Tesla “liga” segunda loja em Portugal, Model 3 está quase a chegar
Nos Estados Unidos, o Model 3 já está a alterar as regras do jogo e as perspectivas de futuro da marca de Elon Musk. Em Portugal, a Tesla abriu loja na zona do Porto, onde podem ser vistos o Model S e o Model X. Para já, só na loja de Lisboa se pode ver o Model 3, que começa a ser distribuído na Europa no 1.º semestre de 2019. (...)

Tesla “liga” segunda loja em Portugal, Model 3 está quase a chegar
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nos Estados Unidos, o Model 3 já está a alterar as regras do jogo e as perspectivas de futuro da marca de Elon Musk. Em Portugal, a Tesla abriu loja na zona do Porto, onde podem ser vistos o Model S e o Model X. Para já, só na loja de Lisboa se pode ver o Model 3, que começa a ser distribuído na Europa no 1.º semestre de 2019.
TEXTO: Uma semana antes de uma pré-apresentação em Portugal – na quarta-feira, dia 14 – do Model 3, modelo que promete baralhar o jogo do comércio automóvel global, a Tesla, a construtora norte-americana de carros 100% eléctricos, abriu uma segunda loja no país, agora na zona do Porto. Já tinha uma loja permanente no El Corte Inglès de Lisboa, tinha aberto lojas temporárias em Braga e no Algarve durante o Verão e desde 5 de Novembro que conta com uma loja definitiva no El Corte Inglés de Vila Nova de Gaia, um espaço que conhece bem. Também aqui já teve um espaço temporário entre Abril e Junho do ano passado. A questão da rede de lojas – se é que se pode falar de uma rede, com apenas duas unidades – é apenas uma das especificidades da forma diferente de a Tesla se relacionar com o mercado. A marca fundada por Elon Musk insiste em não depender de uma rede de concessionários, a solução convencional. Insiste que se quer relacionar directamente com os clientes, ouvindo as suas queixas e sugestões de melhoria do produto, sem perder informação nem partilhar responsabilidades com intermediários. Aposta muito na Internet e deixa para as lojas o contacto físico com os clientes, o contacto destes com o veículo e, claro, o test-drive. Outra especificidade decorrente é que, sem concessionários, os preços praticados pela Tesla são os mesmos, seja na loja de Lisboa seja na loja do Porto, seja noutra qualquer loja que venha a abrir. E a marca ressalva que só não pode garantir que o preço é o mesmo de um país para o outro, porque, mais do que custos de produção, há componentes fiscais nacionais que fazem os valores variar muito. Por isso, não vale a pena contar com descontos: o preço é o que é, a menos que estejamos a falar de frotas ou de viaturas de exposição. Para já, o plano imediato para Portugal é continuar a apostar nas lojas pop-up, para abrir durante curtos espaços de tempo nos locais onde pontualmente haja uma elevada concentração de clientes potenciais. Quando este texto foi escrito estava prevista para dia 14, na loja do El Corte Inglès de Lisboa, e por iniciativa do Tesla Club de Portugal, uma primeira apresentação no país do Model 3, o automóvel que Musk profetizou que haveria de mudar a história da indústria automóvel – foi apresentado como um sedan de luxo eléctrico a preço acessível, para o segmento premium, e que começa a dar sinais de poder cumprir a ameaça. Depois de um primeiro período de susto, em que quase sucumbiu ao sucesso e às elevadíssimas expectativas – demasiadas encomendas para a capacidade instalada –, começa a impor-se no mercado, ainda que a um ritmo inferior ao inicialmente anunciado. Segundo a Tesla, dos 83. 500 veículos que a marca produziu para todo o mundo no terceiro trimestre (um crescimento de 80%, em relação ao período homólogo de 2017), 55. 000 foram Model 3. E, note-se, o Model 3, ainda só está a ser entregue em dois países do mundo, ainda que mercados importantes: Estados Unidos e Canadá. Na Europa, e naturalmente em Portugal, o Model 3 tem entrega prevista para o primeiro semestre de 2019 – no Reino Unido será mais tarde, por causa do volante à direita. Estima-se que venha a custar entre 39 mil e 49 mil euros, consoante se opte pelas versões de 50kWh ou 75kWh. A Tesla, e esta é outra da sua forma diferente de estar no mercado, não revela número de vendas ou encomendas por país. Abre uma conveniente excepção para divulgar a notícia do USA Today que diz que a marca de Palo Alto ultrapassou as vendas da Mercedes-Benz nos Estados Unidos no terceiro trimestre de 2018 e que se prepara para ultrapassar também a BMW no último trimestre do ano. Tem-se escrito que haverá mais de 1600 Model 3 encomendados em Portugal – a mera reserva online (que dá direito a um email de aviso para quando for possível fazer a encomenda) custa mil euros –, mas isso só a Tesla poderia confirmar. Por outro lado, também é verdade que, com esta política de informação, a Tesla fica imune à suspeita generalizada de que as marcas matriculam veículos só para impressionar chefias ou o mercado…De qualquer forma, para quem ainda está a pensar como nas linhas acima se ousou combinar palavras como “acessível” com números como “49 mil” a propósito do mesmo automóvel, convém recordar que estamos a falar de veículos 100% eléctricos, com custos de utilização e manutenção reduzidos, com acabamentos premium e sobretudo com prestações muito acima da média – verdadeiros desportivos ou mesmo superdesportivos. A versão de 75kWh do Model 3, o equivalente a 257 cavalos, assegura uma aceleração de 0 a 100km/h em apenas 5, 1 segundos e uma velocidade de ponta limitada a 225km/h (há outra versão menos potente, de 50kWh). E ainda se tem falado de uma versão de tracção integral mais potente e dois motores – um em cada eixo, ambos eléctricos, obviamente, que a filosofia da Tesla nada tem de híbrido – como usam a berlina desportiva Model S e o SUV Model X (este configurável para cinco, seis ou sete lugares para adultos), embora o próprio Musk já tenha vindo avisar que a plataforma do Model 3 só é compatível com as baterias até 75kWh. Vamos lá ter calma!Os packs de baterias de 75kWh equipam as versões-base do Model S e do Model X, que estão disponíveis a partir de 93. 580 euros e de 102. 430 euros, respectivamente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Aquilo que a Tesla não se importa nada de revelar são alguns dados susceptíveis de amenizar receios recorrentes dos consumidores em relação a automóveis eléctricos: a longevidade das baterias e a autonomia na utilização. Por ocasião da abertura da loja de Gaia, a Tesla divulgou também a notícia do taxista finlandês cujo Model S já ultrapassou os 400 mil quilómetros (este teve o motor trocado pela Tesla, que oferece uma garantia de oito anos para baterias e motores) com a bateria a manter uma eficiência de 93%. Ou da viatura de uma empresa de shuttle, da Califónia, com bateria a 94% após mais de 200 mil quilómetros. Quanto à autonomia, a Tesla chama a atenção para o investimento já realizado em postos de carregamento em Portugal: cinco estações Supercharger (as mais rápidas, onde 20 minutos dão, em média, carga para 250km) para 44 viaturas, distribuídas por Ribeira de Pena, Guarda, Fátima, Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal – e promete outras em breve, no seu site, para Braga, Castelo Branco, Marinha Grande, Lagos e Faro. Além disso, sublinha que já tem mais de uma centena de postos Destination Charging, de carregamento mais lento (mas mais amigo da saúde das baterias), espalhados por parques de estacionamento, centros comerciais, hotéis e restaurantes de todo o país. Além disso, comercializa um carregador doméstico de parede por 530 euros.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave concentração
Há fundos a investir em floresta e a conseguir fintar os incêndios
Nas áreas do interior geridas pelo Fundo Floresta Atlântica somam-se vitórias contra os incêndios. Mas a replicação deste exemplo custa em arrancar. Quem investe na pira que é a floresta portuguesa? (...)

Há fundos a investir em floresta e a conseguir fintar os incêndios
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nas áreas do interior geridas pelo Fundo Floresta Atlântica somam-se vitórias contra os incêndios. Mas a replicação deste exemplo custa em arrancar. Quem investe na pira que é a floresta portuguesa?
TEXTO: Pede-se gestão das florestas para as tornar mais resistentes aos incêndios. Para isso é preciso investimento mas este foge a sete pés quando se depara com as faúlhas a esvoaçar. É a chamada pescadinha de rabo na boca. Num país em que o valor acrescentado da produção de madeira na exploração florestal é dos melhores da Europa, não há forma de aliciar investidores. A única sociedade que gere os fundos imobiliários florestais existentes - o primeiro foi criado há dez anos com a missão de os atrair para as zonas deprimidas do interior -já provou que consegue reduzir o risco de incêndio nas áreas que gere. E ainda manter-se à tona de água. Mas falta mais, muito mais. A Floresta Atlântica, uma sociedade anónima constituída em 2007, tem como accionistas o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), quatro bancos (CGD, Crédito Agrícola, Novo Banco e BBI) e a empresa Europac Portugal. Gere já quatro fundos e uma área superior aos 8000 hectares dispersos pelo país, e em zonas de minifúndio, onde o principal desafio é mesmo conseguir gerir reduzindo o risco de incêndio florestal. E tem provas dadas. Segundo Rui Gonçalves, presidente executivo da Floresta Atlântica, que esta quarta-feira deu conta de como os fundos têm lidado com os incêndios rurais, os números demonstram que desde que começaram a gerir as propriedades que compraram ou arrendaram, a destruição tem sido menor do que no passado e mesmo menor quando se compara com o que se passou no resto do concelho em que estas áreas se inserem. O primeiro fundo, com o mesmo nome da sociedade, conta com a participação de quatro bancos, uma companhia de seguros, um fundo de investimento e o importante apoio do IFAP, que investe capitais públicos, tanto nacionais como comunitários. Foi lançado em 2008 e gere 4603 hectares, predominantemente ocupados por pinheiro-bravo, no Nordeste Transmontano, Douro, Tâmega, Beira Interior Norte e Alto Alentejo. Apenas 17% das áreas têm risco baixo a moderado de incêndio mas desde que estão sob a sua gestão, estes espaços arderam metade do que arderam os municípios onde se inserem e menos de metade do que tinha sido destruído no passado. O mesmo acontece com os restantes fundos. O Iberian Forest Fund, também lançado em 2008 com a participação da Europac e um fundo de investimento imobiliário, gere 887 hectares – cobertos sobretudo por eucalipto, pinheiro-bravo e sobreiro, em partes quase iguais – em Portalegre, Arronches e Bragança. São zonas de elevado risco de incêndio mas a destruição nos últimos dez anos foi bastante reduzida. Já o Eglon Timbers (o quarto fundo, Iberia Capital, gere sobretudo património construído, como é o caso de fábricas) é um fundo finlandês que decidiu em 2013 investir em zonas de eucalipto que tinham ardido no sul do país. São áreas quase totalmente sujeitas a elevado risco de incêndio que praticamente não arderam nos anos recentes. Para chegar a esta boa performance em termos de redução de risco a fórmula é sempre a mesma: gestão activa. Uma gestão que passa pela existência de conhecimento nas decisões que se tomam para tornar a paisagem mais resiliente, pelo controlo de combustíveis (através tanto de pastoreio como de fogo controlado, por exemplo), pela existência de equipas de sapadores florestais que ajudam a combater o incêndio nestas propriedades e em seu redor, pelo incentivo à presença de pessoas no terreno, quer através da resinagem, quer através da contratação de mão-de-obra local, e até pelo apoio aos vizinhos para fazer queimadas, entre outras medidas, adiantou Rui Gonçalves. Tudo isto custa 35 a 45 euros por hectare por ano se só se olhar para os custos da gestão do risco de incêndio. No total, contando também com a produção florestal, serão investidos cerca de 100 euros por hectare por ano. E tem havido retorno – cerca de 10% nestes dez anos. Mas os fogos do ano passado acabaram por pesar na factura porque a madeira desvalorizou e, por consequência, também o valor das terras baixou. Para conseguir gerir, reduzir o perigo de incêndio e sobretudo dar retorno aos proprietários, tem de haver investimento. “O fundo foi lançado para ser uma âncora pública para que aparecessem mais. Mas não apareceram”, lamentou Rui Gonçalves. A gestão é complicada em minifúndio e o risco de incêndio é enorme. Mas o certo, indicam os últimos dados do Eurostat, o valor acrescentado da produção de madeira em Portugal é elevado – se bem que são dados mais ligados à indústria que à produção. Poderia ser um investimento interessante se. . . Há muitos "ses". “A floresta precisa de investimento público superior ao que existe, pois como está não dá retorno. O mercado só não chega. Tem de se pensar que a floresta tem valor para além da madeira, presta serviços ambientais e é importante para a coesão territorial”, sublinhou o presidente da sociedade Floresta Altântica. Algo que muitos exigem há já muito tempo mas que tarda em ser aplicado: era necessário um primeiro grande empurrão por parte dos apoios públicos para incentivar a gestão activa e assim reduzir os riscos de forma a atrair novos investidores. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As medidas que permitem aceder aos fundos comunitários têm de ser redesenhadas para que não só abarquem os serviços que a floresta presta, mas sobretudo para que se adaptem ao terreno já que as existentes “são dirigidas a populações que não existem e as que existem não sabem aceder a esses fundos”, criticou-se durante o debate que decorreu no auditório do Instituto Florestal do Instituto Superior de Agronomia. Há ainda outros fundos públicos, como o florestal ou o ambiental, que todos gostariam que investissem mais na floresta e menos no combate – a principal crítica feita ao uso do dinheiro do Fundo Florestal Permanente. Todos concordam que Portugal pode ter na floresta – como já tem, apesar dos pesares – um dos seus principais pilares económicos. Todos os dados apontam para um aumento da procura dos produtos florestais. Mas os investidores continuam arredados. Porque ninguém atira dinheiro para uma pira.
REFERÊNCIAS:
Tempo quarta-feira
Há pelo menos 80 mil anos os humanos já andavam pelo Vale do Côa
Arqueólogos e outros especialistas internacionais apresentaram no Museu do Côa as últimas descobertas no que toca à arte rupestre. Thierry Aubry representou a equipa da casa para falar de mais uma rocha com “gravuras animadas” e de um “buraco” que faz recuar a ocupação humana do vale. Já sabíamos que os neandertais por lá tinham passado, mas não sabíamos que o tinham feito tão cedo. (...)

Há pelo menos 80 mil anos os humanos já andavam pelo Vale do Côa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.3
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Arqueólogos e outros especialistas internacionais apresentaram no Museu do Côa as últimas descobertas no que toca à arte rupestre. Thierry Aubry representou a equipa da casa para falar de mais uma rocha com “gravuras animadas” e de um “buraco” que faz recuar a ocupação humana do vale. Já sabíamos que os neandertais por lá tinham passado, mas não sabíamos que o tinham feito tão cedo.
TEXTO: Imagine-se um caçador de há milhares de anos a observar uma série de auroques em estado selvagem (falamos de um tempo em que as populações humanas eram ainda nómadas e estavam longe de domesticar animais). Imagine-se esse caçador, mais tarde, a reproduzir a cena observada numa rocha do vale do Côa, procurando mostrar estes bovinos de grandes dimensões hoje extintos em interacção, com movimento, como quem conta uma história breve. “Ainda temos de fazer o levantamento completo desta rocha, o desenho pormenorizado, mas parece-nos haver nela, para além da sugestão do movimento, um sentido de composição que é muito raro na arte rupestre que conhecemos até aqui no vale”, diz Thierry Aubry, um arqueólogo que trabalha no vale do Côa desde 1995, quando a área não era ainda um parque arqueológico (passou a sê-lo em 1996) e muito menos estava classificada como património mundial (1998). Foi precisamente para festejar os 20 anos da atribuição do selo da UNESCO às gravuras do Côa, e para dar conta dos avanços que nas últimas décadas se fizeram no estudo da arte paleolítica naquele território e noutros, que se reuniram de 4 a 6 de Dezembro dezenas de especialistas nacionais e internacionais no Museu do Côa. Aubry e a sua equipa estiveram entre os investigadores que apresentaram os resultados mais recentes. Foram falar daquela que está classificada como a Rocha 38 da Penascosa (no parque, as rochas estão numeradas e indexadas ao conjunto em que se encontram), o mais visitado dos núcleos de gravuras do Côa, e de um sítio arqueológico que permite rever a cronologia do vale e afirmar, “com certeza”, que há pelo menos 80 mil anos tinha já ocupação humana, o que equivale a dizer que já os neandertais andaram por ali. Quando se fala do Côa, admite Aubry, as pessoas pensam de imediato em gravuras rupestres e por isso quiseram mostrar a Rocha 38 da Penascosa, com as três fêmeas de auroque (“a configuração do dorso mostra que não são machos”) num “jogo” que parece um “pequeno filme de animação”, mas o trabalho arqueológico no Côa não se resume à identificação de animais gravados ao ar livre. “Eu percebo o entusiasmo porque encontrar gravuras que sugerem movimento, uma composição, é muito raro”, diz o arqueólogo, referindo-se aos auroques desta rocha identificada há pouco mais de duas semanas, que terão entre 15 e 18 mil anos. No Côa, explica, estão inventariadas 1200 rochas gravadas — as mais antigas com cerca de 30 mil anos, as mais recentes das décadas de 1950-60. Dessas 1200, 500 são do paleolítico e entre estas apenas três têm “animais animados”: para além destes auroques agora descobertos, há outros no núcleo da Ribeira de Priscos, “em que a associação entre os animais não é tão clara”, e as célebres cabras da Rocha 3 da Quinta da Barca, uma das imagens de marca do parque. Tão ou mais importante que o trabalho com as gravuras é o do estudo dos contextos em que viveram os artistas do Côa e, em última análise, o estabelecimento de uma cronologia de ocupação do vale. Por que razões escolheram os caçadores recolectores esta área? E quando é que começaram a fazê-lo?Na margem esquerda do Rio Côa, três quilómetros a montante dos núcleos de gravuras rupestres paleolíticas da Penascosa e da Quinta da Barca, fica o sítio do Salto do Boi, assim chamado por ser um dos locais mais estreitos do vale. Foi aí que, em 1995, Aubry, que então trabalhava com o arqueólogo João Zilhão, ajudou a identificar um sítio arqueológico que só começou a ser estudado mais aprofundadamente nos últimos dois anos. Delimitou-se uma área de seis metros quadrados e escavou-se em profundidade (cinco metros) para poder estudar a sequência estratigráfica (sucessão de estratos na rocha sedimentar), o que permite aos especialistas compreender melhor as épocas de ocupação de determinado território. É este “buraco” do Salto do Boi que permite agora a Aubry dizer que os neandertais — grupo de humanos contemporâneo da nossa espécie (homem moderno) cujo retrato tem vindo a ser “reconfigurado” nos últimos anos por especialistas em todo o mundo, incluindo um dos arqueólogos portugueses que está na origem da criação do Côa, João Zilhão — viveram no vale antes do que até aqui se pensava (julgava-se que ali teriam vivido no máximo há 60 mil anos). “Esta é a primeira vez que estudamos um contexto neandertal sedimentário no Côa. As datações chegaram há poucos dias e mostram que [esses humanos] andaram pelo vale há pelo menos 80 mil anos, mas é provável que tenham vindo até antes, há 90 ou 100 mil anos. Sabíamos que eles tinham andado por aqui porque já tínhamos encontrado ferramentas em pedra lascada e vestígios de fogueiras que podíamos associar aos neandertais, mas não tínhamos datações como as que temos agora. ”Acredita Aubry que os materiais recolhidos, depois de devidamente estudados, poderão mostrar a transição dos últimos neandertais para os primeiros homens modernos [os artistas do Côa] que ocuparam a Península Ibérica. Para já, os arqueólogos ainda não encontraram arte neandertal, o que muito teria agradado a Zilhão, mas essa possibilidade não está excluída. O que podem dizer hoje, segundo Aubry, é que parece não ter havido uma descontinuidade na ocupação humana do vale do Côa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Antes da arte mais antiga do Côa, com 30 mil anos, os humanos já queriam viver aqui. ” Porquê? “É uma área com uma concentração especial de recursos. ” Tem água e um clima mais ameno, protegido, o que no paleolítico superior e médio – um período mais frio e mais seco – é de levar em conta, explica o arqueólogo. “Os animais viviam bem aqui porque os grandes herbívoros precisam de muita água. Também haveria peixes migratórios como o salmão e o sável. A diversidade ecológica cria o ambiente ideal para pequenos grupos de caçadores recolectores, nómadas, e é por isso que o vale funciona como um sítio de agregação. Eles passavam por aqui e usavam, pensamos nós, a arte rupestre como forma de identificação social, de pertença a um grupo. ”Para o ano, os arqueólogos regressam ao Salto do Boi.
REFERÊNCIAS:
Novos teoremas matemáticos e grilos altamente proteicos dão prémios a portugueses
Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas celebrou o 30.º aniversário em Dublin, na Irlanda, e quatro estudantes portugueses foram distinguidos com três dos 55 prémios entregues. (...)

Novos teoremas matemáticos e grilos altamente proteicos dão prémios a portugueses
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.098
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas celebrou o 30.º aniversário em Dublin, na Irlanda, e quatro estudantes portugueses foram distinguidos com três dos 55 prémios entregues.
TEXTO: Para estar em Dublin na final do Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas (EUCYS), Francisco Araújo perdeu os primeiros dias de aulas no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, onde é caloiro no curso de Matemática Aplicada e Computação. Quando começou a aventura que lhe valeria a presença e dois prémios no 30. º EUCYS, na capital da República da Irlanda, Francisco, de 17 anos, ainda estudava no lisboeta Colégio Planalto. Apresentou-se a concurso sozinho — sem o acompanhamento de um professor — com um projecto de matemática que tem vindo a desenvolver nos últimos dois anos e venceu um dos segundos prémios, no valor de 5000 euros, e uma distinção honorária que o levará a Estocolmo para assistir à entrega dos prémios Nobel, já no próximo mês de Dezembro. Faltar à primeira semana na faculdade, afinal, valeu a pena. Nas paredes brancas do stand que ocupou na enorme sala de eventos da Royal Dublin Society, vários posters com equações, cálculos e recortes de notícias; na mesa branca, apenas um computador. O enfoque? “Teorias de comutatividade para grupos e semigrupos. ” Uma “propriedade importante da teoria de grupos”, de particular interesse para os matemáticos, explica Francisco, é a comutatividade, segundo a qual a ordem dos operandos não altera o resultado final. Nesta disciplina, continua, “há objectos que podem ser tratados como máquinas”. Coloca-se uma bola de uma certa cor à esquerda, e outra de uma outra cor à direita: o resultado é apenas uma bola. “O meu trabalho prova que se uma série de propriedades se verificarem, é indiferente se pusermos uma bola à esquerda e outra à direita — ou vice-versa”, traduz, de forma simplista, o jovem que “provou novos teoremas”. “A nível de matemática houve um avanço: havia algo que não estava provado e agora está. ”Na família de Francisco, a matemática não é, de todo, um bicho-de-sete-cabeças. O pai é matemático e o irmão, João Pedro Araújo, ficou em primeiro lugar na edição 2014 do EUCYS, que decorreu em Varsóvia, na Polónia. Lá em casa, este é um concurso especial. “Os júris disseram-me que o meu trabalho tinha sido interessante, pensei que talvez houvesse possibilidade de prémio”, confessou Francisco, após a cerimónia de entrega dos diplomas a todos os vencedores no centro de convenções do Castelo de Dublin. “Mas não estava mesmo nada à espera de ir assistir à entrega dos Prémios Nobel. ”Francisco Araújo não foi o único português a concurso no EUCYS. Ao jovem universitário juntaram-se outros cinco portugueses, de duas escolas: o Colégio Luso Francês, no Porto, e o Agrupamento de Escolas D. Maria II, em Braga. As três equipas venceram a 12. ª Mostra Nacional de Ciência — que teve lugar na Alfândega do Porto entre os dias 31 de Maio e 2 de Junho últimos, organizada pela Fundação da Juventude — e representaram Portugal junto de mais 85 equipas de 39 países e escolas europeias, num total de 136 concorrentes. Aos 25 Estados-membros da União Europeia (UE) presentes acrescem outros países, vizinhos e parceiros como o Canadá, a China, Israel ou os Estados Unidos, com os quais existe colaboração científica. “O EUCYS é um microcosmos da comunidade de investigação na Europa, mas estamos a reproduzir esse corpo. E cada vez mais encorajamos a colaboração internacional”, sublinha Karen Slavin, responsável da Comissão Europeia para os projectos de divulgação científica e para a organização do EUCYS. Mas os prémios portugueses não se ficaram pela “matemática pura” de Francisco Araújo. Para encontrar a equipa do Luso-francês — composta por João Leite, Mário Ribeiro e Catarina Brandão, sob orientação de Rita Rocha, professora de Biologia —, bastou seguir dois sons: o dos grilos e o dos risos. O “stand dos grilos”, como ficou conhecido no concurso, foi um dos mais populares entre os outros concorrentes e os muitos estudantes irlandeses, de várias idades, que visitaram a Royal Dublin Society e se atreveram a provar os animais, já secos e prontos a comer. É que João, Mário e Catarina — todos com 18 anos e já inscritos no ensino superior — estudaram a utilização do grilo doméstico (Acheta domesticus) como fonte de proteína nas dietas animal e humana e passaram os dias do EUCYS a convencer, com sucesso e entre muitos risos e alguns gritos, jovens e adultos a experimentarem o insecto. A popularidade e a relevância do projecto de sustentabilidade alimentar, Entofarm. pt, não passou despercebida aos 20 elementos do júri e os três portuenses receberam um dos prémios honorários, o Cargill Prize. Vão conhecer Vilvoorde, na Bélgica, onde se localiza o centro de investigação e desenvolvimento da Cargill, uma multinacional que opera no sector alimentar, agrícola e de nutrição. A entomofagia (consumo de insectos) pode ser, como tem vindo a ser salientado por diversos especialistas e organizações nos últimos anos, a “solução para o problema do aumento da população mundial”. Mário Ribeiro fez questão de sublinhar este facto, enquanto segurava um frasco com grilos e enumerava as vantagens desta opção, tanto a nível ambiental como alimentar. “A produção de insectos gera 80% menos metano do que a produção convencional de gado e perto de 80% de todos os componentes do corpo de um grilo podem ser transformados em proteína absorvível”, explicou. “Sabia que em cada 100 gramas de farinha de grilo, 70 são proteína pura?”Enquanto aguardavam pelas entrevistas com os membros do júri, que visitavam as equipas várias vezes durante os dias da competição para esclarecer pormenores e pôr à prova os conceitos, os estudantes aproveitavam para conhecer os colegas de corredor, aperfeiçoar a língua inglesa e estudar a concorrência. João Dinis e Ana Raquel Moreira, do Agrupamento de Escolas D. Maria II, centraram-se em dados recentes do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) sobre ondas gravitacionais e estabeleceram correlações entre forças gravitacionais e electromagnéticas, através de análise de dois eventos: “a colisão de dois buracos negros e a colisão de duas estrelas de neutrões, em 2015 e 2017”, respectivamente, explicou Ana Raquel. Os alunos de Braga, que estiveram acompanhados do professor João Vieira, não integraram a lista dos 55 prémios atribuídos, mas tão cedo não esquecem os cinco dias passados em Dublin. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O pódio da competição foi ocupado por aspirantes a cientistas alemães e canadianos, cada projecto com direito a 7000 euros. Os irmãos Adrian e Anna Amelie Fleck apresentaram uma protecção corporal desenvolvida a partir de fécula, na Alemanha. Nicolas Fedrigo, do Canadá, idealizou uma nova sonda capaz de prevenir lesões vertebrais, e o seu compatriota Brendon Matush criou uma veículo autónomo que utiliza redes neurais. Desde 1989, ano da primeira edição do Concurso da União Europeia para Jovens Cientistas, já foram entregues mais de 800 prémios a mais de 3000 concorrentes, europeus mas não só. À engenharia e à computação, categorias populares neste 30. ª edição, juntam-se outras oito (biologia, química, ambiente, matemática, materiais, medicina, física e ciências sociais) e os estudantes são convidados a explorar a ligação entre as várias áreas. Foi o que fez a italiana Lina Tomasella, há 30 anos, quando venceu a primeira edição com um projecto de biologia. Nessa altura, recordou a astrofísica do Observatório Astronómico de Itália, “os trabalhos eram mais simples”. Viajou, pela primeira vez, até ao estrangeiro — a final foi em Bruxelas, na Bélgica — e percebeu aí “que queria ser cientista”. Agora, 30 anos depois, integrou a equipa de júris. A jornalista viajou a convite da Fundação da Juventude
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Vera escreveu um livro para “todos os que têm medo de não encontrar um WC a tempo”
Em Conviver com as doenças inflamatórias do intestino, Vera Gomes partilha o seu percurso desde que foi diagnosticada com colite ulcerosa, há 11 anos, e sugere um manual de instruções para outros portadores — e para aqueles que os rodeiam. Estima-se que 20 mil portugueses vivam com estas doenças. (...)

Vera escreveu um livro para “todos os que têm medo de não encontrar um WC a tempo”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.31
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em Conviver com as doenças inflamatórias do intestino, Vera Gomes partilha o seu percurso desde que foi diagnosticada com colite ulcerosa, há 11 anos, e sugere um manual de instruções para outros portadores — e para aqueles que os rodeiam. Estima-se que 20 mil portugueses vivam com estas doenças.
TEXTO: “O trabalho dos humoristas é recordar às pessoas periodicamente que elas fazem cocó”, disse Ricardo Araújo Pereira. “Mas é claro que a Vera não precisa lhe recordem isso. ” O humorista arrancava assim a apresentação de Conviver com as doenças inflamatórias do intestino, livro editado pela Guerra e Paz e assinado por Vera Gomes. A portuense tinha 27 anos quando ouviu o diagnóstico médico: colite ulcerosa. Esta doença inflamatória do intestino afecta a camada que reveste internamente o intestino grosso ou o cólon e é invisível. “Na altura nem percebia bem o que estava a acontecer e quais as implicações. ”Nos últimos 11 anos, Vera aprendeu a viver com uma fralda descartável para adultos na carteira e uma muda de roupa completa no escritório. E leu tudo o que conseguiu encontrar sobre doenças inflamatórias do intestino (DII): muita informação importante, outro tanto enganosa. Pelo meio trocou Lisboa — onde trabalhou nos ministérios da Justiça e da Administração Interna — por Bruxelas, conheceu o actual companheiro e adoptou um cão. Foi numa semana de internamento num hospital belga, durante a última crise, que tomou a decisão de escrever um livro sobre a doença — e como viver com ela. “Há muita falta de informação em língua portuguesa. E muita desinformação”, faz questão de sublinhar. “Já trabalho há tantos anos com políticos, porque não pegar no que aprendi ao longo de toda a minha carreira e fazer algo construtivo?” Este livro — que demorou dois anos a ocupar um lugar nas prateleiras das livrarias portuguesas — é apenas a primeira parte de um projecto de vida a três tempos que inclui uma petição pública e o desenvolvimento de uma aplicação para ajudar na monitorização da doença. No livro, lançado no final de Setembro, Vera não tem pudor em contar episódios constrangedores vividos em locais públicos, no trabalho ou em fins-de-semana românticos. Afinal, do seu dia-a-dia fazem parte tarefas como contar quantas vezes vai à casa de banho, ter cuidado com o que come, tomar medicação injectável e saber, sempre que possível, onde está o WC mais próximo. “A minha última crise começou há exactamente três anos, em Outubro de 2015, no nosso primeiro fim-de-semana romântico. Era amor e uma cabana e eu enfiada na casa de banho, sentada na sanita e a vomitar para sacos”, recorda, ao P3, em entrevista, a partir de Bruxelas, a provar que Ricardo Araújo Pereira estava certo quando apontou: “Há frases neste livro que a gente não lê em mais livro nenhum. ”“Tento descobrir-me no meio da sintomatologia e a referência de raciocínio que adquiri é que tenho uma doença ainda sem cura, cuja origem ainda é desconhecida. Que posso ter qualidade de vida, sobretudo desmistificando o facto de ter de ir à casa de banho vezes sem fim, e que não posso fazer disso um acto de vergonha”, lê-se no livro que começa com meia dúzia de linhas de dedicatórias: “A todos os que têm medo de não encontrar um WC a tempo. ”A analista política na área do espaço, formada em Relações Internacionais, colecciona comentários despropositados que ouve de conhecidos e desconhecidos — e até lhes dedicou um dos capítulos finais em Conviver com as doenças inflamatórias do intestino. A pensar nas pessoas que conhecem alguém com DII e não têm noção de como agir, Vera desconstrói algumas das frases que são sempre uma má escolha: “Isso é uma virose, certo?” e “Estás com tão bom aspecto, nem pareces doente” são apenas dois exemplos. Mas há outro, revelador do desconhecimento que existe na população sobre a doença e que é a base de um dos pontos da petição lançada no início do ano: “Não devias usar a casa de banho dos deficientes nem a dos homens. ”É aqui que entra Ângela Silva, doente de Crohn, que gere, a par de Vera, uma comunidade online com mais de 2200 doentes em Portugal. Juntas criaram uma petição pública online que já soma 11. 200 assinaturas e que quer pôr as DII — que afectam mais de 20 mil portugueses — “na boca do mundo”. Entregue na Assembleia da República, o documento aguarda discussão e tem por objectivo pressionar a actualização da legislação sobre a matéria, “com carácter de urgência”, em três pontos. O primeiro é a criação de um cartão de acesso prioritário a casas de banho de espaços comerciais e públicos, estejam abertos a clientes ou não (como é o caso dos WC de serviço). “O acesso prioritário ao WC irá ajudar a evitar episódios de humilhação pública que impactam bastante a saúde mental de um DII”, justificam, no texto da petição. A isenção de taxas moderadoras para cidadãos registados é outra das reivindicações, a par da inclusão das DII na lista de doenças incapacitantes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Como são doenças invisíveis, é difícil reunir a simpatia de algumas pessoas, entidades empregadoras e por vezes até das pessoas que nos são mais próximas. Levar esta questão às pessoas, sensibilizá-las, não é suficiente para que haja acção quanto à melhoria das condições de vida dos doentes de DII”, escreve Vera no início do quarto capítulo, “Do pensamento à acção”. E a acção pode passar ainda por uma aplicação móvel para a monitorização de DII por parte dos seus portadores. “É muito importante, mesmo em remissão, que faças uma monitorização de uma série de parâmetros da doença. Não só dos sintomas físicos, mas também da vida social, profissional e psicológica. ” O desenvolvimento da app está dependente de financiamento — mas Vera não desiste, sempre com sentido de humor. “Este tom faz parte de mim. O meu pai foi palhaço num circo, há muitos anos, e em casa (…) sempre tivemos a capacidade de nos rirmos de nós próprios”, recorda, “não é menosprezar no sentido de dar valor, mas sim do impacto que as coisas podem ter”. “Quando lidas com esta doença já é extremamente trágico sujares as calças e o impacto psicológico que isso tem, juntamente com a sensação de perda de dignidade em público”, diz, entre risos. “No dia em que eu não conseguir rir-me de mim própria internem-me, porque estou mesmo mal. ”
REFERÊNCIAS:
Vila Santa: a adega onde usamos avental
A adega do grupo João Portugal Ramos não tem cem anos — mas podia muito bem ter. A arquitectura, as tradições, os sabores e os detalhes são partes que fazem o todo. Música maestro! (...)

Vila Santa: a adega onde usamos avental
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: A adega do grupo João Portugal Ramos não tem cem anos — mas podia muito bem ter. A arquitectura, as tradições, os sabores e os detalhes são partes que fazem o todo. Música maestro!
TEXTO: O chão de xisto escuro reflecte as filas de barricas milimetricamente colocadas numa cave imensa. Aos nossos pés está um par de colunas por onde soa a música clássica que pauta a visita. "A música é 99% para quem nos visita", diz João Maria Portugal Ramos. O ponto percentual em falta nesta equação vai direitinho para o efeito que a vibração pode provocar no vinho e sua turbidez, esclarece pouco depois o enólogo e filho de João Portugal Ramos, grupo que, apesar do crescimento — neste momento elabora uvas provenientes de cerca de 600 hectares de vinhas, entre próprias e arrendadas —, continua a cuidar dos pequenos detalhes. Rewind. Fast-forward. João Portugal Ramos, que tinha sido consultor-enólogo de 25 adegas do país em simultâneo, plantou os seus primeiros hectares de vinha em Estremoz em 1989 para em 1992 fazer a primeira vindima e produzir o primeiro vinho (Vila Santa). A adega de Estremoz, vista privilegiada sobre o castelo erguido numa colina ao norte da serra de Ossa, foi construída em 1997, ano em que é lançado o primeiro Marquês de Borba Reserva (marca mais emblemática do grupo até hoje). Em 2000, houve a necessidade de ampliar a adega, passando esta a dispor de cerca de 9000 m2 de área coberta, encontrando-se dotada de moderna tecnologia de vinificação, sala de engarrafamento e caves com aproximadamente 2000 barricas de carvalho francês, americano e português. "Aumenta o espaço de armazém e aumenta o tempo de permanência do vinho em casa. Desta forma conseguimos produzir qualidade em quantidade e temos espaço para novas experiências", justifica João Maria. E até hoje a marca não parou de crescer com o nascimento da Falua (2004), a anexação da Quinta de Foz de Arouce (2005), o surgimento do projecto Duorum (2007) e a construção da adega dos Vinhos Verdes e lançamento do primeiro Alvarinho João Portugal Ramos em Portugal (2013). A história fulminante do grupo — e a paixão de João Portugal Ramos pelo Alentejo — está gravada nas paredes da Adega Vila Santa, projectada respeitando as linhas de arquitectura tradicional alentejana, seis lagares de mármore claro ainda tingidos pela última pisa e muitas tradições que se repetem desde a vindima até à cozinha. Rosimeire entrega-nos um avental e confia-nos algumas páginas do livro de receitas que iremos seguir. De repente, somos ajudantes da chef Rosi na elaboração do repasto. Cação com coentros e pão frito crocante, perdizes Vila Santa e um pecado de chocolate que hoje substitui a encharcada. As perdizes ficaram a marinar de véspera com cebola, alho, vinho branco e sal. A Fugas tratou do refogado, fez a marinada e deixou a estufar lentamente enquanto, copo de vinho da casa na mão, picava queijo de ovelha, pão alentejano, paio de porco preto e tiborna alentejana (pão torrado, azeite, orégãos e flor de sal). Ao lado, vai-se misturando aos poucos a farinha com o azeite (o grupo produz cerca de 22 mil garrafas de azeite por ano), o alho, os coentros e o sal, cama onde será colocado o cação aos pedaços. O animado workshop "KITCHEN'ing with the wine" termina à mesa. A sopa de cação foi servida com pão frito. As perdizes acompanham com batatinhas salteadas, esparregado e chutney de cebola. Bem regada, e com uma surpreendente vista sobre as vinhas que tocam o castelo, a refeição terminou com uma bomba de chocolate. Estremoz Site Tel. : 268 339 910 E-mail Provas de vinhos entre 7, 50 e 45 euros "A culinária e o vinho alentejano" (85 euros) "Seja enólogo por um dia" (30 euros)Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O grupo, que acaba de celebrar 25 anos de existência, conta com mais de 140 colaboradores e em 2016 tinha um volume de negócios de 18 milhões de euros. Nos vinhos, a João Portugal Ramos Vinhos está presente (com adegas) em cinco regiões (Alentejo, Douro, Vinho Verde, Beiras e Tejo) e trabalha com nove enólogos na sua equipa para uma produção total superior a seis milhões de litros. Do seu portefólio fazem parte marcas como Loios, Pouca Roupa, Marquês de Borba, Vila Santa, Quinta da Viçosa, Estremus, Tons de Duorum, Duorum, O. Leucura , Vintage Port e Quinta Foz de Arouce. À nossa mercê, "enólogo por um dia", estão três castas (Aragonez, Touriga Nacional e Alicante Bouschet) e uma proveta que servirá para medirmos a receita daquele que será o nosso blend — com rótulo personalizado e tudo. Misturámos, provámos, baralhámos e voltamos a dar.
REFERÊNCIAS:
Um livro fica sempre bem no sapatinho
Sugestões de livros para oferecer no Natal, com promessa de novas descobertas para o próximo ano: dos espumantes aos vinhos, da gastronomia às viagens. (...)

Um livro fica sempre bem no sapatinho
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.7
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sugestões de livros para oferecer no Natal, com promessa de novas descobertas para o próximo ano: dos espumantes aos vinhos, da gastronomia às viagens.
TEXTO: Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque, espumante é espumante e champanhe é champanhe. Neste livro, o crítico João Paulo Martins concentra-se nos dois últimos para nos guiar nas melhores escolhas para diferentes pratos e momentos da refeição – e fá-lo com a ajuda de receitas do chef Vítor Sobral. No que diz respeito ao champanhe, elege apenas o proveniente da região francesa de Champagne. Quanto à produção nacional de espumantes, nota que todo o país é produtor, mas as regiões principais continuam a ser Távora-Varosa, “onde a qualidade produzida é bem elevada”, e Bairrada, “bem mais diversificada e disseminada por muitos produtores”. A lógica do livro é a divisão quer de espumantes quer de champanhes não por regiões mas por momentos de consumo: a solo, com aperitivos, mariscos, peixe cru ou peixes nobres, peixe pouco temperado ou pratos de bacalhau, carnes mais ou menos intensas, queijos e sobremesas. As receitas de Sobral deixam algumas pistas, que vão dos rissóis de lagosta ao gelado de queijo da serra com compota de tomate, passando pelo incontornável bacalhau de Natal. A. P. C. Espumantes & ChampanheJoão Paulo Martins (receitas de Vítor Sobral)Oficina do Livro16, 90€Também do crítico de vinhos João Paulo Martins, mas desta vez um livro de crónicas. Seleccionadas a partir dos muitos textos que publicou ao longo dos anos em diferentes jornais e revistas, estas crónicas são sempre deliciosas e fazem-nos entrar no universo dos vinhos por muitas vias diferentes. Não é importante o que sabemos ou não sabemos sobre o tema, em cada um destes textos aprende-se sempre qualquer coisa, e não apenas sobre vinho. Alguns são de Humor e Afecto, como o muito divertido Gourmets de ontem e de hoje, outros são mais históricos (agrupados no capítulo A Terra e os Produtores), outros ainda entram pelas inevitáveis Controvérsias, Provocações e Outras Questões (mas nem aqui o bom humor desaparece como testemunha, por exemplo, a crónica Afinal não sou moderno…). Há ainda um capítulo sobre As Provas e as Críticas, Pois Claro (com bons conselhos como o de não levar as regras demasiado a sério e evitar andar com um termómetro na mão para ver se a temperatura do vinho é a certa) e, por fim, Várias Histórias e Muitos Lugares, que inclui um texto sobre um jantar com Mário Soares que começa assim: “Ó sôtor, explique-me lá a diferença entre um vintage e um tawny? Esta foi a pergunta que me dirigiu, já o jantar ia longo e a hora ia tardia. ” A não perder. A. P. C. Mais Histórias com Vinho & novos condimentosJoão Paulo MartinsOficina do Livro15, 50€Que Jamie Oliver é um apaixonado por Itália já sabemos há muito. Em 2005 editou um primeiro livro sobre as suas viagens pelas regiões italianas e agora regressa a essa cozinha e volta a aprender com as nonnas, deixando-se encantar pelos “famosos gnocchi de batata” da Nonna Teresa, no Campo de’Fiori, em Roma, ou pela lasanha “absolutamente épica” da Nonna Titta, da ilha de Prócida, perto de Nápoles, entre várias outras (receitas incluídas no livro). Há antipasti, saladas, sopas, massas, arroz e dumplings, carne, peixe, acompanhamentos, pão e afins, sobremesas (com sanduíches de gelado ao estilo siciliano e cannoli de chocolate, entre outras) e ainda, no final, um capítulo dedicado às bases, onde se pode aprender a fazer “a irresistível polenta”, massa fresca, “o herói dos molhos de tomate” ou a preparar alcachofras. A. P. C. Jamie e a Cozinha Italiana – Uma Viagem ao Coração de ItáliaPorto EditoraPreço: 27, 50€Duas talhas centenárias, herdadas por Carlos e Luís Serrano Mira, constituíram o ponto de partida para o livro A História da Vinha e do Vinho no Alentejo – Legado de uma família a produzir desde 1667. São prova de que a família dos proprietários da Herdade das Servas, criada pelos dois irmãos em 1998, está ligada à produção vitivinícola há pelo menos 350 anos, atravessando 13 gerações. Partindo de um “levantamento histórico exaustivo”, o investigador e historiador José Calado documenta o percurso vitivinícola da família Serrano Mira até aos dias de hoje, propondo-se, através dela, contar a história de um Alentejo Vinhateiro. O objectivo, lê-se no prefácio assinado por Luís Serrano Mira, é “contribuir para a valorização do Alentejo como região produtora” de vinho, através de “uma reflexão, documentada e cronológica, de vários acontecimentos que marcaram a história da vinha e do vinho neste território”. M. G. A História da Vinha e do Vinho no Alentejo - Legado de uma família a produzir desde 1967José Calado45€"Viajar não é difícil" e "pode ser bem mais económico do que parece". Este é o mote do título do livro Próximo Destino, quase um guia de viagens vividas por Carla Mota e Rui Pinto. "Basta preparar bem a viagem, seguir algumas regras simples, marcar os alojamentos com alguma antecedência, ter alguma flexibilidade para os voos e lançar-se em roteiros ambiciosos", escreve o casal que viaja junto há cerca de 12 anos e que deixa o seu diário de bordo no blogue Viajar Entre Viagens. Carla e Rui lembram que todos os destinos "podem ser low-cost". Em troca, só se pede aos viajantes "pequenos sacrifícios, pequenos nadas" que resultam em grandes viagens como Andes, Índia, Indochina, Irão, Itália, Japão, Jordânia, Namíbia, Noroeste dos EUA e Patagónia. O livro, em formato guia, apresenta o preço aproximado por pessoa (sem voos), o número de dias necessário e o valor por dia, assim como dicas de logística (vistos, segurança, dinheiro, clima, etc) e um roteiro (inclui transportes, alojamento e alimentação) muito simples que deixa espaço à exploração e às vontades de cada viajante. São "destinos de viagem para onde, com alguns truques, pode viajar com um orçamento reduzido. "Os capítulos incluem a experiência do casal no terreno: o alojamento de qualidade média (em quarto duplo), as refeições em restaurante locais, as deslocações internas e as actividades e visitas obrigatórias. Para além das dez Grandes Viagens, "Próximo Destino" sugere seis Percursos na Natureza, sete Escapadinhas Culturais e sete destinos de Praia. L. O. C. Próximo DestinoCarla Mota e Rui PintoPorto Editora15, 50€Quando não está a escrever livros, Jo Pratt, que vive em Londres com o seu marido Phil ("o homem mais bem alimentado de Londres") e os filhos Olly e Rosa (os seus "críticos mais ferozes"), está a cozinhar ou a apresentar receitas online, na televisão ou em revistas da especialidade. A autora de Vegetariano em Part-Time habituou-nos a uma escrita amigável e caseira, oferecendo dicas e ideias para colocar em prática na cozinha. O resultado dos seus últimos livros são receitas de que todos podem desfrutar — seja qual for a nossa capacidade e a ocasião. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O seu mais recente trabalho fala-nos dos flexitarianos, como que vegetarianos em part-time que, não tendo eliminado por completo a carne e o peixe e os produtos de origem animal das suas dietas, os consomem cada vez menos e começam a descobrir, deliciados, o fantástico mundo da alimentação vegetariana. A cozinha vegetariana "é extraordinariamente flexível e inclusiva" — e este livro demonstra-o, com mais de 80 receitas. Cada receita é de base vegetariana, e contém indicações sobre como acrescentar, caso o deseje, carne ou peixe. L. O. C. Vegetariano em Part-Time?Jo PrattArte Plural Edições18, 80€
REFERÊNCIAS:
Em Sernancelhe há boa sombra, boa castanha, bom lenho
Ainda há bons ouriços de três castanhas nos frondosos soutos, que parecem abraçar a estrada calcetada. É Outono colorido na vila, onde o protagonismo da castanha só é partilhado com os pratos salgados e doces que por aqui continuam a ser inventados. (...)

Em Sernancelhe há boa sombra, boa castanha, bom lenho
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.699
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ainda há bons ouriços de três castanhas nos frondosos soutos, que parecem abraçar a estrada calcetada. É Outono colorido na vila, onde o protagonismo da castanha só é partilhado com os pratos salgados e doces que por aqui continuam a ser inventados.
TEXTO: “Os castanheiros levam cem anos a chegar ao estado adulto, cem anos a crescer, cem anos no seu ser e cem anos a morrer. Que importa? Os homens de boa vontade perpetuam-se nos filhos e vindouros. Aqueles milhares de castanheirinhos, não mais altos por ora do que uma espada, que se vêem baloiçar à brisa da tarde quando se passa na orla sudeste, darão boa sombra, boa castanha, bom lenho. ”O centro de Sernancelhe está transformado num estaleiro. Um desvio provocado pelas obras de requalificação leva-nos ao Monumento à Terra da Castanha e à frase retirada de um texto de Aquilino Ribeiro (Geografia Sentimental, 1951) agora gravada em aço corten. Esticamos as pernas e fazemos uma pausa para café — com direito a pastel de castanha — antes de seguirmos as placas Santuário da Senhora de Ao Pé da Cruz, uma capela e respectivo miradouro com vista privilegiada sobre o rio Távora e a vila. Em pleno Outono, pingos gordos irregulares de chuva, tempo frio, cores quentes, é difícil não travar o carro e fazer a pé a estrada recém-calcetada e semicoberta pelos ouriços que a acompanham e pelos castanheiros, imensos, que parecem abraçá-la. Num dos soutos da Quinta da Seara, cinco apanhadoras cumprem de uma forma metódica a sua missão. Chegaram às 7h30. “Parecemos umas nazarenas. Mas em vez de sete saias usamos sete calças”, dizem esticando as costas e abandonando momentaneamente a posição desconfortável que assumem para escolher as melhores castanhas entre os ouriços que ainda vão caindo das árvores — a queda da castanha acontece durante cerca de duas semanas, o que obriga as apanhadoras a passarem pelo souto em média três vezes. “Um bom ouriço tem três castanhas”, explica Daniel Azevedo, que cresceu entre castanhas, apesar de ter sido criado numa “cultura de batata, centeio e trigo”. “Isto era tudo terra de outros cultivos”, diz o proprietário da Quinta da Seara, com cerca de 20 hectares de castanheiros. “Nestes três hectares e meio de souto, só cá havia sete castanheiros”, anota. Em Sernancelhe, recorda, havia castanheiros “para matar a fome de muita gente”. “Era o pão de pobres e ricos”. O castanheiro era mesmo considerado a “árvore de pão”, tão grande era a importância que assumia na economia, hábitos alimentares e cultura. “Lembro-me que apanhávamos a castanhinha antes de apanhar geadas, que enterrávamos ‘magustos’ e que os sinalizávamos para durante o ano ir lá e tirar umas castanhinhas para comer. Os pastores faziam isso também. Às vezes colocávamos uma camazinha num buraco com caruma do pinheiro ou folhado do castanheiro para as castanhas não estarem em contacto com a terra, com a humidade. Conservava-se meses e meses. ”Em Sernancelhe fazia-se o caldo de castanha e comia-se a castanha mais pequenina que era colocada num caniço feito com pauzinhos finos entrelaçados e colocado na parte mais alta da lareira. “Ficava com uns intervalos para deixar passar o fumo. E elas secavam. Depois eram todas pisadas e descascadas. Quando a gente queria colocava-as a ferver para o caldo de castanha”, explica Daniel, enquanto vai descascando castanhas com o canivete afiado. “As pessoas matavam a fome com o que tinham. A castanha fazia as vezes da batata, que não é tão rica. ”O ouriço “bom, bom” tem três castanhas, que se acotovelam para saltar dele. Parecem granadas. “Este ano, como no ano passado, há muitos ouriços com duas e com uma”. Sinal das chuvadas fora de tempo e da dificuldade na polinização. Daniel, vencedor de três prémios na última Festa da Castanha (entre os quais o primeiro lugar), já trata dos soutos há quase 40 anos. Continuou o que o pai já fazia. “Há 27 que trabalho por minha conta”, sublinha. A norma de plantação é dez por dez, um hectare leva uma média de cem árvores. Sendo que a produção “depende dos anos”. Em anos bons, um hectare pode dar tonelada e meia, duas toneladas de castanhas. Cerca de 500 quilos por hectare em anos mais difíceis como o presente. O ouriço ainda está na árvore quando começa a abrir e vai deixando cair as castanhas. Ele próprio vai perdendo a força e acaba por cair, soltando o resto das castanhas, todas apanhadas do chão e quase sempre à mão. Nem máquinas, nem charrua ou alfaias. “Não se mexe no terreno. ” A natureza segue o seu curso. “É bonito, prático e bom. ” As apanhadoras usam sempre luvas e fazem-se acompanhar por um par de baldes. As castanhas mais pequenas e com defeito vão ficando fora do “crivo”. “A gente tem a mania de dizer que a maior é a melhor porque os olhos são os primeiros a comer, mas muitas vezes a mais pequena ou média é mais doce e de descasque mais fácil”, admite Daniel, que escoa toda a produção para o mercado nacional — a castanha está a sair do produtor entre os 3 e os 3, 50 euros o quilo. “Não tenho castanhas para a procura”, diz. Por aqui, a maior mancha de castanheiros encontra-se acima dos 600 metros, virada a poente. “O sol da manhã é mais bravo”, justifica Daniel. Cerca de 84% dos solos do concelho estão situados entre os 600 e os 900 metros de altitude, o que configura um bom enquadramento climático para a cultura dos castanheiros. Estima-se que Sernancelhe tenha uma área plantada de mil hectares e uma produção média anual de 1500 toneladas de castanha, o que equivale a três milhões e meio de euros de receita local. A aposta na castanha advém da localização no coração da DOP (Denominação de Origem Protegida, constituída em 1994) “Castanha dos Soutos da Lapa”, nas variedades Martaínha e Longal, que abrange uma superfície com aproximadamente 4 mil hectares de castanheiros. A Castanha dos Soutos da Lapa DOP distingue-se pelas cores castanha-avermelhada e muito brilhante dos frutos da variedade Longal e castanha-clara com brilho médio dos frutos da Martaínha. Apesar de muito macias, não são demasiado farinhentas e apresentam um paladar caracteristicamente suave e muito doce. A Castanha dos Soutos da Lapa está circunscrita aos concelhos de Armamar, Tarouca, Tabuaço, São João da Pesqueira, Moimenta da Beira, Sernancelhe, Penedono, Lamego, Aguiar da Beira e Trancoso, que no seu conjunto representam 131 freguesias. Em 2012 o município celebrou um protocolo com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, visando a cooperação entre as instituições para o reforço do castanheiro no concelho de Sernancelhe, denominado SerCast, um plano de acção para apoiar os agricultores transmitindo-lhes conhecimentos técnicos para os ajudar a produzir mais e melhor castanha, ensinar os produtores a tratar melhor os soutos, a protegerem os castanheiros contra doenças, estimulando-os no sentido de requalificarem os seus soutos. À volta do miradouro de Nossa Senhora das Necessidades mostram-se castanheiros bravos, nascidos de sementes transportadas no bico dos pássaros, como se ouve pela vila. No chão fofo da Quinta da Seara, tropeçamos em cogumelos silvestres, um importante recurso associado ao castanheiro. A origem silvestre, aliada à diversidade de formas, sabores, cores e aromas, cumpre todos os requisitos para que sejam um produto de elevado valor gastronómico — um rendimento adicional do souto. O Outono, após as primeiras chuvas, é a principal época de ocorrência. As apanhadoras são as nossas guias nesta apanha. Os cogumelos comestíveis do souto são saprófitas, como Macrolepiota procera (frade) e Lepista muda, ou parasitas, como Fistulina hepatica(língua de vaca). Mas é no grupo dos fungos micorrízicos que se encontram os cogumelos silvestres mais valorizados, como os boletos, amanitas, cantarelos, russulas, entre outras. À semelhança do que acontece com a castanha, também a fartura de cogumelos ocorre em soutos adultos e não lavrados. A sua presença é um sinal de vitalidade do souto. Protagonismo à castanha. Na freguesia de Ferreirim, os carregamentos de castanhas chegam à Frusantos, empresa fundada em 1982, onde são devidamente seleccionadas, calibradas e embaladas. Referência no mercado da castanha em fresco, a empresa é responsável pela recolha e comercialização de grande parte da produção da região da Beira Alta, entre outras regiões do Norte do país, tendo criado a marca Saudade para a castanha Martaínha premium. Também a Escola Profissional de Sernancelhe assimilou no seu curso de Técnico de Cozinha/Pastelaria (três turmas de 13 alunos) o produto da terra. Pela cozinha pedagógica passam as diferentes etapas de um bombom de castanha, de um pastel de castanha ou de um fondant de castanha. “Procuramos explorar a castanha na gastronomia”, aponta Filipe Bernardino, chef e professor da escola. “É um produto que tem muita margem de progressão”, anota. “Castanha desidratada, farinha de castanha, castanha inteira, triturada, em salgados ou em doces, em pastéis, em empadas ou em vários tipos de recheio. Adaptamos receitas antigas, reconstruímo-las, utilizando produtos da terra. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Castanha ao pequeno-almoço, castanha ao almoço, castanha ao jantar na antiga capela do Convento Nossa Senhora do Carmo, Freixinho, transformado num Hotel Rural. “Predomina a castanha”, avisa o chef Daniel Caetano. As migas de castanha, boroa e alho regados com azeite guarnecem o cabrito. “Deixo poisar para apurar os sucos todos. ” Segue-se o polvo braseado com esmagado de castanha e a pêra bêbada com folhado de maçã e castanha cristalizada. A castanha é fruto de muitos momentos doces em Sernancelhe. Biscoitos de castanha, bolo de castanha, pudim de castanha, crepes de castanha, folhadinhos de castanha, mousse de castanha, ouriços de castanha, pão-de-ló de castanha, tarte de castanha, torta de castanha, trouxas de castanha ou trufas de castanha. Ou simplesmente castanha — de preferência com um copo de jeropiga. Já agora, o corte certo, aquele que permite a cozedura mais equilibrada e um descasque fácil, é dado longitudinalmente no cu da castanha.
REFERÊNCIAS:
A síndrome de Entre-os-Rios
Este país onde não há Uber, onde é preciso soletrar “gentrificação” e onde não se pode alugar uma moto-elétrica nem ir ao cinema, ocupa a maior parte do território, mas muito pouco da nossa atenção. (...)

A síndrome de Entre-os-Rios
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Este país onde não há Uber, onde é preciso soletrar “gentrificação” e onde não se pode alugar uma moto-elétrica nem ir ao cinema, ocupa a maior parte do território, mas muito pouco da nossa atenção.
TEXTO: Era uma manhã não muito diferente da de ontem quando Portugal acordou para a dura realidade de não ser o país que pensa que é, mas o país que de facto é. Durante a noite tinha caído uma ponte em Entre-os-Rios e com ela 59 vidas foram arrastadas pelas águas tumultuosas do Douro. A imagem do país rutilante da Expo'98, do Porto - Capital Europeia da Cultura, desabava na incúria e no abandono em que vivia grande parte do seu território. Esta semana não foi diferente. No domingo, cinco pessoas morrerem intoxicadas numa casa miserável aquecida a gerador. Na segunda, uma estrada desaparecia entre duas pedreiras e perante a sucessão trágica, muita gente terá feito a interrogação-lamento: “É isto que nós somos”?É. É isto que também somos, nem que nem sempre o vejamos e quase sempre o esqueçamos. Um país onde há gente que continua a esgadanhar para viver e um país onde a incúria e a ganância matam. Este país onde não há Uber, nem Glovo, onde é preciso soletrar “gentrificação” e onde não se pode alugar uma moto-elétrica nem ir ao cinema, ocupa a maior parte do território, mas muito pouco da nossa atenção. Para o litoral recuou o Estado, recuou a Comunicação Social, recuaram as empresas, vieram as pessoas, ficou o esquecimento. Há por isso uma ordem natural das coisas para que a síndrome de Entre-os-Rios nos assalte, como um rebate de consciência, sempre que uma desgraça fixa um novo ponto no mapa. Essa ordem é imparável, mas não nos pode ilibar da responsabilidade colectiva de zelar pelos mais frágeis de nós. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Avalie-se a responsabilidade dos autarcas que deixaram e das pedreiras que fizeram, mas num momento em que o país da capital procura transferir competências para o país das autarquias, não esqueçamos que a responsabilidade de zelar pela qualidade e segurança das infra-estruturas, num país que extinguiu as suas Direcções Regionais, deve permanecer junto de quem concentra recursos e funcionários, neste caso o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). Também eles têm de nos responder porque continuarmos a ser aquilo que as tragédias nos lembram que somosNeste Portugal de esquecimento fácil, não nos podemos perder perante a clássica interrogação: “Quando uma árvore cai numa floresta solitária, sem nenhum animal por perto para ouvir, será que faz um som?” Faz, faz, mas para ser ouvido propriamente, convinha que não continuasse a cair sozinha.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave cultura social animal
Metas de um roteiro para descarbonizar a economia
Para descarbonizar a economia portuguesa até 2050, as palavras mais fortes do plano do Governo são: electrificar muito e com fontes renováveis, baixar até metade a produção de bovinos e conseguir que a floresta arda apenas metade do que costuma arder. (...)

Metas de um roteiro para descarbonizar a economia
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DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para descarbonizar a economia portuguesa até 2050, as palavras mais fortes do plano do Governo são: electrificar muito e com fontes renováveis, baixar até metade a produção de bovinos e conseguir que a floresta arda apenas metade do que costuma arder.
TEXTO: O plano que o Governo apresentou esta terça-feira define um calendário de metas a cumprir até 2050 para vários sectores – mobilidade, energia, indústria, agricultura e floresta – para que o país chegue a esse ano a emitir menos 85% de dióxido de carbono e com uma capacidade acrescida de sumidouro que neutralize as emissões que existirem. Também os resíduos vão dar o seu contributo na descida da pegada carbónica do país mas já no âmbito do programa europeu em curso. Objectivo para dar corpo ao compromisso português no Acordo de Paris: passar de um saldo líquido de 60 megatoneladas de CO2 emitido por Portugal em 2015 (68 megatoneladas emitidas compensadas por oito megatoneladas que a floresta sequestrou) para zero em 2050 (que serão 12 megatoneladas emitidas, à conta do petróleo a usar especialmente pela indústria petroquímica, e o seu exacto equivalente que a floresta “sumirá” no seu solo). Significa menos 85% a 99% em relação a 2005. O grande contributo para a descida das emissões virá da produção de energia eléctrica, que será cada vez mais renovável, e dos transportes, que serão, por sua vez, mais eléctricos até o ser totalmente nos ligeiros de passageiros. Em 2030, a meta é ter 80% renováveis na produção de electricidade e as duas centrais a carvão encerradas. Em 2040, o plano defende que os veículos a gasolina deixam de ser competitivos. Em 2050, a meta é ter mais de 65% dos consumos finais de energia com origem eléctrica. Mobilidade. Será cada vez mais limpa, conectada e partilhada, com redução significativa do número de veículos rodoviários em circulação. 33% dos ligeiros de passageiros em 2030 serão eléctricos. Serão 100% em 2050. Por volta de 2040, os pesados de mercadorias andarão a hidrogénio e electricidade e serão pelo menos metade da procura de mobilidade. Os veículos autónomos e/ou partilhados serão pelo menos um terço da mobilidade em 2050. Sector residencial e serviços. Apesar de um aumento da procura da energia, por via do aumento do conforto térmico dos edifícios, a energia que consumirem em 2050 deverá ser 95% descarbonizada face a 2005. Terá cada vez mais uma economia da partilha associada ao uso de electrodomésticos, ganhará eficiência por via da melhoria dos isolamentos nos edifícios, que pode conduzir a poupanças da ordem dos 60% dos consumos. O consumo será crescentemente electrificado, pelo que reduzirá as necessidades de utilização de gás natural a partir de 2030 e de biomassa a partir de 2040. Os edifícios de serviços serão 100% descarbonizados em 2040, defende o Governo, com uma “quase total electrificação” e o uso do solar para aquecimento de águas. Aposta nas bombas de calor como tecnologia dominante para o aquecimento de espaços. Indústria. Em 2050, a indústria poderá emitir menos 70%, com a ajuda da electrificação e do uso de biomassa, mas será mais lenta a descarbonizar. Em 2050, representará 39% das emissões. O roteiro admite que a mudança neste sector precisa também de uma “alteração dos modelos de negócio actuais”. Águas e resíduos. Projecta-se uma redução significativa da produção de resíduos urbanos per capita que pode atingir uma redução de 25%, associada a uma maior circularidade da economia. Em 2035, a deposição de resíduos em aterro corresponderá apenas a 10% dos resíduos urbanos totais produzidos, cumprindo a meta comunitária: corresponderá a uma redução de 82% face aos valores actuais. Não se prevêem grandes alterações no sector das águas residuais “face ao ponto de partida já bastante favorável”, apontando-se apenas para uma evolução gradual “no nível de prestação de serviço do sector, em particular no atendimento por sistemas de tratamento secundário e terciário”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Agricultura. A redução de emissões na agricultura ocorrerá a um ritmo menor que noutros sectores. O sector aumentará o seu peso nas emissões nacionais, representando 36% das emissões em 2050 (nesse ano, a agricultura e a indústria representarão 75% das emissões). O esforço passará especialmente pela descida da produção agro-pecuária de bovinos (com uma descida prevista entre 25 a 50%), mas compensada por um aumento de suínos (mais 18%). O roteiro aposta também na expansão da agricultura biológica, de conservação e da agricultura de precisão, e também no regadio que será mais eficiente a usar água. Florestas (uso do solo, alteração do uso do solo e florestas). Em 2050, o potencial de sequestro de carbono é estimado entre nove a 12 megatoneladas, o que aponta para um aumento ligeiro do seu potencial actual. O grande desafio para a floresta será a redução da sua área ardida vista como o “principal factor a determinar a capacidade de sequestro de carbono a nível nacional”. Deverão ser beneficiadas as espécies de protecção e a conversão de 30% de pastagens pobres em pastagens biodiversas, de modo a aumentar a capacidade de sumidouro da floresta portuguesa.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda consumo corpo