Antárctida perdeu três biliões de toneladas de gelo desde 1992
Num estudo na revista Nature, mais de 80 cientistas alertam que, nos últimos 25 anos, a perda de gelo na Antárctida contribuiu para uma subida do nível médio do mar de 7,6 milímetros. (...)

Antárctida perdeu três biliões de toneladas de gelo desde 1992
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DATA: 2018-08-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Num estudo na revista Nature, mais de 80 cientistas alertam que, nos últimos 25 anos, a perda de gelo na Antárctida contribuiu para uma subida do nível médio do mar de 7,6 milímetros.
TEXTO: Se quisermos perceber o efeito das alterações climáticas no planeta, a camada de gelo na Antárctida é um indicador crucial. Esta quinta-feira num artigo científico na revista Nature surgem novos números sobre esse indicador: a Antárctida perdeu cerca de três biliões de toneladas de gelo entre 1992 e 2017, o que corresponde a uma subida do nível médio do mar de cerca de oito milímetros. Além disso, esta edição da Nature traz mais quatro artigos que exploram diferentes aspectos do passado, do presente e do futuro desta região. Num deles, uma equipa de cientistas – na qual participa o português José Xavier – traça dois cenários (um mais pessimista e outro mais optimista) para o continente e oceano Antárctico em 2070. Por que é que a Antárctida é um bom indicador para o estudo das alterações climáticas e da subida do nível do mar? A resposta surge logo no início do artigo sobre a perda de gelo: “As camadas de gelo da Antárctida têm água suficiente para aumentar o nível global do mar em 58 metros. ” Por isso, compreender o balanço da massa de gelo – o saldo líquido de ganhos e perdas – é fundamental para estimar as mudanças nessa região. Só desde 1989, já se fizeram mais de 150 análises às perdas da massa de gelo no continente. Agora, a equipa do projecto Exercício de Intercomparação do Balanço da Massa da Camada de Gelo (IMBIE) – que contou com 84 cientistas de 44 instituições – analisou 24 estimativas da camada de gelo baseadas em observações de satélite entre 1992 e 2017. Depois, combinou esses dados com modelações do balanço da massa de gelo superficial. Na Antárctida Ocidental (que ocupa cerca de 1, 8 milhões de quilómetros quadrados) registou-se a maior perda de gelo. Se nos anos 90 o gelo diminuía 53 mil milhões de toneladas por ano, desde 2012 perderam-se 159 mil milhões. “A maioria [das perdas] surge na enorme ilha de Pine e no glaciar de Thwaites, que estão rapidamente a recuar devido ao degelo”, lê-se num comunicado da Universidade de Leeds (Reino Unido). Na Península da Antárctida (que se estende por cerca de 228 mil quilómetros quadrados), o maior responsável pela redução de gelo foi o colapso de plataformas de gelo, o que levou a um aumento de sete mil milhões para 33 mil milhões de toneladas de gelo perdidas por ano entre 1992 e 2017. Quanto à Antárctida Oriental, que é muito grande, com cerca de 9, 9 milhões de quilómetros quadrados, os resultados são mais “incertos” e praticamente “indistinguíveis de zero”, segundo um resumo sobre o trabalho, e até ganhou cerca de cinco mil milhões de toneladas de gelo por ano. No total, a Antárctida perdeu cerca de três biliões de toneladas de gelo desde 1992. “É a medição mais fiável da subida do nível do mar devido à perda de gelo na Antárctida – um aumento de 7, 6 milímetros desde 1992”, frisa Andrew Shepherd, da Universidade de Leeds e um dos cientistas que liderou o estudo. Mas há um aspecto ainda mais preocupante: “Podemos dizer com confiança que a perda de gelo triplicou desde 2012. ” Antes de 2012, a perda era de 76 mil milhões de toneladas por ano, ou seja, o nível do mar aumentou 0, 2 milímetros por ano. Já entre 2012 e 2017 houve uma diminuição de 219 mil milhões de toneladas de gelo por ano, havendo assim uma subida no nível do mar de 0, 6 milímetros por ano. “O aumento [da perda de gelo] deve-se ao degelo e ao colapso das plataformas de gelo ”, diz Andrew Shepherd. “Se o oceano arrefecer e as plataformas de gelo voltarem a aumentar, então o degelo poderá desacelerar. Mas é preciso que o oceano arrefeça, e isso poderá não acontecer imediatamente. ”Questionado se Portugal será um dos países mais afectados por estas perdas de gelo, Andrew Shepherd responde que é difícil dizer quais serão os mais prejudicados. A equipa frisa ainda que as análises ao balanço da massa de gelo poderão ser melhoradas, nomeadamente através de reavaliações dos levantamentos de satélites nos anos 90. Mas esta edição da Nature não se resume aos resultados deste estudo. Em três artigos de revisão, diferentes equipas de cientistas percorrem a história do clima do planeta e da Antárctida através dos seus núcleos de gelo, analisam a influência global das dinâmicas locais do oceano Antárctico e constatam como as observações por satélite transformaram a nossa visão sobre a criosfera na Antárctida. Por fim, há um artigo que nos deixa outro alerta: se não tomarmos as decisões certas na próxima década para preservar a Antárctida, as consequências serão sentidas em todo o mundo. Para mostrar como o futuro pode ser diferente consoante as nossas acções, uma equipa de cientistas, que inclui o biólogo José Xavier, da Universidade de Coimbra e do British Antarctic Survey (Reino Unido), traçou dois cenários opostos (e extremos, mas plausíveis) desta região em 2070. Esses cenários foram baseados em modelos do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU. Vejamos o cenário mais gravoso (RCP8. 5). Chegámos a 2070 e, nos últimos 50 anos, as emissões de gases com efeito de estufa não pararam de aumentar, houve falta de acção para as diminuir, a população mundial chegou aos dez mil milhões e há mais de um milhão de turistas por ano na Antárctida. “Neste cenário, as temperaturas em 2070 poderão ser mais 3, 5 graus Celsius do que o observado no século XIX, bem superior ao discutido no Acordo de Paris”, diz José Xavier, que já esteve em nove expedições na Antárctida desde 1999. “As consequências serão enormes, por exemplo, com a contribuição da Antárctida para o aumento do nível do mar em mais 25 centímetros, o processo de acidificação dos oceanos mais evidente e um aumento significativo da exploração dos seus recursos, como as pescas. ”O biólogo vê com grande preocupação a governação da Antárctida, que, neste cenário, passou a ser focada na exploração dos recursos, em vez da sua conservação. “Mais, assim que estes processos físicos e biológicos se iniciem a larga escala (exemplo do degelo e consequente aumento do nível do mar), a tendência será para aumentar e poderão ser irreversíveis. ”Entremos num cenário mais optimista (RCP 2. 6) em 2070. A cooperação internacional e medidas eficazes fizeram reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, a perda de gelo na Antárctida abrandou e houve uma gestão equilibrada da presença humana lá. “É de realçar que todos os factores preocupantes salientados no artigo (exemplo do aumento no nível do mar, aquecimento global, degelo e acidificação do oceano) são apenas atenuados e reduzidos (e não necessariamente invertidos)”, frisa José Xavier. “No entanto, a boa gestão dos recursos (por exemplo, junto da Comissão para a Conservação de Recursos Marinhos Vivos da Antárctida) poderá ser fundamental para tentar suster estas mudanças. ”Quanto ao trabalho de investigação, José Xavier e a sua equipa da Universidade de Coimbra têm estudado como é que animais da Antárctida – pinguins, focas ou albatrozes – se adaptarão às alterações climáticas, assim como o que poderá aprender-se com eles sobre o que acontecerá noutras partes do planeta. Como sobreviverão num cenário mais gravoso? “Através dos nossos estudos científicos e ligações a políticas da Antárctida, evidenciámos que os ecossistemas marinhos se alterarão bastante em predadores de topo com o declínio de populações de pinguins. O mesmo poderá acontecer a algumas espécies de albatrozes, que até tentam mudar de dieta, mas sem sucesso, e irão exibir problemas de sobrevivência num contexto de emissões altas”, indica o biólogo. “O mesmo irá acontecer no cenário de baixas emissões, mas os efeitos serão atenuados. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E quanto ao Tratado da Antárctida, que determinou que o continente só deverá ser usado para fins pacíficos e científicos até 2041? “No cenário das emissões altas, estima-se que haverá pressões para que se possa explorar os recursos mineiros”, aponta José Xavier, chefe da delegação de Portugal nas reuniões do tratado, que o país ratificou em 2010. E acrescenta que, embora haja mais países interessados em explorar os recursos da Antárctida, o protocolo ambiental do tratado prevalecerá. Já no cenário mais optimista, o biólogo diz que se prevê uma melhor relação entre o tratado e as Nações Unidas nas questões dos programas ambientais. “As decisões tomadas na próxima década irão determinar qual destes cenários irá ocorrer, pois as emissões terão de começar a decrescer para realisticamente seguirmos o cenário de baixas emissões”, considera o biólogo. “No caso particular da Antárctida, é necessário compreender que as mudanças lá vão ter consequências no resto do planeta (como o nível do mar) e só com fortes colaborações internacionais e interdisciplinares e com fortes provas científicas será possível estabelecer políticas para uma gestão satisfatória da região Antárctida e ajudar a gerir o resto do planeta. ” Ainda vamos a tempo de salvar este continente longínquo.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Éolo, o guardião dos ventos, está pronto para ir para o espaço
O lançamento do satélite Éolo está marcado para 21 de Agosto na Guiana Francesa. Depois de mais de dez anos de espera, ficará no espaço durante três anos a recolher informações dos ventos de todo o planeta. (...)

Éolo, o guardião dos ventos, está pronto para ir para o espaço
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-08-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: O lançamento do satélite Éolo está marcado para 21 de Agosto na Guiana Francesa. Depois de mais de dez anos de espera, ficará no espaço durante três anos a recolher informações dos ventos de todo o planeta.
TEXTO: Vestimos as batas brancas, colocamos uma touca na cabeça, protecções nos pés e o telemóvel no modo de voo. Estamos numa das instalações da Airbus Defence and Space, em Toulouse (França), e a nossa missão é encontrar o Éolo (Aeolus, em inglês), o primeiro satélite que observará o perfil dos ventos à escala global. Pelo caminho, vemos o desenvolvimento de outros projectos. “Nada de fotos”, indicam-nos alguns dos funcionários. As fotografias só são permitidas quando chegamos à sala limpa onde está o Éolo – da Agência Espacial Europeia (ESA) –, que já está (praticamente) preparado para viajar para o espaço a 21 de Agosto. Deparamo-nos com um satélite de quatro metros de comprimento, com painéis solares de lado e um telescópio na frente revestido com material dourado. Mesmo ao lado, sorridente e emocionado, está Anders Elfving, o coordenador do projecto. “Uau!”, é a sua reacção quando lhe perguntamos o que sente ao observar o Éolo e que, na mitologia grega, é o “guardião dos ventos”. “É o nosso Sol!” A sua reacção de veneração deve-se, sobretudo, ao tempo que o projecto demorou a ficar pronto. Tudo começou em 1999 (com a aprovação da missão pela ESA) e a primeira data de lançamento estava prevista para 2007. Houve atrasos e erros de percurso e o projecto – que já vai em 481 milhões de euros (sem o custo de operação) – foi-se prolongando. Anders Elfving juntou-se à equipa do Éolo há oito anos e revela que, quando assumiu a responsabilidade do projecto, encontrou uma equipa desmotivada. “Trabalhava há muito tempo e não via resultados. Então, renovámos a equipa que trouxe ideias novas. ”É a observar o satélite que Anders Elfving relata entusiasticamente o que o estimulou. “Trabalhar para o espaço já é por si especial. Já trabalho há 17 anos com instrumentos científicos que investigam o Universo, a sua origem e para onde vamos. ” Quando se juntou à equipa de observação da Terra da ESA, viu logo que seria interessante: “Achei tão bonito investigar o ambiente. O que é que está a acontecer na atmosfera? E à nossa Terra? Esta missão irá contar-nos muita coisa sobre a nossa atmosfera e será crucial para a humanidade. ”Com 1450 quilos, o Éolo ficará a 320 quilómetros de altitude, viajará a 27 mil quilómetros por hora e completará cerca de 16 órbitas por dia. Nos próximos três anos, monitorizará os ventos a nível global, medindo a sua velocidade e direcção em diferentes alturas. Será a primeira missão a medir a velocidade dos ventos em todo o planeta. Em frente ao satélite, entre outros responsáveis e cientistas, está Wolfgang Lengert, coordenador da missão. Também ele nos conta as dificuldades do projecto nos últimos anos e frisa como foi complicado preparar o instrumento científico que o Éolo levará consigo, o Aladin (Atmospheric Laser Doppler Instrument). “Não é visível. ” E aponta: “Está por trás do painel solar e à frente do telescópio que irá emitir um laser. ”O Aladin é um instrumento que tem uma tecnologia de detecção e localização que funciona através de ondas de luz e se designa por Lidar (Light Detection And Ranging). Usa ainda o efeito Doppler para determinar a velocidade do vento em diferentes alturas. Quando estiver no espaço, o Aladin emitirá um laser de luz ultravioleta para a Terra através da atmosfera. Depois, recolherá essa luz reflectida de volta para o telescópio de 1, 5 metros de diâmetro. “É este laser ultravioleta que faz o Éolo tão especial”, destaca Wolfgang Lengert. Pela primeira vez, um instrumento Lidar estará no espaço. Wolfgang Lengert explica que o Éolo será um complemento dos sistemas meteorológicos que já existem em terra e no espaço e mostra-se entusiasmado com os futuros dados recolhidos pelo satélite. Afinal, trabalha na ESA em Itália, onde os dados serão processados e distribuídos (que passarão antes por outras estações da ESA). Para que servirão? Para melhorar a qualidade das previsões meteorológicas e da qualidade do ar, para compreendermos melhor o papel do vento na temperatura e no clima ou ainda para o estudo das alterações climáticas, do transporte transfronteiriço de poluentes ou de cinzas vulcânicas. Também medirá o vento em zonas menos observadas como os trópicos, os oceanos ou as áreas polares. Espera-se ainda que dê uma ajuda à produção de energia eólica, à protecção de culturas, pescas e ao planeamento de construções. “O problema da meteorologia é que só cobre uma certa área e o Éolo cobre todo o planeta. Logo, podemos ver o caminho de uma tempestade [ou de um ciclone] e de onde vem. Veremos a origem e as circunstâncias em que o vento foi fornecido”, explica Wolfgang Lengert, adiantando que, no futuro, os dados serão disponibilizados para os cientistas e para quem estiver interessado. Durante a missão, prevê-se que sejam feitos cerca de 64 mil perfis de ventos por dia e um processamento e distribuição dos dados para os utilizadores de três em três horas. Espera-se que os dados estejam disponíveis entre o final de Janeiro e Fevereiro do próximo ano. “[A meteorologia] é uma área muito próxima das pessoas. Até na rua, sem se conhecerem, falam no tempo. Agora ficarão com mais para falar ainda”, diz Anders Elfving a rir. Assim que lhe perguntamos se houve cientistas portugueses envolvidos no projecto, diz-nos de imediato e em bom português um nome: “Suzana da Mota Silva. ” A cientista da ESA dá apoio técnico do ponto de vista da qualidade ao Éolo e ao satélite MetOp-C (que será lançado a 20 de Setembro de 2018 na Guiana Francesa). A portuguesa juntou-se ao projecto em Janeiro de 2016 e faz parte da equipa de engenheiros que planeia e executa actividades e processos que garantem o sucesso da missão. “Do ponto de vista tecnológico, é um projecto extremamente interessante”, conta-nos a investigadora por email. “Foi intenso e gratificante ao mesmo tempo!” E até destaca: “O Éolo vai permitir medir o perfil vertical de ventos em torno do globo, que é actualmente uma das grandes incógnitas nesses modelos [meteorológicos]. ”Mas também relata alguns obstáculos: “A maior dificuldade esteve relacionada com toda a tecnologia associada ao desenvolvimento e teste do laser usado para medir a velocidade do vento e, sobretudo, ao seu funcionamento em vácuo (ambiente no espaço) devido à contaminação das superfícies ópticas pela vaporização dos materiais induzida pelo laser. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além de Suzana da Mota Silva, há outras participações portuguesas. Os magnetómetros usados para navegação do satélite foram desenvolvidos pela empresa portuguesa Lusospace. Já a empresa Omnidea produziu e testou as válvulas que asseguram a limpeza da componente óptica do Aladin, o principal instrumento do satélite, adiantou à Lusa o seu director-geral, Nuno Fernandes. E Wolfgang Lengert acrescenta mesmo que o satélite é de todos os portugueses. Afinal, Portugal é um dos membros da ESA. Na sala limpa, ao lado do satélite, há um contentor branco. É onde o Éolo será transportado na próxima semana para Kourou, na Guiana Francesa. Vai atravessar o Atlântico na embarcação da Airbus Ciudad de Cadiz. Como é um instrumento sensível, podia danificar-se devido à diminuição da pressão se fosse num avião. Quanto à sua viagem para o espaço a bordo de um foguetão Vega, em Agosto, Anders Elfving estará, de certeza, a ver partir este guardião dos ventos. O PÚBLICO viajou a convite da Agência Espacial Europeia
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda estudo
A dor da gente não sai no jornal
Nenhum jornal português deu a notícia ou, pelo menos, nenhum alerta me chegou ao telemóvel como no caso de Bourdain. Ao ouvir a história de Jordi fiquei com um enorme nó na garganta. (...)

A dor da gente não sai no jornal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nenhum jornal português deu a notícia ou, pelo menos, nenhum alerta me chegou ao telemóvel como no caso de Bourdain. Ao ouvir a história de Jordi fiquei com um enorme nó na garganta.
TEXTO: Um daqueles sítios de notícias que nos mandam mensagens pelo Google decidiu que numa noite de S. João eu haveria de querer saber que não havia álcool ou drogas no sangue de Anthony Bourdain quando se suicidou. Gostava muito do chef-viajante-jornalista não só pelos programas que fazia, e para lá da inveja positiva do seu ofício, mas também pelo que deixava transparecer da sua personalidade, desapegado, algo intransigente, preocupado, verdadeiro. Por isso, por muito que o admirasse e gostasse dos seus programas e dos seus livros (o esgotado Osso na Garganta foi um dos policiais que mais prazer me deu ler), não fiquei necessariamente com vontade de saber mais sobre a sua morte, para ser honesto nem sequer fiquei muito surpreendido com o suicídio — fartou-se do absurdo da vida, pensei, tentou combatê-lo à sua maneira e perdeu. Não o respeito menos por isso e devolvo-lhe a mesma humanidade que ele tinha quando falava com as pessoas à volta do mundo — os programas dele eram sobre pessoas, a comida era o berloque — e não quero que o tratem como uma estrela e lhe autopsiem a vida, basta o corpo. E do corpo, do corpo de um famoso apresentador que escolheu suicidar-se aos 61 anos, no topo da fama como figura televisiva e aparentemente bem na vida pessoal e profissional, do chef. Não me interessa se tinha vestígios de álcool ou drogas no sangue, nem me interessa se se desentendera com a mulher que amava, nem se o… não me interessa. Uma semana depois de Bourdain se ter enforcado no hotel de cinco estrelas na Alsácia, tocou a campainha de um décimo andar do Edifício 7 de um bairro de Cornellá, Barcelona. Não sei se lhe posso chamar bairro operário, como até meados do século passado, ou se o posso localizar nos “Mares do Sul”, por não saber quantos fãs de Montalbán ainda há, mas sei que Bourdain poderia ter lá ido, fazer um programa. E quando toca a campainha de casa, uma boa parte de nós pensa em coisas boas como a surpresa de uma visita de amigos ou do nosso amor, de um familiar com o jantar e umas fotos antigas, um vizinho que quer falar dos cigarros que andam a deitar pela janela ou do pão que o velhote do 4. º direito atira às pombas. No caso de Jordi, era o banco que tocava à campainha do 10. º, casa 2. ª do edifício 7 do bairro Saint Ildefons. Ninguém o conhecia fora da vizinhança, fazia pela vida como podia desde que perdeu o emprego fixo, e já só andava de bicicleta e com ela percorria os Mares do Sul à procura de um qualquer trabalho, de electricista a… ao que fosse. Há 14 meses que não pagava a renda ao (ai que nome orwellianamente negrobranco) Banco Popular, dono do andar, e eles acabaram por vir, para o despejar. E então Jordi deparou-se com o absurdo, o absurdo de um banco apoiado pelo Estado, pelo Estado que não lhe garante um emprego, o vir despejar com o manu militari que existe para o defender a ele como cidadão, o absurdo de não poder pagar a sua existência, da companheira e do cão, o absurdo de no final do semestre a dona do Banco Santander, que comprou o Popular, poder dizer que recuperou xis milhões de créditos, sem dizer que recuperou a casa 2. ª, do 10. º andar do edifício 7 do bairro Saint Ildefons, em Cornellá. E então, na vertigem de tudo, pensando certamente em nada disto, esqueceu as vertigens e atirou-se. Do 10. º andar daquele bloco, amaldiçoado segundo alguns porque “es el tercero que se suicida tirándose de la ventana. Tercero que yo recuerde”. A reportagem do El Español não conta se tinha álcool no sangue, ou droga. Nenhum jornal português deu a notícia ou, pelo menos, nenhum alerta me chegou ao telemóvel como no caso de Bourdain. Ao ouvir a história de Jordi fiquei (não com um osso como no livro do chef mas) com um enorme nó na garganta.
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Na mercearia da Rita cada produto tem uma história
Durante um ano, Rita Santos pesquisou e percorreu o país à procura dos melhores produtos e das pessoas mais apaixonadas pelo que fazem. Agora abriu, em Lisboa, a mercearia Comida Independente com “grandes produtos de pequenos produtores”. (...)

Na mercearia da Rita cada produto tem uma história
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Durante um ano, Rita Santos pesquisou e percorreu o país à procura dos melhores produtos e das pessoas mais apaixonadas pelo que fazem. Agora abriu, em Lisboa, a mercearia Comida Independente com “grandes produtos de pequenos produtores”.
TEXTO: Espreitamos o Instagram da Comida Independente, a nova mercearia que abriu em Lisboa há um mês. Numa das fotos surge Rita Santos, a fundadora da loja, com duas queijeiras na Feira do Queijo da Serra da Estrela: “Quem chega a Oliveira do Hospital, venha de onde venha, atravessa muitos quilómetros de terra queimada. Morreram mais de 3000 ovelhas só neste concelho. As que sobreviveram estão a palha e, inevitavelmente, ração. Hoje, […] a Mariana Vaz Patto, da queijaria Dos Lobos, disse-me: ‘É preciso que as pessoas conheçam o impacto que isto teve’. Damos o nosso pequeno contributo. Obrigada Mariana e Patrícia. Força a todos os produtores de Queijo da Serra da Estrela. ”A foto e a respectiva legenda dizem muito do que é o espírito desta loja de toldo azul na Rua Cais do Tojo, perto da Avenida D. Carlos. Aqui cada produto tem uma história e Rita (e Inês e Olavo, que com ela trabalham) conhecem-na e gostam de a contar aos clientes. Até porque, depois de muitos anos a trabalhar em multinacionais, Rita decidiu lançar-se neste projecto por acreditar que fazia falta um espaço como este em Lisboa. Mas antes de abrir portas passou um ano a estudar o que havia no país, a seleccionar os produtos que aqui tem, a perceber o que está por trás de cada um deles. Meteu-se no carro, levando algumas pistas e cada uma delas conduziu a muitas outras. Reaprendeu os ritmos da natureza (contava abrir com muitos cogumelos, mas a seca alterou-lhe os planos), percebeu que há alturas em que só terá tomate de conserva, mas sabe que “quando chegar a época do tomate vai ser uma alegria”. Foi também um exercício de procurar responder a perguntas como “o que é português?” ou “o que é autêntico tem que ser antigo ou uma coisa recente pode também ser autêntica?”. “O critério da escolha tem a ver com serem produtores apaixonados pelo que fazem e preocupados com a sustentabilidade na forma como trabalham”, explica. “Foi assim que chegámos à frase ‘Grandes produtos, pequenos produtores’. Os rótulos existentes pareceram-nos um bocado esgotados. O biológico, por exemplo, se percorrer metade do mundo para cá chegar pode ser saudável para quem o consome, mas tem uma pegada ecológica. ”A próxima prova de vinhos da Comida Independente acontece no dia 19 às 19h30 e tem como tema “Variações sobre oxidação”. Vão ser provados vários vinhos, numa harmonização com queijos. O preço é de 25 euros e as inscrições podem ser feitas em geral@comidaindependente. ptE quem vai à Comida Independente procura exactamente isso, produtos com uma identidade. “Uma das coisas engraçadas deste projecto é que as pessoas querem conversar sobre comida. Essa relação tinha deixado de existir quando se passou a consumir em grandes superfícies, num comércio mais organizado. Mas agora começa a voltar essa vontade de conhecer a origem dos produtos”, garante Rita. Os clientes não só fazem perguntas como, muitas vezes, deixam também sugestões. “Dão-nos dicas, dizem ‘Tem que ter aqui um enchido que é da minha terra’. Nós tomamos nota e agradecemos. ” Colocaram até, na parede, um mapa de Portugal para que todos possam identificar os locais onde existem determinados produtos que gostariam de ver na loja. “Queremos que este seja um projecto participado. ”Percorremos a zona da entrada, o balcão do lado direito com um montra de enchidos e queijos (portugueses e alguns de outros países, mas igualmente de pequenos produtores). Rita detém-se para dar uma explicação: “Fizemos uma espécie de balizas, estabelecendo que 80% dos produtos seriam portugueses, 15% de regiões vizinhas e 5% de outras zonas do mundo. Isso ajuda-nos a manter a coerência mas, ao mesmo tempo, a ter coisas complementares às nossas. ”No caso dos queijos, a impressão com que partiu para as suas explorações pelo país foi a de que “os queijos portugueses eram uma imensa ovelha, com pouca diferença entre si”. Mas descobriu coisas diferentes, teve algumas boas surpresas e percebeu que aprofundando o diálogo com os produtores podia desenvolver um trabalho interessante. “Com o Queijo Serra da Estrela, por exemplo, estamos a pedir para ver cinco momentos diferentes de cura, para que não seja só amanteigado, como o comemos aqui em Lisboa, nem só velho, como eles comem na serra. Achámos importante, depois dos incêndios e percebendo a dificuldade em ter queijo novo, promover essa apreciação de um queijo mais velho. ”Continuamos o nosso percurso, com Rita a apontar para os frigoríficos que ficam do nosso lado esquerdo, mostrando a Marmelada Branca de Odivelas (aproveita para nos explicar o truque de confecção que permite que fique branca), o delicioso Pudim Abade de Priscos de Miguel Oliveira, os iogurtes artesanais vindos de São Brás de Alportel, as manteigas dos Açores, a salicórnia, e, mais à frente, depois dos frescos (o fornecedor é o produtor biológico Vasco Correia, da Moita e os legumes chegam à sexta-feira), o frigorífico da carne, de raça barrosã. Há também pão, vindo da Maçussa, do produtor de queijos Adolfo Henriques. Não é fácil ter raças autóctones portuguesas, como Rita tinha sonhado. “É uma dificuldade enorme encontrar carne em unidades que as pessoas possam facilmente levar para casa. No caso da Carne Barrosã, definimos os cortes já imaginando como a peça pode vir a ser confeccionada. Mas com as outras carnes é difícil, apesar de termos contactado produtores de ovelha churra, do porco malhado de Alcobaça, das cabras serpentinas. Ter aqui um capão de Freamunde, por exemplo, é um desafio. ”No outro corredor da loja, há produtos da Herdade do Freixo do Meio, chocolates da Feitoria do Cacao, bolachas, frutos secos, e uma variedade de outros produtos, além de aventais e algumas louças. No meio, junto à garrafeira, uma grande mesa onde nos sentamos a conversar com Rita, com um copo de vinho branco Ermita, do produtor Mateus Nicolau de Almeida (um trabalho em torno da mesma casta, Rabigato, mas proveniente de diferentes parcelas), e uma tábua de queijos, enchidos e delícias como a papada de porco da marca Feito no Zambujal ou o chouriço azedo de Vinhais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É altura de falarmos dos vinhos, que, tal como os queijos, também incluem alguns estrangeiros. No mês de vida da Comida Independente houve já uma prova de vinhos e estão planeadas mais três. “Na primeira, apresentámos cinco vinhos, numa lógica de continentalidade”, explica Rita. “Os vinhos estrangeiros podem fazer sentido aqui em complemento com os portugueses, para mostrar como se relacionam, como é que, por exemplo, de um vinho mais atlântico passamos a um mais continental e, para conseguir essa maior continentalidade, se calhar precisamos de ir até Espanha ou França. ”Telf: 92 540 4510Horário: de terça a domingo das 10h às 20h (encerra às 2ªs)As provas são descontraídas, não há regras. Aqui, as regras vão-se fazendo à medida dos interesses e das descobertas. “O que é bom num negócio destes é que podemos ir criando. ” Afinal, este é uma casa de comida — e de espírito — independente.
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O Outro Casal, a outra Helena
Somos todos voyeurs na nova exposição do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva. Nela se vê parte da obra de Helena Almeida, aquela em que o marido, o arquitecto Artur Rosa, aparece. Um casal que, na intimidade, nos faz pensar noutro(s). (...)

O Outro Casal, a outra Helena
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-08-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Somos todos voyeurs na nova exposição do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva. Nela se vê parte da obra de Helena Almeida, aquela em que o marido, o arquitecto Artur Rosa, aparece. Um casal que, na intimidade, nos faz pensar noutro(s).
TEXTO: Foi há 40 anos que Artur Rosa, arquitecto e escultor, apareceu pela primeira vez na obra da mulher, a artista plástica Helena Almeida. Ele, que estava sempre lá mas por detrás da câmara fotográfica que registava aquelas performances feitas na intimidade do atelier, deixou-se ver. Em 2006 voltou a fazê-lo e dessa vez ficou. Artur Rosa (n. 1926) entra no jogo da auto-representação a que Helena Almeida (n. 1934) nos habituou exactamente como ela quer, submetendo-se a todas as indicações de cena, à coreografia precisa e ao cenário minimal mas rigoroso que a artista constrói para os seus vídeos e fotografias. Por regra, faz questão de dizer nas raras entrevistas que dá, tudo começa no desenho, suporte primeiro das ideias que lhe servem de ponto de partida e que lhe chegam a toda a hora, de repente ou devagarinho. O desenho antes de quase tudo, portanto, no trabalho de alguém que cedo se cansou da pintura. Entre a “primeira vez” de Artur Rosa com Ouve-me (1979), obra com oito fotografias em que ambos se olham frente-a-frente (à excepção da última), tendo pelo meio um corpo estranho (um saco semitransparente, uma vezes insuflado, outras não), e 2006, ano em que o arquitecto e escultor reaparece em O abraço, concebida para a exposição antológica que Helena Almeida inaugurou no ano seguinte, na Fundação Telefónica, em Madrid, houve um longo período. “Nesse espaço de tempo o desenvolvimento plástico do trabalho da Helena passou pela representação do seu próprio corpo. O Artur só volta a entrar quando há uma espécie de exaustão dessa auto-representação solitária”, explica Isabel Carlos, comissária da exposição O Outro Casal, que reúne uma série de obras de Helena Almeida em que o seu marido está dos dois lados da objectiva e que até 9 de Setembro pode ser vista no Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, em Lisboa. O Outro Casal, naturalmente, porque se trata de introduzir um outro corpo duplo – chamemos assim a esta terceira entidade que nasce de uma cumplicidade de mais de 60 anos como a de Helena Almeida e Artur Rosa – num território que pertence a Arpad Szenes e a Maria Helena Vieira da Silva, evocados numa nova exposição (Un couple) que reúne cerca de 40 pinturas, desenhos e esboços em que o pintor húngaro que durante mais de meio século partilhou a vida com a artista portuguesa se retrata com a mulher. “Quando a Marina [Bairrão Ruivo, directora do museu da Praça das Amoreiras] me convidou a fazer aqui uma exposição da Helena Almeida, depois de já ter mostrado a Paula Rego e a Lourdes Castro, tornou-se evidente que teria de passar pelo casal e veio-me logo à ideia O abraço, essa fusão de dois corpos que é tão bonita, tão emotiva”, diz Isabel Carlos, que conhece a produção da artista em profundidade. O abraço, obra ocomposta por sete fotografias de grande formato que pertence à colecção da galerista espanhola Helga de Alvear, é agora mostrada pela primeira vez em Portugal, ao lado de obras como Looking back (2007) e S/título (Ref. #9), de 2010, ligada a um vídeo que também faz parte de O Outro Casal. Nestas duas últimas obras – fotografia e vídeo – Helena Almeida e Artur Rosa aparecem com uma perna ligada à do outro por fios eléctricos, caminhando em sintonia e sem que consigamos ver-lhes os rostos. São fios grossos, duros, com uma presença escultórica, diz Isabel Carlos, que remetem para as obras dos anos 1970 em que a artista trabalhou com crina de cavalo. No vídeo, o som torna ainda mais graves as imagens – sente-se o peso dos pés a arrastarem-se no chão do atelier que pertenceu ao pai da artista, o escultor Leopoldo de Almeida; sente-se o esforço de sintonia que implica caminhar lado a lado quando se abdicou da liberdade de movimentos. “Os dois atados um ao outro – é a Helena que os ata, note-se, porque é dela a obra, é ela que dirige sempre – são como uma sintonia forçada e lembram-nos uma verdade universal da vida em casal: há que abdicar permanentemente de alguma coisa, há que forçar um bocadinho para que duas pessoas possam partilhar uma vida, uma história. Porque, no fundo, são sempre dois seres que podem ver a vida de maneira diferente, que nem sempre querem a mesma coisa. ” Por mais que pareçam um só, como em O abraço. Nela Helena Almeida e Artur Rosa estão sentados num banco de madeira alto, abraçados e num equilíbrio instável. De fotografia para fotografia cresce a urgência daquele abraço, como se cada corpo fosse a garantia de salvação do outro, como se de cada corpo dependesse o outro. “Também nesta obra se pode falar de auto-representação porque estes dois corpos pertencem-se. ” Confundem-se e confundem-nos. “O espectador é sempre um voyeur na obra da Helena porque fica sempre com aquela sensação de estar a violar a intimidade e, no caso desta exposição, a intimidade de um casal. ” Uma intimidade que é condição inegociável para a existência da obra e que passa pelo atelier, um espaço que é muito mais do que o lugar onde as coisas acontecem. É assim que a artista explica por que razão é o marido a fotografá-la: “É sempre ele porque é importante que as fotografias aconteçam no lugar físico em que eu as pensei e projectei. E como tal tem de ser alguém próximo de mim. ”Nunca houve, de facto, outra pessoa por trás da câmara fotográfica ou do vídeo em décadas de carreira, sublinha a comissária. E só uma vez foi dada autorização para que alguém exterior entrasse mais demoradamente no atelier para conversar sobre o processo de trabalho. Foi Joana Ascensão, e dessa “visita” nasceu Pintura Habitada (2006), o documentário de 50 minutos que se pode ver agora no museu. Também nele é a voz de Helena Almeida que se ouve, também nele Artur Rosa prefere os bastidores. É nesse filme que mostra os cavaletes, escadotes, mesas, bancos e vestidos com que costuma trabalhar no atelier que a vemos a folhear os seus arquivos, a recordar exposições e artigos de jornal, a conversar com o bailarino e coreógrafo João Fiadeiro, que fez uma peça a partir do seu trabalho (I am here), em que começava por dançar na escuridão. "Os nossos trabalhos são muito físicos", diz-lhe Helena Almeida ao assistir em vídeo a um momento da coreografia em que Fiadeiro lhe parece particularmente cansado, no limite. A sua obra, afinal, também lida com os limites, reconhecerá mais à frente neste Pintura Habitada: os da auto-representação, os do corpo. Não há aqui nenhuma confusão em relação à autoria, nem nunca houve, sublinha Isabel Carlos. A obra é de Helena Almeida, não é produto de uma dupla. Artur Rosa tem a sua própria carreira como arquitecto, sobretudo – é o autor da estação de metro do Terreiro do Paço, em Lisboa, e da escultura que sai pela janela no átrio do Grande Auditório da Gulbenkian, por exemplo. É um “cúmplice”, costuma dizer ela. Ou o “primeiro espectador”, diz ele. Mais uma vez impõe-se referir a obra do outro casal, o “primeiro”, quando se trata do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva. “Nestes dois casais ambos trabalham sem necessidade de interferir na obra do outro, mas estão sempre lá. Acompanham-se, vigiam-se”, diz Marina Bairrão Ruivo, a directora do museu. “O Arpad pinta a Vieira obsessivamente ao longo da vida, mas também faz muitos registos do casal. Quando olho para estas pinturas e desenhos que o Arpad faz dos dois fundindo-se com uma mesa ou uma cadeira, não há como não pensar na obra da Helena Almeida em que ela e o Artur Rosa aparecem abraçados num banco alto. ”Se no caso de Arpad Szenes e Vieira da Silva as emoções chegam com o traço, com a pintura, com Helena Almeida e Artur Rosa elas estão, para usar a expressão feliz de Isabel Carlos, “em estado fotográfico”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "Há um lado muito performático nestes dois corpos que formam um só, sem conseguirmos perceber onde começa um e acaba o outro. Mas há também um lado de reinvenção de uma artista que começou a trabalhar nos anos 60 e que está longe de se acomodar ao que já fez até aqui", acrescenta a comissária, lembrando que Helena Almeida experimenta muito até chegar exactamente à imagem que quer. "Para encontrar duas fotografias faz 20. E é importante que seja Artur Rosa a ouvi-la e a seguir as suas indicações porque, para além de seu marido, é também escultor. Ele parece saber sempre onde ela quer chegar. "Dentro de dois meses Helena Almeida, que continua a trabalhar, deverá apresentar uma nova obra na galeria de Helga de Alvear, em Madrid. Isabel Carlos já fez perguntas sobre ela, mas a artista, que "não é uma mulher da palavra", foi vaga na resposta: "Tem muitas Helenas, muitas Helenas", disse. Por onde andará desta vez Artur Rosa?
REFERÊNCIAS:
Moreira diz que número de dormidas em AL estabilizou no Porto
Autarquia ainda está a estudar formas de regular o sector, mas não anunciará medidas antecipadamente, como aconteceu em Lisboa. (...)

Moreira diz que número de dormidas em AL estabilizou no Porto
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Autarquia ainda está a estudar formas de regular o sector, mas não anunciará medidas antecipadamente, como aconteceu em Lisboa.
TEXTO: O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, considera que o mercado já está a ajudar, de alguma forma, a conter a expansão do alojamento local na cidade. Segundo o autarca, os dados da taxa turística indicam que o número de dormidas em AL estabilizou, o que não impede o município de procurar, ainda assim, definir medidas de regulação “que não matem a galinha dos ovos de ouro”. E que não passarão, garantiu, por qualquer travão ao licenciamento de novos hotéis. “Quanto ao AL, acreditamos que é preciso regular”, anuiu Moreira na assembleia municipal desta segunda-feira à noite, adiantando que, seja qual for a opção, o que o Porto não fará é anunciar qualquer moratória com um mês de antecedência, como fez Lisboa, opção que teve como efeito imediato uma explosão do pedido de registos de casas para AL na capital. O autarca não deu na altura mais informações sobre a estabilização de dormidas em AL na cidade mas, a pedido do PÚBLICO, o gabinete de imprensa do município acrescentou, já esta terça-feira, que o independente se referia ao facto de os dados da receita do Airbnb, no último trimestre, de Julho a Setembro, terem estabilizado “em cerca de 930 mil euros, valor muito idêntico à receita do 2. º trimestre”. A mesma fonte explicou ainda que, no final de Setembro, o munícipio estava a receber taxas de 81% dos AL registados, valor ligeiramente superior aos 75% que, em Agosto, estavam a cobrar a taxa turística aos seus hóspedes. O independente, que respondia a uma questão da deputada municipal Susana Constante Pereira, do Bloco de Esquerda, anunciou que “em breve” levará aos órgãos municipais uma proposta, que está neste momento a ser trabalhada no gabinete do vereador com o pelouro do turismo, Ricardo Valente. Para essa proposta, explicou, estão a ser analisadas as opções seguidas noutras cidades europeias, e que vão das restrições ao AL em determinadas áreas à limitação do número de dias em que uma casa pode ser arrendada ou à imposição de quotas para AL e para arrendamento de longa duração, em prédios de habitação colectiva. No Porto, segundo dados recolhidos pelo PÚBLICO em Setembro, havia 6738 registos, estando a larga maioria (71, 3%) concentrados na União de Freguesias do Centro Histórico, que junta Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória. A segunda freguesia com mais registos é o Bonfim (887), seguindo-se Lordelo do Ouro e Massarelos (341), Paranhos (282), Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde (171), Campanhã (130) e Ramalde (121). O PÚBLICO consultou o Registo Nacional de Alojamento Local, e verificou que na semana passada houve também um pico de pedidos de registo no Porto, em dois dias, mas nada comparado com o que se passou em Lisboa. Moreira acrescentou que pretende dosear o AL e equilibrá-lo com os contratos de arrendamento de longa duração. O município, insistiu, tem tentado fazer algum trabalho nesse sentido, recorrendo ao direito de preferência na compra de imóveis no centro da cidade, para manter os inquilinos que lá morem. E, aliás, foi no debate provocado pela proposta de aquisição de mais um prédio, na Rua Mouzinho da Silveira, que o tema voltou a ser abordado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O Bloco de Esquerda, que apoia, como a CDU, o PS e o PAN, esta política de aquisição de prédios de habitação pelo município, insistiu que o preço das casas na cidade do Porto aumentou 20% e que “o número de habitações convertidas em alojamento local supera já o número das habitações com arrendamento de longa duração”. Por isso, argumentou Susana Constante Pereira, a estratégia do município na área da habitação não se pode ficar pelo exercício do direito de preferência, considerando urgente a suspensão de novas licenças de alojamento local na cidade. Já o PSD insiste que o município não deveria estar a comprar casas, a preços especulativos, “aquecendo ainda mais o mercado imobiliário”, criticou o deputado Francisco Carrapatoso. Os sociais-democratas questionaram a ausência de informações, na proposta, sobre o número e o tipo de contratos de arrendamento que a medida permite manter, queixa partilhada pela CDU. Sobre isto Rui Moreira disse que os oito dias seguidos que a câmara tem para decidir o exercício do direito de preferência não são suficientes para fazer essa análise antecipadamente. O autarca comprometeu-se, ainda assim, a coligir dados sobre o impacto, em termos de arrendamentos preservados e características das pessoas abrangidas, das aquisições que já foram concluídas. E deixou um número, para tentar desmontar a crítica do PSD sobre o carácter especulativo destas compras. Dos 4524 casos de transacções analisados pelos serviços desde 2016, insistiu, apenas em 67 casos, ou seja 1, 5% do total, o município exerceu, efectivamente, este direito.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PAN PSD
Haddad já tinha vida difícil contra Bolsonaro e Ciro Gomes não facilita
Candidato do PT afastou-se da imagem de Lula da Silva, mas os apoios não aparecem. O PDT de Ciro Gomes deu-lhe um apoio frio e o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso mantém uma posição morna. (...)

Haddad já tinha vida difícil contra Bolsonaro e Ciro Gomes não facilita
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.03
DATA: 2018-11-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Candidato do PT afastou-se da imagem de Lula da Silva, mas os apoios não aparecem. O PDT de Ciro Gomes deu-lhe um apoio frio e o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso mantém uma posição morna.
TEXTO: O sprint final de Fernando Haddad para alcançar Jair Bolsonaro na corrida pela Presidência do Brasil está a encontrar ainda mais obstáculos do que se previa antes da realização da primeira volta, que o candidato da extrema-direita quase venceu sem precisar de repetir a ida às urnas. No final da primeira semana após a realização da primeira volta, que era importante para se perceber se o candidato do PT poderia contar com a maioria dos votos que não foram para Bolsonaro, Haddad viu ser publicada uma sondagem que mantém o fosso em relação ao seu adversário – e teve outras más notícias. Um dos caminhos possíveis para encurtar essa distância de entre 15 e 16 pontos era receber um apoio claro e empenhado de Ciro Gomes, o candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de centro-esquerda, que ficou em terceiro lugar na primeira volta, com 12%. Se Haddad pudesse contar com a esmagadora maioria dos mais de 13 milhões de votos que foram para Ciro Gomes, teria um caminho mais desafogado para se aproximar de Bolsonaro. Mas o resultado das conversações entre os dois, esta semana, não garante que seja esse o cenário final. Ciro Gomes e o seu PDT limitaram-se a dar um "apoio crítico" ao candidato do PT, que na prática se traduz em duas ideias principais, segundo o jornal Folha de S. Paulo: criticar Bolsonaro sem falar de Haddad, e dessa forma posicionar-se como alternativa a ambos numa eventual futura candidatura à Presidência. Esse apoio frio e distante ficou ainda mais vincado quando Ciro Gomes decidiu partir para uma visita ao estrangeiro, onde deverá ficar até ao fim da próxima semana – tornado inviável um apoio mais visível, com comparências em comícios ao lado de Haddad, por exemplo. As contas que muitos analistas faziam antes da primeira volta – somando a maioria dos votos da oposição a Bolsonaro aos votos de Haddad, permitindo-lhe vencer a corrida na segunda volta – levantam agora uma questão que "não é aritmética, é político-eleitoral", escreve Eliane Cantanhêde no jornal Estadão. "E, aí, a conta não fecha", diz a jornalista. "Logo, o desafio do PT para dar a volta por cima não é tirar voto do adversário, mas pescar votos dos candidatos derrotados. O principal deles é Ciro, porque teve mais votos e porque 70% dos seus eleitores, segundo o [instituto] Datafolha, tendem a votar em Haddad", escreve Eliane Cantanhêde. Uma estratégia que dificilmente terá o sucesso de que Haddad precisa depois de Ciro Gomes ter declarado o seu "apoio crítico". Acresce que Haddad tem outro adversário de peso nestas eleições: o próprio PT. "Os 16 pontos de vantagem de Bolsonaro no Datafolha indicam que o medo não é de Haddad, mas do PT", escreve o jornalista José Roberto de Toledo na revista Piauí. "A grande maioria dos eleitores não conhece Haddad o suficiente para odiá-lo nem para temê-lo. Não nessa intensidade e quantidade. Se não é da pessoa física, só pode ser da jurídica. É manifestação do antipetismo, e isso diferencia a eleição de 2018 das outras em que o medo venceu", diz Roberto de Toledo. Para além do "apoio crítico" do PDT, Haddad conta com o apoio sem reservas do Partido Socialista Brasileiro (que não apresentou candidato às eleições) e do Partido Socialismo e Liberdade, cujo candidato, Guilherme Boulos, teve apenas 0, 58% dos votos na primeira volta. Nas duas semanas que faltam até à segunda volta, marcada para 28 de Outubro, Haddad e o PT terão de continuar a tentar convencer outras personalidades da política brasileira a declararem um apoio inequívoco à sua candidatura – mesmo que seja um voto útil contra Bolsonaro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas a ideia de unir uma "frente democrática" também tem esbarrado na indefinição de personalidades como o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e Joaquim Barbosa, antigo presidente do Supremo Tribunal Federal. Nos últimos dias foram tornados públicos vários apelos para que Henrique Cardoso apoie de forma clara Haddad e critique Bolsonaro – de um grupo de advogados de São Paulo, ao filho do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura militar em 1975, passando pelos portugueses Manuel Alegre e João Soares. Mas, apesar de o ex-Presidente brasileiro ter criticado o candidato de extrema-direita em várias ocasiões, começando numa entrevista à revista Veja há 26 anos, o apoio convicto a Haddad e ao PT tem sido difícil de articular. E o seu partido, o PSDB, declarou-se neutro na quarta-feira – dividido entre a linha mais centrista de Cardoso e do seu candidato às presidenciais, Geraldo Alckmin, e a corrente pró-Bolsonaro de João Doria, o candidato a governador de São Paulo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho tribunal medo
E quem nos devolve mais de mil horas de vida?
O problema é que não é o populismo futebolístico que justifica a cobertura mediática. É ao contrário: a incessante cobertura mediática é que gera também o populismo futebolístico. (...)

E quem nos devolve mais de mil horas de vida?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.25
DATA: 2018-07-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O problema é que não é o populismo futebolístico que justifica a cobertura mediática. É ao contrário: a incessante cobertura mediática é que gera também o populismo futebolístico.
TEXTO: No dia em que foi invadido o centro de treinos do Sporting dezenas de pessoas tinham sido mortas na Faixa de Gaza. Espera, vamos voltar atrás. Esta frase está ao contrário. Naqueles dias em que dezenas de pessoas foram mortas na Faixa de Gaza, o centro de treinos do Sporting foi invadido por um bando de agressores organizados que atacaram os jogadores do clube. Notícia rara e importante, sem dúvida. Notícia que transcendia em larga medida os âmbitos do noticiário desportivo, se é que esse conceito ainda faz sentido e que não vivemos já numa fantasia mediática em que tudo é noticiário desportivo e é o resto da realidade a precisar de um secção pequenina lá para o fim dos telejornais. Seja como for, o ponto é este: desde esse dia até agora mais de mil horas de noticiário nas televisões e rádios foram dedicadas aos acontecimentos ligados à direção do Sporting (os dados são de uma empresa que recolhe dados para media e empresas, a Cision, e davam 911 horas de Sporting/Bruno de Carvalho até 18 de junho; com a aproximação da Assembleia Geral do clube que destituiu o agora ex-presidente a contagem deve ter ultrapassado largamente as mil horas). Não só Portugal estava a falar de futebol quando o resto do mundo estava a falar de Israel e da Palestina, como Portugal estava a falar de Bruno de Carvalho muito mais do que de futebol propriamente dito. O Aves ganhou a Taça de Portugal e ninguém lhe ligou. O FC Porto ganhou o campeonato e teve direito a cerca de um terço do noticiário que teve o Sporting. Só a participação de Portugal no Campeonato do Mundo de Futebol deu finalmente alguma luta. Alguns poderão dizer que esta recente explosão de populismo futebolístico merecia não só destaque noticioso como até esta espécie de monocultura mediática em que vivemos. O problema é que não é o populismo futebolístico que justifica a cobertura mediática. É ao contrário: a incessante cobertura mediática é que gera também o populismo futebolístico. Bruno de Carvalho dava “boa televisão” no sentido em que dava audiências. E audiências dão dinheiro, num panorama televisivo apinhado de canais e grupos de comunicação que já viram melhores dias em termos de viabilidade financeira. Na ausência de auto-regulação, entra-se numa espiral de desespero: se o canal vizinho mostrou ontem meia hora da conferência de imprensa de Bruno de Carvalho, nós vamos mostrar uma hora; se um opositor a Bruno de Carvalho estava num canal, a Bruno de Carvalho era fácil estar em todos os canais na mesma noite. E por aí afora, até ao dia em que até um candidato de extrema-direita à presidência da Juve Leo já conseguia cobertura a todas as horas em certos canais de televisão por cabo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A seguir chegam os argumentos da relevância social do futebol e dos clubes em particular, que ninguém nega, para se justificar este género de saturação de todo o espaço televisivo (e radiofónico) disponível. Ora, uma coisa é relevância do futebol e dos clubes, outra coisa é a relevância das guerras internas dos clubes. Anteontem foram votar às eleições do Sporting cerca de 15 mil pessoas; um pouco menos de dez mil terão destituído Bruno de Carvalho. Mesmo neste tempo de decadência da indústria livreira, ainda há muitos autores que vendem tantos livros (sem que as televisões falem deles) quanto Bruno de Carvalho teve de pessoas a votar nele. Mas poder-me-ão dizer, finalmente, que isto é assim em todo o lado e que mais vale acomodarmo-nos. Não é verdade. Há noutros países clubes importantes que foram à falência, se extinguiram ou baixaram de divisão sem que isso merecesse da parte das televisões esta espécie de waterboarding noticioso a que fomos sujeitos. Na Itália, que está longe de ser bom o exemplo, o caso da Juventus ou o da Fiorentina não tiveram direito a uma cobertura sequer perto do que agora aconteceu em Portugal com o Sporting. E quanto à pergunta com que começámos esta crónica? A resposta é que ninguém nos vai devolver as mais de mil horas de vida e de espaço público que perdemos para este caso. Resta-nos, como prémio de consolação, aprender com elas. Tal como alguns comentadores compreenderam finalmente, com o populismo e tribalismo clubístico, os perigos do populismo e tribalismo político que menorizaram antes, pode ser que aprendamos todos que a saturação do espaço público tem consequências. E que não podemos continuar como até aqui: ou há auto-regulação ou deve haver uma ação da Entidade Reguladora da Comunicação Social que ajude a garantir um mínimo de relevância e diversidade nos conteúdos da nossa esfera pública televisiva.
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Palavras-chave social género espécie aves
Nick Cave atira-se de braços abertos ao mundo
É a digressão de que toda a gente fala e que não vai passar por Portugal. Nick Cave, os Bad Seeds e o público que invade o palco, noite após noite, têm contribuído para um regresso emocional à vida depois da tragédia e da edição recente da antologia Lovely Creatures. (...)

Nick Cave atira-se de braços abertos ao mundo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: É a digressão de que toda a gente fala e que não vai passar por Portugal. Nick Cave, os Bad Seeds e o público que invade o palco, noite após noite, têm contribuído para um regresso emocional à vida depois da tragédia e da edição recente da antologia Lovely Creatures.
TEXTO: É um dos mais carismáticos performers da música popular em actividade. Não é de se defender em palco. Pelo contrário. Esse é o espaço por excelência onde se tem exposto ao longo de mais de 35 anos de carreira. Ainda assim, a presente digressão de Nick Cave e dos Bad Seeds, tem surpreendido. Nunca se o viu tão próximo do público para se deixar envolver por ele e este tão disponível para o receber nos seus braços, forma talvez de ele se reconciliar com o seu mundo depois da tragédia. “Não quero que as pessoas venham aos concertos e se envolvam no drama de outra pessoa”, dizia Nick Cave ao The Guardian em Maio, numa das raras ocasiões em que depois da morte do filho de 15 anos, Arthur, e posterior edição do álbum Skeleton Tree (2016), falou à comunicação social. “Quero que os concertos sejam inspiradores e que as pessoas saiam a sentir-se melhor do que quando entraram”, dizia no início de uma digressão que já passou pela Austrália, que está neste momento nos EUA, e chegará à Europa em Setembro, sem qualquer data portuguesa, naquela que é a talvez a maior omissão do calendário luso de concertos de 2017. Nick Cave and The Bad Seeds Autoria:Nick CaveBMGÉ normal que Nick Cave tenha proferido tais palavras. Mas também é inevitável que a ressonância desse acontecimento traumático, ocorrido no Verão de 2015 em Brighton, esteja patente nos espectáculos, nem que seja de forma subliminar, tendo em atenção que tem apresentado sete das oito canções que constituem o comovente Skeleton Tree, onde a morte do filho às vezes é aludida de forma directa, mas a maior parte das vezes é-o alegoricamente, estando lá como subtexto. O álbum, mais do que um momento de catarse, parecia mostrar alguém a agarrar-se à vida através da maneira que sabe: criando canções. Agora os concertos parecem ser ele a regressar paulatinamente à existência, depois de algumas alturas em que, como confessou, lhe foi difícil lidar com a perda. Dir-se-ia que existem muitas formas de reagir a acontecimentos funestos – há quem se feche sobre si próprio, mas também quem se abra ao mundo – e ele parece estar mais próximo desta segunda categoria. Abandonar-se à assistênciaNo início tentou controlar, até onde isso é possível, a comunicação com o exterior (através da feitura do documentário One More Time With Feeling, realizado por Andrew Dominik, e pela ausência de declarações). Mas agora em palco as emoções foram mesmo libertadas. O impulso inicial foi esconder-se do público, como referia na entrevista ao The Guardian, até que ele e a mulher perceberam que sofrer abertamente podia ter efeitos benéficos, em vez de se enclausurarem num universo de memórias. Depois da exibição do documentário, ele e a mulher foram inundados por mensagens de pessoas que passaram por lutos e que quiseram partilhar as suas experiências, o que, segundo ele, os ajudou a lidar com a situação. Os concertos parecem agora funcionar da mesma forma. Os relatos, as fotos e os vídeos dos espectáculos parecem dar conta disso, em momentos de raiva ou de emocionante beleza, sem nunca deixar de lado o sentido de humor na interacção que estabelece com a assistência deste o início. Não apenas para a provocar, como tantas vezes fez, mas para se abandonar a ela, incentivando até à invasão de palco nas canções finais, com ele, os músicos e a assistência parecendo fazer parte do mesmo ritual de comunhão, num misto de bênção e celebração. Não é propriamente novo. É o tipo de performer que ultrapassa com facilidade a linha que separa palco e plateia, mas desta vez dir-se-ia que essa conexão emocional tem sido levada a um novo patamar, sem deixar de estar presente pudor. Mas nem só das admiráveis canções do último álbum têm vivido esses concertos. O resto do alinhamento tem sido constituído por uma dúzia de temas que estão incluídos na recente e mais completa antologia (Lovely Creatures: The Best of Nick Cave and The Bad Seeds – 1984-2014) alguma vez editada por ele, que existe em diversas versões – de apenas 2CD, até uma que contém três CDs, um livreto e um DVD com actuações ao vivo ou entrevistas. No total são 45 canções seleccionadas pelo próprio Nick Cave e por um dos outros fundadores dos The Bad Seeds, Mick Harvey. “Este disco pretende ser uma porta de entrada num catálogo de mais de três décadas de música”, disse, tentando justificar as escolhas. “É muita canção. Algumas são obrigatórias dos concertos. Outras são menos conhecidas e estão entre as nossas favoritas. Outras são demasiado grandes e têm demasiada história para podermos deixá-las de fora. E ainda há as que não conseguiram entrar, coitadas. Essas terão de as descobrir sozinhos. ”É uma antologia que começa em From her to eternity, quando a fúria arrebatada herdada do pós-punk dos Birthay Party ainda se fazia sentir, até ao delicado Push the sky away, passando pela vertigem de The mercy seat, a elevação de Straight to you, a cólera de Loverman, a abnegação de Into my arms, o lirismo de Love letter, ou a exuberância de Jubilee street, numa viagem entre tensão, drama e romanticismo, quase sempre com muito blues e rock pelo itinerário. Ao longo dos anos, como este conjunto admirável de canções expõe, permitiu-se ser anjo, demónio, apocalíptico, mergulhando de cabeça na sarjeta da vida mas também sendo revigorado por ela, abordando os temas que sempre fizeram parte da sua lírica: vida, morte, religião, sexo, amor. É uma compilação que parece funcionar como organizadora do seu momento actual. E isso tem sido perceptível nos concertos, com ele a afirmar que a sua relação com as canções vai mudando com os anos. Enquanto os temas do álbum mais recente são desnudadas e elegíacas, a maior parte das vezes não necessitando mais do que voz, piano, sintetizador ou ocasionais sugestões rítmicas, o resto das canções, repescadas do seu catálogo, são baladas sombrias ou sonhos delirantes, com elementos sonoros a entrelaçarem-se, vogando por entre as sílabas. No centro dessa versatilidade parece estar Warren Ellis. Ao longo dos anos Nick Cave and The Bad Seeds foi sempre um grupo. Ou seja, Nick Cave é um Bad Seed. É claro que é fácil focarmo-nos nele. Ele é o arquitecto e o instigador. Mas é vital reconhecer que à sua volta tem tido um naipe de notáveis músicos. Como disse uma vez Mick Harvey, ao lado de Blixa Bargeld, talvez o mais conhecido dos seus colaboradores do passado, “seria muito difícil para ele trabalhar com músicos de sessão. Ele precisa de pessoas a sério que se relacionem com as suas ideias idiossincráticas – quando começamos uma canção ele traz directivas sobre a atmosfera a desenvolver, mas depois seguimos nós e as coisas começam a acontecer. ”Hoje é Warren Ellis, colaborador de longa data de Nick Cave, tanto nos The Bad Seeds, como nos Grinderman, ou ainda na composição de bandas-sonoras, a compreendê-lo melhor do que ninguém. Foi ele que percebeu que a interpretação vulnerável no último álbum necessitava de repousar em poucos elementos, com a sonoridade ampla e as subtis alusões ambientais a criarem o necessário espaço para a voz sobressair. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Hoje, para além de Warren Ellis (violino, guitarra, piano, teclas), faz-se acompanhar por Thomas Wyler (bateria, percussões, vozes), George Vjestica (guitarra), Martyn P. Casey (baixo, vozes), Jim Sclavunos (percussão, bateria, órgão, vibrafone, vozes), Conway Savage (piano, órgão, vozes) e Toby Dammit (teclados), ou seja um notável grupo de músicos experimentados que o amparam. Mas mais do que meros executantes, como referia Mick Harvey, são também pessoas criativas. “Sem o seu alento e a sua presença nada disto teria sido possível”, afirmou na Austrália natal, depois do primeiro concerto da presente digressão. É provável que se estivesse a referir apenas ao seu regresso aos concertos. Mas mais do que um retorno aos palcos, o que se tem visto nas salas de espectáculo por onde tem actuado é uma reconciliação consigo próprio depois de tempos difíceis, traduzida numa nova forma de se relacionar com as canções, com a sua memória e, principalmente, com o público.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Em Portugal também dá para ir daqui ali e pouco (ou nada) poluir
A viagem ambientalmente sustentável segue por cá. Alternativas há, ideias também – duas delas podem morar no ecrã do telemóvel e lançam desafios que descartam carros. Outras apontam para a extinção das lombas, tudo por um bom motivo. (...)

Em Portugal também dá para ir daqui ali e pouco (ou nada) poluir
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.18
DATA: 2018-12-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: A viagem ambientalmente sustentável segue por cá. Alternativas há, ideias também – duas delas podem morar no ecrã do telemóvel e lançam desafios que descartam carros. Outras apontam para a extinção das lombas, tudo por um bom motivo.
TEXTO: Acabámos a lista de projectos de mobilidade no estrangeiro com uma proposta do Governo holandês: pedalar para o trabalho por recompensas monetárias. A viagem ambientalmente sustentável segue, agora, por Portugal, a partir de Lisboa. A aventura da Biklio começou mesmo na capital, mas já “houve testes em Braga e em Torres Vedras”, estando a ser preparado “o lançamento em Aveiro”, avança João Bernardino, da startup. É mesmo isso: pedalar por benefícios em lojas que cooperam com a aplicação (disponível para Android e iOS), que rastreia a actividade de quem a usa através “da vibração detectada”. Depois, na loja, é só confirmar o exercício feito e receber a recompensa. Para além disso, pode-se comer sem culpas — andar de bicicleta conta sempre como exercício físico. A saga das bicicletas continua, agora com a oportunidade de se escolher mais do que um destino; desta vez, a partir de duas universidades. O Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) quer ver os seus alunos, professores e funcionários a deslizar pelos campi nas Bira a partir deste mês. São 200 bicicletas (160 eléctricas e 40 convencionais) espalhadas pelas seis escolas do IPVC, que se encontram em Viana do Castelo, Ponte de Lima, Valença e Melgaço. Em comunicado, Carlos Rodrigues, vice-presidente do IPVC, apontou que o objectivo é “a sensibilização da academia e, através da academia, a sociedade em geral, para a necessidade de se substituir a mobilidade assente nos combustíveis fósseis para uma mobilidade ‘suave’. ” Para além das Bira, também serão oferecidos capacetes, cadeados, minibombas e kits de ferramentas. O IPVC é uma das 15 instituições académicas que receberam as bicicletas da U-Bike Portugal, um projecto do POSEUR - Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos. As bicicletas podem também ser encontradas nas academias de Bragança, Vila Real, Porto, Covilhã, Évora ou Beja. Gémeos rijos? A descansar também é possível ajudar, igualmente, a atingir objectivos de mobilidade sustentável; desta vez, ao telemóvel. A proposta da Mobility Urban Values (MUV) é um jogo — com níveis para desbloquear de acordo com os pontos conquistados — que também serve de “observatório” para um projecto de investigação e inovação financiado pela Comissão Europeia, o Horizon 2020. Em Portugal, brinca-se no Fundão. A cidade é uma das seis escolhidas pela MUV, que analisa os hábitos de mobilidade dos seus utilizadores. Amesterdão, Barcelona, Gent, Helsínquia e Palermo também entram na brincadeira. A aplicação quer “promover uma mudança para escolhas de mobilidade sustentáveis e saudáveis”, encorajando os jogadores a realizar uma série de desafios. Terminada a tarefa, há recompensas no comércio local das cidades. Tudo isto para permitir que se “aprimorem os processos de planejamento” e para “criar novos serviços capazes de melhorar a qualidade de vida das cidades de maneira mais eficaz”, explica a página da app do Fundão. Da Beira Baixa seguimos directos para Olhão, a espreitar a Ria Formosa. É possível que por lá se encontre o Sunsailer 7. 0, um barco movido a energia solar, criado mesmo ali, no Algarve, pela Sun Concept. João Bastos, director-geral da empresa nascida em 2015, explica que o Susailer é “ideal para zonas costeiras protegidas ou rios” — e é por isso que também o podemos ver pelo Minho, Aveiro ou Cascais. Na verdade, os 18 barcos (para já) construídos pela empresa algarvia encontram-se “um pouco por todo o país”. A embarcação movida pelo sol aguenta-se até nove horas sem ele e tem espaço para 12 pessoas, estando preparado para “turismo marítimo, pesca ou mergulho”. Ainda por pousar no mar está o primeiro catamarã da Sun Concept, o Cat 12. 0, que está em fase de acabamento. “É um barco pronto para mar aberto, leva 25 pessoas e pode enfrentar vagas de seis metros e vento forte”, aponta João Bastos, que explica ainda as possibilidades do catamarã: “Pode servir para turismo de alta qualidade, mergulho e também fazer pequenas carreiras, transportando os ocupantes. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A inovação tecnológica, a modificação de comportamentos e todas as dúvidas sobre as crescentes soluções que vão surgindo são apenas alguns dos temas em discussão no dia 30 de Outubro, num open day organizado pelo PÚBLICO, com o objectivo de partilhar conhecimentos, ideias e boas práticas sobre o impacto da mobilidade na vida das pessoas e nas cidades e o futuro que nos espera no nosso dia-a-dia. No Centro Cultural de Belém, em Lisboa, a partir das 9h de dia 30. Enquanto esperamos pelo catamarã, podemo-nos fazer à estrada e seguir para outras paragens. Pelo caminho, o carro faz com que os postes de luz, os semáforos ou as passadeiras se iluminem. É mesmo na estrada, com o carro a saltitar entre lombas, que encontramos o último destes exemplos: o pavimento da Pavnext, uma startup portuguesa, que não tem só uma função. Além de substituir as desconfortáveis lombas das estradas, o pavimento também desacelera o veículo (mesmo sem o pé no travão) e, sem repararmos, capta-lhe “a energia cinética e converte-a em energia eléctrica”. A tudo isto acrescenta-se a recolha de “dados de velocidade e tráfego” e de “energia gerada e consumida” — informações relevantes sobre “a circulação rodoviária e o consumo energético para as cidades inteligentes”, explicou ao P3 Francisco Duarte, da Pavnext, em Outubro de 2017, quando a venceu ganhou um dos prémios do Climate Launchpad, “o maior concurso de ideias de combate às alterações climáticas do mundo. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave consumo