Um secretário de Estado da Cultura desautorizado
Miguel Honrado não tem condições para continuar no cargo: criou uma tal crispação no sector que torna impraticável o diálogo com as estruturas culturais. (...)

Um secretário de Estado da Cultura desautorizado
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Miguel Honrado não tem condições para continuar no cargo: criou uma tal crispação no sector que torna impraticável o diálogo com as estruturas culturais.
TEXTO: Quando da nomeação de Luís Filipe Castro Mendes como ministro da Cultura, faz precisamente agora dois anos, tive ocasião de elogiar uma escolha com que António Costa surpreendeu tudo e todos, anotando contudo que, pela sua condição de diplomata, estava apartado dos diversos lobbies e facções dos meios culturais portugueses, isso também implicava um desconhecimento concreto do terreno, para mais em situação de emergência. Por isso tanto era necessário um Secretário de Estado da Cultura (SEC) com esse conhecimento. A priori, a escolha de Miguel Honrado como SEC foi excelente. Tudo o que tinha vindo a fazer, ou quase, tinha-o feito bem: direcção do Teatro Viriato em Viseu, das Comédias do Minho (com a malograda Isabel Alves Costa) e sobretudo, sobretudo, da EGEAC, a empresa de gestão de equipamento e animação cultural de Lisboa, que tornou um sustentáculo de actividade na capital da maior importância. A única reserva que se me suscita, mas essa, devo dizer, é agora formulável retrospectivamente, é a de como presidente do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II – de onde transitou directamente para SEC – se ter limitado à gestão sem participar na definição de um plano estratégico. Ficou ele assim no Governo com a tutela das artes, da direcção-geral (DGArtes), dos teatros nacionais D. Maria e São João, desse monstro criado nos tempos de Sócrates que é a OPART, reunindo o São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado (CNB), do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e da Cinemateca Portuguesa. Dois anos volvidos, a questão é: o que sucedeu para um homem de tantos méritos se ter tornado uma tal catástrofe, só comparável às que tinham sido Santana Lopes com Cavaco e a dupla Isabel Pires de Lima e Mário Vieira de Carvalho com Sócrates?Os atrasos são constantes, a DGArtes é pura e simplesmente inoperacional, numa situação de emergência o novo regulamento de apoio às artes demorou quase ano e meio (!) para ser elaborado e é de uma total incompetência, o outro regulamento de apoio, ao cinema, suscitou uma situação incendiária, os tão propalados contratos-programa com os teatros nacionais e a CNB continuam a ser “ultimados” (há meses que andam a ser “ultimados” sem serem assinados), do reforço administrativo da Cinemateca, prometido ainda em 2016 na Comissão Parlamentar de Cultura como uma das prioridades para 2017, não há quaisquer novas…Em suma, está tudo mau, péssimo. Se o sector do cinema já se tinha incendiado, agora é o das artes do espectáculo, com a comunicação aos concorrentes, que teoricamente podem ainda recorrer, dos escolhidos e dos preteridos nos concursos de apoio às artes. O estado “honrado” de catástrofe é de tal ordem que o primeiro-ministro já teve de vir a público anunciar um aumento de 1, 5 milhões no apoio às artes, já depois de o ministro da Cultura ter prometido no Parlamento a abertura de uma linha de crédito. Acontece que o problema, grave, gravíssimo, não são apenas as escolhas mas sim o modelo – e nele o SEC insiste. Deve dizer-se que os apoios contemplam um campo bem mais vasto do que as artes performativas, que são sempre o centro das atenções, por uma maior tradição reivindicativa e de acessibilidade aos media. O Art. 1º, 2) do Decreto-Lei n º 103/2017, de 24 de Agosto, especifica como áreas artísticas abrangidas a arquitectura, as artes plásticas, o design, a fotografia, os novos media, o circo contemporâneo e artes de rua, a dança, a música e o teatro. Quase só se fala do teatro e da dança, quando as maiores arbitrariedades existem também noutros sectores. Um exemplo, o da música. No anterior concurso, em 2015, as atenções concentraram-se no fim do apoio à Cão Solteiro, no teatro, e à Re. al, na dança. Lidas com atenção as actas, verificava-se na música que a Associação Quarteto de Matosinhos tinha uma apreciação dos maiores encómios traduzida num apoio de… 0€! Agora é a Orquestra de Câmara Portuguesa que está em risco de extinção. Mas Miguel Honrado insiste e mais diz, na recente entrevista ao PÚBLICO: “Eu não vou deixar de ser secretário de Estado da Cultura — o meu mandato termina daqui a um ano e meio — sem corrigir esta trajectória. 2017 foi ano de construção de um modelo e de lançamento de concursos, dois processos complexos; 2019 será o ano de acerto do calendário”. Não vai deixar de ser secretário de Estado da Cultura? Não mesmo? Acontece que acaba de ser completamente desautorizado. Em Janeiro de 2017 apresentou ao sector de cinema um projecto de decreto-lei prevendo que os júris de apreciação dos projectos fossem eleitos na SECA, secção especializada de cinema e audiovisual, um organismo consultivo que é uma espécie de câmara corporativa, reunindo desde realizadores e produtores a operadores de canais por subscrição. Mas a que propósito é um órgão consultivo a eleger júris de apreciação?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Reacendeu-se a velha polémica entre os defensores do “cinema de autor” e os do “cinema industrial” (para a qual, diga-se, já não há a menor das paciências, que a querela, de tão velha, mais que cheira a mofo). Vivamente contestatários do projecto, por entenderem que a designação dos júris cabe à direcção do ICA e não a uma câmara corporativa, os primeiros entraram de tal modo em confronto com o SEC que consideraram não haver mais condições de diálogo, solicitando então a intervenção directa do primeiro-ministro. Mas Honrado persistiu até que, surpresa, há cerca de um mês o presidente do ICA anunciou na comissão parlamentar que os júris afinal iriam ser indicados pela direcção do Instituto – e é isso que consta no decreto-lei que está para ser promulgado na Presidência da República. É caso para falar da honra perdida de Miguel Honrado!Agora é de novo directamente com António Costa que estruturas e agentes pedem para falar, isto depois de ter sido ele a anunciar o reforço das verbas de apoio, tal como foi ele que suscitou a conferência de imprensa desta terça-feira de Miguel Honrado. É caso para perguntar se, nesta sucessão de emergências, teve o primeiro-ministro de chamar a si a tutela directa. Mas afinal ainda há SEC ou só um simulacro?Lamento muito, sinceramente lamento, pela estima que tenho por ele e pela admiração pelo muito que tinha feito ao longo dos anos, mas Miguel Honrado não tem condições para continuar a ser SEC: não só está desautorizado como criou uma tal crispação no sector que torna impraticável o diálogo com as estruturas culturais.
REFERÊNCIAS:
As lições perdidas do mandato único
O PS mudou de opinião sem explicar – agora entende que há mandato único, mas esqueceu-se de escrever isso no Estatuto do Ministério Público revisto em dezembro do ano passado. (...)

As lições perdidas do mandato único
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.07
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: O PS mudou de opinião sem explicar – agora entende que há mandato único, mas esqueceu-se de escrever isso no Estatuto do Ministério Público revisto em dezembro do ano passado.
TEXTO: 1. Sobre o mandato de Joana Marques Vidal já tive oportunidade de escrever em Janeiro último: “Joana Marques Vidal foi a melhor procuradora-geral da República da democracia. ” No mesmo artigo, também deixei claro que sou um adepto do mandato único pelas várias razões aí mencionadas. A CRP não proíbe a recondução. Mas também não obriga. Portanto é uma questão de princípios políticos, e não de constitucionalidade. E, desse ponto de vista, sou sempre contrário a qualquer recondução porque ela obriga a uma avaliação que necessariamente contamina a independência do lugar. Fui contra a recondução do Presidente do Tribunal de Contas em 2013. Fui contra a recondução do governador do Banco de Portugal em 2015. Seria contra a recondução da procuradora-geral da República em 2018, independentemente da avaliação que possa fazer do mandato anterior. Parece-me, pois, que a solução encontrada – continuidade sem recondução – é absolutamente correta. E registo a coerência intelectual do Presidente da República a quem tenho criticado em muitas outras ocasiões (por exemplo, quando infelizmente insiste em comentar publicamente processos judiciais). 2. Todo o circo político e mediático montado durante o processo que antecedeu a decisão de nomear Lucília Gago poderia ter um aspeto positivo – esclarecer definitivamente a questão do mandato único, agora que sabemos que se cumpriu o precedente (desde as alterações de 1997) de não reconduzir. Mas não. O PS mudou de opinião sem explicar – agora entende que há mandato único, mas esqueceu-se de escrever isso no Estatuto do Ministério Público revisto em dezembro do ano passado. A direita da coligação PàF (o “passismo” com visibilidade mediática que acabou por arrastar o CDS sabe-se lá porquê) defende o principio, mas não a falácia. Por isso vai de recondução em recondução. E o PSD oficial ajudou na confusão – Rio pede uma revisão constitucional para clarificar que não há mandato único. Portanto, estamos onde sempre estivemos. Prevalece o grouxo-marxismo (estes são os meus princípios; se não gosta deles, eu tenho outros). E tudo fica adiado para 2024, pois o tema obviamente já morreu. 3. Em 2018, numa sociedade transparente, espera-se que a escolha do procurador-geral da República seja um processo aberto e escrutinado, seguindo as melhores práticas na matéria – nomeia-se uma comissão de avaliação que possa refletir os representantes políticos e os representantes das profissões judiciais (por exemplo, o CSMP), os muitos candidatos apresentam-se, os finalistas são sujeitos a uma audição pública em que apresentam o seu programa para um mandato longo e sua equipa, os vários interesses da sociedade escrutinam os finalistas, a comissão de avaliação leva o nome desses finalistas assim como o resultado da consulta pública ao primeiro-ministro e ao Presidente da República que escolhem, em conjunto, o novo procurador-geral da República. Não estamos em 1978. Naquela época o processo era opaco e fechado numa corte longe de olhares indiscretos. Era um processo que se guiava por ausência total de escrutínio, sem candidaturas, alguns nomes apareciam nos jornais colocados sabe-se lá por quem, tudo partidarizado em função de agendas próprias, chicana pura. Pedir o programa e equipa nem passava pela cabeça de ninguém. E depois aparecia um novo procurador-geral da República do qual nem a comunicação social, nem a classe política, nem os especialistas sabiam absolutamente nada. E repetiam-se as vacuidades habituais durante os dois dias seguintes. Espere, caro leitor. É que estamos em 1978. E os partidos ainda não arranjaram tempo para mudar o Estatuto do Ministério Público (atualmente a 13. ª versão desde 1986) para que possamos ter um processo digno de 2018. 4. O debate público sobre a escolha da nova procuradora-geral da República mostrou também a velha filosofia do homem/mulher providencial. Sobre a reforma do Ministério Público, o direito processual penal, a reorganização dos tribunais penais (por exemplo, com a criação de uma jurisdição especializada para casos de corrupção em funções públicas), a ineficácia das múltiplas instituições e dos pacotes anteriores (as quase 200 medidas), a ausência de resultados no combate à corrupção do ponto de vista comparado (certamente não se medem pela abertura de inquéritos, mas por condenações transitadas em julgado que tardam décadas e a recuperação do património ilegítimo que misteriosamente desaparece), sobre tudo isto, os partidos não têm opinião nenhuma. Aliás, notou-se que os restantes 1800 magistrados do Ministério Público são absolutamente irrelevantes neste debate. Tudo se reduz a uma e uma só pessoa. E agora até 2024 temos o assunto encerrado. Foi o “momento definidor”. 5. Em 2019, teremos a decisão de reconduzir ou não o comissário português (suponho que o PS quer recuperar o lugar depois de quinze anos de PSD). E, em 2020, teremos a escolha do novo governador do Banco de Portugal (presumo que o PS também entenda que deve ser alguém da sua órbita depois de dez anos de alguém da órbita PSD). Tenho a certeza que vão ser processos transparentes (não há facilitadores televisivos já a circular nomes), com escrutínio público, candidaturas próprias, consulta geral, audição parlamentar, apresentação de programa e ideias. Vamos ser certamente surpreendidos com as melhores práticas de um país que diz apostar num Estado moderno, tecnológico, aberto, inovador e cristalino – porque evidentemente os partidos políticos promovem a clareza pública de todos estes processos quando estão no Governo e quando estão na oposição – querem sempre escolher os melhores.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD
Contrariando a entropia e o antropoceno
Uma mudança do paradigma energético e de desenvolvimento é transversal e tem de contar com novas políticas públicas. (...)

Contrariando a entropia e o antropoceno
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma mudança do paradigma energético e de desenvolvimento é transversal e tem de contar com novas políticas públicas.
TEXTO: Há discussões e controvérsia científica sobre se já entrámos numa nova idade geológica, o antropoceno, e até sobre o nome a dar-lhe, caso esse facto seja acreditado pelas instituições relevantes na matéria. As alterações, todavia, já realizadas na biosfera pela nossa espécie não têm precedente e já existe uma fina camada radioactiva que cobre a Terra, resultante de milhares de ensaios nucleares e das centrais nucleares, sobretudo dos acidentes de Tchernobyl e Fukushima, camada essa que está identificada para o futuro. Há quem defenda que essa nova era começou há cerca de 10. 000 anos com a domesticação de algumas plantas e animais e as primeiras interferências do homem na biodiversidade e natureza. Outros referem a incerta data da revolução industrial, a queima de fósseis e a utilização de agro-químicos, mas sem dúvida nos séculos XVIII ou XIX. Com as alterações climáticas, o aumento do dióxido de carbono atmosférico é um dado incontornável, também no século XIX; com a globalização da Terra e da economia temos um incremento da extinção de espécies, que prossegue. Alguns autores referem-se hoje à sexta extinção, dado o grande número de espécies que se vão extinguindo, só comparável às outras cinco grandes extinções por que a Terra passou. Mas é, sem a mínima sombra de dúvida, em 1945, com as primeiras explosões atómicas no Novo México e depois em Hiroxima e Nagasáqui, que introduzimos no ambiente elementos incontornáveis. As radiações nucleares dessas explosões estarão presentes na Terra daqui a muitas, muitas centenas de milhares de anos. Sem hesitação, o que na história do Universo e mesmo na da Terra é o equivalente a milionésimos de segundo de diferença, sobre se é a revolução agrícola, industrial ou nuclear o elemento detonante, o certo é que, se não contrariarmos a 2. ª Lei da Termodinâmica que nos diz que toda a energia se degrada no quadro da sua utilização, a entropia que aumenta, como um sinal do aumento da desordem e da degradação deste organismo gigante, mas um grão de areia no universo, que é a Terra, será irreversível. A história dos que têm procurado contrariar essa entropia e conservar a energia (que toda ela se mantém, no quadro da sua degradação, como nos diz a 1. ª Lei da Termodinâmica) e a defesa deste novo conceito, recente mas que mergulha também no tempo e nos princípios éticos e filosóficos de há milhares de anos, das grandes religiões e de muito pensamento filosófico, é uma luta que se desenvolve em múltiplos planos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nas instituições, nas acções de milhares de indivíduos e associações, na palavra e nos empenhos e lutas não violentas que inúmeras comunidades ou tantas vezes grupos isolados levam a cabo para defender a sua terra, o seu espaço vital e o espaço público que procuramos ocupar e onde temos vindo a intervir. Os rios vivos onde se deve continuar a usufruir do bem comum que é a água a correr e a sua utilização compatível com a manutenção dos ecossistemas, e sobre o Tejo temos tido particular preocupação. O Tejo é um exemplo claro de degradação e de como estas decisões de conservação devem ser articuladas a nível internacional. Preocupação que é também com a utilização de uma forma de aquecimento da água, a partir da fissão do átomo, que nos dois grupos de Almaraz e no de Trillo afecta, pode afectar, este recurso, mas também o ar e os solos onde se terão de gerir as toneladas, toneladas de resíduos desse aquecimento. Aquecimento que não é, ao contrário do que muitas vezes os vendilhões do templo, mercadores do oligopólio energético nos dizem, um aliado na luta contra as alterações climáticas, mas antes pelo contrário. O nuclear é um aliado do modo de produção e gestão energética, de desperdício e poluição (irreversível) que tem na base a queima de combustíveis fósseis para fazer girar as turbinas que vão esmagando a Terra no seu espaço. Uma mudança do paradigma energético e de desenvolvimento é transversal e tem de contar com novas políticas públicas. Requer múltiplos actores políticos e sociais, mas também científicos e económicos. E um envolvimento transfronteiriço. A atitude do Governo espanhol de avançar com o cemitério nuclear em Almaraz e a mina de urânio de Retortillo sem consultar e ouvir a opinião do Governo português está nos antípodas desse empenho na procura de soluções comuns para a crise ambiental que vivemos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei homem espécie extinção
Depressa e bem, vivemos aquém
Sinto que é realmente importante abrandar. A serenidade e a calma são essenciais para ressuscitar a nossa faceta mais humana. (...)

Depressa e bem, vivemos aquém
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sinto que é realmente importante abrandar. A serenidade e a calma são essenciais para ressuscitar a nossa faceta mais humana.
TEXTO: E se, de repente, conseguíssemos introduzir a expressão “o tempo passa a andar” no nosso leque de frases feitas? Seria estranho, não acham? Parece que nem soa bem. Talvez isso se deva ao ritmo frenético com que, inconscientemente, pautamos as nossas vidas. Da buzinadela quando fica verde e o carro da frente não avança até ao sprint para a paragem do autocarro, vivemos constantemente em excesso de velocidade. Ao que parece, isto não se passa apenas connosco. À nossa volta, tudo se tem vindo a tornar acelerado e instantâneo. São os produtos colocados na fruta para amadurecerem mais depressa, as rações para os animais crescerem à velocidade do homem ou os comprimidos para ganharmos músculos que não são nossos. Moral da história: não há tempo (como o nosso). Hoje em dia é tudo muito rápido — não confundir com intenso. Sobrevivemos depressa, a natureza deixou de ser orgânica e passou a ser à pressa, mas não somos apenas nós e aquilo que nos rodeia. Actualmente produzem-se também informações e distracções como nunca. Felizmente, tudo está acessível e aqueles que estiverem bem preparados podem usufruir desta facilidade. As discussões de amigos à volta de uma dúvida terminaram. Não temos de chegar a casa para consultar o dicionário nem a enciclopédia, basta perguntar ao Google. Por outro lado, começamos a perceber que a ignorância não se explica apenas através das restrições e limitações como outrora fazíamos. Se estamos na era da informação livre e disponível, porque será que muitos ainda escolhem alimentar a sua ignorância?Na minha opinião, a facilidade com que se pode obter tudo leva-nos a “adormecer” os nossos sentidos. Eu recordo-me de ser miúdo e só poder ligar a Internet a partir das 21h porque era mais barato. Ao contrário dos dias de hoje em que posso estar ligado 24 horas se me apetecer, naquela altura só podia desfrutar de duas horas antes de ir para a cama. Aqueles 120 minutos tinham de dar para tudo: download de músicas, pesquisas aleatórias e conversas no mIRC. Tudo era fascinante e saboreado ao segundo. O mesmo se aplicava ao rolo da minha máquina fotográfica. Por não serem ilimitados, os disparos eram meticulosos e planeados ao pixel. Todas as fotografias contavam, nenhuma ficava de fora. Não quero ser saudosista, mas a verdade é que esta magia se desvaneceu com a modernização. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os momentos de pesquisa e procura também foram invertidos. Antigamente, tínhamos de ir literalmente atrás da informação que queríamos descobrir. Hoje parece que alguém escolhe por nós: o YouTube sugere-nos vídeos, o Spotify cria-nos playlists e o Facebook mostra-nos as publicações que bem entende — “algoritmos” dizem eles. Silenciosamente, estamos a desligar-nos das nossas capacidades de iniciativa e poder de escolha. Alguém faz por nós, alguém explica, alguém vem-nos dizer. Eu adoro tudo o que conseguimos, da liberalização do conhecimento às novas formas de nos conectarmos, mas quão perigoso isto pode ser para o nosso desenvolvimento se não for bem direccionado?Dos stories do Instagram às tendências do YouTube, tudo é efémero e de rápido consumo. Quando vamos a ver, já passou. Somos sedentos por novidade, ficamos ansiosos só de pensar que pode não surgir algo que nos chame à atenção. Nem na casa de banho conseguimos estar sossegados se não tivermos o telemóvel connosco. Queremos sempre mais e mais, é uma espécie de adição consumista, mas que não nos obriga a entrar numa loja. Está tudo ali, tão fácil, basta ir deslizando. Toda esta sede distrai-nos. O facilitismo torna-nos preguiçosos e pouco resilientes. Se tiver mais que duas linhas, já dá muito trabalho a ler. Se nos obrigar a pensar, então já é uma seca. Se não estiver online, já estou fora de jogo. Sinto que é realmente importante abrandar. A serenidade e a calma são essenciais para ressuscitar a nossa faceta mais humana. Voltemos a ligar-nos ao que importa: as pessoas, a natureza e os lugares. A nossa criatividade e estímulos não podem continuar reféns desta corrida. As horas não voam nem a vida é curta (desde que seja cumprida). O tempo só passa a correr porque ainda não o pusemos a andar. Vamos a isso?
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
De excesso em excesso até onde?
Isto não estará tão mal como a oposição diz, nem tão fascinante como o Governo reclama. Mas, deixou-se gerar nas pessoas uma certa ideia de abundância e de quase pré-Éden. (...)

De excesso em excesso até onde?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Isto não estará tão mal como a oposição diz, nem tão fascinante como o Governo reclama. Mas, deixou-se gerar nas pessoas uma certa ideia de abundância e de quase pré-Éden.
TEXTO: O excesso tem quase sempre como resposta o excesso. É o que se passa por cá entre o optimismo injustificado do poder e uma convergência sindical e laboral culminada num movimento grevista com uma magnitude, que nem no tempo da troika se havia visto. Para o Governo, o país aparenta estar uma maravilha. Tudo está bem e mesmo qualquer coisinha que apareça timidamente de menos bom, ou é olimpicamente ignorada pelos governantes, capitaneados pelo mestre da arte de bem omitir ou disfarçar António Costa, ou desaparece do radar mediático, como que por milagre. Há, evidentemente, aspectos que se reflectem na vida das pessoas que estão hoje significativamente melhor. Na taxa de desemprego que diminuiu para níveis de 2002 (ainda que, em parte, devido à redução da população activa), no aumento do rendimento disponível das famílias e na evolução do valor do salário mínimo (embora os valores salariais mínimos e médios líquidos se venham aproximando, na razão de 50, 5% em 2008 para 58, 5% em 2017), em alguma redução da taxa de pobreza, num assinalável superávite primário nas contas públicas, na reestruturação da nossa dívida pública por via do pagamento antecipado de empréstimos institucionais de custo elevado, e sua substituição por dívida bastante menos onerosa, no reforço das nossas exportações em bens e serviços (turismo). Mas não nos iludamos. Continuamos impreparados para uma fase de abrandamento ou recessão económica. A boleia dos estabilizadores automáticos da economia, sobretudo medida pela receita fiscal, não dura sempre. Continuamos no círculo vicioso de mais impostos para mais despesa em vez de, duradouramente, ter menos (ou melhor) despesa para necessitar de menos impostos. O nosso crescimento económico está ainda longe do que seria desejável para uma maior convergência, com uma taxa que é a sétima mais baixa da União Europeia, e que, se excluirmos os países mais ricos, só a Grécia está atrás de nós. O PIB atingirá o que, em termos reais, se verificava há 10 anos. A produtividade aparente do trabalho continua a evoluir desfavoravelmente, o que, segundo o Banco de Portugal constitui um “factor de preocupação”. A dívida pública (embora bruta) tem continuado a subir em termos nominais, ainda que, face ao crescimento do PIB, o seu peso relativo tenha diminuído para valores ainda assim muito elevados (terceira maior dívida pública da UE em percentagem do Produto). A apreciável evolução das contas públicas é, em significativa parte, o resultado de factores cíclicos de ajustamento, da política de expansão monetária do BCE, que está prestes a reduzir-se, ou da insignificância do investimento público, que tem algum aumento para 2019, mas partindo de uma base baixíssima. O nível de pressão fiscal vem batendo recordes, sobretudo devido ao aumento de impostos indirectos socialmente regressivos. Por outro lado, a degradação de serviços públicos fundamentais é indesmentível. Em suma, isto não estará tão mal como a oposição diz, nem tão fascinante como o Governo reclama. Mas, deixou-se gerar nas pessoas uma certa ideia de abundância e de quase pré-Éden. Se a esta atmosfera, juntarmos três pontos de natureza mais política conjuntural, temos o caldo de predisposição para um clima de reivindicação e confronto mais acesos. Refiro-me à notória marcação partido-a-partido na coligação parlamentar que sustenta o governo, onde cada qual, depois de esgotada a popular reversão de medidas austeritárias, quer mostrar serviço-extra e anunciar “prebendas” de acordo com a sua matriz, à circunstância de haver eleições a prazo curto e, por fim, ao reacender de exigências de toda a sorte dos grupos profissionais e forças sindicais com maior peso na opinião pública e mediática e com uma capacidade e pressão enormes por as suas greves afectarem mais os bens e serviços públicos essenciais. Vivemos um tempo de greves sobre greves, umas encavalitadas noutras, uma espécie de “blokchain grevista”. A greve é cada vez mais um instrumento político que excede a sua génese e fundamento laboristas, que vem roçando o puro oportunismo. Como regra, as greves concentram-se em bens e serviços de provisão pública, ou seja, financiados pelos que pagam impostos e, sobretudo, por quem não tem poder social, mediático e reivindicativo dos “profissionais de greve”. De um dia para o outro, eis enfermeiros e outros profissionais da saúde, professores, funcionários judiciais, guardas prisionais, serviços de fronteiras, ferroviários, bombeiros, empresas de transportes, etc. , etc. , e até detentores de órgãos de soberania a escolher “boas datas” para fazer greves completas, parciais, miscelâneas, cirúrgicas (literalmente), em cadeia, às horas normais ou extraordinárias, marimbando-se para o comum dos cidadãos que, no discurso, juram proteger. O que se passa no Serviço Nacional de Saúde é por demais afrontoso e social e humanamente abjecto. O que se desenrola com os comboios é indigente. A Administração evidencia sinais alarmantes de penosidade e de desprestígio. E, no entanto, ouvindo o PM no debate parlamentar, poderíamos concluir: tudo numa boa!IPSIS VERBISSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. CITAÇÃO I: “Tudo o que é excessivo é insignificante” (Julien Green, escritor, 1900-1998)CITAÇÃO II: Sê pessimista e age como optimista. E terás sempre razão (Vergílio Ferreira, 1916-96)METÁFORA: As vacas podem fazer greve: já existe o leite em pó!OXÍMOROS: funerária da Boa-Hora tratou do funeral de Dona PerpétuaPLEONASMOS: todos foram unânimes e excederam-se em muitoSINESTESIA: roxo de fúria, dirigiu-lhe uma palavra fria com luva branca e um sorriso amareloAMÁLGAMA NEOLÓGICA: Grepública (de greve + República)SCIENTIA AMABILISAZEVINHO (Ilex aquifolium, L. )Mês de Natal, mês do azevinho. Planta arbustiva, de folhas persistentes e alternas, coriáceas e de bordo ondulado e espinhoso. De crescimento lento e tempo de vida que pode atingir algumas centenas, é espontânea em Portugal Continental. Muito procurada nas festas natalícias pela expressiva junção do verde escuro da sua folhagem e o vermelho vivo dos seus frutos em forma de drupa. Estas bagas, bem como as folhas, resistem ao assédio das aves e de outros animais pela circunstância de serem tóxicas. Os frutos amadurecem entre o fim do Verão e primeiros dias do Outono e persistem brilhantes por ocasião do Natal. O seu nome científico Ilex foi adoptado pelo facto de, na Roma Clássica, ser esse o nome dado à azinheira, pela similitude da forma das suas folhas. Planta com passado paganista e desejada no Natal, bem quereria -se pudesse- nele passar despercebida. É que corre o risco de extinção face à sua procura por todo o lado. A partir de 1989, foi proibida a colheita, transporte e comercialização em Portugal Continental dos azevinhos espontâneos. O que hoje é adquirido no mercado é constituído por variedades e híbridos cultivados.
REFERÊNCIAS:
Entidades TROIKA UE
Feira Nacional da Agricultura aposta no vinho e abre com Marcelo
Organização do evento que começa este sábado quer voltar a ultrapassar os 200 mil visitantes (...)

Feira Nacional da Agricultura aposta no vinho e abre com Marcelo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.7
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Organização do evento que começa este sábado quer voltar a ultrapassar os 200 mil visitantes
TEXTO: A “Vinha e o Vinho” são os temas centrais da 56ª. Feira Nacional de Agricultura (FNA), que abre na tarde deste sábado, no Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA) de Santarém. Marcelo Rebelo de Sousa preside à cerimónia inaugural e, ao longo dos nove dias do maior certame da agricultura portuguesa, a organização espera ultrapassar os 202 mil visitantes registados na feira do ano passado. Os responsáveis do CNEMA anunciam várias novidades para a FNA de 2019, desde logo com um alargamento na área de exposições, aproveitando a zona lateral à nave A. A presença da Comissão Europeia com um pavilhão próprio e a instalação, na entrada principal do CNEMA, de quatro talhões, representando as vinha do Douro e do Pico (Património da Humanidade), os sistemas de rega e cerca de uma centena de variedades de vinha, são outras das novidades do certame. A escolha do tema desta edição da FNA pretende “realçar o dinamismo de um sector que tem grande importância económica” na agricultura portuguesa, um peso significativo nas exportações e uma “qualidade crescente, que tem permitido a conquista de prémios internacionais, sublinha Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal e do conselho de administração do CNEMA. Já Luís Mira, secretário-geral da CAP e administrador do CNEMA, acrescenta que, a par da apresentação dos avanços tecnológicos e dos colóquios e seminários sobre esta temática, serão proporcionadas aos visitantes experiências que permitirão saber como escolher o copo certo, o prato mais indicado ou a temperatura para cada vinho, além de cursos de iniciação à prova de vinhos e provas temáticas de vinhos. Nas “Conversas de Agricultura” falar-se-á de enoturismo e turismo rural, de turismo e património nos territórios vínicolas e de instrumentos para acrescentar valor ao sector vitivínicola. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “O Futuro dos Jovens Agricultores” (dia 12), o “Estatuto da Agricultura Familiar” (14) e “os Desafios para os Agricultores e para a Agricultura no Futuro”, também no dia 14, com a participação do comissário europeu Phil Hogan, são outros dos temas abordados nos colóquios e conferências da Feira Nacional da Agricultura. A componente equestre será, como habitualmemnte, outro dos destaques, com realce para o novo espectáculo “O Cavalo na História”, que será apresentado no “Grande Ringue” do CNEMA nos dias 8 e 15 de Junho. Uma gala “especialmente preparada para esta edição da FNA”, que “retrata a evolução do cavalo ao longo os tempos na vida civil, no campo, na guerra e no toureio”. Nesta edição 2019, a FNA deverá, também, ultrapassar os 750 expositores do ano passado, com destaque para a área da maquinaria agrícola, para o Salão Prazer de Provar e para os mais de 500 animais em exposição. Paralelamente decorre a Feira Empresarial da Região de Santarém, com cerca de uma centena de empresas representadas. No campo da animação haverá concertos, entre outros, com José Cid, Capitão Fausto, Conan Osíris, Mariza e David Antunes.
REFERÊNCIAS:
Vamos aumentar a realidade para viver melhor
A realidade aumentada é a próxima grande novidade no campo da tecnologia. Promete muito nas áreas da informação, da comunicação e das artes e tem por objectivo melhorar a experiência de vida quotidiana. (...)

Vamos aumentar a realidade para viver melhor
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.318
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: A realidade aumentada é a próxima grande novidade no campo da tecnologia. Promete muito nas áreas da informação, da comunicação e das artes e tem por objectivo melhorar a experiência de vida quotidiana.
TEXTO: A melhor forma de explicar do que trata esta nova tecnologia é uma definição simples: a realidade aumentada é uma camada de informação digital que se sobrepõe a tudo o que rodeia o utilizador, de forma a facilitar a relação com o mundo. Essa camada de informação digital pode ser acedida através do smartphone, de óculos especiais ou de outros aparelhos que permitem interagir com o ambiente sem afastar o utilizador do espaço que o rodeia. É diferente da realidade virtual porque o objectivo desta é colocar o utilizador num ambiente diferente, com uma experiência integral que o afasta do que está à sua volta – ao contrário, o que a realidade aumentada pretende é tornar melhor a experiência com o que rodeia o utilizador. Imagine ter uns óculos que projectam nas lentes o caminho mais próximo para chegar ao seu destino ou que lhe diz qual dos restaurantes que estão na rua à sua frente têm vagas para almoçar e qual os preços dos pratos, por exemplo. Ou imagine que está a montar um móvel cujas instruções estão projectadas junto com o equipamento para facilitar a colocação das peças. Tudo isto está longe de ser ficção: aplicações como estas já são frequentes na indústria, em que se usam capacetes e óculos para colaborar na construção e reparação de equipamentos. A novidade está na chegada ao mercado de grande consumo, graças à recente evolução tecnológica nesta área. Quem experimentou o jogo Pokémon Go que há dois anos fez sucesso já tem uma ideia do que se trata: este jogo colocava criaturas virtuais nas proximidades do utilizador, criando uma camada de informação (as criaturas) no ambiente real captado pela câmara do telemóvel. Neste momento várias empresas estão a desenvolver equipamentos capazes de transmitir experiências de realidade aumentada. A Microsoft tem um equipamento em utilização, o Hololens, que tem sido pioneiro na demonstração do potencial desta tecnologia, mas muitas outras estão a chegar ao mercado com soluções viradas para o grande consumidor. Uma das que actua com maior secretismo é a Magic Leap, que promete revolucionar o meio com um equipamento de grandes capacidades mas que ainda não anunciou datas concretas para a chegada ao mercado. Em Junho, uma startup norte-americana lançou um produto que quer tornar acessível a todos a experiência de realidade aumentada e por isso apostou num produto de baixo custo. E ainda falta que empresas como a Apple, a Google e o Facebook mostrem o que andam a fazer nesta área. Há também empresas portuguesas neste meio, e nelas destaca-se a Aromni, herdeira da YDreams de António Câmara, que está a desenvolver uma plataforma integrada para o futuro desta tecnologia. Os meios de comunicação também já começaram a desenvolver experiências nesta linguagem. Este ano o destaque tem de ser dado ao New York Times, que desde Janeiro fez um investimento em realidade aumentada que oferece aos leitores formas interactivas de relacionamento com as narrativas jornalísticas inovadoras, para introduzir “um modelo mais visceral e real”. Estas experiências estão acessíveis na maioria dos modelos de telemóveis mais recentes com sistema operativo iOS e Android. A primeira grande experiência foi feita com o perfil interactivo de quatro atletas que participaram nos Jogos Olímpicos de Inverno, mas a mais recente é verdadeiramente surpreendente: uma visita à gruta na Tailândia onde se deu o salvamento dramático dos quinze jovens permite perceber a dificuldade da operação de resgate e consegue transmitir, melhor do que um texto, a experiência vivida. Helen Papagiannis é uma das maiores especialistas mundiais neste tema e autora do livro Augmented Human, acabado de publicar em inglês e em mandarim. Em entrevista ao PÚBLICO, explica que apesar de a tecnologia já existir, o que vai fazer diferença é “a experiência. A tecnologia está lá, mas o que podemos fazer com ela? Acho que essa é a questão essencial, vamos aproveitar o poder da mesma para criar experiências sem precedentes. ” No seu livro apresenta várias formas como a tecnologia vai facilitar a vida quotidiana, desde a compra de roupa ou móveis até uma viagem turística. Mas vai mais longe e afirma que esta tecnologia vai poder transmitir sensações: “Actualmente, a realidade aumentada ainda se centra em experiências visuais, mas não tem de ser assim. O mundo não é apenas o que vemos, usamos todos os nossos sentidos para viver. Por que razão haveríamos de limitar a realidade aumentada? Há experiências muito interessantes que o sabor e o cheiro podem tornar possíveis. E esse é um aspecto muito interessante, porque não estamos limitados à replicação dos nossos sentidos, experiências e realidades. O sabor e o cheiro podem ser explorados de forma sinestésica e criar possibilidades muito interessantes por exemplo ao nível das narrativas. ”Este é um aspecto crucial desta nova tecnologia, porque é encarada como um novo meio de comunicação e expressão artística cujos limites estão apenas limitados pela criatividade humana. É assim uma área em que há vários empreendedores que começam agora a explorar o que pode ser feito e isso começa a ter impacto em várias áreas. A educação, por exemplo, é uma delas. Papagiannis, que em 2010 desenvolveu um livro interactivo sobre animais com que se interagia através de um tablet, destaca precisamente as possibilidades educativas: “Por exemplo, no local de trabalho é possível replicar experiências que, de outra forma, não seriam seguras. É possível aprender a manusear equipamento dispendioso ou de grandes dimensões. E na sala de aula, podemos dar vida aos temas mais complexos abordados nas aulas de ciência e química. A realidade aumentada consegue, de muitas formas, dar visibilidade àquilo que é invisível. E compreender estes conceitos de novas formas será muito relevante. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quanto à arte, está tudo por fazer, “até porque este é um novo meio de expressão e, como tal, relaciona-se muito bem com o meio artístico. Seja a explorar os sentidos ou em experiências com múltiplos utilizadores, acredito que é uma folha em branco para artistas. E acho que isso é fundamental, porque são as experiências que os artistas criam que vão ditar o futuro deste meio e que o podem conduzir noutras direcções. Como acontece quando aparecem nos meios de comunicação, a fase inicial é a de adaptação de formatos existentes noutros meios – tal como a televisão começou por replicar os formatos de rádio até se impor com narrativas próprias, também a realidade aumentada começará por usar modelos próprios do vídeo e do áudio digital antes de criar narrativas inovadoras. Como a realidade aumentada tem um potencial de interacção com os sentidos muito poderoso, isto irá criar experiências muito intensas: “Estas histórias vão entrar no espaço do utilizador. Aliás, o corpo do utilizador torna-se parte dessa história. Será uma experiência visceral e emocionante, mais intensa que a vivida com o cinema ou a literatura. ” Mas também aqui será necessária moderação: “esta tecnologia tem o poder de criar experiências apelativas e emocionantes que irão ajudar o utilizador a criar empatia com uma personagem real ou fictícia. A capacidade de partilhar uma perspectiva é algo que se torna possível, mas acho que é muito importante pensar na interacção entre a empatia e o utilizador. Não queremos saturar o utilizador. Temos de perceber quando é que a realidade aumentada é relevante e como é que esta melhora a experiência. ”A ideia da realidade aumentada é antiga. Há décadas que cientistas e autores de ficção científica antecipam um mundo em que toda a informação flui livremente e está acessível no espaço envolvente. Para que se esteja agora a tornar uma realidade, foi necessária a conjugação de três factores: o poder de processamento computacional que todos temos nos smartphones, a evolução das tecnologias de comunicação e a ligação em rede de todos os equipamentos em constante partilha de dados. O cumprimento da promessa de facilitar a vida dos cidadãos será essencial para que a tecnologia se popularize. Mas outras questões se erguem no que toca à sua adesão. A crescente digitalização da sociedade provoca questões difíceis de responder relacionadas com a privacidade, os direitos e os deveres de cidadania. Serão problemas que também terão de ser acautelados, de forma a que se possam confirmar as virtudes da realidade aumentada.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos educação consumo corpo deveres
Soalheiro
Vou tentar concentrar-me na tarefa que me foi pedida de tentar salvar deste mar de uso indevido, desatenção, desprezo ou esquecimento algumas palavras da língua portuguesa. (...)

Soalheiro
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vou tentar concentrar-me na tarefa que me foi pedida de tentar salvar deste mar de uso indevido, desatenção, desprezo ou esquecimento algumas palavras da língua portuguesa.
TEXTO: A manhã era de neblina, fresca, baça, fria, de uma luminosidade difusa, de luta. O dia ganha-se ou perde-se aí, consoante o sol consegue tornar o nevoeiro ralo, desfazendo-o em pedaços volantes, ou é obnubilado por ele até à manhã seguinte, em que, de novo, medirão forças. Se chove, é dia ganho na horta, nos campos de batatas, nos pomares, mas nas almas dos tristes, é perdido. Não só o dia, mas o mundo todo, cujo trânsito fica suspenso, cristalizado, já que, no caso particular do céu, o azul ou o cinzento não são só cores, são vidas: umas que correm, outras que param: as que podem voar no tom sem limites e as que chocam contra o tecto escuro e constrangedor (a história do cinzento é não ter futuro nem esperança. É a cor da cinza. E cinza é um processo concluído, extinto, de que não fomos partes, testemunhas ou beneficiários. É uma pena de prisão para inocentes). Mas não precisam de se preocupar com isso agora, que o sol venceu as nuvens altas e as rasteiras, trespassando-as e vindo ter connosco a esta cozinha rústica, antiga, escura, que eu observo agora. No chão, uma lareira com grandes panelas de ferro com três pés, pesadas, pretas. Umas réstias de cavacos, carvões e cinzas. A meio, um forno que subjaz à enorme panela metálica embebida nos tijolos refractários, para aquecer água; ao lado, o forno de lenha de assar cabritos e pão, com uma porta que, a seu tempo, se tapa e destapa. A luz entra pela porta de duas jambas, de que só uma se abre, a não ser em dias em que tem de se tirar a masseira para lavar e secar no quintal. Mas quando o sol bate nos dois postigos da cozinha protegidos por grades feitas à mão no ferreiro, à antiga, e se coa para dentro, e acontece de se estar o começar um lume com palhinhas secas, pauzinhos, raminhos e galhos, que se há-de pegar aos cavacos, o fumozinho dali resultante sobe e materializa os raios de luz que, antes, sem alvo, não víamos. Aquelas barras de sol tornam-se tão sólidas e concretas como as dos ferros das grades; tão reais que o cão, o gato ou a criança mais espertos tentam apanhá-las com patas e mãozinhas, reconhecendo a transcendência daquela aparição de além-mundo. Tal como quando a electricidade se vê numa faísca de curto-circuito, num arco voltaico que salta de um eléctrodo de carvão para outro, ou, muito mais majestaticamente, com grandiosidade fenomenal, nos raios dançantes de estalos ameaçadores das colossais bobinas que esse génio esquecido Nicola Tesla concebeu. Só ele nos poderia ter deixado também um dispositivo que tornasse as almas fluorescentes ou, mais importante ainda, que fizesse um olhar de devoção riscar a noite mais escura. Isso sim. E quando estou embalado neste fervor poético, entra-me o Galhardo na sala (o meu mordomo Galhardo, como saberão os fiéis seguidores destas homilias) e, depois de anunciar o almoço que vai ser servido, chama-me à parte e pergunta-me – como que adivinhando o tema em que eu mentalmente discorria – se pôr do Sol tem hífen (neste caso, hífenes), para resolver uma divergência de pontos de vista com a recém-contratada governanta que veio substituir a que – como se recordarão – veio a ser presa em antipático episódio nesta rubrica aludido. “Sentemo-nos”, digo, indicando-lhe o sofá de couro bem polido naquele estilo que sugere múltiplos umbigos, com botões a distâncias regulares, metidos para dentro. Mas ele, por deformação profissional, habituado a estar de pé e com pouca prática de estar sentado, escorregou no couro com a parte menos gasta das calças, até dar por si no chão, em queda em boa hora amortecida pelo velho tapete de Arraiolos que me acompanha desde o meu quarto de criança. “Atentemos às particularidades do problema”, disse eu, muito retoricamente, do fundo da minha poltrona de veludo amarelo, a condizer com os reposteiros que os meus leitores bem conhecem, desde a origem, com os olhos postos no tecto, para dar tempo ao bom Galhardo de disfarçar aquele passo em falso e recuperar a compostura digna de um servidor do castelo centenário – milenário – em que, pela força do destino, habito, medro e governo. E, já agora, aos que, vencidos pelo monstro de olhos verdes que se chama inveja, estão mortinhos por me chamarem burguês, a coberto do seu anonimato, peço-lhes que, em vez disso, me chamem nobre. É mais rigoroso e contextualiza. Voltando ao Sol:“Meu bom Galhardo” – levantei-me e chamei-o para o meu lado, entrando na galeria dos quadros, actualizando a minha forma de preleccionar pelo que de mais moderno se faz nos EUA, que é ter reuniões e até resolver casos policiais enquanto se anda ao longo de corredores, em grupo, atendendo ao que se vê na série “CSI” e quejandos – “o Sol é o nosso astro-rei, tal como o nosso bolo-rei é o nosso bolo-rei. Mas os nomes dos astros escrevem-se com inicial maiúscula. Ora, tanto o nascer do Sol como o pôr do Sol são momentos de um movimento aparente em arco que faz aparecer e desaparecer do nosso campo de visão, em cada dia, essa fonte de vida e de melanomas, a estrela em si. De modo diferente, quando o sentido é o da luz que a estrela emite, a claridade, o dia, então a palavra escreve-se com letra minúscula: ‘de sol a sol’, ‘estar ao sol’, ‘um lugar ao sol’. ”AluviãoA propósito de Ceilão ser uma palavra neutra e não masculina (em Ceilão), diferentemente do que parece, tal como Chipre (em Chipre), ocorreu-me a palavra aluvião, que tenho visto utilizada como se fosse masculina, mas que, na realidade, é um substantivo (nome) feminino, a aluvião. Significa materiais geológicos transportados por águas correntes por vezes formando jazigos (ou jazidas) de minérios. Em compensação, Haia, na Holanda, ao contrário do que é maioritariamente visto ou ouvido, é um topónimo feminino – a cidade da Haia, na Haia. “Mas, sr. Procurador, a D. Guiomar, que é uma governanta moderna e entendida nessas coisas de computadores e telefones com muita inteligência, diz-me que há uns correctores automáticos de palavras que dizem que tanto está certo escrever pôr do Sol como pôr-do-sol. . . ”“Por favor”, irrompi. “Não falemos de correctores ortográficos automáticos antes de almoço, que fico já cloridricamente acidulado e deveras impreparado para acolher no seio digestivo as meigas vitualhas que saem daquelas mãos de fada da nossa cozinheira, sr. ª Deolinda. Simplifiquemos: existe pôr do Sol, como contrário de nascer do Sol, e existe pôr-do-sol, mas com um significado completamente diferente: o de uma refeição dos cristãos primitivos tomada ao pôr do Sol, sendo sinónimo, nesta acepção, de ágape. Portanto, peço encarecidamente: nada de confusões!”A refeição correu muito bem. Tão bem, de facto, que me coibirei de a descrever em pormenores que poderiam ser dolorosos para aqueles que imaginam que é em restaurantes caros que se come bem. Levantarei apenas o embargo em relação à sobremesa, que encontrei sob a forma de um pudim abade de Priscos de uma macieza tão rara que o fazia escorregar pelas goelas do comensal sem necessidade de qualquer concurso consciente por parte do próprio. No meu caso, com o grato acrescento de selar tão completamente a minha já ancilosada úlcera duodenal que, finalmente aliviado desta dor crónica, ganho espaço para comportar um pouco melhor as dores do coração. Evito o café “expresso” e o meu fígado agradece. O comprimento da galeria dos quadros que no sentido inverso me tinha trazido à sala de jantar permite-me fazer meia digestão enquanto ao longo da mesma sigo, na companhia do meu amigo Nestor, para regressar ao santuário dos livros. É entre estes que tomo o reconfortante e digestivo chá de Ceilão, já que Ceilão, apesar da forma enganadora, não é masculino, mas neutro. Olho através das portas de vidros encaixilhados e admiro as dezenas de tons de verde da relva aparada e lisa como um tapete. O amarelo-vivo dos limões do velho limoeiro cai bem neste conjunto, assim como os reflexos avermelhados das ameixas que se vão pintando. Tudo ensolarado, tudo soalheiro, tudo exposto ao sol, mas sem a conotação de soalheiro (com a variante solheiro) de espaço em que tanto nas aldeias como nas cidades se sentam pessoas a falar da vida alheia. Nada disso. Ali, na biblioteca, só se lia sobre a vida alheia, mas em recolhimento. Com os mesmos acrescentos de imaginação, mas em recolhimento e pacatez. Que privilégios!. . . Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De Anastácio Somoza, lugar de Tornaleites, freguesia de Espinhal, concelho de Penela:“Exmo Senhor, boa tarde. Gostaria de saber qual a diferença entre percursor, precursor e percussor, pois sou percussionista amador e queijeiro profissional e pode-me dar jeito nas minhas funções”Poderia responder pois não, mas prefiro pois sim. De facto, tem-se assistido a alguma confusão na aplicação prática dos três termos que indica, com especial incidência sobre os dois primeiros. “Percursor” designa aquele que percorre, aquele que faz um determinado percurso previamente aberto por alguém; já “precursor” é aquele que abre caminho, o pioneiro, o que inicia um percurso exploratório, seja na selva ou nas artes (uma outra forma de selva). Relacionando-os, poderíamos dizer, com alguma graça, que o precursor abre caminho aos percursores. Quanto a “percussor” (ou “percutor”, ou “percutidor”) é aquele ou aquilo que percute, que bate contra uma superfície um toque seco, tal como a baqueta na pele esticada do tambor ou no metal do prato de choque ou do gongo (instrumentos musicais de percussão), mas também a peça móvel da pistola ou revólver que bate contra o fulminante da bala. Quando o pica-pau bate no tronco da árvore onde tenciona fazer o ninho, também percute. Até o ritmo cadenciado de uma conversa inoportuna e interminável ou um gargalhar alarve, pelos seus efeitos enjoativamente repetitivos, percutem na paciência dos circunstantes. Ou então são os circunstantes que precisam urgentemente de gozar férias. . .
REFERÊNCIAS:
A hora do tudo ou nada no “Brexit”
A frágil mas resiliente liderança de Theresa May e o Acordo de 14/11, são provavelmente, a melhor (leia-se, a menos má) solução para britânicos e europeus. (...)

A hora do tudo ou nada no “Brexit”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: A frágil mas resiliente liderança de Theresa May e o Acordo de 14/11, são provavelmente, a melhor (leia-se, a menos má) solução para britânicos e europeus.
TEXTO: 1. Está a aproximar-se a hora do tudo ou nada no “Brexit”. A data de 29 de Março de 2019, onde ocorrerá automaticamente a saída britânica da União Europeia, caso nada seja feito que a impeça, está cada vez mais próxima. A 14 de Novembro último o governo do Reino Unido e a União Europeia chegaram, ao nível das equipas negociais, a um entendimento sobre os termos da saída britânica da União Europeia — o Acordo de 14/11. (Ver “Draft Agreement on the withdrawal of the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland from the European Union and the European Atomic Energy Community”). Para os que estão descontentes com o rumo dos acontecimentos, o espaço para a acção política é cada vez mais curto. Isso ocorre, desde logo, com os partidários da permanência na União Europeia (remainers), mas ocorre, também, com os partidários de uma saída “limpa” (os Brexiteers mais radicais), ou seja, sem qualquer acordo. 2. Como é normal numa negociação deste tipo, o texto do Acordo de 14/11 é longo e complexo. Está cheio de detalhes técnico-jurídicos sendo uma leitura difícil na assimilação plena das suas implicações para ambas as partes. O texto principal envolve 300 páginas (Parte I - Disposições Comuns; Parte II - Os Direitos dos Cidadãos, europeus e britânicos; Parte III - Disposições de Separação; Parte IV - Transição; Parte V - Disposições Financeiras; Parte VI - Disposições Institucionais e Finais. Em seguida, as restantes 285 páginas do Acordo incluem três protocolos: o Protocolo sobre a Irlanda/Irlanda no Norte (os anexos 1 a 10 fazem parte integrante desse protocolo nos termos do artigo 21. º); O Protocolo relativo às áreas das Bases Soberanas do Reino Unido em Chipre; e o Protocolo sobre Gibraltar. O Acordo termina com um outro conjunto de 9 anexos sobre diversas matérias. Note-se que é fundamentalmente um entendimento sobre aspectos transitórios da relação entre ambas as partes. Pressupõe, assim, que decorram novas negociações para o estabelecimento de uma futura relação definitiva do Reino Unido com a União Europeia, a partir de 31 de Dezembro 2020 (isto, se tal prazo não for prorrogado por consenso entre ambas as partes, até 1 de Julho de 2020). Assim, transitoriamente, o Reino Unido continuará estreitamente ligado à união aduaneira e ao mercado interno da União Europeia, embora sem participar nos processos decisórios desta após 29 de Março de 2019, pois deixará de ser membro nessa altura. 3. A situação política no Reino Unido é conturbada. Na semana onde foi anunciado o Acordo de 14/11, envolvendo os termos em que decorrerá a saída britânica da União Europeia, vários ministros entre os quais, Dominic Raab, que chefiava a equipa negocial — o mesmo tinha já acontecido ao responsável anterior, David Davis —, abandonaram o governo em ruptura com Theresa May, devido a discordâncias com rumo das negociações. A questão da Irlanda do Norte tem-se mostrado uma das mais espinhosas. Aí, a ideia de manter a fronteira com a República da Irlanda aberta, sem quaisquer entraves fronteiriços, colide com a pretensão de voltar a ter um controlo pleno sobre a política aduaneira e comercial, algo que motivou muitos britânicos a votarem a favor da saída da União Europeia. Neste contexto, o governo de Theresa May é frágil. É algo que se acentuou em 2017, após terem convocado eleições legislativas antecipadas que levaram, ao contrário da expectativa de Theresa May, a que o Partido Conservador perdesse a maioria absoluta de deputados no parlamento. Ficou dependente de um pequeno partido unionista da Irlanda do Norte, o Democratic Unionist Party (DUP). Ao mesmo tempo, Theresa May enfrenta nos últimos meses uma forte contestação da ala mais radicalmente pró-“Brexit” do seu partido (como Boris Johnson e Jacob Rees-Mogg). Os seus membros vêem nela alguém demasiado soft com a União Europeia, alguém que faz demasiadas concessões em matérias de soberania nas negociações de saída. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. 4. Paradoxalmente, a fragilidade política de Theresa May pode ser também um trunfo importante. Esta tem mostrado uma enorme resiliência — surpreendente para muitos —, face às grandes dificuldades do processo negocial e à contestação em vários sectores da sociedade britânica, desde logo dentro do seu próprio partido, como já evidenciado. No caso da oposição, acontece que o Partido Trabalhista e o seu líder, Jeremy Corbyn, também estão numa situação política particularmente difícil quanto ao “Brexit”. Desde logo, há uma divisão entre os que pretendem ficar na União Europeia (em princípio, a maioria do partido), e os que, de alguma forma, consideram preferível a saída, embora os motivos para isso possam ser muito diferentes das razões dos conservadores. Jeremy Corbyn não tem grande simpatia pela União Europeia. Tudo indica que vê até a saída como uma oportunidade para aumentar a sua margem de manobra interna, para prosseguir políticas económicas e sociais mais à esquerda, não constrangidas pelas regras mais liberais europeias. (Ver “Interview with Labour Leader Jeremy Corbyn ‘We Can't Stop Brexit’” in Spiegel Online International, 9/11/2018). Assim, mais do que não poder parar o “Brexit”, Jeremy Corbyn não tem é vontade política de o fazer. Importa notar que vários outros membros influentes do Partido Trabalhista, como o ex-Primeiro Ministro, Tony Blair (ver “Tony Blair urges MPs to vote down any Brexit deal and push for people’s vote” in Guardian, 4/11/2018), têm feito apelos no sentido de parar o processo de saída e fazer um novo referendo. 5. Até agora, entre os Estados-Membros da União Europeia, tem existido uma notável coesão em torno das negociações do “Brexit”. Todavia, com o texto do Acordo final já anunciado, começaram a surgir divergências de maior ou menor relevo. (Ver “Las reticencias de un grupo de países agitan la recta final del Brexit” in El País, 21/11/2018). No caso da Espanha é o problema de Gibraltar que levanta oposição ao Acordo de 14/11, mais concretamente do do artigo 184. º que dispõe sobre as negociações sobre a futura relação entre o Reino Unido e a União Europeia. O governo espanhol entende que não ficou claramente explícito, no texto desse artigo, que o futuro estatuto de Gibraltar dependerá sempre de uma negociação directa entre o Reino Unido e a Espanha. (Ou seja, na prática, que o governo espanhol terá sempre a última palavra nessa questão e não a União Europeia). Um outro aspecto que levantou contestação de vários Estados-Membros como a França, a Holanda e também a Espanha, é a questão do acesso à zona territorial marítima britânica para efeitos de pescas, após a sua saída da União Europeia. Essa possibilidade não ficou prevista no Acordo de 14/11, por oposição britânica. Há, assim, sinais que a unidade europeia em torno das negociações pode desaparecer, dando lugar a soluções bilaterais se o Acordo de 14/11 não for assinado e aprovado por ambas as partes. Sintomático é caso da Holanda, um dos países mais ligados economicamente ao Reino Unido. Já tem um plano de contingência bastante elaborado aprovado, para poder lidar com essa eventualidade. (Ver “This is how the Netherlands could save Britain from the pain of Brexit” in The Independent, 21/11/2019). Abrange, por exemplo, áreas como o reconhecimento das qualificações profissionais e as licenças de condução britânicas, a segurança social incluindo acordos sobre cuidados de saúde para os cidadãos, e as ligações energéticas partilhadas. Mas tudo isto numa lógica bilateral que ultrapassa a União Europeia. 6. Chegou a hora do tudo ao nada no “Brexit” — uma saída sem acordo, ou uma reversão total do processo, permanecendo o Reino Unido na União Europeia. Mas os britânicos que se opõem ao Acordo de 14/11, ainda que por razões diametralmente opostas, como ocorre com os remainers e os Brexiteers mais radicais, incorrem, também, em riscos muito elevados se este não for aprovado. Ao não aprová-lo podem estar a abrir caminho ao que mais receiam: a saída sem qualquer acordo (o cenário de pesadelo para os remainers); e a reversão do processo saída com permanência na União Europeia (o cenário de pesadelo para os Brexiteers). Ao mesmo tempo, também do lado da União Europeia, há riscos elevados. Isto é sobretudo evidente se os Estados-Membros criarem obstáculos significativos à aprovação do Acordo de 14/11, tal como foi negociado, pretendendo incluir outras exigências neste. Desde logo isso irá alimentar, do lado britânico a dinâmica de uma rejeição do Acordo, fortalecendo os Brexiteers mais radicais e a sua possível chegada ao governo, substituído Theresa May por um dos seus. Se os desenvolvimentos forem por aí, a União Europeia poderá começar a abrir brechas e a equipa negocial chefiada por Michel Barnier tenderá a ser contornada pelos interesses nacionais dos Estados-Membros. Cada um, por si, procurará encontrar convenientes soluções bilaterais com os britânicos. Assim, paradoxalmente, apesar da contestação e das suas imperfeições, neste quadro extraordinariamente complexo da política europeia e britânica, que inclui grandes riscos para ambos os lados, a frágil mas resiliente liderança de Theresa May e o Acordo de 14/11, são provavelmente, a melhor (leia-se, a menos má) solução para britânicos e europeus. Veremos o que Conselho Europeu do próximo 25/11, bem como a batalha épica que depois decorrerá no parlamento britânico para a sua aprovação, apontarão nesse sentido.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos social
Justiça e Corrupção (III)
O contribuinte provavelmente terá já entrado com mais de 20 mil milhões de euros para ajudar a banca. Porquê? Ninguém sabe. (...)

Justiça e Corrupção (III)
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: O contribuinte provavelmente terá já entrado com mais de 20 mil milhões de euros para ajudar a banca. Porquê? Ninguém sabe.
TEXTO: Com esta terceira crónica termino a minha reflexão sobre o estado atual da justiça portuguesa e do combate à corrupção. E acrescento um curto apontamento sobre a regulação da comunicação social. 1. Uma notícia com o título “Tribunal Judicial de Braga condenou nesta segunda-feira a um ano e meio de prisão efetiva um homem que roubou seis euros” animou as redes sociais na semana passada. A frase é uma inverdade, pois a condenação não foi especificamente pelos seis euros roubados. Contudo, na minha perspetiva, a questão mais interessante não é essa, mas a frase seguinte: “O arguido vai ter de devolver os seis euros à vítima e pagar uma indemnização de 250 euros por danos não patrimoniais. ” Por outras palavras, neste caso particular, a reposição do património adquirido ilicitamente obedece a uma taxa de 100%. E os danos não patrimoniais são calculados como cerca de 40 vezes os danos patrimoniais. Ora, nos casos mediáticos a que vamos assistindo – lembremos o BPN ou o BPP –, a dita taxa de reposição é cerca de 1%. E danos não patrimoniais nem entram na conversa (supostamente porque não houve violência, nem perdas morais ou emocionais pelas vítimas, nomeadamente os contribuintes). Consequentemente, podemos dizer que, no ordenamento jurídico português, a taxa de recuperação de ativos pode ser qualquer número entre 1% e 100%. E quanto a danos não patrimoniais, simplesmente não há qualquer princípio multiplicador consistente e coerente; a própria doutrina exibe com orgulho o casuísmo da conversão monetária de valores não económicos (porque, felizmente, o direito português não foi contaminado pelo economicismo que abunda nas outras jurisdições). Infelizmente, a obsessão mediática com as penas de prisão esconde uma realidade bem mais preocupante – a completa aleatoriedade da compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais. 2. Pensemos nos dez anos do caso BPN. Cerca de quatro mil milhões de euros depois, desaparecidos ou esfumados (bem acima dos 800 milhões que o então ministro Teixeira dos Santos anunciou; um erro de previsão na ordem dos 500%, absolutamente coerente com a merecida condecoração pelo Presidente Cavaco). Pagos pelo contribuinte. A recuperação de património anda nas centenas de milhares de euros. Espantoso? Se tivermos em conta a tal reforma da justiça que o PSD e o PS, mais o CDS, insistem estar em curso, não tanto. Não se conhece uma única preocupação partidária com o tema. Por conseguinte, não há uma única proposta para remediar o assunto. Ou abundam as desculpas – o património evapora-se porque são atividades de risco; a globalização impede o arresto dos bens que possam responder por tamanhas quantidades; num Estado de direito democrático, não se pode evitar a realocação fraudulenta de património; o importante é a reinserção social dos delinquentes (em estabelecimentos prisionais para doutores, pois claro); a remoção total dos ganhos ilícitos só é preocupação de ordenamentos jurídicos atrasados (Portugal tem o melhor direito processual penal da Europa). Ou aposta-se nos bodes expiatórios – a falta de preparação e meios do Ministério Público (situação que o poder político, desgraçadamente, não conseguiu resolver nos últimos 40 anos); a jurisprudência garantista do poder judicial (por contraste com o caso espanhol, onde curiosamente a acusação habitual é que os magistrados judiciais se comportam como contribuintes ofendidos e desrespeitam as garantias constitucionais dos arguidos banqueiros); o populismo judiciário de alguma opinião publicada. 3. O contribuinte provavelmente terá já entrado com mais de 20 mil milhões de euros para ajudar a banca. Por má regulação e supervisão durante décadas? Por roubo e burla? Por gestão danosa? Por inevitabilidade da globalização? Por corrupção? Ninguém sabe. Opiniões e palpites não faltam, aliás até abundam. Mas um livro branco que explique ao contribuinte porque lhe foi exigido este esforço, isso nem nos sonhos mais criativos do poder político. O circo de comissões de inquérito, inócuas e inconsequentes, vale bem mais que uma investigação técnica e rigorosa, neutra e isenta. 4. E, nesse contexto de transparência e rigor, faz sentido lembrar o recente apelo reiterado do Presidente da República sobre a comunicação social. Não é preciso regular o lobbying (não há forma dos partidos se entenderem no tema). Não é preciso reformar profundamente a ERC. Não é preciso acabar com as portas giratórias, talvez até mais portas escancaradas – dos jornalistas que circulam fluidamente entre a comunicação social e os gabinetes ministeriais, as sinecuras do regime e os gabinetes de imagem das empresas públicas e dos políticos que asseguram 90% do comentário televisivo, radiofónico e da opinião publicada. Não assusta que escrutinados e escrutinadores se confundam sistematicamente num emaranhado de dependências funcionais complexas (se a indústria da comunicação social remunera a classe política, como pode a mesma classe política usar depois recursos públicos para financiar a dita indústria?). Não é preciso disciplinar a promiscuidade. Não é preciso instaurar uma cultura cívica de combate efetivo aos conflitos de interesse. Urgente, mesmo, é estudar como o Estado pode financiar a comunicação social. E com imaginação.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD