Um novo fôlego
O discurso de Passos Coelho na festa no PSD no Algarve pretendeu dar o mote para a linha de argumentação do Governo e de quem o apoia para as próximas semanas: os sacrifícios ainda não acabaram mas a situação está a melhorar, o Governo está coeso e capaz de um novo fôlego. É um discurso que vai ser repetido até à exaustão, mas que não tem qualquer correspondência com a realidade. Os portugueses que vivem do seu trabalho ou da sua reforma, os desempregados, os que foram obrigados a emigrar, os que usam os serviços públicos, sabem que a situação se degrada dia a dia e que as perspectivas de recuperação não se concr... (etc.)

Um novo fôlego
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.136
DATA: 2013-08-20 | Jornal Público
TEXTO: O discurso de Passos Coelho na festa no PSD no Algarve pretendeu dar o mote para a linha de argumentação do Governo e de quem o apoia para as próximas semanas: os sacrifícios ainda não acabaram mas a situação está a melhorar, o Governo está coeso e capaz de um novo fôlego. É um discurso que vai ser repetido até à exaustão, mas que não tem qualquer correspondência com a realidade. Os portugueses que vivem do seu trabalho ou da sua reforma, os desempregados, os que foram obrigados a emigrar, os que usam os serviços públicos, sabem que a situação se degrada dia a dia e que as perspectivas de recuperação não se concretizarão mantendo o mesmo rumo e a mesma política. Basta aliás pensar nos outros anúncios de recuperação que o Governo já fez, nas anteriores festas do Pontal, a cada avaliação da troika ou nas apresentações dos Orçamentos do Estado. Por mais propaganda que se queira fazer, por mais que se martelem os números, o resultado de dois anos de aplicação do pacto de agressão das troikas subscrito pelo PS, PSD e CDS está à vista de todos: uma espiral recessiva que destruiu mais de 400 mil postos de trabalho e condena ao empobrecimento a generalidade do povo português. Os mais recentes dados do desemprego e do PIB mostram isso mesmo. A taxa de desemprego do segundo trimestre de 2012 para o período homólogo de 2013 subiu de 15% para 16, 4%, o que significa pelo menos mais 60 mil pessoas desempregadas inscritas nos Centros de Emprego. Comparando o período homólogo, o PIB caiu mais 2%. O que o Governo já anunciou sobre a preparação do Orçamento do Estado para 2014 – que ao que parece este ano só conheceremos depois das eleições autárquicas - indica que teremos novos cortes na educação, na saúde, na protecção social, novos roubos nas reformas e nas pensões, mais despedimentos. Nem se pode dizer que seja "mais do mesmo": é somar crise à crise, miséria à miséria, regressão social à regressão social. O novo fôlego que Passos Coelho anuncia não passa de uma ameaça de cavar mais o buraco em que querem enterrar o país. Cada dia que o Governo de Passos e Portas governa é mais um dia em que os portugueses vêem a vida a andar para trás. E por isso é imperativa e urgente a demissão deste Governo. É imperativa e urgente uma política patriótica e de esquerda que ponha de novo o país a crescer. Que rompa com o pacto de agressão das troikas e que renegoceie a dívida nos seus prazos, juros e montantes. Que aumente salários e pensões e reponha os direitos roubados – não só porque se vive mal no nosso país com estes salários e estas pensões, mas também como elemento central de dinamização do mercado interno, sem a qual não saíremos da crise. Que ponha Portugal a produzir, na agricultura, nas pescas, na indústria, criando emprego, substituindo importações por exportações, recuperando para o Estado sectores estratégicos da economia. Que altere radicalmente a política fiscal, parando o esbulho aos trabalhadores e aos pequenos empresários e o favorecimento escandaloso dos grupos económicos. Que valorize os serviços públicos, não só porque são direitos do povo, mas também porque nenhum país se desenvolve sem saúde, educação, protecção social, transportes, comunicações. Um Governo que governe Portugal para o povo português – e não para pagar juros à banca ou garantir mercado aos grupos financeiros mundiais. O Governo e as troikas podem contar com um novo fôlego, sim. Mas de indignação, protesto e luta contra a sua política. Margarida Botelho é membro da Comissão Política do Comité Central do PCP
REFERÊNCIAS:
“Faz-me falta muita coisa. Faz-me falta Portugal”
Nuno Ferreira, de 30 anos, é mais um português que está fora do país por não ter alternativa. É informático e vive na República Checa, à espera de juntar o dinheiro necessário para voltar e cumprir o sonho de se dedicar “à produção animal”. Mais exactamente “às vacas”. É um dos protagonistas da reportagem sobre jovens emigrantes.... (etc.)

“Faz-me falta muita coisa. Faz-me falta Portugal”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-20 | Jornal Público
TEXTO: Nuno Ferreira, de 30 anos, é mais um português que está fora do país por não ter alternativa. É informático e vive na República Checa, à espera de juntar o dinheiro necessário para voltar e cumprir o sonho de se dedicar “à produção animal”. Mais exactamente “às vacas”. É um dos protagonistas da reportagem sobre jovens emigrantes.
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Palavras-chave animal
Compatriotas nossos
Os andorinhões da colónia cá de casa já estão nos ninhos. Uns já tinham cá ninho e voltaram para ele, defendendo-os dos andorinhões novatos. Os novatos nasceram cá há um ano ou dois e andam à procura dum lugar entre as telhas para fazerem o primeiro ninho. É muita a gritaria, mas, de vez em quando, há pancada. Também há ovos, tanto férteis como inférteis, que são expulsos dos ninhos, ninguém sabe porquê. Os andorinhões é que sabem. Os andorinhões acasalam para toda a vida e ajudam-se uns aos outros nos ninhos. A maioria dos andorinhões que chega na Primavera não vem acasalar e ter filhos. Mas os casais que vêm co... (etc.)

Compatriotas nossos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-05-31 | Jornal Público
TEXTO: Os andorinhões da colónia cá de casa já estão nos ninhos. Uns já tinham cá ninho e voltaram para ele, defendendo-os dos andorinhões novatos. Os novatos nasceram cá há um ano ou dois e andam à procura dum lugar entre as telhas para fazerem o primeiro ninho. É muita a gritaria, mas, de vez em quando, há pancada. Também há ovos, tanto férteis como inférteis, que são expulsos dos ninhos, ninguém sabe porquê. Os andorinhões é que sabem. Os andorinhões acasalam para toda a vida e ajudam-se uns aos outros nos ninhos. A maioria dos andorinhões que chega na Primavera não vem acasalar e ter filhos. Mas os casais que vêm contam com a ajuda dos outros. Tal como as várias andorinhas, os andorinhões que cá voltam nasceram todos cá. São portugueses. É verdade que depois emigram para a África do Sul. Mas, por isso mesmo, são emigrantes portugueses. Têm direito às protecções da nacionalidade. Dizer que são espécies migratórias é esconder a realidade. É verdade que vêm cá passar o Verão, mas passam também a Primavera: muitas estão cá metade do ano. Os emigrantes portugueses – os que podem – passam cá um mês por ano, mas não são menos portugueses por isso. Os andorinhões nasceram cá e passaram cá os primeiros meses de vida. Foi aqui que aprenderam a voar. Foi aqui que aprenderam a comer. Por alguma razão nunca mais se esquecem. Por alguma razão voltam cá, ano após ano, durante dez, quinze, até vinte anos. São uma sorte que temos: é lindo.
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Palavras-chave ajuda
Ericeira prepara-se para ser a grande maternidade dos ouriços em Portugal
O país, afirmam os peritos, tem boas condições para apostar no ouriço-do-mar, em meio natural ou aquacultura – e responder assim ao interesse crescente dos consumidores mundiais. (...)

Ericeira prepara-se para ser a grande maternidade dos ouriços em Portugal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 5 | Sentimento 0.8
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O país, afirmam os peritos, tem boas condições para apostar no ouriço-do-mar, em meio natural ou aquacultura – e responder assim ao interesse crescente dos consumidores mundiais.
TEXTO: Em alguns locais do mundo “os mananciais do ouriço-do-mar foram já explorados até à exaustão” e os países que são grandes consumidores desta iguaria, como o Japão ou a França, começam a procurar alternativas. É com base nesta constatação que surge o projecto Ouriceira, uma iniciativa conjunta da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar de Peniche do Instituto Politécnico de Leiria, da Universidade de Évora e da Faculdade de Ciências de Lisboa, apresentada por José Lino, professor desta faculdade, durante o recente Festival do Ouriço, na Ericeira. A zona, afirmam os especialistas que participaram nas jornadas técnicas do festival, tem um bom potencial para o aumento da produção, tanto na apanha como na aquacultura. A par do interesse dos mercados externos, verifica-se também já um aumento da procura no mercado interno – que o Festival do Ouriço quis reforçar, convidando chefs portugueses e espanhóis a encontrar novas formas de apresentar o ouriço nos seus pratos. Mas, explicou José Lino, para dar resposta a este interesse é fundamental fazer-se primeiro um estudo que deverá incidir em três pontos: cultivo, mananciais selvagens e repovoamento. O que se come do ouriço-do-mar são as gónadas (o sistema reprodutor muitas vezes, incorrectamente, chamado ovas) e o seu valor é maior no período pré-reprodutor, entre Janeiro e Abril, quando se encontram mais desenvolvidas. Isto significa, naturalmente, que a apanha está a comprometer os futuros stocks, impedindo a reprodução natural dos ouriços. Por isso, salientou José Lino, é fundamental “evitar a sobre-exploração generalizada”. No entanto, em Portugal “existe pouca informação”. Daí que seja “imperativo” estudar as populações de ouriço em Portugal, caracterizar a apanha e desenvolver técnicas de cultivo em cativeiro e de repovoamento em zonas que já são muito exploradas. Serão estes os objectivos do projecto Ouriceira, que está actualmente na fase de procurar financiamento, e que, segundo o biólogo, deverá começar em Janeiro de 2016 e tem uma duração prevista de 36 meses. Actualmente, segundo dados apresentados na mesma ocasião por Edgar Afonso, da Direcção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, a venda em lota de ouriço é (números de 2014) de apenas 9100 quilos, mas o número de licenças dadas para a apanha tem vindo a aumentar: em 2003 foram emitidas 46 licenças a nível nacional e em 2014 o número subiu para 211. Quando à aquacultura, “tem havido manifestações de interesse mas poucas concretizações”, disse, referindo a existência de apenas um estabelecimento licenciado, na região de Aveiro, cuja actividade é de crescimento e engorda dos ouriços. Não existe ainda nenhuma unidade licenciada para a “reprodução de juvenis”. Na opinião de Ana Pombo, do Politécnico de Leiria, e também envolvida no projecto Ouriceira, “o ouriço é um bom candidato” à aquacultura que “em Portugal precisa de se diversificada”. A água tem a temperatura adequada (entre os 18 e os 22 graus) e o que é necessário para o desenvolvimento de boas gónadas é que os animais recebam poucas horas de luz. “Na escola de Peniche já conseguimos fazer a reprodução”, afirmou. Quando os ouriços atingem entre 5 e 10 milímetros passam a um sistema de engorda, sendo que “nas fases larvares são alimentados com micro-algas e nas seguintes passam a alimentar-se com macro-algas”. Ana Pombo explicou que no que diz respeito à alimentação “já existem rações desenvolvidas por noruegueses e norte-americanos, mas não dão a cor laranja que os consumidores apreciam nas gónadas”. Esse é, no entanto, um problema que pode ser ultrapassado com a adição de carotenóides naturais “como se faz com o salmão”. A bióloga, coordenadora do Mestrado em Aquacultura do Politécnico de Leiria, defende que as empresas que já se dedicam à aquacultura para a produção de peixes podem “aproveitar zonas das suas explorações que não são usadas para fazer a produção de ouriços”, através da reprodução ou apenas do melhoramento das gónadas. Identificou também os principais problemas: “as dietas são muito caras, a janela de maturação das gónadas é curta pelo que é necessário manipular o fotoperíodo, há uma mortalidade elevada das larvas o que significa que é necessária mais investigação e há pouca disponibilidade de juvenis para a engorda. ”Se, com maior conhecimento e investigação neste domínio, Portugal conseguir ultrapassar estes problemas, tem, segundo os especialistas, boas condições para se juntar ao grupo de países produtores que existe hoje no mundo, como o Chile, o Canadá, os Estados Unidos, a Noruega, a Rússia ou o Japão.
REFERÊNCIAS:
Não falam português, mas a nova casa é Pedrógão
Procuram a calma, a natureza, o clima ou, simplesmente, o sentimento de comunidade. Apesar de o território ainda não estar completamente recuperado do incêndio de 2017, há quem venha de fora e queira estabelecer-se na região. (...)

Não falam português, mas a nova casa é Pedrógão
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 5 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Procuram a calma, a natureza, o clima ou, simplesmente, o sentimento de comunidade. Apesar de o território ainda não estar completamente recuperado do incêndio de 2017, há quem venha de fora e queira estabelecer-se na região.
TEXTO: Jelle e Sietske vivem por estes dias no Parque de Campismo de Pedrógão Grande, enquanto esperam que o terreno que compraram não muito longe dali esteja pronto a instalar uma habitação provisória. O casal de holandeses mudou-se para Portugal acompanhado pelos três filhos, depois de na Primavera de 2017 ter por ali passado em férias. Com eles veio também Hugo, o buldogue francês com um olho e dez anos, que exerce com pouca convicção e demasiada amabilidade as funções de guarda à carrinha vermelha que os aloja. Tal como esta família holandesa, há quem tenha decidido comprar casa e instalar-se nas zonas afectadas pelos incêndios do ano passado, sem que o ambiente negativo causado pelas notícias da tragédia os tivesse convencido do contrário. Embora também haja portugueses nesse universo, há um número significativo de estrangeiros a fazê-lo, explicam os agentes imobiliários da região contactados pelo P2. Sentados à mesa de madeira instalada no exterior da carrinha, com a albufeira da Barragem do Cabril em pano de fundo, Jelle Schrooten começa por oferecer pastéis de nata para introduzir a conversa sobre o projecto que tem para o futuro no terreno que o casal comprou na aldeia da Graça, concelho de Pedrógão Grande. A ideia é fazer das ruínas (que já o eram antes do incêndio) uma casa e montar um pequeno complexo de quatro tendas para turistas. Parte das encostas da margem do rio Zêzere lembra ainda a passagem do fogo, embora o tom inicial de antracite tenha dado lugar a manchas de castanho-esbatido. Mas a área que sobreviveu ao incêndio que deflagrou a 17 de Junho mostra também uma das razões que os levaram a mudar-se dos arredores de Roterdão para o centro de Portugal, destaca Sietske van den Oord: verde, montanhas e água. Acrescente-se o clima. Ela, agora com 40 anos, tinha um restaurante, e ele, 41, era músico. Tinham também um estabelecimento de ocupação de tempos livres para crianças. Decidiram vender tudo no ano passado e viajar pela Europa, começando pela Bélgica, passando depois por França, Espanha, Portugal e Itália. “Se encontrássemos algo e se nos sentíssemos bem num sítio”, mudar de país era desde logo uma opção, diz Jelle. A história de Anita e Andrew Crompton é diferente. Ainda não se mudaram definitivamente para Portugal e ainda não abriram mão de uma casa em Brackley, localidade britânica a meio caminho entre Londres e Birmingham. O processo de decisão também foi mais prolongado. “Tínhamos pensado comprar uma casa no estrangeiro há algum tempo e tomámos a decisão de comprar um imóvel na região centro em 2016”, conta Anita ao P2 por email. Desde aí, o casal britânico na casa dos 50 anos tinha andado a procurar o lugar ideal. Encontraram-no numa moradia de quatro quartos com “um jardim adorável” em Pedrógão Grande, que “precisa de alguma modernização, mas é habitável”. A descrição é feita por Anita, uma agente imobiliária aposentada, que explica que, como o casal ainda tem negócios em Inglaterra, dividirão o tempo entre os dois países durante os próximos anos. A irmã e o cunhado já viviam em Alvares, no concelho de Góis, não muito longe de Pedrógão, quando o casal britânico visitou a região há quatro anos. A notícia do incêndio devastador chegou à família holandesa pelas notícias. “Ficámos em choque”, recorda Jelle, até porque tinham deixado a região há poucos dias, prosseguindo a viagem em direcção ao Norte de Espanha. Na hora de fazer opções, o incêndio teve peso na escolha de um lugar? “É um ponto a ter em atenção”, diz Jelle. Contudo, acaba por relativizar. Cada localização tem a sua circunstância: das proximidades a falhas tectónicas à cidade italiana de Nápoles, nas imediações do vulcão Vesúvio. A própria Holanda está abaixo do nível do mar. “Vivemos numa banheira. Se o dique rompe, metade do país já era. Estamos habituados a essa ideia e provavelmente as pessoas aqui também estão habituadas a incêndios. ”Anita Crompton diz que os incêndios não influenciaram a decisão. “De forma nenhuma. Já nos tínhamos comprometido a encontrar uma casa aqui. ” Depois de Junho, a eventualidade da repetição do fenómeno não ficou a pairar. Na verdade, nem sequer se colocou, assegura. O processo de compra começou em Novembro de 2017 e terminou já no início deste ano. Tem a convicção de que “não se pode tomar decisões sobre a vida a pensar em todas as coisas terríveis que podem acontecer”. Mas a diferença entre o antes e depois não passa ao lado de quem voltou à região. “Ainda há partes verdes, mas a paisagem mudou”, nota Sietske. No percurso pela estrada desde a fronteira com Espanha, no regresso a Portugal, descreve Jelle, começaram a ver os esqueletos das árvores calcinadas. “Estendia-se por horas e horas. Então começámos a aperceber-nos do quão grande foi o incêndio. ”Discutem e questionam o papel do eucalipto na combustão, a preocupação de que a floresta volte ao mesmo, as políticas de prevenção e as possibilidades de mudança. Com três filhos pequenos e um negócio direccionado para turismo, “é preciso ter um plano”, caso alguma coisa aconteça. Mas não deixaram que isso fosse um factor impeditivo. Paul Brownlie fala com o P2 ao telefone a partir de Kelso, uma pequena cidade escocesa na fronteira com Inglaterra. Esteve em Portugal pela primeira vez há dez anos, em trabalho, e já na altura viu “o potencial óbvio da zona”. Mas só em Outubro o escocês de 34 anos tomou a decisão de se mudar com a família – mulher e dois filhos, de seis e dois anos – para a aldeia de Aveleira, no concelho de Vila de Rei. A “abordagem relaxada dos portugueses à vida”, o clima e o vinho foram factores que os levaram a escolher o país. Mas houve mais: “Penso que as zonas rurais de Portugal têm um forte sentimento de comunidade que se perdeu no Reino Unido. Desde as festas, as conversas no supermercado até à gentileza e bondade que encontrámos. ”Acabaram por comprar uma casa que fora destruída pelas chamas. Da moradia de rés-do-chão e 1. º andar só sobraram as paredes. “Não tem telhado, janelas, nem portas”, descreve, “mas algumas árvores da propriedade, como oliveiras e laranjeiras, sobreviveram”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os incêndios de Pedrógão não chegaram àquela zona do distrito de Castelo Branco, mas, em Agosto, um fogo que não causou vítimas mortais acabou por destruir algumas casas. Apesar de Paul Brownlie ter a intenção de se mudar para Portugal com a família, ainda não tem um calendário definido. “Pode demorar entre três e cinco anos”, afirma. Tudo depende do tempo que leve a reconstruir a casa, trabalho que ainda nem começou. Jelle e Sietske já estão a viver em Pedrógão e por cá vão ficar com os três rapazes, de cinco meses, de três e de seis anos, até que o novo lar esteja pronto. É também nessa perspectiva de se integrarem na comunidade que escolheram o país. “Grande parte da decisão de vir para Portugal foram os portugueses. São extremamente amigáveis e hospitaleiros em relação às crianças e aos animais, muito diferente dos países em que estivemos”, avalia Jelle. E preferiram instalar-se numa zona do país cuja tendência é a de perder população jovem. A propósito, o filho mais velho entra este ano para a escola primária e o casal quer que ele comece a aprender português. Os compradores estrangeiros significam uma boa parte dos negócios de casas e terrenos no Pinhal Interior, mas este mercado também sofreu o impacto dos incêndios de 2017. Carlos Rosa, agente imobiliário da Esfera Real, diz ao P2 que se sentiu uma quebra significativa nas vendas de propriedades em relação ao ano anterior. A Esfera Real vendeu 21 imóveis nos concelhos de Pedrogão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos entre 17 de Junho de 2017 e o final do mês de Maio deste ano. Isto significa “uma redução nas vendas de cerca de 60%”, quando comparado com o volume de vendas do anterior, explica. Das 21 propriedades vendidas, “apenas três ou quatro” foram para primeira habitação. Sete casas foram adquiridas por portugueses e apenas um dos compradores nacionais o fez para primeira habitação. O que significa que os restantes 14 são estrangeiros, principalmente de Inglaterra e da Holanda, revela Carlos Rosa, mas há também cidadãos alemães e escandinavos. Não foi só na queda das vendas que o impacto dos incêndios se fez sentir. Também houve quem tivesse desistido da ideia na sequência da tragédia que fez 66 vítimas mortais, 250 feridos e destruiu casas, empresas, terrenos e área florestal. “Tivemos três escrituras canceladas imediatamente após o fogo simplesmente porque as casas arderam”, refere. Nesses casos, o negócio ficou sem efeito e os valores do sinal foram devolvidos. Carlos Rosa não nota que tenha havido mais gente a colocar a casa ou terrenos à venda e diz que o número de imóveis que a agência tem em carteira manteve-se idêntico ao do ano anterior. Pode ter havido um ligeiro aumento, refere, mas não muito expressivo. Houve, no entanto, quem baixasse o preço, “Arderam alguns terrenos, jardins, não ficou tão atractivo, como é evidente”.
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Palavras-chave escola filho mulher comunidade
Como criar um país sem sair de casa
São olhados de lado pelas pessoas sérias, e é fácil tomá-los por loucos ou excêntricos. Criam países em casa ou na Internet, mas muitos deles só querem tornar o mundo real um pouco menos aborrecido. (...)

Como criar um país sem sair de casa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: São olhados de lado pelas pessoas sérias, e é fácil tomá-los por loucos ou excêntricos. Criam países em casa ou na Internet, mas muitos deles só querem tornar o mundo real um pouco menos aborrecido.
TEXTO: Quem não se lembra daquela vez em que o Ducado de Grand Fenwick, uma minúscula nação perdida na imensidão dos Alpes franceses, declarou guerra aos poderosos Estados Unidos da América com um ridículo exército de 20 e poucos homens, armados com arcos e flechas, e saiu vencedor? Os historiadores continuam a ignorar este feito, mas quem viu a comédia O Rato Que Ruge, de 1959, ou leu o livro que lhe deu título, nunca esquecerá o dia em que as nações mais pequenas do mundo vergaram as grandes potências e forçaram-nas a seguir o caminho da paz. Mais de meio século depois, muitas outras nações imaginárias como o Ducado de Grand Fenwick continuam a tentar construir o seu próprio mundo, longe da realidade das Nações Unidas e da monotonia de quem insiste em levar-se a sério, mas muito perto do absurdo ou da pura diversão. São conhecidas como micronações, apesar de o termo servir para definir quase tudo menos uma equipa de futebol. Há micronações no quarto, na sala, numa propriedade relativamente grande, ou sem as restrições de espaço que a Web permite. As que se levam a sério — ou as que dizem levar-se a sério — acabam por ter os seus 15 minutos de fama, como é o caso da República Livre de Liberland, autoproclamada em Abril passado pelo checo Vit Jedlicka, um jovem político de 31 anos fascinado com os ideais libertários. Jedlicka, membro do Partido dos Cidadãos Livres, foi entrevistado por rádios, jornais e estações de televisão europeus e norte-americanos, fascinados com a sua ideia de reclamar soberania sobre um pedaço de terra na fronteira entre a Sérvia e a Croácia, aproveitando-se de uma disputa que está por resolver desde o fim da II Guerra Mundial. Em poucas semanas, a autoproclamada República Livre de Liberland foi inundada com dezenas de milhares de pedidos de cidadania, de todos os cantos do mundo, de pessoas que partilham os ideais libertários de Vit Jedlicka: impostos e intervenção do Estado reduzidos ao mínimo; respeito total pela propriedade privada; e uma tolerância sem limites em relação à vida íntima e às crenças de cada pessoa — desde que “não tenham um passado comunista, neonazi, ou qualquer outro extremismo”, como se pode ler no site oficial. O problema é que a autoproclamada “República Livre de Liberland” foi concebida na cabeça de Vit Jedlicka mas quer nascer num local pouco hospitaleiro. Apesar da exposição mediática do seu fundador, o Governo da Croácia já disse que a ideia não passa de uma piada — e até ordenou a detenção de Jedlicka por duas vezes, obrigando-o a pagar uma multa por atravessar a fronteira de forma ilegal; a Sérvia referiu-se a Liberland como um “assunto fútil”; e o Governo da República Checa, pátria de Vit Jedlicka, disse que as acções do seu compatriota são “inadequadas e potencialmente nocivas”. Talvez por isso, o Egipto viu-se obrigado a assumir uma posição pública, depois de as notícias sobre Liberland e as entrevistas ao seu fundador terem captado o interesse de milhares de egípcios nas redes sociais. “Muitos jovens são manipulados, e há associações criminosas que se apoderam do seu dinheiro. Aconselhamos cautela, e apelamos aos jovens que peçam informações nos nossos consulados”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do país, Badr Abdel Atty, num alerta contra possíveis “fraudes”. Ao contrário da República Livre de Liberland, há inúmeras micronações que têm noção dos seus limites, como a República de Molossia, autoproclamada pelo norte-americano Kevin Baugh no seu terreno, no deserto do Nevada, e que passam mais despercebidas. Mas a troca acaba por compensar: apesar de os seus líderes não serem ouvidos pela CNN, pelo The New York Times ou pelo The Guardian, estas micronações são infinitamente mais divertidas. Tal como na versão cinematográfica do Ducado de Fenwick, cujos destinos eram liderados pela duquesa Gloriana XII (Peter Sellers), pelo primeiro-ministro Rupert Muntjoy (Peter Sellers) e pelo chefe das forças armadas Tully Bascome (Peter Sellers), também a República de Molossia, fundada e liderada por Sua Excelência, o Presidente Kevin Baugh, está em guerra. A diferença é que esta micronação de faz-de-conta envolveu-se num conflito armado com um país que já não existe: a República Democrática Alemã. Sentado na cadeira do poder, e vestido à melhor maneira de um ditador militar sul-americano saído de décadas passadas, Sua Excelência — como insiste em assinar a correspondência trocada com a Revista 2 — conta a história: “A Alemanha de Leste ainda existe, na forma de uma pequena ilha na costa de Cuba, que foi oferecida por Fidel Castro nos anos 70. Tecnicamente, essa ilha ainda é território da Alemanha de Leste, apesar de não ser habitada. Por isso, declarei-lhe guerra em 1983, quando era primeiro-ministro de Vuldstein, a anterior designação da República de Molossia. Nunca mais me lembrei da declaração de guerra, mas encontrei-a há alguns anos, nos meus ficheiros. Foi então que descobri que a Alemanha de Leste ainda existe — na forma dessa ilha — e que a nossa guerra está em curso, e assim vai continuar, provavelmente para sempre. ”A ilha a que Kevin Baugh se refere chama-se Ernst Thälmann, e foi assim nomeada por Fidel Castro em memória do líder do Partido Comunista alemão durante a república de Weimar, entre o fim da Grande Guerra e a ascensão ao poder dos nazis de Adolf Hitler. Preso em 1933, Thälmann passou 11 anos na solitária e foi executado em 1944. A ilha com o seu nome não é — nem nunca foi — território da Alemanha de Leste; Castro apenas lhe mudou o nome, durante uma visita a Cuba do então líder da RDA, Erich Honecker. Adiante — se há coisa que a República de Molossia não tem, é um Ministério para os Assuntos Sérios. Kevin Baugh é um norte-americano de 52 anos, nascido em Dayton, no estado do Nevada, e trabalha “no departamento de recursos humanos de uma grande empresa”, que insiste em não querer identificar. “Eu e o meu amigo James [Spielman] vimos um filme antigo com o Peter Sellers, O Rato Que Ruge, e pensei que seria divertido criar a nossa própria nação. Fizemos uma bandeira, a nossa própria moeda e as nossas leis. Mais tarde, ele desistiu, mas eu continuei com a ideia, e quando comprei um terreno no Norte do Nevada mudei o nome da propriedade para República de Molossia, hasteei a bandeira e comecei a construir a nação. ” Loucura? Delírio? Nada disso, diz Kevin Baugh — para ele, Molossia “foi sempre um símbolo de soberania pessoal, criatividade, imaginação, e um pouco de sátira”. O seu lema resume bem a ideia de que “o humor é algo muito sério”, uma frase atribuída ao escritor, jornalista, cartoonista e etc. James Thurber, e replicada por milhões de outros seres humanos, antes e depois do aparecimento do Twitter: “Nós divertimo-nos em Molossia, mas Molossia não é uma brincadeira. ”Hoje em dia, a República de Molossia é um terreno de 5000 metros quadrados, cercado por todos os lados pela localidade norte-americana de Dayton e pelos restantes Estados Unidos da América. Tem bandeira e moeda próprias (a valora), e a capital chama-se Baughston (qualquer relação com o nome do “ditador benévolo” Baugh não é pura coincidência). Quase nada falta à República de Molossia — se esquecermos os pormenores do reconhecimento internacional e/ou a capacidade de fazer negócios com países a sério. Caminho-de-ferro? Molossia tem: é uma réplica em miniatura, com uma estação a condizer, que Kevin Baugh opera sempre que é necessário. Cemitério? “Check. ” Uma praça central gigantesca? Molossia tem, só que não é nem central, nem gigantesca: é constituída por uma pequena fonte e dois bancos de jardim, enquadrados pela bandeira e por um canhão que não faz mal a ninguém vai para séculos. E, mais importante do que tudo o resto, tem um povo. “Temos 28 cidadãos, incluindo os nossos cães”, diz à Revista 2 Kevin Baugh. “Seis seres humanos e cinco cidadãos cães vivem em Molossia, e os restantes vivem fora do país, nos EUA, como expatriados. ” Quem estiver interessado em juntar-se a Kevin, à sua mulher — a primeira-dama de Molossia — e aos seus filhos, o melhor é pensar em alternativas: “Desculpem, mas não estamos a aceitar novos cidadãos. O nosso país é pequeno de mais. ”Desculpem, mas não estamos a aceitar novos cidadãos. O nosso país é pequeno de mais. ”Mas as visitas são bem-vindas. O importante é deixar uma “pequena contribuição” no posto fronteiriço — controlado por um boneco chamado Fred — e respeitar a lei: nada de lâmpadas incandescentes e sacos de plástico, “porque são maus para o ambiente”; armas e tabaco; missionários e vendedores; cebolas e morsas; e “tudo o que vier do Texas, excepto a cantora Kelly Clarkson”. A vida na República de Molossia — ou na vivenda da família Baugh, como diriam os mais circunspectos observadores internacionais — é igual a tantas outras em repúblicas de faz-de-conta fundadas em terrenos particulares: como não há dinheiro para empregados, é Sua Excelência quem mete as mãos à obra e varre a praça, poda as árvores e atende o telefone. Os três filhos mais pequenos — todos membros dos Rangers de Molossia, os escuteiros lá do sítio — beneficiam das vantagens de viverem numa micronação que é um gigantesco parque de diversão e de educação. O Ministério para a Exploração Aérea e Espacial da República de Molossia lançou em 2002 o seu primeiro foguetão (um modelo Tidal Wave, que ainda se pode comprar no eBay por cerca de 40 euros), e desde então já inaugurou o Observatório Nacional (um telescópio) e um Monumento Espacial (um pequeno foguetão espetado em varas de alumínio), ex-líbris do Cosmódromo Alphonse Simms e Campo de Broomball. Quando não está a cuidar da república com vassouras e aspiradores, nem a responder a perguntas de jornalistas portugueses, Kevin Baugh passa horas no deserto do Nevada a lançar e a apanhar pequenos foguetões, que descem de pára-quedas muito mais devagar do que o entusiasmo dos seus filhos. Mas, afinal, como se financia um banco, uma estação de correios, uma sociedade de geografia e um instituto de vulcanologia, entre muitas outras actividades de faz-de-conta? “A maioria das receitas de Molossia são enviadas por cidadãos convidados a trabalhar nos EUA. Também fazemos algum dinheiro com a venda de artigos turísticos. Desde o início do ano já recebemos 30 turistas. Pode não parecer muito, mas é um verdadeiro feito, se tivermos em conta o tamanho e a localização da nossa nação, no deserto do Nevada”, explica Baugh. Da conversa com Sua Excelência, o Presidente de Molossia — ou, para sermos mais correctos, Sua Excelência, o Presidente Grande Almirante Coronel Doutor Kevin Baugh, Presidente de Molossia, Protector da Nação e Guardião do Povo, como se pode ler no seu site —, ficou uma promessa a Portugal. A inquietação justifica-se porque Molossia tem uma armada (três barcos insufláveis), de que Kevin Baugh é, de forma pouco surpreendente, chefe do estado-maior, e Portugal tem uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo. “Envio calorosas felicitações do povo de Molossia à nação e ao povo de Portugal. Um sítio belíssimo, que espero visitar um dia. Prometemos não violar as vossas águas territoriais. ”Por vezes, as micronações resvalam para projectos de eremitas armados, com comportamentos libertários extremistas. Molossia — e muitas outras micronações experimentais — é o oposto. São tantas as micronações espalhadas por esse mundo fora, que o gigante dos guias turísticos, a Lonely Planet, lançou um livro, e Hollywood tem um filme na calha, com o originalíssimo título provisório Micronações, em que o actor Jack Black vai desempenhar um papel inspirado no Presidente de Molossia. “Sim, o Jack Black, o [actor, realizador e argumentista] Jared Hess e vários produtores vieram cá fazer pesquisa para o filme, que é inspirado em Molossia. Ele garantiu-me que eu e a primeira-dama vamos ter um pequeno papel no filme, por isso vamos chegar em breve ao cinema!” Embrulha, Vit Jedlicka e os 15 minutos de fama da tua Liberland. Mas antes do filme, o livro: Micronations: The Lonely Planet Guide to Home-Made Nations foi publicado em 2006, por obra e graça dos australianos John Ryan, George Dunford e Simon Sellers. Ryan, nascido em Melbourne há 44 anos e formado em História da Arte e em Estudos Cinematográficos, teve a ideia quando era editor do site da Lonely Planet, influenciado pela história de uma micronação australiana chamada Província de Hutt River, fundada em 1970. “No início, apreciei o humor e a excentricidade do Príncipe Leonard [chefe de Estado da micronação actualmente conhecida como Principado de Hutt River], e a sua luta contra o governo sobre as taxas aplicadas ao trigo. À medida que fui crescendo, fui-me interessando cada vez mais pelos conceitos de soberania e Estado-nação, a partir do caso de Hutt River. Eu sabia que aquilo não era realmente um país, mas não conseguia perceber porquê. Então, comecei a encontrar cada vez mais micronações em todo o mundo. Era um movimento”, recorda o co-autor do guia da Lonely Planet em conversa com a Revista 2. (Sim, também há micronações em Portugal — como o Reino Unido de Portugal e Algarves —, mas nenhuma tem uma armada de barcos insufláveis, nem opiniões públicas sobre a cantora Kelly Clarkson. )O primeiro obstáculo que John Ryan encontrou quando pensou em escrever um guia sobre micronações foi, provavelmente, o mesmo com que muitos leitores se depararam quando começaram a ler este texto: “Pensei que era uma boa ideia, mas a maioria das reacções foram de indiferença e mesmo de confusão. ”Até que a ideia chegou ao colo de Roz Hopkins, que editara o sucesso The Travel Book na Lonely Planet. “Ela percebeu a ideia imediatamente”, conta o autor do guia sobre micronações. “O único problema é que só me deu quatro meses para escrever o livro. Por isso, convidei dois amigos que partilham comigo o interesse sobre micronações e o absurdo. Pesquisei e escolhi as nações, defini a estrutura do livro e os três partilhámos a escrita. Foi mesmo à justa, mas cumprimos o prazo. ”E qual será a mais fascinante das micronações, segundo a opinião de um especialista certificado e autor publicado? A resposta surge sem hesitações, e poderia servir para fechar o círculo, se este texto acabasse aqui. “A micronação mais deliciosa que eu encontrei foi a República de Molossia, de Kevin Baugh. Para mim, é o exemplo perfeito da natureza bem-humorada e do espírito livre do melhor que as micronações têm para oferecer. Ele é muito divertido, mas está realmente a criar o mundo em que quer viver. Por vezes, as micronações resvalam para projectos de eremitas armados, com comportamentos libertários extremistas. Molossia — e muitas outras micronações experimentais — é o oposto. No geral, os líderes de micronações estão apenas a divertir-se, mesmo que tenham sido espicaçados por algo que consideram ser uma injustiça”, considera John Ryan. O fenómeno das micronações modernas levou um empurrão estratosférico em meados da década de 1990, cortesia da Internet. Mas a ideia de construir um país de faz-de-conta com alicerces no sentido de humor — seja com território, apenas virtual, ou imaginário — é muito mais antiga do que a expressão “à distância de um clique”. Em 1977, mais precisamente no dia 1 de Abril, o jornal britânico The Guardian publicou um suplemento de sete páginas sobre o arquipélago imaginário de San Serriffe, constituído por duas ilhas em forma de ponto e vírgula; e as repercussões foram “muito além dos sonhos mais delirantes”, disse-nos um dos jornalistas que participaram na brincadeira. Tim Radford, jornalista do Guardian durante 32 anos, onde foi editor das secções de Artes, de Literatura e de Ciência, distinguido por quatro vezes como melhor jornalista de Ciência britânico, recorda “o episódio de San Serriffe como um dos momentos mais felizes e privilegiados de uma longa carreira no jornalismo”. “A ideia inicial era que a ilha tivesse origens espanholas, localizada no Atlântico, mas, depois de um terrível desastre aéreo nas ilhas Canárias, a localização foi mudada à última hora para o Índico, e os nomes dos colonizadores foram alterados para nomes portugueses. ” Calma, caixa de comentários: “San Serriffe não foi uma piada sobre Espanha ou Portugal, mas sim sobre a Grã-Bretanha e os britânicos”, explica o jornalista. “A relação colonial portuguesa existia nas nossas cabeças. Precisávamos de uma ideia geral, um contexto simples para que os detalhes pudessem fazer sentido, e naquela época todos nós tínhamos idade suficiente para nos lembramos de Goa e Macau como territórios portugueses”, justifica. Resultado? Um dos correspondentes do Guardian foi à BBC na qualidade de cônsul britânico em San Serriffe desmentir “a lamentável cobertura jornalística” sobre o arquipélago; e poucas horas depois de o suplemento ter chegado às bancas, o jornal recebeu uma carta de um grupo auto-intitulado Frente de Libertação de San Serriffe, conta o jornalista, reformado há dez anos. “Os nossos leitores entraram na brincadeira. Nas semanas seguintes, recebemos cartas de candidaturas à Universidade de San Serriffe, agentes de viagens telefonaram-nos a perguntar se aquilo era mesmo uma piada, e depois diziam com voz pesarosa: ‘É pena, podíamos vender muitos pacotes de viagens. ’ Por essa altura, o Ministério da Administração Interna queria deportar dois americanos, e um deles pediu para ser deportado para San Serriffe. A deportação foi adiada porque o Ministério dos Negócios Estrangeiros teve de confirmar que não existia nenhum sítio com aquele nome. ”Dez anos depois, do outro lado do Atlântico, no Canadá, um miúdo que frequentava a escola primária teve também a ideia de criar o seu próprio mundo. Mas a imaginação de Eric Lis não ficou fechada num pequeno país — preferiu pensar em grande, e assim nasceu o Império Aericano (Aerican Empire no original, um trocadilho com “império americano” e o primeiro nome do seu criador). Mais dez anos passados, em 1997, e o Império Aericano aproveitava a boleia da Internet para alargar os seus domínios. Influenciado pelo humor dos Monty Python e pelos filmes de Mel Brooks e do trio formado por John Abrahms e os irmãos Zucker (Airplane, de 1980, ou Top Secret, de 1984), Eric foi tornando o seu império cada vez mais “silly”, chegando a reclamar soberania sobre uma porção de território na Lua. “Sem dúvida que houve períodos em que tivemos mais elementos ficcionais. No final da década de 1980 e na década de 1990, por exemplo, assumimos a soberania de centenas de planetas e tínhamos descrições detalhadas de muitas raças sensíveis que habitavam neles. Mas o coração do Império Aericano sempre foi muito real para nós”, conta à Revista 2 Eric Lis, agora na pele de psiquiatra com consultório próprio em Montréal, e investigador no Centro Médico da Universidade McGill. Mais: o homem que alimenta desde criança uma vida paralela num império imaginário que nunca saiu da Internet é director dos Laboratórios de Percepções Psiquiátricas sobre Tecnologias Emergentes, numa universidade que deu 12 Prémios Nobel ao mundo real, cinco deles na categoria Psicologia ou Medicina. Então, terá sido o psiquiatra uma criação do miúdo com sonhos do tamanho de um império? “É uma pergunta difícil. Fundei o Império quando era muito jovem, na prática fez sempre parte da minha vida. Diria que as minhas experiências ensinaram-me a ter uma mente aberta em relação ao que é e ao que não é possível. Para além disso, como passei a maior parte da minha vida a colaborar com pessoas de diferentes culturas, com crenças diferentes, percebi a riqueza do mundo em que vivemos, e isso contribuiu sem dúvida para o meu interesse sobre psicologia e, mais tarde, sobre a psiquiatria”, reflecte Eric Lis. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na Universidade McGill, o imperador Eric estuda “a forma como as pessoas entendem, usam e temem os avanços tecnológicos, em particular as tecnologias de comunicação e as redes sociais”, uma área de interesse que admite ter resultado da sua própria experiência de “como a Internet teve um papel tão importante” na sua vida — a tal ponto que o seu laboratório está a preparar a realização de estudos “sobre saúde mental e traços de personalidade dos micronacionalistas”. Eric tem noção de que algumas pessoas olham para ele — e para o seu império de faz-de-conta — e não conseguem ver para além do excêntrico. Para ele, isso nunca foi nem nunca será um problema: “A maioria das pessoas tem uma visão muito redutora do que faz sentido e do que não faz sentido, e imagino que isso torna o mundo delas mais aborrecido do que o meu. Contesto a ideia de que uma coisa engraçada não pode ser também séria, importante ou com significado. O maior problema deste mundo é que as pessoas que estão no poder tendem a não ter a capacidade para se rirem delas próprias e das suas crenças. ”E se, ainda assim, alguém continuar a pensar que o imperador de faz-de-conta é doido, o psiquiatra defende-o: “Tenho um emprego, que adoro. Tenho amigos e família, que gostam de mim e que me respeitam, e tenho mantido relações amorosas duradouras. Segundo todas as classificações de distúrbios psiquiátricos, ninguém que cumpra todos estes requisitos tem um problema de saúde mental. ”
REFERÊNCIAS:
Itália apela à UE para mudar leis da imigração e teme-se que tenham morrido 300 imigrantes
Governo italiano tenta levar União Europeia a discutir política de imigração. Mergulhadores disseram ter visto dezenas de cadáveres. Muitos terão sido levados por correntes marinhas. (...)

Itália apela à UE para mudar leis da imigração e teme-se que tenham morrido 300 imigrantes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 21 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-10-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Governo italiano tenta levar União Europeia a discutir política de imigração. Mergulhadores disseram ter visto dezenas de cadáveres. Muitos terão sido levados por correntes marinhas.
TEXTO: Reacende-se o debate em Itália sobre as leis de imigração, sobretudo as que tornam crime o apoio no mar a embarcações com imigrantes ilegais - o motivo que terá impedido o socorro ao navio que naufragou já perto da ilha de Lampedusa, na quinta-feira. O número oficial de mortos mantinha-se, nesta sexta-feira de manhã, em mais de 130, mas o elevado número de desaparecidos faz temer que tenham morrido pelo menos 300 pessoas, entre as quais crianças. “Já não temos esperança de encontrar sobreviventes”, disse à AFP um elemento das forças policiais envolvidas nas operações de resgate de um desastre que relança o debate sobre a política europeia de imigração. A Itália está esta sexta-feira a viver um dia de “luto nacional”. Até à manhã desta sexta-feira só foram salvas 155 pessoas das 450 a 500 que o navio transportaria, o que pode fazer do desastre a maior tragédia da imigração, nos últimos anos. Mergulhadores que exploraram a zona próxima do navio afundado disseram ter visto dezenas de cadáveres. Muitos outros terão sido levados da zona pelas correntes marinhas. A última grande tragédia com imigrantes ocorreu em Junho de 2011, quando 200 a 270, oriundos da África subsariana e fugidos da Líbia em guerra, se afogaram ao tentarem chegar a Lampedusa. Segundo a organização não-governamental Migreurop, com sede em Paris, nos últimos 20 anos, 17 mil imigrantes morreram ao tentar chegar à Europa. “Já não temos espaço, nem para os vivos nem para os mortos”, disse ainda na quinta-feira, poucas horas depois do naufrágio, a presidente da câmara de Lampedusa, Giusi Nicolini. O vice-primeiro-ministro italiano, Angelino Alfano, confirmou à AFP a detenção do capitão do navio, que partiu do porto líbio de Misrata, lotado de imigrantes, maioritariamente somalis e eritreus. Já esta sexta-feira, na Câmara dos Deputados, Alfano defendeu a necessidade de “actuar, na Europa e em África”. Na Europa, o vice-primeiro-ministro considera necessário mudar as regras “que fazem pesar demasiado a imigração clandestina sobre os países de entrada”. Na quinta-feira reivindicou a possibilidade de a Itália alargar o patrulhamento “para além das suas águas territoriais”. Agir na UEAlfano disse ter conversado ao telefone com o presidente da Comissão, Durão Barroso, e que este lhe deu "abertura" para reabrir o dossier da entrada de imigrantes ilegais na Europa. "Prometeu-me que virá connosco a Lampedusa para lhe mostramos o que se passa nesta parte da Europa", disse Alfano, citado pelo jornal La Repubblica. "Faremos ouvir alto a nossa voz na Europa para alterar os tratado de Dublin, o acordo internacional que atribui muito, muito, muito peso da imigração aos países de primeiro ingresso. "A ministra da Integração italiana, Cécile Kyenge, primeira negra num governo italiano, reclamou a criação de “corredores humanitários para tornar mais segura a travessia daqueles que são vítimas de organizações criminosas”. A comissária europeia dos Assuntos Internos, Cecilia Malmström, afirmou no Twitter a sua convicção de que é preciso mudar a situação: "Os meus pensamentos estão com as vítimas e com as suas famílias. Devemos redobrar os esforços para lutar contra os traficantes de pessoas que exploram o desespero. "Mas outros recordaram em Itália que a própria legislação italiana está na origem de problemas, não só a lei Bossi-Fini, como, mais recentemente, uma alteração que transforma em crime de favorecimento da clandestinidade prestar ajuda em alto mar a embarcações de imigrantes ilegais que estejam em perigo. Por isso, diz a presidente da câmara de Lampedusa, Giusi Nicolini, os pescadores se mantêm afastados destes navios. Três barcos de pescadores afastaram-se da embarcação que transportava estes imigrantes, que se incendiou e acabou por naufragar, dado o pânico das pessoas a bordo. As autoridades italianas informaram que cerca de 25 mil imigrantes entraram este ano em Itália, três vezes mais do que em 2012. Segundo as Nações Unidas, no ano passado, quase 500 pessoas morreram ou foram dadas como desaparecidas no mar, quando tentavam chegar à Europa.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime guerra lei imigração ajuda luto negra pânico
Condenação de líderes dos Khmer Vermelho reconhece o genocídio no Camboja
Quase 40 anos depois do fim do regime de Pol Pot, o tribunal especial criado com a ONU condena os dois principais responsáveis ainda vivos – com grande probabilidade, os últimos a serem julgados. (...)

Condenação de líderes dos Khmer Vermelho reconhece o genocídio no Camboja
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quase 40 anos depois do fim do regime de Pol Pot, o tribunal especial criado com a ONU condena os dois principais responsáveis ainda vivos – com grande probabilidade, os últimos a serem julgados.
TEXTO: Lah Sath tem 72 anos e pertence à minoria muçulmana cham do Camboja, que os Khmer Vermelho tentaram aniquilar ou converter à sua utopia ateia de uma sociedade agrária pura, sem moeda nem cidades. Esta sexta-feira foi ao tribunal especial criado para julgar os crimes de guerra do regime. Levou a mulher e quatro netas. Já tinha ouvido falar; desta vez, quis ver com os seus olhos. Os Khmer Vermelho cometeram “genocídio”, disse pela primeira vez o tribunal – e Lah Sath, a quem mataram o irmão por não cuidar bem de uma vaca, estava lá para ouvir. “A câmara conclui que crimes de genocídio foram cometidos” contra “o povo vietnamita” e contra os “muçulmanos cham”, afirmou Nil Noon, juiz presidente do tribunal que integra magistrados cambojanos e internacionais, em Phnom Penh. Já condenados por crimes contra a humanidade (transferências forçadas e desaparecimentos em massa), em 2005, Nuon Chea, de 92 anos, conhecido como “Irmão Número Dois” e considerado o principal ideólogo do regime, descrito pelo tribunal como “a mão direita de Pol Pot”, e Khieu Samphan, de 87 anos, que foi chefe de Estado entre 1976 e 1979, são agora condenados por genocídio – o primeiro contra os vietnamitas do Camboja e os cham; o segundo contra os vietnamitas. Na extensa lista de crimes lida por Noon (Chea pediu para sair nessa altura por se estar a sentir mal), inclui-se assassínio, extermínio, esclavagismo, deportação, encarceramento, tortura, perseguição religiosa, racial e política, desaparecimentos e violações em massa através da política de casamentos forçados…Ambos integraram um “programa criminoso conjunto” realizado para estabelecer “uma sociedade ateia e homogénea”, sem diferenças “étnicas, nacionais, religiosas, raciais, de classe ou culturais”. Os primeiros condenados por genocídio no Camboja serão muito provavelmente os últimos acusados pelos crimes do regime de terror iniciado a 17 de Abril de 1975 – e que em três anos, oito meses e 20 dias matou à fome, por trabalho forçado ou através de execuções 1, 7 milhões de pessoas, um quarto da população. Os alvos do extermínio, para além das minorias, foram os “inimigos do povo” entre os khmer. Estes eram a maioria da população e, naturalmente, das vítimas. Por isso demorou tanto até o tribunal se referir como genocídio aos crimes ordenados por Pol Pot (que morreu em 1998) – para ajudar a provar o genocídio dos vietnamitas, o tribunal ouviu um discurso de Pol Pot em que este assegurava, em 1978, já não haver “nem uma só semente” vietnamita no Camboja; vítimas cham descreveram como os membros da sua comunidade foram objecto de execuções em massa, proibidos de usar nomes muçulmanos ou praticar a sua religião e obrigados a comer porco (os budistas também eram frequentemente humilhados). Nuon Chea e Khieu Samphan são dois entre apenas três responsáveis julgados pelo tribunal criado em 2006, depois de delicadas negociações entre as Nações Unidas e o Governo. Hun Sen, primeiro-ministro desde 1985, reeleito em Julho sem oposição, é contra o julgamento da história e diz que mais processos poderiam conduzir a uma guerra civil. É acusado de interferir no tribunal, conseguindo o arquivamento do outro processo, contra quatro quadros de nível intermédio do regime radical maoísta. Levar a tribunal todos os que integraram nalgum momento esta estrutura de poder significaria, por exemplo, julgar Hun Sen e muitas figuras do seu Governo – o primeiro-ministro desertou quando começaram as grandes purgas internas e acabou por se juntar às forças do Vietname que derrubaram os Khmer. Antes destes dois responsáveis, apenas Kaing Guek Eav (conhecido como “Duch”), comandante da infame prisão S-21 de Phnom Penh – onde 15 mil cambojanos foram torturados antes de ser executados – tinha sido condenado, a prisão perpétua, pelo tribunal especial. “Pouco e tarde” ou “um dia absolutamente histórico”, há opiniões bem diferentes sobre o veredicto agora conhecido. “Foi um regime tão maléfico”, disse o procurador Nicholas Koumjian. “O veredicto é oportuno e necessário. O facto de estes crimes terem acontecido há 40 anos não diminui de nenhum modo o impacto do veredicto para os que foram afectados, pessoas cujos pais foram torturados e mortos. ”David Scheffer, ex-enviado especial da ONU para os julgamentos, considera o veredicto “muito significativo”: “É comparável ao julgamento de Nuremberga depois da Segunda Guerra Mundial. Isso vale o esforço e o dinheiro”, afirma, citado pelo diário britânico The Guardian. Entre as principais críticas ao tribunal está a lentidão com que trabalhou e os gastos de mais de 260 milhões de euros. Para a advogada e sobrevivente Theary Seng, que falou aos jornalistas à porta do tribunal, “justiça adiada é justiça negada”. O veredicto “é a acumulação de anos e anos de espera”, diz. Seng também tem dificuldades em aceitar que “só três pessoas tenham sido julgadas, quando houve milhares de assassinos”. “Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Amnistia Internacional descreve o veredicto como “justiça adiada e amarga”. Já a Human Rights Watch nota que o mundo devia exigir a “Hu Sen que explique por que é que pediu aos juízes cambojanos que ponham fim aos processos”, lê-se num comunicado. “Se os Khmer Vermelho deixaram de existir como entidade política e militar, de que é que o Governo tem medo?”Lah Sath, como tantos, foi expulso da cidade e obrigado a trabalhos forçados no campo, contou à Al-Jazira. A ele, um dos muitos cham que encheram a sala de audiências na capital, basta falar sobre os Khmer para reviver “memórias horríveis”. Desta vez, depois das memórias veio o veredicto que torna oficial o sofrimento de tantos e lhe chama genocídios.
REFERÊNCIAS:
Xavier Dolan, o menino das mamãs, com a imprensa a seus pés
Um melodrama, Mommy, varreu a competição do Festival de Cannes, reconciliando-nos com esta edição. (...)

Xavier Dolan, o menino das mamãs, com a imprensa a seus pés
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-05-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um melodrama, Mommy, varreu a competição do Festival de Cannes, reconciliando-nos com esta edição.
TEXTO: O Festival de Cannes andou a amamentar o seu filho, dando-lhe prémios em secções paralelas, criando o monstro do “menino-prodígio”. Agora, à quinta longa-metragem, na quarta vez no festival, primeira na competição principal, a figura de Xavier Dolan, 25 anos, está a provocar a seguinte pergunta pelos corredores do Palácio dos Festivais: o que pode (ainda?) fazer ao seu ego uma Palma de Ouro?A resposta vai ficar para depois. Para já, estão aí as emoções com que um melodrama, Mommy, varreu a competição desta 67. ª edição (flashback para 1996, Segredos e Mentiras, de Mike Leigh, é desse nível a coisa…), reconciliando-nos com uma edição que só a espaços estabeleceu mais do que relação de rotina com o espectador. Para dizer a verdade, qualquer dilema que Dolan possa colocar agora cai por terra perante a admiração que o seu tour de force está a suscitar: num subúrbio quebequense, aquele em que Dolan cresceu, a história de uma mãe, do filho doente e violento que ela tenta manter ao seu cuidado, em vez de o internar numa instituição, e de uma vizinha, ex-professora que deixou de falar depois de um trauma, que se junta a esse par – trio formado ao sabor das manobras de compensação emocional de cada um, e que vive efémera história de folie à trois, contra tudo e todos, contra até o formato quadrado do ecrã que os aprisiona, mesmo que elas, com um toque de mãos, em momentos condenados também à efemeridade, possam empurrar para os lados os limites dessa prisão, o ecrã, deixando entrar mundo e podendo ambicionar um lugar no mundo (epifania ao som de Wonderwall, dos Oasis, por exemplo). Foi decisivo para a afirmação pública da maturidade do cineasta Dolan um filme como Tom à la ferme (2013), o anterior – já comprado para Portugal, tal como Mommy, mas ainda não estreado. Pela forma como, ao suspender a aceleração folclórica, que parecia imparável e em rota para o acidente, o cinema do realizador do Quebeque deixava os espectadores, tal como as personagens, pendurados no fio do desejo. Foi esse passo, talvez, que permitiu que Dolan regressasse com Mommy a um motivo autobiográfico, a relação com a sua mãe, que estava na origem da primeira longa, J’ai tué ma mère (2009), e o refundasse desta forma: gloriosamente. Encontrando um centro de gravidade para o histrionismo do seu cinema e para a voracidade pagã do vernáculo quebequense junto de actrizes habituais, como Anne Dorval (a mãe) ou Suzanne Clément (a amiga) – o filho, Antoine Olivier Pilon, é uma versão graúda, imprevisível, grotesca e profundamente comovente do Macaulay Culkin de Home Alone, ou seja, é tocado espiritualmente pelo Alex/Malcolm McDowell de Laranja Mecânica. Fazendo um filme já não sobre a sua mãe, fazendo um filme já não com a determinação caprichosa, adolescente, narcísica de a “matar” para poder exibir a sua voz, como no primeiro opus, mas fazendo um filme sobre a Mãe e oferecendo-lhe o seu cinema. “Para ganhar. Para fazer o que a vida não nos deixa fazer. É a beleza deste métier”, disse numa conferência de imprensa que se prolongou mais do que o habitual, na qual percebeu que tinha a imprensa a seus pés, e que afinal todos lhe desejam a Palma – uma vez que não é possível um filme receber o prémio máximo e ao mesmo tempo outros galardões, a coisa pode ser jogada contra a Palma de Ouros, se o júri preferir premiar a(s) intérprete(s) do filme. Ele disse-se viciado na adrenalina de um plateau de cinema, vício esse “de elevado consumo” – e causado também, o que começa a deixar de ser surpreendente, por uma inquietação e um toque de gravidade: “Sei que sou novo, mas não sei quanto tempo me resta para criar. ” Falou no desaparecimento natural da figura do pai nos filmes – apenas “acontece”, corresponde ao que se passa na sua vida, foi criado pela mãe, o contacto com o pai foi tardio, agora é “amigável”, mas não é figura que o impressione a ponto de querer fazer filmes sobre ele. E regressou (sempre) a Titanic, de James Cameron, o filme que lhe mostrou que havia realização, música, guarda-roupa, o filme que deu “fé e ambição” às suas histórias, e que lhe tirou o medo de contar as suas histórias. Assinalou que brevemente vai abrandar, para regressar à escola, para estudar. E para “dar beijos” em pessoas da sua idade. Ovni GodardKen Loach anunciara, durante a rodagem problemática de Jimmy’s Hall, que esse seria o seu último filme. Terá voltado atrás, agora que tudo passou, porque do cinema não se desliga facilmente. O seu filme é mais do mesmo – pior do que o mesmo, aliás. Elogio da dissidência, a partir de um episódio real da História irlandesa, a deportação para a América do comunista James Gralton, nos anos 30, não tolerado pelo establishment político e religioso irlandês, que não viu com bons olhos o seu projecto de uma sala para noites de dança e dias de discussão e arejamento de ideias, é middle of the road. Como o era, aliás, o filme de Loach que venceu a Palma de Ouro em 2006, The Wind that Shakes the Barley. Nesse nível de convenção encontra-se com os últimos filmes de Mike Leigh ou dos irmãos Dardenne. Numa competição com estes parâmetros, o Adieu au langage de Godard faz figura de ovni, disseram-lhe. Pode-se perguntar se Godard não é já o ovni de prestígio para os programadores do festival, por exemplo, que em contrapartida não toleraram Abel Ferrara, nem o facto de ele não ter querido fazer cortes a Welcome to New York e por isso o filme ficou no limbo das Sessões Especiais, projectado em ritual underground, numa praia. Sétima selecção de Godard em competição no festival, condiz com a condição de marginal de prestígio não ter vindo a Cannes, até porque, disse, receber uma Palma de Ouro faz mal; ele tem conseguido evitá-lo até hoje. Adieu au langage faz-se das idiossincrasias godardianas de sempre, da sua solidão, de uma voz off ruminante que espectaculariza o desaparecimento, o fim (“On va bientôt tous avoir besoin d'interprètes, ne serait-ce que pour se comprendre soi-même"), de um casal e das suas ficções em estilhaços. Adieu au langage faz-se em frente à televisão e na sanita de uma casa de banho, com pedaços de corpos que ainda estavam inteiros na sua tristeza em Passion (1982) ou no Prenom: Carmen (1983). E faz-se fabricando uma curiosidade de bricoleur e com a ilusão de uma inocência quase infantil com a utilização do 3D. Mas quem parece livre e de corpo inteiro é Roxy Mieville, o cão de Godard. Não se sabe para onde vai esta descarga inventiva, nem que sentido lhe atribuir aos estilhaços. A relação com o cinema de Godard passa por permitir um encontro de solidões, há até qualquer coisa de reconfortante nisso (e com este filme há este cão), não é preciso perguntar. O seu lugar estará sempre protegido (venha ele a Cannes ou não), a sua solidão intacta. “Que pensez-vous du film de Godard?” Não é para pensar.
REFERÊNCIAS:
Mais de 20 refugiados encontrados mortos em camião na Áustria
Polícia diz que morreram entre 20 e 50 pessoas na zona de carga de um camião, provavelmente sufocadas. Cimeira que discute Balcãs dominada pelas questões dos refugiados e de imigração. (...)

Mais de 20 refugiados encontrados mortos em camião na Áustria
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 14 Refugiados Pontuação: 21 | Sentimento 0.15
DATA: 2019-05-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Polícia diz que morreram entre 20 e 50 pessoas na zona de carga de um camião, provavelmente sufocadas. Cimeira que discute Balcãs dominada pelas questões dos refugiados e de imigração.
TEXTO: O drama dos refugiados centrava-se esta quinta-feira na Áustria, onde um camião foi descoberto à beira da estrada com dezenas de mortos no interior – o estado de decomposição não permitiu às autoridades dizer quantos. A descoberta coincidiu com uma cimeira de líderes em Viena, que iria discutir a política União Europeia-Balcãs mas que acabou centrada nas questões de imigração e refugiados. O chefe da polícia de Burgenland, a região perto da fronteira com a Hungria em que estava o camião, disse que esta é a pior tragédia no local desde a II Guerra Mundial. Responsáveis europeus usam a marca da II Guerra para fazer notar que a crise dos refugiados é a maior que a Europa enfrenta desde então. O responsável da polícia regional, Hans Peter Doskozil, explicou numa conferência de imprensa que o camião chamou a atenção por estar parado há algum tempo numa área de serviço ainda relativamente perto da fronteira húngara. Fluido escorria da porta entreaberta. Um funcionário da auto-estrada que liga a fronteira húngara à capital chamou a polícia que descobriu os corpos em avançado estado de decomposição. Análises pretendem agora determinar quantos eram os mortos, de que nacionalidades, que idades teriam. A polícia não sabia sequer dizer se havia crianças entre as vítimas, que provavelmente terão morrido sufocadas. A maioria dos refugiados chega à Hungria depois de começar pela travessia da Turquia para a Grécia, em pequenas embarcações insufláveis e com muito mais pessoas do que deveriam, e seguem depois viagem para a Macedónia, Sérvia, e então Hungria, que esta semana declarou guerra aos imigrantes e refugiados. Em todos os países, as autoridades queixam-se de não ter meios para lidar com o número cada vez maior de chegadas. Que estes refugiados morram na Áustria depois de tantos perigos é uma ironia horrível. “Hoje refugiados perderam as vidas que tinham tentado salvar ao escapar, mas perderam-nas às mãos dos traficantes”, lamentou o chanceler austríaco, Werner Faymann. Ainda no dia anterior a polícia austríaca tinha detido três condutores suspeitos de transportarem refugiados da Síria; um deles tinha levado 34 pessoas na traseira de uma carrinha branca, incluindo dez crianças pequenas, que foram depois abandonadas à beira de uma auto-estrada perto de uma cidade a meio caminho entre a fronteira e a capital. Os refugiados dizem que mal conseguiam respirar, e que o condutor foi directo da Sérvia até à Áustria, ignorando os seus pedidos para mais ar. Cada vez mais há apelos para criar vias seguras para os refugiados poderem chegar à Europa evitando os traficantes. As autoridades austríacas prometem agir contra os que transportam os refugiados e migrantes nestas condições. A ministra do Interior, Johanna Mikl-Leitner, reforçou esta ideia na conferência de imprensa sobre o camião. “Esta tragédia devia preocupar-nos a todos”, disse Mikl-Leitner. “Os traficantes de pessoas são criminosos que não se interessam pelo bem-estar dos refugiados, apenas pelo lucro”, sublinhou. “Desengane-se quem ainda achar que eles ajudam os refugiados”, continuou, apelando a que ninguém dê auxílio ao condutor a escapar às autoridades. Está em curso uma caça ao homem para o encontrar, em coordenação com as autoridades húngaras. Sabe-se que o camião, de uma empresa eslovaca de carne de aves, foi vendido em 2014 e está registado em nome de um cidadão romeno. A polícia não sabe quando terá mais informações. “Não temos referência para um caro destes”, dizia um responsável à emissora pública ORF. A Hungria está a ver números recorde de refugiados passarem a sua fronteira, numa altura em que ameaça parar a sua progressão com muros, arame farpado, e até xército. Na quarta-feira, verificou-se um novo pico de pessoas a passar a fronteira da Sérvia com a Hungria - 3241 pessoas. ´O ministro sérvio dos Negócios Estrangeiros, Ivica Dacic, pediu à União Europeia um “plano de acção”. “Este é um aviso para resolvermos este problema e mostrarmos solidariedade”, comentou a chanceler alemã, Angela Merkel, que participava na conferência. A Alemanha – que receberá este ano 800 mil pessoas, mais do que qualquer outro país europeu – vem a apelar repetidamente a outros países que partilhem o número de refugiados. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O ministro austríaco dos Negócios Estrangeiros, Sebastian Kurz, também opinou que é necessária uma melhor redistribuição dos refugiados, sugerindo por exemplo que no país de chegada possam escolher o local onde querem pedir asilo (as regras actuais ditam que têm de pedir asilo no primeiro local onde chegam, ou então chegar ao local onde querem pedir asilo). Enquanto isso, Kurz juntou-se ao coro de alertas sobre uma ameaça ao espaço Schengen: A União Europeia “sem fronteiras no seu interior está em risco”, se as fronteiras no seu exterior não estão seguras, afirmou. PUB
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra imigração homem carne aves