não foi suficiente para esconder António Costa da polémica à volta das suas declarações sobre a situação do país perante a comunidade chinesa. Esta quinta-feira, o secretário-geral do PS viu-se obrigado a “contextualizar” a sua intervenção de há alguns dias, no Casino da Póvoa, onde o líder do principal partido da oposição agradeceu o investimento chinês em Portugal, destacando a “situação diferente” em que Portugal se encontrava quando comparada com o que se passava há quatro anos. A polémica estalou quando se tornaram públicas declarações de António Costa no Casino da Póvoa, perante a comunidade chinesa que celebrava o ano novo chinês, agradeceu o investimento daquele ´país. “Como nós dizemos em Portugal, os amigos são para as ocasiões. E numa ocasião difícil para o país, em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os chineses e os investidores chineses disseram presente, vieram e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos atrás. ”António Costa manifestou-se “perplexo” com as leituras feitas às suas declarações. “Para destruir a confiança já basta o Governo”, afirmou na sede do PS, antes de acrescentar que não confundia “oposição com bota abaixismo”. Afinal – acrescentou - estava perante “investidores estrangeiros”, o que o levou a “valorizar os factores positivos” em vez de se centrar “no dramático aumento da pobreza, do desemprego, da emigração, da estagnação económica, dos cortes de salários e pensões”. A reacção do socialista chegou já tarde para impedir o violento ataque de um dos fundadores do PS. Alfredo Barroso, histórico socialista e chefe de gabinete e da Casa Civil durante a presidência da República de Mário Soares, acusou Costa, no Facebook, de "prestar vassalagem à ditadura comunista e neoliberal da República Popular da China" e de desrespeitar "centenas de milhares de desempregados e cerca de dois milhões de portugueses no limiar da pobreza". Por isso anunciava, que tinha solicitado, "pura e simplesmente, a desfiliação do partido" rematando com a intenção de “votar no Bloco de Esquerda, tentando contrariar o oportunismo daqueles que se tornaram dissidentes do BE aproximando-se do PS de António Costa, à espera de um lugarzinho na mesa do orçamento, ou seja, na distribuição de cargos num futuro governo". Uma farpa à plataforma Livre/Tempo de Avançar, cujos protagonistas são o ex-eurodeputado Rui Tavares e ex-dirigentes bloquistas como Ana Drago. A Tempo de Avançar – que junta ao recém-criado partido Livre um conjunto de movimentos – aproveitou para criticar o líder socialista. “Sim, as coisas estão diferentes. Mas não no sentido que António Costa deu perante uma plateia de investidores estrangeiros. Temos menos empregos, mais emigrantes, somos mais pobres e estamos mais endividados. Não é possível mudar o rumo do País se ignorarmos estes factos e repetirmos a propaganda do governo. Propaganda que nem as instituições europeias se atrevem a repetir, como vimos recentemente. ”Entretanto, foram surgindo reacções à posição tomada por Alfredo Barroso. Vítor Ramalho, ex-deputado e antigo dirigente distrital próximo de Mário Soares aconselhou a actual liderança a não desvalorizar o sucedido. "É útil que a direcção do partido também não encare isto como uma situação de uma pessoa que bateu com a porta por razões que não têm algum fundamento", disse, ao mesmo tempo que reconhecia não ter feito a mesma leitura. "Porque reconheço que a posição de um secretário-geral e simultaneamente candidato a primeiro-ministro tem que se pautar também pelo reconhecimento do papel que os Estados representam hoje no mundo e os países emergentes também, entre os quais a China”, disse à rádio Antena 1. Outro ex-dirigente socialista reagiu com ironia. António Galamba, que acompanhou o antecessor António José Seguro na direcção do PS, aproveitou o Facebook para assinalar a “chatice” que era “quando o que dava jeito no passado deixa de dar jeito no presente”. A maioria não deixou passar a polémica para ensaiar uma contradição no discurso do principal partido da oposição. O ministro da Presidência aproveitou a conferência de imprensa do Conselho de Ministros para falar em “estado de negação”. "Essas declarações correspondem ao reconhecimento do trabalho que tem vindo a ser feito pelo Governo. Era bom que o PS abandonasse o estado de negação em que muitas vezes parece encontrar-se - e espero que estas declarações do doutor António Costa sejam o prenúncio disso mesmo - e aceitasse definitivamente a evolução e o resultado que o sacrifício e o trabalho dos portugueses tem vindo a demonstrar e a possibilitar ao país", considerou Marques Guedes.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS LIVRE BE